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Geovana Sanches - TXXIV COMA E ALTERAÇÕES DA CONSCIÊNCIA INTRODUÇÃO A consciência pode ser avaliada de acordo com dois aspectos, o nível e o conteúdo. • Nível: grau de alerta comportamental; tem caráter quantitativo • Conteúdo: soma de todas as funções intelectuais; tem aspecto qualitativo Nível de consciência • Vigília: paciente espontaneamente de olhos abertos; consciência completa • Sonolência: indivíduo abre os olhos ao estímulo não doloroso (verbal, tátil, olfatório); pode ser fisiológico • Torpor: indivíduo abre os olhos ao estímulo doloroso • Coma: indivíduo não abre os olhos mesmo com estímulo muito doloroso • Estado de consciência mínima: antes denominado estado vegetativo persistente, refere-se aos pacientes cujos olhos se abrem em 4 a 6 semanas, porém sem interação com o ambiente o Ou seja, não existe coma para sempre – ou o paciente vai a óbito ou entra em estado vegetativo Conteúdo da consciência Vale lembrar que existem alterações agudas do conteúdo da consciência, como o delirium, e alterações crônicas, como nas demências. • Atenção • Memória • Linguagem • Comportamento REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA A manutenção da consciência depende de um bom funcionamento de diversas estruturas encefálicas, de forma que o comprometimento anatômico e/ou funcional dessas estruturas pode levar a um quadro de rebaixamento do nível da consciência ou a uma alteração qualitativa. Sistema ativador reticular ascendente (SARA) O encéfalo pode ser dividido em dois compartimentos: supratentorial e infratentorial, os quais tem como marco anatômico a tenda do cerebelo. Na região supratentorial, encontram-se as estruturas do cérebro: telencéfalo (hemisférios cerebrais) e diencéfalo (tálamo, hipotálamo, epitá- -lamo e subtálamo). Na região posterior da transição entre o mesencéfalo e a ponte há um grupo de neurônios denominado formação reticular, a partir dos quais partem impulsos elétricos que ascendem até os tálamos, seguindo para os hemisférios e resultando na ativação do córtex. Esse sistema neural recebe o nome de sistema ativador reticular ascendente (SARA), o qual é responsável pelo controle da consciência. Componentes • Formação reticular: estrutura localizada no tronco encefálico que exerce uma série de funções o Porção superior (transição ponto- mesencefálica): compreende a região da metade da ponte para cima. Controla a manutenção da vigília, de forma que quando há lesão o paciente pode evoluir ao coma o Porção inferior: não causa comprometimento do nível da consciência quando lesado • Tálamo: a formação reticular ativa-o bilateralmente, para assim ativar ambos os lados do córtex. Sendo assim, faz-se necessária lesão de ambos os tálamos para que o paciente evolua com diminuição do nível de consciência. o Trombose venosa o Artéria de Percheron: variação anatômica circulatória na qual um único vaso irriga simultaneamente os dois tálamos. Um AVC dessa artéria pode levar ao rebaixamento do nível de consciência • Córtex cerebral: para levar a redução do nível de consciência, também é necessário lesar o córtex bilateralmente. Geovana Sanches - TXXIV o Para que haja rebaixamento do nível de consciência secundário ao acometimento dos hemisférios cerebrais, é necessária uma lesão muito extensa ou várias lesões simultâneas (multifocais). o Isso explica o motivo pelo qual pacientes com AVC isquêmico extenso só apresentam rebaixamento cerca de 72h após o início dos sintomas: com a morte dos neurônios por isquemia, há edema citotóxico que começa a comprimir outras estruturas até então poupadas e assim, há uma menor quantidade de tecido saudável recebendo aferências dos neurônios talâmicos pertencentes ao SARA, ocorrendo rebaixamento da consciência Causas Resumidamente, para que o paciente apresente redução no nível de consciência e possa evoluir com coma, faz-se necessário uma lesão em ambos os tálamos, ambos os hemisférios cerebrais ou da porção superior da formação reticular. Causas focais • Supratentoriais extensas ou multifocais: 20 a 25% dos casos • Infratentoriais: 10 a 15% dos casos Causas difusas • Correspondem a 65% dos casos • Tóxicas o Intoxicação por monóxido de carbono o Intoxicação medicamentosa • Metabólicas o Hipoglicemia o Hipóxia o Encefalopatia urêmica (cursa com rebaixamento do nível de consciência e movimentos involuntários anormais – mioclonias negativas ou flapping) • Infecciosas • Entre outras Avaliação clínica Os parâmetros da avaliação clínica do paciente visam localizar uma possível lesão no sistema nervoso que possa ser culpada pelo comprometimento do nível de consciência. • Escala de avaliação do nível de consciência o Escala de coma de Glasgow ou outras escalas • Pupila e fundo de olho • Motricidade ocular extrínseca • Padrão de resposta motora • Padrão respiratório ESCALAS DE AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA As escalas são utilizadas para quantificar o grau de comprometimento neurológico e costumam levar em conta parâmetros objetivos. Escala de coma de Glasgow É uma escala numérica, quantitativa, baseada na avaliação clínica de três padrões de resposta: abertura ocular (1 a 4 pontos), melhor resposta verbal (1 a 5 pontos) e melhor resposta motora (1 a 6 pontos). Além disso, foi incorporada a escala a avaliação pupilar, variando entre 0 a -2. A pontuação máxima é de 15 pontos e significa que o paciente está com consciência preservada. Temos o rebaixamento máximo quando o paciente totaliza 1 ponto. Indivíduos com pontuação < 8 devem ser submetidos à intubação para proteção de vias aéreas, tendo em vista o aumento substancial do risco de broncoaspiração. Pontuação Geovana Sanches - TXXIV Abertura ocular 1. Ausente o Paciente encontra-se em coma 2. A dor o Paciente encontra-se torporoso 3. Ao chamado o Paciente encontra-se sonolento 4. Espontânea Melhor resposta verbal 1. Ausente 2. Sons incompreensíveis o Hmmm, Arg... 3. Palavras inapropriadas o Resposta incoerente o Onde estamos? Roupa 4. Desorientado o Resposta coerente o Onde estamos? Na igreja (não respondeu que estava no hospital, mas deu como resposta um local) 5. Orientado o Onde estamos? No hospital Melhor resposta motora 1. Ausente 2. Extensão anormal o Decerebração 3. Flexão anormal o Decorticação 4. Retirada inespecífica o Flexão normal o Estímulo em locais com mais receptores dolorosos, como por exemplo no leito ungueal o Resposta: paciente retira o membro em que está sendo feito o estímulo doloroso § Paciente não passa o membro sobre a linha clavicular 5. Localiza estímulos o Estímulo na linha média do segmento cefálico (menos receptores para dor) o Resposta: elevação de um dos membros acima da linha da clavícula para retirada do estímulo 6. Obedece a comandos Importante Existem três elementos que controlam a resposta motora: • Trato córtico-espinhal: permite a localização do estímulo ou a retirada • Trato rubro-espinhal: é um facilitador dos membros distais (flexores), sendo um sistema de manipular • Trato vestíbulo-espinhal: é um facilitador dos membros proximais (extensores), sendo um sistema de alcançar Reação pupilar A avaliação da reação pupilar foi adicionada a escala de Glasgow pois, o comprometimento do reflexo fotomotor por uma lesão no trono está associada a um pior prognóstico. Nessa escala, desconta-se um ponto para cada uma das pupilas não-reagentes à luz, de forma que são possíveis três pontuações: 0. Presente bilateral -1. Presente unilateral -2. Ausente bilateral Geovana Sanches - TXXIV Estímulo doloroso Tanto na fase de avaliação da abertura ocular quanto na da melhor resposta motora, o paciente poderá ser submetido, caso não responda adequadamente,a um estímulo doloroso. Esse deverá ser realizado inicialmente em um local da pele em que exista menor densidade de receptores para dor. Caso não haja resposta, o estímulo será aplicado em um local com mais receptores para dor. Dessa forma, o paciente recebe um estímulo doloroso mais intenso apenas se o mais leve não for capaz de revelar uma resposta clinicamente identificável. Os locais mais usados para a aplicação de estímulo doloroso menos intensos são a região supraorbitária, a glabela, o músculo trapézio próximo à clavícula e o osso esterno (deve ser evitado). Em pacientes com suspeita de lesão medular cervical, os estímulos fora do segmento cefálico podem não desencadear resposta. Quando o paciente conseguir reagir a uma dor causada pela compressão de uma dessas áreas, ele elevará um dos membros superiores acima da clavícula ou até o local em que a dor é produzida para tentar se desvencilhar, ao que chamamos de localização do estímulo doloroso. Nos casos em que não ocorrer reação de localização, o estímulo deverá ser realizado sobre o leito ungueal de um dos membros superiores, com o auxílio de um objeto, por exemplo, uma caneta. Nesse momento, espera-se que o paciente realize uma flexão do membro, no sentido de retirá-lo da situação promotora de dor. Nesse caso, chamamos de retirada inespecífica ou flexão normal. Em ambos os casos, deve-se observar também se o paciente abre os olhos ao estímulo doloroso. AVALIAÇÃO DAS PUPILAS E FUNDO DE OLHO As pupilas estão sob controle dos sistemas simpático e parassimpático. Em repouso, a pupila costuma estar em tamanho médio, pois um sistema tem seu efeito antagonizado pelo outro. O desbalanço entre suas ações é responsável pela alteração do tamanho da pupila. O controle parassimpático da pupila é feito pelo III nervo craniano (III NC – nervo oculomotor), responsável pela constrição pupilar (miose). Seu núcleo se situa no mesencéfalo e seu prolongamento passa ao lado da artéria comunicante posterior, medialmente ao uncus do lobo temporal, e pelo seio cavernoso. O sistema simpático por sua vez, parte para a pupila do hipotálamo (diencéfalo), desce pela medula e passa próximo ao sulco superior do ápice pulmonar. A seguir, entra na camada adventícia da artéria carótida interna e penetra no crânio, até atingir a órbita. As lesões iniciais causam comprometimento unilateral, mas lesões mais extensas podem afetar bilateralmente as pupilas, gerando o aparecimento de pupilas médias e fixas, nas quais nenhum dos dois sistemas está mais atuando. Lesões no coma Lesão no diencéfalo • AVCh hipotalâmico, por exemplo • Afeta o sistema simpático à atuação do sistema parassimpático (III NC) à miose Lesão no mesencéfalo • Parassimpático: III NC estende-se desde a região tectal até o tegumento o A anisocoria ocorre quando há lesão de um dos III NC, impedindo a contração pupilar à luz o Nos pacientes em coma, a causa mais comum é uma lesão expansiva, gerando descolamento do uncus temporal medialmente e comprimindo o III NC (hérnia uncal) o Faz-se necessário diagnóstico imediato, pois a progressão pode levar a herniacao do tronco pelo forame magno, causando compressão do bulbo e do centro respiratório, o que leva a uma PCR e óbito • Simpático: passa na região pré-tectal • Lesões o Tegmento à anisocoria o Tecto à midríase o Pré-tectal à isocoria § Perda de ambos os sistemas § Pupilas médias e não reagentes Geovana Sanches - TXXIV Lesão na ponte • Ação exclusiva do mesencéfalo • Miose, com pupilas puntiformes Alterações metabólicas Nas lesões metabólicas, há reflexo fotomotor, porém menos intenso do que o esperado. Nas lesões anatômicas, por sua vez, o reflexo é extinto. Fundo de olho O exame de fundo de olho é realizado para avaliar se a papila óptica (“cabeça” do nervo óptico) está com limite nítido (normal) ou borramento dos limites (papiledema). O papiledema ocorre quando há dificuldade para o retorno venoso do sangue que passa pelas estruturas do fundo do olho, gerando um ingurgitamento de veias. Em geral, denota uma hipertensão intracraniana. MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA A motricidade ocular extrínseca é realizada pelo III, IV e VI pares de nervo craniano. Devemos lembrar quais músculos cada um deles inerva, o que pode ser feito pela regrinha: “Os-4 RELA-6 REST-3”. O exame da motricidade ocular extrínseca nos pacientes com rebaixamento do nível de consciência é feito através do reflexo oculocefálico e reflexo oculovestibular (prova calórica). Reflexo oculocefálico No reflexo oculocefálico, o examinador realiza um movimento de rotação lateral da cabeça, aproximando uma das orelhas do doente ao leito, mantendo os olhos abertos e observando se os olhos se deslocam contralateralmente ao movimento de rotação cefálica (resposta normal). A aferência é feita pelo VIII NC e a eferência pelo VI NC, com integração na ponte. Lesões pontinhas ou em qualquer um dos nervos comprometem a motricidade ocular horizontal. Prova calórica A manobra oculovestibular pode ser realizada com a instilação de 50 mL de água morna ou gelada no conduto auditivo externo. Deve-se aguardar 3 minutos entre um lado e outro para que a temperatura do conduto auditivo testado inicialmente retorne ao basal. Os olhos são mantidos em posição central devido a um equilíbrio de ações entre os dois sistemas vestibulares, sendo que cada um desses sistemas tem a capacidade de desviar os olhos de forma conjugada para o lado contralateral. Se estimularmos o funcionamento de um dos labirintos com água morna, a tendência é que os olhos sejam desviados para o outro lado. No caso da água gelada, o frio inibe o funcionamento do labirinto e o outro lado passa a atuar sem contrapartida. Assim, com água gelada, os olhos desviam-se para o lado em que o teste foi realizado. Lesões • Lesão do III NC o Olho para baixo e para fora o Pupila dilatada (midríase) • Lesão do IV NC o Dificuldade de olhar para baixo • Lesão no VI NC o Olho para dentro • Desvio do olhar conjugado o O controle do olhar conjugado para um dos lados é feito pelo lobo frontal contralateral, por meio do campo visual frontal (FEF) o Em repouso, os olhos ficam em posição neutra, para frente, devido ao equilíbrio dos tônus de ambas as FEF o Quando há lesão de uma delas, a outra desvia os olhos para o lado da FEF comprometida, que não se contrapõe ao movimento § Lesão de FEF direita à FEF esquerda desvia ambos os olhos para direita Geovana Sanches - TXXIV PADRÃO DE RESPOSTA MOTORA As vias motoras para os membros são originadas de cada um dos hemisférios cerebrais, mais precisamente da área motora primária, no giro pré-central (lobo frontal). Do hemisfério direito partem as fibras para o hemicorpo esquerdo e do hemisfério esquerdo, para o hemicorpo direito. Assim, podem ser encontradas assimetrias de resposta motora. Os pacientes podem sofrer lesões unilaterais nos hemisférios e no tronco encefálico, causando hemiparesia contralateral à lesão. Lesões do tronco podem gerar as posturas anormais de flexão (decorticação) e extensão (descerebração) e comprometimento de pupilas e outros nervos cranianos. Algumas lesões no tronco podem causar comprometimento bilateral do trato córtico- espinhal. Os principais exemplos são o AVC de artéria basilar e as encefalites de tronco (rombencefalite). Nesses pacientes, teremos um quadro de tetraparesia associado a síndromes de nervos cranianos. Lesão cortical (lobo frontal) • Comprometimento do trato córtico- espinhal e da FEF • Hemiparesia contralateral (localização ou retirada inespecífica) e desvio do olhar conjugado para o lado da lesão encefálica Lesão frontal subcortical • Comprometimento do trato córtico- espinhal; não há alteração na FEF • Hemiparesia contralateral Lesão no tronco • Mesencéfalo unilateral(mais comum) o Lesão logo acima do núcleo rubro § Comprometimento do trato corticoespinhal e III NC § Ação do trato rubro- espinhal à decorticação (flexão anormal) § Hemiparesia contralateral § Paralisia do III NC ipsilateral (pupila em midríase) o Lesão no mesencéfalo superior (na altura do núcleo rubro) § Comprometimento do trato corticoespinhal e rubroespinhal § Descerebração (extensão anormal) • Ponte bilateral (mais comum) o Comprometimento do trato cortico-espinhal e rubro-espinhal, sistema nervoso simpático e nervos cranianos o Tetraparesia, descerebração (extensão anormal), pupilas mióticas • Lesão na altura do SARA o Paciente não apresenta resposta alguma, pois os tratos cortico, rubro e vestibuloespinhal foram comprometidos o Coma • Lesão abaixo do SARA o Atinge apenas o trato espinhal (bulbo) o Paciente acordado, respondendo a comandos o Hemiparesia (lesão unilateral) ou tetraparesia (lesão bilateral) Herniação uncal • Lesão com efeito de massa • Compressão das fibras pupilares do nervo óculo-motor e hemisférios cerebrais • Tríade clássica o Midríase ipsilateral § anisocoria o Hemiplegia contralateral o Coma • A herniação da tonsila cerebelar é a mais temida, tendo em vista que pode comprimir o centro respiratório e levar o paciente ao óbito • A herniação subfalcina, pelos tálamos, é mais rara PADRÃO RESPIRATÓRIO Ritmo de Cheyne-Stokes O ritmo de Cheyne-Stokes é um padrão de apneia intercalado com hiperpneia. Trata-se da principal alteração associada a lesões encefálicas que cursam com rebaixamento da consciência. Ocorre em lesões supratentoriais (hemisféricas ou Geovana Sanches - TXXIV diencefálicas) e, em casos mais raros, ponto- mesencefálicas. Os pacientes apresentam uma hiperventilação típica em crescendo e decrescendo, seguida de uma fase de apneia e pelo menos 10 segundos, sem a presença de esforço respiratório. Após a apneia, a hiperpneia volta a ocorrer e intercala-se com os episódios de apneia. Hiperventilação neurogênica central A hiperventilação neurogênica central é uma taquipneia de alta amplitude (aumento da frequência respiratória de forma contínua). Ocorre em lesões mesencefálicas e na porção superior da ponte. Respiração apnêustica A respiração apnêustica se refere a um padrão de apneia intercalada com apneuse, ou seja, o paciente interrompe sua respiração com os pulmões cheios de ar e, em seguida, com os pulmões vazios, ficando alguns segundos em cada fase. Ocorre em lesões na porção média da ponte (tegmento lateral). Respiração em cluster A respiração em cluster é um quadro durante o qual o paciente apresenta hiperventilação seguida de apneias, mas por curto período em cada fase. Ocorre em lesões pontinhas mais baixas (tegmento inferior da ponte). Respiração atáxica (de Biot) A respiração de Biot é caracterizada por uma hiperventilação com movimentos respiratórios arrítmicos e de amplitudes variáveis. Ocorre por lesão no bulbo. Respiração de Kussmaul A respiração de Kussmaul é um padrão rápido e profundo frequentemente encontrado em pacientes com quadros de acidose metabólica, como na cetoacidose diabética, não sendo específica de nenhuma lesão neurológica estrutural. DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO DO COMA Característica clínica Supra- tentorial Infra-tentorial Difusa Déficit motor Hemiplegia contralateral Hemi ou tetraplegia Tetraplegia Resposta à dor Localização ou retirada Decorticação, Descerebração Localização ou retirada Pupilas Normais ou anisocoria Miose, midríase, anisocoria Miose, midríase ou normais Fundo de olho Papiledema Normal Normal Padrão respiratório Cheyne- Stokes Hiperventilação, Biot Kussmaul CONDUTA INICIAL Como em toda emergência, a conduta inicial no paciente em coma deve obedecer ao ABCDE: manutenção das vias aéreas pérvias; ventilação adequada; circulação adequada e monitorização, desfibrilação e coleta de exames. Deve-se buscar a causa do coma, as qual pode ser focal (supra e infratentoriais) e difusas (tóxicas, metabólicas e infecciosas). Sendo as causas difusas as mais comuns, a coleta de exames e a aferição da glicemia capilar são o primeiro passo – administrar glicose e tiamina nos casos de dextro reduzido. Caso não seja encontrada uma explicação, realiza-se a busca por causas focais, com o auxílio de um exame de imagem. Via aérea Caso o Glasgow do paciente se encontre < 8, faz-se necessária a intubação orotraqueal. Geovana Sanches - TXXIV • Proteção da via aérea • Motivos o O palato mole e a base da língua podem invadir e causar obstrução, impedindo a respiração (mesmo mecanismo de SAOS, porém nesse caso o paciente não irá acordar para recuperar o tônus) o Risco de broncoaspiração • O tubo tem um cuff que não deixa conteúdo passar para a traqueia = ar passa apenas por dentro do tubo e não por fora Investigação etiológica • ABCD primário e secundário o Sinais vitais • Considerar tiamina e glicose • Sinais focais o Sim ou não = exames § Hemograma, eletrólitos, TGO e TGP, ureia e creatinina, urina I, hemocultura, gasometria o Se sim = pensar em causa supra ou infratentorial à TC de crânio o Se não= TC apenas após resultado do exame laboratorial • Testes adicionais o RM de crânio: busca encefalite de tronco o LCR: busca HSA que não apareceu nos exames o EEG DELIRIUM Sinonímias • Estado confusional agudo • Alteração do conteúdo da consciência • Encefalopatia tóxico-metabólica • Síndrome mental orgânica Fisiopatologia • Desequilíbrio entre neurotransmissores o Diminuição de acetilcolina o Aumento da dopamina Causas • Infecciosas • Tóxicas • Medicamentosas • Cirurgias de grande porte o Delirium ocorre em ao menos 50% dos idosos • Metabólicas Fatores de risco • Idade avançada (principal) • História prévia de delirium • Demência • Escolaridade baixa • Uso de psicotrópicos • Doenças crônicas (especialmente neurológicas) • Etilismo Prevalência • 1/3 dos pacientes > 70 anos • 50% dos casos na admissão • 15 a 25% após cirurgia de grande porte • 50% após artroplastia de quadril e cirurgias cardíacas • Idosos no PS: 10 a 15% Características • Início agudo • Déficit de atenção o O principal comprometimento clínico é a desatenção • Mais comum no fim da tarde e início da noite (sintomas vespertinos) • Pensamento desorganizado (confusão mental) • Flutuação de sintomas • Inversão sono-vigília • Agitação x hipoatividade o delirium hipoativo é mais comum Critérios diagnósticos (CAM ICU) Obrigatórios 1. Início agudo 2. Desatenção Complementares 3. Pensamento desorganizado 4. Alteração do nível de consciência Diagnóstico • 1 + 2 + 3 OU • 1 + 2 + 4 Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial do delirium é a demência, porém esta tem início insidioso, enquanto o delirium é um quadro agudo. Início Atenção Cognição Memória Psicose Delirium Agudo Ruim Ruim Ruim Comum Demência Insidioso Normal Ruim Ruim Tardia Depressão Insidioso Ruim Ruim Ruim Raro Esquizofrenia Insidioso Ruim Normal Normal Comum Conduta • Investigar causa de base Geovana Sanches - TXXIV o Em idosos, improvável que a causa seja neurológica § Exames laboratoriais § Urina § Raio-X de tórax o Delirium em não idoso § suspeitar de causa orgânica § encefalite herpética § imediatamente administrar aciclovir • Correção da causa de base • Medidas não farmacológicas • Haloperidol IM o Nos casos de delirium hiperativo • Benzodiazepínico o Utilizado nos casos de contra- indicação do haloperidol § Parkinson § Abstinência alcoólica § Síndrome neuroléptica o Caso utilizemos benzodiazepínicos em pacientes que podem usar o haloperidol,trata-se de um erro, pois isso pode piorar o delirium ENCEFALOPATIA DE WERNICKE • Hipoglicemia + falta de tiamina Perfil do paciente • Etilista crônico • Desnutrição • Cirurgia bariátrica Quadro clínico • Agudo • Tríade clássica o Ataxia o Oftalmoparesia o Confusão mental (delirium) • Nistagmo pode estar presente • Caso não seja tratado à coma o Necrose dos tálamos e dos corpos mamilares à óbito Tratamento • Reposição de tiamina (vitamina B3) • Caso seja administrada glicose sem tiamina, altas chances de óbito HIPERTENSÃO INTRACRANIANA O crânio é um estojo ósseo fechado, cuja abertura principal é forame magno, por meio do qual o encéfalo se conecta com a medula cervical e por onde trafegam as vias que comunicam o sistema nervoso central e periférico. Sendo um espaço fechado, não há muito espaço para acomodar lesões expansivas. Os componentes do espaço intracraniano são mantidos sob pressão de 5 a 20 mmH2O ou 5 a 15 mmHg, a qual é conhecida como pressão intracraniana (PIC). O controle da pressão arterial sistêmica depende da pressão necessária para que o sangue vença a resistência da pressão intracraniana e seja capaz de perfundir adequadamente o parênquima encefálico. Essa é chamada de pressão de perfusão cerebral (PPC). Assim, há três valores de pressão atuando sobre o parênquima encefálico: PCC, PIC e pressão arterial média (PAM). A pressão de perfusão cerebral deve ser superior a 60 mmHg para que o parênquima receba a quantidade adequada de sangue sem a ocorrência de isquemia. Dessa forma, se a PIC se eleva, a PAM precisa elevar-se também para manter os valores de PPC adequados. !"" = !$% − !'" Doutrina de Monro-Kellie De acordo com a Doutrina de Monro-Kellie, uma cabeça normal apresenta quatro componentes, os quais ocupam certo volume a uma determinada pressão. Qualquer um desses componentes pode ter seu volume aumentado em condições patológicas. • Sangue venoso o Pode acumular-se nos seios venosos e veias cerebrais quando ocorre uma trombose venosa cerebral ou extravasar em casos de hemorragias venosas • Sangue arterial o Pode extravasar para o parênquima ou espaço subaracnóideo (hemorragia arterial) • Parênquima cerebral Geovana Sanches - TXXIV o Pode ser sede de tumores, abscessos, processos inflamatórios ou edemas vasogênicos e citotóxicos • Líquido cefalorraquidiano (líquor) o Pode ter sua drenagem comprometida (hidrocefalia obstrutiva) O aumento de volume de um desses componentes pode causar aumento da PIC a partir de certo ponto de descompensação. O organismo consegue diminuir fisiologicamente a quantidade do líquor (expulso para o saco dural) e do sangue venoso (expulso para a veia jugular) como mecanismo adaptativo – cerca de 70 mL de cada um deles sem prejuízo funcional para o organismo. Assim, um aumento de volume de mais de 140 mL causa falha dos mecanismos compensatórios e leva ao aumento da PIC (hipertensão intracraniana). Nas fases iniciais da hipertensão intracraniana, portanto, graças aos mecanismos compensatórios, aumentos de volume de algum compartimento intracraniano determinam pequenos aumentos de PIC. Quando esses mecanismos são esgotados, um pequeno aumento de volume passa a causar um aumento de pressão intracraniana expressiva, o que é demonstrado a partir da curva de Langfitt. Quando a pressão continua a crescer, não é mais possível compensar. Há, então, diminuição do calibre as artérias, ocasionando isquemia do parênquima, pois o sangue arterial não consegue perfundir adequadamente o encéfalo. A isquemia leva a morte neuronal e, algumas horas depois, as células passam a ficar túrgidas pelo excesso de água e sódio. Esse fenômeno é chamado de edema citotóxico e agrava ainda mais a hipertensão intracraniana. Quando o organismo não tem mais capacidade alguma de armazenar os componentes no interior da caixa,o parênquima é expulso para outro local (herniação cerebral) e a pressão intracraniana “explode”. Quadro clínico • Rebaixamento do nível da consciência • Cefaleia • Náuseas e vômitos o A ocorrência dos vômitos em jato é rara e de difícil caracterização • Papiledema o É fundamental realizar o exame de fundo de olho em todos os pacientes com queixa de cefaleia, pois, na eventualidade da presença de papiledema, é preciso descartar a ocorrência de hipertensão intracraniana • Sinais neurológicos focais o Déficits motores o Crise epiléptica o Paralisia de nervos cranianos § Mais comum é do VI NC (abducente), cursando com estrabismo convergente Descompensação da hipertensão intracraniana Nas fases mais avançadas da hipertensão intracraniana, o paciente pode evoluir com compressão dos centros respiratórios e cardiorregulatórios, levando a tríase de Cushing. • Hipertensão arterial • Bradicardia • Alteração do ritmo respiratório Tratamento O tratamento é baseado na doutrina de Monro-Kellie. tem como base manter a pressão de perfusão cerebral adequada, através da Geovana Sanches - TXXIV manutenção da pressão arterial elevada e da redução da pressão intracraniana. A pressão arterial média deve ser suficiente para manter a pressão de perfusão cerebral pelo menos acima de 60 mmHg. Os valores máximos de sistólica e diastólica não podem superar 220 e 120 mmHg, respectivamente, pelo risco de gerar sangramento e encefalopatia hipertensiva (edema cerebral vasogênico), devido a perda da capacidade de autorregulação cerebral. Noradrenalina • Aumenta a pressão arterial média • Tenta vencer a PIC • Primeiro tratamento: tentar aumentar PAM para que a diferença entre ela e a PIC fique em 70 e não haja isquemia Sangue venoso O volume de sangue venoso pode ser reduzido com a melhora no retorno venoso. Isso é feito através da elevação da cabeceira a 30ºC, mantendo-se o pescoço em posição neutra. Líquor A derivação ventricular externa é o método temporário mais utilizado. Coloca-se um cateter ventricular com uma extremidade no ventrículo e outra ponta conectada a um sistema coletor na cabeceira do leito. Isso deve ser feito em ambiente de terapia intensiva, com cuidados habituais para controle de infecção. Sangue arterial Para a hipertensão arterial, podemos utilizar: • Hiperventilação o Diminui PaCO2 o Não pode ser utilizada nas primeiras 24h do trauma • Sedação e Analgesia o Reduz o consumo de oxigênio pelos tecidos • Hipotermia o Tratamento experimental o Não é indicada rotineiramente Parênquima cerebral • Redução do líquido extracelular com uso de diuréticos osmóticos (Manitol) e salina hipertônica • Cuidado com síndrome da desmielinização osmótica Outras intervenções • Manter glicemia entre 140 e 180 mg/dL • Hemoglobina: idealmente > 10 mg/dL • Plaquetas: > 75 mil MORTE ENCEFÁLICA CONCEITO A morte encefálica é um processo de lesão irreversível, incompatível com a vida, cujo diagnóstico é baseado em legislação específica e na Resolução n° 2.173/17 do Conselho Federal de Medicina (CFM). PRÉ-REQUISITOS • Causa de coma conhecida e compatível com o quadro o Reconhecida através de história clínica e de alteração no exame de imagem • Tempo de observação hospitalar o 24h se causa anóxica § Afogamentos § Pós-reanimação cardio- pulmonar o 6h nos demais • Sem sedação o Em pacientes usando fármacos depressores do sistema nervoso central, deve-se aguardar o intervalo mínimo de 4 a 5 meias- vidas após a interrupção de sua infusão para o início do protocolo • Temperatura > 35ºC • SaO2 > 94% EXAMES CLÍNICOS Devem ser realizados 2 exames clínicos, por dois médicos habilitados diferentes, sem nenhum vínculo com equipes de transplante, a um intervalo mínimo de uma hora se o paciente for maior de 2 anos de idade. O exame neurológico deve pesquisar a pontuação na Escala de Coma de Glasgow (que GeovanaSanches - TXXIV deverá ser de 3 pontos) e confirmar a ausência de reflexos de tronco nos níveis mesencefálico, pontino e bulbar (coma arreativo e aperceptivo). Vale lembrar que os reflexos medulares podem estar presentes nos pacientes com morte encefálica, pois não há morte medular. Pode ocorrer, inclusive, sua exaltação. • Mesencéfalo o Reflexo fotomotor § Nervo óptico e oculomotor • Ponte o Reflexo córneo palpebral § Nervo V e VII o Reflexo oculocefálico § Nervo VI e VIII o Reflexo oculovestibular § Nervo VI e VIII • Bulbo o Reflexo da tosse § Nervo IX e X TESTE DA APNEIA Além do exame clínico, faz-se necessário realizar o teste da apneia uma única vez. Esse teste de baseia no princípio de que a elevação do gás carbônico em pacientes em apneia seja capaz de estimular o centro respiratório no bulbo e deflagar movimento respiratório no sentido de expelir a quantidade excessiva desse gás. EXAMES COMPLEMENTARES • Eletroencefalograma (EEG) o Ausência de atividade elétrica cerebral • Doppler transcraniano ou arteriografia cerebral o Ausência de fluxo sanguíneo cerebral o É o mais utilizado (portátil) • SPECT o Ausência de metabolismo cerebral FINALIZAÇÃO O protocolo não obrigatoriamente deve seguir essa ordem, mas todos os passos são necessários para instituir a morte encefálica. O horário do óbito diz respeito ao momento de finalização do protocolo.
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