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A cada dia, o ensino de Língua Portuguesa se torna mais desa- fiador ao professor, pois, com as inovações tecnológicas, diversos gêneros textuais surgem, exigindo que ele domine novas formas de comunicação. Diante do excesso de informações que circulam em todas as mídias e o acesso imediato a elas, cabe ao professor contribuir com o desenvolvimento do aluno, por meio de práticas cada vez mais diversificadas de letramento. Esta obra trata de temas relacionados aos desafios que os professores de Língua Portuguesa têm enfrentado nas mais dife- rentes instituições de ensino, levando o leitor a compreender por que é importante ensinar Língua Portuguesa àqueles que já a têm como língua materna. Código Logístico 59148 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6577-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 7 7 6 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Tatiana Maria Couto Carvalho Tainá Thies Lucienne Lautenschlager IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: ESB Professional/ NarongchaiHlaw/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C329f Carvalho, Tatiana Maria Couto Fundamentos teóricos e práticos do ensino de língua portuguesa/ Tatiana Maria Couto Carvalho, Tainá Thies, Lucienne Lautenschlager. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE , 2020. 112 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6577-6 1. Língua portuguesa - Estudo e ensino (Ensino fundamental). I. Thies, Tainá. II. Lautenschlager, Lucienne. III. Título. 20-62997 CDD: 372.6 CDU: 373.3.016:811.134.3 Tatiana Maria Couto Carvalho Mestre em Estudos de Linguagens pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Especialista em Ensino e Aprendizagem da Língua Espanhola e suas Literaturas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e licenciada em Letras Português/Espanhol pela mesma instituição. Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Atuou como professora no ensino fundamental, médio e superior. Atualmente produz materiais didáticos na área de linguagens para diversos segmentos educacionais. Tainá Thies Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Linguística pela Universidade Gama Filho (UGF). Licenciada em Letras Português pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduanda de Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atuou como consultora educacional, professora de ensino superior e coordenadora de projetos em educação. Atua na formação de professores para o ramo editorial, como professora em cursos de pós-graduação e como autora de materiais didáticos para ensino básico e superior, além de produzir contos e histórias infantis. Lucienne Lautenschlager Mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Letras pela Universidade Braz Cubas (UBC) e em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (Uninove). É autora de diversos livros sobre educação e possui renomada experiência na formação de educadores, tanto na área privada quanto pública. Atua como psicopedagoga e consultora educacional de uma multinacional. SUMÁRIO Videoaula em QR code! Agora é possível acessar nossas videoaulas por meio dos QR codes inseridos no livro. Note que existe, ao lado do início de cada seção de capítulo, um QR code (código de barras) para acessar a videoaula. Para acessá-la automaticamente, basta smartphone, tablet ou notebook para o QR code. Em algumas versões de smartphone, é necessário ter instalado um aplicativo para ler QR code, disponível gratuitamente na App Store e na Google Play. SUMÁRIO Videoaula em QR code! Agora é possível acessar nossas videoaulas por meio dos QR codes inseridos no livro. Note que existe, ao lado do início de cada seção de capítulo, um QR code (código de barras) para acessar a videoaula. Para acessá-la automaticamente, basta smartphone, tablet ou notebook para o QR code. Em algumas versões de smartphone, é necessário ter instalado um aplicativo para ler QR code, disponível gratuitamente na App Store e na Google Play. 1 Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 9 1.1 Concepção de língua 9 1.2 Texto: tipos e gêneros textuais 16 1.3 Letramento e práticas sociais de linguagem 19 2 Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 22 2.1 Compreensão e produção de textos orais 23 2.2 Recursos paralinguísticos: efeitos de sentido 27 2.3 Variação linguística e oralidade 28 3 O ensino da leitura 33 3.1 Formação do leitor 33 3.2 Leitura na escola 41 3.3 Leitura em diferentes suportes 46 4 A produção textual na escola 51 4.1 Planejamento da escrita 52 4.2 Construção do propósito comunicativo 58 4.3 Revisão e reescrita de textos 63 5 Reflexões sobre a análise linguística 68 5.1 A gramática aplicada à escrita 69 5.2 A escolha das palavras: o papel da análise lexical 73 5.3 Estratégias para corrigir textos 77 6 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 83 6.1 A base do letramento e multiletramento no ensino de Língua Portuguesa 84 6.2 A BNCC de Língua Portuguesa no ensino fundamental – anos finais 88 6.3 A BNCC de Língua Portuguesa no ensino médio 93 7 Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 98 7.1 Atividades e avaliações em Língua Portuguesa 99 7.2 Como avaliar um livro didático? 103 7.3 Novas tecnologias e o ensino de Língua Portuguesa 108 Sabemos que, a cada dia, o ensino de Língua Portuguesa se torna mais desafiador ao professor, pois, com as inovações tecnológicas, diversos gêneros textuais surgem, exigindo que ele domine novas formas de comunicação. Diante do excesso de informações que circulam em todas as mídias e o acesso imediato a elas, cabe ao professor contribuir com o desenvolvimento do aluno, por meio de práticas cada vez mais diversificadas de letramento. Esta obra está organizada em sete capítulos. No Capítulo 1, refletimos sobre as concepções de língua e o conceito de letramento associado às práticas sociais de linguagem. No Capítulo 2, procuramos evidenciar as finalidades das interações orais e seus aspectos formais, estilísticos e linguísticos. Em seguida, no Capítulo 3, objetivamos apresentar caminhos e metodologias que podem ajudar os professores a formar leitores críticos e experientes. Contemplamos, no Capítulo 4, etapas exigidas para o ensino de produção textual em sala de aula, desde o planejamento até a revisão da escrita. No Capítulo 5, procuramos discutir de maneira contextualizada o ensino da gramática e do léxico, culminando em estratégias para a correção de textos. Na sequência, no Capítulo 6, procuramos relacionar o avanço tecnológico às novas práticas de alfabetização, ao letramento e ao multiletramento nos anos iniciais do ensino fundamental, além de apresentar propostas da BNCC para a Língua Portuguesa no ensino fundamental e médio. Por fim, no Capítulo 7, apresentamos ideias de como fazer atividades e avaliações, além de trazermos critérios para a seleção de um livro didático. Esta obra trata, portanto, de temas relacionados aos desafios presentes e futuros que os professores de Língua Portuguesa da educação básica têm enfrentado nas mais diferentes instituições de ensino, levando-nos a compreender por que é importante ensinar Língua Portuguesa àqueles que já a têm como língua materna. Bons estudos! APRESENTAÇÃO Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 9 O processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa tem sido muito discutido por pesquisadores e educadores nasúltimas décadas. Buscam-se explicações para o fracasso escolar e para o baixo rendimento do aluno brasileiro em provas oficiais, além de um caminho que possa ser trilhado com segurança para um aprendizado efetivo de nossa língua. Algumas questões devem nortear essa busca: por que precisamos estudar a língua que falamos? O que mais pretendemos aprender sobre a língua que usamos todos os dias? Com base nesses questionamentos, percebemos que primeiramente precisamos compreender o que definimos como língua, para só então refletirmos sobre nossos objetivos de aprendizagem e sobre os percursos que devemos percorrer para alcançá-los. Neste capítulo, analisaremos as concepções existentes de língua e refletiremos sobre a mais adequada à nossa realidade. Também estudaremos o papel do texto no processo de ensino e aprendizagem da língua e o conceito de letramento e sua relação com as práticas sociais de linguagem. Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa Tatiana Maria Couto Carvalho 1 1.1 Concepção de língua Videoaula Pode parecer óbvia a afirmação de que o conhecimento de um edu- cador define o que e como ele ensina, entretanto, para grande parte dos educadores, ainda não está clara a concepção de linguagem que norteia sua docência, e a escolha por uma concepção de linguagem deve im- plicar o planejamento, a eleição e produção de materiais didáticos e a condução das aulas e práticas pedagógicas desenvolvidas. Ao não definir 10 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa uma concepção de língua, o docente não fundamenta suas práticas e não consegue estabelecer objetivos reais para sua ação pedagógica. Por linguagem, em seu sentido amplo, compreendemos qualquer tipo de comunicação entre seres vivos (linguagem do cinema, linguagem dos cachorros, linguagem corporal etc.). Do ponto de vista linguístico, a lingua- gem é definida como a capacidade que os seres humanos têm de criar, desenvolver, compreender e utilizar uma língua para a comunicação. O conceito de língua também pode ter diferentes definições, mas, linguisticamente, entendemos que língua é o sistema de signos (sons e gestos) que utilizamos para nos comunicar com outros membros da nossa comunidade linguística. Podemos afirmar, portanto, que o con- ceito de linguagem é mais amplo que o de língua, mesmo que ambos estejam intrinsecamente relacionados. Segundo Travaglia (1997), as formas como vemos a linguagem e a língua são tão importantes no momento de estruturar o trabalho com a língua em sala de aula quanto a postura que se tem em relação à edu- cação. Nessa perspectiva, é certo afirmar que os modos de se conceber a linguagem – e a língua, consequentemente – relacionam-se direta- mente aos modos de se desenvolver os processos de ensino e aprendi- zagem da Língua Portuguesa. Passaremos a analisar, portanto, os três modos de conceber a linguagem que têm se desenvolvido ao longo do percurso histórico da linguística. A obra Linguagem, língua e fala apresenta os conceitos relacionados à linguagem e à língua de maneira simples e acessí- vel àqueles que não são da área da linguística. É uma leitura essencial aos docentes comprometidos com o ensino de língua em sala de aula. TERRA, E. 3. ed. São Paulo: Saraiva UNI, 2018. Livro 1.1.1 A linguagem como expressão do pensamento Para essa concepção, o pensamento é anterior à linguagem, de modo que é o pensamento lógico que determina a qualidade do que se escreve, já que a linguagem é a expressão do pensamento e atua como um espelho. Segundo Travaglia (1997, p. 21), o fenômeno linguís- tico é entendido como “um ato monológico, individual, que não é afe- tado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece”, isto é, a linguagem é individua- lista, fruto exclusivo do pensamento do falante e de sua capacidade de organizá-lo e exteriorizá-lo, e a língua é vista como um produto acaba- do e inerte, um sistema estável. Dessa forma, para essa concepção, a capacidade de pensar logica- mente resultaria em uma linguagem tão lógica quanto, e, para estru- turar esse pensamento, normas gramaticais devem ser incorporadas. É nessa concepção que se baseia o estudo gramatical tradicional ou Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 11 normativo, segundo o qual o domínio da língua equivale ao domínio da teoria gramatical. Até a década de 1960, a prática de ensino de língua nas escolas era voltada ao ensino da metalinguagem (o estudo da língua por ela mes- ma). Estudavam-se os conceitos, as normas de uso e as classificações das estruturas da língua, independentemente do contexto. Nessa épo- ca, o público escolar era prioritariamente de alunos mais favorecidos economicamente, e os estudos tradicionais da gramática normativa privilegiavam o falar dessas camadas sociais. Na concepção de linguagem como expressão do pensamento, o es- tudo da gramática é garantia do bem falar. O falante que domina o código – a língua, suas classificações e regras de uso – domina também a linguagem e, por consequência, está qualificado a ler e escrever com qualidade. Por valorizar a forma de falar e escrever utilizando a norma culta, o estudo da língua é prescritivo, reduzido às normas, e a ideia central é a de que existe uma forma de linguagem correta. Para Koch (2003, p. 13), essa concepção corresponde ao entendi- mento de um “sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações”. Ela esclarece que o texto, então, é visto como um produto – lógico – do pensamento [...] do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão “captar” essa repre- sentação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo. (KOCH, 2003, p. 16) Ou seja, o texto é um produto acabado e o papel do leitor é receber as informações nele contidas. Não há espaço para reflexões, questio- namentos ou críticas nessa concepção. 1.1.2 A linguagem como instrumento de comunicação Essa concepção surge com base nos estudos estruturalistas de Saussure e nas ideias gerativistas de Chomsky sobre aquisição de linguagem. Para Chomsky, as pessoas já nascem dotadas de uma gramática in- terna, capacidade inata de produzir inúmeras expressões em sua lín- gua materna. Segundo o linguista, esse processo acontece de dentro para fora, mas só se efetiva com estímulo externo. Já Saussure enten- de a língua como um sistema homogêneo e abstrato, um fato social exterior ao indivíduo (que não pode criá-la ou modificá-la). Segundo o pesquisador, portanto, a língua é imposta coercitivamente ao falante, constituindo-se como um elemento de organização social. Partindo desses conceitos, para essa concepção, a língua se presta a um estudo sistemático de sua estrutura e configuração, com o objetivo de analisar sua função como meio de comunicação entre os falantes. Sua proposta é estudar o funcionamento da língua, o que acaba por separar o falante de seu contexto social. O estudo da Língua Portuguesa, sob a luz dessa concepção, enfatiza a forma e assume que a prática e a repetição promovem o aprendiza- do. Assim como na concepção anterior, não há espaço para reflexões ou questionamentos sobre o uso da língua. Ainda que para essa concepção a linguagem esteja diretamente rela- cionada à comunicação, a interação e as condições de produção dos enun- ciados não são consideradas. Nas palavras de Travaglia (1997, p. 22): Essa concepção levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou no desempenho (cf. Chomsky). Isso fez com que a Linguística não considerasse os interlocutores e a situação de uso como deter- minantes das unidades e regras que constituem a língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é social e histórico na língua. Essa é uma visão monológica e ima- nente da língua, que a estuda segundo uma perspectiva forma- lista – que limita esse estudo ao funcionamentointerno da língua – e que separa o homem no seu contexto social. Um conceito bastante utilizado nessa concepção é o dos elemen- tos da comunicação, cuja estrutura, representada na Figura 1, é ampla- mente utilizada nos materiais didáticos dessa concepção. Receptor Ra w pi xe l.c om /S hu tt er st oc k Emissor Canal Código Mensagem Figura 1 Elementos da comunicação 12 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 13 Esse conceito enfatiza o entendimento de que a comunicação é a transmissão da mensagem de um emissor para um receptor. A mensa- gem é formada por um código e transmitida por um canal. A grande falha do processo é considerar a comunicação como unilateral, estática, des- prezando a interação. O papel do receptor é passivo, pois cabe a ele não interpretar a mensagem, mas decodificá-la. No ensino da língua materna sob a ótica dessa concepção, portanto, a forma e o estudo das estruturas morfossintáticas por meio da prática e da repetição de exercícios estruturais e sistemáticos são enfatizados. O objetivo é internalizar inconscientemente os usos e hábitos linguísti- cos, típicos da norma culta. Tanto a concepção de linguagem como instrumento de comunica- ção quanto a de linguagem como expressão do pensamento encontra- ram no estudo da gramática normativa sua principal forma de atuação em sala de aula, de modo que o ensino com base nesses dois entendi- mentos compartilha das mesmas práticas. São elas: • Leitura que corresponde à decodificação do texto apenas, sem um processo de compreensão ou análise do contexto de produção. • Memorização de itens classificados ou de regras da gramática normativa. • Uso do texto como pretexto para ensinar a teoria gramatical; em- pregado para reconhecer e classificar classes gramaticais. • Produção de textos de maneira mecânica (redação artificial, ge- ralmente dissertativa sobre um tema aleatório, muitas vezes des- colado da realidade do aluno). • Correção das redações apenas no que se refere a erros de grafia, sem proposta de reescrita. • Entendimento do texto como produto acabado, sem interlocutor, com fim em si mesmo. • Aplicação de exercícios e outras atividades que privilegiam a for- ma em detrimento do conteúdo. • Práticas pedagógicas baseadas exclusivamente na figura do pro- fessor como único detentor do conteúdo. • Reforço da figura do aluno passivo, receptor do conhecimento. Essa metodologia de ensino, ainda aplicada em muitas escolas, tem sido bastante criticada, principalmente a partir da década de 1980. O fim 14 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa do período militar em nosso país abriu caminho para outras metodolo- gias, que não corroboram com a massificação do ensino e que abrem espaço para outros falares que não apenas os das classes privilegiadas. 1.1.3 A linguagem como processo de interação Essa concepção se constitui como uma abordagem mais moderna. Diferentemente das anteriores, entende a interação humana como o lugar da linguagem, no qual se constituem as relações sociais. A língua se constitui por meio da interação verbal social entre in- terlocutores; não se trata de um sistema formal, estável, previamen- te constituído e apenas operado pelos falantes que a dominam. É por meio da linguagem que as pessoas desempenham seus papéis sociais, e é por meio dos diálogos que acontecem as trocas de conhecimentos e vivências. Assim, os sujeitos atuam como agentes sociais, já que a linguagem é empregada como forma de atuação na sociedade. As relações dos falantes com a sociedade são determinantes para a produção dos enunciados. São as situações sociais que definem, por- tanto, os textos utilizados em cada contexto. Desse modo, a linguagem deixa de ser monológica e desprendida da realidade. Ao contrário, seu entendimento passa a ser dialógico e contextualizado. Para essa concepção, o discurso se manifesta por meio de textos (verbais, orais, verbo-visuais, multimodais etc.), e cada situação de uso da língua tem seus textos relativamente estáveis que podem ser mais adequadamente empregados. A forma de atuação do indivíduo com seu discurso é determinada pelo contexto. Nas palavras de Koch (2003, p. 17): “o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos”. O texto não é mais uma unidade acabada e fechada em si mesmo, mas uma dimensão discursiva, capaz de atuar em múltiplas esferas de circulação como resultado das trocas entre os sujeitos que atuam em determinados contextos. Assim, a produção de sentidos também resi- de na interação, pois os significados de um enunciado não estão no tex- to nem dependem da mera decodificação por parte do leitor/receptor, mas são constituídos na interação entre eles. Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 15 Essa concepção é a indicada pelos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), diretrizes elaboradas pelo Governo Federal que orientam a educação no Brasil. Os documentos definem que o estudo da Língua Portuguesa deve se fundar em uma visão dialógica de linguagem. Toda e qualquer análise gramatical, estilística, textual deve con- siderar a dimensão dialógica da linguagem como ponto de parti- da. O contexto, os interlocutores, gêneros discursivos, recursos utilizados pelos interlocutores para afirmar o dito/escrito, os sig- nificados sociais, a função social, os valores e o ponto de vista determinam formas de dizer/escrever. As paixões escondidas nas palavras, as relações de autoridade, o dialogismo entre tex- tos e o diálogo fazem o cenário no qual a língua assume o papel principal. (BRASIL, 2000, p. 21) Para a concepção dialógica/sociointeracionista, o processo de ensi- no e aprendizagem se pauta nos seguintes entendimentos: • A sala de aula é um espaço de interação verbal, ou seja, de troca entre os falantes por meio da língua. • O estudo da Língua Portuguesa deve partir de situações concretas, já que são as práticas sociais que originam o gênero e o discurso. • A prática pedagógica deve estar voltada para a pluralidade de dis- cursos, isto é, para o uso e o estudo dos diversos falares. • A norma culta, aquela em conformidade com as regras gramati- cais, é entendida como uma variante da língua, já que todas as variedades passam a ter espaço em sala de aula. • O processo de ensino e aprendizagem contempla a linguagem em uso e em situações de interação verbal. • O estudo da gramática é feito de modo contextualizado, colabo- rando para o entendimento dos textos e para sua produção, sen- do que a análise das categorias gramaticais é feita a partir de sua funcionalidade em um texto. Assim, promove-se a reflexão sobre seu uso e seus efeitos na produção de sentidos. • O entendimento de que há uma forma correta de falar é deixado de lado e os diferentes falares são respeitados, pois são resultado das experiências sociais e culturais dos falantes da língua. O con- ceito de correção cede espaço ao de adequação. A reflexão que o educador deve propor a seus alunos é: qual o discurso mais adequado para cada situação? Por que muitos professores em sala de aula ainda orientam suas práticas pedagógicas segundo concepções ultrapassadas, como a da linguagem como expressão do pensamento e da linguagem como instrumento de comunicação? Atividade 1 16 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa • O texto é objeto de ensino da língua, corresponde a um processo e é vinculado aos usos sociais. • O entendimento de gêneros textuais é fundamental para o estudo da língua, pois corrobora com a ideia de adequação da linguagem. • A produção de texto é planejada dialogicamente e orientada a um propósito, considera o interlocutor e se dá a partir de gêneros; a reescrita faz parte da produção, pois o texto não é considerado um produto acabado, reflexo apenas do pensamento. Na concepçãodialógica/sociointeracionista, o objetivo principal do ensino de língua é propiciar ao aluno a oportunidade de refletir, de maneira crítica, sobre o uso dela, analisar o mundo que o cerca e compreender os papéis da língua como instrumento de interação social, para que possa entender de que formas ela é usada e produz efeitos e sentidos. 1.2 Texto: tipos e gêneros textuais Videoaula Como os documentos oficiais que orientam a educação no Brasil levam em consideração a concepção dialógica/sociointeracionista, a indicação do trabalho por meio de gêneros discursivos é o caminho lógico, visto que é por meio deles que os processos dessa concepção se realizam. Segundo os PCNs, Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em fun- ção das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historica- mente, constituindo formas relativamente estáveis de enuncia- dos, disponíveis na cultura. (BRASIL, 1998, p. 21) Assim, cada atividade ou prática social tem seus gêneros, que as ordenam. Por exemplo, para nos comunicarmos rapidamente por meio do celular, enviamos uma mensagem instantânea; para aprendermos a preparar um prato, procuramos uma receita culinária; para nos infor- marmos sobre os acontecimentos no mundo, usamos as notícias. A mensagem instantânea, a receita e a notícia são exemplos de gê- neros textuais que fazem parte de um rol interminável de gêneros que circulam em uma sociedade que se comunica por meio de enunciados Os gêneros textuais são as formas relativamente estáveis que materializam nossos enunciados nas mais diversas situações que vivenciamos em nosso dia a dia. São fenômenos linguísticos e históricos pro- fundamente vinculados à rea- lidade cultural e social de uma comunidade, que contribuem para organizar e estabilizar as atividades cotidianas. Atenção Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 17 e os organiza com formas relativamente estáveis, segundo suas fun- ções comunicativas e sociais. É impossível definir quantos e quais gêneros existem. Isso porque eles atendem às necessidades humanas e se adaptam às mais diversas situações de interação. Assim, quanto mais variadas forem as esferas de atuação humana, mais gêneros existirão para organizar interações entre os sujeitos. É a sociedade e suas práticas sociais que determinam quais gêne- ros devem surgir, sofrer modificações ou ser extintos. As necessida- des comunicativas humanas mudam no decorrer do tempo e estão diretamente relacionadas à esfera comunicativa na qual o indivíduo está inserido. Desse modo, as mudanças pelas quais passamos origi- nam gêneros, modificam alguns e extinguem outros. Pode-se afirmar, por exemplo, que o e-mail é uma evolução da carta, assim como vá- rios outros gêneros digitais são resultados de modificações de gêneros existentes antes do advento da tecnologia digital. É o que Bakhtin e Volochinov (1997) chamam de transmutação: a assimilação de um gê- nero por outro, originando novos gêneros. Os gêneros se desenvolvem no que se definiu como domínio discursi- vo, que é a esfera de produção discursiva das atividades humanas. Des- sa forma, determinados gêneros são correspondentes a determinado domínio discursivo: na esfera jornalística estão a notícia, a reportagem e o editorial, entre outros; na esfera jurídica estão a petição, o embargo, o agravo etc. Os domínios constituem, portanto, práticas discursivas em que se pode identificar um conjunto de gêneros textuais específicos. A evolução histórica dos gêneros parte das sociedades de cultura oral, que desenvolvem um número limitado de gêneros. Após a inven- ção da escrita alfabética, no século VII a.C., surgiram os gêneros típicos da escrita, que se expandiram ainda mais com o surgimento da cultura impressa, no século XV. Atualmente, na era da cultura eletrônica, há um número praticamente infinito de gêneros e diferentes formas de comunicação, formatadas pelas mídias digitais. Esses gêneros originados a partir da cultura digital criam formas comunicativas particulares, carregadas, na maioria das vezes, de hibri- dismo, ou seja, de uma mescla de linguagens e formatos que as carac- terizam. Não há mais espaço para a antiga dicotomia entre oralidade e escrita, já que esses textos permitem a integração das mais diversas Utiliza-se a expressão relativamente estáveis porque as características de cada gênero não são fixas; ainda que geral- mente possam estar presentes, não é possível dizer que são permanentes e que um gênero não se constitui sem elas. Uma carta, por exemplo, usualmente apresenta um cabeçalho que indica a localização e a data, mas se essa característica for omitida, ainda assim será uma carta. Por isso, dizemos que a forma é estável, porém relativa- mente, ou seja, nem sempre. Saiba mais+ O livro Diversidade textual: os gêneros na sala de aula apresenta oito textos de importantes estudiosos da Língua Portuguesa sobre o trabalho com gêneros textuais em sala de aula. SANTOS, C. F. et al. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica, 2007. Livro 18 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa semioses: signos verbais, imagens, sons e movimento. Esses gêneros textuais são conhecidos como híbridos ou multimodais. Os gêneros são eventos linguísticos, constructos culturais criados pelo ser humano. Constituem-se como ações sociodiscursivas para “di- zer o mundo”, isto é, expressar-se e interagir sobre ele. É com base nos gêneros que se estabelece a comunicação humana e se desenvolve nossa competência comunicativa. Assim, o estudo do gênero privilegia a natureza interativa e funcional do texto, e não mais o aspecto formal e estrutural da língua. No trabalho de ensino e aprendizagem de língua, muitas vezes os conceitos de gênero e tipo textual são entendidos como sinônimos, o que não é verdade. A diferenciação é fundamental para que as práticas pedagógicas se fundamentem adequadamente sobre a concepção dia- lógica de linguagem. Os tipos textuais são enunciados que sustentam e estruturam o gê- nero e abrangem um número finito de categorias. São classificados de acordo com sua estrutura e finalidade: tem como base um enredo; há um narrador e personagens que desenvolvem ações em um determinado tempo e espaço. Narrativo: expõe características e detalhes de algo (objeto, pessoa, lugar etc.). Descritivo: baseia-se no desenvolvimento de um tema e na argumentação para defender uma ideia. Argumentativo (ou dissertativo): apresenta um tema por meio de conceituações, definições etc. Expositivo (ou explicativo): ensina alguma coisa, como as bulas de remédio e os manuais de instrução. Injuntivo (prescritivo): Os tipos textuais se materializam no interior dos gêneros, de modo que em um mesmo gênero podem ocorrer diferentes tipos textuais. No gênero e-mail, por exemplo, o remetente pode incluir De que forma o trabalho com os gêneros textuais em sala de aula pode aproximar o aluno do estudo da Língua Portuguesa? Atividade 2 Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 19 uma sequência narrativa, em que conta algo que lhe aconteceu; uma descritiva, em que descreve como é seu bairro ou sua escola; e uma injuntiva, dando instruções para que o destinatário consiga chegar a sua casa. Nesse exemplo, o gênero textual e-mail é composto de três tipos textuais diferentes. Vídeo No vídeo Alfabetização e Letramento – Parte 01, publicado pelo canal ceelu- fpe, o Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco propõe e sistematiza uma discussão sobre alfabetização e le- tramento, relacionando-os diretamente ao contexto escolar. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Gb_HDtzgmGo. Acesso em: 17 dez. 2019. 1.3 Letramento e práticas sociais de linguagem Videoaula Letramento é um conceito equivocadamente confundido com alfa- betização. Soares (1998, p. 15)esclarece que alfabetização consiste no “processo de aquisição do código escrito, das habili- dades de leitura e escrita”. Esse entendimento fazia parte de uma sociedade de caráter agrícola e manu- fatureiro, em que, na prática, bastava ao trabalhador saber assinar seu nome, o que lhe garantia ainda o status de alfabetizado. Com a chegada da era industrial, as exigências de trabalho passaram a ser outras, e saber ler e escrever se tornou necessário. A partir desse mo- mento, começou-se a questionar se o conceito de alfabetismo vigente até então era compatível com essa nova realidade. Percebeu-se que mais do que dominar o código e a competência do ler e escre- ver, era preciso saber usá-los. A partir de então, por volta da segunda metade dos anos de 1980, surgiu no Brasil o conceito de letramento, uma nova proposta de leitura e escrita. Com base, principalmente, nas relações estabelecidas pelo indivíduo em suas práticas sociais, esse conceito ultrapassou o conhe- cimento do código da língua e envolveu os aspectos sócio-históricos da aquisição do sistema de escrita. Desse modo, entende-se que todas as práticas sociais contextualizadas e fundamentadas na escri- ta do código constituem eventos de letramento. São eventos de letramento, portanto, aqueles que acon- tecem em casa, antes de a criança frequentar a esco- la, como quando um adulto lê uma história para ela. Quando efetivamente começam os eventos de letramento na vida de um indivíduo que vive em uma sociedade letrada? Atividade 3 https://www.youtube.com/watch?v=Gb_HDtzgmGo https://www.youtube.com/watch?v=Gb_HDtzgmGo 20 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Acesso em: 17 dez. 2019. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf/ O artigo Letramento e alfabetização: as muitas facetas discute e relaciona os conceitos de alfabetização e letramento, além de defender a indissociabilidade desses dois processos. SOARES, M. Revista Brasileira de Educação, n. 25, jan./fev./mar./abr. 2004. Artigo Os entendimentos de letramento e gêneros textuais e a concepção dialógica/interacionista corroboram o propósito de preparar o indiví- duo para atuar nas mais variadas práticas sociais letradas da socieda- de, ampliando suas competências comunicativas e desenvolvendo suas habilidades de reflexão sobre o uso da língua. Assim, pode-se dizer que ser letrado é estar preparado para os diversos eventos de letramento na vida em sociedade; é conseguir não só reconhecer e escrever as palavras, mas compreender seus significados nos mais variados con- textos e saber quais e como usar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da linguagem o ser humano se constitui como ser social. É a partir de suas interações, de suas trocas com o outro, que o indivíduo aprende, ensina e se reconhece. O processo de ensino e aprendizagem da língua não pode desprezar o papel da interação verbal e das práticas sociais no estudo da língua. Somente por meio de práticas pedagógicas situadas sobre um entendimento dialógico é que os alunos poderão ser efetivamen- te letrados para atuar efetiva, consciente e criticamente na sociedade. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 8. ed. São Paulo: HUCITEC, 1997. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 17 dez. 2019. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino médio. 2000. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf. Acesso em: 17 dez. 2019. KOCH, I. G. V. Desvendando os Segredos do Texto. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, v. 1. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1997. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf Concepção de língua e ensino de Língua Portuguesa 21 GABARITO 1. Muitos educadores, em suas práticas pedagógicas, buscam reproduzir as mesmas metodologias empregadas durante a própria formação escolar. Antes da década de 1980, eram comuns no Brasil o uso dessas concepções e o ensino exclusivo da gramática normativa. Lamentavelmente, alguns educadores não conhecem os documentos oficiais que direcionam e orientam a educação no Brasil para que o estudo da língua seja dialógico e interacionista, baseado no uso dos gêneros textuais. Vale ressaltar, também, que cabe a qualquer profissional, e isso, logicamente, aplica-se aos educadores, estudar e se manter atualizado sobre conceitos, metodologias, discussões e reflexões que se relacionem a sua área de atuação. 2. Os gêneros textuais são fenômenos linguísticos social e historicamente situados. Diferentemente dos textos artificialmente produzidos com fins didáticos utilizados antigamente, os gêneros textuais são de circulação social, ou seja, ao usá-los em sala de aula para ensino e aprendizagem da língua, o aluno estará em contato com algo real e significativo, que realmente pode fazer parte de sua vida. A partir do estudo dos gêneros, o aluno reconhece os propósitos do estudo da língua e é capaz de torná-lo significativo para sua vida. 3. Participamos de eventos de letramento desde que nascemos, pois vivemos em uma sociedade letrada. É um equívoco pensar que o letramento se dá apenas na escola, que é, sim, a principal agência de letramento, mas não a única. Em uma sociedade letrada, a escrita está presente a todo momento e em qualquer lugar. 22 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Partindo da concepção de linguagem como interação e assumin- do a pluralidade de discursos que perfazem à vida social, passamos a entender o estudo do texto – em suas modalidades oral e escrita – como fundamental para os processos de ensino e aprendizagem de língua na escola. O ensino baseado na norma padrão perde espaço para uma visão mais ampla, que abrange diversos falares e entendi- mentos da língua, compreendendo que a língua em seus propósitos comunicacionais é constituída por seus falantes e, assim, faz mais sentido empregar o que é adequado, e não somente o que é correto. Essa não é uma tarefa fácil para o educador e a escola. Sele- cionar textos e conteúdos e definir metodologias sociointeracionis- tas podem ser complexos, mas as dificuldades não devem ser um empecilho para um trabalho consciente de estudo de língua. Sob a perspectiva sociointeracionista, nos cabe provocar reflexões sobre a linguagem e conduzir o aluno a pensar e agir crítica e consciente- mente na sociedade, sendo capaz de compreender e produzir dis- cursos adequados nas mais diversas esferas de atuação social. Assim, entendemos que o ensino de língua pautado exclusiva- mente na linguagem escrita não atende às necessidades do aluno, sujeito social que interage e atua em instâncias sociais que exigem dele conhecimentos de língua oral e de escrita. A modalidade oral é uma exigência da nossa sociedade e precisa ser foco de estudo e análise na escola, com vistas ao desenvolvimento das capacidades do indivíduo de compreendê-la e produzi-la. Portanto, neste capítu- lo refletiremos sobre a importância dos estudos de compreensão e produção oral na escola, além de abordarmos algumas propostas de prática pedagógica nesse sentido. Analisaremos, também, o pa- pel dos recursos paralinguísticos e cinésicos na expressão oral e seu efeito na produção de sentidos. Reflexões sobre o trabalho com a oralidade Tatiana Maria Couto Carvalho 2 Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 23 2.1 Compreensão e produção de textos orais Videoaula A oralidade está nos fundamentos de qualquer língua oral- -auditiva. Sabe-se que existem, atualmente, cerca de cinco mil línguas faladas no mundo e, dessas, menos de 10%têm a modalidade escrita. Nesse sentido, é importante compreender que fala e escrita são práti- cas discursivas diferentes, ou seja, a escrita não é uma representação da fala, ambas são representações da língua. Fala e escrita não compe- tem, convivem e são usadas harmonicamente no dia a dia. A fala, assim como a escrita, é multimodal. Ela é composta pela pala- vra dita e por uma série de elementos simbólicos próprios: entonação, variações de ritmo, pausas, gestos, expressões faciais etc. A língua fa- lada é não planejada, por isso é interrompida, hesitante, redundante, repetida, fragmentada e incompleta. Isso ocorre porque falamos ao mesmo tempo que criamos nossos discursos, o que gera incertezas, arrependimentos e correções, geralmente expressos em frases cur- tas e simples. A concomitância entre o pensar e o expressar produz também uma sintaxe característica da oralidade, que não obedece à mesma regularidade da língua escrita. Se na escrita, planejada e moni- torada, o adequado é escrever “os pacotes chegaram recentemente”, na oralidade é muito mais provável – e perfeitamente aceitável em de- terminados contextos – que a mesma mensagem seja emitida assim: “já chegou os pacote”. Se a língua se constitui no uso e na interação entre os falantes, no- vas palavras e formas de uso da língua estão em permanente constru- ção, o que cria novas regras. A marcação do plural somente no artigo (e não pelo -s no substantivo), como no exemplo anterior, é um modelo prático disso e que pode ilustrar as especificidades da oralidade. Essas especificidades se constituem nas situa- ções concretas de comunicação oral, pois, confor- me Brait (2003), a dinâmica da interação é fruto da percepção que os interlocutores têm dos as- pectos que constituem o diálogo: quem é o outro a que o projeto de fala se dirige; quais são as in- tenções do falante com sua fala, com a maneira de organizar as sequências dessa fala; que estratégias utiliza para se fazer compreender, compreender o outro e encaminhar a conversa da Qual é a relação existente entre a concepção sociointera- cionista de língua e o estudo da oralidade? Atividade 1 24 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa maneira mais adequada; e como levar o outro a cooperar no processo. Para isso, além do conhecimento do sistema linguístico, do léxico e das normas da língua, são necessárias outras estratégias e regras de uso sociais, culturais e situacionais para que o evento discursivo aconteça. Dessa forma, é fundamental que competências de compreensão e produção de textos orais façam parte do cotidiano de estudo da lín- gua na escola, para além da relação que se costuma estabelecer entre oralidade e escrita do ponto de vista meramente comparativo, que as relaciona com a informalidade e a formalidade, respectivamente. As práticas de ensino e aprendizagem devem contemplar o proces- so de construção do texto oral a partir da interação entre os interlo- cutores e visar ao entendimento de que os sentidos se constroem na cumplicidade entre os falantes, que convivem em uma mesma realida- de histórica e social e compartilham suas visões de mundo. Rodrigues (1993) menciona essa cooperação entre interlocutores como base para o processo conversacional. A autora explica que ela re- sulta da utilização de diferentes recursos, como a monitoração que o fa- lante faz do canal de comunicação e a tentativa de despertar no ouvinte o senso do concreto, ou seja, de ter a sensação de proximidade, de ime- diatismo e de vivência da experiência. Brait (2003, p. 235) esclarece que: a interação acontece, necessariamente, entre pelo menos dois falantes que se caracterizam como atores da interlocução e que vão se relacionar enquanto parceiros. Esses interlocutores reve- zam-se na condição de falante e ouvinte, ou seja, sujeito comu- nicante e sujeito interpretante. A primeira consequência a ser tirada dessa constante diz respeito à mecânica da interlocução: o sujeito interpretante não reconstrói pura e simplesmente as significações produzidas pelo sujeito comunicante. Sendo a in- terlocução aberta (há o revezamento de posições), cada um dos participantes interage parcialmente no projeto de construção de sentido dos outros. Isso significa dimensionar a interação verbal como uma atividade cooperativa. Essa troca entre os interlocutores promove o caráter fragmentado do texto, construído a partir da alternância de turnos, marcado pelo discurso direto, intercortado por hesitações, pausas, partículas enfáti- cas etc. O texto oral é, portanto, caracterizado também pela velocidade associada ao fluxo da fala, em contrapartida ao texto escrito, que en- volve planejamento, execução e revisão. Da mesma maneira, o texto O livro Da fala para a escrita: atividades de retextualização baseia-se em uma visão não dico- tômica das modalidades escrita e oral da língua e propõe atividades que relacionam a oralidade e a escrita a partir dos gêneros textuais. MARCUSCHI, L. A. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2010. Livro Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 25 oral não pode ser analisado como objeto pronto e acabado, passível de ser desmembrado e decomposto em partes, para que dele se extraiam estruturas linguísticas para análise gramatical. 2.1.1 A prática pedagógica da oralidade Muitos educadores se sentem inseguros diante do propósito de ensinar oralidade a falantes da língua. O quê e como ensinar para quem já fala a língua? É preciso considerar que cabe à escola ensinar o chamado falar bem, ou seja, saber usar a língua adequadamente em diferentes situações. É papel da escola e do educador propiciar o desenvolvimento linguístico aos alunos, torná-los interlocutores efi- cientes e produtores de textos úteis para a vida social (apresentação pessoal, conversa telefônica, entrevista de emprego etc.) e inseri-los na sociedade oralmente letrada. A aquisição da linguagem oral durante a infância acontece pela inte- ração com outras crianças e principalmente com adultos. A partir des- sa linguagem que o aluno adquiriu, os processos pedagógicos devem construir conhecimentos de língua em relação ao tempo, espaço e su- jeitos envolvidos; trabalhar com a diversidade de gêneros orais; marcar que há textos que se caracterizam pela oralidade e que essas marcas muitas vezes são características de alguns gêneros; mostrar que há tex- tos escritos em que a marca da oralidade está presente; demonstrar a importância da linguagem verbal (elementos paralinguísticos e cinési- cos) na constituição dos discursos orais; e fomentar situações para a prática real de enunciações orais. A proposta de trabalho com a oralidade como prática social deve, portanto, envolver gêneros textuais orais significativos para os alunos, objetivando uma proposta de prática social e discursiva, envolvendo es- cuta, produção oral e análise linguística, além da análise dos elementos não verbais e seus efeitos de sentido. O emprego de textos adequados constrói os conhecimentos sobre a linguagem, os papéis sociais desem- penhados no processo de interação e a função social de cada gênero. O aluno precisa entrar em contato com textos de referência e partici- par de situações de interação que ativem seus conhecimentos prévios. Com isso, ele poderá identificar e refletir sobre a situação comunicativa em questão, os interlocutores e as especificidades do gênero. A modalidade escrita da língua deve ser privilegiada em contex- tos escolares? Por quê? Atividade 2 26 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Para atividades de compreensão de textos, assim como na moda- lidade escrita, são propostas práticas de leitura. Na oralidade, todavia, devem ser aplicadas práticas de escuta. Essas atividades proporcionarão ao aluno a possibilidade de entrar em contato com situações reais de interlocução – sejam elas situações presenciais, como diálogos, apresen- tações, palestras etc., ou por meio de reproduções de áudio e vídeo. Para a produçãode textos orais, é preciso avaliar a adequação do gênero de acordo com a situação comunicativa, considerar os papéis desempenhados pelos interlocutores e escolher uma variedade lin- guística. É preciso, ainda, compreender a influência dos elementos não verbais na produção de sentido e de elementos de suporte, como cartazes, apresentações digitais etc. As propostas de atividade com gêneros orais em aula podem se- guir, de certa maneira, o modelo aplicado aos textos escritos: pri- meiramente um exemplo de texto autêntico é apresentado ao aluno (palestra, debate, entrevista, diálogo, etc.); em seguida, são analisa- das as características do gênero, a intenção comunicativa, o papel dos interlocutores, a linguagem empregada, as marcas de oralidade e outras especificidades do gênero; por fim, os alunos produzem seu próprio texto oral, com base no modelo que foi analisado. A produção é avaliada no que se refere aos aspectos discursivos esperados e deve ser refeita quando necessário. Em relação às atividades de análise linguística, é importante desta- car que, ao refletir sobre a língua falada, estamos considerando não apenas os aspectos sintáticos, morfológicos ou semânticos, mas, também, outros externos ao texto verbal, como o contexto de pro- dução e as escolhas pelas variedades linguísticas. Assim, é possível avaliar a adequação do discurso ao contexto, analisar os efeitos de sentido produzidos na interlocução e compreender as intenções dos interlocutores. Como no texto escrito, devem-se analisar no texto oral as escolhas lexicais, a organização sintática, a coesão e coerência, en- tre outros fatores. Entretanto, devem ser objetos de análise, espe- cificamente no texto oral, os elementos paralinguísticos (entonação, ritmo, pausas, hesitações) e os elementos cinésicos (gestos, olhares, risos, expressões faciais). Por fim, entende-se que as práticas pedagógicas relacionadas à ora- lidade devem contribuir para o desenvolvimento da oralidade letrada sintático: relativo à sintaxe, ou seja, à ordem das palavras no discurso. Glossário morfológico: diz respeito à formação das palavras. Glossário semântico: relacionado aos significados produzidos pelos elementos do discurso. Glossário Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 27 dos alunos, de modo que a leitura oral de gêneros escritos ou a parti- cipação oral dos alunos em atividades diversas, como na correção de atividades escritas, não se constituam, por si só, atividades de prática da oralidade. É necessário que se empregue uma metodologia adequa- da a essa representação da língua, por meio de sequências didáticas completas, com objetivos definidos, fundamentadas em gêneros orais significativos e com atividades diversas, que propiciem o contato, a produção, a análise e a construção de conhecimentos sobre práticas discursivas na modalidade oral. 2.2 Recursos paralinguísticos: efeitos de sentido Videoaula Já sabemos que o processo de comunicação oral vai muito além do discurso verbal e que, no ato da enunciação, outros elementos são tão importantes quanto a palavra vocalizada. Os eventos de fala são conformados também pelos atos cinésicos (gestos, atitudes corporais, direcionamento do olhar etc.) e paralinguísticos (qualidade de voz, melodia, elocução, pausas, respiração etc.) que atuam com o discurso linguístico durante a interação verbal. Esses elementos colaboram na produção de sentidos e favorecem a compreensão do texto. Em linhas gerais, costuma-se dizer que a comunicação na oralida- de acontece por dois canais: o linguístico, que usa o sistema simbólico convencional da linguagem, e o paralinguístico, responsável pelas in- formações extras, que detalham as intenções do falante em determi- nado contexto discursivo. Nesse sentido, o paralinguístico engloba os elementos cinésicos. A paralinguagem tem grande importância como recurso expressivo na linguagem falada, pois revela informações sobre emoções, ações e opiniões do falante em relação ao interlocutor ou ao tópico discursivo. Além de colaborarem com a fluência do discurso falado, os elemen- tos paralinguísticos têm, também, a função de sinalizar compreensão, interesse, concordância e atenção. São exemplos de paralinguagem: alterar a voz durante uma conversa, pigarrear, ou mesmo introduzir termos não lexicalizados como hu-hum ou hã-han. A observância dos elementos paralinguísticos é importante para a compreensão global de um texto oral, pois muitas vezes o falante agrega sentido às suas palavras por meio desses elementos, ou os ele- 28 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa mentos paralinguísticos revelam contrariedade em relação ao que é expressado linguisticamente. A atenção à paralinguagem também diz respeito à produção de nossos próprios enunciados, pois, assim como devemos estar conscientes e preparados para produzir nossos enun- ciados verbais, precisamos cuidar da qualidade da mensagem que emi- timos paralinguisticamente. É importante ressaltar que, assim como em um texto escrito ou falado não podemos extrair significados absolutos de palavras iso- ladas, os elementos paralinguísticos também devem ser analisados em conjunto e relacionados ao contexto da situação comunicativa. Interpretar um único gesto ou pausa na fala isoladamente pode levar a diferentes significados, provavelmente inócuos, pois são desconsti- tuídos de contexto. Em aula, o reconhecimento dos recursos paralinguísticos como es- tratégias que colaboram com a construção de sentidos do texto oral é fundamental e deve fazer parte das práticas pedagógicas de trabalho com a oralidade. O processo de compreensão textual deve partir dos conhecimentos prévios do aluno e passar por cada elemento formativo do discurso oral, para que ele perceba que os significados do texto são criados em conjunto, na interação, a partir de uma cadeia de sentidos produzidos durante todo o ato discursivo. 2.3 Variação linguística e oralidade Videoaula Se consideramos a história da Torre de Babel – uma narrativa criada para explicar por que os povos falam línguas diferentes –, percebemos que a humanidade sempre se interessou pela heterogeneidade linguís- tica. A ciência, na busca pelo entendimento dos fenômenos linguísticos, analisa os movimentos e as mudanças relativos às línguas ocasionados por seu caráter dinâmico. Inicialmente, no século XIX, os estudos se baseavam na percepção da língua no espaço, o que hoje conhecemos como geografia linguís- tica. Já no século XX, percebeu-se que a variabilidade da língua estava diretamente relacionada à organização social, pois se constatou que homens falam diferente de mulheres e jovens falam diferente de ido- sos, por exemplo, e essa diferença não está biologicamente relacio- nada ao sexo ou à idade, mas aos papéis sociais desempenhados por essas pessoas. O vídeo Torre de babel existiu?? A verdade, publica- do pelo canal Você Sabia?, explica a história da Torre de babel e alguns estudos feitos na modernidade sobre a possibilidade de sua existência. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=lGA12dIceHs. Acesso em: 17 dez. 2019. Vídeo Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 29 A diversidade linguística pode estar presente em qualquer língua, em maior ou menor grau de abrangência, sendo um reflexo da his- tória da sociedade que a produz e a usa ou dos grupos sociais que a compõem. É um indicativo histórico, cultural e social das experiências e vivências de um grupo. A variação linguística é comumente manifestada na pronúncia (so- taque) e no vocabulário, mas pode também aparecer na sintaxe (modo de composição e organização de frases) e no arranjo de outras estrutu- ras do texto, como a conjugação de verbos e o uso de concordâncias. As variedades linguísticas são o resultado de complexos movimen- tos, interferências e mudanças sofridos pela língua. Fazem parte do processo histórico das sociedades que as falam e, nesse processo, aca- bam recebendo marcas e estigmas queas caracterizam como valoriza- das ou desvalorizadas pelos grupos sociais envolvidos. Em nosso país, assim como em muitos outros, a base da constitui- ção dos grupos sociais são as diferenças econômicas, e, desse modo, a valorização atribuída às variedades linguísticas é diretamente propor- cional à posição social alçada pelo poder econômico. Como esclarece Bortoni-Ricardo (2005, p. 131), “no Brasil, a variação está ligada à estra- tificação social e à dicotomia rural-urbana. Pode-se dizer que o princi- pal fator de variação linguística no Brasil é a secular má distribuição de bens materiais e o consequente acesso restrito da população pobre aos bens da cultura dominante”. Nas sociedades em que as diferenças econômicas estão na base da constituição desses grupos, como é o caso do Brasil, o valor positivo atribuído às variedades linguísticas é diretamente proporcional a es- sas diferenças. O português popular é marcado negativamente porque, ao afastar-se da norma culta, é entendido como sinônimo de não es- colarização. As pronúncias provenientes da região rural também são estigmatizadas, entretanto é certo que a linguagem está sujeita às alte- rações determinadas pelos seus falantes e que estes estão sujeitos às determinações da história e de seus contextos sociais. Assim, todas as estruturas linguísticas utilizadas por falantes, independentemente de seu grupo social e de sua posição econômica, são legítimas e devem ser reconhecidas e respeitadas. A obra A norma oculta: língua & poder na socieda- de brasileira reflete sobre as relações entre língua e poder no Brasil e propõe uma relação direta entre o preconceito linguístico e o preconceito social. BAGNO, M. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2003. Livro 30 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Na escola, a análise de produções orais de variedades não presti- giadas socialmente contribui para afastar a ideia de que a única fala aceita é a que se aproxima da escrita, a que respeita a norma padrão. O conceito dicotômico de certo e errado passa a ser substituído pelo entendimento de adequação, dando espaço, também, às variedades linguísticas mais estigmatizadas em nossa sociedade. O fato é que a linguagem é produto da atividade humana coletiva, e não se desvincula, portanto, do conteúdo ideológico dos grupos sociais que a empregam. A língua de uma sociedade está conformada por toda a carga ideológica e cultural do grupo, é resultado de todas as experiên- cias que fazem parte de seu processo histórico, não cabendo, nesse sentido, atribuir valores positivos ou negativos às suas variedades. 2.3.1 A prática pedagógica para a variação Quando o aluno chega à escola, traz com ele toda uma bagagem de conhecimentos linguísticos aprendidos naturalmente em casa, com a família. Essa linguagem natural, predominantemente oral, deve ser a base sobre a qual se construirão outros aprendizados da língua. O en- tendimento de aluno monolíngue, que despreza a língua aprendida em casa para falar a língua da escola – a única correta –, já não é mais acei- tável. Em uma concepção sociointeracionista de linguagem, a proposta é que a escola forme um aluno poliglota em sua própria língua, pois terá à disposição a sua variedade natural e aquela aprendida na escola. Nas palavras de Possenti (2001, p. 9), “o verdadeiro problema da escola não é acertar a forma gramatical. O verdadeiro problema – que é de cidadania, de inserção – é de circulação pelos discursos. O que se pode- ria dizer é que esse é um problema de leitura e de escrita”. A proposta de partir da língua que o aluno já possui é um caminho di- dático que respeita a diversidade e a essência da língua. Parte do conheci- mento do aluno para construir outros conhecimentos mais abrangentes, fundamenta-se no reconhecimento da língua do aluno como verdadeira e viva e desperta a consciência dele sobre a adequação linguística. É im- portante não desprezar a variedade utilizada pelo aluno e, ao mesmo tempo, apresentar a variedade culta, ajudando-o a compreender que ela pode ser usada em instâncias discursivas diferentes e que a língua escri- ta obedece a normas diferentes da língua falada. No livro Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, a autora oferece fundamentos teóricos e aplicações práticas para trabalhar o ensino da língua em sala de aula de maneira consciente e cidadã, combatendo qual- quer forma de exclusão por meio da linguagem. BORTONI-RICARDO, S. M. São Paulo: Parábola, 2004. Livro Reflexões sobre o trabalho com a oralidade 31 Segundo Bagno (1999, p. 73-74), a escola deve abandonar o mito: de que existe uma forma “correta” de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal português, o de que o português é muito difícil, o de que é preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Ao partir do conhecimento do aluno, o professor poderá direcionar seu trabalho para a formação das competências relativas às modernas práticas de letramento, desenvolvendo suas habilidades de leitura e pro- dução. Conforme afirma Rojo (2009, p. 107), “um dos objetivos principais da escola é justamente possibilitar que seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática”. É fundamental introduzir nas práticas pedagógicas, sobretudo na- quelas relacionadas ao discurso oral, o entendimento de heterogenei- dade linguística e seus efeitos. A variação deve ser vista como fenômeno natural e legítimo, relacionando-se, assim, a valorações positivas e sig- nificativas. O trabalho com a língua em sala de aula não pode reforçar preconceitos, estereótipos e violência simbólica, e, sim, propiciar a re- flexão sobre o respeito à variedade linguística e à variedade social. De que modo o educador deve lidar com a variedade da língua que o aluno traz de casa? Atividade 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A língua que deve ser estudada na escola é a que será usada pelo aluno, aquela que ele precisará empregar em suas mais diversas práticas sociais durante a vida, e isso inclui, logicamente, a modalidade oral. Com a concepção sociointeracionista, veio o entendimento de que a língua não é apenas a norma, mas sim o uso, é o texto criado a partir da interação. Com isso, a oralidade passou, finalmente, a ser reconhecida como moda- lidade da língua de interesse escolar. Trabalhar a oralidade em sala de aula, entretanto, não diz respeito à leitura em voz alta de textos escritos ou a conversas esparsas sobre as- suntos aleatórios. As atividades de prática oral devem acontecer por meio de gêneros textuais orais, em contextos significativos e orientadas para a análise dos elementos de produção de sentidos do texto. A sala de aula deve ser um ambiente de interação, de situações reais de linguagem e de construção de conhecimentos. 32 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa A escola, como reconhecido espaço social do saber e do aprendizado, desse modo, deve repensar suas práticas pedagógicas no sentido de ado- tar uma perspectiva de língua heterogênea. Não se concebe, atualmente, uma escola que despreza os efeitos do processo histórico sobre os indiví- duos e os grupos sociais que os comportam. A língua como resultado da atividade humana coletiva é essencialmente ideológica e cultural, e, assim, toda e qualquer variedade utilizada por seus falantes é igualmente válida e legítima. Fundamentalmente, cabe à escola dissipar qualquer precon- ceito que possa existir em relação a uma ou outra variedade linguística. REFERÊNCIAS BAGNO, M. Preconceito Linguístico: o que e como se faz? 49. ed. São Paulo: Editora Loyola, 1999. BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora?: sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. BRAIT, B. O processointeracional. In: Preti, D. (org.). Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas, 2003. POSSENTI, S. Existe a leitura errada? Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 7, n. 40, p. 5-18, jul./ago. 2001. RODRIGUES, A. C. S. Língua falada e língua escrita. In: Preti, D. (org.). Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas, 1993. ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009. GABARITO 1. A concepção sociointeracionista entende a língua como interação, resultado da troca e da cooperação entre os falantes. Desse modo, as práticas orais também são objeto de estudo, diferentemente do que acontecia quando outras concepções embasavam as atividades pedagógicas e direcionavam o estudo da língua para o domínio da norma padrão. 2. Não. A oralidade e a escrita são duas formas de expressão da língua e ambas devem ser objeto de estudo e análise da escola, pois o estudo da língua deve priorizar a formação do aluno para atuar nas mais diversas instâncias comunicativas, o que inclui também as práticas orais. 3. O educador deve usá-la como base para a construção de conhecimentos para outras variedades. Não deve desprezá-la ou desconsiderá-la, mas respeitá-la como expressão legítima da língua, perfeitamente aceitável em determinados contextos. O ensino da leitura 33 3 O ensino da leitura Tainá Thies O surgimento da linguagem para o ser humano e desenvolvi- mento deste em diferentes línguas proporcionou a nossa evolução enquanto organismos e sociedades complexos. A invenção da lei- tura, porém, é algo muito recente em relação à oralidade e permi- tiu aos seres humanos a significativa ampliação de seu universo simbólico e de seus conhecimentos sobre o mundo. Neste capítulo, discutiremos sobre os conceitos de leitura, pen- sando nos diferentes níveis dessa atividade. Também vamos lançar luz sobre o processamento cerebral e os circuitos envolvidos na capacidade de ler. Por fim, faremos um levantamento da necessi- dade de se utilizar estratégias para a leitura e quais delas o profes- sor pode utilizar em sala de aula. Temos por objetivo, portanto, que você adquira maior confian- ça na sua prática enquanto professor mediador de leitura. Para isso, é preciso ter em mente que, antes de mais nada, o professor deve ser um leitor confiante, o qual entende que ler é um pacto de saber e de satisfação. 3.1 Formação do leitor Videoaula Quando você pensa em leitura o que vem à sua mente? Talvez o prazer de fugir da realidade e cair em um mundo de fantasia? Ou a ansiedade, pois, talvez, essa não seja sua atividade preferida? Em todo caso, na maioria das vezes associamos a palavra leitura com o mundo das letras impressas e dos livros de literatura. Mas, se pen- sarmos nas expressões que contêm o verbo ler, aquelas que utili- zamos no nosso cotidiano, compreenderemos que leitura é, com certeza, muito mais que o universo da literatura que nos transporta a um mundo distante da realidade. 34 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Ao entrarmos em um lugar pela primeira vez, costumamos dizer que precisamos “fazer a leitura do lugar”. Ou, em uma situação de con- versa, é possível até que façamos uma “leitura das entrelinhas”, que significa conseguir entender aquilo que o outro não está dizendo com suas palavras. Em todo caso, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FEIRE, 1989, p. 9). Dessa forma, o ato de ler começa enquanto ainda somos recém- -nascidos e aos poucos vamos compreendendo como ler as expres- sões faciais daqueles que nos cuidam, ou mesmo as nossas vontades e necessidades, além do próprio ambiente que nos rodeia, cheio de novidades passíveis de exploração, com todas as suas cores e todos os seus valores inerentes à sociedade em que nascemos e crescemos. Porém, até mesmo algo que damos por lido e fechado pode tomar diferentes sentidos ao longo da vida. Tome como exemplo o telefo- ne comum, com fio, daqueles que você girava o teclado para fazer a ligação. Quando aprendemos a usá-lo, ele era um instrumento de co- municação. Hoje podemos encontrar modelos repaginados desses aparelhos, alguns que até servem como decoração ou uma forma de lembrança. Ou seja, cada pessoa dá a eles uma nova leitura. Podemos entender, por meio dessas situações, que o conceito de leitura não se baseia apenas na decodificação dos signos na página, embora obviamente se ligue a tal atividade. A leitura está diretamente relacionada a uma formação global do sujeito, perpassando as esferas política, cultural e econômica, visando um indivíduo que seja atuante socialmente, isto é, que consiga refletir criticamente sobre a sua reali- dade e participar dela de maneira ativa (MARTINS, 1994). Por muito tempo a leitura foi entendida como uma atividade ligada apenas à escola. Isso quando não era utilizada como punição por mau comportamento. Logo, é preciso repensar a leitura enquanto prática social, na qual a escola está inserida, e não somente como prática esco- lar, ligada à carga horária das aulas de Língua Portuguesa e dependen- te apenas da alfabetização. Como citado anteriormente, Freire (1989) já nos alertou sobre a alfabetização ser um passo posterior ao aprendizado da leitura. Pri- meiro a leitura do mundo, de nós e dos outros, depois a sistematiza- ção dela em um código. Logo, tal prática vai muito além dos muros da escola e deve ser incentivada como exercício que transcende o uso O ensino da leitura 35 pragmático das letras. Afinal, como continuaremos a pensar que a leitura se equilibra apenas no alfabeto se estamos na era dos memes, dos gifs e dos emojis? Para Martins (1994), há duas concepções de leitura. A primeira é a de decodificação mecânica da língua e a segunda entende o ato de ler como um processo global de compreensão, que abarca componentes cognitivos e sociais. Dentro dessa segunda, podemos identificar, ainda, três níveis de leitura: sensorial, emocional e racional. A seguir, vamos detalhar cada um deles. Nível sensorial É a leitura que se utiliza dos sentidos para gerar engajamento do leitor. Tato, visão, audição, olfato e paladar à disposição da leitura. “A leitura sensorial vai, portanto, dando a conhecer ao leitor o que ele gosta ou não, mesmo inconscientemente, sem a necessidade de racio- nalizações, justificativas” (MARTINS, 1994, p. 42). Mas, como podemos realizar atividades que engajem sensorialmen- te o leitor? Que tal escolher um livro que tenha uma história envolven- te e que ao mesmo tempo traga em sua narrativa comidas diferentes e ambiente histórico? Veja, por exemplo, o trecho retirado do livro O Minotauro, de Monteiro Lobato (1996, p. 66): O jantar correu animadíssimo. Dona Benta reclinava-se no seu coxim, colocado entre o da dona da casa e o de Sócrates. Do outro lado da mesa, muito mais baixa que as modernas, reclinava-se Narizinho, entre Fídias à direita e Herodoto à esquerda. Uma coroa de rosas cingia a testa de todos os comensais. A conversa girou sobre vários assuntos e por fim caiu sobre a arte culinária. — Pois é — disse Dona Benta — a razão da nossa viagem a estes séculos foi uma razão ao mesmo tempo sentimental e culinária: a procura de tia Nastácia, que é nossa amiga e nossa cozinheira. E que cozinheira! Como sabe manejar o violino do “gostoso” e tirar dele mil harmonias! O mais simples guizado, um picadinho com batatas, um virado de feijão com torresmos, um vatapá, tudo enfim que sai de suas panelas está para o que chamamos comida, como os mármores ali dos Senhores Fídias e Policleto estão para as esculturas comuns. Perfeitas obras-primas. — E os bolinhos, vovó? — lembrou a menina, do outro lado da mesa. — Os bolinhos de tia Nastácia já estão fa- mosos no Brasil inteiro. Quantas cartas a senhora não recebe das crianças, pedindo a receita dos bolinhos de tia Nastácia? 36 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Nessa obra, Tia Nastácia é raptada pelo Minotauro e sobrevive ao fritar seus famosos bolinhos, deixandoo animal paralisado de tanto comê-los. Para trabalhar esse livro, o professor pode ligar a mitologia com a culinária. Na continuação do trecho, há diversas outras receitas que são citadas e podem servir de inspiração para uma leitura sensorial. Nível emocional É o nível em que temos a maior satisfação do ato de ler. É o momen- to no qual somos transportados para outros mundos, sejam eles reais ou fictícios. O nível emocional gera grande identificação do leitor com a narrativa, além de empatia com os personagens. Segundo Martins (1994, p. 61), “importa […] frisar o quanto em geral reprimimos a leitura emocional, muito em função de uma pretensa atitude intelectual”, isto é, damos muito valor ao conteúdo intelectual de uma obra e descartamos a leitura emocional, como se ela fosse atividade de menor importância. Mas não podemos corroborar somente com a visão intelectualista de leitura. Afinal, por que você lê? Em especial, por que você lê lite- ratura ou assiste a filmes e novelas? A resposta mais provável é a de que é para se distrair ou se divertir, certo? E se somos capazes de nos divertir ou abstrair da realidade enquanto lemos é porque temos um engajamento emocional com a obra e não porque estamos racionali- zando tudo o que é lido. Na sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aula Na escola, para trabalhar esse engajamento, o professor pode mon- tar um cenário com a ajuda dos alunos a fim de que eles mergulhem na realidade que estão conhecendo. Pode ser um cenário de fantasia, de bruxas, de aventura ou até mesmo policial. Por exemplo, o docente pode montar um espaço com as pistas do livro Os Criminosos vieram para o chá. Assim, os alunos se envolvem na leitura em um nível sensorial e emocional ao mesmo tempo. CARR, S. São Paulo: Quinteto Editorial, 2019. O ensino da leitura 37 Nível racional É o nível em que os fatos se colocam de maneira objetiva, expan- dindo os horizontes do leitor, trazendo novos fatos à sua realidade e ampliando seu arcabouço de conhecimentos. “A leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo objetivo” (MARTINS, 1994, p. 66). Assim, o nível racional é aquele em que visamos o diálogo com o próprio texto a fim de compreendê-lo e decifrá-lo. É uma leitura que requer a análise dos aspectos da narrativa, isto é, do que o autor nos conta e de que modo ele faz isso, além dos sentidos do texto e da in- tenção do autor ao utilizar certos indícios. Veja, a seguir, as principais categorias de análise de narrativas em um nível racional de leitura, de acordo com Martins (1994). O que conta? De que forma conta? Descrição de personagens, fatos, situações, ambientes. Construção dos sentidos do texto. Os indícios criam determinadas expectativas de acordo com a intenção do autor. Aspectos da narrativa Principais aspectos para análise de narrativa em nível racional de leitura Indícios dados ao longo do texto Intenção do autor ao utilizar indícios Embora Martins tenha se limitado a esses três níveis, podemos acrescentar, ainda, um quarto nível, o da prática social, que leva o leitor a inserir sua realidade na leitura, dando sentidos diferentes ao que o autor passa. Além disso, esse nível perpassa o próprio uso da leitura enquanto uma prática de formação de cidadãos, mas detalharemos mais esse nível ao final deste tópico. Até agora vimos alguns conceitos de leitura e algumas estratégias iniciais para entender como lemos. Mas você sabe como é que de fato a leitura se processa dentro de nossos cérebros? Você já ouviu falar em Escape Classroom? É uma atividade derivada do Escape box, locais em que as pessoas vão para se divertir e escapar de salas descobrindo pistas para poder encontrar uma forma de sair. O Escape Classroom nada mais é do que uma forma de fazer os alunos decifrarem enigmas relacionados a um conteúdo para poderem achar a saída. É uma atividade bastante difundida em outros paí- ses, mas ainda pouco explorada no Brasil. O legal aqui é utilizar diversos espaços escolares e fazer com que os alunos percebam que estudar também pode ser muito divertido. Para saber um pouco mais como funciona essa atividade, leia a matéria da revista Mundo Estranho, acessando o seguinte QR Code. Saiba mais 38 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Em primeiro lugar, precisamos lembrar que a leitura é uma invenção muito recente, se comparada ao surgimento da linguagem falada, e por isso mesmo ela não é tão natural para nós quanto a fala. Quando pe- quenos, aprendemos a falar por observação, tentativa e aproximação. A leitura do mundo acontece da mesma forma. Porém, a leitura das letras precisa de uma sistematização mínima, que depende, na maior parte das vezes, da mediação de alguém que já conhece o código. A leitura, portanto, depende de dois módulos em nosso cérebro, conforme a Figura 1. O livro Sapiens: uma breve história da humanidade é uma leitura esclare- cedora do advento da linguagem humana e de sua evolução. Nele, o his- toriador israelense, Yuval Harari, tenta buscar as origens dos humanos ao longo de todo o processo evolutivo. HARARI, Y. São Paulo: L&PM, 2015. Livro Jo lyg on /Sh utte rsto ck É responsável pelo processamento dos sons e da pronúncia. Propicia a consciência fonológica, isto é, a compreensão de que as palavras são formadas por partes menores do som (os fonemas) e que estas podem ser manipuladas para formar diferentes palavras. Módulo auditivo É responsável pelo acesso às imagens das letras e das palavras. Proporciona a aquisição da consciência grafêmica, ou seja, a compreensão de que a forma de uma palavra inteira é composta de outras formas menores, que são as letras, ou os grafemas. Módulo visual Figura 1 Módulos auditivo e visual do encéfalo humano Na sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aula Uma atividade bem interessante para se trabalhar o circuito su- perior é pedir aos alunos que, em duplas, produzam letras e palavras com massinha de modelar e que, vendados, tentem descobrir os sons e as palavras pelo toque. Também funciona com alfabetos móveis de qualquer tamanho. O interessante a se pensar aqui é que o aluno precisa aprender a ligar a forma ao som, por isso atividades sensoriais são muito bem-vindas. O ensino da leitura 39 Do ponto de vista puramente mecânico, a leitura acontece quando conseguimos ligar o módulo auditivo (som das letras) ao módulo vi- sual (formato das letras). Porém, para que isso ocorra de maneira au- tomática e fluida, como na leitura fluente, são necessários dois processos cerebrais, os quais chamamos de circuitos de leitura. As- sim, possuímos o circuito superior e o inferior para ligar os módulos visual e auditivo e produzir a leitura. Circuito superior: é também conhecido como decodificação, aquele processo tão trabalhado na alfabetização, seja ela em qualquer idade. Como é possível visualizar na Figura 2, a decodificação começa com uma análise da forma das le- tras pelo módulo visual, bem como da sequência delas na formação da palavra, e envia essas informações para o módulo auditivo, para que este mapeie o som de cada uma das letras, encontrando corres- pondência na palavra completa. Isso ocorre quando o leitor inicia seu aprendizado e preci- sa ir com calma para decifrar letra por letra, som por som, até obter a palavra. Promover o fortalecimento desse circuito possibilita ao leitor desenvolver estratégias para a leitura de palavras desconhecidas e de outras línguas, por isso estará ativo ao longo de toda a vida e não ape- nas durante a alfabetização. Circuito inferior: o que chamamos de acesso direto. É quando o cérebro conecta como um todo o reconhecimento da palavra ao som completo dela, sem precisar decodificar som por som, letra por letra. É como se, com o desenvolvimento gradual do circuito superior, fotosfossem sendo tiradas das palavras e armazenadas no circuito inferior para acesso rápido no momento da leitura. O circuito inferior é ativado conforme a pessoa vai aprendendo no- vas palavras por meio da leitura. Ou seja, quanto mais o sujeito lê, mais robusto será o acesso direto. Vimos tudo isso apenas como um esboço para termos noção de como se processa a leitura em nosso cérebro. É preciso, porém, ter em Figura 2 Circuitos de produção da leitura no cérebro humano Jo lyg on /Sh utte rsto ck Módulo auditivo Módulo visual Circuito superior Circuito inferior Pessoas com dislexia têm grande dificuldade para ativar o circuito inferior, agindo muito pela via da decodificação, o que pode se tornar uma grande dificuldade para o aprendizado, pois o circuito superior é mais lento, uma vez que preci- sa decifrar todos os sons da palavra para acessá-la por completo. Para mais informações sobre esse transtorno específico de linguagem, acesse o site da Associação Brasileira de Dislexia (ABD). Disponível em: http://www.dislexia. org.br/. Acesso em: 14 fev. 2020. Saiba mais http://www.dislexia.org.br/ http://www.dislexia.org.br/ 40 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa mente que muitas outras estruturas cerebrais podem estar envolvidas nesse processo, afinal, temos memórias do que já sabemos, de sím- bolos diversos que conhecemos, de outras sensações, como o tato e o olfato (também ligados ao prazer de pegar e cheirar um livro novo, por exemplo), além das emoções que são ativadas por meio de uma leitura. Assim, é interessante pensar que o desenvolvimento da leitura é de fato muito mais complexo do que pensamos e muito bonito por toda a sua maestria. Até agora sabemos como a leitura ocorre no cérebro e que ela vai muito além do simples ato de ler letras. Mas e quanto ao uso da leitura? Deve haver uma função para ela? Segundo Freire (1989), ler é em si um ato político, pois permite ao leitor que tenha acesso ao mundo simbóli- co do sistema em que vive. Porém é preciso ter em mente que essa lei- tura a que ele se refere é a leitura crítica, não apenas o ato de decifrar palavras no papel. Para ele, ler, seja as letras ou o mundo, depende de tudo o que já foi aprendido ao longo da história pessoal de cada um. Assim, a leitura é uma prática social que possui diversas finalida- des, da informação à diversão. É também algo que se estabelece no coletivo, pois as ideias são criadas no conjunto dos sistemas em que vivemos, sistemas culturais, políticos e econômicos, que nos conferem valores, atitudes e crenças, tornando-nos parte de um grupo. Quando lemos, não estamos sós, lemos na companhia de todas as vozes que vieram antes. E quando conseguimos convergir todas essas vozes para formar a nossa própria e dialogar com as novas informa- ções, de maneira crítica e efetiva, nos tornamos leitores políticos, capa- zes de ampliar nossa visão sobre a realidade que nos circunda. Mas, por que é importante ampliar nossa visão sobre a realidade? Quantas vezes já nos pegamos fazendo leituras inconscientemente, sem ao menos lembrarmos o tema do que acabamos de ler? Quando tomamos consciência do que o texto significa para nós, dentro do nos- so sistema simbólico, tornamo-nos também conscientes de que não estamos sós, de que podemos somar nossa voz àqueles que colocaram as mesmas ideias em letras impressas na página. Ao ampliar a visão sobre a realidade, pode-se começar a transformá- -la, primeiro compreendendo o papel e as desigualdades a que cada um está submetido dentro de seu contexto sócio-histórico; depois, dissemi- nando essa mesma compreensão; e, por fim, agindo sobre a realidade, a O livro Os neurônios da leitura: como a ciência explica nossa capacidade de ler esclarece de que modo os processos cere- brais estão relacionados à nossa capacidade de leitura, além de decifrar os processos envolvidos na dislexia. DEHAENE, S. Porto Alegre: Penso, 2012. Livro fim de transformá-la, seja por atos solicitando às autoridades aquilo que necessitamos, seja criando nós mesmos as condições que queremos. Conforme Finkenauer e Silva, a leitura ajuda o indivíduo a ampliar os seus conhecimentos e a sua compreensão sobre o mundo que o cerca. Ela dá à pessoa o poder de autonomia para as atividades da vida diária, mas o poder mais relevante é o da capacidade de ampliar a sua baga- gem, de expressar a sua subjetividade e exercer a sua participa- ção social. (2017, p. 89) Desse modo, a leitura crítica e reflexiva seria então a finalidade a ser perseguida com o processo tanto de alfabetização quanto de letramen- to, para que os alunos sejam leitores fluentes, mas também políticos, no sentido de cidadão que age sobre a sua condição conscientemente, buscando o melhor para o seu grupo. Como transformamos os alunos em leitores-políticos? Isso pode ser feito com atividades que possibilitem o contato com o maior número de leituras e ideias possíveis, de diferentes práticas sociais e das mais diferentes vertentes, para que eles possam construir sua própria visão de mundo. Vamos conhecer melhor algumas práticas na seção a seguir. Vimos aqui que a leitura não é apenas ato de decodificação da linguagem, mas é também uma prática social. O você entende por leitor-político? Atividade 1 A leitura pede que coloquemos nossas experiências e nossos sentidos lado a lado com as palavras do autor. Se é assim, talvez um livro que você tenha lido há muito tempo possa ter outro significado agora, afinal você já adquiriu tantas outras in- formações e já não é exatamente a mesma pessoa de quando o leu pela primeira vez. Essa é uma atividade bem legal para você praticar. Releia um trecho, ou um livro inteiro, de algo que você gostou muito em algum momento do seu passado e tente perceber se há diferenças entre a sua leitura atual e aquela que você realizou anteriormente. Desafio O ensino da leitura 41 fim de transformá-la, seja por atos solicitando às autoridades aquilo que necessitamos, seja criando nós mesmos as condições que queremos. Conforme Finkenauer e Silva, a leitura ajuda o indivíduo a ampliar os seus conhecimentos e a sua compreensão sobre o mundo que o cerca. Ela dá à pessoa o poder de autonomia para as atividades da vida diária, mas o poder mais relevante é o da capacidade de ampliar a sua baga- gem, de expressar a sua subjetividade e exercer a sua participa- ção social. (2017, p. 89) Desse modo, a leitura crítica e reflexiva seria então a finalidade a ser perseguida com o processo tanto de alfabetização quanto de letramen- to, para que os alunos sejam leitores fluentes, mas também políticos, no sentido de cidadão que age sobre a sua condição conscientemente, buscando o melhor para o seu grupo. Como transformamos os alunos em leitores-políticos? Isso pode ser feito com atividades que possibilitem o contato com o maior número de leituras e ideias possíveis, de diferentes práticas sociais e das mais diferentes vertentes, para que eles possam construir sua própria visão de mundo. Vamos conhecer melhor algumas práticas na seção a seguir. Vimos aqui que a leitura não é apenas ato de decodificação da linguagem, mas é também uma prática social. O você entende por leitor-político? Atividade 1 A leitura pede que coloquemos nossas experiências e nossos sentidos lado a lado com as palavras do autor. Se é assim, talvez um livro que você tenha lido há muito tempo possa ter outro significado agora, afinal você já adquiriu tantas outras in- formações e já não é exatamente a mesma pessoa de quando o leu pela primeira vez. Essa é uma atividade bem legal para você praticar. Releia um trecho, ou um livro inteiro, de algo que você gostou muito em algum momento do seu passado e tente perceber se há diferenças entre a sua leitura atual e aquela que você realizou anteriormente. Desafio Na sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aula Outra possibilidade de trabalho são as cantigas e o baterde palmas para marcação do ritmo, seja de uma palavra (batendo palmas em cada sílaba) ou de uma canção. Esse trabalho auxilia o aluno a compreender que palavras e textos podem ser decompostos em pequenas partes, ajudando no fortalecimento do processo de decodificação. 3.2 Leitura na escola Videoaula Embora o letramento inicie antes mesmo de o aluno chegar à sala de aula, seja em práticas de leitura compartilhadas com a família ou em solitárias explorações do mundo, a escola tem papel importante, senão primordial, na promoção da formação de leitores, mais ainda o 42 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa professor, que tem papel de mediação do processo de leitura. O docen- te precisa motivar os alunos por meio de atividades e estratégias que gerem interesse na leitura, despertando o prazer pelas letras. É preciso conquistar o leitor e demonstrar que ler é uma atividade tão gostosa quanto as brincadeiras e os videogames. Boa parte dos livros didáticos, hoje, já trabalha com a leitura como habilidade a ser explorada por todas as disciplinas, em um processo de compreensão de que todos os professores são também professores de leitura em certo nível, e não apenas o docente de Língua Portuguesa. Provavelmente o professor de leitura não utiliza apenas o livro didá- tico, afinal, a leitura está muito além da sala de aula. Ela está no jornal assistido, no videogame jogado, nas mensagens trocadas, na HQ lida, na petição on-line assinada, entre tantos outros textos por aí. Então nada mais eficaz que trazer todos esses gêneros também para a aula. Mas, e a literatura? Aquela leitura por prazer? Essa também deve ter um foco especial, pois é nesse caminho que construiremos o interesse e o prazer de ler. Porém, não basta que utilizemos livros literários como forma de se trabalhar temas transversais (embora eles sejam inega- velmente uma “mão na roda”), precisamos trabalhar a literatura para além do utilitário, mobilizando todos os níveis de leitura (o sensorial, o emocional, o racional e o da prática social). Assim, é necessário sempre ter em mente a literariedade do texto, aquelas características que nos permitem entender um material en- quanto literário, explorando particularidades e possíveis interpreta- ções. Para isso, veja a seguir algumas situações para o trabalho com leitura nos diferentes níveis do ensino básico: • Educação infantil: manusear livros e textos em geral, ouvindo histórias e gerando encantamento – ativação especial dos níveis sensorial e emocional. • Ensino fundamental – anos iniciais: partir da oralidade, com poe- mas, parlendas e quadrinhas, explorando a emotividade e a inter- pretação individual, além da estrutura. • Ensino fundamental – anos finais e ensino médio: aliar diferentes suportes e níveis de leitura, dando ênfase à construção dos sen- tidos que cada leitor percebe. Também, investir em adaptações literárias e outros meios, como cinema, obras adaptadas para quadrinhos e jogos, que possam engajar os alunos dentro dos universos dos livros literários. Se o docente tiver acesso a livros didáticos de outras disciplinas, uma boa solução é conhecê-los e trabalhar em conjunto com outros professores de diferentes áreas para melhorar a leitura dos alunos. Dica O ensino da leitura 43 Pensando nas estratégias necessárias para a leitura, Kato (1990) di- ferencia duas categorias: as estratégias cognitivas de leitura e as estra- tégias metacognitivas de leitura. As estratégias cognitivas unem o leitor de procedimentos alta- mente eficazes e econômicos, responsáveis pelo processamento automático e inconsciente, enquanto as metacognitivas orien- tam o uso dessas estratégias para desautomatizá-las em situa- ções de problemas. (KATO, 1990, p. 112) Veja no diagrama a seguir a diferença entre essas estratégias e suas aplicações (KATO, 1990): Estratégias Cognitivas Regem o funcionamento automático e inconsciente do processo de leitura. São os circuitos cerebrais que ativam a capacidade de ler. Estudos voltados para a área de aquisição de linguagem. Estratégias Metacognitivas Regulam as estratégias conscientes de compreensão dos textos, tanto da estrutura quanto de seus sentidos. Estudos sobre o trabalho com textos em sala de aula. Vamos nos deter um pouco mais nas estratégias metacognitivas, as quais, segundo Kato (1990), são aquelas em que o leitor estabelece os objetivos para a leitura e o monitoramento da sua compreensão. As estratégias metacognitivas são responsáveis, portanto, pelo maior ou menor grau de compreensão que o leitor tem do texto e se referem ao nosso comportamento leitor. Enquanto lemos, essas estratégias nos promovem questionamentos como: Será que consigo prestar atenção e absorver de fato as informações que leio? Preciso retomar pois deixei passar alguns significados? De que maneira eu retomo essa leitura? Todas essas são estratégias que vamos realizando aos poucos em nosso crescimento como leitores. Kato nos explica que trabalhos que façam as crianças perceberem “os motivos que as levaram a deixar cer- tos trechos do texto em sua rememoração poderão dar-lhe gradativa- mente a noção consciente de que algumas ideias são mais importantes Na sua concepção, com base no que estudamos aqui, por que é preciso desenvolver estratégias de leitura? Atividade 2 44 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa que outras” (1990, p. 111). Isso significa que, ao mostrarmos ao aluno que há informações que guardamos e outras não, começamos a traba- lhar estratégias metacognitivas de reconhecimento dos níveis de rele- vância das informações no texto. É muito importante compreender que a estratégia de estabelecer os objetivos da leitura antes do texto faz com que o leitor consiga moni- torar melhor a sua leitura a fim de atingir o objetivo estabelecido. Kato ainda complementa que: sua monitoração, quando muito, poderá se dar apenas a nível de uma compreensão vaga e geral. Ou ainda, ela [a criança] poderá ler o texto, tendo em mente apenas o tipo de perguntas que a es- cola está acostumada a lhe fazer. Sua compreensão, nesse caso, será monitorada apenas para atender à expectativa da escola e não dela mesma (1990, p. 112). Assim, desenvolver estratégias metacognitivas promove a com- preensão do que é lido e algumas formas de resolver os problemas enfrentados na leitura, como possíveis ambiguidades, estruturas mal escritas ou diferentes do usual, em que o leitor precisa achar o sentido, falta de coesão ou até mesmo um acontecimento completamente im- previsível na narrativa. Quando isso acontece, paramos e reavaliamos o que estamos lendo e, nesse momento, entram as estratégias. Solé nos dá dicas de quais estratégias o professor pode usar em sala de aula. Veja, a seguir, um resumo delas (1998, p. 73-75): 4Relacionar seus conhecimentos prévios com a consistência interna do texto; 5Monitorar se a compreensão precisa de recapitulação, com questionamentos como: “Compreendi de fato?” “Isto faz sentido?”; 1Questionar e compreender o porquê de ler o texto; 2Levantar conhecimentos prévios acerca do tema, do autor, do gênero, do tipo textual e do contexto da obra; 3Observar quais informações de fato são relevantes no texto, tendo em vista o objetivo inicial do motivo que levou à leitura do texto; 6Inferir interpretações e hipóteses ao longo do texto. Além dessas indicações, devemos pensar também que o ensino de leitura requer, pelo menos, três momentos: pré-leitura, leitura e pós-leitura. Antes da leitura O primeiro passo é motivar os alunos para a leitura, encantá-los para a atividade. • Se a leitura for literária, pode-se criar um cenário, iniciando com uma música que lembre a trama ou até mesmo um filme breve que lembre a história que será trabalhada. • Outro ponto a ser explorado na pré-leitura são os conhecimen- tos prévios dos alunos em relação ao gênero e ao assunto. • Nesse momento, deve-se trabalhar o propósito da leitura,para que o aluno possa acessar as estratégias metacognitivas enquan- to lê. De acordo com Solé (1998), alguns dos objetivos podem ser: obter determinada informação; seguir instruções; aprender conceitos novos; obter prazer e diversão; comunicar algo para al- guém; e verificar o que se entendeu. • O professor também precisa ajudar os alunos a formularem per- guntas iniciais que serão respondidas com a leitura, estabelecen- do previsões sobre o texto. Durante a leitura Utilizar leitura em voz alta, revezando os alunos, é interessante, po- rém não para toda leitura. Quando lemos um texto longo demais em voz alta, muitos alunos ficam perdidos pelo caminho, ou por não conse- guirem prestar atenção no colega, ou por já estarem muito adiantados no texto, e a leitura mais lenta desestimula a continuidade da tarefa. • Na leitura compartilhada, é interessante trabalhar a compreen- são geral de cada segmento importante do texto, bem como pa- lavras e expressões desconhecidas. • Também se pode pedir aos alunos resumos dos segmentos para verificar se todos estão acompanhando e compreendendo. • Nas pausas, também podem ser respondidas às perguntas iniciais e formuladas novas hipóteses para o prosseguimento do texto. • A leitura individual silenciosa é outro ponto importante, e os alu- nos podem utilizar as estratégias anteriores. O livro Análise de textos, de Irandé Antunes, é um material que trata de estratégias de ensino de textos e traz formas de analisá-los em sala de aula, bem como práticas comentadas. ANTUNES, I. São Paulo: Parábola editorial, 2010. Livro O livro Estratégias de leitura pode lhe ajudar a conhecer técnicas de ensino que promovem a formação de leitores. Ele traz elucidações sobre o ensino de leitura, bem como detalha várias das estratégias resumidas aqui nesta obra. SOLÉ, I. Porto Alegre: Penso, 1998. Livro O ensino da leitura 45 Além dessas indicações, devemos pensar também que o ensino de leitura requer, pelo menos, três momentos: pré-leitura, leitura e pós-leitura. Antes da leitura O primeiro passo é motivar os alunos para a leitura, encantá-los para a atividade. • Se a leitura for literária, pode-se criar um cenário, iniciando com uma música que lembre a trama ou até mesmo um filme breve que lembre a história que será trabalhada. • Outro ponto a ser explorado na pré-leitura são os conhecimen- tos prévios dos alunos em relação ao gênero e ao assunto. • Nesse momento, deve-se trabalhar o propósito da leitura, para que o aluno possa acessar as estratégias metacognitivas enquan- to lê. De acordo com Solé (1998), alguns dos objetivos podem ser: obter determinada informação; seguir instruções; aprender conceitos novos; obter prazer e diversão; comunicar algo para al- guém; e verificar o que se entendeu. • O professor também precisa ajudar os alunos a formularem per- guntas iniciais que serão respondidas com a leitura, estabelecen- do previsões sobre o texto. Durante a leitura Utilizar leitura em voz alta, revezando os alunos, é interessante, po- rém não para toda leitura. Quando lemos um texto longo demais em voz alta, muitos alunos ficam perdidos pelo caminho, ou por não conse- guirem prestar atenção no colega, ou por já estarem muito adiantados no texto, e a leitura mais lenta desestimula a continuidade da tarefa. • Na leitura compartilhada, é interessante trabalhar a compreen- são geral de cada segmento importante do texto, bem como pa- lavras e expressões desconhecidas. • Também se pode pedir aos alunos resumos dos segmentos para verificar se todos estão acompanhando e compreendendo. • Nas pausas, também podem ser respondidas às perguntas iniciais e formuladas novas hipóteses para o prosseguimento do texto. • A leitura individual silenciosa é outro ponto importante, e os alu- nos podem utilizar as estratégias anteriores. O livro Análise de textos, de Irandé Antunes, é um material que trata de estratégias de ensino de textos e traz formas de analisá-los em sala de aula, bem como práticas comentadas. ANTUNES, I. São Paulo: Parábola editorial, 2010. Livro O livro Estratégias de leitura pode lhe ajudar a conhecer técnicas de ensino que promovem a formação de leitores. Ele traz elucidações sobre o ensino de leitura, bem como detalha várias das estratégias resumidas aqui nesta obra. SOLÉ, I. Porto Alegre: Penso, 1998. Livro 46 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Após a leitura Em todos os momentos, devemos dar voz ao aluno, mas nessa eta- pa, em especial, precisamos incentivá-lo a construir seus significados do texto, regulando o que for necessário, mas nunca trabalhando ape- nas um significado verdadeiro. Esse é um momento para: • corroborar ou refutar as hipóteses formuladas anteriormente; • solicitar resumo geral da leitura; • trabalhar a compreensão da estrutura e sua ligação com os signi- ficados levantados; • relacionar a leitura com o contexto social atual e histórico; • recapitular quais partes de fato foram importantes para a compreensão. Essas são algumas possibilidades para se trabalhar o texto na es- cola, independente da série e do gênero dos alunos. Com uma pitada de criatividade, podemos levar muita motivação para a leitura em sala de aula. Porém, uma coisa é certa, o professor é o primeiro a dar o exemplo da leitura. Então, na hora de ler em sala de aula, ele deve participar da leitura, “mergulhar de cabeça”, mostrando aos estudan- tes que vale a pena ler! 3.3 Leitura em diferentes suportes Videoaula Ao tratarmos de leitura sempre nos remetemos a livros. No entanto, será que eles ainda reinam de maneira soberana? Você está lendo este livro onde? No papel ou na tela? Seja como for, não podemos negar que a invenção da imprensa re- volucionou a forma de ler, passando de uma leitura coletiva para uma individual e silenciosa. Porém, na era digital, vemos transformação ain- da maior: ler adquiriu novos sentidos. Isso porque a leitura passou a ter múltiplos significados construídos por todos os que navegam nes- sa nova era. Veja, como exemplo, a fanfic, que é um gênero com o qual pessoas de todo o mundo reconstroem suas narrativas preferidas, sejam elas impressas ou cinematográficas, em conjunto e em tempo real. Não há como entender o livro apenas como algo escrito por um autor para um leitor. O livro Dinâmicas e jogos para aulas de Língua Portuguesa apresenta atividades lúdicas para o trabalho nessa disciplina e ligadas à leitura em sala de aula. As propostas en- globam todos os níveis de ensino e trazem soluções simples e práticas para auxiliar nas aulas. SILVA, S.; COSTA, S. Petrópolis: Vozes, 2017. Livro O ensino da leitura 47 Mesmo o livro impresso hoje ganha novos significados com tan- tos intertextos disponíveis. Se entrarmos em um canal dos chamados booktubers, pessoas que gravam comentários sobre livros em vídeos, veremos que a resenha de um livro agora pode ser audiovisual e re- cheada de ligações com outros textos, músicas, filmes e (não há como deixar de fora) memes. A leitura hoje não é uma prática na qual a pessoa tem que decifrar todos os sentidos do autor como se fossem os únicos verdadeiros. Ao contrário, o mundo digital nos pede participação, compartilhamento, comentários e likes. A interação com o texto lido é muito mais ampla. Além disso, as informações perdem sentido rapidamente, pois algo novo está sempre à espreita. Saímos do controle editorial, da linearidade e da unidade estrutural, para a redução da distância entre autor e leitor e para o hipertexto, uma estrutura em rede que não tem ponto-final. Vamos decifrar cada uma dessas polaridades para entender melhor o caminho atual da leitura. 3.3.1 Controle editorial x redução da distância entre autor e leitor Já foi discutido um pouco sobre este tópico quando tratamos das fanfics, sites em que podemos dar outros rumos às nossas histórias favoritas e compartilhar essas histórias com o mundo, prática que ao mesmo tempoaproxima o leitor do cenário da obra e retira do autor todo o controle sobre as ações e os desfechos. Porém, nem só de fanfic vive a internet. Uma notícia em um jornal di- gital pode trazer informações sobre a economia, mas isso não significa que ele detenha o controle do leitor. Quando dependíamos do impres- so para ter acesso à informação, o autor do texto era quem ditava as regras de qual informação deveríamos ler. Agora, se você achar que as informações da notícia sobre econo- mia não estão do seu agrado, você pode simplesmente procurar outra fonte. Além disso, se apenas algumas partes das várias notícias não te agradarem, você mesmo pode ser um autor comentando a economia e, ainda por cima, em diversos locais ao mesmo tempo – nas redes so- ciais, nos comentários dos jornais, nos blogs, nas plataformas de com- partilhamento de vídeos etc. Você pode saber mais das fanfics e de sua consonân- cia com a BNCC na matéria O que é fanfic. E como ela é abordada na Base Nacional Curricular, publicada pelo jornal Nexo. Disponível em: https:// www.nexojornal.com.br/ expresso/2019/01/10/O-que-%- C3%A9-fanfic.-E-como-ela-%C3%A- 9-abordada-na-Base-Nacional-Curri- cular. Acesso em: 14 fev. 2020. Saiba mais Para começar a entrar no mundo dos booktubers, que tal dar uma olhada no canal Caçando His- tórias? Ele aborda livros infantis e juvenis que trabalham a temática do movimento negro. Disponível em: https://www. youtube.com/channel/UC_yKAIoC- J2i5yfyFaWD4yxA/featured. Acesso em: 14 fev. 2020. Vídeo https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/10/O-que-%25C3%25A9-fanfic.-E-como-ela-%25C3%25A9-abordada-na-Base-Nacional-Curricular https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/10/O-que-%25C3%25A9-fanfic.-E-como-ela-%25C3%25A9-abordada-na-Base-Nacional-Curricular https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/10/O-que-%25C3%25A9-fanfic.-E-como-ela-%25C3%25A9-abordada-na-Base-Nacional-Curricular https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/10/O-que-%25C3%25A9-fanfic.-E-como-ela-%25C3%25A9-abordada-na-Base-Nacional-Curricular https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/10/O-que-%25C3%25A9-fanfic.-E-como-ela-%25C3%25A9-abordada-na-Base-Nacional-Curricular https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/10/O-que-%25C3%25A9-fanfic.-E-como-ela-%25C3%25A9-abordada-na-Base-Nacional-Curricular https://www.youtube.com/channel/UC_yKAIoCJ2i5yfyFaWD4yxA/featured https://www.youtube.com/channel/UC_yKAIoCJ2i5yfyFaWD4yxA/featured https://www.youtube.com/channel/UC_yKAIoCJ2i5yfyFaWD4yxA/featured 48 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Da mesma forma, o livro literário, que passa, ainda, pelo crivo edi- torial, no qual pode sofrer alterações que melhor indiquem a visão da editora, na internet tem livre circulação, com sites para publicação gra- tuita dos chamados e-books. 3.3.2 Linearidade x hipertexto Quem já se pegou lendo uma notícia de educação e meia hora de- pois assistindo a um vídeo de gatinhos no celular? Pois é, no meio digi- tal a leitura não segue uma linha reta que começa na capa e termina na contracapa. Ela tem suas próprias regras, ou talvez quase nenhuma. O que é certo é que essas regras são produzidas pelo leitor (e por algorit- mos, alguns diriam). Em todo caso, o livro impresso traz um rota fixa a ser traçada por quem lê. Rota escolhida pelo autor e pela editora. Já a leitura em meio digital permite ao leitor que encontre os caminhos que mais o interes- sam, sejam eles em código escrito, áudio, vídeo ou imagens. A leitura se torna, então, hipertextual, permeada pelos hiperlinks, ou links. Ela não é mais linear, e sim realizada em uma rede de conexões que o leitor vai construindo ao clicar em outros textos (imagens, vídeos etc.) que aparecem dentro do texto original. Conforme Soares (2002, p. 152), pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitu- ra traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conheci- mento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo le- tramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. Além de novas formas de ler e escrever, o espaço virtual nos traz um novo desafio, o letramento para as novas formas de comunicação e de conhecimento. Não basta, portanto, trabalhar apenas o novo suporte e as informa- ções contidas nele. É imperativo que trabalhemos relações humanas, pois elas tendem a se perder no processo virtual. Assim, as formas de comunicação por redes sociais precisam de treino também, afinal, não é porque o meu interlocutor não está na minha frente que posso dizer o que penso e da forma que quero. As chamadas fake news têm entrado em várias discussões na atualidade. Para você, qual é o maior perigo que elas representam? Atividade 3 O ensino da leitura 49 Outro desafio é o mundo de informações que se coloca enquanto verdade na internet, como é o caso de sites que trazem fatos inveros- símeis, sem checagem alguma, e que precisam de um leitor atento e crítico para saber onde buscar as informações válidas. Portanto, é preciso primeiramente conscientizar-se de que nem toda informação é válida e dar o exemplo aos alunos, sempre pesqui- sando antes de repassar algo percebido. Para ajudar nessa tarefa, há diversos sites de jornais que realizam um serviço de verificação de in- formações, os quais você pode utilizar em sala de aula e criar nos estu- dantes o hábito de checagem da veracidade de informações. Um desses sites é o Projeto Comprova, iniciativa colaborativa entre jornalistas de diversos veículos do Brasil. Disponível em: www.projetocompro- va.com.br. Acesso em: 14 fev. 2020. Site CONSIDERAÇÕES FINAIS Ler deve ser também um prazer. O mais necessário para se ensinar leitura é a sensibilidade leitora própria do professor. Ao nos tornarmos leitores ávidos por novidades e por boas obras, com certeza, atingiremos outras pessoas. O ensino da leitura, de fato, dependerá do processo de decodificação, mas, além disso, deve partir dele para construir sentidos que ampliem a visão da realidade e instiguem a querer mudá-la, colocando a leitura enquanto uma atividade também política, permeada por compreensões e transformações de contexto sócio-histórico. Além disso, a leitura deve ser pensada como prática social, englobando o suporte digital e repensando seu uso de maneira crítica para aquisição do conhecimento e de novas formas de comunicação. Professores preci- sam criar uma sede de conhecimento em seus alunos, que seja saciada pela leitura crítica do mundo e das letras. REFERÊNCIAS FINKENAUER, L.; SILVA, M. C. Metodologia do ensino da linguagem. Porto Alegre: SAGAH, 2017. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989. KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1990. LOBATO, M. O Minotauro. São Paulo: Brasiliense, 1996. MARTINS, M. H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1994. SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Revista de Ciências da Educação, v. 23, n. 81. p.143-160, dez, 2002. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Trad. de Claudia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Penso, 1998. https://projetocomprova.com.br/ https://projetocomprova.com.br/ 50 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa GABARITO 1. Leitor-político é aquele que tem a competência reflexiva e crítica para entender que as informações acessadas na leitura podem dar novos sentidos à sua forma de olhar o mundo e a realidade. O leitor-político utiliza essas informações para agir no mundo, sendo um agente de transformação de seu contexto. 2. As estratégias de leitura são imprescindíveis para a formação de leitores, uma vez que permitem ao sujeito que monitore a sua atividade de leitura para ter certeza de que realmente compreendeu o que o texto propôs e para dialogar com o conteúdo, gerando novos significados. 3. Pessoal. Algunsdos perigos podem ser a disseminação de notícias falsas, que prejudi- cam pessoas, como denúncias sem checar a veracidade do fato, e os alardes da popu- lação, gerando pânico, seja em caso de violência ou em situações de saúde pública. Há outros tantos perigos que podemos citar aqui, mas o que precisamos ter em mente é que informações falsas irão impactar alguém de maneira negativa, mesmo que não seja o próprio leitor. A produção textual na escola 51 Para que o professor possa ensinar os seus alunos a produ- zirem qualquer texto e viverem, na vida cotidiana, com menos mal-entendidos causados pela falta ou erro de comunicação, é importante não apenas facilitar o uso de conhecimentos linguísti- cos, experienciados em eventos comunicativos, que os obriguem a utilizar a língua portuguesa, mas também ensiná-los a articular co- nhecimentos formalizados, aprendidos durante as aulas de Língua Portuguesa, que devem levá-los, cada vez mais, a um entendimen- to profundo sobre o uso da língua. Diante disso, a temática deste capítulo está centrada na pro- dução textual na escola e nas etapas que a possibilitam. Para isso, elegemos três pontos fundamentais, que estão divididos em seções. A primeira seção, intitulada Planejamento da escrita, trata do momento da escrita e da importância dele para se alcançar a segunda etapa – e seção desta obra –, a Construção do propósito comunicativo, na qual damos uma definição a esse propósito que considera a importância das mais diferentes formas de interação social e de fatores contextuais específicos. A terceira seção, Revisão e reescrita de textos, considera que é essa atividade que proporcio- na aos alunos a oportunidade de representar dois papéis distintos: o de escritor que escreve e o de escritor que corrige. Dessa maneira, traçamos um percurso para a efetivação do ensino da produção textual de maneira cada vez mais natural e menos mecanizada, e não mais como mero pretexto para se apli- car somente aspectos gramaticais. A produção textual na escola Lucienne Lautenschlager “ 4 52 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa 4.1 Planejamento da escrita Videoaula Ao escrever um texto, muitas vezes, os alunos se deparam com uma folha em branco e ficam pensando em como devem comunicar o que precisam. Isso ocorre porque há uma grande distância a ser eliminada entre o que queremos comunicar e o que realmente escrevemos. Para ajudar os alunos a eliminar essa distância, devemos recorrer ao en- sino de elementos linguísticos. Assim, torna-se evidente que, quando utilizados devidamente, eles contribuem com a clareza de raciocínio, adequação ao tema e articulação dos fatos. Para compreendermos melhor essa relação, observe o seguinte exemplo: Um dia, Marcela combinou de sair com duas amigas que moravam no seu prédio, mas em andares diferentes. Ao descer e esperá-las no hall por algum tempo, re- solveu enviar uma mensagem de texto perguntando onde elas estavam. Uma das amigas, então, respondeu “já descemos”, e a Marcela voltou a perguntar “Cadê vo- cês? Não estou vendo...”. Quando, finalmente, as amigas se encontraram, passaram a discutir a informação passada e Marcela descobriu que a intenção de sua amiga era dizer “já vamos descer” ou “já desceremos”, porém devido a uma conjugação errada do verbo houve certo transtorno e estranhamento, pois Marcela ficou recla- mando de ter ficado procurando-as por todo o hall e sua amiga reclamou que ela não a havia compreendido. Com base no relato usado como exemplo, podemos analisar como é importante o professor explicar ao aluno que um planejamento de es- crita deve, primeiro, atender à intencionalidade de quem escreve. É ne- cessário levar o aluno a perceber que, nesse caso específico, as pessoas envolvidas tiveram a oportunidade de se encontrar e corrigir o erro de comunicação causado pela escrita, porém nem sempre o autor tem essa oportunidade com seu(s) interlocutor(es). Por isso, quem escreve preci- sa certificar-se de que será compreendido de acordo com seus objetivos. É lógico que, dependendo do texto, o planejamento deve ser menos ou mais elaborado. É papel do professor, promover o olhar atento do aluno quando este pensa em quem é o seu interlocutor, para que ele cuide da compreensão do outro sobre a sua fala e como é possível mi- nimizar impactos de equívocos de comunicação. interlocutor: pessoa com quem se fala ou se mantém algum tipo de comunicação. Glossário A produção textual na escola 53 O aluno precisa pensar nos seguintes elementos linguísticos para promover um texto: • interlocutor; • finalidade; • conteúdo; • estratégia. Todos esses elementos dependem, em larga escala, do gênero textual que se pretende comunicar e de como o autor pretende interagir com seu interlocutor, isso porque são os gêneros textuais que determinam a estru- tura do texto a ser escrito ou falado e é a interação que facilita a tomada de decisões em relação àquilo que queremos dizer e como diremos. Embora, nem sempre, o interlocutor esteja presente fisicamente em uma interação comunicativa, Antunes (2003) alerta que é inegável a exis- tência de tais sujeitos e que não é por esse motivo que a escrita deixará de atender à faculdade da linguagem, a qual é servir à comunicação entre su- jeitos. Segundo a autora (2003, p. 46, grifos do original), “quem escreve, na verdade, escreve para alguém, ou seja, está em interação com outra pessoa”. Para demonstrar melhor como o professor pode ensinar o estudante a planejar um texto escrito, partindo da definição dos aspectos linguísti- cos citados, vamos confrontar a escrita de um e-mail a de uma piada. O primeiro, derivado do tipo de texto epistolar 1 , é caracterizado pelo meio digital e permite uma interação mais rápida entre duas ou mais pessoas, voltado tanto a atender relações pessoais quanto profissionais; já a pia- da se diferencia dos demais gêneros por ser curta e envolver elementos da narrativa como tempo, espaço, personagens etc. Pensando nisso, ob- serve os planejamentos de escrita nos quadros a seguir. Atenção Mesmo sabendo que os gêneros textuais e a comunicação po- dem ser escritos ou orais, vamos nos ater à escrita, pois esta possui funções da linguagem bem específicas, além de carac- terísticas próprias. Na escrita, o distanciamento entre o emissor e o receptor é maior e, por esse motivo, é fundamental pensar no interlocutor. Assim, podemos afirmar que um e-mail, uma notícia ou um requerimento têm características próprias a serem cumpridas. Tipo de texto caracterizado por um diálogo a distância. 1 Quadro 1 Planejamentos de escrita Planejamento de escrita I: e-mail Interlocutor Diretor de uma empresa. Finalidade Convencer o diretor a aceitar um novo projeto. Conteúdo Explicar o projeto novo realizado pela equipe e solicitar liberação de verba para colocá-lo em prática. Estratégia Enviar um e-mail para estabelecer uma proximidade com o diretor. Fonte: Elaborado pela autora. 54 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Planejamento de escrita II: piada Interlocutor Simpatizantes do gênero; adultos. Finalidade Entreter/divertir os leitores. Conteúdo Piada sobre papagaio. Estratégia Utilizar ambiguidade, humor, linguagem simples e discur- so direto. Fonte: Elaborado pela autora. Analise que o planejamento se modifica de acordo com o gênero textual, a fim de se adaptar à criação e à fruição de ideias do autor. Para determinar os aspectos linguísticos citados, o professor pode en- sinar aos alunos as perguntas, a seguir (Quadro 2), correlacionadas aos aspectos, para que planejem de maneira autônoma a própria escrita: Quadro 2 Modelo de planejamento de escrita Interlocutor Qual é o público a quem se destina minha escrita? Finalidade Para que estou escrevendo isso? Conteúdo Sobre o que vou escrever? Qual é a minha intenção prin- cipal? Estratégia Como devo escrever sobre esse conteúdo? Fonte: Elaborado pela autora. Determinar esses elementosna produção escrita é o primeiro passo para sistematizá-la e evitar uma eventual fuga do tema. Lembrar que tanto a folha de papel em branco quanto a tela do computador são ele- mentos passivos e, sendo assim, podem receber livremente qualquer tipo de conteúdo, é essencial para que o aluno tenha a responsabilida- de de não as preencher de qualquer forma, e sim com o que realmente se planeja comunicar ao leitor. A escrita de um texto pode ter diversos objetivos, como incentivar, explicar, solicitar, narrar, informar, entre outros. Por isso, cabe ao pro- fessor definir essa intenção em seu plano de aula, para que o aluno a insira em seu planejamento e possa cumpri-la durante o ato da escrita. Caso essa finalidade não seja definida previamente, haverá um grande risco de o aluno não preencher a lacuna do que deveria ser escrito e o A produção textual na escola 55 que realmente foi. Assim, evitamos a situação de o aluno não corres- ponder aos diferentes usos sociais da escrita. Logo, a intencionalidade da escrita também define a escolha de um tipo de linguagem. Por exemplo, a norma-padrão da língua seria a mais adequada para a escrita de um e-mail, enquanto para uma piada uma linguagem mais simples e informal seria mais relevante. Isso acontece porque, considerando o contexto do planejamento do e-mail, supõe-se que entre o diretor e o funcionário há uma relação maior de respeito e, provavelmente, de menor intimidade. Já em um texto de piada não se espera esse mesmo tipo de relação. Além de planejar a linguagem a ser utilizada, pensar no conteúdo e na estratégia evita uma das maiores transgressões em relação ao ato da escrita, que é o de não se ter o que escrever. Ainda assim, pode ser que o tema proposto para o texto não seja de conhecimento do aluno, por isso é importante que ele recorra a diferentes fontes. Ler sobre o tema estabelecido pode ajudá-lo a agregar informações pertinentes de acordo com o objetivo da escrita. Para escrever determinados textos, como o argumentativo e o dis- sertativo, é imprescindível que o professor disponibilize diferentes pontos de vista, em diferentes fontes, para que o aluno possa visualizar tantos as estratégias quanto a organização textual de outros autores e, então, delimitar a sua própria posição. Portanto, planejar estratégias para conseguir expor seu próprio ponto de vista é uma importante eta- pa para que o aluno possa elaborar seu texto. Desse modo, em uma aula em que o objetivo seja a delimitação da posição tomada pelo aluno em um processo de escrita, o professor deve organizar e estruturar a atividade de planejamento de escrita de acordo com os gêneros trabalhados e já conhecidos pelos alunos ou, então, familiarizá-los com esses gêneros o quanto antes. Diante disso, o aluno será capaz de identificar a finalidade da escrita para, em seguida, determinar o gênero textual mais adequado. Apesar de estrutural, o quadro a seguir exemplifica uma competência que o aluno deve identificar em relação aos gêneros textuais para que consi- ga planejar uma escrita com qualidade. Atividade 1 Escolha um gênero textual e planeje uma atividade em que o aluno tenha que identificar interlocutor, finalidade, con- teúdo e estratégia, levando em consideração o planejamento de escrita. 56 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Quadro 3 Diferentes finalidades, diferentes gêneros. Finalidades de escrita Gêneros textuais Comover Poema, música, diário, blog... Convencer Anúncios publicitários, cartaz, autoajuda... Convidar Convite, bilhete, e-mail... Informar Notícia, artigo de opinião, reportagem... Narrar Conto, fábula, novela... Solicitar Carta de solicitação, e-mail, requerimento... Fonte: Elaborado pela autora. É importante salientar que um só gênero pode atender a mais de uma finalidade de escrita, assim cabe ao professor levar o aluno a fa- zer essa escolha de acordo com o contexto mais adequado. Por exem- plo, em uma dada situação que se pretenda comunicar, solicitar ou até mesmo convencer alguém de algo, podemos utilizar o gênero textual e-mail, desde que tenhamos os requisitos mínimos para a efetivação dessa escrita (aparelho eletrônico com acesso à internet, endereço ele- trônico do receptor e contexto favorável). Outra estratégia interessante para contribuir com o planejamento da produção textual é a atividade de brainstorming, que consiste no professor, antes de iniciar uma escrita, pedir ao aluno que anote em um papel em branco toda e qualquer ideia que vier à sua mente sobre o assunto a ser desenvolvido, sem ter preocupação com linearidade ou em como as ideias estão aparecendo no papel. A representação dos pensamentos pode ser feita por meio de desenhos, palavras, fra- ses, tudo da maneira que vier à mente. Para exemplificar melhor essa estratégia, vamos imaginar que o professor precise facilitar a escrita de um texto dissertativo que possui como temática a Democratização do acesso ao cinema no Brasil, que, inclusive, foi o tema da redação do Enem em 2019. Inicialmente, a folha de cada aluno poderia ficar mais ou menos como a Figura 1. O livro Hipertextos e gêneros textuais: novas for- mas de construção de senti- do apresenta um compila- do de artigos que trazem diferentes perspectivas teóricas sobre como di- ferentes gêneros textuais originaram diferentes propósitos comunicativos e como essas mudanças afetam significativamente o processo de ensino e aprendizagem. MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. RJ: Lucerna, 2005. Livro A produção textual na escola 57 Figura 1 Estratégia de brainstorming Comédia Terror Romance Cinemas em cidades peq. Campanhas culturais Ingressos de acordo com renda declarada Fonte: Elaborada pela autora. Após reunir e anotar toda e qualquer informação que vier à ca- beça, os alunos deverão voltar a essas informações e tentar enca- deá-las da melhor maneira possível. Pode ser que sobrem ideias e eles tenham que riscá-las ou que faltem informações e eles tenham que complementá-las. É possível também que, simplesmente, eles mudem de ideia no meio da produção textual e resolvam inserir in- formações diferentes. O importante é que essa estratégia sirva como uma preparação para a elaboração da escrita, assim o conteúdo proposto pode ser desenvolvido da melhor maneira possível. Quanto mais ideias soltas e despretensiosas, menos chance há de ficar empacada a escrita, sem saber o que escrever ou argumentar. A partir daí, é importante desafiar seus alunos, propondo escritas cada vez mais complexas, respeitando o universo cultural de cada um, mas ampliando-o com a oferta de leituras diferentes e materiais diversificados. 58 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa No artigo Porque e como você deveria começar agora um planejamento de escrita, da autora Mylle Silva, publicado no site Oficina de escrita, encontramos a es- crita como uma habilidade que precisa ser desenvolvida e treinada dia após dia. A autora também incentiva as pessoas em como organizar ideias, buscar um tema e fazer anotações para a produção textual. Acesso em: 09 jan. 2020. https://oficinadeescrita.com.br/planejamento-de-escrita/ Artigo 4.2 Construção do propósito comunicativo Videoaula A produção de textos há muito tempo deixou de ser apenas um ins- trumento usado para praticar gramática ou uma simples tarefa a ser en- tregue ao professor. Saber articular ideias em um papel é uma prática que está sendo, e deve ser, cada vez mais associada às funções sociais. Registrar as etapas de uma deliciosa receita, argumentar para se alcançar determinado objetivo ou fazer um post em uma rede social são só alguns exemplos de como essa prática se tornou necessária em nosso cotidiano. Ao longo do ensino do componente curricular de Língua Portuguesa nas instituições educacionais, muitas vezes, professores submetiam os alunos à produção de uma redação com o título “Minhas férias”. Essa proposta se revelou vazia de significados, pois nãodemonstrava ter, em si, um propósito comunicativo. Além disso, esse tipo de atividade não considerava para quem ele estava escrevendo: seria para o pro- fessor? Para seus pais? Para publicar em um jornal? Cada um desses públicos exige uma escrita diferente de um mesmo autor. Pensando nisso, estabelecemos uma primeira premissa para se instituir um pro- pósito comunicativo real. Dizemos real, pois, no exemplo mencionado da redação escolar, o propósito comunicativo sequer existia, e, se existisse, muito provavel- mente seria apenas com o intuito de silenciar a pergunta curiosa de algum aluno: “Professora, para que vamos escrever isso?”. Assim, o úni- co propósito da redação era verificar a utilização de pontuação, de al- gum aspecto gramatical previamente ensinado ou, até mesmo, ocupar o tempo dos alunos para manter o silêncio na sala de aula, enquanto escreviam mecanicamente, sem ao menos refletir sobre o que estavam fazendo, ficando, assim, ausentes do processo de comunicação. https://oficinadeescrita.com.br/planejamento-de-escrita/ A produção textual na escola 59 Propor produção textual na escola é ensinar os alunos a terem com- portamento escritor, o qual envolve a responsabilidade pela comunica- ção daquilo que se quer deixar registrado, além de ser uma simulação para a produção de textos, que será usada durante a vida. Cada vez mais, é urgente diminuir a distância entre o que é ensinado e o que é vivido. Para isso, é importante considerar o texto como uma unidade de sen- tido, ou seja, ideias articuladas entre si, e não aleatórias, a fim de garantir uma mensagem possível de ser entendida pelos interlocutores. Nessa perspectiva, portanto, o texto acaba por revelar a linha e a clareza de raciocínio de seus alunos, além do domínio de elementos linguísticos. Segundo Bunzen, para que o aluno possa se assumir como locu- tor, produtor de textos, ele precisa desenvolver cinco competên- cias. São elas: • Ter o que dizer. • Ter razões para dizer o que tem a dizer. • Ter para quem dizer o que tem a dizer. • Assumir-se como sujeito que diz o que diz e para quem diz. • Escolher estratégias para dizer (BUNZEN, 2006, p. 149) Isso significa, de modo geral, que um produtor de textos deve se posicionar frente ao seu texto, assumindo seu papel enquanto dissemi- nador de ideias e percebendo o quanto isso pode ser relevante dentro de um espectro social entendido como uma esfera de comunicação hu- mana e, portanto, lugar de interação verbal. Quando um aluno tem dificuldade nesse quesito, de assumir-se como sujeito que diz o que diz e para quem diz, o professor deve pro- mover atividades que ajudem na descoberta da identidade de cada es- tudante, fazendo-o pensar, opinar e contestar até que possa entender o mecanismo de escrita em cada gênero textual. Isso facilita os processos descritos nas competências um e dois (ter o que dizer e razões para dizer), logo é só determinar as estratégias que serão utilizadas, que devem ser, naturalmente, criadas pelos alunos a partir da mediação do professor, o qual jamais deve oferecer soluções prontas, mas, sim, modelos de reflexão que levem os alunos às vivên- cias linguísticas dentro da sala de aula. Para exemplificarmos uma estratégia de reflexão linguística, leia a seguir (Figura 2) duas manchetes publicadas, respectivamente, no por- tal G1 e no Jornal Folha de São Paulo, no dia 13 de novembro de 2019. Atenção Há uma diferença notável no significado de redação e produção de texto. A primeira está muito mais voltada àquela atividade em que o único destinatário é o professor, sem preparação antes da escrita propriamente dita e que não leva em consideração as condições de uso da linguagem. Já a segunda requer a presença de interlocutores determina- dos, preza por uma leitura ou discussão prévia para garantir o conteúdo a ser escrito e envolve práticas de letramento. 60 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Figura 2 Manchetes A – Portal G1 JORNAL Manchas de óleo no litoral atingem mais de 500 locais no Nordeste e Sudeste. Balanço do Ibama divulgado nesta quarta-feira (13) mostra que 527 locais em 111 municípios já foram afetados. Quase 70% das cidades do litoral nordesti- no foram atingidas. Mais de 130 animais foram contaminados. Fonte: G1, 13 nov. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/11/13/ manchas-de-oleo-no-litoral-atingem-mais-de-500-locais-no-nordeste-e-sudeste.ghtml. Acesso em: 09 jan. 2020. B – Jornal Folha de São Paulo JORNAL Da lama ao óleo Praia que já tinha recebido rejeitos de Mariana (MG) é afetada por manchas de óleo Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 13 nov. 2019. Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1650105981850800-da-lama- ao-oleo. Acesso em: 09 jan. 2020. Apesar de ambos os textos abordarem o mesmo tema – a mancha de óleo presente em algumas praias do Brasil – o modo de comuni- cação é peculiar em cada um deles: a Figura 2-B é mais sucinta que a Figura 2-A; o G1 traz dados, porcentagens, que se aproximam de uma forma de argumentação – por comprovação – a qual serve para evitar maiores contestações pelo fato de explicitar evidências, que podem convencer mais facilmente o leitor a acreditar na notícia e, consequen- temente, disseminá-la em outros lugares ou para outras pessoas. Ao contrário, a manchete do Jornal Folha de São Paulo é curta e dá pre- ferência por evidenciar uma praia em específico, localizada no estado do Espírito Santo. https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/11/13/manchas-de-oleo-no-litoral-atingem-mais-de-500-locais-no-nordeste-e-sudeste.ghtml https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/11/13/manchas-de-oleo-no-litoral-atingem-mais-de-500-locais-no-nordeste-e-sudeste.ghtml https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1650105981850800-da-lama-ao-oleo https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1650105981850800-da-lama-ao-oleo A produção textual na escola 61 Sobre o propósito comunicativo da Figura 2-A, podemos analisar que as informações “mais de 500 locais”, “70% das cidades do litoral” e “mais de 130 animais” pretendem causar um impacto no leitor, que, de imediato, pode esbravejar com essa situação, considerá-la terrível ou se comover. Já a Figura 2-B procura criar, na mente do leitor, a ideia de que a praia citada vai de mal a pior, por meio da frase “da lama ao óleo”, reforçando essa imagem na linha fina, fazendo um paralelo a partir do fato de que como se não bastasse a cidade já ter recebido rejeitos, ainda acabara sofrendo com manchas de óleo. Temos, então, duas manchetes de fontes, tamanhos e abordagens diferentes, porém com propósitos comunicativos semelhantes, que é o de chamar a atenção do leitor para a notícia. Todavia, apesar de serem semelhantes, vimos que há sutis diferenças. Isso acontece porque os propósitos de cada notícia podem revelar a crença, opinião de jornalis- tas, redatores, editores, enfim, dos envolvidos na produção dela. Diante disso, podemos, com base nos elementos linguísticos, inter- pretar que o autor da manchete 2-A está inconformado com a situação da mancha de óleo no litoral e pretende que os leitores também com- partilhem dessa ideia. Já na manchete 2-B inferimos que, para os pro- dutores, a cidade citada é o lugar que merece mais preocupação. Desse modo, mesmo que a notícia seja um gênero em que o autor não deve se posicionar, podemos identificar, por meio do discurso, um sujeito que diz o que diz, para quem diz e com razões próprias. Independente de o leitor apresentar ou não essas reações em re- lação às manchetes, é sempre importante estarmos atentos tanto aos propósitos comunicativos quanto a produzi-los em um texto, pois, en- quanto leitores, é nossa obrigação fazermos essa interpretação para tirarmos nossas próprias conclusões e minimizarmos a repetição de discursos só porque os lemos ou os ouvimos em algum lugar. Enquan-to produtores de texto, devemos ser aptos a criar diferentes propósitos de acordo com o gênero textual e tema a ser desenvolvido, já que é isso que garante a interlocução em um texto. Você já se sentiu entediado diante de alguém que, em uma conver- sa, falava por horas, mas parecia não dizer nada? Isso acontece quando alguém produz um texto sem se preocupar com o propósito comuni- cativo, é o que chamamos de discurso vazio, isto é, um discurso despro- vido de significado, sem sentido, pois alguma das cinco competências não se manteve clara na produção textual. Atividade 2 Escolha um trecho de um texto de sua preferência e proponha uma atividade que ajude os alu- nos a identificar os propósitos comunicativos dele. 62 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Assim sendo, é importante que ensinemos nossos alunos, o quanto antes, a garantir efeito de sentido em uma produção textual e, conse- quentemente, um propósito comunicativo. Isso pode ser desenvolvido a partir de uma atividade que permita aos alunos exatamente o con- trário, ou seja, a construção de inúmeras combinações de frases que podem ser escritas juntas, mas sem expressar absolutamente nada. O Quadro 4, a seguir, permite produzir um discurso vazio, para isso, basta escolher e combinar uma parte de cada coluna.Quadro 4 Discurso vazio Início da frase Desenvolvimento 1 Desenvolvimento 2 Conclusão Prezada equipe, a análise realizada cumpre com o objetivo principal das nossas metas para o ano. As atividades consideram que a meta pretendida facilita a fomentação e o planejamento das condições oferecidas para nós. O incentivo ao uso de novos equipamentos mostra que a atual organização exige o levantamento de conceitos das decisões tomadas pela diretoria. É de extrema importância que a expansão das plataformas determine o uso dos objetivos gerais. Devemos considerar que o desenvolvimento do setor como um todo prejudica a percepção da importância dos índices formulados. A prática mostra que a implantação das reuniões nos obriga a observação dos avanços nos índices. Fonte: Elaborado pela autora. Juntando uma parte de cada coluna podemos ter a seguinte cons- trução: “a prática mostra que a implantação das reuniões determina o uso dos índices formulados”. À primeira vista, até parece um texto elegante, por cumprir preceitos gramaticais de concordância (singular e plural), não conter erro de grafia nem de construção sintática e apre- sentar um vocabulário mais formal, porém se analisarmos a fundo per- ceberemos que falta conteúdo. O que está sendo dito? Não fica claro, porque o início da frase traz a ideia “A prática mostra”, mas prática do que? Mais adiante, temos a informação de que “a implantação das reuniões determina o uso dos índices formulados”, mas implantação de quais reuniões? E que índices foram formulados? Que relação efetiva podemos considerar entre es- sas reuniões e esses índices se não temos o conteúdo deles? Logo, não há razões para dizer isso, pois não há um interlocutor de- finido nem contexto ou sujeito que diga isso. Podemos até considerar alguém em uma empresa, durante uma reunião, mas, mesmo assim, o discurso teria que estar claro com o apoio de imagens, gráficos ou até mesmo portfólios. A produção textual na escola 63 Experimente voltar às colunas e atentar-se para o vocabulário con- tido nelas, as demais combinações possíveis e a falta de propósitos co- municativos, pelo fato de não se ter definido situações de produção de texto. Na coluna 2, por exemplo, evidenciam-se palavras como análise, metas, expansão e atual organização, as quais, soltas, não significam nada, mas se definirmos finalidade, público, estratégia e aliarmos ra- zões para dizê-las, assumindo nosso papel nessa produção textual, a comunicação passa a ter eficácia e qualidade. Assim, o professor pode, a partir de combinações escolhidas pelos alunos, propor a reformulação dessas frases, planejando coletivamente a escrita e, consequentemente, garantindo propósitos comunicativos. Considerando a frase exemplificada, poderíamos solicitar aos alu- nos que fizessem uma tabela de acordo com o que vimos nos quadros A e B do planejamento da escrita. A partir das palavras-chaves contidas na tabela, os alunos teriam que determinar o gênero textual a ser escri- to e com qual propósito. Portanto, diante do objetivo de se fazer entendido e entender, é im- prescindível tanto conhecer o assunto do qual se vai escrever quanto planejar a escrita, a fim de garantir razões de dizer algo e para quem pode ser dito. diagramação: parte responsável pelo leiaute e pela distribuição de elementos gráficos em uma página. 2 4.3 Revisão e reescrita de textos Videoaula Produzir um texto na vida pessoal, profissional ou social é diferente de escrever um livro para uma editora, independen- temente do gênero literário, do tipo ou do propósito do livro. Sabemos que, para escrever um livro, não basta apenas o trabalho do autor, pois são envolvi- das várias etapas até a publicação final. De modo ge- ral, um livro nasce, sempre, de uma ideia que deve ser amadurecida pelo autor, além de serem necessá- rias pesquisa, definição dos interesses do público-al- vo e elaboração de estratégias, ou seja, planejar a escrita até que ela possa ser desenvolvida. Após isso, o livro é enviado a uma equipe editorial que vai cui- dar da parte de diagramação 2 , iconografia 3 e revi- iconografia: parte responsável pela utilização e pertinência de imagens em uma obra. 3 64 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa são textual. Geralmente, isso não é um processo simples, e sim algo que envolve várias idas e vindas entre o autor e essa equipe. Dentre essas ações, uma delas se aproxima da modalidade de pro- dução de texto pessoal, a revisão, pois toda escrita deve supor uma reescrita, que é o ato de voltar ao texto a fim de verificar o que se dei- xou passar em um primeiro momento. Por esse motivo, é importante que o professor leve essa ideia aos alunos em aulas que tenham como objetivo a produção de textos, pois, assim como um livro deve passar pelo momento de edição, as produ- ções textuais também exigem um processo de reescrita, menos formal que a de livros, mas tão importante quanto. Assim, para o ensino da escrita, é importante que o docente, em um primeiro momento, incentive os estudantes a irem escrevendo tudo o que lhes vier à cabeça, pois, o mais importante, é deixar a ideia fluir e preencher a folha em branco. Após isso, é fundamental que o professor oriente os alunos a fazerem a sua primeira revisão, a qual consiste em um momento de retomada do que foi escrito, a fim de certificarem-se que aquilo que está escrito foi o que realmente se intencionou no mo- mento do planejamento da escrita. Revisar, portanto, é muito mais do que procurar erros de grafia ou acertar alguns pontos gramaticais. É o momento de se retirar do papel de autor e adentrar no papel de leitor, garantindo o diálogo entre emis- sor e receptor com função específica, voltado aos contextos de produ- ção e de recepção de textos. Dessa maneira, encaramos a reescrita como um processo em que o professor deve levar os alunos ao reconhecimento das múltiplas fun- ções da linguagem escrita, possibilitando a realização de atividades analíticas frente ao próprio texto. Isso porque ter uma relação crítica com a sua própria produção de texto promove o que Bakhtin (2003) chama de cadeia de comunicação verbal, ou seja, ao produzir um discur- so, o sujeito adota uma atitude “responsiva ativa”, isto é, que quando o autor reflete sobre sua própria escrita ou recebe um feedback, ele tem a oportunidade de concordar, discordar, ampliar ou reduzir uma ideia e refazê-la, a fim de criar novos significados linguísticos. Analisar se as ideias e elementos linguísticos foram utilizados de maneira eficaz é o primeiro ponto que exige uma revisão textual, pois A produção textual na escola 65 isso possibilitaao autor perceber detalhes que não havia visto antes em seu texto. Muitas vezes, ao escrever, ficamos tão imersos no assun- to que deixamos passar um vocabulário inapropriado ou esquecemos uma vírgula, a qual faria toda diferença em nossa comunicação. É nesse ponto que deve entrar a mediação do professor, mostran- do caminhos para aquilo que o aluno ainda não é capaz de encontrar sozinho. Atente-se para o fato de que mediar a revisão não é garantir a identificação de conceitos ou normas decoradas da gramática, mas, sim, a identificação de efeitos de sentido relacionados com a intencio- nalidade da escrita. A mediação também não deve ser concretizada apenas ao fim do trabalho de produção do aluno. O interessante é o professor fazer, aos poucos, paradas estratégicas para que os alunos voltem ao seu texto, revisando e fazendo ajustes necessários. Deixar a revisão para o final de uma produção textual, dependendo do tamanho do texto, pode implicar mudanças mais severas e gerar muito mais retrabalho do que apenas possibilitar a releitura de trechos específicos, por exemplo, após uma introdução, um desenvolvimento ou uma conclusão. Para que as palavras façam sentido, é necessário estarem juntas em uma ordem específica, a qual lhes garantem uma função dentro de um contexto específico, ou seja, um significado. Em uma revisão, é impor- tante que facilitemos dois direcionamentos aos alunos: Trata-se do que o texto diz e de que modo é dito. Está muito mais relacionado à concatenação de ideias e à clareza com que foi abordado determinado assunto, ou seja, a coesão e a coerência. Conteúdo do texto Trata-se da apresentação estrutural de um texto. Envolve aspectos como paragrafação, uso de letras maiúsculas e minúsculas, concordância nominal e verbal, ou seja, está também voltado aos aspectos gramaticais. Forma do texto Atividade 3 Por que a reescrita, feita pelos alunos, não pode ser deixada para o fim do texto? O que acontece se revisarmos só o conteúdo ou só a forma do tex- to? Imagine um bolo. O que é melhor? O sabor ou a forma em que ele foi assado? Temos a tendência de penar no sabor, mas se a forma es- tiver toda embolorada? Faria diferença? Essa analogia é interessante porque é isso que acontece com um texto: ele pode ter um conteúdo maravilhoso, mas, se tiver erros frequentes de grafia ou de pontua- ção, poderá ser desacreditado facilmente pelo receptor. O contrário, 66 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa também é verdadeiro, pois de nada adianta termos um texto impecá- vel em ortografia e outros aspectos gramaticais se o conteúdo estiver todo incoerente. Logo, é importante que, durante a revisão de um texto, o professor chame a atenção dos alunos para a busca de frases ininteligíveis, pro- curando saber o que traria mais clareza a elas e mais rigor gramatical, evitando repetições desnecessárias, ambiguidades e respondendo, as- sim, às demandas comunicativas sociais, se fazendo entender e enten- dendo diferentes gêneros discursivos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos, neste capítulo, que produzir textos exige do professor ativida- des em que os alunos planejem e criem propósitos comunicativos e re- visem a produção. Qualquer pessoa é capaz de desenvolver o dom de escrita. Escrever se aprende escrevendo, testando, errando, se colocando tanto no papel de autor quanto de leitor. Assim, planejar aulas de produção de textos envolve levar os alunos a definirem o que, para que e para quem se destina o texto, a fim de pro- mover uma genuína interação linguística, o que implica não separar as au- las de práticas de produção textual de situações autênticas de atividades sociais, as quais os alunos, enquanto cidadãos, enfrentam em grupos de amigos, família, entre vizinhos ou até mesmo em associações comunitá- rias ou grupos semelhantes. É nessa perspectiva que se constrói um percurso de aprendizagem, em que se desenvolve o conhecimento linguístico do indivíduo, a fim de se inserir a percepção de diferentes propósitos comunicativos, conforme o gênero, o público-alvo ou o padrão de determinados grupos sociais. Saber utilizar a linguagem de acordo com os objetivos de comunicação postos em determinada situação é o mínimo que um aluno, enquanto pro- dutor de textos, deve considerar para atingir suas finalidades de escrita. Outra ação para se incentivar a escrita é utilizar o processo de rees- crita, o qual significa ir além de simplesmente corrigir um texto, haja vista que apenas corrigir supõe, de modo geral, compreender o que houve e quais as razões estabelecidas frente a determinado erro e, a partir dele, estabelecer critérios para facilitar a passagem de uma etapa à outra. Re- visar, para poder reescrever, vai além desse processo, porque pode signi- ficar, também, alterar o texto em aspectos que não estão “errados”, mas, sim, adequados ou inadequados aos propósitos comunicativos. A produção textual na escola 67 Finalmente, assumimos como base para a produção de texto, a prática da escrita, a reflexão sobre a língua e a busca pelas condições pragmáti- cas e ideológicas da linguagem, a fim de que os alunos sejam capazes de criar contextos sociocomunicativos de acordo com o que pretendem, de fato, dizer em forma de texto. REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (orgs.). Português no Ensino Médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. HEISLER, D. O escritor calmamente espalha... In: MIRANDA, S. Escrever é divertido. Campinas: Papirus, 2001, p. 1. GABARITO 1. Pessoal. Espera-se que você volte aos exemplos de planejamento de e-mail e de piada, na seção Planejamento de escrita, e, com base neles, estabeleça uma aula de planeja- mento de escrita que considere interlocutor, finalidade, conteúdo e estratégia. 2. Pessoal. Espera-se que você, à luz da análise das manchetes 1 e 2, da seção Construção do propósito comunicativo, observe a combinação de expressões e escolhas de palavras para alcançar uma consideração a respeito de quem escreveu aquele texto escolhido e planeje uma aula que promova esse tipo de busca do aluno frente a um texto. 3. Porque o processo de escrita exige a reescrita em paralelo para se confirmar se a intencionalidade, que se pretende comunicar, está sendo construída e, caso contrário, quais ajustes são necessários. Deixar a reescrita para o final da produção textual pode exigir mudanças muito maiores e mais retrabalho. 68 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa O ensino de gramática nas aulas de Língua Portuguesa tem sido cada vez mais discutido no universo educacional, isso por- que o ensino estrutural, com foco em nomenclaturas e na ideia de que a língua culta é a mais importante, tem dado espaço para análises mais consistentes da língua, considerando os usos reais e o propósito comunicativo. Diante disso, defendemos um ensino de gramática que auxilie na busca de sentido nos mais diversos gêneros textuais. Abordaremos, neste capítulo, a análise lexical como uma forma de explorar inter-relações dentro de um texto, a fim de revelar va- lores culturais e ideológicos inseridos em todo e qualquer tipo de produção textual. Tais considerações não excluem o fato de que o ensino da gramática e do léxico, aplicados à escrita, exigem do professor uma organização ou uma sistemática de seu processo de planejamento e de sua prática mediadora frente ao desenvolvi- mento do raciocínio leitor ou escritor dos alunos. Assim sendo, é preciso considerar, também, a necessidade de correção de textos à luz desses processos analíticos, dentro dos quais os alunos têm a oportunidade de atuar como revisores de seus próprios textos, buscando a utilização de funções gramati- cais aliadas às escolhas lexicais, ampliando, com isso, a compe- tência comunicativa. Reflexõessobre a análise linguística Lucienne Lautenschlager 5 Reflexões sobre a análise linguística 69 5.1 A gramática aplicada à escrita Videoaula Para produzir um texto e comunicar algo da melhor maneira possível, não é necessário dominar as normas rígidas de uma língua. Podemos, por exemplo, ver um indivíduo produzir textos ótimos e coerentes mesmo que ainda não tenha domínio de muitas das regras gramaticais. Ainda que esse texto tenha problemas gráficos, gramaticais e de pontuação, ele seguirá certa linearidade semântica e sintática, ou seja, o texto conseguirá passar a mensagem desejada, ainda que não seja gramatical. Isso acontece porque todos os indivíduos aprendem a transmitir suas ideias, emoções, argumen- tações, necessidades e histórias com base nas regras e nos modos de uso da língua do grupo em que estão inseridos, sendo que essas regras não são aquelas aprendidas na escola. Segundo Possenti (1997), diante de determinadas frases é possível interpretar determinadas sequências sonoras independentemente da variação linguística utilizada, que, em um primeiro momento, pode até ser interpretada como uma transgressão à gramática normativa, que é aquela que determina o conjunto de regras da língua. Esse tipo de escrita, sem a preocupação com a gramática normati- va, é feito a partir de uma gramática internalizada e deve ser encarado como uma variação do uso da língua, e não como certo ou errado. Para exemplificar essa questão, vamos imaginar que José produziu o seguin- te bilhete para seu pai: Pai , assim que eu voltar a gente vamos ao supermercado. Me espere . Observe que nessa mensagem há o emprego de uma variedade não padrão (a gente vamos), mas a pessoa que recebeu o bilhete não dei- xou de entender a mensagem por isso, pois está claro, dentro do con- texto, que quando José retornar ao local em que deixou o bilhete, ele e o pai irão ao supermercado. Essa comunicação foi possível pois, no bilhete, temos uma organiza- ção linguística que permite ao receptor entender a mensagem. Agora, imagine se esse mesmo bilhete estivesse escrito assim: 70 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Assim que vamos ao pai supermercado eu voltar a espere gente me. Nesse caso, nenhum recado seria compreendido, pois temos ape- nas um amontoado de palavras que não respeitam a sintaxe da língua portuguesa, a qual determina o sujeito e o predicado na oração. Esse tipo de escrita feriria tanto nossa intuição sobre o uso da língua quanto a normatização dada a ela, o que nos permite afirmar que, nesse caso, a “ordem dos fatores altera o produto”. Frente a essa reflexão, não colocamos o estudo da gramática como sendo a ação de um estudante em fazer várias classificações sintáticas e analisar aspectos frasais da escrita à luz de pontos estruturais. Por meio dessa forma de estudo, acredita-se que só o fato de citarmos a palavra sujeito já traz a intenção de se ensinar o que é um sujeito sim- ples, composto, determinado, indeterminado, oculto ou inexistente e, a partir daí, o que é um predicado e seus diferentes tipos (nominal, verbal, verbo-nominal). Como afirma Rocha (2007), há uma grande diferença entre saber português e saber gramática, pois a primeira ação significa usar a lín- gua com interesse em suas necessidades comunicativas e a segunda diz respeito à classificação de orações e ao conhecimento das classes de palavras. Saber gramática não necessariamente significa escrever bem ou comunicar melhor do que aquela pessoa que não sabe. Exemplo disso é o escritor Machado de Assis, que, apesar de ser conhecidíssimo como um ótimo autor, afirmava não saber muito sobre a gramática da nossa língua. Isso, segundo Rocha (2007), é uma constatação óbvia, que reforça a ideia entre saber português e saber gramática. O grande equívoco em torno do ensino da leitura e da escrita, se- gundo Antunes (2003), é atrelá-lo ao ensino da análise sintática ou da nomenclatura gramatical, acreditando que isso basta para garantir lei- tores e escritores competentes, capazes de atender diversificadas si- tuações sociais. No livro Gramática: texto, reflexão e uso os autores rompem com a ideia de que saber gramática é decorar nomenclaturas e abordam a ideia de texto em sua dimensão discursiva, inserindo-a em determinada situação co- municativa com o objetivo de servir aos diferentes interlocutores. CEREJA, W.; COCHAR, T. São Paulo: Atual Editora, 2016. Livro Reflexões sobre a análise linguística 71 Termos gramaticais como sentença, frase, oração, período, singular, plural, feminino, masculino, verbo, substantivo, adjetivo, antônimo, sinônimo e preposição em nada, ou em pouco, garantem a manifestação verbal de ideias, informações, crenças ou particularidades que se pretende comuni- car. Só conseguiremos avaliar se os nossos alunos utilizam um adjetivo ou um sinônimo adequado se tivermos a certeza de que eles estão conside- rando a presença do interlocutor envolvido na produção textual. Ensinar diferentes funções comunicativas só é possível com o que Rocha (2007) chama de prática em língua padrão, que consiste na vin- culação da gramática com os usos reais da língua, a partir de contextos que explorem aspectos linguísticos do texto, mais focados na prática de uso da língua do que no domínio de nomenclaturas técnicas. Assim, tomemos como exemplo uma re- gra aplicada à classe gramatical dos verbos: para comunicar uma ação futura, temos que fazer uso do tempo verbal futuro do presen- te, certo? Pensando nisso, suponhamos que João mande a mensagem ao lado para sua mãe, avisando o que jantará (exemplo 1 ). Essa mensagem muito provavelmente não seria assim, pois, na prática, muitas pes- soas deixaram de utilizar o futuro do presen- te e passaram a usar uma locução verbal composta de um verbo principal + verbo no infinitivo para comunicar a mesma coisa. Veja no exemplo 2 . Observe que ensinar aos alunos a com- preender uma regra gramatical é fundamen- tal para fazer com que eles saibam partilhar informações de modo formal e garantir que escrevam de uma maneira que evite mal-en- tendidos durante determinada produção de texto. Com base no entendimento de que a fala é diferente da escrita e de que certos gê- neros exigem mais formalidade que outros, o professor pode ensinar gramática a favor do uso de uma linguagem verbal e de uma interação eficaz e eficiente. Devemos preferir que nossos alunos saibam português ou saibam gramática? Por quê? Atividade 1 Olá, mãe, jantarei arroz, feijão e bife, aqui na casa do Marquinhos. 1 2 Olá, mãe, vou jantar arroz, feijão e bife, aqui na casa do Marquinhos. 72 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Em um texto escrito, os alunos devem garantir que aquilo que está sendo redigido será entendido pelo leitor da maneira mais próxima ao que eles pretendem comunicar, pois, do contrário, muitos equívocos podem se formar. Para isso, o professor deve mostrar aos alunos que de fato “a ordem dos fatores altera o produto”, a partir de análises de situações reais de comunicação, por exemplo: Você já ouviu falar em conjugação perifrástica? Trata-se da combinação de um verbo auxiliar com um outro verbo principal no infinitivo ou no ge- rúndio. Geralmente, é utilizada para expressar possibilidade, necessidade, uma ação futura ou ações simultâneas, entre outras funções. Exemplos: Vou produzir um texto amanhã. (ação futura); Eu estava estudando, quando o telefone tocou. (ações simultâ- neas). Agora, reflita: saber essa nomenclatura faz diferença para a sua comunicação? Para refletir Observe o parágrafo amarelo no texto. (A) Observe o parágrafo no texto amarelo. (B) Nesse caso, o simples deslocamento da palavra amarelo muda total- mente o sentido dos enunciados: na frase A, temos o adjetivo modificando o substantivo parágrafo; na frase B, o mesmo adjetivo está modificando o substantivo texto. Logo, surge a dúvida: a ideia era pedir ao leitor que observasseapenas o parágrafo amarelo em um texto ou somente um pa- rágrafo no texto amarelo? Do mesmo modo, devemos chamar a atenção dos alunos para o uso de conjugações de determinados verbos e para a possibilidade de eles transmitirem informações totalmente equivocadas se não se aten- tarem a isso. Como no caso do verbo ver, cuja forma correta no futuro do subjuntivo é vir, o que resulta na seguinte construção: “Se você vir seu amigo, informe-o sobre o uso correto desse verbo”. Muitas pessoas confundem essa conjugação com a do verbo vir, que corresponde à forma verbal vier e permite a seguinte construção: “Se você vier, eu te explicarei melhor sobre esse assunto”. Outras constatações são importantes, no que tange à regência, quando pretendemos ensinar a escrita e o uso de uma linguagem mais monitorada. Assim, ensinar que nos sentamos à mesa, por exemplo, é importante para mantermos a ideia de “junto de”. Assim, o professor demonstra a importância de utilizarmos a preposição à, e não sobre (que é o caso quando escrevemos “vamos sentar na mesa”). Percebemos, com isso, que o ensino da gramática é importante porque regulamenta a escrita, fazendo com que as pessoas, na dúvida, encontrem um direcionamento para escrever. Afinal, imagine se cada um se comuni- casse seguindo a forma e as regras que bem entendesse. Correríamos o No vídeo BNCC na Prática de Língua Portuguesa: como ensinar gramática de forma contextualizada, publicado pelo canal Nova Escola, é possível assistir a orientações de diferentes profissionais da educação em relação ao uso da gramática contextualizada com a BNCC. Disponível em: https://www.youtu- be.com/watch?v=Nma9wZ3Xw-g. Acesso em: 14 fev. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Nma9wZ3Xw-g https://www.youtube.com/watch?v=Nma9wZ3Xw-g Reflexões sobre a análise linguística 73 risco de a comunicação se tornar um verdadeiro caos, com inúmeras re- gras, sendo que cada um teria a sua, sem o entendimento mútuo. Por esse motivo, é papel do professor de Língua Portuguesa ensinar os estudantes a analisar a gramática como uma espécie de código uni- versal. Isso acontece porque ela permite que uma pessoa, independen- temente da região onde more ou, até mesmo, do país ao qual pertença, possa ir atrás das regras de outra língua e entender, de fato, o que determinado produtor de texto quis comunicar. Enfim, tomar certas precauções com o ensino da gramática aplicada à leitura ou à escrita, a fim de garantir um melhor entendimento por parte de quem a usa, deve ser objetivo de qualquer instituição escolar. A gramática é uma grande e importante aliada para fazer com que um usuário da língua seja comunicativamente eficaz e, portanto, bem-su- cedido na difusão de suas ideias. 5.2 A escolha das palavras: o papel da análise lexical Videoaula A todo momento utilizamos palavras para nos comunicarmos com os outros ou com nós mesmos, em nossos pensamentos. Os pensamentos podem ir de um assunto a outro, passar pelos mais diferentes e esquisitos lugares, mostrar imagens, cores ou formas, mas, ainda assim, sempre estarão preenchidos com as mais diferentes palavras. De acordo com Nunes (2006), isso acontece porque as palavras chamam a atenção dos seres humanos desde a mais tenra idade. Ao entrar em contato com o mundo letrado, os sujeitos passam a querer, cada vez mais, ampliar o vocabulário e utilizá-lo. Desse modo, eles acabam por querer desvendar os mistérios da linguagem e dominar os senti- dos das palavras, o que implica não apenas o reconhecimento, mas também a classificação, organização e descrição delas. O modo de organização ou classificação de palavras se relaciona às particularidades que cada palavra possui quando estudada dentro de de- terminado contexto, seja histórico, político ou social. O conjunto de pala- vras que compõem uma língua recebe o nome de léxico. O que você está pensando agora? Quais são as palavras que estão preenchendo a sua mente? Será que você consegue parar de pensar em palavras? É quase impossível, não é mesmo? Para refletir 74 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa O léxico, quando atualizado no discurso, transforma-se em um es- pelho, refletindo fatos importantes sobre o produtor do texto (seja oral ou escrito). Esse reflexo nada mais é do que a materialização da ideolo- gia que é determinada pelos indivíduos ao fazerem suas escolhas lexi- cais. Ao escolherem essa ou aquela palavra, eles indicam suas crenças, valores e/ou experiências acumulados durante todo um período. O sentido de um discurso cria forma e se constitui, ao longo de uma mensagem, à medida que as escolhas lexicais se revelam, atualizam-se e explicitam a ideologia de um grupo, bairro, município ou estado. Facilitar essa percepção para os alunos é fundamental para garantir uma melhor interpretação e comunicação. Para isso, promover a análise de textos dos mais variados gêneros é sempre o melhor caminho para o docente. Nesse tipo de análise, podemos perceber a atualização do léxi- co na formação de um discurso e, assim, passamos a chamar essas escolhas lexicais de lexias. Logo, lexia, que também é chamada de palavra-ocorrência, deve sempre ser analisada dentro de um discurso, de maneira atualizada e singular. É importante, ainda, sinalizar os quatro tipos de lexia: Palavras tradicionais, entendidas sozinhas dentro de um texto. Ex.: garoto; chocolate. Palavras que não ocorrem sempre juntas, mas que possuem um sentido completo que é entendido em seu conjunto pelo interlocutor. Ex.: sinal vermelho; Guerra Fria, vale a pena. Simples Complexa Palavras que possuem uma integração de significados, por ocorrerem sempre juntas, como os substantivos compostos. Ex.: guarda-roupa; pé-de-moleque. Conjunto maior de palavras, as quais, quando reunidas, ganham um sentido único e facilmente identificável por determinados grupos, como os ditados populares: “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”; “casa de ferreiro, espeto de pau”. Composta Textual A partir da análise e do uso desses tipos de lexias, o professor con- segue fazer com que os alunos compreendam que qualquer texto pos- sui valor ideológico e, por isso, é capaz de revelar a ideologia de um autor. Todo sujeito, enquanto produtor de texto, mesmo que incons- Observe que as lexias formadas por mais de uma unidade de palavra só podem ser compreen- didas quando se encontram dentro de determinado grupo de palavras. Assim, dizer “vale” não é a mesma coisa que dizer “vale a pena” ou apenas “pena”. Dentro de um discurso, essas combinações possuem significa- dos distintos. Para refletir Reflexões sobre a análise linguística 75 cientemente, tende a revelar seus gostos, seus anseios, suas crenças etc. por meio da escolha de palavras. Com isso, adentramos o campo da chamada cognição, a qual tem a capacidade de agir nos desejos, nos planos e nas crenças, além de auxiliar a formulação das estruturas do texto na mente do indivíduo. O poder de ação que uma pessoa tem ao escolher o léxico de determina- do discurso, na verdade, é apenas uma liberdade aparente, já que essa liberdade é controlada pela cognição. A cognição é formada a partir de modelos mentais que são utiliza- dos na interação de um grupo ao qual o indivíduo pertença. Esses mo- delos podem controlar mais ou menos essa interação. Esse controle, então, é representado, segundo Lautenschlager (2016), como um meio de relação angular, em que a cognição estaria na posição angular, in- teragindo e sendo controlada pela sociedade em uma ponta e pelo dis- curso em outra, desta maneira: COGNIÇÃO DISCURSO SOCIEDADE Isso significa que a sociedade se relaciona com determinados discur- sos somente por intermédio da cognição, que permite que diferentes pes- soas utilizem um mesmo discurso ao enfrentarem situações semelhantes. Biderman (2001) afirma que a língua é como se fosse um código. Desse modo, traduz o mundo e a realidade social de um grupo ou uma sociedade, podendo,assim, ser expressa de diferentes maneiras, porém seguindo sua própria gramática e léxico, os quais são dispostos em di- ferentes categorias. Tal disposição promove a organização desse códi- go, que permite às pessoas que, independentemente do grupo ao qual pertençam, se expressem no dia a dia. Assim, não é possível pensarmos que alguém consiga se socializar ou viver nas mais variadas interações ou instituições sociais sem validar a linguagem daquele lugar ou grupo. Nessa perspectiva, considera-se, por analogia, que as escolhas le- xicais também se ajustam à realidade na medida em que são recursos específicos para a linguagem, o que acaba por evidenciar que a eleição Você já pensou sobre o fato de que a maioria das pessoas repete frases já conhecidas em deter- minadas situações? Por exemplo, quando um casal se casa, a pergunta que frequentemente escuta é: “E agora, quando terão um filho?”. Quando está choven- do, ouvimos: “Chuva é boa para ficar em casa”. Você já fez algum comentário assim? Saiba que, na maioria das vezes, o discurso que falamos ou escrevemos não é de produção original nossa, mas, sim, uma reprodução de algum discurso que vivenciamos durante nossa vida e que ficou guardado em nossa memória episódica, o que faz com que, diante das mais diferentes situações em que temos de agir, acabamos por lem- brar de algum episódio e reprodu- zimos algo que foi incorporado por meio da cognição. Para refletir 76 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa de uma ou outra palavra, sentença ou expressão por um indivíduo nem sempre evidencia uma escolha qualquer, mas, sim, uma indução de fatos que foram perceptíveis em algum momento da realidade viven- ciada ou conhecida por ele. Logo, ao possibilitar a produção de um texto na sala de aula, é fun- damental orientar o aluno para que tenha cuidado em escolher pala- vras de acordo com sua intencionalidade, pois uma escolha despropositada pode ocasionar sentidos diferentes daquele que ele está intencionando para determinado discurso. É possível que, para isso, o professor promova atividades em que a análise do léxico seja feita em textos reais, como a música “Com que roupa?”, de Noel Rosa. Observe um trecho dela ao lado. Analisando a escolha lexical feita por Noel Rosa, temos: “esta vida não está sopa” (lexia complexa); “com que roupa eu vou?” (lexia textual); “paletó”, “estopa” (lexias simples); “nem sei mais” (lexia com- plexa). A música evidencia uma dificuldade com o trecho “pois esta vida não está sopa”, ou seja, a vida não está fácil e, por isso, seu “paletó virou estopa”, isto é, está muito desgastado. Podemos perceber, com isso, que Noel Rosa transmite uma men- sagem a seus ouvintes, que, por terem conhecimento ou, até mesmo, estarem passando pelas mesmas dificuldades, sentem-se parte, pron- tamente, do assunto tratado na música e, consequentemente, repro- duzirão esse discurso. Ensinar a produzir um texto, portanto, significa ensinar o aluno a falar a um determinado público, que pode ser mais ou menos exigente, mais ou menos formal, haja vista que, de qualquer maneira, teremos incorporadas à linguagem marcas ideológicas determinadas pela esco- lha e/ou seleção lexical por um processo de natureza cognitiva. Já ensinar a analisar a escolha do léxico implica reconhecer toda uma situação comunicativa, que oferece pistas voltadas à produção, à reprodução, às formas de planejamento e à execução, até alcançar a compreensão do que foi escrito ou falado. Pois esta vida não está sopa Eu pergunto com que roupa Com que roupa... eu vou? Pro samba que você me convidou [...] Meu paletó virou estopa Eu nem sei mais com que roupa Com que roupa que eu vou... (ROSA) Escolha um trecho de uma música de sua preferência e tente reconhecer os tipos de lexia utilizados nela e os efeitos de sentido. Atividade 2 Reflexões sobre a análise linguística 77 Para ilustrar esse tipo de reconhecimento, o professor de Língua Portuguesa pode propor ao seu aluno que imagine uma situação em que determinado indivíduo vá participar de um processo seletivo para conseguir uma vaga de emprego. Nesse caso, a situação comunicativa implicaria a escolha de palavras que passem aos entrevistadores uma imagem de que essa pessoa seja responsável, honesta, voltada aos objetivos da empresa e tenha interesse nas metas daquela determi- nada função. Logo, o entrevistado em questão poderia se utilizar de uma me- mória voltada a esse tipo de episódio, que ele tenha experienciado ou visto acontecer. Consequentemente, ele utilizaria frases como “tenho experiência nessa função por tantos anos”, “sei que a sua empresa é importante para tal ramo”, entre outras expressões que, dentro de um texto comunicativo, são chamadas de lexias. É importante ressaltar que nem sempre um produtor de textos tem controle sobre o efeito que surgirá diante de suas escolhas lexi- cais no seu discurso. Portanto, somente com a interação com o inter- locutor ele descobrirá o que foi interpretado. Exemplo disso é quando alguém posta algum texto nas redes sociais sem imaginar a quem atingirá ou a repercussão que esse texto terá e, por esse motivo, aca- ba surpreso quando muitas pessoas se ofendem ou se admiram com o resultado da postagem. Por isso, ao propor uma atividade de produção textual, o professor deve determinar o público-alvo, para que os alunos possam adequar seu discurso a partir de uma seleção lexical combinada com outros ele- mentos linguísticos que formam um texto. 5.3 Estratégias para corrigir textos Videoaula Imagine a seguinte situação: o aluno escreve um texto e entrega ao professor, que faz várias observações e o devolve ao estudante. Nas próximas atividades de produção textual, pode acontecer que o aluno diminua seu texto cada vez mais, pensando que quanto menos ele es- crever, menos observações o professor terá para fazer. Não importa a idade, muito menos o segmento, desde o momento em que o aluno começa a produzir textos e os entrega ao professor, isso pode ocorrer. Além disso, há situações em que o aluno entrega o 78 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa texto com a página escrita virada para baixo, para ficar embaixo dos que foram escritos pelos colegas. A tecnologia, quando utilizada, erradica, por um lado, esse tipo de comportamento, mas, por outro, facilita a ocorrência de plágio, que é outro problema recorrente nas escolas e não corrobora com a aprendi- zagem de produção de textos. Para o professor, que deve orientar o aluno para uma melhor utili- zação da linguagem, fica o desafio de por onde começar e como fazer para que ele entenda determinados aspectos linguísticos, a fim de evi- tar que ele apresente os mesmos erros de escrita e aproveite a tecno- logia sem se prejudicar por práticas ilícitas. Tanto a produção quanto a correção de textos podem ocorrer por meio das chamadas tecnologias da informação e comunicação (TIC’s), que são ótimas opções para o professor e para o aluno, que se tornam protagonistas de seu próprio aprendizado e, consequentemente, da correção de seus textos. O fato é que, para ampliar as potencialidades do processo de escrita e de revisão dos alunos, o importante é fazer com que eles, primeira- mente, entendam um texto como algo a ser dito para alguém. A partir daí, a correção de um texto deve sempre ser iniciada pensando na ade- quação ao público-alvo. Constatada essa relação texto-leitor, o aluno pode focar no con- teúdo propriamente escrito, observando se o conjunto de palavras tem um sentido claro e se a escrita está conectada de tal forma que não haja a mínima impressão de ideias ou palavras soltas, desconec- tadas, sem propósito. Na intenção de ampliar as potencialidades dos alunos na escrita de seus próprios textos, a melhor alternativa é sempre promover a autocorreção, que é o momento em que os alunos voltam aos seus próprios textos, encaram as suas tentativas de acerto e fazem as devi- das correçõese aperfeiçoamentos. Porém, para que essa etapa possa ser efetivada, é fundamental que o professor aja como um mediador, elaborando atividades de reflexão linguística voltadas ao uso da gramática e à análise lexical. É preciso to- mar cuidado para que o texto seja o principal alvo das mais diferentes Reflexões sobre a análise linguística 79 ferramentas de análise linguística e se mostrar preocupado com fins comunicativos e sociais, e não apenas didáticos. Podemos considerar como ferramentas linguísticas aquelas que po- dem ser utilizadas em um processo de correção, por exemplo: • Espaçamento: permite observar se o texto apresenta as palavras escritas com espaço adequado entre elas. • Paragrafação: é importante que um texto traga os parágrafos delimitados de acordo com seus tópicos frasais. • Pontuação: é uma grande aliada no processo comunicativo. Utili- zar cada pontuação a fim de colaborar com aquilo que se preten- de comunicar em uma produção textual é fundamental para que não haja mal-entendidos. Uma vírgula pode mudar totalmente o que se pretendia dizer. Observe: Todo parágrafo deve ser escrito em torno de um tópico frasal, que é o assunto principal tratado pelo parágrafo. Um parágrafo pode apresentar um ou mais tópicos frasais, os quais jamais podem ser divididos de maneira brusca. Importante Não, quero tomar água. Não quero tomar água. O primeiro enunciado comunica que a pessoa quer tomar água, enquanto o segundo nega essa vontade. Veja que apenas a pre- sença ou não de uma vírgula é suficiente para inverter o sentido da frase, por isso é importante a correção da pontuação obser- vando o sentido que ela produz, e não decorando o uso da vírgula ou de qualquer outro sinal de pontuação. • Ortografia: é outro item que deve ser revisado, pois um erro de grafia pode causar uma má impressão, dependendo do contexto da comunicação, ou deixar o processo comunicativo falho. • Uso de maiúsculas e minúsculas: é importante se atentar a esse aspecto, pois, na língua portuguesa, letras maiúsculas ser- vem para marcar substantivos próprios, assim como o início de parágrafos, entre outras coisas. O mal-uso desse elemento pode ocasionar quebra de credibilidade e, até mesmo, desrespeito. • Apresentação: é o item que ajuda a identificar o gênero textual. Por exemplo, ao escrevermos um poema, devemos apresentar o texto em forma de versos e estrofes. Já ao escrever um conto, temos que apresentá-lo em forma de prosa. • Unidade temática: é o principal item a ser revisado. Deve ser ga- rantida a partir da compreensão de uma sequência lógica interna Suponha que você é professor(a) de uma turma do ensino médio e percebeu que um de seus alunos não conseguiu, ainda, dominar o uso de maiúsculas e minúsculas. Como você o corri- giria? O que é mais importante nesse contexto, a aplicação de regras ou a contextualização delas na correção do texto? Atividade 3 80 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa dentro de um texto, promovida pelo uso da coesão (ligação) e da coerência (sentido). Chamamos esses itens de ferramentas da correção de texto, porque, na prática, funcionam como uma espécie de instrumento, do qual alu- no e professor devem fazer uso para melhorar e revisar o processo de escrita. Se esses itens não forem adequados, certamente afetarão o processo de comunicação em alguma escala. Atualmente, muitas tecnologias digitais contribuem para o processo de revisão de escrita, e facilitar o uso delas aos alunos é contribuir para que avancem na prática de produção de textos. Além disso, há recursos tecnológicos que permitem aos alunos que revisem textos em ciclos de edição distintos e, ainda, em colaboração com os colegas. Editores de texto, como o Microsoft Word ou o Libre Office, possuem corretores automáticos, que os alunos podem usar para identificar se existem erros de digitação ou de grafia e problemas de acentuação e, inclusive, de espaçamento inadequado entre as palavras. A aprendizagem deve ser considerada um processo de construção do aluno, portanto não basta pegar os textos deles e fazer várias ano- tações e símbolos e depois solicitar-lhes que os passem a limpo. É fun- damental que o aluno seja protagonista de seu processo de escrita, e aos professores cabe a mediação e a facilitação desse processo de aprendizagem de comunicação. Logo, é necessário que o professor mostre aos alunos que, durante a escrita, é importante entender o que se escreveu. Para isso, o profes- sor deverá orientar o aluno a analisar elementos linguísticos sempre de modo contextualizado e cada vez mais efetivo. Desse modo, concebemos a correção de textos, descrita por Suassuna, Melo e Coelho (2006), como o respeito do professor às opiniões expres- sas pelo aluno, cabendo ao professor sugerir reflexões sobre aspectos textuais e discursivos, mas nunca a modificação total do texto ou da- quilo que se pretendia comunicar. Isto é, para corrigir/revisar um texto, não basta uma leitura horizon- tal, palavra por palavra, linha por linha, pois o processo de correção de textos vai além da simples aplicação de regras gramaticais e necessita de uma análise global do texto, que procure produzir efeitos de sentido de acordo com os objetivos do autor. Chamamos de coerência o elemento linguístico que promove clareza e sentido a um texto e de coesão a ligação entre termos, períodos ou parágrafos. Atentar-se a esses detalhes é o que garante um texto inteligível e, portanto, de qualidade. Saiba mais Reflexões sobre a análise linguística 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS O ensino da gramática por muito tempo foi a reprodução e a mera aplicação de regras que tinham pouco sentido para os alunos, o que, por vezes, fazia com que um estudante, que dominava as regras de língua por- tuguesa, não conseguisse comunicar algo de maneira efetiva, organizada e contextualizada. Por esse motivo, a proposta principal para o ensino da gramática é possibilitar uma análise das regras gramaticais com base em uma pers- pectiva que considera as condições pragmáticas e ideológicas trazidas dentro de um processo comunicativo. Cada situação de escrita se constitui como uma prática de escrita di- ferente, pois varia a escolha lexical em função daquilo que se pretende comunicar. Reconhecer essa escolha dentro de uma gramática exige do autor um processo de observação, comparação, descrição e percepção de semelhanças e diferenças, estabelecendo, assim, relações entre as partes de um texto. O léxico revela diferentes ideologias, e explorar o que a combinação de palavras em um texto provoca é um desafio que envolve o autor en- quanto leitor de seu próprio texto e leva à identificação do caráter de construção de qualquer produção textual. A escrita, considerada uma atividade intelectual, deve supor sempre um acordo com o gênero textual pretendido e um contexto para o uso desse acordo. O professor que faz os alunos compreenderem as mais variadas estratégias que fazem do texto uma escrita coesa e coerente só tem a ganhar com a formação do aluno, que será não só um mero produtor de texto, mas, sim, um competente produtor textual. REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola editorial, 2003. BIDERMAN, M. T. C. Teoria linguística: teoria lexical e linguística computacional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LAUTENSCHLAGER, L. A cidade maravilhosa além da paisagem. São Paulo: Editora Biblioteca 24 Horas, 2016. NUNES, J. H. Lexicologia e lexicografia. In: GUIMARÃES, E.; FONTANA, M. (orgs.). A palavra e a frase. Campinas: Pontes Editores, 2006. POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ALB/ Mercado de Letras, 1997. ROCHA, L. C. A. Gramática: nunca mais – O ensino da língua padrão sem o estudo da gramática. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. 82 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa ROSA, Noel. Com que roupa? Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004314.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020. SUASSUNA, L.; MELO, I. F.; COELHO, W. E. O projeto didático: forma de articulação entre leitura, literatura, produção de texto e análise linguística. In: BUZEN, C.; MENDONÇA, M. (orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. GABARITO 1. Saber português significa saber transitar entre os diferentes modos de se comunicar com alguém; saber gramática significa conhecer as normas que compõem uma língua. Assim, o ideal é que os alunos saibam português antes de ter domínio da gramática. 2. Espera-se que o estudante reconheça as lexias simples, composta, complexa e textual e consiga analisar a linha de sentido que elas, quando associadas, provocam em de- terminado texto. 3. Em relação ao uso de maiúsculas e minúsculas, é importante que o professor faça seu aluno perceber a necessidade de adequação e padronização, pois escrever um nome próprio incorretamente, por exemplo, pode denotar desrespeito. O mais importante durante a revisão desses conceitos é a contextualização deles em textos reais, e não a simples aplicação de regras. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004314.pdf http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004314.pdf Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 83 6 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa Lucienne Lautenschlager A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se originou a partir da combinação de outros documentos legais, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, as Diretrizes Curriculares Nacionais, de 2013, e o Plano Nacional de Educação, de 2014. Ela defende a universalização da educação básica (que con- templa desde a educação infantil até o ensino médio) e atende às necessidades contemporâneas de alunos nascidos na geração internet, conhecidos como nativos digitais. Assim sendo, este capítulo aborda o avanço tecnológico rela- cionado às novas práticas de alfabetização, letramento e multile- tramento, o que evoca o entendimento de diferentes linguagens e o aprendizado constante de como se produz sentidos e se reco- nhecem vozes heterogêneas por entre os mais variados gêneros textuais existentes na esfera social. A primeira parte deste capítulo objetiva focar nos anos iniciais (1º ao 5º ano do ensino fundamental) por tratar do letramento de modo tão relacionado ao processo de alfabetização. Após isso, tra- zemos um processo de reflexão de pontos relevantes da BNCC nos anos finais (6º ao 9º ano) até alcançarmos a terceira parte, que foca nas mudanças mais relevantes à etapa do ensino médio. 84 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa 6.1 A base do letramento e multiletramento no ensino de Língua Portuguesa Videoaula A BNCC promove uma visão de aluno que reconheça seu papel como sujeito ativo e que promova significativas mudanças no seu pro- cesso de aprendizagem. Para se alcançar esse objetivo, no componente curricular de Língua Portuguesa, devemos partir da premissa de que os alunos devem analisar o uso da língua em diferentes situações ou contextos sociais, que trazem diferentes modos de agir, falar e compar- tilhar experiências. A ideia de interação verbal, que é a condição determinante na cons- trução de competências, é inserida nessas atividades, exigindo dos professores um planejamento que permita que essas interações se- jam significativas aos alunos, possibilitando momentos significantes de debates, seminários, confrontação de ideias, projetos colaborativos e/ ou coletivos em que eles vivenciem da melhor maneira possível essa capacidade de agir, se fazer entender e ser entendido. Desde a educação infantil, a BNCC ressalta a importância do de- senvolvimento da criança por meio da interação, o que é visível nos ei- xos estruturantes dessa etapa: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. De acordo com Oliveira et al., (2012, p. 49), o professor deve se responsabilizar por criar bons contextos de media- ção entre as crianças, seu entorno social e os vários elemen- tos da cultura. Cabe [ao professor] a arte e a competência de criar condições para que as aprendizagens ocorram tanto nas brincadeiras livres quanto nas atividades orientadas, considerando o desenvolvimento [...] e as interações que as próprias crianças estabelecem enquanto brincam, produzem e aprendem cooperativamente. Assim, as crianças desde essa fase já são consideradas pessoas que possuem direitos e, como tal, possuem autonomia dentro de um grupo social, podendo construir sua identidade e autonomia. Para os anos iniciais, essa interação já é entendida por meio das linguagens verbal, oral, corporal, sonora e digital, em diferentes atividades humanas. A partir do momento que passamos a usar essas linguagens e a ensiná- -las, em sala de aula, faz-se necessária uma mudança de paradigma, De acordo com a origem etimológica da palavra interação, temos a soma de inter + ação = entre + capacidade de agir, ou seja, a capacidade de agir ou de atuar frente às diferentes possibilidades, nesse caso, de uso da língua. Saiba mais Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 85 para abandonar a memorização e repetição, simples e mecânica, de conceitos e apostar na capacidade de o aluno significar conteúdos e dar sentido às mais variadas vivências, tanto dentro de uma instituição escolar quanto fora dela. A BNCC (BRASIL, 2018) defende essa ideia quando determina que to- dos os alunos, independente da região brasileira que ocupem, devem ter direito a produzir conhecimentos, saberes e valores, visando uma socie- dade mais justa, democrática e inclusiva. E, assim como esse documento nasceu a partir de várias discussões, reuniões, fóruns, ou seja, várias in- terações por diferentes regiões brasileiras, a produção de novos conhe- cimentos em sala de aula deve se dar de modo parecido, no sentido de que os alunos possam conversar, defender ou refutar ideias e opiniões, até alcançarem um conceito ou uma perspectiva viável. Para que isso seja alcançado e os alunos sejam capazes de elaborar e defender pontos de vista, é indispensável que eles sejam desafiados nas aulas, a fim de que consigam escrever, ler e compreender aquilo que lhes é passado, não exclusivamente na área de linguagens, mas em todas as áreas, haja vista que elas devem favorecer a comunicação e o desenvolvimento de saberes entre diferentes componentes curriculares. Porém, são nas aulas de Língua Portuguesa, nos anos iniciais do ensino fundamental, que se deve focar o processo de alfabetização e, consequentemente, o letramento. Alfabetizar não deve, jamais, ser en- tendido sob uma ótica separada do letrar, pois enquanto o primeiro compreende a habilidade de o sujeito saber ler e escrever – que abran- ge desde o reconhecimento de letras até o entendimento de quantas e quais letras formam determinadas palavras – é o segundo que envolve a competência de compreensão que esse sujeito tem acerca da escrita e da leitura. Nesse momento, em que enfrentamos uma transição na maneira de ensinar, provocada tanto pelo avanço tecnológico ao qual as escolas estão tendo que se adaptar quanto pelos resultados baixos obtidos em avaliações externas, fica claro o grande desafio que os educadores, de modo geral, têm em suas mãos: formar alunos com capacidades que vão além do ato da decodificação, desde o processo de alfabetização. Por muito tempo, ao longo da história da educação, ser alfabetiza- do era sinônimo de saber assinar o próprio nome, ditar o alfabeto de Assista ao vídeo A BNCC na prática – Língua Portuguesa, publicado pelo canal Editora Moderna, e saiba mais sobre aspectos pertinentes do ensino de Língua Portuguesa pela BNCC. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=tAXxcfjlAj4. Acesso em: 14 fev. 2020. Vídeo 86 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa A a Z ou conseguir fazer cálculos simples, nas quatro operações. Hoje, issomudou e podemos afirmar que a maneira de ensinar está sendo atualizada com sucesso, por isso não basta fazer com que os alunos dominem o simples e puro processo de decodificação, eles precisam ser capazes de escrever e ler correspondendo à função social dessas ações. Desse modo, o processo de alfabetização, na BNCC, não é disso- ciado da prática de letramento, já que letrar é abranger os diferentes sentidos e usos que a língua pode assumir em seus mais diferentes gêneros textuais e combinações de palavras. Ler o comando de uma atividade, seja de Matemática ou Ciências, e compreender o que é para ser feito de maneira mais interativa, não apenas porque o professor falou que é para fazer, faz com que o aluno pense a respeito daquilo que se espera dele, analise, tome uma deci- são e encontre uma solução, percebendo, com isso, que a linguagem não é usada só com o objetivo de ser uma simples e mera reprodução mecânica ou com “pedaços” que não contribuem com a identificação de uma função social. Esses “pedaços” se referem às famílias silábicas, tão exploradas pelas cartilhas anos atrás. Esses livros traziam, geralmente, a figura de um animal ou objeto seguida de uma família silábica que era ligada ao nome dessa ilustração. O problema principal desse material era que as crianças precisavam reproduzir várias vezes essas famílias no caderno sem saber o que elas significavam, mesmo porque elas não possuem significado algum. É importante ressaltar que as cartilhas foram muito importantes para a época em que foram criadas, pois, naqueles anos, aproxima- damente entre o final do século XIX até metade do XX, não existia, de maneira tão forte, o conceito de gêneros textuais, tampouco o avanço da tecnologia digital – que resultou em um imediatismo de informação. Tais avanços fizeram com que as cartilhas ficassem ultrapassadas, que a alfabetização necessitasse ser conectada com o letramento e que sur- gisse um novo conceito: o multiletramento. Podemos entender o multiletramento como uma ampliação do con- ceito de letramento. Leventhal (2009, p. 25) afirma que “nossos alunos estão conectados ao mundo, muitas vezes de forma autônoma através da Internet” e, portanto, usufruir dessa condição nas aulas contribui com as novas exigências do século XXI e enriquece o processo de ensi- no e aprendizagem. A cartilha mais usada ao longo dos tempos recebeu o título de Caminho Suave. Ela foi escrita pela professora Branca Alves de Lima e teve quase 40 milhões de exemplares vendidos em mais de 100 edições. Curiosidade Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 87 A prática da cultura digital e o multiletramento devem contri- buir tanto com o desenvolvimento da criticidade dos alunos no processo de ensino e aprendizagem de linguagens quanto com a produção de novos sentidos à medida que os estudantes, diante de um texto, possam remixá-lo, mesclá-lo, transformá-lo, entendendo como diferentes elementos podem se juntar a fim de produzir no- vos sentidos (BRASIL, 2018). Nas redes sociais encontramos cada vez mais textos com caracte- rísticas digitais e audiovisuais, com os quais as pessoas se conectam a todo momento, seja pelo celular, tablet ou notebook, em qualquer lugar. As pessoas interagem várias vezes ao dia, com diversos tipos de mídia. Portanto, saber interpretar desde um livro impresso até um vídeo com som, imagem e legenda é o desafio que se coloca para o ensino de Língua Portuguesa que pretenda ser atual e contribuir para que o aluno esteja preparado para lidar com qualquer tipo de infor- mação e interprete, adequadamente, diferentes mensagens. Para tanto, ressaltamos que a BNCC não só traz a ideia de letra- mento e multiletramento voltada ao ensino de Língua Portuguesa, mas também aborda o letramento matemático, científico, entre outros, o que nos faz crer que o letramento e o multiletramento são responsabi- lidade do processo educativo como um todo, e não só da Língua Portu- guesa, como poderíamos pensar em um primeiro momento ou como se acreditou durante tantos anos. Tratando-se de um processo de ensino, multiletrar significa propor- cionar verdadeiros eventos colaborativos, nos quais os alunos apren- dam a ler e a escrever colaborativamente, pois é na interação com os demais colegas que as crianças podem ser mobilizadas intelectualmente e engajadas em situações que envolvam a escrita, a leitura, a oralidade ou a escuta. Isso acarreta aos professores, segundo Jolibert e Sraïki (2008), a construção de verdadeiros ateliês de cidadania em sala de aula, ou seja, momentos em que os alunos possam participar de reuniões, debates e conselhos e sintam necessidade de fazer anotações escritas, orais, vídeos ou fotos, interagindo da melhor maneira possível e participando das mais diferentes situações surgidas em sala de aula. Diferencie letramento de multi- letramento e justifique por que é importante viabilizá-los aos alunos, dentro da sala de aula. Atividade 1 88 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Na sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aula Uma boa atividade para a prática de alfabetização, letramento e multiletramento é uma caça ao tesouro coletiva. O professor pode, por exemplo, pedir para um aluno procurar o tesouro lendo comandos, en- quanto o outro consulta um mapa disponibilizado por meio de alguma tecnologia digital, em que o professor previamente tenha indicado o destino, e um terceiro pode decifrar locais ou placas espalhadas pela escola. O objetivo é que todos eles consigam chegar ao destino e per- cebam as diferenças entre os diferentes meios. Envolver os alunos em atividades que exigem a capacidade analíti- ca no enfrentamento de situações-problema, em que, inclusive, eles te- nham que integrar o conhecimento de vários componentes curriculares, a fim de enfrentar procedimentos de menor ou maior complexidade, é o maior desafio que um professor deve colocar em prática atualmente. 6.2 A BNCC de Língua Portuguesa no ensino fundamental – anos finais Videoaula O mundo está passando por constantes mudanças devido aos avan- ços tecnológicos, ao surgimento de novos aparelhos digitais e ao uso de novos processos cotidianos, desde o acesso a transações bancárias até a comunicação com um familiar ou com um amigo. Em relação ao ensino da Língua Portuguesa não é diferente, pois, com o passar do tempo, surgiram novos gêneros, novas formas de comunicação, manei- ras diferentes de se aplicar a gramática em sala de aula e a necessidade de ensinar novas práticas de linguagem que levem em consideração a perspectiva enunciativa-discursiva 1 . Geralmente, consideramos que as pessoas tendem a ler ou inter- pretar textos de acordo com o universo de conhecimentos que pos- suem ou com a área que mais lhe interessam, assim, uma mesma frase pode ser interpretada de maneira diferente por pessoas que tenham visões ou crenças diferentes. Ótica pela qual se entende a linguagem como uma maneira de materializar pensamentos, crenças e pontos de vista. 1 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 89 Diante disso, a BNCC (BRASIL, 2018) defende que é essencial o tra- balho nos anos finais com análise de diferentes posições por meio de diferentes gêneros textuais, os quais demandam reconhecimen- to de práticas e usos heterogêneos da linguagem. Essa análise deve supor a consideração de dimensões estéticas, éticas e políticas da es- crita, na qual os alunos devem posicionar-se criticamente, reconhe- cendo, por exemplo, fake news, ou sabendo utilizar estratégias para desmascará-las, caso seja necessário. A facilidade de propagar uma informação na internet, por meio dos mais diferentes aplicativos, fez com que intencionalidades relativas à reflexão sobre as condições de produção e recepção de textos, quan- to à reflexão crítica a respeito das temáticas tratadas e a validade das informações, se tornassem objetivos do componente curricular da Lín- gua Portuguesa. Por isso, segundo a BNCC, o professor devepromover que o aluno, nesses casos, seja capaz de: • Relacionar o texto com suas condições de produção, seu con- texto sócio-histórico de circulação e com os projetos de dizer: leitor e leitura previstos, objetivos, pontos de vista e perspecti- vas em jogo, papel social do autor, época, gênero do discurso e esfera/campo em questão etc. [...] • Fazer apreciações e valorações estéticas, éticas, políticas e ideo- lógicas, dentre outras, envolvidas na leitura crítica de textos ver- bais e de outras produções culturais. [...] • Refletir criticamente sobre a fidedignidade das informações, as te- máticas, os fatos, os acontecimentos, as questões controversas pre- sentes nos textos lidos, posicionando-se. (BRASIL, 2018, p. 72 -73) Esses são exemplos de uma mudança significativa no ensino de Língua Portuguesa, haja vista que, por muito tempo, o ensino desse componente curricular era feito com o intuito de se manter o que al- guns autores chamam hoje de conservadorismo idiomático. Segundo Silva (2015), trata-se da postura de alguns gramáticos que defendem a inalteração de um idioma, se opondo a mudanças e variações de toda e qualquer natureza na forma de comunicação. Para esse tipo de de- fensor, que eram considerados verdadeiros guardiões do vernáculo português, era muito difícil aceitar a língua como um instrumento vivo, passível de diferentes construções linguísticas, que contrariam a erudi- ção da linguagem e da gramática. Júlio Ribeiro foi um literato do século Para entendermos melhor essa perspectiva, imagine a seguinte cena: um casal, de manhã, acorda, pega o celular e vai direto ver postagens em redes sociais. Um deles é cabeleireiro, e a outra pessoa é analista de sistemas. Será que diante de um mesmo post eles terão a mesma interpre- tação? Será que terão interesses por posts iguais, semelhantes ou completamente diferentes? Para refletir 90 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa XIX, que começou a criar e se envolver em verdadeiras polêmicas so- bre o uso linguístico ao “errar”, propositalmente, os usos de plural ou a ortografia de algumas palavras. Assim, o escritor começou a travar verdadeiras batalhas com outros escritores, que, pasmos, respondiam aos textos de Júlio Ribeiro de maneira irônica, sarcástica e acusativa. Esse fato é importante porque nos ajuda a perceber que, desde essa época, muito tempo se passou até que surgisse a BNCC com mudanças relevantes para a educação. As tendências educativas atuais, estabelecidas na BNCC, estruturam os conteúdos em unidades temáticas, acompanhadas de objetos de conhe- cimento e habilidades exigidas para cada ano. Os textos assumem a cen- tralidade do processo de ensino e aprendizagem, desde que encarados dentro de quatro campos de atuação distintas: artístico-literários, práticas de estudo e pesquisa, jornalístico-midiático e atuação na vida pública. Esses campos pretendem categorizar gêneros textuais, como vídeos-minuto 2 , slides que apresentem dados diversos, com dife- rentes estilos e movimentos, que podem estar relacionados tanto ao campo artístico-literário quanto jornalístico-midiático. Do mes- mo modo, uma reportagem científica pode se relacionar ao campo jornalístico-midiático e de atuação na vida pública. E gráficos, tabe- las ou infográficos podem ser considerados como pertencentes ao campo práticas de estudo e pesquisa. Observa-se nesses exemplos que essa divisão não pretende dar aos mais diferentes gêneros literários uma classificação rígida e estanque, mas sim oferecer uma função didática que facilite, entre outras coisas, a percepção de que gêneros textuais podem ser dinâmicos e transitar entre campos de âmbito pessoal, profissional, artístico ou científico. A BNCC (BRASIL, 2018) não incentiva esse tipo de agrupamento como um modelo obrigatório a ser seguido pelos currículos ou pro- gramas educacionais, já que o mais importante é determinar no plane- jamento escolar ou do professor como será viabilizado o processo de análise, reflexão, síntese, problematização e pesquisa frente às habili- dades a serem desenvolvidas no ensino da Língua Portuguesa. Importante ressaltar que um ponto em comum existente entre esses quatro campos citados é o fato de que a tecnologia de infor- mação e comunicação pode perpassar todos eles, assim como o Antes da BNCC, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) constituíram outro documento de bastante relevância para a educação. Criados no ano de 1998, tinham como objetivo nortear o cotidiano escolar na formação da cidadania e estabelecer conhecimentos mínimos necessários para que os alunos pudessem usufruir de um conjunto básico de conhecimentos para a vida social e profissional. Saiba mais Gênero cunhado pelo conceito de transmídia, inclusive, em várias vezes, ao longo da BNCC, é utilizado esse termo para se referir a esse tipo de prática. 2 Comente os quatro campos de atuação apresentados na BNCC e por meio de que objeto eles podem ser ensinados aos alunos. Em seguida, exemplifique. Atividade 2 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 91 conceito de direitos humanos. Portanto, explorar tecnologias e utili- zá-las de modo ético e responsável são habilidades sempre requeri- das ao longo da BNCC. Além disso, a BNCC (BRASIL, 2018) recomenda a utilização de estra- tégias de leitura e escrita a partir da cooperação e interação na sala de aula e na escola como um todo, afinal, é pela linguagem que consegui- mos nos comunicar e interagir em vários momentos de nossas vidas. As tecnologias digitais facilitam essa interação, mas precisam ser utilizadas e encorajadas durante as aulas, inclusive na comunicação en- tre professor e alunos. Criar mecanismos para a comunicação permite que se diminua a separação entre o que se aprende dentro da escola e o que se vive fora dela, pois muitos alunos questionam o porquê de se aprender determinados conteúdos. Considerando isso, a BNCC recomenda que é imprescindível que a escola compreenda e incorpore mais as novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação (e também de manipulação), e que eduque para usos mais democráticos das tecnologias e para uma participação mais consciente na cultura digital. (BRASIL, 2018, p.61) Esse aspecto é importante, porque é uma forma de criar conexão com as novas gerações, proporcionar protagonismo juvenil, promover uma postura interativa e desenvolver senso de responsabilidade frente ao mundo digital. O artigo 5 estratégias para melhorar o trabalho em grupo na sua sala de aula, de Sérgio Daniel Ferreira, publicado no site Porvir, em 5 de novembro de 2019, tem como objetivo dar dicas práticas e objetivas para o professor trabalhar a cooperação dos alunos na sala de aula e utilizar a tecnologia em prol desse objetivo. Acesso em: 14 fev. 2020. https://porvir.org/5-estrategias-para-melhorar-o-trabalho-em-grupo-na-sua-sala-de-aula/ Artigo Reconhecer que os anos finais ocorrem em um momento em que os alunos estão passando por uma fase de identificação própria como indivíduos, que tem seu espaço no mundo e que estão começando a entrar na adolescência é de extrema importância para que os professo- res lidem com a inquietude e particularidade de seus alunos, tanto no âmbito físico quanto emocional. 92 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Isso porque a inquietude da juventude, atrelada ao desejo de ter mais controle sobre a própria vida, exige do professor a utilização segura de tecnologias digitais e o papel de validador de conteúdos pesquisados. De maneira alguma queremos, com essa informação, que o pro- fessor evite ou abandone o uso das tecnologias de informação e co- municação, pois, como já dissemos, elas são um ótimo recurso de aproximação com essa geração, o que queremos é que o professor atue como mediador no uso desses recursos. Essa atuação pode ser eficaz a partir do momento que se toma decisões, como criação decombinados com a turma, levantamento de critérios (tempo de pesquisa, indicação prévia de sites para pesquisa), promoção de confiança e de oportunidade para o aluno se sentir res- ponsável diante de uma atividade. Propor atividades desafiadoras e temas que gerem curiosidade também pode ser de extrema valia aos alunos dos anos finais. Outra principal mudança que a BNCC trouxe não só para os anos finais, mas para o ensino fundamental como um todo, foi o conjunto de dez competências que devem ser consideradas como a coluna ver- tebral desse documento. Essas competências abrangem cada um dos componentes curricula- res sob a ótica da transdisciplinaridade, e é a partir delas que ocorrem desdobramentos relativos aos segmentos, originando diferentes unida- des temáticas, objetos de conhecimento e habilidades dentro da Língua Portuguesa. As competências gerais versam sobre (BRASIL, 2018): Competências Construção e utilização de conhecimentos Pensamento científico, crítico e criativo Práticas culturais diversificadas Uso de diferentes linguagens como forma de comunicação Cultura digital 1 2 3 4 5 Relação do trabalho com projeto de vida Capacidade de argumentação Capacidade em lidar com as emoções e cuidar do físico Empatia e cooperação Responsabilidade e cidadania 6 7 8 9 10 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 93 Observe que nas competências quatro, cinco e nove demos mais ênfase ao longo do texto sobre os anos finais por estarem intimamen- te ligadas ao componente curricular da Língua Portuguesa, ou à área de linguagens, mas isso não significa que as outras competências não estejam igualmente relacionadas a tal componente curricular, ou que essas deixem se relacionar com outras áreas. Por fim, considerando a competência de número seis, é interessan- te ressaltar que é nos anos finais que a escola pode contribuir com os alunos no sentido de iniciar um delineamento de projeto de vida com os estudantes, com vista a colaborar com o surgimento de novas ex- pectativas e ajudá-los a criarem estratégias específicas. 6.3 A BNCC de Língua Portuguesa no ensino médio Videoaula O ensino médio compreende a etapa final da educação básica. Essa etapa apresenta alguns problemas relevantes, como: evasão es- colar, analfabetismo funcional, despreparo de professores para lidar com a vida do estudante nesse período. Desse modo, os alunos, ao acessarem o ensino médio, acabam ficando desmotivados e desinte- ressados no processo de estudo. Prova disso é que Nogueira (2019), ao entrevistar Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdis- ciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), se deparou com a situação levantada por ele de que o aluno, geralmente, na transição dos anos finais para o ensino médio se perde e ficamos sem saber se o fracasso é de uma etapa ou de outra. Além disso, Martins sugere o fato de que deve ser papel da política pública, junto aos profissionais da educação envolvidos no ensino médio, o traba- lho para minimizar o abandono e a evasão escolar. Esse diretor alerta também a importância de se acompanhar os resul- tados de aprendizagem dos alunos e investimentos pedagógicos es- pecíficos voltados ao processo de motivação, ensino e aprendizagem (NOGUEIRA, 2019). Curiosidade O Iede é a instituição que incentiva o uso de pesquisas em tomadas de decisão, visando um ensino de melhor qualidade e igualdade por todo o Brasil. Para isso, conta com uma equipe for- mada por pesquisadores, jorna- listas, educadores e formuladores de políticas públicas que sempre estão pesquisando, debatendo, fomentando discussões. 94 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Frente a esse cenário ainda não solucionado, a BNCC surgiu com o intuito de promover uma verdadeira reforma no ensino médio, definin- do competências e habilidades comuns para facilitar a aprendizagem dos estudantes. Por isso, estabeleceu competências específicas e habi- lidades para as quatro Áreas de Conhecimento: Linguagens e suas Tec- nologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Os itinerários formativos, que dividem os currículos do ensino mé- dio junto à formação geral básica, trazem mais uma área consigo, que é a de formação técnica e profissional. Itinerário formativo, então, é o nome dado a uma parte do currículo do ensino médio que tem como objetivo a consolidação da formação integral, o desenvolvimento de habilidades, o aprofundamento de aprendizagens adquiridas nas eta- pas anteriores e a promoção de valores universais. Dentre as áreas enumeradas, ressaltaremos a área de Lingua- gens, da qual faz parte o componente curricular Língua Portuguesa, que, com outros componentes, também atende à preocupação de entender a juventude na contemporaneidade, ajudando os jovens na elaboração de projetos de vida e, consequentemente, no exercí- cio verdadeiro da cidadania. Dizemos verdadeiro, pois a expressão exercício da cidadania vem sendo usada por muito tempo na educação, mas sem atender de fato à necessidade dos estudantes, que é dar condições melhores de vida a eles, por meio da garantia de estudos e, por consequência, empregos. Podemos observar como, de fato, essa premissa não vinha sendo cum- prida, ao repararmos na grande parcela de jovens no subemprego, por não terem terminado a etapa do ensino médio e sem maiores expecta- tivas para um futuro melhor. De acordo com pesquisa divulgada no ano de 2019, feita pelo Instituto de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população adulta, no Brasil, não possui o ensino médio, o que significa, segundo o Jornal Gazeta do Povo, que “do total de 133,7 milhões de brasileiros com 25 anos ou mais, 44,2 mi- lhões (33,1%) não terminaram o ensino fundamental e 16,8 milhões (12,5%) não haviam concluído o ensino médio em 2018. Além disso, 9,2 milhões (6,9%) não têm instrução formal” (NO BRASIL..., 2019). Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 95 Diante desses dados, uma das preocupações da BNCC é capacitar o jovem para enfrentar o mundo do trabalho em um cenário mundial que se caracteriza por um lado pela dinamicidade e diversidade e, por outro lado, pela exigência cada vez maior de jovens autônomos que saibam tomar decisões de maneira responsável. É para atender a essa necessidade de recriação do ensino que o com- ponente Língua Portuguesa se organiza na BNCC como uma continuidade daquilo que foi desenvolvido desde os anos iniciais, passando pelos anos finais e culminando no ensino médio. Assim, o foco da área de linguagens está na ampliação da autonomia, do protagonismo e da autoria nas práticas de diferentes linguagens; na identificação e na crí- tica aos diferentes usos das linguagens, explicitando seu poder no estabelecimento de relações; na apreciação e na participação em diversas manifestações artísticas e culturais; e no uso criativo das diversas mídias. (BRASIL, 2018, p. 471) Para alcançar esses objetivos, a Língua Portuguesa deve estar pre- sente nos três anos do ensino médio e deve possibilitar vivências dos alunos com a prática de linguagens de modo mais intenso do que nas etapas anteriores. Uma boa possibilidade para isso é aproximar cada vez mais os alunos de uma vida acadêmica, ou seja, permitir a inves- tigação de temas e a exploração de significados das mais diferentes linguagens, com base em planejamento de ações e auto-organização, a fim de se alcançar metas definidas por eles próprios. Do mesmo jeito que nas outras etapas, essas ações podem ser fa- cilitadas pelo uso das tecnologias, as quais, no ensino médio, também devem ser aprofundadas no domínio, cada vez mais por parte dos alu- nos e dos professores, afinal é fundamental que os professores saibam transitar por entre as mais diferentes tecnologias digitais, na mesma proporção do aluno ou até mais, paraque possam fazer mediações efetivas e garantir o avanço deles. O letramento e o multiletramento também devem estar presentes no ensino da língua portuguesa, em atividades que promovam o apro- fundamento de análises da utilização de linguagens e no alargamento de reconhecimento estético, ético e político. Para exemplificar esses aspectos, podemos pensar que diante de um texto sobre direitos dos animais, os alunos podem analisar a com- binação de elementos linguísticos que promovem determinado sentido Assista ao vídeo A Etapa do Ensino Médio na BNCC, publicado pelo canal Movimento pela Base Cur- ricular Comum, aprofunde seus conhecimentos acer- ca desse documento na etapa do ensino médio e acompanhe as principais mudanças oportunizadas nesse documento. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=- -t_QkKzC1L4. Acesso em: 14 fev. 2020. Vídeo 96 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa ao texto, frente aos quais eles podem se posicionar de maneira crítica, sem demonstrarem discursos de ódio, mas de maneira ética e política, isto é, mesmo aquele indivíduo que não goste de animais não deve, por isso, decretar morte a todos eles, pelo contrário, deve ser ensinado pelo professor a posicionar-se com respeito, discursando afirmações que expressem algo como “não gosto de animais, mas nem por isso eles devem ser submetidos a testes cruéis” ou “não é porque eu não me identifico com os animais, que eles não devam existir”. Entender o respeito às diferenças e aceitar a diversidade de vivên- cias é o primeiro passo para que o aluno valorize, acolha e exerça sua cidadania da melhor forma possível. E é nesse âmbito que o profissio- nal da educação deve tirar proveito da BNCC e contribuir, enquanto professor, com a efetivação de práticas ditas essenciais para a forma- ção de caráter dos alunos e atuar de maneira uníssona pelo Brasil, pois só assim contribuiremos com o avanço tanto na história da educação quanto no processo de ensino e aprendizagem dos nossos alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Base Nacional Comum Curricular é um documento que apresenta um conjunto de conhecimentos e habilidades, que giram em torno de dez competências gerais e estimulam a prática interdisciplinar. Ela considera a Língua Portuguesa como um componente curricular essencial para o ensino de diferentes linguagens e objetiva que os alunos identifiquem a dinamicidade e a transformação delas ao longo do tempo, por meio de práticas de análise linguística. Em qualquer que seja a prática de ensino e aprendizagem viabilizada na escola, o uso de tecnologias da informação e comunicação é sempre bem-vindo, desde que de maneira ética e reflexiva. Isso significa que se deve evitar o uso de tecnologias como um meio de substituição de práti- cas antigas do ensino da linguagem, pois deve ser adotado como meio de reflexão e inovação. Assim sendo, ensinar gramática não deve ser um mero exercício de decorar conceitos linguísticos, mas de análise de contextos e de uso de elementos que ajudem no processo de comunicação e, nesse sentido, as tecnologias passam a ser uma ferramenta de auxílio, na medida em que editores de texto, por exemplo, ajudam a identificar erros de grafia e concordância. Crie e descreva uma atividade, própria da área de Linguagens, para ser proposta em sala de aula, a fim de desenvolver nos alunos o reconhecimento estético, ético e político. Atividade 3 Propostas da BNCC para a Língua Portuguesa 97 Finalmente, podemos observar que, dos anos finais ao ensino médio, a ideia da BNCC é garantir o direito de aprendizagem dos alunos, contri- buindo com os mais diferentes aspectos de letramento e multiletramento, a fim de diminuir o número de analfabetos funcionais e aumentar a auto- nomia dos estudantes frente a todo e qualquer tipo de texto. REFERÊNCIAS BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ versaofinal_site.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020. JOLIBERT, J.; SRAÏKI, C. Caminhos para aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2008. LEVENTHAL, L. I. Inglês é teen. Barueri: DISAL, 2009. NO BRASIL, mais da metade da população adulta não tem ensino médio. Gazeta do Povo, Curitiba, 19 jun. 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/no-brasil- mais-da-metade-da-populacao-adulta-nao-tem-ensino-medio/. Acesso em: 14 fev. 2020. NOGUEIRA, F. Defasagem do Ensino Médio vem do Ensino Fundamental 2. Nova Escola, São Paulo, 25 set. 2019. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/18388/defasagem- do-ensino-medio-vem-do-fundamental-2. Acesso em: 14 fev. 2020. OLIVEIRA, Z. R. et al. Planejar práticas pedagógicas: princípios e critérios. In: OLIVEIRA, Z.R (org). O trabalho do professor na educação infantil. São Paulo: Editora Biruta, 2012. SILVA, Maurício. Um gramático na berlinda: as polêmicas em torno de Júlio Ribeiro e seus estudos sobre a linguagem. Conhecimento Prático Língua Portuguesa, v. 01, p. 42-47, 2015. GABARITO 1. Letramento diz respeito à prática da compreensão tanto daquilo que se faz quanto daquilo que se está aprendendo. Já o multiletramento significa a presença de dife- rentes vozes nos textos utilizados para compartilhar informações. Propiciar o desen- volvimento dessas práticas na sala de aula contribui para que os alunos desenvolvam criticidade, argumentação e compreensão de diferentes gêneros textuais. 2. Os campos são: artístico-literários, práticas de estudo e pesquisa, jornalístico-midiático e atuação na vida pública. Em sala de aula, eles podem ser viabilizados por meio do uso de diferentes gêneros textuais, os quais podem tran- sitar entre diferentes campos ao mesmo tempo. Assim, a utilização de blogs, por exemplo, pode estar dentro tanto do ensino do campo artístico-literário quanto do jornalístico-midiático. 3. Pessoal. A partir do exemplo oferecido sobre o texto dos animais, o professor pode fazer a mesma atividade com o uso de outros temas que estão acontecendo na atualidade, por exemplo, epidemias, depressão nos jovens brasileiros etc. A partir do tema determinado, o professor pode pedir aos alunos que façam uma pesquisa sobre o assunto e produzam um podcast (uma espécie de programa de rádio grava- do), simulando uma entrevista entre um entrevistador e um biólogo ou um médico psiquiatra, por exemplo. 98 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa 7 Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa Lucienne Lautenschlager Ensinar Língua Portuguesa é um desafio constante, e o objetivo principal dos professores dessa disciplina deve ser o desenvolvi- mento do ato de pensar diante de qualquer conteúdo – pensar não só a respeito do conteúdo em si, mas também das habilidades implicadas em seu aprendizado. Assim, as atividades propostas aos alunos devem expandir as possibilidades de uso da língua por meio das habilidades de fala, escuta, escrita e leitura em diferentes situações discursivas, tendo como unidade básica de ensino o texto como um meio de comuni- cação. Precisamos salientar que não se trata de utilizar o texto como mero pretexto para apresentar conteúdos da gramática normativa, mas para ver os textos como manifestações linguísticas, ou seja, um discurso produzido num dado momento histórico, com determina- do fim e marcado pelas ideias da sociedade de uma época. Livros didáticos de Língua Portuguesa devem contemplar, por- tanto, o ensino da língua com atividades que permitam compreen- der desde o mais simples até o mais complexo funcionamento da linguagem, possibilitando a apropriação desses usos e fornecendo elementos que desafiam o sujeito a pensar na língua por meios digitais e não digitais. Frente a isso, este capítulo procura validar estratégias para se planejar atividades e avaliações em Língua Portuguesa, avaliar livros didáticos e inserir o uso de novas tecnologias com propriedade. Teoria e prática no ensino de LínguaPortuguesa 99 7.1 Atividades e avaliações em Língua PortuguesaVideoaula Uma boa atividade de Língua Portuguesa é aquela que permite ao alu- no reconhecer normas gramaticais, reproduzir frases desconectadas com base em um modelo de aplicação dessas normas e utilizar o texto como pretexto para se achar um adjetivo, um substantivo e, quem sabe, até um verbo. Assustou-se? Ótimo, porque essa era mesmo a intenção. Sabemos que apesar de durante anos essa ter sido a ideia defendida de uma boa atividade de Língua Portuguesa, hoje tal método de ensino não funciona mais. Os alunos da atualidade não têm mais paciência para “seguir modelos” preestabelecidos pelo professor nem repetir conjuga- ção de verbos, muito menos copiar textos da lousa. Os discentes são dinâmicos, imediatistas, curiosos e, antes de tudo isso, nativos da língua portuguesa e, como tais, interagem por meio dela desde o seu primeiro dia de vida. Portanto, não cabe mais aprenderem na teoria, e de maneira mecanizada, aquilo que já sabem na prática. É preciso ir além! Significar linguagens com o próprio uso delas, per- ceber a amplitude ou limitação das formas de comunicação e promo- ver a interação, o compartilhamento e a colaboração de ideias. Trabalhar em colaboração com os colegas não pode ter um fim em si mesmo, mas deve apontar para uma formação ética, que levaria os alunos a se realizarem enquanto cidadãos. Note que utilizamos as palavras cooperação e colaboração em vez do ter- mo troca, pois este implica cada aluno guardar uma ideia consigo e não muitas e, como sabemos, que nem sempre todos os alunos têm uma ideia naque- le momento, naquela aula na qual se determinam discussões sobre determinado assunto, mas podem chegar a várias ideias após conhecer o que seus co- legas pensam. Por isso, dizemos que eles cooperam ou colaboram uns com os outros. Segundo Hargrove (2006, p. 25), “colaboração implica fazer alguma coisa junto com outro”, e o ensino de Língua Portuguesa pode facilitar tanto uma escrita quanto uma leitura colaborativa. O autor também Você sabia? Existe um provérbio chinês que relata o seguinte: se dois homens, cada um carre- gando um pão, se encontrarem e trocarem seus pães, cada um continuará com um pão. Agora, se cada um tem uma ideia e compartilharem essas ideias, cada um vai embora com duas ideias. Assim funciona na sala de aula. O compartilhamento de ideias entre estudantes pode ser de grande valia para o desen- volvimento de todos. Curiosidade 100 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa evidencia que uma prática de colaboração que se diga criativa necessi- ta de quatro cuidados: o envolvimento de diferentes visões e perspec- tivas; o estabelecimento de objetivos comuns para um mesmo grupo; a definição de metas em conjunto; e a criação de novos valores. Partindo desses princípios, vamos pensar como um professor pode elaborar uma atividade de Língua Portuguesa garantindo uma sequência didática de valor, composta de atividades de linguagem, as quais Schneuwly e Dolz (1999) denominam como sistema de ações, no qual os alunos, vivenciando e analisando situações de comunicação, podem ser capazes de atribuir práticas sociais aos indivíduos vistos dentro de uma zona de cooperação. Para compor esse sistema de ações, é importante que o professor, primeiramente, determine qual habilidade ele objetiva desenvolver nos alunos e, para determinar essas habilidades, conheça bem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Estabelecido o caminho que se quer, o professor pode continuar a planejar sua atividade, chegando ao segundo passo, que pode ser a apresentação de uma charge, por exemplo, promovendo uma roda de conversa, a fim de diagnosticar o que os alunos já sabem sobre os efei- tos de sentido desse gênero textual e o que precisa ser aprofundado. Para vermos como isso pode acontecer na prática, observe a charge a seguir (Figura 1). Este país está sem controle. Menina, me dá esse controle aqui! Ie sd e Após a leitura da charge, o professor pode fazer as seguintes perguntas: Figura 1 Charge: País (pais) sem controle. Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 101 • Qual é a linguagem verbal contida nesse texto? • Você conhece algum texto semelhante a esse? • Você sabe em quais meios de comunicação esse gênero textual costuma circular? • Que crítica a charge está apresentando? Com essas perguntas, conseguiríamos diagnosticar o que os alu- nos já sabem para, então, avançar com eles no desenvolvimento da habilidade EF69LP03, da BNCC (BRASIL, 2017) para os anos finais, que determina a apreensão dos sentidos globais de um texto, in- cluindo a perspectiva de abordagens em charges e memes, identifi- cando a crítica por meio do humor ou da ironia. O principal objetivo na prática dessa habilidade é possibilitar aos alunos que possam interpretar qualquer texto com mais precisão e dinamicidade, por meio do reconhecimento de efeitos de humor e ironia, com mais prática e sagacidade, haja vista que gêneros humo- rísticos e/ou irônicos exigem do leitor dinamicidade, além de certa maturidade. Ensinar a interpretar o tipo de humor que aparece em charges ou cartoons é relevante porque são gêneros discursivos que revelam manifestações ideológicas, veiculam um discurso velado e funcionam, muitas vezes, na base de estereótipos. Logo, como afirma Possenti (1998), quando uma pessoa pretende descobrir os proble- mas com os quais uma sociedade está envolvida, uma coleção de tex- tos humorísticos pode fornecer uma excelente pista. Para descobrir ou reforçar a situação apresentada na charge, o pro- fessor pode planejar, para um segundo momento da atividade, a busca e a análise, pelos alunos, da combinação de elementos linguísticos que provocam o efeito de sentido nesse texto. A charge apresenta tanto elementos verbais quanto não verbais que se combinam e culminam na polissemia da palavra controle, a qual toma para si não só o sentido de dispositivo destinado a monitorar algum equipamento, no caso, a televisão, como também poder, domínio ou monitoramento de alguma autoridade sobre algo. Logo, a crítica nesse texto é formada pelo humor que pretende de- nunciar um fato econômico de que recursos básicos sobem de preço demasiadamente, sem pensar em pessoas que não têm condições sufi- cientes para mantê-los. Assim, essa alta de preços “foge do controle” do consumidor. Além disso, mesmo aquele cidadão que tem suas contas 102 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa em dia e possibilidade de pagar também sofre com as altas de preços, haja vista que o seu controle orçamentário também é afetado. Observe que essa charge ainda faz alusão a três fatos que são bas- tante corriqueiros dentro de uma casa: a perda de um controle re- moto, seja ele de uma televisão, de um aparelho de DVD ou de outro equipamento qualquer; a falta de controle dos pais sobre seus filhos, o que também acaba sendo um problema social; e o descontamento de uma população, frente aos problemas enfrentados pela sociedade. Diante disso, fazemos, na charge, a leitura da perda do controle físico, do controle dos pais sobre as crianças e do controle do país, pelos fatos noticiados na TV. A terceira parte dessa atividade pode ser planejada com o objetivo de o aluno analisar a relação entre textos, prática esta que exige um conhecimento maior de mundo, além de facilitar a análise de contex- tos de produção de discursos, o que significa buscar pistas acerca dos motivos que levaram àquela produção, os quais podem ser de cunho político, esportivo, educacional, familiar etc. Enfim, há uma gama de situações que podem levar um colunista ou um autor a reproduzir de- terminados tipos de conteúdo. Existe uma foto que, aproximadamente entre os anos de 2017 e 2019, viralizou nas redes sociais, intitulada “a melhor selfie do mundo”, e con- siste em duas crianças pequenas, com roupas “surradas”, uma descalça e a outra com um chinelo simples, fazendode conta que estão tirando uma selfie. O problema é que ao invés de estar segurando um celular ou qualquer outro dispositivo digital, uma das crianças está segurando um chinelo com a sola voltada para si. Em um primeiro momento, considerando essa simples descrição, poderemos até pensar que é uma cena normal, tendo em vista o fato de que crianças têm bastante imaginação e brincam de faz de conta o tempo todo, de modo que estojos podem virar carros e lápis podem ser aviões. Mas, ao nos aprofundarmos no contexto da foto citada e retirarmos contextos de produção, fica nítido que o que está sendo retratado são crianças de famílias de baixo ou até mesmo nenhum po- der aquisitivo e que, por terem vontade de tirar uma selfie, utilizam o chinelo fazendo de conta que é um celular, reproduzindo um compor- tamento social do qual não têm acesso, mas queriam ter. A dissertação A charge – funcionamento e efeitos de sentido em atividades escolares: leitura, pesquisa e produção textual pode lhe ajudar a saber mais sobre como analisar efeitos de sentido em charges, a forma de funcionamento delas e como propiciar reflexões por parte dos alu- nos frente às características desse gênero textual. DAGOSTIM, C. G. Tubarão, 2009. 113f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem) - Universidade do Sul de Santa Catarina. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov. br/download/texto/cp127191.pdf. Acesso em: 14 jan. 2020. Leitura http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp127191.pdf http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp127191.pdf Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 103 Essa interpretação é possível ao se observar o chão batido no qual estão e a cortina antiga que faz pano de fundo, compondo um cenário bastante significativo, no tocante à condição social desses meninos, os quais também podemos supor que são irmãos. Relacionando a primeira charge com essa foto, podemos concluir que, ainda hoje, muitas pessoas não têm o mínimo acesso à internet, e podemos nos posicionar criticamente em relação a esses textos, os quais informam, de maneiras diferentes, um mesmo assunto: o primei- ro evidencia esse fato social por meio de um humor e o segundo por meio de uma foto, sem o mínimo tom de humor, mas que ganha a mes- ma força de denúncia social, devido ao contexto de produção. Avaliar em Língua Portuguesa, portanto, é ir além de um simples reconhecimento de linguagem verbal, não verbal, de elementos gra- maticais ou de uma simples produção de texto que surja de um tema. Na verdade, significa dar aos alunos subsídios para que eles possam interpretar aspectos culturais, sociais e históricos partindo do uso da linguagem, com a finalidade não só de utilizar conhecimentos prévios estabelecidos ao longo de sua vida mas, também, ampliá-los para além de sua realidade imediata vivida na escola, em casa ou na rua. Logo, são as possibilidades oferecidas pelo professor de Língua Portu- guesa ou da área de linguagens que levarão ou não os estudantes a forma- rem opiniões com base sólida, a fim de que eles construam um retrato cada vez melhor dos valores, de modo ético, para poderem agir sobre proble- mas sociais de maneira mais justa, com menos “achismos” e mais certezas. Importante ressaltar que essa forma de atividade e avaliação é apenas uma dentre muitas possíveis, já que é sempre relevante o professor buscar maneiras de leitura, interpretação, produção e avaliação de acordo com os temas e gêneros textuais a serem trabalhados ao longo de um ano letivo ou um segmento educacional – anos iniciais ou finais, por exemplo. Comente por que avaliar em Língua Portuguesa vai além da identificação de elementos linguísticos em um texto e exemplifique duas ações imbri- cadas no processo avaliativo. Atividade 1 7.2 Como avaliar um livro didático? Videoaula Nos últimos anos, o mercado de livros didáticos cresceu muito. A cada dia, profissionais da educação são abordados por inúmeras edi- toras, as quais possuem uma variedade enorme de soluções didáticas, que apresentam as mais diversas capas, organizações didáticas, mate- riais de apoio e recursos de aprendizagem. 104 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Diante de tantas alternativas, é sempre difícil escolher que livro ou recurso pode ajudar mais o professor e, consequentemente, o aluno no processo de ensino e aprendizagem. Muitas vezes, podemos come- ter o equívoco de nos deixar levar por uma capa colorida, atraente, que já de cara oferece recursos como realidade aumentada 1 , interativida- de e promete fazer milagres em sala de aula. Porém, escolher e analisar um livro didático não são tarefas tão simples como parecem e exigem critérios cada vez mais definidos e um olhar atento aos mais diferentes recursos e pormenores que po- dem existir em um sistema de ensino, um projeto educacional ou, simplesmente, um livro sozinho. Diante disso, vamos abordar três as- pectos primordiais que incidem diretamente na determinação de es- colha de livros didáticos, os quais percebemos que, se não analisados com rigor, podem esconder muitas incoerências entre o que o livro promete ser e o que ele realmente é. O primeiro aspecto, considerando a atualidade, é a verificação do alinhamento das atividades do livro com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pois, se de um lado ela pretende ser um documento normativo, por outro um livro didático ou um sistema de ensino deve ser um aliado dentro da escola, facilitando o cumprimento dessas nor- mas e até mesmo da prática delas. Transformar os blocos de habilidades oferecidos pela BNCC em ati- vidades funcionais de aprendizagem não é algo simples e muito menos pode ser feito em um pequeno espaço de tempo, pois exige análise constante e o fazer e o refazer do autor e editor até que se chegue em um denominador comum que atenda àquela habilidade. Citar a BNCC na capa de um livro, dissertar sobre ela em uma in- trodução dedicada aos educadores ou até mesmo oferecer blogs com explicações sobre a Base nem sempre é garantia de que o livro real- mente atenda às expectativas do documento. É necessário apresen- tar argumentos lógicos de acordo com os fundamentos pedagógicos relacionados a ela. Esses fundamentos indicam que as decisões pedagógicas devem sempre estar voltadas ao desenvolvimento de competências e habi- lidades, ou seja, partir da averiguação do que os alunos devem saber e fazer. As ações devem ser propostas a fim de suprir “necessidades, Recurso que projeta objetos virtuais sobrepostos aos reais por meio da utilização da câmera de um dispositivo digital. 1 Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 105 possibilidades e interesses dos estudantes, assim como suas identida- des linguísticas, étnicas e culturais” (BRASIL, 2017, p. 15). Apesar de o presente documento deixar claro que “as habilidades não descrevem ações ou condutas esperadas do professor, nem indu- zem a opção por abordagens ou metodologias” (BRASIL, 2017, p. 30), encontramos, por todo o material, alusão aos novos desafios que as escolas têm que cumprir frente às novas gerações, fazendo do discente o protagonista de sua aprendizagem, promovendo um diálogo com a diversidade e vivência deles, envolvendo dimensões culturais, sociais, políticas, psicológicas e adotando uma organização curricular flexível, que contribua com a transdisciplinaridade e que rompa de vez com a ideia de centralidade de disciplinas. Então, não nos parece, de verdade, que o documento não induza à opção por abordagens ou metodologias, haja vista que adotando prá- ticas mais tradicionais não conseguiríamos dar conta dessas e outras necessidades apontadas pela BNCC. Isso porque esse tipo de prática tem como característica centralizar o professor como o dono do saber, excluindo o aluno de uma posição de protagonista e, também, mar- cando uma divisão exata de disciplinas, de modo a dar nenhuma ou mínima margem à inter ou transdisciplinaridade. Logo, propomos a observaçãoda concepção pedagógica como se- gundo aspecto a ser analisado em um livro didático, pois, como apon- tamos, há sim concepções pedagógicas que se encaixam mais às ideias e aos alertas do processo de ensino e aprendizagem requeridos pela BNCC, dando mais coerência às atividades e aos processos pedagógicos. O interacionismo e o humanismo se relacionam com as ideias con- tidas na BNCC, o que nos faz crer que livros didáticos que atendam a essas concepções são mais úteis como instrumentos de ensino. A primeira concepção tem como autores principais Piaget, Wallon e Vygotsky, os quais defendem que, ao compartilhar ideias entre as pes- soas, o indivíduo acessa funções sociais superiores, criando conceitos novos e, portanto, aprendendo. Já a segunda tem como autores pre- cursores Rogers e Maslow, que defendem o aluno como figura central no processo de ensino e aprendizagem, além do respeito à individuali- dade do sujeito e à busca pelas suas realizações pessoais. Vale a ressalva de que a maioria dos livros didáticos não é purista em uma ou outra concepção, mas em várias delas, mesclando, inclusi- Explique a importância de um livro didático atender às concepções interacionista e hu- manista no processo de ensino e aprendizagem. Atividade 2 106 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa ve, o tradicional, que é uma concepção defensora da transmissão do saber do professor para o aluno. Ou seja, o aluno é entendido como um ser passivo, que só vai recebendo o conhecimento do professor, este que é considerado o detentor do saber. O problema é quando a apresentação do livro o expõe como sendo apenas interacionista, en- quanto o tradicional, que sequer é mencionado, aparece em mais de cinquenta por cento do total de suas páginas. Isso concorre com a in- coerência do livro, que acaba passando uma impressão de não ter sido revisto, ou, então, com a imprecisão de quem o escreveu. Ter cuidado com termos e nomenclaturas de âmbito pedagógico é essencial. Se um livro didático se define interacionista, mas traz termos como sociointeracionismo, ao invés de interacionismo, e atividades para que o aluno copie trechos de um texto sem propósito algum ou meramente gramatical, como “leia as frases e troque as palavras grifa- das por sinônimos, antônimos, diminutivos ou aumentativos”, não se iluda, esse material possui incoerências pedagógicas. Atividades de cunho meramente classificatório ou conceitual dian- te de enunciados como “sublinhe os substantivos”, “quantos verbos aparecem no texto?”, “quais sinais de pontuação aparecem no texto?” ou “que sinais de pontuação o autor utilizou para introduzir falas?” são atividades puramente mecânicas, que vão contra as concepções interacionista ou humanista. Propostas de produção de texto que se atêm mais ao uso de as- pectos gramaticais do que discursivos também devem ser criticadas, já que o foco de uma produção textual deve estar em aspectos discur- sivos, ou seja, na definição de para quem se escreve, de que modo e o que se pretende comunicar. Logo, não é aconselhável o uso de livros que contêm propostas de produções que colocam comandos como “utilize verbos de tal modo para introduzir um parágrafo” ou que já estabelecem aquilo que é para ser dito e de que forma. É preferível dar preferência a livros que permi- tam a construção desses elementos pelo autor. Outro aspecto a ser verificado é o favorecimento de atividades que permitam aos alunos conexões e ir além do que está sendo ensinado, seja no campo conceitual ou no campo prático, isto é, desde a definição de algo até a compreensão desse objeto, pois um livro didático deve in- centivar o levantamento do conhecimento prévio de alunos, mas tam- Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 107 bém acrescentar novas informações, a fim de provocar o surgimento de novos pensamentos e conhecimentos. É lógico que a articulação desses conhecimentos deve se dar na ação do professor, que deve agir como mediador entre livro e alunos, sendo o principal responsável pela aprendizagem da turma. Porém, se o docente não contar com bons instrumentos de trabalho, correrá o risco de continuar propagando exercícios mecânicos que farão com que os alunos se tornem apenas reprodutores, ao invés de produtores de conhecimento. Nesse aspecto, livros que trazem o uso das chamadas metodologias ativas ganham um valor a mais no processo de análise, já que elas pres- supõem atividade, e não passividade, além de questionarem o papel do professor na posição central do processo de ensino, inserindo mui- to mais o aluno como protagonista de sua própria aprendizagem. De acordo com Mattar (2017), as metodologias ativas contribuem com o uso da tecnologia, pois, ao optar por esse tipo de procedimento, é im- portante que se construa um ambiente voltado aos jovens digitais, pau- tado na colaboração, na criatividade, no pensamento computacional, na resolução de problemas e na capacidade de articulações. Portanto, livros didáticos que promovem atividades por dispositi- vos digitais também são valiosos, mas não podemos considerar como efetivo uso apenas a solicitação de uma pesquisa por meio desses me- canismos ou a utilização de uma plataforma que seja adjunta ao livro e funcione como uma substituição do papel, pois o desenvolvimento de uma cultura digital vai além disso, contribui com a fluência do uso de dispositivos digitais, de modo contextualizado e crítico. Por fim, é importante estarmos atentos ao fato de que muitos livros didáticos, por vezes, prometem tudo isso, mas, na efetividade, só tra- zem um texto voltado ao professor, ou na introdução desse livro, que passa, então, a ser sinônimo de uma promessa mas não de um cumpri- mento real. Por isso, é preciso analisar, fazer comparações entre livros e recursos oferecidos e, também, confrontar a parte teórica com a par- te prática (atividades) para saber se realmente é real o que está posto ali ou se está apenas fingindo cumprir o que os documentos legais ou as teorias pedagógicas propõem. 108 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa 7.3 Novas tecnologias e o ensino de Língua PortuguesaVideoaula Como vimos até aqui, para uma geração de alunos que vive imersa em um mundo digital, o ensino utilizando as mais diferen- tes ferramentas digitais serve como um estímulo para o estudo dos componentes curriculares e o desenvolvimento de diferentes habili- dades previstas pela BNCC. Recursos digitais permitem que as aulas sejam exploradas de maneiras variadas e, por esse motivo, se tor- nem mais atrativas aos alunos, mobilizando-os para a construção de novos conhecimentos. Assim como os estudantes de hoje em dia, o mundo digital é bas- tante dinâmico. Atualizações são feitas em uma velocidade muito grande e inovações aparecem a todo momento, portanto as propos- tas planejadas no âmbito educacional também devem se atualizar com mais frequência, a fim de serem integradas cada vez mais ao pro- cesso de desenvolvimento de habilidades e competências dos alunos. Utilizando ferramentas cada vez mais modernas, o professor pode incrementar sua prática em sala de aula, dialogando com perspectivas teóricas e repensando cada vez mais o ensino de Língua Portuguesa. Da mesma forma que assistir a um filme ou ouvir a uma simples música sofreu mudanças, as práticas educacionais também devem mudar, a fim de acompanhar o avanço tecnológico e atender ao principal público de uma escola: os alunos. De nada adianta os estudantes estarem assistindo a filmes em telas gigantescas, nas televisões com inteligência artificial, interagin- do muitas vezes com os seriados que assistem, se na escola ficam condenados a acompanhar aulas em videocassetes, ainda tendo que rebobinar fitas, e muito aquém de fazer parte de seu processo de aprendizagem. A escola não pode ser diferente da vida fora dela. Escola e socieda- de devem se completar, visto que o que se aprende em uma deve ser passível de se utilizar em outra. A utilidadede se desenvolver uma habi- lidade se dá quando um aluno consegue resolver problemas de ordem prática e aplicá-la na vida cotidiana. Com o vídeo Especial Tec- nologia na Educação – Por que usar tecnologia, pu- blicado pelo canal Porvir Educação, você pode am- pliar seus conhecimentos sobre a importância da tecnologia na educação. Assista a esse vídeo e veja recomendações para atualizar a maneira que se ensina e que se aprende por meio do uso de recursos digitais. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=IzsHAiCvxR8. Acesso em: 14 fev. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=IzsHAiCvxR8 https://www.youtube.com/watch?v=IzsHAiCvxR8 Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 109 Ao considerarmos o componente curricular Língua Portuguesa, po- demos encontrar na tecnologia digital a possibilidade de expor os alu- nos a diferentes formas de comunicação, as quais podem ocorrer até instantaneamente. Essa prática ajuda os discentes a utilizar linguagens pertinentes a cada tipo de comunicação. Por exemplo, ao falar ao tele- fone é exigido o desenvolvimento da linguagem oral, entretanto escre- ver um e-mail ou uma mensagem de texto demanda o conhecimento de uma linguagem mais formal, ou informal, e estratégias para se co- municar algo de maneira mais objetiva ou subjetiva. Uma mensagem de texto, pelo celular, pode demandar tanto uma quanto outra. Assim sendo, em aulas de produção de texto, ao invés de utilizar a velha caneta e a folha de papel, pode ser muito mais motivador escre- ver textos nos editores de texto em tablets ou notebooks, aprendendo a explorar recursos de ortografia, gramática e até sintaxe. Com a utilização desses recursos, os alunos podem aprender de maneira muito mais dinâmica, fazendo pesquisas, se necessário, para complementar as aulas de produção textual e, inclusive, descobrir modelos de textos no próprio Word, a fim de observar a combinação de elementos linguísticos para a comunicação de determinados pro- jetos de escrita. Contrariando o que foi considerado como fato por muito tempo, aparelhos tecnológicos devem fazer parte da sala de aula, visto que, atualmente, é evidente o quanto eles podem auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, estes que estão cada vez mais conectados à internet, obtendo informações e testando a praticidade em ações de pesquisa, busca de informações, aquisição de novos co- nhecimentos e aprendizado de novas linguagens, como a tecnológica e a computacional. Aproveitando desse conhecimento que os estudantes adquirem muitas vezes sozinhos em frente a um tablet ou a um computador, pode ser muito válido para o ensino e a aprendizagem de Língua Por- tuguesa, à medida que podemos direcionar esses fazeres tecnológicos, pois às vezes os alunos têm acesso a muitas informações, mas não pos- suem critério para selecioná-las nem validá-las. Logo, aliar o ensino da língua à prática da tecnologia pode estimular o pensamento crítico, possibilitando aos discentes que transformem pesquisas em instrumentos para resoluções de situações-problema. Descreva três benefícios que o uso da tecnologia pode trazer às aulas de Língua Portuguesa. Atividade 3 110 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Na sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aulaNa sala de aula Observe, agora, a seguinte sugestão de atividade que pode ser exe- cutada com os alunos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, ou do ensino médio, desde que sejam feitas as adaptações necessárias, a fim de trabalhar a ideia de multiletramento. Atividade: Produção de uma videorreportagem. O que é: A videorreportagem se refere ao ato de uma só pessoa atuar como repórter e câmera. Ao mesmo tempo em que se entrevista alguém, ou se fala sobre determinado objeto ou lugar, se vai filmando o que é mais interessante, fazendo closes ou dinamizando o próprio vídeo com anima- ções, imagens ou áudios. Esse recurso está sendo bastante utilizado, inclu- sive em programas de televisão, para que um quadro apresentado tenha mais movimento e pareça mais interativo aos receptores que acabam se identificando com as caretas, as animações ou os sons. O que fazer: O professor deve determinar um tema a ser pesquisa- do pelos alunos – pode ser algo relacionado com saúde, animais ou meio ambiente, por exemplo. É importante delimitar o tema o máximo possí- vel. Se a escolha for saúde, o docente pode sugerir a pesquisa sobre uma epidemia ou a prevenção de alguma doença, por exemplo. Em seguida, o educador deve propor aos alunos que, em grupos, elaborem um roteiro do vídeo, seguindo diretrizes como: onde filmar, quem entrevistar, no que focar etc. Os discentes então devem determinar entre eles quem será o vi- deorrepórter e quem serão os entrevistados e, até mesmo, os figurantes. Após a filmagem, a proposta é que os próprios alunos utilizem apli- cativos de edição de vídeos para cortar cenas e falas e inserir anima- ções, sons ou cores que darão mais dinamicidade ao vídeo gravado. Por fim, deve acontecer a socialização entre os alunos, apresentando seus vídeos uns para os outros, para que, assim, sejam feitas anotações pertinentes ao tema que está sendo ensinado. É importante ressaltar que o momento de socialização já valerá como uma avaliação de si pró- prio (autoavaliação) e entre os colegas, uma vez que estes podem ir corrigindo, ampliando informações e dando dicas uns aos outros. Teoria e prática no ensino de Língua Portuguesa 111 Além de funcionar como uma avaliação, essa atividade também ser- ve para que os alunos compreendam, utilizem e criem novas possibilida- des de comunicação e disseminação de conhecimentos e informações. Verificamos, portanto, que não é mais possível a resistência ao uso de aparelhos digitais, pois em uma simples atividade, como a indica- da, é possível personalizar a educação de acordo com as necessida- des de nossos alunos. Perceba que uma atividade como essa não precisaria nada mais do que um celular ou um tablet, que são instrumentos, quase sempre, viáveis na sala de aula. Assim, já não podemos mais estar alheios a esse tipo de ensino nem impedir que a tecnologia ultrapasse os muros da escola. Ao invés disso, temos que capacitar os estudantes para que façam o melhor uso possível dessas ferramentas na busca pelas informa- ções, evitando que eles só utilizem a tecnologia para lazer ou acompa- nhamento de redes sociais. Tomando essas atitudes estaremos rumo a uma educação de qualidade e preparando nossos alunos para as profissões do futuro. CONSIDERAÇÕES FINAIS É por meio da consideração de concepções pedagógicas, que qualifi- quem o aluno como um ser ativo e interativo, e do uso de novas tecnologias que podemos planejar uma atividade de linguagem e de avaliação, a fim de desenvolver nos estudantes diferentes capacidades de análise de uso de linguagens multissemióticas, com base na mobilização de modelos dis- cursivos, com intenção de desenvolver as habilidades descritas na BNCC (que objetivam o desenvolvimento de capacidades linguístico-discursivas). Assim, considerando que o ensino de Língua Portuguesa deve corro- borar para a formação de um sujeito que tenha à disposição mecanis- mos cognitivos e linguísticos suficientes para a resolução de problemas novos, o professor deve possibilitar ou avaliar livros didáticos com base na apresentação de propostas que garantam o vínculo desse tipo de co- nhecimento com situações cotidianas que conduzam a reflexões acerca da estrutura linguística. 112 Fundamentos teóricos e práticos do ensino de Língua Portuguesa Nessa perspectiva, o uso da tecnologia digital auxilia no ensino de como os elementos linguísticos atuam no processo de construção de sentido no texto, ou seja, sua materialidade linguística, promovendo um trabalho dialógico com a leitura e a escrita, a fala e a escuta, à medida que possibilita o contato com textos multimodais ou multissemióticos. REFERÊNCIAS BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF:Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ versaofinal_site.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020. HARGROVE, R. Colaboração Criativa. São Paulo: Cultrix, 2006. MATTAR, J. Metodologias ativas: para a educação presencial, blended e a distância. São Paulo: Artesanato Educacional, 2017. POSSENTI, S. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas. Campinas: Mercado de Letras, 1998. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Genebra, jan. 1999. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/237513754_Os_generos_ escolares_Das_praticas_de_linguagem_aos_objetos_de_ensino. Acesso em: 14 fev. 2020. GABARITO 1. Avaliar, no ensino de Língua Portuguesa, significa ser capaz de interpretar e relacionar textos formando juízos de valor sobre determinado tema de maneira crítica e cons- ciente. Dois aspectos que não podem faltar no processo de avaliação são a busca pelo contexto de produção e a análise da intertextualidade, pelo fato de que ajudam a ver um mesmo assunto por diferentes pontos de vista. 2. É importante que um livro atenda às concepções interacionista e humanista porque, enquanto o interacionismo significa proporcionar aos alunos todo e qualquer tipo de interação para facilitar a aprendizagem, Piaget e Vygotsky, os principais teóricos desse assunto, reforçam a importância da construção de situações novas para que a inteli- gência se desenvolva. O humanismo traz a ideia de que o aluno é o centro da intera- ção e o professor é mediador de conhecimentos. 3. Pessoal. Espera-se que o estudante reconheça benefícios como: auxiliar na produção textual, em aspectos gramaticais e ortográficos, dinamizar as aulas e motivar os alunos. https://www.researchgate.net/publication/237513754_Os_generos_escolares_Das_praticas_de_linguagem_aos_objetos_de_ensino https://www.researchgate.net/publication/237513754_Os_generos_escolares_Das_praticas_de_linguagem_aos_objetos_de_ensino A cada dia, o ensino de Língua Portuguesa se torna mais desa- fiador ao professor, pois, com as inovações tecnológicas, diversos gêneros textuais surgem, exigindo que ele domine novas formas de comunicação. Diante do excesso de informações que circulam em todas as mídias e o acesso imediato a elas, cabe ao professor contribuir com o desenvolvimento do aluno, por meio de práticas cada vez mais diversificadas de letramento. Esta obra trata de temas relacionados aos desafios que os professores de Língua Portuguesa têm enfrentado nas mais dife- rentes instituições de ensino, levando o leitor a compreender por que é importante ensinar Língua Portuguesa àqueles que já a têm como língua materna. Código Logístico 59148 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6577-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 7 7 6 Página em branco Página em branco