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APOSTILA PSICO DIAGN ÓSTIC O LEITURAS OBRIGATÓRIAS SUMÁRIO DE PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 2023-1 Professores Orientadores: Guilherme, Inês, Janaina, Júlia, Mara, Simone Leituras Obrigatórias: 1- ANCONA-LOPEZ, M. Contexto geral do diagnóstico psicológico. In: TRINCA, W. (Org.) Diagnóstico Psicológico – a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984. ....................................... p. 1 2- OCAMPO, M. L. S.; ARZENO, M. E. G. O processo psicodiagnóstico. In: OCAMPO, M. L. S.; ARZENO, M. E. G.; PICCOLO, E. G. de. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes, 1990, 6. ed.. ..............................................................p. 14 3- ANCONA-LOPEZ, M. Prática psicológica e as estratégias inovadoras. In: RAMOS, C.; SILVA, G. G.; SOUZA, S. (Org.) Práticas psicológicas em instituições: uma reflexão sobre os serviços-escola. São Paulo: Vetor Editora, 2006. .....................................................................p. 25 4- ANCONA-LOPEZ, S., TCHIRICHIAN, R. F. M. Desafios no Psicodiagnóstico Infantil. In: ANCONA-LOPEZ, S. (Org.) Psicodiagnóstico Interventivo: Evolução de Uma Prática. São Paulo: Cortez Ed., 2013. ...........................................................................................................p. 33 5- DONATELLI, M. F. Psicodiagnóstico Interventivo Fenomenológico Existencial. In: ANCONA-LOPEZ, S. (Org.) Psicodiagnóstico Interventivo: Evolução de Uma Prática. São Paulo, Cortez Ed., 2013, p. 45-64. ............................................................................................p. 43 6- YEHIA, G. Y. Psicodiagnóstico Fenomenológico Existencial: Focalizando os Aspectos Saudáveis. In: ANCONA-LOPEZ, S. (Org.) Psicodiagnóstico Interventivo: Evolução de Uma Prática. São Paulo: Cortez Ed., 2013. ......................................................................................p. 58 7- YEHIA, G. Y. Reformulação do papel do psicólogo no psicodiagnóstico fenomenológico- existencial e sua repercussão sobre os pais. In: ANCONA-LOPEZ, M. (Org.) Psicodiagnóstico: Processo de Intervenção. São Paulo: Cortez, 1995. ..................................................................p. 73 8- SANTIAGO, M. D. E. Entrevistas Clínicas. In: TRINCA, W. (Org.) Diagnóstico Psicológico – a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984. ...............................................................................p. 93 9- TAVARES, M. A entrevista clínica. In: CUNHA, J. A. e colaboradores Psicodiagnóstico V. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 5. ed., 2000. ........................................................................p. 108 10- ABERASTURY, A. A entrevista inicial com os pais. In: ____ Psicanálise da Criança – Teoria e Técnica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982. .......................................................................p. 120 11- SPANOUSDIS, S. Conhecer o Outro na Entrevista. In: Revista da Associação Brasileira de Deseinsanalyse nº 4. São Paulo. ............................................................................................p. 136 12- CUNHA, J. A. A história do examinando. In: CUNHA, J. A. e colaboradores. Psicodiagnóstico V. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 5. ed., 2000. .....................................p. 139 13- SILVA, M. A.; BANDEIRA, D. R. A Entrevista de Anamnese. In: HUTZ, C. S.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, C. M.; KRUG, J. S. (Org.) Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artmed, 2016. ..................p. 149 14- EFRON, A. M.; FAINBERG, E.; KLEINER, Y.; SIGAL, A. M. e Woscoboink. A hora de jogo diagnóstica. In: OCAMPO, M. L. S.; ARZENO, M. E. G.; PICCOLO, E. G. de. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes, 1990, 6. ed...............p. 177 15- MUNHÓZ, M. L. P. A criança participante do psicodiagnóstico infantil grupal. In: ANCONA- LOPEZ, M. (Org.) Psicodiagnóstico: Processo de Intervenção. São Paulo: Cortez, 1995, p. 179- 195. .........................................................................................................................................p. 208 16- ALBORNOZ, A. C. G. Devolução das Informações do Psicodiagnóstico. In: HUTZ, C. S.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, C. M.; KRUG, J. S. (Org.) Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artmed, 2016. .........................................................................................................................p. 225 17- FANTINI, M. N. A. O enquadre das entrevistas devolutivas na prática do psicodiagnóstico interventivo. In: __ Esperança e hospitalidade: a entrevista devolutiva em grupo no contexto da clínica-escola. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), 2022........p. 246 18- FANTINI, M. N. A. Parâmetros técnicos da entrevista devolutiva em grupo. In: _____ Esperança e hospitalidade: a entrevista devolutiva em grupo no contexto da clínica-escola. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), 2022...............................p.270 19- MOREIRA, L. M. A. G. Consultas Terapêuticas com Pais e Filhos: Resgatando o Espaço Potencial na Experiência Compartilhada do Brincar. In: Moreira, L. M. A. G. Consultas Terapêuticas com Pais e Filhos- Resgatando a Experiência Compartilhada do Brincar. Curitiba: Juruá Editora, 2019. .................................................................................................p. 272 20- PATUTI, C. A. O. B.; SAEDELLI, L. R.; MELO, M. P. R. A.; CIRIANO, R.C. A Elaboração de Relatos de Atendimento em Psicodiagnóstico Interventivo: Sua Importância na Formação do Aluno-Estagiário. In: ANCONA-LOPEZ, S. (Org.) Psicodiagnóstico Interventivo: Evolução de Uma Prática. São Paulo, Cortez Ed., 2013. .............................................................................p. 292 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................p.314 1 Contexto geral do diagnóstico psicológico Marília Ancona-Lopez 1.1. O termo “diagnóstico” 1 . 1 . 1 . Sentido amplo e restrito A palavra diagnóstico origina-se do grego diagnõstikós e signi fica discernim ento, faculdade de conhecer, de_ver através de. C om preendido dessa form a, o diagnóstico c inevitável, pois, sempre que: explicitamos nossa compreensão sobre um fenômeno, realizamos um de seus possíveis diagnósticos, isto é, discernimos nele aspectos, carac terísticas e relações que compõem um todo, o qual chamamos de conhecimento do fenômeno. Para chegarmos a esse conhecimento, utilizamos processos de observações, de avaliações e de in terpreta ções que se baseiam em nossas percepções, experiências, informações adquiridas e form as de pensamento. É nesse sentido am plo que a compreensão de um fenômeno confunde-se com o diagnóstico do mesmo. Em sentido mais restrito, utiliza-se o term o diagnóstico para referir-se à possibilidade de conhecimento que vai além daquela que o senso comum pode dar, ou seja, à possibilidade de significar a rea lidade que faz uso de conceitos, noções e teorias científicas. Q uando procuram os ler determ inado fato a partir de conheci mentos específicos, estamos realizando um diagnóstico no campo da ciência ao qual esses conhecimentos se referem. Uma folha de papel pode ser com preendida através de um estudo do m aterial que a compõe, de seu custo, da sua utilidade social ou de seu surgimento 1 1 histórico, dependendo dos conhecimentos colocados a serviço da busca de compreensão. Evidentem ente, nem todos os conhecimentos podem ser aplicados a todos os fatos. Conhecimentos de Álgebra di ficilmente nos serão úteis para a compreensão da H istória do Brasil e vice-versa. Se, porém, o objeto de estudo de diversas ciências for o mesmo, será possível aplicar a esse objeto os conhecimentos de todas essas ciências. Por exemplo, ao estudar um animal utilizando conhecimentos da Zoologia,enriqueceremos esse estudo recorrendo à Biologia. 1 . 1 . 2 . O diagnóstico psicológico A Psicologia se insere no conjunto das Ciências Hum anas. U ti lizamos seus conhecimentos para a compreensão de qualquer fenô meno hum ano. Esse mesmo fenômeno poderá também ser objeto de estudo de outras ciências, o que perm itirá integrar conhecimentos, enriquecendo nossa compreensão. Porém, ainda que empreguemos dados de outras ciências, ao tratarm os das funções do psicólogo, esta remos sempre nos referindo ao conjunto de fenômenos possíveis de serem estudados pela Psicologia e ao conjunto de conhecimentos psi cológicos que se desenvolveram a partir do estudo desses fenômenos. De fato, o objeto de estudo, os conhecimentos e métodos utilizados caracterizam nosso trabalho, delimitam nosso campo de competência e perm item que se desenvolva nossa identidade profissional. Os conhecimentos dentro do campo da Psicologia, como de qual quer outra ciência, não se agrupam indiscrim inadam ente. Constituem e estão constituídos em teorias das quais decorrem os procedimentos e as técnicas. Na história da Psicologia encontramos inúm eras teorias que defi nem de form a diferente seu objeto de estudo e o método a utilizar. Algumas tomaram métodos emprestados das ciências naturais, defi nindo em função dos mesmos o fenômeno a estudar, e algumas bus caram criar métodos próprios. Mesmo a classificação da Psicologia como ciência hum ana, ou como ciência natural, e o reconhecimento da existência de teorias psicológicas foram e são m uitas vezes ques tionados pelos estudiosos do conhecimento. Porém, estas são as o r ganizações do conhecimento que encontram os no atual estágio do desenvolvimento da Psicologia. São as que estudamos, frente às quais nos posicionamos e com as quais trabalham os. Neste livro tratarem os do diagnóstico psicológico. 0_ diagnóstico psicológico busca um a form a.de. compreer.são situada no âmbito 3ã Psicologia. Em nosso País, é um a das funções exclusivas do psicó logo garantidas por lei (Lei n.° 4119 de 27-8-1962, que dispõe sobre 2 2 a formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo). O utras funções exclusivas são a orientação e seleção profissional, orientação psicopedagógica, solução de problemas de ajustam ento, direção de serviços de Psicologia, ensino e supervisão profissional, assessoria e perícias sobre assuntos de Psicologia. Q uando nos dispomos a realizar um psicodiagnóstico, presum i mos possuir conhecimentos teóricos, dom inar procedimentos e téc nicas psicológicas. Como são m uitas as teorias existentes, e nem sem pre convergentes, a atuação do psicólogo em diagnóstico, assim como nas outras funções privativas da profissão, varia consideravelm ente. Em outras palavras, é porque a atuação profissional depende de uma forma de conhecimento, método de estudo e procedimentos utiliza dos — considerando que na Psicologia estes são muitas vezes inci pientes — , que se encontram muitas concepções e estruturações dife rentes do diagnóstico psicológico. O próprio uso do termo varia, de acordo com essas concepções. Encontra-se, muitas vezes, ao invés de “ diagnóstico psicológico” , a utilização dos termos “ psicodiagnóstico” , “ diagnóstico da personalidade” , “ estudo de caso” ou “ avaliação psicológica” . Cada um desses termos é utilizado preferencialm ente por grupos de profissionais posicionados de formas diferentes diante da Psicologia. Assim, antes de nos propormos a atuar profissionalm ente, será interessante explicitarmos sobre que fenômenos pretendemos atuar, quais serão os referenciais teóricos, os métodos e procedim entos a utilizar. 1.2. A Psicologia Clinica e as abordagens psicodi agnósticas O termo Psicologia Clínica foi utilizado, pela prim eira vez, em 1896, referindo-se a procedimentos diagnósticos utilizados junto à clínica médica, com crianças deficientes físicas e mentais. O inte resse por esse diagnóstico surgiu a partir do momento em que as doenças mentais foram consideradas semelhantes às doenças físicas. Passaram, então, a fazer parte do universo de estudo da ciência, e não mais da religião, como anteriorm ente, quando eram consideradas castigos divinos ou possessões. Pareadas com as doenças físicas foi necessário observar as doenças mentais, verificar sua existência como entidades específicas, descrevê-las e classificá-las. Dessa forma, a par da Psiquiatria, ativi dade médica destinada a com bater a doença mental, desenvolveu-se a Psicopatologia. ou seja, o ramo da ciência voltado ao estudo do 3 3 comportamento anorm al, definindo-o, com preendendo seus aspectos subjacentes, sua etiologia, classificação e aspectos sociais. Do mesmo modo, a p ar do desenvolvimento da Psicologia, isto é, do estudo sis temático da vida psíquica em geral, desenvolveu-se a Psicologia Clí nica, como atividade voltada à prevenção e ao alívio do sofrimento psíquico. 1 . 2 . 1 . A busca de um conhecimento objetivo A form a de atuação inicial em psicodiagnóstico refletiu a pos tura predom inante, na época, entre os cientistas. Estes consideravam possível chegar-se ao conhecimento objetivo de um fenômeno, u tili zando um a metodologia baseada em observação im parcial e experi m entação. Esta postura, na qual a confirm ação de hipóteses se ba seia em marcos referenciais externos, conhecida em sentido amplo como postura positivista, predom inou principalm ente no continente americano. D entro dessa orientação, desenvolveram-se o modelo mé dico de psicodiagnóstico, o m odele psicométrico e o modelo beha- viorista. a) O modelo médico O trabalho em diagnóstico psicológico junto aos médicos m arcou o início da atuação profissional. Houve um a transposição do modelo médico para o modelo psicológico. Este adquiriu algumas caracte rísticas: enfatizou os aspectos patológicos do indivíduo, usando como quadros referenciais as nosologias psicopatológicas e enfatizou o uso de instrum entos de m edidas de determ inadas características do in divíduo. No campo da Psicopatologia, multiplicaram-se as tentativas de estabelecer diferenças entre desordens orgânicas, endógenas, e desor dens funcionais, exógenas, procurando-se estabelecer relações entre as mesmas e os distúrbios de com portam ento. Estabeleceram-se, tam bém, relações de causalidade entre os distúrbios orgânicos e os dis túrbios psicológicos, principalm ente nas áreas da Neurologia e da Bioquímica. Na procura do estabelecim ento de quadros classifica- tórios das doenças mentais, precisos e m utuam ente exclusivos, bus cou-se organizar síndrom es sintomáticas que caracterizassem esses quadros e pudessem ser observadas. Os comportamentos considerados patológicos passaram a ser des critos detalhadam ente. Elaboraram-se testes para determ inar e detec tar os processos psíquicos subjacentes, inclusive detectar tendências patológicas. O objetivo desses testes, na prática, era fornecer infor mações aos médicos que as utilizavam , como subsídios para deter 4 4 m inar os diagnósticos psicopatológicos. Procuravam-se tam bém , nos testes, sinais de distúrbios orgânicos que, pareados aos dados sinto máticos, justificassem pesquisas médicas mais aprofundadas. As dificuldades encontradas nessa abordagem ligavam-se ao fato de que os quadros sintomáticos nem sempre se adequam ao quadro apresentado pelo sujeito. Além disto, os mesmos sintomas podiam ter m uitas vezes causas diversas e, vice-versa, as mesmas causas podiam provocar diferentes sintomas. Do ponto de vista do psicólogo, a grande ênfase nos aspectos psicopatológicos deixava em segundo plano características não-pato- lógicas do com portam ento das pessoas, lim itando o estudo e o co nhecimento sobre o indivíduo. Apesar dessas dificuldades, utilizam-se até hoje classificações psicopatológicas, principalm ente no que se refere aos grandes grupos nosológicos. Convém lem brar que, dentro da Psicopatologia, há dife rentes classificações, e estas obedecema diferentes critérios. A uti lização de critérios classificatórios justifica-se, porém, pela busca de um a linguagem comum. b) O modelo psicométrico O desenvolvimento dos testes foi, aos poucos, estabelecendo um campo de atuação exclusivo para o psicólogo e garantindo sua iden tidade profissional, em bora precária, já que condicionada à autori dade do médico a quem cabia solicitar esses testes e receber os resultados dos mesmos. N a atuação, foi com o uso de testes, principalm ente junto a crianças, que os psicólogos ganharam m aior autonom ia. Nesse tra balho, esforçavam-se por determ inar, através dos testes, a capacidade intelectual das crianças, suas aptidões e dificuldades, assim como sua capacidade escolar. Esses resultados, com o tempo, deixaram de set obrigatoriam ente entregues a outros profissionais. Utilizados pelos próprios psicólogos, serviam agora para orientar pais, profes sores ou os próprios médicos. Na utilização dos resultados dos tes tes, tornou-se menos im portante detectar distúrbios e classificá-los psicopatologicamente, mas sim estabelecer diferenças individuais e orientações específicas. A visão de homem subjacente ao modelo psicométrico implicava a existência de características genéricas do com portam ento humano. Essas características, de ordem genética e constitucional, eram con sideradas relativam ente imutáveis. Os testes visavam a identificá-las, classificá-las e medi-las. Entre as teorias da Psicologia que procura ram explicitar essa visão, encontram-se a Tipologia, a Psicologia das 5 5 Faculdades e a Psicologia do Traço, cada um a delas definindo um conceito de homem e indicando um a forma de diagnosticá-lo. O desenvolvimento da Psicologia nessas direções foi bastante influenciado por acontecimentos históricos, principalm ente nos Es tados Unidos. Neste país, durante a Segunda G uerra M undial atri buiu-se à Psicologia a função de selecionar indivíduos, aptos ou não para o exército, e avaliar os efeitos da guerra sobre os que dela retornavam . Foi destinada m aior verba às pesquisas psicológicas e proliferaram os testes. Estes foram amplam ente difundidos no Brasil. c) O modelo behaviorista Enfatizando a postura positivista, desenvolveram-se as teorias behavioristas. Estas, partindo do princípio de que o homem pode ser estudado como qualquer outro fenômeno da natureza, incluíram a Psicologia entre as ciências naturais e transportaram seus métodos para o estudo do homem. A fim de poder aplicar o método das ciên cias naturais, necessitavam de um objeto de estudo observável e mensurável, e declararam o com portam ento observável como o único objeto possível de ser estudado pela Psicologia. Consideraram que o com portam ento hum ano não decorre de características inatas e imutáveis, mas é aprendido, podendo ser mo dificado. Passaram a estudá-lo, preocupando-se em alcançar as leis que o regem e as variáveis que nele influem, a fim de se poder agir sobre ele, mantendo-o, substituindo-o, modelando-o ou modificando-o. Os behavioristas criaram formas próprias de avaliação do com portam ento a ser estudado. Não utilizaram o term o "psicodiagnós- tico” , valendo-se dos termos “ levantamentos de repertório” ou “ aná lises de com portam ento” . 1 . 2 . 2 . A importância da subjetividade Paralelam ente a essas tendências, desenvolveu-se um a nova for ma de conhecimento que repercutiu consideravelmente na Psicologia. Desde o início do século, alguns filósofos insurgiram-se contra a visão de ciência q u e considerava possível um a total separação entre o sujeito e o objeto de estudo. Para esses filósofos, todo o conhe cimento é estabelecido pelo homem, não se podendo negar a parti cipação de sua subjetividade. Dessa form a, não é possível adm itir como válida um a psicologia positivista, objetiva e experim ental. O homem não pode ser estudado como um m ero objeto, fazendo parte do m undo, pois o próprio m undo não passa de um objeto intencional para o sujeito que o pensa. Desse modo, os métodos das ciências 6 6 naturais não poderiam ser transpostos para as ciências hum anas, já que estas possuem características específicas. Esta form a de pensar foi m arcante para a Psicopatologia e para a Psicologia. N o campo desta últim a, deu origem à Psicologia Feno menológico-existencial e à Psicologia H um anista. Todas essas corren tes afirm am que a consciência, a vida intencional, determ ina e é determ inada pelo m undo, sendo fonte de significação e valor. Sa lientam o caráter holístico do homem e sua capacidade de escolha e autodeterm inação. Partindo dessa posição frente ao homem e â ciência, inúmeras escolas surgiram e encararam de formas diversas a questão do psi- codiagnóstico. a) O Hum anism o As correntes hum anistas, evitando posições reducionistas ao lidar com o homem, procuraram m anter um a visão global do mesmo e com preender seu m undo e seu significado, sem as referências teó ricas anteriores. Insurgiram-se contra o diagnóstico psicológico, cri ticando seu aspecto classificatório e o uso do indivíduo através dos testes. Procuraram restituir ao ser hum ano sua liberdade e condições de desenvolvimento, repudiando o psicodiagnóstico e considerando-o um verdadeiro leito de Procusto . 1 Para os hum anistas, os procedi mentos diagnósticos são artificiais. Constituem-se em racionalizações, acom panhadas de julgamentos baseados em constructos teóricos que descaracterizam o ser humano. Esses psicólogos não se utilizam de diagnósticos e de testes, considerando que, através do relacionam ento estabelecido com o cliente, durante a psicoterapia ou aconselha m ento, alcançam um a compreensão do mesmo. b) A Psicologia Fenomenológico-existencial Algumas correntes da Psicologia Fenomenológico-existencial re form ularam a visão do psicodiagnóstico. Para estes psicólogos, os dados obtidos em entrevistas e /o u em testes podem ser úteis e tra zer informações a respeito das pessoas, ajudando-as no cam inho do autoconhecim ento. Esses dados devem ser discutidos diretam ente com os clientes, estabelecendo-se com os mesmos as possíveis conclusões. Apesar de empregarem testes e informações derivadas de diferentes correntes do conhecimento psicológico, utilizam-nas apenas como re 1 Procusto, na Mitologia Grega, era um salteador, Atacava os viajantes e os matava, forçando-os a se deitarem num leito que nunca se ajustava ao seu tamanho. Cortava as pernas dos que excediam a medida e esticava os que não a atingiam. 7 7 cursos ou estratégias a serem trabalhadas com os clientes. O psico diagnóstico é considerado mais do que um estudo e avaliação. Sa lienta-se o seu aspecto de intervenção, diluindo-se os lim ites que se param o psicodiagnóstico da intervenção terapêutica. c) A Psicanálise Decorrente da mesma postura que não considera possível a com pleta objetividade, assim como não aceita a com pleta subjetivi dade e atribui significação particular a todo com portam ento hum ano, desenvolveu-se a Psicanálise. Sua influência, sentida inicialmente na Europa, fez-se notar no continente am ericano, principalm ente no pe ríodo da Segunda G uerra M undial, quando houve uma grande imi gração de psicánalistas europeus. A Psicanálise provê uma revolução na Psicologia, explicitando o conceito de inconsciente e explicando, através de processos intrapsí- quicos, os diferentes comportamentos que procura com preender. Através da ótica psicanalítica, rediscutem-se a determ inação psíquica, a dinâm ica da personalidade, revêem-se os com portam entos psicopa- tológicos, suâ origem e prognóstico. Em bora, desde o início, os estudos psicológicos tenham se preo cupado em definir e conhecer a personalidade, foi a Psicanálise que propôs o complexo mais completo de formulações sobre sua form a ção, estrutura e funcionam ento. Entre os psicanalistas, desenvolve ram-se várias escolas, que se diferenciam pela ênfase colocada em diferentes aspectosda personalidade, e pelas explicações sobre o desenvolvimento das mesmas. Todas concordam quanto aos con ceitos psicanalíticos fundam entais. A pesar das diferenças entre as correntes psicanalíticas, sua influência na prática do psicodiagnóstico foi a mesma. Acentuou-se o valor das entrevistas como instrumento de trabalho, o estudo da personalidade através da utilização de observações e técnicas proje tivas e se desenvolveu um a m aior consideração da relação do psi cólogo e do cliente com a instrum entalização dos aspectos transfe renciais e contratransferenciais. Enfim , a Psicanálise desenvolveu ins trum entos diagnósticos sutis, que perm item verificar o que se passa com o indivíduo por detrás de seu com portam ento aparente. 1 . 2 . 3 . A procura de integração Todas as abordagens em Psicologia, que surgiram e foram se desenvolvendo ao longo do tempo, têm seus equivalentes atuais. Isto quer dizer que. hoje, entre os psicólogos, encontram os aqueles que atuam a partir de conceitos do homem e da ciência positivistas, feno- 8 8 menológico-existenciais, hum anistas e psicanalíticos. Estas seriam as grandes tendências encontradas em Psicologia. Podemos dizer que, apesar de apresentarem diferenças fundam entais, m uitas vezes se interseccionam, não sendo sempre possível detectar as fronteiras entre as mesmas. Apesar dos diferentes marcos referenciais, a conceituação de cada uma dessas tendências é m uito am pla e cada um a delas aprè- senta inúmeros desdobram entos, de tal forma que, na prática da Psi cologia e, portanto , na prática do psicodiagnóstico, temos, como já foi dito, várias formas de atuação, m uitas das quais não podem ser consideradas decorrentes exclusivamente de um a ou de ou tra dessas abordagens. Em outras palavras, quando olhamos concretam ente para a Psicologia Clínica, verificamos grandes variações de conhecimentos e atuações. Alguns podem ser agrupados em blocos razoavelmente organizados, outros são ainda m uito empíricos e com desenvolvi m ento bastante incipiente. N a transcorrer da história da Psicologia, algumas teorias psi cológicas provocaram grande entusiasmo por parte dos profissionais. Parecia que sanariam as dificuldades internas desta ciência e preen cheriam as lacunas de conhecimento, além de proverem-na de instru mentos efetivos de atuação. Em alguns m omentos, isto aconteceu com mais de um a teoria. Estas teorias, desenvolvendo-se às vezes em di reções diferentes, criaram em certos períodos verdadeiras disputas entre profissionais, que procuravam provar a m aior ou m enor quali dade de suas propostas. O fato é que nenhum a teoria, até agora, mostrou-se suficiente para responder a todas as questões colocadas pela Psicologia. O que se nota hoje, na m aioria dos psicólogos, já não é um a acirrada batalha no sentido de fazer prevalecer sua posição, mas sim um a postura crítica diante do conhecimento psicológico, e a procura de um a integração entre as diversas conquistas até agora realizadas em seu campo. Este processo de integração reflete-se também no tra balho de psicodiagnóstico. A tualm ente, todas as correntes em Psicologia concordam , em bora partindo de pressupostos e métodos diferentes, que, para se com preender o homem, é necessário organizar conhecimentos que digam respeito à sua vida biológica, intrapsíquica e social, não sendo pos sível excluir nenhum desses horizontes. Em relação aos aspectos biológicos do sujeito, ao realizarem o psicodiagnóstico, os psicólogos se preocupam com os fatores de desenvolvimento e m aturação, com especial atenção à organização neurológica refletida no exercício das funções m otoras. A avaliação dessas funções ocupa um local de im portância no psicodiagnóstico infantil (ao lado da avaliação cogni tiva) pois está diretam ente ligada ao pragm atism o e ao sucesso es colar. Ainda, nesta avaliação, cabe ao psicólogo perguntar-se sobre 9 9 possíveis causas orgânicas subjacentes à queixa apresentada. Caso suspeite da existência de distúrbios físicos, deve rem eter o cliente ao médico. Evitará, deste m odo, os riscos da ' ‘psicologização” , isto é, fornecer explicações psicológicas a distúrbios de ou tra origem. A ava liação dos processos intrapsíquicos, principalm ente da estru tura e dinâm ica da personalidade, constitui-se no cerne do psicodiagnós- tico. É ao redor dela que se organizam os demais dados. A relação do cliente com o psicólogo, assim como os papéis fam iliares e sociais, valores e expectativas, não deixam de ser considerados. A maior responsabilidade do psicólogo, porém , reside no trabalho de integração desses dados, já que a divisão dos mesmos não passa de um artifício para perm itir um trabalho mais sistemático. Apesar da busca de integração, sabemos que um psicodiagnós- tico, por mais completo que seja, refere-se a um determ inado mo mento de vida do indivíduo, e constitui sempre um a hipótese diag nostica. Isto porque a Psicologia, como qualquer outra ciência, não pode ser considerada um corpo de conhecimentos acabado, com pleto e fechado. 1.3. Teoria e prática É m uito im portante conhecermos a situação na qual se encontra a Psicologia, por dois motivos. Primeiro, porque sabendo dos pro blemas de conhecimento com os quais nossa profissão se depara, não podemos deixar de lado questões de Filosofia e de Epistemologia, que nos im pedirão de cair num a atuação acrílica e alienada, isto é, um a atuação na qual se utilizem , indiscrim inadam ente, diferentes con ceitos, noções e práticas, sem explicitá-los e sem definir nossa po sição frente aos mesmos. Em segundo lugar porque conhecendo as dificuldades que a Psicologia encontra, podemos com preender com m aior facilidade como estas se refletem na prática, e encontrar for mas de atuação, junto aos clientes, que nos perm itam agir com segu rança e tranqüilidade. A relação entre a prática e a teoria em diferentes ciências e, portanto, também em Psicologia, é um a das questões que ocupa os estudiosos. Para alguns, a prática deve decorrer estritam ente de uma postura e métodos teóricos. Para outros, o im portante é a explici tação do cinturão de conceitos e noções no qual o sujeito se apóia, sem que, obrigatoriam ente, esse cinturão esteja organizado anterior m ente em um a teoria. O fato é que a prática e a teoria se alimentam m utuam ente. Uma não se desenvolve sem a outra, não podendo haver desvinculação e nem subordinação total entre elas. A incompreensão dos aspectos implicados nessa relação pode levar a um a desqualifi- 1 0 10 Bib l io t e c a - f a c u l o a d e p it á g o r a s caçãci do trabalho prático do profissional, por parte daqueles que se consideram produtores do conhecimento, ou a uma atuação desvin culada da teoria e que se. descaracterizaria como prática profissional. Por outro lado, a total subordinação da prática à teoria é restritiva e im produtiva para ambas. 1 3 1 . A prática do psicodiagnóstico Na prática da Psicologia Clínica visa-se, basicamente, a aliviar o sofrim ento psíquico do cliente. N a prática do p sicodiagnóstico, o ob jetivo é organizar os elementos presentes no estudo psicológico. de fo rn u f l í obter uma compreensão do cliente a fim de ajudá-lo. Na concretização dessa prática, m uitas atuações baseiam-se em soluções pragmáticas, mais do que em soluções decorrentes de um a aborda gem teórica. Isto porque, na prática, entram em jogo novas di mensões. Ao a tuar em psicodiagnóstico, o psicólogo está atendendo a ob jetivos definidos teoricamente. Está aplicando conhecimentos teó ricos, validando-os ou modificando-os. As observações decorrentes dessa aplicação, se pesquisadas e inform adas, trarão subsídios úteis a revisões e reform ulações teóricas. Está tam bém cum prindo sua fun ção profissional de ajudar o cliente, D esem penhando essa função, afirm a o papel do psicólogo, preserva o espaço da profissão e atende à necessidade da mesma. Além desses objetivos,inerentes à profissão, o psicólogo estará servindo a outros desígnios que decorrem das con dições sociais e organizacionais onde atua. Estas condições determ i nam o contexto no qual vai se desenvolver a atuação. Assim, ao rea lizarmos um psicodiagnóstico, tendo definido para nós mesmos as questões ligadas ao conhecim ento psicológico e à prática profissio nal, devemos considerar o contexto no qual essa atuação está in serida. 1 . 3 . 2 . O contexto da atuação O m aior desenvolvimento dos modelos de psicodiagnóstico atuais deu-se em consultórios privados, no atendim ento a um a clien tela socialmente privilegiada. A valorização do psicólogo como pro fissional liberal contribuiu para a preferência pela atuação autônom a, em detrim ento da atuação em instituições. Nestas, a m era transpo sição dos modelos de psicodiagnóstico utilizados em consultórios, mostrou-se ineficiente. A situação passou a incluir, além do psicólogo e do cliente, um terceiro elemento, a instituição, que modificou a 11 11 estruturação do trabalho. Nem sempre a instituição, os psicólogos e os clientes apresentam necessidades e objetivos coincidentes. A atuação em psicodiagnóstico prevê o conhecimento das ne cessidades do cliente. Questões éticas propõem ao psicólogo o co nhecimento e a elaboração de suas próprias necessidades e desejos, a fim de que os mesmos não interfiram no trabalho profissional, pre judicando-o. Consideramos necessário que as influências institucio nais sejam reconhecidas também. O psicólogo, ao atuar em creches, hospitais, presídios e outras organizações, encontra-se freqüentem ente sob orientação estranha aos interesses de sua profissão. Apesar da regulam entação prever, como função exclusiva do psicólogo, a dire ção de serviços de Psicologia, essa regulam entação nem sempre é respeitada. O psicólogo é m uitas vezes pressionado a servir primor dialm ente aos interesses da instituição. Esta, através de regulamentos internos ou de poder burocrático, determ ina a quantidade de tra balho a produzir, local, tem po e recursos a serem usados. A pró pria utilização dos resultados do trabalho, por parte da instituição, pode ser contrária aos interesses do psicólogo e do cliente. Pres sões de mercado e questões trabalhistas lim itam a autonom ia do profissional. Além da influência das condições organizacionais, a demanda da atuação profissional é claram ente influenciada por condições sociais. Essa dem anda pode ser verificada mais facilm ente em ser viços institucionais, dado o grande afluxo de pessoas aos mesmos. Ao examinarmos as características gerais da população que procura esses serviços, podemos reconhecer alguns determ inantes sociais. A m aioria pertence a segmentos populacionais desvalorizados social mente, por não constituírem força produtiva. A procura do serviço psicológico decorre de encam inham entos de terceiros, verificando-se raram ente a busca espontânea. A expectativa, nesses casos, é de adequação rápida às exigências exteriores. O profissional nem sempre encontra a seu dispor as técnicas mais adequadas ao caso em atendim ento. A m aioria das técnicas à disposição foi desen volvida em outros países, e o acesso às mesmas depende de sua di vulgação e comercialização. A obtenção de certos m ateriais implica em alto custo financeiro. Nessa situação, com poucos instrum entos disponíveis, o psicodiagnóstico pode transformar-se na repetição es tereotipada de um a seqüência fixa de testes, que nem sempre seriam os escolhidos pelo profissional, ou os que m elhor serviriam ao cliente. O reconhecimento das influências organizacionais e sociais às quais o psicólogo está subm etido é im portante, na m edida em que lhe perm ite com preender m elhor a função social que a profissão está desem penhando e com a qual o profissional está sendo conivente. Permite também que este colabore, efetivam ente, na produção e di- 1 2 12 vulgação de técnicas e formas de trabalho voltadas à nossa reali dade sócio-econômica e cultural. Como vemos, não é fácil trabalhar em psicodiagnóstico. Pode mos, porém, utilizar todos os conhecimentos e recursos a nosso dis por, de forma criativa e coerente, se lem brarm os que o conheci mento é contingente, as técnicas não são regras imutáveis, e toda sis tem atização é provisória e passível de reestruturação. 1.4. Bibliografia Coelho, A. M. F. Gomes. Psicodiagnóstico: uma conveniência ou uma ne cessidade? Monografia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982. Fischer, Constance. T. Individualized Assessment and Phenomenological Psy chology. 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Tchirichian de Moura Silvia Ancona-Lopez Durante os 25 anos de nossa atuação com o psicodiagnóstico interventivo, confrontamo-nos com diversos desafios que colocaram em xeque a nossa prática, obrigando-nos a retomar conceitos, rever técnicas e refletir sobre as contingências e características do mundo moderno, contexto no qual estão inseridas as crianças e as famílias às quais atendemos. Por desempenharmos nossa profissão principalmente em clínicas-escola de Psicologia que oferecem atendimento gratuito, grande parte dos clientes tem dificuldades socioeconômicas, acarretando carências em diversos aspectos, o que induz a atuações que escapam do campo tradicional da psicologia clínica. Como lembra o Conselho Federal de Psicologia (2007, p. 8), frequentemente “o trabalho profissional requer inventividade, inteligência e talento para criar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao movimento da realidade”. Embora considerando as questões sociais e as condições do mundo atual, não é nosso objetivo fazer uma análise sócio-histórica do nosso tempo, mas levantar questões e organizar alguns elementos que contribuam para uma reflexão práticasobre o psicodiagnóstico, levando em conta o contexto no qual ele se dá. São questões que passam pelas demandas da nossa época, pelas novas formas de linguagem e comunicação, pelas novas configurações familiares e por aspectos especificamente ligados à realidade brasileira, como nossas características socioeconômicas, a crise de valores políticos e morais, a situação da educação e a cruel realidade da violência com as quais nossas crianças convivem, seja no âmbito familiar, seja no âmbito social. Frequentemente, nas clínicas-escola de psicologia as crianças comparecem para atendimento psicológico trazendo como queixa dificuldades na escolarização. Na sua maioria, são encaminhadas por escolas públicas, que esperam obter dos psicólogos clínicos explicações acerca dos motivos que as impedem de se desenvolver pedagogicamente. Atendendo a essa demanda, comumente o profissional, 33 restringindo-se à singularidade da criança, realiza o psicodiagnóstico privilegiando os aspectos da personalidade, “que resultam em uma predisposição para a formação desse sintoma” (Bossa, 2002, p. 13), desconsideram, assim, os aspectos institucionais que contribuem para o chamado fracasso escolar. Embora haja exceções e esforços governamentais e de alguns educadores no Brasil, é fato que a escola tem se tornado cada vez mais o palco de fracassos e de formação precária, impedindo os jovens de se apossarem da herança cultural, dos conhecimentos acumulados pela humanidade e, consequentemente, de compreenderem melhor o mundo que os rodeia. A escola, que deveria formar jovens capazes de analisar criticamente a realidade, a fim de perceber como agir no sentido de transformá-la e, ao mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças sociais que sempre fizeram parte da história do povo brasileiro (Bossa, 2002, p. 19). Embora a situação descrita seja a mais comum, é preciso lembrar que estão sendo feitos esforços governamentais e de alguns educadores visando mudar essa condição. Rafael, 8 anos de idade, faz parte desse contingente injustiçado. Como inúmeras crianças, foi encaminhado pela escola para atendimento psicológico porque apresentava dificuldade de aprendizagem e não estava alfabetizado. A mãe, muito preocupada, temia que seu filho fosse portador de deficiência mental. Durante o processo de psicodiagnóstico interventivo, a mãe relatou que, em um mesmo semestre, o filho enfrentou quatro mudanças de professoras de alfabetização. Essa criança confrontou- se, como denuncia Souza (2007, p. 6), com: […] uma escola pública cuja má-fé institucional permite incutir, nos próprios pobres, vítimas de abandono secular, que seu fracasso escolar é culpa da própria vítima. A criança pobre, sem estímulos em casa para apreender, passa a se ver como burra, incompetente e preguiçosa, cumprindo a promessa que a sociedade lhe legou […] Concordamos com Bossa (2002), quando afirma ser comum que as escolas e os psicólogos compreendam o fracasso escolar de uma criança considerando os aspectos intrassubjetivos e relacionais, as primeiras possivelmente por uma dificuldade de se confrontar com suas próprias deficiências e os segundos apoiados na tradição da sua formação profissional que tende a privilegiar o indivíduo. Uma visão ampliada da clínica psicológica permitiria levar em conta esses dois aspectos, de tal forma que a compreensão da dificuldade de aprendizagem se construísse a partir da avaliação do contexto escolar no qual a criança está inserida. Assim, no caso de Rafael, antes de pensarmos em uma possível deficiência cognitiva, deveríamos atentar para a deficiência da instituição escolar, que, além de não oferecer a estabilidade necessária para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, culpabilizou 34 a criança pelo seu insucesso. No Psicodiagnóstico Interventivo, cientes da limitação do fazer clínico, procuramos engajar a família e a escola num processo que visa não apenas à compreensão das dificuldades da criança, mas também encontrar formas de auxiliá-la no seu desenvolvimento. Nesse sentido, a visita escolar, que é um procedimento nesse processo e tema deste livro (ver capítulo VII), tem uma importância significativa, principalmente por possibilitar uma reflexão conjunta com as equipes das escolas sobre o seu papel na dificuldade dos alunos. Associado a isso, discriminar para os pais quais são as dificuldades de seus filhos e o que é responsabilidade das instituições escolares pode levá-los a se colocar mais criticamente em relação ao problema e se posicionarem como cidadãos ativos que podem fazer suas reivindicações junto às escolas. A participação no psicodiagnóstico interventivo pode propiciar aos pais uma mudança de atitude em relação aos seus filhos, reconhecendo e favorecendo seus aspectos positivos e ajudando-os a encontrar a melhor maneira de auxiliar a criança a superar os aspectos negativos. Entendemos que ainda temos como desafio no psicodiagnóstico interventivo ampliar nosso olhar, de modo a ir além da criança como foco da investigação e integrar outros aspectos, como os efeitos do mundo moderno sobre ela e sua família. Como é o caso do acesso aos computadores, um avanço tecnológico que já faz parte da vida escolar de muitas crianças da rede pública, e se de um lado propicia a inclusão em um mundo globalizado de informações, de outro não garante aquilo que lhes seria de direito, ou seja, aprender. Um número expressivo de crianças que chegam às clínicas de psicologia está prestes a finalizar o primeiro grau praticamente sem alfabetização. Para essas crianças, qual sentido terá o uso dos computadores e a navegação na internet? O uso dos aparelhos eletrônicos, nesses casos, não é uma forma de adquirir ou armazenar conhecimentos, mas uma ferramenta de consumo que cria para elas a ilusão de fazerem parte da modernidade e do mundo virtual, o que, de algum modo, compensaria o sentimento de exclusão no contexto escolar. Uma visão sociológica nos parece oportuna para caracterizar o mundo atual. De acordo com Baumann (1998, p. 32): O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros de viver. O que também é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente uma recém-chegada num mundo de passado moderno) é que ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser abandonado ou inteiramente transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível. 35 Esse mesmo autor aponta que a época em que vivemos tem por característica privilegiar o consumo, o imediatismo e o individualismo competitivo. Como consequência, também os laços afetivos (familiares, amorosos, de amizade etc.) adquirem os atributos de volatilidade e superficialidade, assumindo um caráter que Bauman (2004) chama de “amor líquido”. São relações facilmente substituíveis que se pautam pelo compromisso provisório e, frequentemente, são de curta duração. Na verdade, são vários os fatores que têm contribuído para novos formatos das famílias, o que tem redesenhado a constituição dos laços afetivos que tem no âmbito familiar a principal matriz das formações vinculares. Na nossa prática clínica, esse quadro se reflete em algumas das configurações familiares das crianças que vêm para o psicodiagnóstico. Grande parte é de famílias monoparentais femininas (mães solteiras ou abandonadas por seus parceiros); crianças que têm irmãos de pais diferentes; avós que criam seus netos; casais que trazem filhos de relacionamentos anteriores e que geram outros filhos. Enfim, são novos modos de organização familiar, como se observa a seguir. Marcelo, um menino muito inteligente, de 9 anos, alegre e conversador, começa a relatar como é a composição de sua família: Eu tenhomuitos irmãos. Tenho um de 22 anos que trabalha em uma oficina, com o irmão dele de 18. Quer dizer, meu irmão de 18 anos, é que eles têm outra mãe. Não é a minha… mas eu tenho um irmão de 12 que é da minha mãe, e não é do meu pai… é assim… às vezes eu me confundo, sabe? Porque eu tenho uma irmã que… é fácil… é assim… vou começar de novo… (sic) Paulo, de 11 anos, é criado pelos avós desde bebê. Sua mãe engravidou solteira e não assumiu a criança, assim como o pai, que já tinha um filho. Sua mãe teve mais dois relacionamentos, e de cada um deles teve mais dois filhos, sendo que um vive com ela e o outro com o pai, em outro estado. A avó procura ajuda psicológica para o neto, preocupada com os efeitos que essa experiência de vida possa trazer ao garoto. Ela e a mãe participam do psicodiagnóstico interventivo do menino, que, de modo confuso, se refere a ambas como mãe. A história de Paulo não é única. Segundo Dias, Hora e Aguiar (2003), na última década, aumentou a quantidade de netos e bisnetos criados por avós e bisavós. O número foi de um milhão e setecentos mil, o que significa 55,1% mais do que foi apurado em 1991, correspondente a um milhão e cem mil. Muitos destes casos chegam às clínicas de psicologia, pois, como Silva e Salomão (2003, p. 192) constatam, com frequência há conflitos de papéis entre ser mãe e avó, no caso das avós guardiãs, conflitos estes que, sem dúvida, se refletirão nas crianças a seus cuidados. Dias, Hora e Aguiar (idem) corroboram esta ideia ao afirmar que foram identificadas vantagens, dificuldades e necessidades nos lares em que os avós desempenham o papel de pais para seus netos na ausência (permanente ou de longo prazo) dos 36 genitores. Já no que se refere à situação de corresidência, ainda pouco se sabe sobre as repercussões que tal condição acarreta na vida e nas relações estabelecidas entre avós, pais e netos. Uma nova configuração familiar que está se consolidando, inclusive com o amparo legal, é a das famílias homoparentais. Em alguns anos não se ouvirão mais depoimentos como o de Joaquim (12 anos) durante uma sessão de psicodiagnóstico: Eu gosto muito da Cleuza. Se minha mãe se separar dela eu prefiro morar com ela. Minha mãe é legal, mas a Cleuza me leva no futebol, gosta de assistir luta livre, conta piada… é bom. Só que tem uma coisa… eu não convido ninguém para ir na minha casa. Não convido meus amigos. Minha mãe fala: vamos fazer uma festa de aniversário? Eu não quero, não gosto. Eu acho a Cleuza legal, mas… é que… é que… acho esquisito minha mãe ser casada com uma mulher. Meus amigos vão zoar… (sic) A esse respeito, Passos (2005, p. 6) comenta: […] as condições por meio das quais os homossexuais constroem seus laços afetivos, no Brasil, estão longe de obter uma legitimidade social e jurídica e, enquanto esse quadro não se reverte, teremos famílias e pais envergonhados. Resta explorarmos os sentimentos desta vergonha nas produções de subjetividade que decorrem daí. Os progressos nessa área vêm se desenvolvendo rapidamente do ponto de vista jurídico, como a legalização do casamento entre homossexuais, mas, do ponto de vista pessoal, a aceitação se dá mais lentamente, mantendo ainda a situação descrita pela autora. Cabe ao psicólogo questionar de que forma essas metamorfoses nas famílias repercutem na constituição das crianças, e o psicodiagnóstico inter- ventivo é um momento privilegiado para esse questionamento por ter como objetivo conhecer os sentidos e os significados que as crianças e seus pais dão às suas vidas e a seus mundos. Ainda para a mesma autora, as novas formatações familiares, de famílias homoparentais ou não, colocam em xeque os apoios teóricos dos psicólogos. Cabe-nos também o enfrentamento rigoroso das teorias, que são insuficientes para dar conta das profundas transformações processadas nas famílias, sobretudo em seus enredamentos afetivos (ibidem, p. 5). Marcelo, Paulo e Joaquim são crianças que vivem a necessidade de se adaptar a configurações familiares não tradicionais. Assim, também o psicólogo, diante de situações novas e inusitadas para ele, sente-se desamparado sem um balizamento para suas intervenções. Naturalmente escudado pelas teorias 37 psicológicas que conhece, procura, durante o processo diagnóstico, situar-se no mundo do cliente, qualquer que seja ele, para compreendê-lo. Entretanto, na contemporaneidade, é preciso despir-se das amarras teóricas com o objetivo de acolher o cliente e sua família, sem cair na armadilha de considerar que a criança ficará, obrigatoriamente, prejudicada no seu desenvolvimento psicológico. Como lembra Passos (2005, p. 14): “[…] é necessária a criação de abordagens que apontem para as distintas facetas da grupalidade familiar e que permitam a compreensão de diferentes formas de ser família hoje”. O que fazer enquanto essas abordagens não surgem? A inventividade, o bom-senso e, principalmente, a reflexão poderão auxiliar o psicólogo na sua atuação, sempre tendo em mente que, enquanto profissional, deve acompanhar essas transformações e os estudos que sobre elas são realizados. É possível observar, no entanto, que apesar das questões teóricas que o psicólogo venha a enfrentar, o psicodiagnóstico interventivo, ao oferecer a oportunidade de uma reflexão conjunta, permite enfrentar as lacunas teóricas através de uma compreensão co-constituída que se pauta pelo mundo vivido do cliente. Além disso, quando o atendimento a pais e crianças acontece em grupo (modelo usualmente utilizado em clínicas-escola e outras instituições), o psicodiagnóstico interventivo se enriquece ao facilitar a identificação e a troca entre os componentes do grupo, auxiliando na compreensão da própria família, contribuindo, em muitos casos, para diminuir a sensação de isolamento e eliminando a impressão de que seu caso é diferente, único e que talvez não tenha solução. Não poderíamos deixar de incluir nessa discussão nossas inquietações frente à cruel realidade de crianças que, em circunstâncias mais adversas, são obrigadas a conviver diretamente com a violência social e familiar. A violência doméstica, incluindo o abuso sexual e psicológico, não é fato dos tempos atuais, haja vista ser tema que faz parte dos estudo no campo da Psicologia (Azevedo e Guerra, 2000), ocupando sempre, dada a sua complexidade, lugar importante nas discussões a respeito do trabalho clínico com crianças (Azambuja, 2005; Gay e Costa Júnior, 2005) e impondo dilemas éticos que exigiriam um capítulo especial. O CFP (2010, p. 38) lembra que a violência sexual é um problema complexo e delicado. Suas múltiplas causas, interfaces e, principalmente, o sofrimento psíquico de todas as pessoas envolvidas, exigem extremo cuidado dos profissionais responsáveis pelo atendimento e de todos os integrantes da rede de proteção. A ocorrência de situações de violência contra crianças e adolescentes não é fenômeno exclusivo da atualidade, como também não pode ser analisada de forma descontextualizada da cultura e das condições impostas pela vulnerabilidade social. 38 Como vemos com frequência em nossa rotina de trabalho, o abuso sexual, em muitos casos, é um episódio intrafamiliar marcado pela existência de vinculação afetiva entre seus integrantes, dependência econômica entre os cuidadores, negligências, conivências e vulnerabilidades. O manejo desse assunto no psicodiagnóstico é bastante difícil, porque nem sempre essa questão é trazida prontamente pelos pais ou responsáveis ou pela própria criança. Temos como compromisso profissional zelar pelo bem-estar da criança ou adolescente, mas com o cuidado de não cometer imprudências, considerando tratar-se de um tema que deve ser “contextualizado e tratado conforme as vicissitudes de cada caso e jamais analisado isoladamente” (CFP, 2007). Julgamos, ainda, oportuno abordar neste espaço de reflexão outra forma de violência, a violência social que, apesar de todos os avanços que vivemos, tem tomado forma e dimensão assustadoras. Segundo Campos (2004, p. 157), a competitividade e desigualdade têm provocadoconsequências sociais perversas que se traduzem “[…] pelo aumento de: violência; uso de drogas; conflitos e rupturas familiares; alienação social e política; xenofobia; conflitos étnicos e religiosos; doenças psicossomáticas”. A convivência com episódios violentos vem, dia a dia, se incorporando à realidade brasileira, especialmente no cotidiano de crianças e famílias que vivem em regiões com alto índice de criminalidade. Na sala de espera de um Centro de Psicologia Aplicada, Luiza, com cerca de 10 anos, está desenhando enquanto aguarda sua mãe. Uma psicóloga se aproxima e vê o desenho de uma casa com uma criança ao lado e no alto um grande coração onde está escrito PAZ. Ao perguntar o que ela queria dizer com aquele desenho, a menina responde que o lugar onde mora é muito violento e que ela queria que houvesse paz. Ana, 5 anos de idade, estava com seu pai quando ele foi assassinado a tiros por um assaltante. Os irmãos de 9 e 7 anos de idade, Otávio e Márcia, presenciaram o pai matar sua mãe a facadas. Pedro, de 11 anos, assistiu a seu irmão mais velho, usuário de drogas, ser espancado por traficantes… Esses são apenas alguns dos casos atendidos no psicodiagnóstico. Do ponto de vista prático, o que fazer diante dos problemas que aqui apresentamos? A proposta do psicodiagnóstico interventivo é de que o psicólogo não atue apenas como um examinador ou avaliador, mantendo a neutralidade, mas que, durante esse processo, ataque frontalmente esses temas, considerando-os não apenas fontes de desestabilização emocional das crianças, compreendidas através do seu psiquismo, mas também questões sociais que devem ser discutidas com os pais e, eventualmente, também com as crianças (como nos casos de abuso e violência, ajudando-as a encontrar formas de se defender). Acreditamos que faz parte do papel do psicólogo sugerir, apoiar e incentivar os pais ou 39 responsáveis a atitudes ativas, como a de organizar grupos nas comunidades para enfrentar o problema das drogas de seus filhos, procurar formas de reagir ao banditismo, exigir uma melhor atuação das escolas ou um atendimento adequado no que se refere à saúde. Enfim, auxiliá-los a conhecer, reconhecer e batalhar por seus direitos como cidadãos. Como profissionais da psicologia, cabe-nos, ainda, desenvolver pesquisas sobre esses temas que nos desafiam e criar grupos de discussão e estudos sobre eles. Finalmente, embora alguns dos dilemas discutidos neste capítulo pareçam sem solução e em muitos momentos, como profissionais, sejamos tomados por um sentimento de impotência que quase nos leva a um estado de paralisação, podemos dizer que ainda há um espaço para nossa atuação, que é o espaço da crítica, da reflexão, criação e, especialmente, do acolhimento e do respeito. Se as teorias psicológicas parecem ter chegado aos seus limites, possivelmente não encontraremos uma saída para essas questões pelo “saber” único da psicologia, mas pela interlocução com outros saberes, pela ética pessoal, pelo respeito ao outro e suas diferenças. Como “profissionais do encontro” (Figueiredo, 1993), lidar com o outro (indivíduo, grupo ou instituição) na sua alteridade faz parte da nossa atividade cotidiana. Mesmo que cheguemos a este encontro com a relativa e muito precária segurança de nossas teorias e técnicas, o que sempre importa é a nossa disponibilidade para a alteridade nas suas dimensões de algo desconhecido, desafiante e diferente; algo que no outro nos obriga a um trabalho afetivo e intelectual; algo que no outro nos propulsiona e nos alcança; algo que no outro se impõe a nós e nos contesta, fazendo-nos efetivamente outros que nós mesmos. No que se refere ao psicodiagnóstico interventivo, cabe-nos tentar, conforme dissemos, compreender e respeitar o mundo do cliente, o que implica contemplar as questões políticas, sociais e econômicas que estão imbricadas na sua vida e que se não consideradas nos tornarão incapazes de atingir nosso objetivo. Isso significa que o psicólogo não deve ater-se apenas ao espaço clínico, mas conhecer o ambiente escolar da criança, suas condições de moradia e seu meio social. Contudo, entrar nesse mundo implica o confronto com as nossas inquietações e limitações, pois frequentemente nos perguntamos o que é possível fazer. Após todos estes anos de prática, entendemos que o enfrentamento dos desafios aqui apresentados é o caminho que nos levará a manter o psicodiagnóstico interventivo como um procedimento útil para a compreensão dos que vêm em busca de auxílio psicológico e para a criação de um espaço diferenciado que permita àqueles que estão envolvidos no processo compartilhar seu sofrimento e encontrar um novo modo de lidar com sua realidade. Desse modo, por ser uma prática compartilhada e uma construção conjunta, a resposta para a pergunta feita anteriormente só poderá ser encontrada junto com os clientes. 40 O ser humano é o ser do desamparo, da falta e a Psicologia, de alguma forma, pode atender a essa necessidade, não com a ilusão de preencher esse vazio, mas comprometendo-se a uma constante atualização de seus conhecimentos, sendo para isso necessário estar atento à realidade que se apresenta e na qual os clientes estão inseridos (Gelernter et al., 2012, p. 19). Acreditamos que o psicodiagnóstico interventivo, pelas suas características de valorização do sujeito como indivíduo e cidadão, vem ao encontro do CFP (2007, p. 20) quando propõe que: Atuar na valorização da experiência subjetiva do sujeito contribui para fazê-lo reconhecer sua identidade. Operar no campo simbólico da expressividade e da interpretação com vistas ao fortalecimento pessoal pode propiciar o desenvolvimento das condições subjetivas de inserção social. Assim, a oferta de apoio psicológico de forma a interferir no movimento dos sujeitos e no desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e transformação do meio social é uma possibilidade importante. Em artigo intitulado Pós-evolucionismo, publicado no caderno Aliás de O Estado de S. Paulo (10 fev. 2013), Paul Kendall refere-se a um robô chamado “Rex — sigla de robotic exoskeleton, que foi montado pela companhia de robótica Shadow usando membros e órgão artificiais”. Esse robô, exibido no Museu da Ciência de Londres, mostra que já é possível reconstruir de 60% a 70% do corpo humano e “prenuncia um futuro no qual órgãos artificiais serão melhores do que aqueles com os quais nascemos” (OESP, caderno Aliás, p. 2). O artigo termina com a afirmação de um psicólogo suíço, Bertold Meyer, de que “estamos indo além das fronteiras da evolução”, e de que daqui há alguns anos ter um corpo natural, normal “será considerado maçante” (ibidem). Esse será o novo mundo dos psicólogos que se formarão dentro de alguns anos, os quais, como permite antecipar o exemplo acima, encontrarão desafios ainda inimagináveis para lidar com a humanidade. Referências bibliográficas AZAMBUJA, M. P. R. de. Violência doméstica: reflexões sobre o agir profissional. Psicologia Ciência e Profissão, ano 25, n. 1. AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. de A. (Org.) Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. 2. 41 ed. São Paulo: Iglu, 2000. BAUMANN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. ______. O mal-estar da pós modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BOSSA, N. A. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. Porto Alegre: Artmed, 2002. CAMPOS, E. P. Suporte social e família. 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Paulo, 21 out. 2007. 42 Capítulo II Psicodiagnóstico interventivo fenomenológico- existencial Marizilda Fleury Donatelli Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico interventivo, destacando seus pressupostos. Essa prática postulou diferenças significativas, tanto no que se refere à postura do psicólogo quanto à postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que se caracterizava somente pela investigação, um caráter interventivo. Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de atendimento psicológico. 1. Psicodiagnóstico como processo de intervenção Durante muito tempo, o psicodiagnóstico foi entendido como um processo que se desenvolvia a partir de um levantamento de dados do cliente (queixa, história de vida pregressa e atual, funcionamento psíquico etc.), cabendo ao psicólogo analisar esses dados com base na nosologia psicopatológica e dar o encaminhamento possível para o caso. Evitavam-se, nesse processo, estabelecer vínculo com o paciente e fazer intervenção, sendo esses procedimentos delegados aos processos psicoterápicos. Ocampo e Arzeno (1981, p. 13) comentam: O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satisfeita, seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo fundamental de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados. 43 Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez, no Brasil, na década de 1980, foram as precursoras na introdução do psicodiagnóstico interventivo, o qual, como indica o próprio nome, rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo ativo e cooperativo. Não se trata apenas de um processo investigativo; ao contrário, o que fundamentalmente o caracteriza é a possibili-dade de intervenção. No psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial, as questões trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir, em conjunto, possíveis modos de compreendê-las. As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas devolutivas ao longo do processo, acerca do mundo interno do cliente. São assinalamentos, pontuações, clarificações, que permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências, apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas experiências anteriores. A esse respeito, Santiago (1995, p. 17) informa que os profissionais […] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao paciente durante o processo Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho alcança uma dimensão mais ampla e compreensiva. Também argumentam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em conjunto com o paciente. No caso do psicodiagnóstico infantil, esse processo pressupõe a implicação da família na problemática, atribuída à criança, na queixa. Parte da ideia de que, se a criança apresenta um comportamento que atinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psicólogo, a família está, de algum modo, envolvida no problema. Além disso, como diz Yehia (1995, p. 118): […] mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil; o tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das sessões (quando estas são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família. Esse modo de compreender o psicodiagnóstico decorre, como já mencionado, da concepção de homem e de mundo postulada pela fenomenologia existencial, isto é, considera o ser humano como um ser sempre em relação, cuja subjetividade se constitui pelas relações que o indivíduo estabelece no decorrer de sua existência. Dessa forma, os pais ou responsáveis também são clientes e têm participação ativa no referido processo. 2. Psicodiagnóstico como prática colaborativa 44 O psicodiagnóstico é visto como uma prática conjuntamente realizada pelo psicólogo, pelos pais e pela criança. Os pais e a criança têm uma participação ativa nesse tipo de diagnóstico; atribui-se grande valor às informações trazidas pelos pais, à forma de compreensão do problema do filho, às explicações prévias, às fantasias e expectativas construídas antes e no momento da procura do psicólogo. Nessa medida, não há uma relação verticalizada, pois o psicólogo não se põe no lugar de quem “detém o saber”; ao contrário, dialoga com os clientes no sentido de construírem, juntos, possíveis modos de compreensão acerca do que está acontecendo com a criança. 3. Psicodiagnóstico como prática compartilhada Em tal modalidade de atendimento, o psicólogo compartilha com os clientes suas impressões, permitindo que estes as legitimem ou ainda as transformem. Entende-se que é no compartilhar de experiências e percepções que pode emergir uma nova compreensão, um novo sentido, que possibilite diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico da criança e da família. Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica, na medida em que entende o indivíduo, em seu “estar no mundo”, como uma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se por elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades. As intervenções do psicólogo, obtidas por meio de suas percepções, se oferecem como possibilidades para ampliar o campo de consciência da pessoa, permitindo novas experimentações. Para S. Ancona-Lopez (1991, p. 87), o processo de psicodiagnóstico interventivo, quando efetuado numa abordagem fenomenológico-existencial, “é uma prática colaborativa, contextual e intervencionista”. Yehia (1995, p. 120) complementa: “A situação do psicodiagnóstico torna-se então uma situação de cooperação, em que a capacidade de ambas as partes observarem, apreenderem, compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. 4. Psicodiagnóstico como prática de compreensão das vivências O registro das experiências que as pessoas vão tendo ao longo da vida e às quais atribuem sentido constitui seu campo fenomenal. No psicodiagóstico interventivo fenomenológico-existencial, o psicólogo busca compreender esse campo fenomenal e evita que as explicações teóricas se anteponham ao sentido dado pelo cliente. 45 M. Ancona-Lopez (1995) comenta que, quando do desenvolvimento do processo de psicodiagnóstico interventivo, ocorreu na equipe que o desenvolvia uma mudança no modo de compreender a relação entre teoria e prática. A prática, embora planejada a partir de indicações teóricas, ultrapassa a teoria de referência, expondo o psicólogo a experiências que não são abarcadas pelos conceitos teóricos. Desse modo, torna-se local privilegiado paraapontar lacunas do conhecimento teórico e produzir questionamentos. Segundo Ancona-Lopez, M. (1995, p. 93), No Psicodiagnóstico essa posição trouxe como consequência a valorização do conhecimento pessoal do cliente e de seus pais, assim como a necessidade de se trabalhar desde o início de modo conjunto e participativo, evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de referências teóricas. A fim de que possa compreender o campo fenomenal, o psicólogo deve, com os clientes, desconstruir a situação apresentada e buscar seu significado principal. Ancona-Lopez (1995, p. 94) discorre: A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do sujeito, a seus objetos intencionais, e aos conflitos nele instalados, considerando-se o esclarecimento dos significados ali presentes como processo necessário para uma possível re-significação e consequente modificação do modo de estar consigo e com o outro. A identificação da experiência do outro, bem como seu significado, é uma tarefa que exige, de alguma maneira, que o psicólogo se reconheça nesse outro. Portanto, é preciso que haja um envolvimento existencial; é preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilhar seus códigos, deixar-se enredar por sua trama de sentidos e, ao mesmo tempo, conseguir uma distância suficiente que permita refletir sobre a situação. M. Ancona-Lopez (1995, p. 94), referindo-se a esse aspecto, observa que ele se apoia no conceito de intersubjetividade, o qual afirma a possibilidade de “reconhecer o outro como um outro eu, que, possuindo um corpo inserido em um mundo, portador de comportamentos e construtor de significados, constitui a si e ao mundo”. 5. O psicodiagnóstico interventivo como prática descritiva O Psicodiagnóstico, conforme concebido tradicionalmente, busca obter um diagnóstico do indivíduo, classificando-o quanto às patologias, a partir das definições das características de personalidade e fatores específicos, como nível mental e outros. 46 O psicodiagnóstico interventivo evita classificações. Não pretende montar um quadro estático sobre o sujeito. É um modelo descritivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa, em dado momento e em determinado espaço, focalizando seu modo de estar no mundo, com os significados nele implícitos. 6. O psicodiagnóstico interventivo e o papel do psicólogo e dos clientes Convém reiterar que os clientes, nesse atendimento, têm um papel ativo, participam da construção de uma compreensão sobre o que acontece com eles. O psicólogo solicita e valoriza a sua colaboração na intenção de que o esforço conjunto possa produzir novo entendimento para as questões por eles trazidas. Desse modo, tanto as experiências do cliente quanto as impressões do psicólogo sobre elas são compartilhadas, caindo por terra a ideia de que existem aspectos que não devem ser mencionados pelo psicólogo ao cliente: o importante é como dizer, e não o que dizer. Nesse sentido, diz M. Ancona-Lopez (1995, p. 98): Pais e psicólogo engajam-se no processo de criação de sentido e, diminuída a assimetria na relação, o conhecimento profissional perde seu caráter de verdade, mostrando-se como uma forma possível de significação. DESCRIÇÃO DO ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO NA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individualmente, ou com mais frequência, nas instituições. As etapas do processo são as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrição, apresento minha forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial. 1. Entrevista inicial Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Inicio com os cumprimentos e apresentações habituais e deixo-os falar sobre como vieram até mim, por que e o que esperam. Em seguida, converso sobre minha forma de trabalhar, ou seja, compartilho com eles o fato de o psicodiagnóstico ser um 47 processo cujo objetivo é compreender aquilo que ocorre com a criança e com eles, pais, na relação com o filho, dos motivos que levam a criança a apresentar determinados comportamentos, bem como o que é possível fazer para ajudá-la. Explico que parto da ideia de que se a criança tem uma dificuldade, os pais estão implicados nela, e que, por essa razão, a participação deles no processo é fundamental. Enfatizo que não se trata de um diagnóstico feito somente por mim, mas que buscaremos juntos compreender o que se passa, que eles são parte ativa do atendimento, e que tanto as informações por eles fornecidas como seu modo de entender a criança são essenciais para a efetivação do processo. Explico ainda as visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimento e que serão realizadas durante seu curso. Combino dia, horário, falo a respeito do sigilo. Certifico-me de que os pais compreenderam minha fala e pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. Procuro, por meio de seu discurso, entender as expectativas em relação ao processo. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da demanda. Deixo que eles falem sem interrupções. As eventuais dúvidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para depois que os pais derem sinal de que concluíram o que tinham para comunicar. Procuro observar os temores, as fantasias, as angústias que eles demonstram ao se referir à criança, a si mesmos e à vida de modo geral. Começo a notar quais são as explicações que constroem para dar conta de sua queixa, dos sintomas apresentados pela criança. A esse respeito, M. Ancona-Lopez (1995, p. 98) relata: O valor atribuído à escolha, responsabilidade e autonomia do cliente para imprimir direções à sua existência leva os psicólogos a privilegiar na relação clínica a participação dos pais, a valorização do esforço pessoal e a abrir espaço para as crenças e construções explicativas que criaram para dar conta das angústias levantadas pelos conflitos gerados pelos papéis, funções e jogos familiares. No caso de comparecer o casal, tento compreender se ambos têm as mesmas demandas e se atribuem a elas os mesmos significados. Desse modo, vou sendo transportada para outro universo que não é o meu, mas no qual, de algum modo, também me reconheço. Assim Yehia (1995, p. 120) diz: Compreender é participar de um significado comum, do projeto do cliente, de sua abertura e limitações para o mundo. É importante identificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao pedido de atendimento. Após essa primeira imersão na teia de significados construídos pelos clientes, procuro fazer eventuais intervenções de esclarecimento e pontuações, de tal forma que possa compartilhar com eles minhas impressões e eles possam ou não legitimá-las. É nessa interação entre o que eles me falam e o que eu apreendo do que me dizem que vamos estabelecendo um modo de trabalho que permite emergir de nós possibilidades de compreensão. 48 Geralmente, verifico se a sessão atendeu ao objetivo, que é a contextualização da queixa e o esclarecimento da forma de trabalho e, caso ainda existam dúvidas, conversamos sobre o prosseguimento da entrevista no próximo encontro, no qual pretendo também aclarar determinados pontos. Informo aos pais que o atendimento posterior será destinado a conhecer a história de vida da criança e que, provavelmente, dedicaremos a esse tema um ou dois encontros. 2. História de vida da criança O segundo encontro destina-se à anamnese, que pode ser feita de duas formas. Segundo M. Ancona-Lopez (1995), é possível entregar o questionário de anamnese aos pais, que o levam para casa e lá o respondem. Quando retornam ao atendimento, conversam com o profissional sobre suas respostas e sobre como responderam ao questionário: se apenas o pai ou a mãe o fez ou se a família se reuniu em torno dos temas, revivendo sua história, se consultaram outros membros da família em relação às informações etc. Outra forma de encaminhamento da questão é entrevistar os pais ou responsáveis durante o atendimento. Essa é a maneira que
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