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Anemia ferropriva SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................................................................... 4 2. Metabolismo do ferro .................................................................................................. 4 3. Etiologia ........................................................................................................................ 6 3.1. Ingesta menor do que a demanda ....................................................................... 7 3.2. Deficiência na absorção ...................................................................................... 7 3.2.1. Doença celíaca ........................................................................................... 8 3.2.2. Cirurgia bariátrica ....................................................................................... 8 3.3. Perda de ferro ........................................................................................................ 9 4. Estágios da deficiência de ferro ................................................................................ 10 4.1. Balanço de ferro negativo ................................................................................... 10 4.2. Eritropoiese deficiente em ferro ......................................................................... 10 4.3. Anemia ferropriva propriamente dita ................................................................ 11 5. Quadro clínico ............................................................................................................ 12 6. Diagnóstico ................................................................................................................. 14 6.1. Alterações laboratoriais no hemograma ........................................................... 15 6.2. Alterações no laboratório do ferro ..................................................................... 15 7. Tratamento ................................................................................................................. 15 7.1. Terapia com reposição oral de ferro .................................................................. 16 7.2. Ferroterapia parenteral ....................................................................................... 17 7.3. Transfusão de hemácias .................................................................................... 17 Referências bibliográficas ............................................................................................. 20 Bibliografia consultada .................................................................................................. 21 Anemia ferropriva 4 1. INTRODUÇÃO A anemia ferropriva é o tipo mais comum na clínica entre as anemias hipoproli- ferativas que são as anemias relacionadas a eritrócitos normocíticos e normo ou hipocrômicos e a uma resposta baixa dos reticulócitos. 2. METABOLISMO DO FERRO O ferro é um elemento fundamental para o funcionamento do organismo, sendo imprescindível para diversas funções como, por exemplo, constituir parte da hemo- globina que é responsável por carrear o O2 pelo sangue e permitir a absorção de O2 pelos tecidos dos mamíferos. Além dessa função, o ferro também se liga a mioglo- bina nos músculos e também constitui o sistema citocromo das mitocôndrias. O corpo adquire ferro principalmente de fonte alimentar, mas pode adentrar no organismo também através de ferro suplementar medicinal por via oral ou transfu- sões de hemácias e injeção de complexos de ferro. Estima-se que a porção de ferro demandada para ser reposta na dieta é de aproximadamente 10% do total de ferro no corpo em um ano, ou 1mg de ferro elementar por dia, e 15%, ou 1,4 mg de ferro elementar por dia, nas mulheres que estão em idade reprodutiva. A disponibilidade para absorção do ferro varia de acordo com a fonte do alimento sendo os princi- pais na alimentação dos humanos o ferro heme (adquirido pelo consumo da carne vermelha, principalmente) e o ferro inorgânico (proveniente dos vegetais). Saiba mais! Antes da vida adulta (desde os lactentes até os ado- lescentes) podem apresentar maior dificuldade na manutenção do equilíbrio de ferro por conta da alta demanda de um organismo em processo de cresci- mento e também da ingestão de menores quantidades de ferro na alimentação. Inclusive, por conta da alta demanda metabólica durante a gestação, nos países desenvolvidos é recomendada suplementação de ferro para gestantes a partir do segundo trimestre de gravidez. A absorção do ferro ocorre principalmente na parte proximal do intestino delga- do, em região de duodeno e jejuno proximal, sendo um processo meticulosamente regulado. Para que ocorra o processo de absorção no intestino, é preciso que no Anemia ferropriva 5 estômago ocorra a liberação adequada da pepsina para absorção do ferro heme e também a redução do ferro inorgânico por conta do pH estomacal uma vez que o ferro precisa ser conjugado com a vitamina C, aminoácidos ou açúcares na presença de baixos valores de pH para ficar protegido das secreções alcalinas presentes no jejuno proximal e que podem convertê-lo em uma forma que não pode ser absorvida, o hidróxido de ferro. O ferro é então captado pela célula luminal e é convertido na forma ferrosa na borda em escova da célula absortiva por uma enzima chamada fer- rirredutase. Dentro da célula intestinal o ferro pode tanto ser armazenado em forma de ferritina quanto pode ser liberado pela superfície basolateral da célula por meio da ferroportina que é o exportador de ferro presente na membrana. A ferroportina sofre regulação pela hepcidina, proteína produzida no fígado que vai controlar a liberação de ferro para o plasma pela inibição da ferroportina. Na saída da célula, o ferro é oxidado na forma férrica e é ligado a transferrina para que possa circular no sangue. O armazenamento do ferro na forma de ferritina é a principal reserva de ferro do or- ganismo e é formado pela apoferritina e um núcleo hidroxifosfato de ferro, podendo estar presente em diversos tecidos do organismo que precisem de estoque de ferro. Ferro absorvido Duodeno Transferrina Glóbulos vermelhos Macrófagos Fígado e baço Perdas de ferro Medula óssea Absorção e reciclagem do ferro Figura 1. Metabolismo do ferro. Fonte: Madrock24/Shutterstock.com1. Anemia ferropriva 6 O ferro na sua forma livre é altamente tóxico ao organismo por conta de sua participação em reações que geram radicais livres, por isso, para circular no plas- ma, o ferro deve estar sempre ligado a glicoproteína que é a transferrina, podendo ser monoférrica (quando carreia apenas um átomo de ferro) ou diférrica (quando transporta até dois átomos de ferro). O complexo ferro-transferrina vai circular no plasma e irá se relacionar com os receptores de transferrina, presentes em diver- sos tecidos. Dentre as diversas células que apresentam receptores de transferrina, as células que vão apresentar a maior quantidade de receptores são os eritroblas- tos que estão em desenvolvimento. Ao interagir com o receptor, o complexo será introduzido na célula e em região de baixo pH, o ferro é liberado para ser utilizado pela célula na síntese do heme. A transferrina e o receptor retornam à superfície celular, a transferrina é liberada para a circulação e o receptor retorna à sua fun- ção na membrana. A absorção do ferro sofre a interferência de diversos fatores e substâncias que podem tanto aumentar a absorção quanto diminuir. A vitamina C, ácidos orgânicos e a própria proteína da carne auxiliam a absorção do ferro. Os fitatos e oxalatos, presentes em cereais e algumas frutas, respectivamente, contribuirão negativa- mente para a absorção do ferro, assim como o uso de antiácidos que vai atuar na mudança do pH estomacal e interferir na disponibilidade do ferro ingerido, o cálcio e outras drogas que podem quelar o ferro, dificultandosua absorção. O organismo não tem um mecanismo específico para excreção do ferro absor- vido ou acumulado, de forma que a maior parte do ferro é reaproveitada e reutili- zada no organismo e a necessidade de reposição para manutenção do equilíbrio do ferro é de doses muito baixas. A excreção da parcela menor do ferro ocorre através das perdas sanguíneas (hemorragias ou menstruação) ou através da des- camação das células epiteliais da pele, intestino e trato geniturinário. 3. ETIOLOGIA A anemia ferropriva é o tipo de anemia mais comum no mundo inteiro, sendo responsável por 50% das anemias e causando cerca de 841.000 óbitos anualmente ao redor do mundo. Os países menos desenvolvidos apresentam maior prevalência principalmente pela associação de carência nutricional e dificuldade de acesso à higiene e condições sanitárias adequadas. As mulheres em idade fértil e crianças também aparecem com destaque na epidemiologia da anemia ferropriva. Por se relacionar diretamente com carência nutricional, a prevalência da anemia ferropriva muda muito a depender da população que está sendo estudada. Entre as principais causas de anemia ferropriva estão as elencadas a seguir. Anemia ferropriva 7 3.1. Ingesta menor do que a demanda Ocorre principalmente por alta demanda e muito raramente se aplica a situações de demanda normal e baixa ingesta, já que, como já foi abordado neste material, a necessidade de ferro na alimentação numa situação de demanda normal é muito baixa. Nessa situação encontram-se principalmente crianças e adolescentes por conta da alta demanda pela fase de crescimento e dificuldade em manter uma alimentação balanceada. Mulheres em fase menstrual que estão perdendo ferro através do san- gue menstrual e apresentam uma maior necessidade de reposição. Mulheres gestan- tes que possuem um aumento no metabolismo para todas as alterações fisiológicas que acompanham o processo gestacional também costumam apresentar anemia ferropriva por ingesta menor que a demanda. Situação fisiológica Situações de alta demanda De m an da d e fe rr o De m an da d e fe rr o Re ut ili za çã o + In ge st ão Re ut ili za çã o + In ge st ão Figura 2. Etiologia de anemia ferropriva: aumento de demanda de ferro. Fonte: Elaborada pela autora. 3.2. Deficiência na absorção Uma vez que sua absorção ocorre principalmente em região de intestino delgado proximal e essa absorção depende da liberação da pepsina e do adequado pH esto- macal para acontecer em sua capacidade máxima, doenças que afetam o trato gas- trointestinal podem afetar diretamente a absorção do ferro. Anemia ferropriva 8 3.2.1. Doença celíaca A doença celíaca ou a enteropatia associada ao glúten é uma doença hereditá- ria autoimune na qual células T sensíveis ao glúten sofrem ativação à exposição de peptídeos epítopos derivados do glúten gerando um processo inflamatório que ocasiona a atrofia das vilosidades da mucosa do intestino delgado, reduzindo, por consequência, sua superfície de contato e resultando na redução da absorção. É uma doença que possui informações divulgadas deficientes e não se tem uma pre- valência conhecida principalmente pelo fato de que a quantidade de diagnósticos é muito inferior a quantidade de pacientes portadores da condição. A estimativa aproximada sugere que na população adulta sua prevalência varie entre 1:100 e 1:300 ao redor do mundo. Se a doença celíaca, através do processo inflamatório gerado pelo consumo do glúten, causa a atrofia das vilosidades e redução da superfície de contato do intes- tino delgado, ela afeta também a absorção do ferro, resultando numa redução da quantidade necessária de ferro disponível para as funções orgânicas. Doença celíaca Doença celíaca Intestino normal Figura 3. Etiologias de anemia ferropriva: deficiência na absorção - doença celíaca. Fonte: Sakurra/Shutterstock.com2. 3.2.2. Cirurgia bariátrica Os pacientes submetidos a gastroplastia ou cirurgia bariátrica são pacientes que possuem obesidade grave e são indicados a reduzir cirurgicamente o es- tômago e/ou intestino com o objetivo de gerar perda de peso. Dentre as técni- cas que podem ser aplicadas, a mais usada é o by-pass gástrico em y de Roux (BGYR) que consiste no procedimento realizado por laparoscopia no qual uma porção pequena proximal do estômago é separada do resto e conectada ao intestino delgado distal fazendo com que o alimento ingerido em menor quan- tidade seja menos absorvido. A parte do intestino delgada proximal que segue conectada ao estômago que foi contornado é ligada ao intestino delgado distal Anemia ferropriva 9 possibilitando a saída de ácidos biliares e enzimas pancreáticas e o contato com o alimento, reduzindo problemas que poderiam ser gerados pela má absorção co- mo as deficiências nutricionais. Apesar desse contato para passagem dos conteúdos biliares e pancreáticos, o alimento não passa pelo intestino delgado proximal, local onde o ferro é majo- ritariamente absorvido, obviamente resultando na diminuição da sua absorção. Além disso, a redução da superfície de contato estomacal e do pH ácido que vai auxiliar na disponibilidade do ferro ingerido na dieta também ocasiona a redução da absorção. Duodeno Comida Suco digestivo Jejuno JejunoDuodeno desviado Bolsa gástrica Porção do estômago desviada Figura 4. Cirurgia bariátrica por by-pass gástrico em y de Roux (BGYR). Fonte: Alila Medical Media/Shutterstock.com3. 3.3. Perda de ferro A perda sanguínea é uma das principais formas de excreção do ferro no corpo humano cujos valores podem ser reduzidos consideravelmente a partir de per- das importantes e é também a principal causa de deficiência de ferro em países ricos. As perdas agudas, exceto quando forem perdas severas, dificilmente cau- sarão grandes alterações nas quantidades de ferro disponíveis que não possam ser contidas pela ingestão de ferro na dieta. No entanto, sangramentos crônicos podem, em longo prazo, gerar anemia ferropriva por perda. Anemia ferropriva 10 A maior parte dos sangramentos crônicos advém do trato gastrointestinal e do sistema reprodutor feminino. Dentre as etiologias que podem gerar sangra- mento crônico no sistema gastrointestinal estão principalmente as úlceras e as neoplasias. Com relação a sangramentos que se originam no trato genital feminino, princi- palmente em região uterina, temos o sangramento menstrual excessivo e a pre- sença de tumores. 4. ESTÁGIOS DA DEFICIÊNCIA DE FERRO O corpo humano utiliza o próprio organismo como principal fonte de ferro, de- mandando da dieta, em situações normais, quantidades muito pequenas com o objetivo de compensar as perdas fisiológicas. Dessa forma, algumas etapas vão preceder a etapa na qual alcancemos um nível de ferro tão baixo que resulte em manifestações clínicas. 4.1. Balanço de ferro negativo Diversas condições podem gerar um balanço negativo de ferro com as deman- das excedendo a capacidade de absorção do ferro pela dieta. Nessas situações ocorre a mobilização do ferro armazenado no reticuloendotelial e enquanto hou- verem reservas que podem ser utilizadas, os níveis de ferro sérico se manterão dentro do limite da normalidade. Os níveis séricos de ferritina e do ferro corado no aspirado de medula óssea começam a reduzir progressivamente. Nesse ponto ainda não há alteração na morfologia dos eritrócitos, cujos índices também se encontram dentro dos limites de normalidade. 4.2. Eritropoiese deficiente em ferro À medida que as reservas de ferro começam a se esgotar, os níveis de ferro sé- rico passam a reduzir progressivamente assim como a saturação de transferrina ao passo que pode-se observar o aumento da capacidade total de ligação do fer- ro (TIBC). Se o nível do ferro sérico se mantiver dentro da faixa de normalidade, ainda que ocorra depleção das reservas a ponto de serem consideradas ausentes quando o nível de ferritina fica menor que 15 μg/L, não há alteração na síntese da hemoglobina.A síntese de hemoglobina só vai ser afetada a partir do momento que taxa de saturação da transferrina cai para 15 a 20%. Nessa fase podem ser observadas infrequentes células microcíticas e hipocrômicas no esfregaço de sangue periférico. Anemia ferropriva 11 4.3. Anemia ferropriva propriamente dita Nessa fase é possível perceber a persistência de baixos valores de ferritina e uma queda mais importante do ferro sérico e dos valores de saturação de transferrina. Ocorre a redução dos valores de hemoglobina e hematócrito e no esfregaço de san- gue periférico é possível observar intensa anisocitose com grandes quantidades de células microcíticas e hipocrômicas. Quando em fase moderada, com valores de he- moglobina entre 10 e 13 g/dL, ainda será observada uma medula óssea hipoprolifera- tiva, mas com o avançar da anemia e evolução para um quadro mais grave, além da presença de eritrócitos deformados no esfregaço sanguíneo, a medula eritroide vai perdendo progressivamente sua eficácia levando à hiperplasia eritroide da medula óssea superando a hipoproliferação nos casos mais graves. Quadro 1. Estágios da deficiência de ferro. ESTÁGIOS DA DEFICIÊNCIA DE FERRO Balanço de ferro negativo Eritropoiese deficiente em ferro Anemia ferropriva Ferro reutilizado + ferro ingerido na dieta são insuficientes para as demandas metabólicas Esgotamento de reservas Ferritina < 15 μg/L Uso das reservas Níveis de ferro sérico Níveis de ferro sérico Níveis de ferro sérico Saturação de transferrina Saturação de transferrina Níveis de ferritina TIBC Hemoglobina e hematócrito Morfologia dos eritrócitos normal Infrequentes células microcíticas e hipocrômicas no esfregaço de sangue periférico Anisocitose com grandes quantidades de células microcíticas e hipocrômicas. Eritrócitos em formato de lápis ou alvo Fonte: Elaborado pela autora. Anemia ferropriva 12 5. QUADRO CLÍNICO A anemia ferropriva, como já dito, é um tipo de anemia hipoproliferativa caracteri- zada por ser microcítica e hipocrômica. Saiba mais! A anemia do tipo microcítica é caracterizada pela redução do tamanho dos eritrócitos traduzida no hemograma por redução do VCM (volume corpuscular médio) e hipocrômica que é visualizada no hemogra- ma pela redução da hemoglobina corpuscular média (HCM) ou da concentra- ção da hemoglobina corpuscular média (CHCM). As manifestações clínicas da anemia ferropriva incluem os sinais e sintomas decor- rentes da menor oferta de oxigênio aos sistemas, então a astenia, palidez, taquicardia, cefaleia e menor resistência à realização de exercícios físicos. Juntamente com os sin- tomas comuns da anemia, na anemia ferropriva podem estar presentes manifestações clínicas resultantes da deficiência acentuada de ferro como a queilose (surgimento de fissuras nos ângulos da boca), o enfraquecimento da unha e a coiloníquia (alteração do formado das unhas dos dedos das mãos que ficam em forma de colher) e pica que consiste em uma perversão do apetite na qual o indivíduo come substâncias sem valor nutricional e que não possuem propósito de alimentação como barro, tijolo ou gelo. Figura 5. Coiloníquia. Fonte: iweevy/Shutterstock.com4. Anemia ferropriva 13 Figura 6. Queilose. Fonte: Zay Nyi Nyi/Shutterstock.com5. Se liga! O surgimento da deficiência de ferro em homem adulto deve ser interpretado como sinal de perda de sangue pelo trato gastrintestinal até que se prove o contrário. A síndrome de Plummer-Vinson ou Paterson-Kelly é uma manifestação menos co- mum que surge principalmente em mulheres idosas e que consiste no surgimento de uma membrana entre a região de hipofaringe e o esôfago e que pode gerar a queixa de disfagia nessas mulheres. A membrana pode reverter a partir da regulação dos níveis de ferro, mas caso não aconteça e a disfagia permaneça, é indicada remoção endoscópica. Saiba mais! Em crianças, além dos sinais e sintomas já citados, a anemia ferropriva pode se manifestar através de anorexia e alterações com- portamentais incluindo aumento da irritabilidade. Anemia ferropriva 14 6. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da anemia ferropriva vai ser resultado da união entre a clínica do paciente e os exames laboratoriais, lembrando a importância de destacar que ambos seguirão a progressão da anemia. Saiba mais! Há de se destacar, nesse ponto, a importância da avaliação de diagnósticos diferenciais. Falando em anemia microcítica e hi- pocrômica, os principais diagnósticos diferenciais a serem considerados no paciente são a talassemia, a anemia da inflamação e as síndromes mielodisplá- sicas como a anemia sideroblástica. Quadro 2. Diagnóstico diferencial da anemia ferropriva. Exames Anemia ferropriva Talassemia Anemia da inflamação Anemia sideroblástica Esfregaço Micro/hipo Micro/hipo-he-mácias em alvo Normal ou micro/hipo Variável Ferro sérico (μg/dL) < 30 Normal ou elevado < 50 Normal ou elevado TIBC (μg/dL) > 360 Normal < 300 Normal Porcentagem de saturação < 10 30 – 80 10 – 20 30 – 80 Ferritina < 15 50 – 300 30 – 200 50 – 300 Padrão de he- moglobina na eletroforese Normal Anormal na β-talassemia Normal Normal Fonte: Kasper et al6. O mielograma com pesquisa de ferro medular é considerado o exame padrão-ouro para o diagnóstico de anemia ferropriva. Esse exame que consiste na punção e aspi- ração de uma amostra da medula óssea que é corada com o corante azul da Prússia e consegue avaliar as reservas orgânicas de ferro da medula. Por ser um exame caro e invasivo, mesmo sendo o padrão-ouro, ele só é indicado para casos especiais nos quais a diferenciação dos tipos de anemia não consegue ser realizada a partir de exames laboratoriais com amostra de sangue periférico. Anemia ferropriva 15 6.1. Alterações laboratoriais no hemograma Os achados no hemograma vão incluir uma microcitose (VCM baixo), hemácias em formatos de alvo ou lápis, hematócrito e hemoglobina baixos, RDW (amplitude de distribuição dos globos vermelhos) aumentado representando uma grande diferença de tamanho entre uma e outra. 6.2. Alterações no laboratório do ferro Por conta da forma como a deficiência de ferro progride até gerar a anemia ferro- priva, a ferritina vai ser o primeiro marcador a sofrer alteração uma vez que o organis- mo tentará compensar a falta de ferro pelo uso das reservas e a ferritina é o melhor indicador laboratorial do estoque de ferro. Apesar de ser um excelente indicador, a ferritina é uma proteína de fase aguda o que significa que seus valores podem ser influenciados por situações inflamatórias. O valor do ferro sérico não deve ser interpretado individualmente, sendo importan- te ser avaliado juntamente com os outros indicadores, uma vez que o valor do ferro sérico traduz a quantidade de ferro circulante ligado a transferrina. Seus valores de- vem estar baixos na anemia ferropriva. A saturação de transferrina vai traduzir a quantidade de receptores de ferro satura- dos nas moléculas de transferrina que estão circulando, como existe pouco ferro dis- ponível, poucos receptores estarão ligados ao ferro, causando redução dessa taxa. A capacidade total de ligação do ferro ou TIBC estará alta uma vez que a transfer- rina estará com seus receptores livres por consequência da ausência de ferro, geran- do um aumento dos valores de TIBC. 7. TRATAMENTO Para definição do tratamento é preciso avaliar tanto o perfil do paciente quanto a razão da deficiência de ferro lembrando que a anemia pode ser sinal de alguma doença mais grave. A maioria dos casos que incluem os pacientes com uma alta de- manda de ferro por gestação, crescimento ou perda ocasional de sangue, não obterá melhora com a terapia dietética por consequência da baixa disponibilidade do ferro nos alimentos. Para esse público o melhor é a reposição oral de ferro. Para idosos com sintomatologia de anemia ferropriva grave, a indicação é transfusão de hemá- cias. As diferentes abordagens de tratamento serão especificadas a seguir. Anemiaferropriva 16 Se liga! As etiologias que causam anemia por consequência como a perda de sangue pelo trato gastrintestinal em função de uma neoplasia ou as doenças inflamatórias que reduzem a absorção pelo intestino delgado, devem ter sua causa base investigada e tratada de forma específica. 7.1. Terapia com reposição oral de ferro O tratamento com reposição oral de ferro é indicado para os pacientes com anemia leve a moderada e que possuem como causa de anemia uma necessi- dade fisiológica maior de ferro como, por exemplo, a gravidez e o crescimento de crianças e adolescentes. Além desse grupo, pacientes com deficiência de estoque de ferro que ainda não desenvolveram anemia podem ser tratados com terapia de reposição oral de ferro, mas esses casos devem ser investigados in- dividualmente avaliando o benefício frente aos riscos dos efeitos colaterais que podem surgir com o uso. A terapia de reposição consiste na administração de uma quantidade em tor- no de 200 mg/dia de ferro elementar, como cada cápsula possui 67 mg de Fe elementar, a prescrição de reposição de ferro para um adulto é em torno de 2 a 4 cápsulas de ferro e a precisão desse valor pode ser calculada obedecendo a meta de reposição que é de 2-3 mg/kg/dia de ferro elementar. É indicado que a ingestão das cápsulas seja realizada com o estômago vazio e na presença de substâncias ácidas como o suco de laranja, que é uma excelente opção por conter vitamina C e auxiliar no processo de absorção do ferro. O objetivo do tratamento de reposição de ferro para os pacientes que apresen- tam anemia ferropriva é não apenas normalizar e corrigir a anemia, mas permitir reserva de 0,5 a 1g de ferro. Para alcançar esse objetivo o tratamento deve ser mantido por um espaço de tempo entre 6 meses e um ano após a correção da anemia. Os efeitos colaterais desse tratamento incluem náuseas, dor abdominal, altera- ções do ritmo intestinal podendo resultar em diarreias ou constipação, apresen- tando escurecimento das fezes, e pode gerar também a sensação frequente de gosto amargo na boca. Anemia ferropriva 17 7.2. Ferroterapia parenteral É o tratamento de escolha para pacientes que não toleram o tratamento por via oral ou para pacientes cujo tratamento de reposição oral de ferro falhou. Além des- ses pacientes, os que apresentarem necessidades agudas ou que precisam de repo- sição contínua por perda gastrintestinal conhecida pertinente também são indicados ao uso da ferroterapia parenteral. Existem alguns tipos de ferro que são utilizados nesse tipo de terapia, entre eles o ferro-dextran, o gluconato férrico de sódio, ferro-sucrose e o feromoxitol. Essas me- dicações podem ser administradas de duas formas diferentes: pode-se administrar a dose total de ferro necessária para corrigir a anemia e gerar um estoque de pelo menos 500mg de ferro ou podem ser aplicadas baixas doses repetidamente durante um período prolongado. Se liga! O principal efeito colateral mais comum no uso do ferro- -dextran é a ocorrência de anafilaxia grave que necessita de intervenção imedia- ta e pode levar à morte. Caso surjam sintomas como dor torácica, sibilo, queda de pressão, perda de consciência, falta de ar ou outros sintomas sistêmicos, a infusão deve ser interrompida imediatamente. Artralgia, exantema e febre baixa são sintomas que podem surgir após a infusão de dose alta de ferro e costumam surgir depois de alguns dias da administração, não sendo contraindicações à posterior administração novamente se necessário. Para administração de dose alta de Ferro-dextrana (acima de 100 mg), a prepara- ção deve ser aplicada após ser diluída ou com soro glicosado 5% ou com solução de NaCl a 0,9%. Essa infusão deve ser realizada durante 60 a 90 minutos. 7.3. Transfusão de hemácias É o tratamento de escolha para os pacientes que apresentam sintomas de anemia que precisem de intervenção imediata, os que apresentam algum sinal de instabilidade cardiovascular ou perda importante e contínua de sangue conhecida. O objetivo principal desse tratamento é indicado para estabilização do paciente. A transfusão vai reparar de forma rápida os índices laboratoriais do hemograma e também vai possibilitar uma fonte direta de ferro presente nas he- mácias para reutilização. Anemia ferropriva 18 Quadro 3. Tratamentos, indicações e efeitos colaterais. Reposição oral de ferro Ferroterapia parenteral Necessidade de intervenção imediataFerroterapia parenteral Anemia por alta demanda fisiológica como gravidez e crescimento Instabilidade cardiovascular 2 a 4 cápsulas de 200 mg por dia Pacientes com deficiência no estoque de ferro, sem anemia Perda importante e contínua de sangue Tratamento de 6 a 12 meses Risco de ocorrência de náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia ou constipação e amargor na boca Ferroterapia parenteral Pacientes que não toleram a reposição oral Pacientes que a reposição oral falhou Necessidades agudas 1 só administração com alta dose Reposição contínua Baixas doses por período prolongado Risco de anafilaxia Fonte: Elaborado pela autora. Anemia ferropriva 19 MAPA MENTAL 1. RESUMO DA CLÍNICA DA ANEMIA FERROPRIVA. QUADRO CLÍNICO Sintomas da anemia Alta demanda Reposição oral de ferro Ferroterapia parenteral Transfusão de hemácias Mielograma Sintomas da perda de ferro Deficiência na absorção Perda de ferro Hemograma Laboratório do ferro AsteniaInsônia Grávidas, adolescentes e crianças Padrão-ouro Pouco usado Caro Invasivo Queilose PICA Doença celíaca Cirurgia bariátrica Sangramentos Hematócrito e hemoglobina baixos VCM baixo RDW alto Ferritina, ferro sérico e saturação de transferrina baixos TIBC aumentado Palpitações Cefaleia Coiliníquia ANEMIA FERROPRIVA EXAMES ETIOLOGIAS TRATAMENTO Fonte: Elaborado pela autora. Anemia ferropriva 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Imagem utilizada sob licença da Shutterstock.com, disponível em: https://www. shutterstock.com/pt/image-illustration/iron-metabolism-liver-intestine-spleen-fer- rum-2015519819. Acesso em: 9 maio 2022. 2. 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Causes and diagnosis of iron deficiency and iron deficiency anemia in adults. [Internet]; 2022. [acesso em: 9 maio 2022]. Disponível em: https://www.uptodate.com/ contents/causes-and-diagnosis-of-iron-deficiency-and-iron-deficiency-anemia-in-adults. 2. Auerbach M. Treatment of iron deficiency anemia in adults. [Internet]; 2022. [aces- so em: 9 maio 2022]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/ treatment-of-iron-deficiency-anemia-in-adults. 3. Grotto HZW. Metabolismo do ferro: uma revisão sobre os principais mecanismos envolvidos em sua homeostase. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia [online]. 2008, v. 30, n. 5, p. 390-397. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516- 84842008000500012. Acesso em: 8 maio 2022. ISSN 1806-0870. 4. Gupta PM, Hamner HC, Suchdev PS, et al. Iron status of toddlers, nonpregnant fe- males, and pregnant females in the UnitedStates. Am J Clin Nutr 2017; 106:1640S. 5. Price EA, Mehra R, Holmes TH, Schrier SL. Anemia in older persons: etiology and evaluation. Blood Cells Mol Dis 2011; 46:159. 6. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas. Anemia por deficiência de ferro. 2014. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2014/pcdt_ Anemia_DeficienciaFerro_2014.pdf. Acesso em: 9 maio 2022. sanarflix.com.br Copyright © SanarFlix. Todos os direitos reservados. Sanar Rua Alceu Amoroso Lima, 172, 3º andar, Salvador-BA, 41820-770 1. Introdução 2. Metabolismo do ferro 3. Etiologia 3.1. Ingesta menor do que a demanda 3.2. Deficiência na absorção 3.2.1. Doença celíaca 3.2.2. Cirurgia bariátrica 3.3. Perda de ferro 4. Estágios da deficiência de ferro 4.1. Balanço de ferro negativo 4.2. Eritropoiese deficiente em ferro 4.3. Anemia ferropriva propriamente dita 5. Quadro clínico 6. Diagnóstico 6.1. Alterações laboratoriais no hemograma 6.2. Alterações no laboratório do ferro 7. Tratamento 7.1. Terapia com reposição oral de ferro 7.2. Ferroterapia parenteral 7.3. Transfusão de hemácias Referências bibliográficas Bibliografia consultada
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