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OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS JURÍDICAS

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OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS JURÍDICAS
 
Definição
Princípios são normas básicas inquestionáveis ou na conceituação de Celso Antônio Bandeira de Melo “e o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele”. Constituem, as proposições primárias do direito, estão vinculados àqueles valores fundantes da sociedade, que exprimem o que foi por ele eleito como sendo o justo.
Os princípios constitucionais traduzem os direitos do homem e os grandes princípios de justiça. Eles impõem ao legislador, à jurisprudência, à administração e aos particulares, a interpretação do direito de acordo com os valores por eles espelhados. O fundamental, tanto na vida como no direito, são os princípios, porque deles tudo decorre.
Há duas fases em que os princípios são importantes:
·         Na elaboração das leis:
·         Na aplicação do direito, pelo preenchimento das lacunas da lei.
 
Observância dos princípios
Em relação aos princípios gerais do direito, a observância se impõe porque, se os princípios não forem justos, a obra legislativa não poderá ser justa e, em relação aos princípios constitucionais, sua observância é condição sine qua non da validade das normas jurídicas. Esses são os princípios que norteiam a formação do ato legislativo e a aplicação do direito.
         Violar um princípio é muito mais que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo um sistema, subversão de seus valores fundamentais.
Os princípios estabelecem uma direção estimativa, um sentido axiológico, de valoração de espírito. Exigem que tanto a lei como um ato administrativo respeite seus limites e tenham seu mesmo conteúdo, sigam sua mesma direção e realizem seu mesmo espírito.
 
Princípios e regras – semelhanças e diferenças
         As regras e os princípios são caracterizados dentro do conceito de norma jurídica. A distinção entre um e outro é uma distinção entre dois tipos de normas. Ambos dizem o que deve ser, ainda que tenham por bases razões muito diferentes. Os princípios são as normas jurídicas de natureza lógica anterior e superior às regras e que servem de base para sua criação, aplicação e interpretação do direito.
         As regras, por sua vez, são normas jurídicas destinadas a dar concreção aos princípios. Por exemplo, a regra contida no artigo 1.595, I, CC diz que “são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que houverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar”, representa uma das muitas manifestações positivadas do princípio de que “ninguém pode se aproveitar de sua própria torpeza”.
         De acordo com Dworkin, dois são os critérios que permitem apartar os princípios das regras.
O primeiro deles é de ordem lógica: as regras são aplicadas de forma disjuntiva, ou seja, ocorrendo a hipótese de incidência e sendo a norma válida, a conseqüência jurídica deve necessariamente ocorrer.
Com base na disjuntividade, entende-se que toda norma jurídica tem de ser forçosamente lícita ou ilícita e só com a estrutura disjuntiva é possível conceitualizar ambas as possibilidades.
A proposição disjuntiva caracteriza-se pelo fato de que a um mesmo sujeito se atribui uma pluralidade de determinações que se excluem entre si. Por meio da cópula ou as duas determinações se põem por uma parte em exclusão mútua diante do objeto-sujeito.
Franco Montoro observa que alguns autores consideram que a fórmula disjuntiva se limita a descrever duas hipóteses possíveis: o cumprimento ou não-cumprimento da prestação, como se se tratasse de duas condutas indiferentes. A fórmula disjuntiva é constituída de duas proposições condicionais, ligadas pela conjunção disjuntiva ou e, formando uma só estrutura unitária.
O segundo critério pelo qual podemos distinguir regras e princípios é de natureza axiológica. Os princípios possuem uma “dimensão de peso”, valorativa, ausente nas regras. Assim, ocorrendo o conflito entre dois ou mais princípios em um determinado caso, deve o intérprete considerar o peso relativo de cada um deles e verificar, naquele caso concreto, qual deve prevalecer, afastando o princípio incompatível. Situação diferente ocorre com as regras. Havendo conflito entre duas regras – o que Bobbio denomina de “antinomia jurídica própria” – uma delas será inválida e deverá ser excluída do sistema jurídico. Nessa hipótese, os critérios para a solução da antinomia são de ordem técnica (lex posterior derogat priori – a lei posterior derroga a anterior, lex superior derogat inferioris– lei superior derroga a inferior, lex specialis derogat generali – lei especial derroga a geral), não demandando ao aplicador do direito nenhum juízo valorativo.
Observa, ainda, Dworkin que, no caso de conflito entre princípios não há propriamente uma discricionariedade do intérprete em definir qual deles deve prevalecer. Essa determinação resulta na expressão do constitucionalismo alemão, de um “juízo de ponderação” entre os diversos valores jurídicos envolvidos, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
         Devido a sua generalidade e caráter “PRIMA FACIE”, os princípios obrigam a adequação das normas secundárias e das condutas aos valores que incorporam; estabelecem direções em que deveriam situar-se as normas. Cabe aos princípios, enquanto proposições fundamentais, orientar concretamente o direito, qualificando as normas dentro de determinados padrões axiológicos.
         As regras jurídicas estabelecem o dever ser, ou seja, regulam especificamente o comportamento e a conduta social, nos dizem como devemos agir em determinadas situações específicas, previstas por estas regras. Mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionada pelos princípios. Estes se harmonizam de modo a assegurar plena coerência interna ao sistema.
         As regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicáveis. Trata-se de tudo ou nada. Sendo ela válida, em qualquer caso deve ser aplicada. Dworkin afirma que “as normas (regras) são aplicadas diretamente. Há casos em que a regra pode ter exceções, devendo-se, nestes casos, lista-las uma a uma – pois é teoricamente possível enumera-las em enunciado normativo – e, quanto mais listarmos, mais completa será a proposição”.
         Os princípios não contêm mandados definitivos, permanentes, mas somente prima facie, ou seja, podem ser “desconsiderados” em um determinado caso e, tidos como decisivos em outro. Um determinado princípio pode valer para um caso concreto, frente a determinadas circunstâncias e para outro caso não. Frente àquela situação jurídica e fática, ele reinará, mas se forem outras as condições, poderá ser “desprezado”.
         Quando um princípio não prevalecer para um determinado caso, não significa que não pertença ao sistema jurídico, porque num outro caso, quando inexistirem tais considerações contrárias, ou quando estas não tiverem o mesmo peso, este princípio poderá ser decisivo. Caso totalmente distinto é o das regras, que contêm uma determinação no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Esta determinação somente será aplicada quando se verificar impossibilidades jurídicas ou fáticas, que pode conduzir à sua invalidez. Se não ocorrer tal caso, aplica-se exatamente o que diz a regra.
         As regras jurídicas não comportam exceções que não se possa teoricamente enunciar porque são aplicadas a situações determinadas (Boulanger); já os princípios porque são aptos a serem aplicados a uma série indefinida de situações, não admitem a própria enunciação de hipóteses nas quais não seriam aplicáveis. O mesmo autor diz que as regras são aplicações dos princípios. Daí porque a interpretação e aplicação das regras jurídicas, tanto das regras constitucionaisquanto das contempladas na legislação ordinária, não podem ser empreendidas sem que tome na devida conta os princípios, em especial quando se trate de princípios positivos de direito, sobre os quais se apóiam, isto é, aos quais conferem concreção.
         Os princípios se sobrepõem às regras de forma que, em situações revolucionárias, se novos princípios forem incorporados pela ordem jurídica, importa na retirada de vigência das inúmeras regras contempladas por essa ordem.
         É de se observar que não existe antinomia jurídica entre princípios e regras. Estas operam a concreção daqueles. Assim sendo, quando dois princípios estão em confronto, um prevalece em detrimento do outro, as regras que dão concreção àquele que foi desprezado são afastadas, ainda que permaneçam válidas dentro do ordenamento jurídico.
         Citamos um exemplo dado por Dworkin: ”o homicídio de quem deixa herança, praticado pelo herdeiro, afasta, em razão do princípio, a incidência da regra da sucessão que beneficiaria o homicida”.
        
 O que eles têm em comum é a generalidade. No entanto, não há entre eles apenas uma desigualdade de importância, há uma diferença de natureza, pois a generalidade da regra jurídica é diversa da de um princípio jurídico.
         Boulanger observa que “a regra é geral no sentido de que é estabelecida para um número determinado de atos ou fatos. Não obstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atos ou fatos”. É editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada. Já o princípio é geral porque comporta uma série de aplicações.
         A análise estará centrada no fato de que os princípios são contrários, mas nunca contraditórios, por isso o juiz optará pela utilização de um princípio em um caso, não excluindo o outro, apenas afastando; as normas poderão ser antinômicas e serem excluídas na sua aplicação.
         Dworkin sustenta que os princípios são dinâmicos e mudam rapidamente, por isso não podem ser absolutos. Assim, a aplicação destes suprindo lacunas da lei não é automática, deve haver um raciocínio judicial, ao qual o juiz deve balancear os princípios e atribuir a eles mais peso e importância. O autor é sensato em propor a função garantidora e não criadora do juiz. O juiz tem a função de decidir o conflito “dando a vitória a uma das partes, baseando-se nos princípios que lhe garantem o direito”.
 
Conflito ente regras
         O conflito entre regras resulta em antinomia (situação em que se impõe a extirpação do sistema de uma das regras), entendida esta como situação de incompatibilidade entre ambas, desde que ambas pertençam ao mesmo ordenamento e tenham o mesmo âmbito de validade. Assim sendo, elimina-se uma delas. Não podem existir duas regras jurídicas que impõem dois juízos concretos de dever contraditórios e que sejam ao mesmo tempo válidas. Essa é a denominada antinomia jurídica própria. Uma regra sendo válida deve-se fazer o que ela exige.
         A doutrina refere-se à antinomia jurídica imprópria, ou seja, aqui o conflito alinhado entre normas não conduz à necessidade de uma delas ser eliminada do sistema. O conflito se manifesta, há incompatibilidade entre ambas, porém, não resulta em antinomia jurídica própria. O conflito entre situação em que se impõe a extirpação do sistema de uma das regras, e a escolha de um deles em detrimento de outro não implica desobediência do outro, portanto, também não resulta em antinomia.
         É de se observar que não existe antinomia jurídica entre princípios e regras, pois estas operam a concreção daqueles. Assim, quando em confronto dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas e válidas no ordenamento jurídico. Exemplo de Dwokin já citado anteriormente de que “a ninguém aproveita a própria fraude”.
         Uma regra, no sistema normativo, não é mais importante que outra. Havendo conflito, uma delas será válida. A decisão sobre a qual prevalecerá e qual será abandonada deverá ser regulada pelo ordenamento jurídico através de outras normas ou, ainda, poderá dar-se por prevalência a determinada regra apoiando-se nos princípios mais relevantes (Dworkin).
         Por exemplo, se uma norma (regra) afirma que um testamento para ser válido deverá ser assinado por três testemunhas, não poderá ser válido se assinado somente por duas. Se houver exceções a essa norma (regra) estas deverão ser listas no próprio corpo do enunciado normativo, o que é, ao menos, teoricamente possível. Assim, uma das exceções para a presente norma poderia ser: “o testamento deve ser assinado por três testemunhas. Se o testador estiver hospitalizado e em estado grave de saúde o testamento deve ser assinado por duas testemunhas. Agora, se uma outra norma prescrever que o testamento deve ser assinado por cinco testemunhas, uma das duas normas será inválida”.
 
Conflito entre princípios
         Em se tratando de conflito de princípios, a opção do aplicador do direito ou do intérprete por um deles em detrimento do que a ele se opõe, não implica em desobediência do outro. Esse tipo de conflito não resulta em antinomia. Dworkin diz que: “o aplicador adotando um dos princípios que afaste outro, não faz com que este seja eliminado do sistema, pois em outro caso, diante do mesmo princípio, este poderá vir a prevalecer”. Os princípios possuem uma dimensão, a dimensão do peso ou importância, que não comparece nas regras jurídicas.
         Robert Alexi observa que o conflito entre regras se dá na dimensão da validade, enquanto que entre princípios todos são válidos e podem colidir entre si, dentro da dimensão do peso. Nesse caso, a aplicação do direito deve ser prudente.  
         Cabe acentuar que, a partir da preponderância dos princípios jurídicos, os operadores do direito devem agir atendendo à razoabilidade, que significa mais prudência e bom senso. Ao mesmo tempo em que se concede um maior espaço de liberdade e argumentação do jurista, exige-se deste que haja com responsabilidade na luta pelo maior objetivo e razão de ser do direito – a concretização da justiça.
         Exemplo de colisão de princípios dado por Alexi. Trata-se de um programa de TV (ZDF), que projetava a emissão de um documentário: “o assassinato de soldados em Lebach”. Este documentário informaria sobre o crime de quatro soldados do grupo de guarda de um depósito de munições do Exército Federal perto de Lebach que foram assassinados enquanto dormiam. Os assassinos tinham por objetivo o roubo de armas com as quais se pensava realizar outros atos delitivos. Uma pessoa que havia sido condenada por cumplicidade a este crime, e que estava para abandonar a prisão entendeu que a emissão deste documentário, em que era expressamente mencionado e aparecia fotografado violava seu direito fundamental, sobretudo porque comprometeria a sua ressocialização.
         Aqui se verifica um conflito entre a proteção da personalidade e da liberdade de informação. Este conflito não será solucionado declarando-se inválido um dos princípios, mas através de uma ponderação, uma vez que não há precedência básica entre eles, nenhum possui uma precedência absoluta. O Tribunal Constitucional Alemão decidiu no sentido de que a repetição de uma informação e, que põe em perigo a ressocialização do autor, possui precedência à proteção da personalidade, frente à liberdade de informação e, que esta, neste caso, está proibida.
         Robert Alexi diz que “os princípios ordenam que algo deve ser realizado em maior ou menor medida possível, levando em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Não contêm eles mandados definitivos, senão “prima facie”. Do fato de que um princípio é válido para um caso não quer dizer que o princípio valha para este caso como resultado definitivo. O princípio não determina como há de se resolver a relação entre uma razão e sua oposição. Por isso, os princípios carecem de conteúdo de determinação comrespeito aos princípios opostos e as possibilidades fáticas”.
 
Princípios descobertos
         Os princípios gerais do direito, segundo Eros, são descobertos no interior de determinado ordenamento. E são justamente porque neste mesmo ordenamento, isto é, no interior dele, já se encontravam em estado de latência. O aplicador do direito ou intérprete não os busca fora do ordenamento, em uma ordem suprapositiva ou no direito natural.
         Os princípios descobertos, embora não estejam expressamente enunciados na Constituição, em seu bojo estão inseridos. Esses princípios integram também, ao lado dos princípios jurídicos “positivados”, o direito positivo.
         Distinguimos, então, os princípios positivados pelo direito posto (positivo) e aqueles que, embora nele não expressamente enunciados, existem em estado de latência, sobre o ordenamento positivo, no direito “pressuposto”.
         Nem todos os princípios existem num determinado ordenamento jurídico. A expressão “princípios gerais do direito” possui dois sentidos:
a)    A totalidade dos princípios gerais do direito, entendidos esses como proposições descritivas:
b)    E a parcela dos princípios gerais do direito que, em razão de sua contemplação em determinado ordenamento, assume caráter de proposição normativa.
O segundo sentido é que consiste a expressão de Eros. A doutrina tem reconhecido para os princípios gerais do direito, caráter normativo e positivação. Clemente de Diego afirma que os princípios positivados consubstanciam normas, já os não positivados não. Robert Alexi enfatiza serem normas os princípios.
         Os princípios positivos do direito reproduzem a estrutura peculiar das normas jurídicas. Quanto aos princípios não expressamente enunciados em textos normativos escritos, descobertos no ordenamento jurídicos, também configurem norma jurídica, ainda quando enunciados em forma descritiva.

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