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Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. 55 Aprendizagem motora Aprendizagem motora: tendências, perspectivas e aplicações Go TANI* Andréa Michele FREUDENHEIM* Cássio de Miranda MEIRA JÚNIOR* Umberto Cesar CORRÊA* * Escola de Educação Física e Esporte da USP Considerações iniciais A história da Aprendizagem Motora no nosso meio é ainda muito recente e não seria exagero afirmar que a Escola de Educação Física e Es- porte da Universidade de São Paulo foi uma das primeiras a criar um laboratório específico (La- boratório de Comportamento Motor - LACOM) para realizar pesquisas nesse campo de investiga- ção. Isso ocorreu em 1988. Atualmente, a Edu- cação Física brasileira já conta com uma rede mais ampliada de laboratórios, de forma que a Apren- dizagem Motora tem uma forte presença, com uma produção científica significativa, nos even- tos e periódicos de reputação na área de Educa- ção Física e Esporte. Mais ainda, a sua produção começa a ser disseminada de forma visível nos mais importantes periódicos internacionais. O objetivo deste texto é basicamente relatar a contribuição que o LACOM tem dado para o desenvolvimento da Aprendizagem Motora como um campo de investigação, assim como para a aplicação dos conhecimentos produzidos nos di- ferentes domínios da intervenção profissional em Educação Física e Esporte. Para alcançar esse objetivo, será feito inicialmente um retrospecto sucinto da evolução das pesquisas no cenário, tanto nacional como internacional, para mostrar o estado da arte. Em seguida, serão discutidas as perspectivas e tendências de pesquisa, de nature- za teórica e metodológica, dentre as quais as atuais preocupações que orientam as pesquisas do la- boratório serão também abordadas. Finalmente, será apresentado aquilo que se visualiza como contribuição original do LACOM, desenvolvi- do em duas frentes de trabalho: as linhas de pes- quisa e seus desdobramentos, e os esforços para aplicação dos conhecimentos produzidos nesse campo de investigação na intervenção profissio- nal em Educação Física e Esporte. Um retrospecto sucinto A Aprendizagem Motora é um campo de investigação com mais de cem anos de tradição. Há um reconhecimento de que os estudos pioneiros foram de BRYAN e HARTER (1897) e WOODWORTH (1899), respectivamente, sobre a aquisição de habilidades de recepção e envio do código Morse e a relação entre velocidade e precisão em movimentos manuais. Atualmente, pode-se dizer que a Aprendizagem Motora é um campo consolidado, como pode ser verificado pela sua presença recorrente nas estruturas curriculares de graduação e pós-graduação, pela existência e disseminação de laboratórios na maioria das faculdades de Educação Física e Esporte das universidades de todo o mundo e pela publicação de um volume notável de trabalhos em periódicos científicos de reputação. Os estudos sobre a aquisição de habilidades motoras - preocupação central da Aprendizagem Motora - têm mostrado fases peculiares ao longo da história. No início da década de 1970, duas teorias de controle e aprendizagem rivalizaram-se (a teoria de circuito aberto e a teoria de circuito fechado), o que ficou conhecido como “debate centralista-periferalista”, cujo foco principal estava na diferença acerca do papel do “feedback” no controle de movimentos. De forma resumida, para a teoria do circuito fechado (teoria periferalista - ADAMS, 1971), a informação sensorial durante a execução do movimento é crucial, uma 56 Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. TANI, G. et al. vez que ela é comparada com uma referência de avaliação armazenada na memória, e caso haja discrepância, essa informação é levada em conta na correção do movimento subseqüente. Em contrapartida, na teoria centralista de circuito aberto (KEELE, 1968), o “feedback” não desempenha papel importante, uma vez que o movimento é controlado por um programa motor, o qual age em nível central e, uma vez acionado, especifica a seqüência e o “timing” do movimento, sem necessidade de informação sensorial. Essa controvérsia foi resolvida pela aceitação de que cada teoria explicava uma determinada categoria de movimentos (ABERNETHY & SPARROW, 1992; BEEK & MEIJER, 1988; MEIJER & ROTH, 1988). Hoje é consenso a compreensão de que há fatores tanto centrais como periféricos no controle de movimentos, interferindo em maior ou menor grau dependendo do tipo de movimento - lento ou balístico. Ao final, as duas teorias foram de certa forma acomodadas na teoria de esquema motor (SCHMIDT, 1975), o que se constituiu um claro exemplo de integração entre duas correntes teóricas rivais (TANI, 1995). Embate mais profundo foi estabelecido a partir do início da década de 1980, na chamada “controvérsia abordagem motora versus abordagem da ação” (MEIJER & ROTH, 1988). Essa última surgiu como rival da primeira, hegemônica até então, o que estabeleceu uma divergência não apenas nas possíveis explicações sobre os mecanismos de controle e aprendizagem (como no debate centralista- periferalista), mas também na fundamentação teórica em que se alicerçava as duas abordagens. O QUADRO 1 destaca as principais diferenças entre elas. Para descrever o “establishment” da área nesse período, é interessante considerar a quantidade de artigos publicados, por exemplo, no Journal of Motor Behavior, um dos mais importantes periódicos da área (incluindo-se artigos sobre controle, aprendizagem e desenvolvimento motor). No início da década de 1980, de cada quatro artigos, três tinham como pano de fundo a abordagem motora e um a emergente abordagem da ação. No final dos anos de 1980, metade das publicações era em uma abordagem e a outra metade, na outra (ABERNETHY & SPARROW, 1992). No início da década de 90 do século passado, o número de publicações na abordagem da ação já suplantava os da abordagem motora (até 1995, com uma proporção de 2:1; de 1996 a 1999, com uma proporção de 3:1; de 2000 a 2003, novamente de 2:1). Em suma, de 1989 a 2003, de cada três artigos publicados, dois eram baseados na abordagem da ação. Atualmente, a proporção continua em 2:1, com leve tendência a um aumento nas publicações na abordagem motora, sugerindo um novo equilíbrio. Além disso, pode-se perceber que em outros periódicos que contêm seções de comportamento motor, a quantidade de artigos na abordagem motora é similar ao número de artigos publicados na abordagem da ação (Human Movement Science, Journal of Sports Sciences) ou até maior (Journal of Human Movement Studies, Perceptual and Motor Skills, Research Quarterly for Exercise and Sport). Temas de conflito Abordagem Motora Abordagem da Ação Teorias-base Processamento de informações Modelos computacionais Modelos cognitivos e representacionais Sistemas dinâmicos Abordagem ecológica Termodinâmica Idéias de Bernstein Origens filosóficas Metáfora homem-máquina Separação entre organismo e ambiente Realismo ecológico Sinergia entre organismo e ambiente Controle de movimento Hierárquico de cima para baixo Heterárquico de baixo para cima Estrutura de controle Programas motores Estruturas coordenativas Representação central Presente Ausente Papel do músculo Subserviente aos comandos centrais Determinado pela dinâmica e forma do movimento Relação com a percepção Percepção precede a ação Acoplamento percepção e ação Explicação sobre a aprendizagem Aumento de estratégias de processamento de informação Aumento da sintonia entre aspectos invariantes e controle em condições de variabilidade Papel da memória sobre a aprendizagem Fundamental Mínimo Principais diferenças entre a abordagem motora e a abordagem da ação (Adaptado de ABERNETHY & SPARROW, 1992). QUADRO 1 - Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. 57 Aprendizagem motora Apesar desse quadro geral mostrar o aumento substancial de pesquisas na abordagem da ação quando considerada toda a área de Comportamen- to Motor, é possível afirmar que, especificamente em relação a AprendizagemMotora, a abordagem motora foi e tem sido o “carro-chefe” nos estudos. Dois tipos de pesquisa são desenvolvidos nessa abor- dagem: a) investigação dos mecanismos e processos subjacentes à aquisição de habilidades motoras e b) investigação dos fatores que afetam essa aquisição. Historicamente, maior ou menor ênfase foi e tem sido dada a um desses dois tipos de pesquisa, de- pendendo das condições operacionais e metodológicas viabilizadas pelo avanço teórico e tecnológico de cada momento. Dos trabalhos pioneiros até a década de 1970, predominaram os estudos sobre os fatores que afetam o processo de aprendizagem motora em tarefas específicas, com ênfase no produto ou na tarefa. Isso porque, nesse período, as pesquisas foram fortemente influenciadas pelas correntes teóricas da Psicologia (behaviorismo e cognitivismo) que eram limitadas para explicar mecanismos internos responsáveis pelo Tendências e perspectivas de pesquisa Conforme ficou evidenciado no tópico anterior, a “controvérsia” criada entre as abordagens motora e da ação ainda não foi devidamente solucionada e não tem sido fácil prever os próximos desdobramen- tos. Para alguns, após a fase inicial do embate teóri- co em que as diferenças foram fortemente apontadas e enfocadas, há um movimento em direção a recon- ciliação (COLLEY, 1989; COLLEY & BEECH, 1988; SUMMERS, 1989, 1992), apoiado fundamentalmen- te em dois aspectos: na visão de que as duas aborda- gens não são mutuamente exclusivas, mas complementares (PAILLARD, 1986), e na proposição de que a ênfase a uma das duas depende fundamen- talmente do nível de organização em que a observa- ção é feita (VAN WIERINGEN, 1988). No entanto, para outros, essa reconciliação não é tão simples assim em virtude das profundas diferenças conceituais e filosóficas que existem na base dessas abordagens (ABERNETHY & SPARROW, 1992). De qualquer for- ma, se não uma reconciliação, uma possível aproxi- mação poderia ser esperada caso algumas posições radicais fossem abandonadas, como por exemplo a negação de qualquer forma de representação por movimento. Alguns dos fatores estudados nesse período foram a prática das partes e do todo, a prática massificada e distribuída, a prática física e mental, o conhecimento de resultados, a motivação, entre outros (TANI, 1992). Somente a partir da década de 70 do século passado, com o início da abordagem motora alicerçada na teoria de processamento de informações, houve uma escalada de pesquisas sobre mecanismos e processos subjacentes à aquisição de habilidades motoras, destacando-se estudos de operações mentais que precedem o movimento, como a seleção da resposta, a programação do movimento, a avaliação de erros pelo sistema sensorial, entre outros (MANOEL, 1995; TANI, 2000). Ocorreu, na realidade, uma mudança de enfoque do estudo das variáveis que afetam a aprendizagem para a investigação dos mecanismos e processos subjacentes à aquisição de habilidades motoras (PEW, 1970). Entretanto, essa transição no foco dos estudos provocou uma certa estagnação das pesquisas em Aprendizagem Motora, pois o fenômeno de controle motor tornou-se o centro das atenções, concentrando interesses e esforços da maioria dos pesquisadores durante longo período. parte da abordagem da ação (SCHMIDT, 1988). Na realidade, essa tendência tem se fortalecido mais recentemente (LATASH, 1993; SUMMERS, 1992; VAN INGEN SCHENAU, VAN SOEST, GABREELS & HORSTINK, 1995), com a aceitação da existência de alguma for- ma de representação por parte dos defensores da abordagem da ação (BEEK, PEPER & STEGEMAN, 1995; MICHAELS & BEEK, 1995; SCHÖNEr, 1996). Apesar dessa situação ainda indefinida no que se refere aos futuros desdobramentos da contro- vérsia, existe uma constatação de que a aborda- gem da ação tem tido mais sucesso nos campos de Controle Motor e Desenvolvimento Motor, especialmente em tarefas motoras cíclicas e mo- vimentos filogeneticamente determinados (veja KELSO, 1995 e THELEN & SMITH, 1994, como exemplo de obras que sintetizam achados nesses dois campos de investigação). Em Aprendizagem Motora, no entanto, há um reconhecimento de que pouco se avançou (BARELA & BARELA, 2001; MICHAELS & BEEK, 1995) além dos estudos pio- neiros desenvolvidos por ZANONE e KELSO (1992a, 1992b). 58 Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. TANI, G. et al. Por outro lado, na abordagem motora, estudos sobre o processo de aquisição de habilidades motoras foram retomados com muito vigor a partir do final da década de 1980, especialmente no que se refere a fatores que afetam esse processo. Isso ocorreu, fun- damentalmente, em razão de uma mudança de pos- tura dos pesquisadores, daquela que via os estudos em Aprendizagem Motora dependentes do avanço nos estudos em Controle Motor, para uma outra que via esse campo de investigação possuidor de temas e problemas de pesquisa genuinamente in- trínsecos, que poderiam ser atacados utilizando-se dos conhecimentos produzidos em Controle Mo- tor, mas sem deles depender (PÚBLIO & TANI, 1993). Dentre esses fatores, alguns têm merecido atenção especial, como será visto a seguir. Aprendizagem por observação Pode-se dizer que um dos aspectos mais intri- gantes da aprendizagem humana refere-se àquele de aprender mediante observação. Esse processo, tam- bém conhecido como modelação, imitação e apren- dizagem observacional, tem sido foco de muitas investigações em Aprendizagem Motora nos últi- mos anos. Conforme GOULD e ROBERTS (1982), a aprendizagem por observação diz respeito ao pro- cesso geral pelo qual um observador reproduz as ações exibidas por um modelo. As investigações a esse respeito têm sido realizadas principalmente com base na teoria de aprendizagem social de BANDURA (1977). De um modo resumido, pode-se dizer que essa teoria propõe que a observação de um modelo permite que o aprendiz elabore refe- rências, símbolos ou representações na memória acer- ca da habilidade motora a ser aprendida. Essa elaboração ou formulação de referências envolve dois subprocessos relacionados à aquisição da resposta - atenção e retenção - e dois subprocessos relacionados à reprodução da resposta - reprodução e motivação. Mais recentemente, as investigações acerca da apren- dizagem por observação também têm sido realizadas com base em uma outra abordagem denominada de ecológica (AL-ABOOD, DAVIDS & BENNETT, 2001; FOWLER & TURVEY, 1978; HODGES & FRANKS, 2002; HORN, WILLIAMS & SCOTT, 2002; SCULLY & NEWELL, 1985). De modo sintético, pode-se dizer que as expli- cações para o citado fenômeno referem-se à observa- ção de um modelo possibilitar ao aprendiz a aquisição de informações acerca de aspectos invariantes da ha- bilidade observada como, por exemplo, as caracterís- ticas topológicas do movimento. No que se refere a tendências recentes, pode-se dizer que as investigações sobre modelação têm fo- calizado vários aspectos, tais como as características do modelo (“status” nível de habilidade e/ou está- gio de aprendizagem), a distribuição temporal da demonstração (freqüência relativa e absoluta, antes e/ou durante a prática) e a relação com outros tipos de informação (instrução verbal e automodelação), cujos achados são sintetizados a seguir. Com relação às características do modelo, os resul- tados de LEE e WHITE (1990) e MCCULLAGH e CAIRD (1990) mostram que a observação de modelos não habilidosos possibilita aprendizagem semelhante ou até superior em comparação à observação de modelos habilidosos. Por outro lado, também existem estudos que mostraram que a observação de modelos habili- dosos e famosos como, por exemplo, atletas de reco- nhecimento mundial (elevado “status”), conduzem a uma aprendizagem melhor comparativamente a ob- servação de modelos sem “status” elevado e do que a automodelação (BOSCHKER & BAKKER, 2002; ZETOU, FRAGOULI & TZETZIS, 1999). Em relação à apresentação do modelo, tem-se verificado que a apresentação controlada pelo pró- prio aprendiz possibilita aprendizagem superior do que aquela controlada pelo experimentador (WRISBERG & PEIN,2002; WULF, RAUPACH & PFEIFFER, 2003). Com respeito à freqüência de apre- sentação, estudos mostram que a freqüência abso- luta de apresentação do modelo é mais eficiente para a aprendizagem do que a freqüência relativa (FREHLICH, 2002) e que freqüências relativas maio- res são mais eficazes (SIDAWAY & HAND, 1993). Ve- rifica-se, também, que a observação do modelo antes do início da prática e em suas primeiras tentativas é mais eficaz do que somente no início ou durante as primeiras tentativas (WEEKS & ANDERSON, 2000). Finalmente, em relação à utilização de demons- tração e de instrução verbal, a associação desses dois aspectos tem sido mais efetiva para a aprendizagem do que ambos os aspectos isoladamente (ADAMS, 2001; MCCULLAGH, WEISS & ROSS, 1989; PÚBLIO, TANI & MANOEL, 1995). Conhecimento de resultados e feedback Um outro fator muito focalizado nas pesquisas em Aprendizagem Motora diz respeito ao “feedback” relativo à informação acerca do resultado da ação no meio ambiente, obtido de fontes externas. Esse “feedback” é denominado de conhecimento de re- sultados (CR) (MAGILL, 1994; SWINNEN, 1996). As Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. 59 Aprendizagem motora investigações sobre os efeitos do CR na aquisição de habilidades motoras têm sido realizadas em rela- ção a vários aspectos como, por exemplo, grau de precisão, interpolação de atividades, faixa de am- plitude ou tolerância de erro, quantidade de CR em diferentes estágios de aprendizagem, complexi- dade da tarefa e, mais intensamente, freqüência (BLISCHKE, MARSCHALL, MÜLLER & DAUGS, 1999; CHIVIACOWSKY, 2000; LUSTOSA DE OLIVEIRA, 2002; MAGILL, 1994; SWINNEN, 1996; WULF, HÖRGER & SHEA, 1999; WULF, LEE & SCHMIDT, 1989; WULF, SHEA & MATSCHNER, 1998). Em relação à freqüência de CR, tem-se verifi- cado que freqüências menores são mais eficazes para a aprendizagem do que freqüências altas (CHIVIACOWSKY & TANI, 1993, 1997; LUSTOSA DE OLIVEIRA, 2002). Resultados como esses têm sido explicados no sentido de as menores freqüências possibilitarem ao aprendiz a utilização do “feedback” intrínseco que, por sua vez, possibili- ta o desenvolvimento da capacidade de detecção e correção de erros. Isso reflete em uma menor dependência em relação ao CR (SALMONI, SCHMIDT & WALTER, 1984). Um aspecto a se destacar é que os estudos sobre CR têm recebido críticas pela utilização de tarefas de aprendizagem relativamente simples e pelo fato da informação fornecida sobre o resultado no meio ambiente ser redundante (KILDUSKI & RICE, 2003; SCHMIDT & YOUNG, 1991). Isso tem gerado pes- quisas sobre um outro tipo de CR, ou seja, infor- mação sobre o padrão de movimento (BRISSON & ALAIN, 1996, 1997; MAGILL & SCHOENFELDER- ZOHDI, 1996; SCHMIDT & YOUNG, 1991; TZERZIS, KIOUMOURTZOGLOU, LAIOS & STERGIOU, 1999; ZUBIAUR, OÑA & DELGADO, 1999; WULF, GARTNER, MCCONNEL & SCHWARTZ, 2002). Estrutura e organização da prática A prática, ou melhor, a organização da prática na aquisição de habilidades motoras é também um outro fator intensamente investigado em Aprendizagem Motora. As pesquisas acerca desse fator têm sido reali- zadas em relação à variabilidade de prática e em rela- ção à característica/natureza da tarefa de aprendizagem. No que concerne à organização da prática quanto a sua variabilidade, as pesquisas têm sido conduzidas com base na teoria de esquema (SCHMIDT, 1975) e no princípio de interferência contextual (BATTIG, 1979). Em ambas, a prática variada-aleatória tem sido proposta como a mais eficaz na aquisição de habilidades motoras. Deve- se ressaltar que as pesquisas fundamentadas na teoria de esquema têm se preocupado em verifi- car os efeitos das práticas variada-aleatória e cons- tante e as pesquisas conduzidas a partir do princípio de interferência contextual têm focali- zado os efeitos das práticas variada-aleatória, por blocos, seriada e de suas combinações. Os resultados dessas pesquisas não têm sido con- clusivos, porém as pesquisas baseadas na teoria de esquema que mostraram superioridade da prática variada-aleatória em relação à prática constante têm explicado tais resultados com base na experiência variada - resultante da prática aleatória - possibili- tar o fortalecimento de um esquema. No caso das pesquisas fundamentadas no princípio de interfe- rência contextual que mostraram superioridade da prática variada-aleatória em relação às práticas por blocos e seriada, as explicações referem-se à prática variada-aleatória possibilitar distinção e elaboração melhores na memória de traços e/ou planos de ação relativos às tarefas praticadas (BATTIG, 1979; SHEA & ZIMNY, 1983), bem como ao fortalecimento do plano de ação em virtude de sua constante recons- trução, fazendo com que ele fique resistente ao es- quecimento (LEE & MAGILL, 1983, 1985). Os estudos sobre os efeitos da interferência contextual têm se diversificado em várias frentes. Uma delas refere-se a sua combinação com a teoria de es- quema que, segundo CORRÊA (2001), é um reflexo da falta de explicações para os demais resultados. Nessa tendência, as preocupações referem-se a qual tipo de prática possibilita a aprendizagem de construtos pro- postos na teoria de esquema (programa motor gene- ralizado e parâmetros), e os resultados têm apontado para a prática constante-aleatória (LAI & SHEA, 1998; LAI, SHEA, WULF & WRIGHT, 2000). Uma outra refe- re-se a testagem dos efeitos introduzindo-se uma no- vidade metodológica, ou seja, a de estender o número de tentativas nos testes de transferência para verificar se o chamado “paradoxo” (inversão do desempenho na aquisição e transferência) persiste (MEIRA JÚNIOR & TANI, 2001, no prelo). No tocante à organização da prática relacionada à natureza da tarefa, as investigações têm manipulado especialmente as práticas do todo, das partes e suas combinações (DAVIS, BULL, ROSCOE & ROSCOE, 1991). Nessas investigações, as hipóteses testadas referem-se à organização e à complexidade da tarefa, de NAYLOr e BRIGGS (1963), quais sejam: tarefas com baixo nível de complexidade e alto nível de organização seriam mais bem aprendidas com a 60 Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. TANI, G. et al. prática do todo; tarefas com alto nível de complexidade e baixo nível de organização seriam mais bem aprendidas com a prática das partes e tarefas com níveis intermediários de organização e complexidade seriam mais bem aprendidas com a combinação dos tipos de prática. Quanto aos resultados, pode-se dizer que essas hipóteses têm sido confirmadas em vários estudos (BECA, 1989; HIDD, 1991; MESQUITA, 1981; PÚBLIO & TANI, 1993; REMORINO, 1989; SMITH, 1999). Embora essas pesquisas tenham o mérito de utilizarem tarefas motoras do mundo real, possuem também uma limitação quanto à utilização predomi- nante de tarefas classificadas como fechadas e discre- tas. Mais recentemente, isso tem provocado o surgimento de uma outra tendência de estudos: in- vestigar os efeitos do método tático (construtivista; cognitivista; pelo entendimento; situacional- cognitivo), além dos tipos de prática já citados na aqui- sição de habilidades motoras esportivas caracterizadas por um alto grau de incerteza em suas execuções (CORRÊA, SABINO DA SILVA & PAROLI, 2002; FRENCH, WERNER, RINK, TAYLOR & HUSSEY, 1996; FRENCH, WERNER, TAYLOR, HUSSEY & JONES, 1996; GRAÇA & OLIVEIRA, 1994; HASTIE, 1998; RINK, FRENCH & TJEERDSMA, 1996; THORPE, 1990). Nesse caso, a ênfa- se está na aquisição de habilidades por meio de resolu- ção de problemas. Os resultados dessas pesquisas têm apontado para a superioridade da prática do todo e tático em comparação à prática das partes. Estabelecimento de metas Finalmente, pode-se destacar um outro fator que tem recebido a atenção de pesquisadores no campo da Aprendizagem Motora: o estabelecimento de metas (CORRÊA, SOUZA JUNIOR & PERROTI JUNIOR, 2002; FREUDENHEIM & TANI, 1998; SCHMIDT & WRISBERG, 2001; UGRINOWITSCH & DANTAS, 2002). O estabele- cimento de metas tem sido concebido de diversas for- mas: uma estratégiamotivacional positiva designada para melhorar a performance (BURTON, 1992); o ato de fornecer um padrão específico que serve para mo- tivar os indivíduos a dirigir a ação (BURTON, 1993; LOCKE & LATHAM, 1985); um meio de desenvolver motivação e direcionar apropriadamente a atenção (MOONEY & MUTRIE, 2000) e uma simples identifi- cação do que se deve fazer ou acompanhar, que é basi- camente o objetivo da ação ou de uma série de ações (HARRIS & HARRIS, 1984). As investigações a esse respeito têm sua origem na Psicologia Organizacional e Industrial, e a partir da década de 1980 passaram a ser realizadas por pesquisadores da Psicologia do Esporte. Várias têm sido as hipóteses formuladas, dentre as quais po- dem-se destacar as seguintes: a) as metas específicas podem regular a ação mais precisamente do que metas gerais; b) a utilização de metas de curto prazo associadas às de longo prazo podem levar a performance melhor do que somente a utilização de metas de longo prazo; c) para ser eficiente deve- se estabelecer metas realísticas e desafiadoras; d) o estabelecimento de metas de performance pode ser melhor do que o estabelecimento de metas de re- sultados; e) o estabelecimento de metas individuais pode ser mais efetivo do que o de metas de grupo (BUMP, 1989; BURTON, 1992, 1993; HARRIS & HARRIS, 1984; LOCKE & LATHAM, 1985). Essas hi- póteses têm culminado em pesquisas sobre os efei- tos do estabelecimento de metas no que se refere a generalidade/especificidade, nível de dificuldade (metas fáceis e difíceis), temporalidade (metas de curto e longo prazos) e designação (estabelecido pelo professor ou pelo aprendiz). Embora ainda poucas pesquisas tenham sido reali- zadas, é possível destacar dois aspectos: o primeiro re- fere-se a boa parte das investigações conterem problemas metodológicos relacionados, notadamente, ao delineamento experimental, por não envolver tes- tes de retenção e/ou de transferência; o outro está rela- cionado aos resultados, os quais têm mostrado que estabelecer metas é mais eficiente do que não estabele- cer e que metas específicas são mais eficazes do que metas genéricas no processo de aquisição de habilida- des motoras (BOYCE, 1990, 1992a, 1992b; CORRÊA, SOUZA JUNIOR & PERROTI JUNIOR, 2002; FREUDENHEIM & TANI, 1998; UGRINOWITSCH & DANTAS, 2002). A par dessas evoluções nas pesquisas específicas sobre os fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras, algumas discussões mais genéricas têm sido desenvolvidas notadamente no domínio metodológico, mostrando as preocupações de pesquisa hoje predominantes. Sem a intenção de esgotar o assunto, os seguintes tópicos podem ser apontados como os protagonistas desse cenário: a) a adoção cada vez maior de uma abordagem integrada multidisciplinar no estudo da aprendizagem motora, envolvendo sobretudo a Biomecânica, a Neurofisiologia e o Comportamento Motor; b) o respeito à especificidade da tarefa como um fator preponderante no poder explanatório das diferentes abordagens; c) a utilização de tarefas motoras crescentemente complexas valorizando a sua validade ecológica; d) a reflexão sobre precisão de medida, levando-se em consideração a Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. 61 Aprendizagem motora variabilidade inerente ao sistema motor; e) a avaliação do processo de aprendizagem tanto mediante a utilização de medidas de desempenho diversificadas com a consideração do princípio da complementariedade entre elas, como também pela utilização de critérios qualitativos de desempenho. Linhas de pesquisa do LACOM Programa de ação hierarquicamente organizado Duas características marcantes de ações habili- dosas são a consistência e variabilidade. A consis- tência é necessária para se alcançar resultados com confiabilidade, e a variabilidade é fundamental para responder adequadamente às condições ambientais em constante mudança. Portanto, a estrutura res- ponsável por ações habilidosas deve contemplar es- sas duas características que, apesar de fundamentais, são aparentemente contraditórias. Uma estrutura largamente investigada foi o programa motor, mas ficou claro que a sua conceituação inicial, a qual enfatizava a execu- ção de movimentos na ausência de “feedback” e implicava a existência de programas separados para diferentes movimentos, é muito restrita para responder adequadamente aos problemas básicos de controle motor, respeitando essas característi- cas. Em razão dessas limitações, uma outra ten- tativa para solucionar esses problemas tem sido a idéia de programa motor generalizado proposta no contexto da teoria de esquema (SCHMIDT, 1975). Basicamente, o programa motor genera- lizado é uma representação abstrata de uma clas- se de movimentos que requer um padrão comum de movimento. As variações dentro da classe de movimentos são produzidas pela aplicação de certos parâmetros ao programa motor generali- zado, antes da sua execução. Esses parâmetros são fornecidos por uma estrutura de memória cha- mada memória de lembrança, que é uma regra desenvolvida pelas experiências passadas na apli- cação dos programas (veja SHAPIRO & SCHMIDT, 1982, para mais detalhes). De acordo com a visão de programa motor ge- neralizado, a consistência do movimento é pos- sível por causa de alguns aspectos invariantes que são representados no programa. O “timing” rela- tivo, o seqüenciamento e a força relativa têm sido identificados como aspectos que permanecem invariantes ao longo das tentativas. Por outro lado, o tempo de movimento, a força total e a seleção de músculos têm sido propostos como parâmetros que são adicionados ao programa motor generalizado para atender às demandas específicas da tarefa, dando uma configuração única a cada padrão de movimento. Os parâmetros não são representados no programa e são responsáveis pela variabilidade de ações motoras (SCHMIDT, 1980, 1985). A característica generalizada do programa motor é entendida como uma solução aos problemas de armazenamento e novidade no controle motor, mas há também indicações de alguns problemas e limi- tações: existem evidências sugerindo que os aspec- tos invariantes do movimento podem variar de acordo com o tipo de tarefa a ser executada (por exemplo, unidirecional ou multidirecional), com as demandas específicas da tarefa (por exemplo, mo- vimentos rítmicos ou de apontar) e com a fase de aprendizagem (SUMMERS, 1989). Além disso, a am- bigüidade relativa à definição dos limites para iden- tificar uma classe de movimentos (SUMMERS, 1989) e a incapacidade para explicar a gênese dos progra- mas motores generalizados (BRINKER, STABLER, WHITING & VAN WIERINGEN, 1985) têm sido identificadas como potenciais limitações. Finalmen- te, assumindo que os valores dos parâmetros são adicionados “a posteriori” para completar o progra- ma selecionado, surge o problema relacionado à maneira com que os parâmetros são decididos e deixa aberta a questão sobre a necessidade ou não de um outro tipo de programa para realizar essas decisões. Naturalmente, isso provoca o problema de regressão infinita (para mais detalhes sobre pro- grama motor, veja por exemplo, TANI, 2000). Levando em consideração essas limitações e inspi- rados nas idéias de organização hierárquica em siste- mas abertos (por exemplo, BERTALANFFY, 1968; KOESTLER, 1967; PATTEE, 1973) e de sistemas adaptativos complexos (por exemplo, HOLLAND, 1995; KAUFFMAN, 1992; LEWIN, 1993; WALDROP, 1992), em que a coexistência de ordem e desordem numa mes- ma estrutura é assumida como um conceito explanatório fundamental, tem sido proposta a idéia de uma organização hierárquica para um programa 62 Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. TANI, G. et al. de ação estruturado em dois níveis: macro e micro (MANOEL & CONNOLLY, 1995, 1997; MANOEL, BASSO, CORRÊA & TANI, 2002; TANI, 1982, 1995). A macroestrutura de um programa de ação refere- se ao padrão que emerge da interação dos compo- nentes, e a microestrutura corresponde aos próprios componentes. A macroestrutura, nessa proposta, éentendida como orientada à ordem e seria respon- sável pela consistência de ações habilidosas. A microestrutura, por sua vez, seria orientada à desor- dem, dando origem à variabilidade. Isso significa que quando um programa de ação é elaborado, um nú- mero de alternativas está disponível em relação a cada componente que irá constituir a sua estrutura. Visto dessa forma, a microdesordem poderia ser entendida como um tipo de redundância do sistema, garantindo a flexibilidade do programa de ação que, por sua vez, resultaria na variabilidade presente nos padrões de movimento. Uma série de estudos tem testado essas proposições mediante a utilização de uma tarefa motora de reprodução de padrões gráficos (FREUDENHEIM, 1999, FREUDENHEIM & MANOEL, 1999; MANOEL, FREUDENHEIM, BASSO & TANI, 2001; TANI, 1995, 1998; TANI, CONNOLLY & MANOEL, submetido à publica- ção) e os resultados têm sido muito favoráveis. Processo adaptativo A aquisição de habilidades motoras é por natu- reza um processo dinâmico e complexo. Entretan- to, as teorias correntes de aprendizagem motora explicam apenas uma parte desse processo, qual seja, a estabilização da performance que se caracteriza por um processo homeostático (equilíbrio) alcançado por meio de “feedback” negativo (ADAMS, 1971; SCHMIDT, 1975). Processos baseados em “feedback” negativo, ou mecanismo de neutralização do desvio (MARUYAMA, 1963), são capazes de manter a estru- tura ou ordem, mas são incapazes de conduzir a uma nova estrutura, visto que para isso, é necessá- rio desestabilização. A automatização, entendida como a fase final do processo de aprendizagem motora pelas teorias correntes (ADAMS, 1971; FITTS, 1964, 1965; GENTILE, 1972; SCHMIDT, 1975), é um exemplo típico de estabilização. Considerar a apren- dizagem motora como um processo relacionado apenas à estabilização é vê-la como um processo finito que se encerra com a automatização. Recentes metateorias da ciência têm enfatizado que, em sistemas abertos, a formação de novas es- truturas pressupõe instabilidade ou quebra de esta- bilidade. Nessa perspectiva, a aquisição de habilidades motoras melhor se explicaria se vista como um processo cíclico e dinâmico de instabili- dade-estabilidade-instabilidade, que resulta em cres- cente complexidade. Com esse “background” teórico, CHOSHI (1978, 1981, 1982), CHOSHI e TANI (1983), TANI (1982, 1989b) e TANI, BASTOS, CAS- TRO, JESUS, SACAY e PASSOS (1992) têm proposto um modelo de não-equilíbrio em aprendizagem motora em que dois processos fundamentais são considerados: estabilização e adaptação. O primei- ro é aquele em que se busca, como a própria pala- vra indica, a estabilidade funcional que resulta na padronização espacial e temporal do movimento, isto é, na formação de uma estrutura. Movimentos inicialmente inconsistentes vão sendo gradativamente refinados até se alcançar padrões de movimento precisos e consistentes. Nesse proces- so, o elemento fundamental é o “feedback” negati- vo, ou seja, o mecanismo de redução do erro. O segundo é aquele em que se procura adapta- ção às novas situações ou tarefas motoras (pertur- bação), mediante a aplicação das habilidades já adquiridas. Nesse processo exigem-se modificações na estrutura da habilidade já adquirida e sua poste- rior reorganização num nível superior de complexi- dade. Existem perturbações para as quais a adaptação se faz pela flexibilidade inerente à estrutura adqui- rida, ou seja, pela mudança de parâmetros do mo- vimento. Entretanto, existem perturbações de tal envergadura que por mais que haja disponibilidade na estrutura, não há condições de adaptar-se. Nesse caso, requer-se uma reorganização da própria estru- tura que, quando concluída, reflete uma mudança qualitativa do sistema (TANI, 1982). Dentro dessa visão dinâmica do processo de aprendi- zagem motora, algumas questões a investigar logo se evi- denciam. Se a aprendizagem além da estabilização pressupõe instabilidade no sistema, é importante investi- gar-se os mecanismos pelos quais o mesmo se adapta e isso parece depender de duas condições básicas: quanta perturbação é introduzida e quando. Em relação à pri- meira condição, pode-se especular que se a perturbação for muito grande, o sistema pode entrar em colapso. Por outro lado, se ela for muito pequena, pode ser que não consiga se constituir num agente detonador do processo de mudança em direção a aumento de complexidade do sistema. Portanto, o que se pode conjecturar é a existência ou não de um nível ótimo de perturbação. No que se refere à segunda condição, o problema é se a estabilização constitui um pré-requisito para adaptação e, nesse caso, em que nível de redundância a estabilização deve ocorrer para favorecer a adaptação. Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. 63 Aprendizagem motora Alguns estudos têm sido realizados para testar essas proposições. UGRINOWITSCH (2003), utilizan- do uma tarefa complexa de “timing” antecipatório, mostrou que a adaptação está relacionada ao tipo de perturbação (perceptiva, motora e perceptivo- motora) e ao nível de estabilização do desempenho (pré-estabilização, estabilização e superestabilização). No nível de pré-estabilização do desempenho não é possível haver adaptação a uma perturbação, pois nenhuma estrutura está formada em razão da quan- tidade de prática ser insuficiente para a tarefa utili- zada. Com a estabilização do desempenho, é possível adaptar-se à perturbação perceptiva e motora, mas não à perceptivo-motora. Finalmente, quando se atinge a superestabilização, é possivel adaptar-se aos três tipos de perturbação. Esses resultados mostra- ram também que existe uma hierarquia na pertur- bação, sendo a perceptiva menor e a perceptivo-motora maior. As medidas de variabilidade do desempenho mostraram mais alguns dados importantes nesse estudo. Na pré-estabilização do desempenho, a va- riabilidade não diminuiu na primeira fase do expe- rimento e nem com a perturbação. Quando se alcançou a estabilização do desempenho, a variabi- lidade nas tentativas iniciais e finais da fase de esta- bilização foi a mesma, mas na fase de adaptação, a variabilidade diminuiu logo nas tentativas iniciais, indicando que ela pode ter papéis diferentes em vir- tude do nível de estabilização. O comportamento da variabilidade, quando se alcançou a superestabilização do desempenho, foi o mesmo da estabilização durante a primeira fase do experimen- to, entretanto, na fase de adaptação, a variabilidade diminuiu. De acordo com esses resultados, há indi- cadores de que a variabilidade desempenha papéis diferentes em razão do nível de estabilização do de- sempenho: na fase inicial é prejudicial à adaptação, mas após a estabilização do desempenho pode ser fonte de adaptabilidade, o que corrobora a proposi- ção de TANI (1995, 2000). Novos “insights” podem ser obtidos quando se pensa na aquisição de habilidades motoras como um processo adaptativo. Geralmente, pensa-se sobre o processo adaptativo acontecendo como resultado da ação de algu- ma força ou entidade externa, ou seja, uma perturbação que provoca, de fora para dentro, mudanças na estrutura interna do sistema. Mas por que não pensar na emergên- cia de um padrão como resultado de um processo intrín- seco, ou seja, adaptação às perturbações geradas pelo próprio sistema e tentar identificar as condições que pos- sibilitam ou facilitam esse processo? Para responder a essa questão foram realizados estudos com a utilização de uma tarefa de controle da força de preensão manual (dinamômetro digi- tal) (BENDA, CORRÊA, LUSTOSA DE OLIVEIRA & TANI, 2000) e de uma tarefa de posicionamento linear com reversão (BENDA, CORRÊA, LUSTOSA DE OLIVEIRA, UGRINOWITSCH & TANI, no prelo). Os resultados sugeriram que a variabilidade observada antes e de- pois da estabilização (desvio padrão do erro absolu- to em um determinado bloco de tentativas) são de naturezas distintas e que o aumento da variabilida- de observado após a estabilização não prejudica a adaptação à nova tarefa. Os resultados também mostraram que oalcance da estabilização é impor- tante para a adaptação e que o aumento da flutuação da variabilidade após a estabilização não caracteriza inconsistência, mas um possível indicador de redun- dância do sistema. Resultados semelhantes foram obtidos por BENDA (2001) num estudo que utili- zou uma tarefa complexa de “timing” antecipatório. Fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras O estudo dos fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras tem sido conduzido tendo como “background” teórico um modelo de equilí- brio de aprendizagem motora. Portanto, ao se abor- dar a aprendizagem motora na perspectiva do processo adaptativo, os efeitos desses fatores neces- sitam ser reestudados. Quando a aprendizagem motora é vista apenas como um processo de estabilização de performance, a aleatoriedade, a variabilidade, o ruído, a desordem, ou seja, os fatores relacionados com a entropia positi- va são elementos que necessitam ser reduzidos ou eli- minados por meio de “feedback” negativo para que a estabilização ocorra. Entretanto, quando a aprendiza- gem motora é vista como um processo além da estabi- lização, isto é, como processo adaptativo, esses fatores de desordem necessitam ser reconsiderados (MANOEL, 1993; MANOEL & CONNOLLY, 1995, 1997; TANI, 1995; TANI et al., 1992). Uma questão que tem sido investigada é se a adap- tação ocorre em razão da flexibilidade da estrutura em forma de regras abstratas ou da flexibilidade por meio da redundância do sistema. O problema de redundância pode ser abordado de duas formas: a) como fonte de complicados problemas computacionais que o SNC necessita solucionar, ou seja, o problema dos graus de liberdade (BERNSTEIN, 1967); b) como fonte de adaptabilidade, ou seja, 64 Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. TANI, G. et al. como uma reserva de capacidade que permite ao ser humano responder à perturbação (TANI, 2000). Interpretanto a redundância como fonte de adapta- bilidade (b), têm sido realizados estudos em relação a tipo de prática que favorece a sua aquisição. En- quanto as teorias correntes têm defendido que a formação de estruturas flexíveis é favorecida pela prática variada, formulou-se a hipótese de que a redundância do sistema é favorecida pela prática constante. Para testá-la, foi realizado um estudo (CORRÊA, BENDA, MEIRA JÚNIOR & TANI, 2003) com a utilização de uma tarefa de controle da força de preensão manual. Quatro grupos foram constituí- dos de acordo com o tipo de prática: prática cons- tante, prática aleatória, prática constante-aleatória e prática aleatória-constante. Os resultados mos- traram que o grupo de prática constante obteve melhor desempenho na adaptação, seguido do gru- po constante-aleatória, confirmando a hipótese estabelecida. Resultados semelhantes foram obtidos por CORRÊA (2001), num estudo que utilizou uma tarefa complexa de “timing” antecipatório. Implicações para a intervenção profissional Profissionais de diferentes áreas como técni- cos esportivos, professores de educação física, dança, artes cênicas e música, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, estão envolvidos de alguma forma com o ensino de habilidades motoras. Faz parte da atuação desses profissionais do movimento planejar, implementar e avaliar o ensino de uma varieda- de de habilidades motoras. Isso requer tomada de decisão em relação a vários aspectos como meta a ser estabelecida, estrutura de prática a ser ado- tada, tipo de instrução e de “feedback” a ser for- necido, ou seja, decisões importantes para favorecer a aprendizagem, seja de alunos, clien- tes ou pacientes. Nesse contexto, os processos de ensino e de aprendizagem de habilidades motoras complementam-se, como duas faces de uma mes- ma moeda. Para ensinar é importante saber como é que se aprende, ou seja, as decisões acerca do ensino podem ser facilitadas quando se tem co- nhecimentos sobre o processo de aquisição de ha- bilidades motoras, e isso pode resultar em aprendizagens mais efetivas e eficientes. Como foi visto, a Aprendizagem Motora com- preende o estudo dos mecanismos subjacentes ao processo de aquisição de habilidades motoras e dos fatores que o influenciam. Portanto, é importante a compreensão de que não é objetivo da Aprendiza- gem Motora produzir conhecimento sobre o ensi- no de habilidades motoras. Apesar disso, em princípio, os conhecimentos por ela produzidos, especialmente no que se refere a fatores que influenciam o processo de aquisição de habilidades motoras, podem facilitar a atuação dos profissionais do movimento (CANFIELD, 2001; CHRISTINA, 1989; MAGILL, 1990; TANI, 1992), visto que esses fatores que afetam a aprendizagem são os mesmos que normalmente os profissionais manipulam no ensino dessas habilidades. Como foi visto, pesquisas em Aprendizagem Motora têm mostrado que estabelecimento de metas, organização da prática e “feedback” são variáveis que influenciam significativamente o processo de aquisição de habilidades motoras. Estudos recentes também têm questionado a su- perioridade da prática variada sobre a prática constante (CORRÊA, 2001) e tem sido demons- trado que, ao contrário do tradicionalmente con- cebido, freqüências menores de conhecimento de resultados são mais eficazes que as maiores (CHIVIACOWSKY & TANI, 1993, 1997). Esses re- sultados apresentam indicativos e sugestões para a atuação dos profissionais, bem diferentes da- queles divulgados e sugeridos em livros-textos clássicos como, por exemplo, SCHMIDT (1991) e SCHMIDT e WRISBERG (2001). Apesar dessa clara relação entre a Aprendiza- gem Motora e o ensino de habilidades motoras, no final da década de 1980 e início da década de 1990, reflexões sobre o potencial de contribui- ção da Aprendizagem Motora para transformar a prática profissional chegaram à conclusão de que, ao contrário do esperado, os resultados de pesquisas pouco contribuíram para a identifica- ção e solução de problemas no tocante a planeja- mento e implementação de programas que envolviam o ensino de habilidades motoras (CHRISTINA, 1989; HOFFMAN, 1990; PETERSEN, SANTOS & REGHELIN, 1991; SCHMIDT, 1989; STELMACH, 1989; TANI, 1992). Diante dessa constatação, os pesquisadores viram-se desafia- dos a apontar as razões desse suposto fracasso e a propor soluções para o impasse. Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. 65 Aprendizagem motora Na realidade, esse impasse não foi exclusivo da Aprendizagem Motora, mas se estendeu por toda a Educação Física. E nesse contexto mais amplo de dis- cussões, a principal razão apontada foi a de que o movimento disciplinar da Educação Física (HENRY, 1964, 1978), incluindo a subárea de Aprendizagem Motora, havia ido longe demais no que se refere a busca do “status” acadêmico mediante pesquisas bási- cas e abandonado a investigação de questões profissionalizantes (ELLIS, 1988; TANI, 1996). No con- texto mais específico da Aprendizagem Motora, fo- ram várias as razões apontadas. Para SCHMIDT (1989), a mudança de abordagem daquela orientada à tarefa para aquela orientada ao processo (PEW, 1970) acarre- tou a realização de estudos com a utilização de tarefas mais simples e, conseqüentemente, experimentos en- volvendo pouca quantidade de prática, cujos resulta- dos tinham limitações para serem efetivamente utilizados na aprendizagem de habilidades mais com- plexas. Para CHRISTINA (1989), por sua vez, a supres- são das pesquisas aplicadas foi a principal razão para o impasse. Ainda, para TANI (1989a, 1992), a principal razão foi a adoção do paradigma mecanicista e reducionista da ciência clássica que implicou a simpli- ficação excessiva do objeto de estudo e a conseqüente perda da validade ecológica dos seus resultados. No âmbito do LACOM, o esforço para pro- mover uma maior integração entre teoria e prá- tica tem-se dado em várias frentes. Em 1992, após analisar sugestões apresentadas por diver- sos autores, TANI propôs: a) a utilização do paradigma sistêmico nas pesquisas básicas e b) a criação de um campo de investigaçãodeno- minado de Ensino-Aprendizagem de Habili- dades Motoras. Em consonância com essas proposições, as pesquisas básicas desenvolvi- das no LACOM têm adotado o paradigma sistêmico, valorizando a validade ecológica das tarefas e a complementaridade das medidas em pesquisas desenvolvidas para investigar os me- canismos subjacentes ao processo de aquisi- ção de habilidades motoras (veja, por exemplo, FREUDENHEIM & MANOEL, 1999) bem como, em pesquisas voltadas a investigar os fatores que o influenciam (veja, por exemplo, CORRÊA, BE N D A & TA N I , 2001; U G R I N OW I TC H & MANOEL, 1996, 1999). Ainda, várias pesquisas em Ensino-Aprendizagem envolvendo a participação integrada de acadêmicos e profissionais têm sido desenvolvidas (veja, por exemplo, FREUDENHEIM & TANI, 1998; PÚBLIO & TANI, 1993; PÚBLIO, TANI & MANOEL, 1995; MARINOVIC & FREUDENHEIM, 2001). Os conheci- mentos produzidos por esse campo de investigação têm um enorme potencial para provocar mudanças substanciais no ensino hoje em desenvolvimento. No entanto, vale lembrar que essas pesquisas visan- do a uma maior integração entre teoria e prática, ainda são orientadas ao aperfeiçoamento da teoria no sentido da testagem de sua validade ecológica. Portanto, a contribuição dos conhecimentos pro- duzidos em Ensino-Aprendizagem de Habilidades Motoras para a identificação e solução de proble- mas mais específicos relacionados às situações reais de ensino ainda tem algumas limitações. Essas limi- tações poderiam ser solucionadas por pesquisas apli- cadas cuja meta é utilizar os conhecimentos produzidos pela Aprendizagem Motora para desco- brir maneiras eficientes de ensinar habilidades motoras; essas pesquisas podem ser enquadradas no domínio da Pedagogia do Movimento (MAGILL, 1990; TANI, 1992, 2001). A pesquisa em Pedagogia do Movimento não tem compromisso com a elabo- ração teórica de como o indivíduo aprende, mas sim com a solução de problemas reais de ensino- aprendizagem (TANI, 1989a). Nesse sentido, fugin- do um pouco das preocupações principais do LACOM, mas com o objetivo de não só aproximar a teoria da prática, como também de fazer o cami- nho inverso, ou seja, de produzir conhecimento em virtude de problemas práticos, pesquisas e propos- tas pedagógicas também têm sido desenvolvidas no laboratório (veja, por exemplo, Freudenheim, 1995; TANI, MANOEL, KOKUBUN & PROENÇA, 1988). A maior integração entre teoria e prática constitui-se um enorme desafio e uma necessidade premente, especialmente considerando a natureza da Educação Física e Esporte como áreas de conhecimento de característica profissionalizante (TANI, 1996). A aplicação de conhecimentos na prática é uma ação complexa que depende entre outros fatores de características pessoais do professor ou profissional, da sua formação profissional e até de aspectos sociais que envolvem salário e condições de trabalho (TANI, 1992). Portanto, não depende somente da natureza do conhecimento produzido e de seu alcance prático. Por isso, o escopo das reflexões e ações dos membros do LACOM, no campo da Aprendizagem Motora, do Ensino-Aprendizagem de Habilidades Motoras e até da Pedagogia do Movimento, para tentar integrar melhor teoria e prática em Educação Física e Esporte deve ser complementado com ações em contextos mais amplos, envolvendo toda a área de conhecimento. 66 Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004. N.esp. TANI, G. et al. Considerações finais Referências A Aprendizagem Motora iniciou suas atividades de pesquisa no Brasil, de forma efetiva, no início da dé- cada de 1980, quando alguns pesquisadores retornaram do exterior com doutorado e implanta- ram os primeiros laboratórios de pesquisa. Hoje, ela é um campo de investigação já consolidado no nosso meio e ocupa um lugar de destaque na área de Educa- ção Física e Esporte, quando considerado o número de publicações, dissertações e teses defendidas. Ela é também um campo de investigação que tem dado im- portantes contribuições para a intervenção profissio- nal, oferecendo subsídios que possam auxiliar na tomada de decisão dos profissionais envolvidos com o ensino de habilidades motoras. Apesar disso, restam ainda alguns dilemas, conflitos e desafios (TANI, 2001) que emanam da própria indefinição da identidade da Educação Física e Esporte como áreas de conhecimento (TANI, 1996), esperando por melhores definições. Cer- tamente, a solução para esses problemas só virá com o próprio amadurecimento sociológico da área como um todo, mediante o estabelecimento de uma base epistemológica clara. As contribuições dos pesquisa- dores da Aprendizagem Motora serão imprescindíveis nesse empreendimento, como o foi a de HENRY (1964, 1978), para dar início ao chamado “movimento disci- plinar” da Educação Física nos EUA. ABERNETHY, B.; SPARROW, W.A. The rise and fall of dominant paradigms in motor bevaviour research. In: SUMMERS, J.J. (Ed.). Approaches to the study on motor control and learning. Amsterdam: North-Holland, 1992. ADAMS, D. The relative effectiveness of three instructional strategies on the learning of an overarm throw for force. 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