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DESCRIÇÃO O nascimento da fenomenologia, partindo de seus antecedentes históricos e influências até chegar aos seus conceitos fundamentais, que são essenciais ao entendimento de sua configuração atual como método, epistemologia e filosofia, incluindo suas críticas ao positivismo e ao naturalismo. PROPÓSITO Conhecer a fenomenologia torna-se essencial porque é pelo seu entendimento e manuseio que o estudante se capacita para exercer uma prática clínica que seja coerente com os modelos teóricos do humanismo e da Psicologia Fenomenológica-Existencial. OBJETIVOS MÓDULO 1 Relacionar as correntes filosóficas antecedentes que influenciaram na formação da fenomenologia MÓDULO 2 Identificar as características do método fenomenológico, assim como seus principais conceitos MÓDULO 3 Reconhecer as principais características do positivismo filosófico e as críticas centrais da fenomenologia ao positivismo INTRODUÇÃO Por que aprender sobre fenomenologia? Porque o seu conhecimento permite que o psicólogo possa exercer a prática clínica de uma forma que seja coerente com os aspectos teóricos de uma Psicologia Fenomenológica e Existencial. Desse modo, podemos ajudar o cliente a compreender o seu espaço psicológico, dando sentido à sua vivência de uma maneira transformadora, cujo resultado seja um estado emocional e comportamental de autenticidade e empoderamento existencial. O CLIENTE No enfoque fenomenológico da Psicologia, consideramos cliente aquele que procura os nossos serviços. Essa conduta destaca o importante papel ativo da pessoa no que se refere ao seu poder decisório no processo terapêutico. Para entendermos sobre fenomenologia, é necessário aprendermos os seus conceitos fundamentais, os seus antecedentes históricos e toda a sua crítica ao movimento científico da época, mais especificamente, ao psicologismo, ao naturalismo e ao empirismo clássico, e é disso que trataremos neste conteúdo. Conhecer e compreender a fenomenologia é entender um pouco sobre como a história da ciência se deu, ao ponto de nascerem novas disciplinas ao final do século XIX e começo do século XX, como, por exemplo, a Psicologia e a Sociologia. Nessa jornada da história da teoria do conhecimento serão apresentados os conceitos de intencionalidade da consciência, de redução fenomenológica, de atitude natural e de atitude fenomenológica da relação entre sujeito e objeto da consciência, além do próprio conceito de fenômeno. MÓDULO 1 Relacionar as correntes filosóficas antecedentes que influenciaram na formação da fenomenologia javascript:void(0) ANTECEDENTES Para entendermos aquilo que antecedeu a fenomenologia é preciso falarmos sobre a ciência, seu nascimento, seu processo formativo, bem como seus postulados e princípios. Nesse sentido, entender a ciência é compreender o contexto no qual Edmund Husserl passa a pensar a fenomenologia como uma crítica ao que era vigente na filosofia e na ciência. Sendo assim, podemos dizer que ela nasceu como uma nova proposta metodológica no acesso ao conhecimento. Você já se perguntou o que queremos da ciência? Caso sua resposta imediata seja afirmativa, o que você poderia elaborar como uma possível extensão explicativa dela? Podemos encontrar justificativas que consideram que a ciência permite uma vida em sociedade com mais qualidade ou descobertas no campo da saúde, invenções no campo tecnológico ou novas formas de sustentabilidade da vida. Pois bem, tudo isso são prolongamentos da atividade científica. Mas será que no começo do pensamento científico as pessoas que faziam ciência pensavam nela como um recurso para se alcançar um benefício prático tal como pensamos agora? Galileu Galilei (1564 – 1642). Quando Galileu Galilei aprimorou a luneta e a apontou para as estrelas, ele estava não só em uma busca por verdades, mas, quem sabe, não intencionalmente, lançando uma mensagem: de que a verdade das coisas precisa ser buscada e não somente recebida. Na época, a “verdade” era ditada pela força da tradição (principalmente, católica), que, nesse caso mais específico, dizia que o planeta Terra era o centro de tudo e que o Sol girava em torno dela. Foi preciso que Nicolau Copérnico desenvolvesse a teoria heliocêntrica (Terra girando em torno do Sol), que foi defendida por Galileu. Galileu contribuiu também com a ideia de que as leis da natureza podem ser expressas pela matemática, relacionando-a com a prática de experimentos e sendo, por isso, considerado um dos pais da ciência. Uma das fortes consequências do trabalho de Galileu, para além da teoria heliocêntrica, é de que a ciência expressa uma verdade contida no mundo natural e que essa verdade pode ser representada em números (uma prerrogativa que mantemos até hoje). Portanto, nesse seu início, o método científico configurava-se como um método para acessar a “verdade” que estaria no mundo natural, e a melhor linguagem para expressar essa natureza seria a matemática, via experimentação. René Descartes foi contemporâneo de Galileu e, além de trazer muitas contribuições para a matemática, a álgebra e a geometria, desenvolveu também a filosofia e a epistemologia. Esse grande matemático e filósofo trouxe o racionalismo como mais uma importante colaboração ao movimento científico. Descartes era também um neoinatista. Basicamente, ele acreditava que o sujeito já nascia com o conhecimento, no entanto, ele precisaria do método científico (ou seja, de seu método cartesiano) para operacionalizar e até fazer emergir novos conhecimentos. O seu método analítico, também chamado de cartesiano, envolvia alguns processos, mas sempre com o exercício da racionalidade. Neles estavam inclusos o ato de dividir o problema de estudo em diversas partes e estudá-las separadamente, realizando análises e classificações, para, então, chegar a conclusões lógicas. Descartes usava também o método dedutivo, ou seja, por meio de duas assertivas já consideradas verdades, extraía uma terceira assertiva. Vejamos um exemplo: Todo ser humano é mortal. José é um ser humano. Logo, José é mortal. A prática da lógica dedutiva via racionalidade ajudava a extrair novas verdades que estavam implícitas nos problemas estudados. A lógica dedutiva, juntamente com o método analítico, ajudava a trazer verdades mais específicas e a elucidar questões mal resolvidas. Porém, ele tinha falhas, pois, se qualquer uma das duas primeiras assertivas de um problema for falsa, logo, a terceira assertiva derivada de ambas também será. Esse tipo de raciocínio equivocado acontece muito no caso das generalizações. Por exemplo: Todos os homens são infiéis. João é homem. Logo, João é infiel. Bem, até agora temos um corpo teórico se formando, e nele temos alguns postulados/princípios: A racionalidade é essencial para o exercício do método científico. A Matemática é uma forma de expressar a verdade que já está no mundo natural. Via racionalidade e método científico, o sujeito pode extrair verdades do mundo material/natural que não estão explícitas mediante a simples experimentação. COMENTÁRIO O exercício filosófico nunca foi, e talvez nunca seja, uma atividade completamente consensual. Isso significa que os filósofos irão concordar em alguns pontos, mas também irão discordar em outros. Foi daí que surgiu o movimento inglês do empirismo. Ao contrário do inatismo, para esse novo movimento, o sujeito não nasce com o conhecimento, pois ele precisa, via empiria (experiência), ter contato com o objeto em questão e, via percepção, ter contato com a realidade própria desse objeto. Os empiristas entendiam que esse processo não tinha como ser perfeito, isto é, o sujeito não captaria a completude da verdade natural já implicada no mundo, por isso precisaria do método científico para operacionalizar essa relação sujeito-objeto (sujeito do conhecimento e objeto a ser conhecido). FRANCIS BACON E O EMPIRISMO Foi com Francis Bacon, um famoso empirista, que se desenvolveu também o método indutivo. Com esse método,defendia-se que o conhecimento do mundo natural viria da construção de hipóteses que pudessem ser testadas/experenciadas e, por fim, confirmadas. Tudo isso justamente porque não se podia confiar exclusivamente na razão ou nas deduções lógicas, que poderiam estar corrompidas por noções velhas e já estabelecidas. Francis Bacon. 1561 – 1626. O método científico, aqui representado pelo empirismo, é contrário ao inatismo e à exclusividade da racionalidade na obtenção do conhecimento. O empirismo condiciona o método científico à experiência sensorial e à testagem de hipóteses para, enfim, evitar que esse conhecimento seja particular e possa se tornar cada vez mais abrangente. As consequências desse movimento, chamado posteriormente de cartesianismo (mesmo que nele estejam inseridos vários postulados discordantes e que não tenham vindo todos de René Descartes), reúne um corpo robusto de princípios relativos à(o): Essencialidade da experiência como objeto de estudo. Formulação de hipóteses usadas para testagens. Análise das partes do problema de forma separada. Inferência de “verdades” do singular ao geral. Ideia de causalidade nos eventos da natureza. Sujeito do conhecimento que não altera a realidade natural das coisas. Portanto, são princípios que mostram um método que exprime controle do que se experimenta e do experimentador, deixando um ambiente de pesquisa minimamente planejado e padronizado para que não seja uma experiência de investigação pessoal, mas sim passível de ser repetida por outros pesquisadores. Esse modelo de fazer ciência foi chamado também de paradigma mecanicista, por demonstrar um método com características semelhantes à de uma máquina (partes separadas, determinista, controlada e matematizada). No ápice desse movimento/paradigma, passa-se a investigar o sujeito do conhecimento, mas seguindo o mesmo método. Paradigma mecanicista. Apesar de todo o movimento cartesiano ter se configurado como um corpo que embasou o modelo científico do século XIX, o qual foi criticado por Husserl, René Descartes teve forte influência no pensamento de Husserl, principalmente pela sua dúvida metodológica, pois é dali que vem o princípio da atitude de questionamento ao que já está posto como “dado”, o “que já é”. É o racionalismo de René Descartes que serve de base para uma evolução filosófica em Husserl com o método fenomenológico (HOLANDA, 2014). SAIBA MAIS No fim do século XIX, já se tinha o que se chamou de psicologismo, sendo este bastante criticado por Edmund Husserl. O psicologismo foi decorrente desse cientificismo, produto do método científico/cartesianismo aplicado ao que estava fora das ditas ciências naturais (FIGUEIREDO, 2008). Ele poderia ser definido por essa tentativa das ciências naturais de abrangerem os mais diversos objetos de estudo, inclusive os mais subjetivos como a mente/consciência, mas se utilizando do mesmo método que utilizavam nas pesquisas que faziam com uma planta, um animal ou um corpo celeste. Para esses teóricos, a mente teria padrões estruturais plenamente investigáveis pelo método científico vigente, justamente por eles acharem que o sujeito do conhecimento seria capaz de estudar com imparcialidade um objeto, podendo esse último ser até mesmo a própria mente/consciência. Essa visão cientificista deles será um ponto de divergência com a fenomenologia. INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS DE WILHELM DILTHEY Nesse contexto de cartesianismo, o empirismo, juntamente com o positivismo, trabalhava com a ideia de um sujeito do conhecimento que poderia estudar determinado objeto de forma objetiva. Isso significa que nessa relação sujeito-objeto (objetividade científica) o método científico seria essencial para operacionalizar a emergência do conhecimento, considerando que as experiências sensoriais do sujeito do conhecimento, por mais que fossem a base para o entendimento do mundo, não eram suficientes para o contato com a realidade pertencente à natureza do objeto. Nesse sentido, a subjetividade deveria ser “purificada” e até controlada, já que ela seria “hostil” ao método científico, que era marcado por um forte mecanismo de organização e controle. A consequência disso foi que os primórdios da Psicologia foram caracterizados por uma tentativa de controle do então objeto de estudo (sujeito do conhecimento), aplicando as mesmas leis e métodos no estudo de um objeto natural qualquer. Isso traria muitas falhas, pois a mente racional que constrói hipóteses sobre seu próprio funcionamento não conseguiria fazer isso de forma imparcial, já que estaria tomada de preconceitos, como afirma o autor a seguir. A INTERPENETRAÇÃO DO SUJEITO E OBJETO DO CONHECIMENTO PSICOLÓGICO MANIFESTA-SE TAMBÉM NO QUE VEM SENDO APONTADO POR VÁRIOS AUTORES: AS HIPÓTESES NÃO DEIXAM INTACTOS SEUS OBJETOS, SENÃO QUE CONTRIBUEM PARA MOLDÁ-LOS E CONDICIONÁ-LOS. (FIGUEIREDO, 2008, p. 18) Temos agora um problema. O método científico, que tem como objetivo a descoberta de verdades cada vez mais universais (e cada vez mais utilitárias), pode ser bastante útil nas ditas ciências naturais, porém, é falho quando o objeto de estudo é o próprio sujeito pensante. Esse problema foi apontado por alguns teóricos como Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Franz Brentano (1838-1917). Dilthey influenciou vários outros autores como Karl Jaspers (1883-1969), Max Scheler (1874-1928) e Martin Heidegger (1889-1976), por trazer diferenciações entre as ciências naturais e as ciências do espírito (ciências humanas e sociais como Psicologia, Sociologia e Antropologia). Para Dilthey, em se tratando das ciências humanas, é necessário compreender a vida pela própria vida, sem o auxílio de valores absolutos, típicos daqueles impostos pelas ciências naturais (HOLANDA, 2014). Wilhelm Dilthey, filósofo e cientista alemão (1833-1911). É a experiência do próprio vivido que se torna de valor na investigação do conhecimento (veremos a consequência disso na obra sobre psicopatologia fenomenológica de Jaspers). Na experiência clínica hoje, via Psicologia Fenomenológica-Existencial, podemos dizer que, mais importante do que aquilo que dizem sobre a depressão, por exemplo, é o que você, cliente, diz sobre a sua própria condição de depressão. Contudo, para se chegar a isso, foi preciso o trabalho de Dilthey, Jaspers e Husserl. ENTENDA A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE DILTHEY Dilthey lança a distinção importantíssima entre explicação e compreensão, funções atreladas às ciências naturais e humanas. Assim, a Psicologia seria uma ciência com função de compreensão, análise e descrição de um sujeito que é agora visto como histórico e social, ou seja, feito na e pela história e não somente como uma unidade psicofísica. Essa contribuição muda muito o panorama epistemológico da época. O sujeito do saber não é uma realidade objetiva disposta por leis naturais padronizadas, esquematizadas e plenamente estudadas via método científico (observação direta, testes e controle). O sujeito passa a ser entendido como um ser constituído numa interrelação com o tempo e o espaço, que é complexa e não objetificável como se postulava nas ciências naturais. Dessa forma, Dilthey abre espaço para a crítica de Husserl via fenomenologia, além do nascimento das ciências humanas no século XX. O historicismo, corrente de pensamento defendida por Dilthey, foi de grande contribuição para o questionamento desse modelo científico vigente. Porém, como todo modelo, ele sofre críticas. Uma delas é a que, por se tratar de um modelo compreensivo e interpretativo, ele daria abertura a uma relativização da “verdade” e depois a um ceticismo (FIGUEIREDO, 2008). E por que o historicismo daria abertura ao relativismo e ao ceticismo? Porque, como o estudo do objeto se daria por uma configuração compreensiva, ou seja, particularizada em torno dos seus sentidos e significados experenciados, seja de um dado histórico ou do próprio ser humano, ele poderia trazer inúmeras interpretações compreensivassobre esse objeto. Isso aproxima o estudo de uma verdade mais profunda, porém, não a deixa ser universalizada (contrariando o conhecimento científico), ficando relativizado e, então, abrindo espaço para posturas céticas quanto a esse conhecimento: se temos muitas verdades, então não temos nenhuma. Algo precisava ser feito, com rigor, mas coerente com a real natureza da subjetividade. INFLUÊNCIAS DE FRANZ BRENTANO Foi com o trabalho de Franz Brentano que a fenomenologia começou a construir suas bases. Sua obra Psicologia do ponto de vista empírico, de 1874, e as demais obras passam a ser essenciais na influência de Husserl para o início do movimento da fenomenologia. Para Brentano, o que importava para seu modelo de Psicologia era a percepção interior em contradição ao que era proposto por Wilhelm Wundt (1832-1920). Para Wundt, a Psicologia Empírica teria como objeto a experiência imediata. Mas o que isso significa? Significa que seu modelo de Psicologia deveria estudar e analisar o resultado da experiência imediata do sujeito do saber diante do objeto a ser conhecido. Nesse modelo, oriundo daquele das ciências naturais, a realidade das coisas (objeto de estudo das ciências naturais) está no mundo material e o sujeito do conhecimento via percepção/experiência imediata conseguiria captar essa realidade natural. SAIBA MAIS A Psicologia de Wundt tinha o mesmo foco das ciências naturais, ou seja, estudar a realidade natural das coisas, porém, estudava essa experiência de conhecimento por outro ponto de vista. A questão aqui é que ele considerava que poderia fazer o estudo dessa experiência numa análise de seus conteúdos objetivos, tratando a consciência como um objeto disposto a ser investigado como qualquer objeto natural e com as mesmas regras do método científico: a observação e o experimento. Será que é realmente possível investigarmos a consciência/mente de forma objetiva, da mesma forma que investigamos um objeto do mundo natural? E sendo assim, será que conseguiríamos, nessa investigação, ter um conhecimento da realidade das coisas (experenciadas) de forma isenta, sem que o sujeito que investiga inunde o objeto de estudo (experenciado) de si mesmo? Então temos aí um problema: uma Psicologia que almejava ser científica, porém, se utilizando de um método que talvez não fosse adequado ao seu objeto de estudo (consciência/mente). Franz Brentano, para tentar resolver isso, vai propor o conceito de intencionalidade da consciência. Para ele, a consciência é estruturada em atos que se remetem ao mundo e não em objeto. Esse conceito será mais bem tratado ao longo deste material. RESUMINDO Por ora e em resumo, temos as influências de Dilthey e Brentano a Husserl para a criação da fenomenologia. O primeiro, com a separação entre as ciências naturais e as ciências do espírito (humanas) e o foco naquilo que é da vivência interior do sujeito; e o segundo, pelo conceito de intencionalidade da consciência. INFLUÊNCIAS DE WILHEM DILTHEY E DE FRANZ BRENTANO NA FENOMENOLOGIA Neste vídeo, a especialista Martina Ravaioli reflete sobre as influências de Wilhem Dilthey e de Franz Brentano na Fenomenologia. VEM QUE EU TE EXPLICO! Antecedentes Francis Bacon e o Empirismo VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCEITOS ESSENCIAIS DO MÉTODO FENOMENOLÓGICO FENÔMENO Começamos com a palavra mais elementar do estudo em fenomenologia: o fenômeno. De forma reduzida, fenômeno significa aquilo que aparece. Você deve se lembrar da expressão “fenômeno MÓDULO 2 Identificar as características do método fenomenológico, assim como seus principais conceitos natural” para se referir a um tufão ou relâmpagos, por exemplo, e ela está de acordo com o conceito de fenômeno porque são coisas que aparecem na natureza, sendo consideradas, portanto, como eventos “normais”. E nós tratamos a palavra fenômeno aqui, no estudo psicológico, da mesma forma: como aquilo que aparece à consciência. Entretanto, entendemos o fenômeno como algo que se apresenta à consciência não como uma coisa objetiva que possa ser instrumentalizada, testada, medida e experimentada (como se almejava nos estudos cientificistas na Psicologia). Sendo assim, o fenômeno não é algo que se encontra concretamente na consciência. EXEMPLO É importante revermos o entendimento que temos sobre o que é mente e consciência e tentarmos encarar esses conceitos da forma menos material possível, pois isso é algo que eles realmente não são. Tomemos como exemplo o conceito de informação, que é nada além de um código eletroquímico realizado nas sinapses, e não um objeto que possa ser armazenado no cérebro (visão materialista). Voltando ao fenômeno (psíquico), este, para a fenomenologia, deve ser entendido como algo que se apresenta à consciência, mas sempre de maneira transitória e própria de cada experiência do sujeito. O fenômeno nunca pode ser considerado independente da experiência vivencial do sujeito, pois será sempre um dado sensível, não absoluto e ligado à relação sujeito-objeto apresentado no aqui- agora da vivência. Toda experiência, ainda que se repita, representa um fenômeno único na nossa consciência. INTENCIONALIDADE DA CONSCIÊNCIA Ainda em Franz Brentano, a ideia da intencionalidade da consciência era de que essa última estaria estruturada em atos próprios das vivências de cada sujeito do conhecimento. Husserl foi aluno de Brentano e foi influenciado pelas ideias do seu professor, especialmente pelo entendimento que ele tinha sobre a consciência. SAIBA MAIS A consciência sempre foi um tema importante para Husserl, então, vamos lembrar aqui o contexto do problema da época. Por um lado, havia uma Psicologia aos moldes de uma ciência natural, que não conseguia nem o acesso à “verdade” das coisas nem ao sujeito do conhecimento. Por outro, tínhamos as contribuições da hermenêutica e do historicismo, que mais relativizavam o conhecimento do que o aprofundavam. Husserl usa o conceito de intencionalidade da consciência para estruturar sua fenomenologia, entendendo, assim, que essa se faz na relação vivencial entre sujeito e objeto, disposta no aqui- agora. Aquilo que é fenômeno é sempre algo de uma relação sujeito-objeto, que nunca é do objeto e nem do sujeito, mas que emerge nessa relação, e isso se deve, exatamente, pelo estado intencional da consciência. Descrevendo ainda mais a respeito disso, podemos dizer que não existe consciência cheia ou vazia, pois ela não é um repositório. A consciência é sempre de algo, e esse algo é sempre de uma consciência. Não existe algo pensado que não seja de uma consciência e não existe consciência que não seja de um pensamento. A intencionalidade é que faz essa ligação entre a consciência e o mundo. RESUMINDO A consequência desse conceito é compreender a fenomenologia como um estudo/investigação que sempre vai envolver uma visada, ou seja, uma relação entre consciência e mundo na qual o objeto (fenômeno psíquico) é sempre emergente dessa relação, mas que é experiencial, do momento. Por isso que se diz que a fenomenologia é empirista, porém não empiricista, ou seja, é feita sempre via experienciação, mas não defende os princípios defendidos pela corrente do empirismo. “VOLTAR ÀS COISAS MESMAS” A expressão “voltar às coisas mesmas” significa que o objetivo de Husserl era o estudo das estruturas essenciais presentes enquanto consciência pura, que é consequência do método fenomenológico. Ir às coisas mesmas é ir ao encontro dessas essências, pois elas estão além das aparências das coisas. O método fenomenológico visa o encontro dessas essências, com isso, teríamos um conhecimento que não é meramente do sujeito (após redução) nem da coisa visada. Husserl, então, ao propor o retorno às coisas mesmas, resolve o problema epistemológico da época. Ele não segue a linha das ciências naturais e do movimento empirista e positivista, trazendo um novo método que mesmo que não tivesse o “selo” de ciência imposto pela época, se pôs como uma ciência de rigor.Na verdade, sua obra abre as portas para uma Psicologia Fenomenológica e, mais tarde, também Existencial. Ir às coisas mesmas é a busca da fenomenologia como ciência eidética (das essências), sabendo que a investigação fenomenológica, que é feita de experienciação em experienciação, é calcada num método racionalista, ou seja, utiliza a razão como recurso à investigação lógica das essências que emergem pela atitude fenomenológica. Voltar às coisas mesmas é ver ou perceber o mundo tal qual ele nos parece. FENOMENOLOGIA DA CONSCIÊNCIA Assim é chamado o trabalho nuclear de Husserl. Fenomenologia da consciência, ou simplesmente fenomenologia, para Husserl, veio como uma crítica à Psicologia objetivista que excluía a subjetividade do sujeito do conhecimento. Ela faz críticas também à noção de causalidade imposta pelo modelo cientificista das ciências naturais (naturalismo) e da visão do comportamento como mera consequência dessa relação de causa e efeito. É assim que Figueiredo (2008) chama de ruína do sujeito, devido a esse movimento naturalista/positivista de anular e controlar a subjetividade do sujeito do saber. Husserl não pretende anular e nem controlar a subjetividade, pois ele entende que ela faz parte dessa relação consciência-mundo, tornando, assim, sua fenomenologia mais preparada para não cair nas armadilhas que o empirismo caiu (como, por exemplo, achar que pode ter um conhecimento isento e imparcial) e nem recorrer ao relativismo e ao ceticismo oriundos do historicismo e da hermenêutica. RESUMINDO Portanto, a fenomenologia é um método e ao mesmo tempo uma epistemologia (estudo do conhecimento), se revelando um estudo das essências, tentando se conectar com esse mundo desconhecido e transcendental que está sempre lá, mas suspendendo tudo aquilo que não é das essências. É, sim, uma busca às coisas mesmas (essências), mas como o sujeito as perceber de forma mais pura, com um rigor metodológico. O rigor aqui está marcado por um conjunto de características metodológicas que, ao mesmo tempo que consideram a subjetividade do sujeito, não se deixa enganar pelas armadilhas dessa subjetividade. Assim, não recorre a um ceticismo ou controle dessa subjetividade, como fizeram o historicismo e o naturalismo, respectivamente. Por isso, a fenomenologia se encontra entre o realismo e o idealismo, numa postura equilibrada e integrativa (HOLANDA, 2014). CARACTERÍSTICAS DO MÉTODO FENOMENOLÓGICO ATITUDE FENOMENOLÓGICA E ATITUDE NATURAL Husserl designava o termo atitude natural para se referir a essa atitude comum nas ciências naturais e, consequentemente, na atitude comum das pessoas de se posicionarem de uma forma acrítica e irreflexiva diante daquilo que é experienciado. Isso se deve à corrente do realismo materialista que, de tão inserida nas ciências naturais e no senso comum, faz com que as pessoas acreditem que existe uma realidade inerente às coisas do mundo, uma realidade que tem relação diretamente pela percepção. A consequência disso é que na atitude natural não há uma postura crítica reflexiva sobre o que recebe, tornando-o um “já dado”, algo tomado como verdadeiro. É bem certo que a ciência, mesmo as naturais e positivistas investigavam o “já dado” (tentando extrair a verdade do que estava ali posto), mas sabemos que muitas “verdades” produzidas pela ciência tornam-se objetos constituídos como também um “já dado”, ou seja, uma verdade além da crítica reflexiva. NO CASO DA ATITUDE NATURAL, ESTA SE REFERE À CORRESPONDÊNCIA DO SUJEITO COM O QUE ESTÁ "FORA" DELE – A NATUREZA – TOMADO, POR SUA VEZ, COMO "JÁ DADO" OU "JÁ ESTANDO AÍ DE ANTEMÃO". NÃO HÁ, PORTANTO, UMA REFLEXÃO SOBRE O "JÁ DADO", ISTO É, NÃO HÁ, NA ATITUDE NATURAL, UMA REFLEXÃO CRÍTICA A RESPEITO DO "DADO" ENQUANTO TAL. (GEMINO. 2015, p. 5) COMENTÁRIO Esse conceito é algo curioso para os tempos atuais, nos quais muitos colocam as “verdades científicas” quase como dogmas completamente inquestionáveis, e qualquer atitude mais crítica e reflexiva sobre isso é condenável como sendo algo avesso à lógica científica. Mas é justamente o contrário: o cientista deve ter sempre uma postura crítica e reflexiva daquilo que é dado, principalmente daquilo que é mais imposto como verdade. Por outro lado, temos a atitude fenomenológica, que é a postura reflexiva de questionar o que já fora dado. Ela implica em suspender a atitude natural. E suspender não significa aqui excluir, mas sim deixar temporariamente de lado aquilo posto como dado absoluto e irrefutável. A atitude fenomenológica então recai num ceticismo? Certamente não, porque sua postura não é cética, não é de descrença em tudo, mas sim de questionamento. O questionamento nos leva a uma suspensão do nosso juízo frente àquilo que é “já dado” para exatamente deixar emergir com mais liberdade aquilo que é a “coisa mesma”, a essência. O questionamento é emergente dessa relação sujeito-objeto e consciência-mundo e imanente à consciência, não do que é transcendente. O que significa dizer que é imanente à consciência? Significa que o objeto final da fenomenologia é da natureza da consciência pura, aquela que passou pela atitude de suspender os juízos presentes na atitude natural, rompendo com o que já estava posto. Husserl considera o transcendente como aquilo atribuído como realidade do objeto a ser estudado, mas que vai além dele por não ser facilmente reconhecido, embora seja um dado objetivável no método científico. O problema aqui é que essa objetificação tornada concreta pela linguagem fica permeada de ruídos que podem mais mascarar do que clarear a essência das coisas. Portanto, a atitude fenomenológica deve suspender o que é transcendental, por estar exatamente presente de forma objetiva na atitude natural, ou seja, permeada de “sujeiras” impostas pelo tempo e o contexto social da ciência (GEMINO, 2015). REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA PSICOLÓGICA, EIDÉTICA, TRANSCENDENTAL E EPOCHÉ Como já dito anteriormente, a atitude fenomenológica faz com que suspendamos a atitude natural, para que, dessa forma, estejamos mais abertos ao devir da experienciação. No entanto, o método fenomenológico não se baseia somente nisso. É preciso que façamos o que foi chamado por Husserl de epoché, que é essa ação típica da atitude fenomenológica de posição crítica e reflexiva daquilo que já foi dado como verdade, mas que precisa ser reexperienciado. Seguindo nas etapas desse método, devemos fazer a redução fenomenológica, que é a suspensão temporária de tudo aquilo que esteja vinculado ao objeto experienciado, que entendemos como algo que é mais imposto do que do próprio objeto. A redução eidética refere-se à suspensão de tudo aquilo que não é da essência do objeto, daquilo que é transitório e contextual, impedindo o acesso à essência do objeto. Por fim, a redução transcendental, que é a suspensão do próprio sujeito empírico. Em outras palavras, a redução eidética é a suspensão do conjunto de valores e juízos que são da particularidade do sujeito e que, na relação com o objeto, podem corromper o acesso à essência deste (HUSSERL, 1986). O processo de redução é acompanhado pelo processo de descrição fenomenológica, que consiste na descrição pelo sujeito daquilo que é experenciado. O interessante disso é que o método, quando usado na clínica psicológica, envolve uma descrição do sujeito/cliente, ao mesmo tempo que faz a redução fenomenológica (facilitada pelo psicoterapeuta), daquilo que está sendo experienciado no aqui-agora para então desvelar sentidos. O EPOCHÉ E A ATITUDE FENOMENOLÓGICA Neste vídeo, a especialista Martina Ravaioli explica o epoché, e a atitude fenomenológica, diferenciando a redução eidética da redução transcendental e a aplicação desses conceitos na psicoterapia. RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO Quando falamos aqui de objeto, referimo-nos ao objeto que é fenômeno psíquico. A fenomenologia defende que essa relação entre o sujeito do conhecimento e o objeto conhecido (agora, como fenômeno psíquico) nãoé separada. Isso significa que a consciência (devido a sua intencionalidade) é permeada de elementos do objeto (via percepção) e que esse objeto é sempre dessa relação com a consciência, diferentemente daquilo que era estabelecido pelo psicologismo, quando o objeto poderia ser visto como um dado objetivável, tratado, mensurado e controlado pela consciência. No psicologismo, acreditava-se que a consciência não interferia na natureza imanente presente no objeto e que nem este interferiria na natureza da consciência. Isso traria como consequência a defesa de que até a consciência poderia ser estudada como um objeto a ser controlado. Como já sabemos, a fenomenologia foi fortemente contra essa ideia proposta pelo psicologismo e pela Psicologia de Wundt por acreditar que sujeito/consciência e objeto eram cooriginários e deveriam passar por um método rigoroso de “tratamento” dessa relação de conhecimento para que o acesso às essências fosse definitivamente eficaz, sem enganos e armadilhas não vistas pelas ciências naturais com sua suposta neutralidade científica. SAIBA MAIS É com a atitude fenomenológica e todo o método fenomenológico já exposto que foi desmistificada essa neutralidade científica e, mais ainda, que passamos a ter um método que pode verdadeiramente acessar a essência das coisas com isenção e sem recorrer a concepções idealistas que facilmente decairiam numa relativização da verdade e até num ceticismo (HOLANDA, 2014). VEM QUE EU TE EXPLICO! Intencionalidade da consciência Atitude fenomenológica e atitude natural VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Reconhecer as principais características do positivismo filosófico e as críticas centrais da fenomenologia ao positivismo PRINCIPAIS CONSIDERAÇÕES DA FENOMENOLOGIA Já aprendemos até aqui alguns pontos importantes sobre a fenomenologia. Vamos retomar pelo menos cinco deles a seguir: A fenomenologia surgiu como uma crítica ao psicologismo e ao positivismo. Husserl teve influência dos críticos à tentativa de adaptação das ciências naturais aos estudos da Psicologia. Com as contribuições de Dilthey, Brentano e Descartes, ele funda uma epistemologia, um método e uma Filosofia. A fenomenologia se configura principalmente como uma epistemologia (teoria do conhecimento), mas também como um método de acesso ao conhecimento (no caso, as essências). O trabalho de Husserl abriu as portas para uma Psicologia Fenomenológica-Existencial. Entendendo esses pontos, torna-se importante detalharmos sua crítica ao contexto da época, principalmente ao positivismo, e para isso é preciso nos ater a essa própria corrente de pensamento. SOBRE O POSITIVISMO O positivismo, apesar de ser dito aqui no singular, poderia ser mencionado também no plural, porque não há somente um positivismo, mas sim vários. Seja ele filosófico, sociológico, jurídico ou histórico, e apesar de todas as suas diferenças, eles guardam características similares no que pode se chamar de pressupostos epistemológicos, tais como: A DOUTRINA DO REALISMO (SEPARAÇÃO ENTRE SUJEITO E OBJETO) O positivismo segue fortemente a ideia defendida pela doutrina do realismo. Para os teóricos do realismo, sujeito e objeto do conhecimento são “separados”, ou seja, o objeto tem uma realidade própria que independe do sujeito, e este consegue apreender essa realidade do objeto de forma prática e sem interferir nela. A realidade do objeto apreendido também não interfere no sujeito, por isso se diz que sujeito e objeto são separados. O objeto deve ocupar um papel central aqui e não o sujeito, mesmo que o objeto de estudo seja também o sujeito (Psicologia Empírica). Nesse caso, o sujeito enquanto objeto deve ser estudado de forma prática, como qualquer objeto. O CONHECIMENTO É A APRESENTAÇÃO DO OBJETO Todo conhecimento apreendido pelo sujeito não é mera representação do objeto. Se assim fosse, seria mais próximo de uma interpretação do sujeito, mas não deve ser visto dessa forma. O conhecimento apreendido pelo sujeito é a apresentação fiel do “que é”, ou seja, a própria realidade objetiva imanente no objeto. Desse modo, o conhecimento científico positivista é uma expressão da verdade do mundo, já que os cientistas conseguem apreender a realidade deste mundo e mais, uma realidade que não é contaminada pelo pesquisador, sendo, portanto, uma ciência isenta, imparcial e neutra, então positiva. O conhecimento positivo é esse conhecimento advindo da ciência positiva, fruto da razão prática e consolidado pelo método científico (testado, comprovado). SEPARAÇÃO ENTRE VALORES E FATOS A separação entre valores e fatos segue a separação entre sujeito e objeto. Sujeitos são dotados de valores, e objetos, de fatos. A ciência que produz conhecimentos positivos é aquela que não se contamina com valores, mas se prende aos fatos, exatamente porque esses têm sua realidade independente do sujeito. A ciência precisa controlar e anular a subjetividade (valores) para acessar os fatos. Vemos isso pelo trabalho de Émile Durkheim (1858-1917), um dos fundadores da Sociologia que foi fortemente influenciado pelo positivismo de Auguste Comte (1798-1857). Durkheim aplica isso ao conceito de fato social para designar o objeto de estudo da Sociologia. Percebemos, assim, a aplicação das ideias positivistas chegando nas ditas ciências humanas e sociais. O fato social pode ser estudado pelo sociólogo de forma objetiva, positiva e, então, científica. Essa mesma lógica foi aplicada na Psicologia, que poderia estudar o sujeito/homem como um objeto (fato) de forma objetiva, o que foi defendido principalmente pelas correntes comportamentalistas da Psicologia. CONSEQUÊNCIAS DESSES PRESSUPOSTOS POSITIVISTAS NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Para o positivismo de Auguste Comte, a natureza tem leis que são gerais, universais e imutáveis, restando ao homem o estudo detalhado delas. As ciências naturais, com seus métodos, conseguiriam o acesso das realidades presentes na natureza e, assim, formariam um conhecimento positivo (racional, empírico e certificado). Considerando isso, os sociólogos positivistas acreditavam que a sociedades também tinham leis imutáveis e universais, assim como o mundo natural. Portanto, da mesma forma que a natureza poderia ser estudada de maneira objetiva, a sociedade também poderia, caso fosse aplicada nela o mesmo método das ciências naturais. Assim foi aplicado o método sociológico de Durkheim no estudo das sociedades, considerando-as como factíveis de serem definidas por meio de fatos (objeto de estudo) que seriam estudados numa forma a qual o pesquisador (sujeito) detectaria as leis naturais presentes na sociedade, pois elas seriam imutáveis e independentes do sujeito (FONSECA, 2013). SAIBA MAIS Outra consequência foi que o estudo no campo social deveria ser com a máxima isenção e com a mínima subjetividade do sujeito pesquisador. O sujeito do conhecimento deveria estudar as causas dos fenômenos, sua funcionalidade social e humana (funcionalismo como “evolução” do determinismo causal). Os primeiros antropólogos seguiram métodos diferentes de pesquisa científica, já compreendendo que o pesquisador (etnógrafo) deveria estar inserido em cada sociedade estudada, tentando ao máximo “ver” pela perspectiva do nativo e não do pesquisador. Naquela época, os primeiros antropólogos passaram a viver por um período nas próprias comunidades estudadas e vivenciando as mesmas normas e princípios culturais nativos. Tudo isso foi diferente da proposta da Sociologia positivista, mas que contribuiu também com os futuros estudos no campo da Psicologia Social e Comunitária. O PESQUISADOR O pesquisador etnógrafo procurava vivenciar de perto os costumes e o cotidiano dos grupos sociais estudados. CRÍTICAS DE HUSSERL AO POSITIVISMO javascript:void(0) O que vimos até agora foi que a fenomenologia surgiu como uma crítica ao psicologismo e à forma como as ciências naturais almejavam o estudo do homem e da sociedade, em especial, dos fenômenosque não têm a mesma constância de um fenômeno natural. O homem é dotado de intensa variação, da incerteza que é própria de sua natureza e do seu existir em sociedade. Entender que a natureza tem leis imutáveis de uma realidade imanente e independente do sujeito é questionável, mas, ainda assim, compreensível, considerando que o homem, em sua limitação da percepção, não consiga apreender as variações mínimas que possam vir a ocorrer ao longo dos séculos e milênios no mundo natural. É concebível que o homem projete sua noção de controle e organização no mundo natural, tanto que qualquer variação (que seria natural) e que não se enquadre nas leis naturais que ele próprio criou é vista como “acidente da natureza”, “caos”, “desordem” ou “mera coincidência” (algo que foge da explicação da relação de causa e efeito). Husserl não acredita que as ciências naturais possam estudar esse homem com isenção e imparcialidade para então criar uma Psicologia que seja uma ciência eficaz. Para sermos mais explícitos, quais seriam exatamente as críticas de Husserl ao positivismo? Vejamos a seguir: A ideia de que sujeito e objeto são separados Para a fenomenologia de Husserl, que nasceu como uma nova epistemologia e um novo método, não se concebia desdenhar que o apreendido pelo sujeito não estivesse, a princípio, inundado de objetificações construídas pela linguagem no decorrer do tempo, de pressupostos falsos montados como verdades (atitude natural) e que, nesse processo de apreensão, não teria também a influência do próprio sujeito que os percebe. Para ele, sujeito e objeto (como fenômeno psíquico) não são separados, e por isso esse objeto deve passar pela epoché e pelo seu método fenomenológico para que a essência apareça como produto. A ideia de uma realidade independente e transcendente O pressuposto do realismo, que sempre foi motivo de debates dentro da Filosofia, com Husserl não era algo plausível. Esse pressuposto deveria ser derrubado porque as pessoas, obviamente com estruturas cognitivas e experenciais diferentes, poderiam chegar à mesma conclusão intuitivamente diante de determinado objeto de estudo, mesmo que por caminhos cognitivos completamente diferentes. Isso refutava a ideia do realismo de que as realidades estariam apresentadas naturalmente nos objetos, seriam capturadas pela experiência perceptual de forma objetiva (sem a subjetividade do sujeito) e confirmadas via ciência objetiva (CERBONE, 2014). A ideia de que a consciência possa ser estudada como um objeto natural O positivismo, via psicologismo, tratava a consciência como um objeto passível das mesmas regras aplicáveis a objetos do mundo natural concreto, tal como uma árvore ou um tipo de solo, tornando-a um objeto pronto a ser observado, mensurado, padronizado e controlado. Para Husserl, a consciência é entendida como um ato e, nesse caso, uma atitude intencional de “movimento”. Sendo assim, ela seria impossível de ser objetivada como pensavam os primeiros teóricos da Psicologia (cientificista). A ideia de que o método científico pudesse estudar com propriedade o “como” Sob a influência de Dilthey, Husserl não concordava que o positivismo, via ciências naturais, pudesse estudar e obter êxito no campo dos estudos do “como”. A ciência naturalista poderia até ser eficaz (com ressalvas) nos estudos que buscavam a causa das coisas e no funcionalismo disso tudo, mas era ineficaz no entendimento das essências das coisas, em como elas se manifestavam em torno de um sentido comum (CERBONE, 2014). A contribuição dessa crítica de Husserl é de que a ciência colocada na época poderia ser uma grande armadilha, isso porque o incauto poderia ser facilmente enganado pelo discurso da ciência como uma apresentação do real e da verdade, mas que seria, na verdade, um discurso do próprio pesquisador. Claro que essa visão crítica já tinha sido iniciada pelo historicismo e pela hermenêutica, mas as ideias de Husserl transcendiam as consequências das abordagens interpretativas (exageradamente subjetivas) e lançavam mão de algo verdadeiramente novo e producente no acesso ao conhecimento. Sua contribuição é dita como aquela que ficou entre o idealismo e o empirismo, que não os excluía, mas sim os superava (HOLANDA, 2014). Com isso, Husserl monta uma base epistemológica robusta e bem fundamentada, mesmo que sua produção filosófica tenha sido apresentada com longos intervalos de tempo entre elas. A crítica ao positivismo abre espaço verdadeiro para uma ciência humana e social, dessa vez com um método coerente à natureza do objeto de estudo: o homem e a sociedade, respectivamente. Além disso, abre espaço para uma Psicologia Fenomenológica (que, posteriormente, será também existencial), com suas contribuições finais com a chamada fenomenologia da subjetividade e o conceito de Lebenswelt (outra influência de Dilthey). LEBENSWELT Termo filosófico ligado relacionado à fenomenologia de Edmund Husserl. Mundo da vida (em alemão: Lebenswelt, em inglês: Lifeworld) Nas palavras de Figueiredo (2008), ao falarmos da emergência e da ruína do sujeito, podemos dizer aqui que a fenomenologia resgata o sujeito que estava suprimido pelo positivismo. O resgate aqui não significa uma volta por completo ao racionalismo cartesiano, porque, dessa vez, insere-se o valor do conhecimento via experiência. COMENTÁRIO A fenomenologia é feita na atitude racional, mas sem desprezar a força do aqui-agora para o método fenomenológico. A visada fenomenológica faz-se na empiria e sempre considerando o peso do agora para que o método fenomenológico consiga chegar à máxima redução possível, à essência do fenômeno visado. javascript:void(0) O RESGATE DA FENOMENOLOGIA DO SUJEITO A especialista Martina Ravaioli reflete como a fenomenologia resgata o sujeito que estava suprimido pelo positivismo. VEM QUE EU TE EXPLICO! Sobre o positivismo Consequências desses pressupostos positivistas nas Ciências Humanas e Sociais VERIFICANDO O APRENDIZADO CONSIDERAÇÕES FINAIS Esperamos que você tenha entendido os principais pontos sobre a fenomenologia, que agora iremos resumir para concluir este conteúdo. A fenomenologia de Husserl surgiu como uma alternativa ao psicologismo e ao modelo positivista das ciências naturais, que tinha a pretensão de estudar a consciência e seus fenômenos psíquicos utilizando o mesmo método científico com o qual estudava o mundo natural e, ainda assim, ter resultados confiáveis, imparciais e universais. Esse modelo entendia que a consciência e o psiquismo poderiam passar pelas mesmas leis presentes no mundo natural e serem, assim, passíveis de observação, controle, testagem e mensuração. A proposta da fenomenologia foi a criação de um estudo rigoroso de acesso às essências, mas com uma epistemologia completamente diferente do modelo empirista. Com isso, ela passa a ser considerada um método, uma filosofia e uma teoria do conhecimento (epistemologia) que abre espaço para as ciências humanas e sociais do século XX. PODCAST Agora, a especialista Martina Ravaioli finaliza refletindo sobre a forma como a fenomenologia pode ser aplicada na relação psicoterapêutica. CONCLUSÃO AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS CERBONE, D. R. Fenomenologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do pensamento psicológico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. FONSECA, R. M. O positivismo, “historiografia positivista” e história do Direito. Argumenta Journal Law, Jacarezinho, n. 10, p. 143-166, fev. 2013. Consultado na internet em: 22 out. 2021. GEMINO, A. M. Considerações sobre a distinção entre atitude natural e atitude fenomenológica na fenomenologia de Husserl. Estudos contemporâneos da subjetividade. v. 5, n. 1, 2015. Consultado na internet em: 21 out. 2021. HOLANDA, A. F. Fenomenologia e humanismo: reflexões necessárias. Curitiba, PR: Juruá, 2014. HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Rio de Janeiro, RJ: Edições 70, 1986. EXPLORE+ Para entender um pouco mais sobre a fenomenologia de Husserl,assista ao vídeo do canal Doxa e Episteme, no YouTube, intitulado Husserl para iniciantes e postado em 23 de fevereiro de 2021. CONTEUDISTA Denis Pontes Coelho
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