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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS RODOLPHO SANTOS DE VASCONCELOS PETROBRAS: REFLEXÕES SOBRE A MUDANÇA DE ESTRATÉGIA DE NEGÓCIO A PARTIR DE 2015 E OS IMPACTOS DE SUA SAÍDA DO RIO GRANDE DO NORTE Natal/RN 2022 RODOLPHO SANTOS DE VASCONCELOS PETROBRAS: REFLEXÕES SOBRE A MUDANÇA DE ESTRATÉGIA DE NEGÓCIO A PARTIR DE 2015 E OS IMPACTOS DE SUA SAÍDA DO RIO GRANDE DO NORTE Monografia apresentada no processo avaliativo de Defesa de Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito obrigatório e parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Contábeis. Orientador: Prof. Dr. Alexandro Barbosa Natal/RN 2022 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/440 Vasconcelos, Rodolpho Santos de. Petrobras: reflexões sobre a mudança de estratégia de negócio a partir de 2015 e os impactos de sua saída do Rio Grande do Norte / Rodolpho Santos de Vasconcelos. - 2022. 164f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Curso de Ciências Contábeis, Natal, 2022. Orientador: Prof. Dr. Alexandro Barbosa. 1. Contabilidade - Monografia. 2. Estratégia de negócio - Monografia. 3. Petróleo e gás - Monografia. 4. Petrobras - Monografia. 5. Rio Grande do Norte. I. Barbosa, Alexandro. II. Título. RN/UF/CCSA CDU 657 RODOLPHO SANTOS DE VASCONCELOS PETROBRAS: REFLEXÕES SOBRE A MUDANÇA DE ESTRATÉGIA DE NEGÓCIO A PARTIR DE 2015 E OS IMPACTOS DE SUA SAÍDA DO RIO GRANDE DO NORTE Monografia apresentada no processo avaliativo de Defesa de Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito obrigatório e parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Contábeis. Aprovada em: _______/_______/_______. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Prof. Dr. Alexandro Barbosa Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Orientador ____________________________________________________________ Prof. Dr. João Rodrigues Neto Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Membro da Banca ____________________________________________________________ Prof. Msc. Ivan Alves do Nascimento Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Membro da Banca Dedico a todos aqueles que valorizam nosso país e lutam para torná-lo soberano. Dedico também aos que defendem nossas empresas estatais, como a Petrobras que, nesses 68 anos, mostra que é possível ter orgulho do que o povo brasileiro produz. AGRADECIMENTOS Caminhar uma jornada de braços dados com os nossos, independente do destino, já faz o percurso de trajetória valer a pena. Assim, pela generosidade que me permitiu seguir adiante, agradeço: Aos meus pais, Airton e Edna, que com amor incondicional, me oportunizaram conhecimento e, pacientemente, me ofertaram os melhores ensinamentos e exemplos, sem pestanejar em ceder sempre a mão firme da retidão e amiga do apoio; À minha companheira, Jana Sá, cuja sensibilidade, consideração, compreensão e carinho vem, ao longo de mais de 20 anos, me permitindo ver além dos meus olhos; À minha filha, Ana Beatriz, a quem vejo, orgulhosamente, seguir seu próprio caminho, com firmeza, grandeza de espírito e inteligência; À minha irmã, Erica, e meus sobrinhos, Enzo e Enrico, cuja admiração e carinho me fazem querer ser uma pessoa melhor; Aos meus falecidos avôs, Messias e Herberto, e avós, Hilda e Jacira, de quem sinto saudades e profundo respeito. Ao meu orientador, professor Alexandro Barbosa, pela atenção dispensada e críticas construtivas que agregaram valor a essa pesquisa; Aos professores, João Rodrigues Neto e Ivan Alves do Nascimento, que com suas experiências, me horaram em compor a banca de qualificação e contribuir no aprimoramento do trabalho; À Petrobras, onde compreendi que o desafio é a nossa emergia, que orgulha a sociedade brasileira e muito mais a quem lá trabalha; Aos diversos colegas de trabalho da Petrobras que conheci ao longo de 16 anos, pela aprendizagem, camaradagem, zelo profissional e afinco em manter a empresa em alto nível; À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que me oportuniza a segunda graduação em nível de excelência, pela vivência acadêmica e formação cidadã; Aos colegas de turmas, pelas trocas de experiências, convivência harmoniosa e descontraída; A todos os professores do Departamento de Contábeis Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que participaram da construção da minha carreira acadêmica; Aos colegas sindicalistas do SINDIPETRO-RN, local onde pude experimentar a dedicação desmedida pelas causas coletivas, citando, especialmente, o baluarte e persistente Marcio Dias, não só por disponibilizar fontes para meu trabalho, mas por ser a própria fonte de conhecimento e vivência junto à atividade e categoria petroleira; Aos economistas Cloviomar Cararine, do DIEESE, subseção da Federação Única dos Petroleiros, e Henrique Jaeger, do INEEP, pela cortesia e atenção em indicar caminhos e dispor materiais fundamentais para construir este trabalho; E, por fim, agradeço a todos ainda não citados que contribuíram direta ou indiretamente para a elaboração desta pesquisa. “Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma.” (Carta-testamento de Getúlio Vargas) RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar as mudanças na estratégia de negócio da Petrobras, especialmente a partir de 2015, e discutir suas perspectivas futuras. Também busca-se analisar a contribuição da Petrobras para a sociedade e economia do Rio Grande do Norte, a decisão de sua saída do estado e consequências relacionadas. Para isso, definiu-se como procedimento metodológico o estudo descritivo, como também, exploratório, por meio de levantamento bibliográfico e documental. Na abordagem do problema, a pesquisa é predominantemente qualitativa. As análises e reflexões apontam que a estatal deu uma guinada em seus planos estratégicos, e passou a vender diversos ativos, reduziu seus investimentos e vem desintegrando suas cadeias produtivas de energia. Desta forma, reduziu seu portifólio, passado a atuar quase que exclusivamente na exploração e produção de petróleo e gás em águas profundas e ultra profundas, com concentração nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo e foco na exportação. As gestões recentes da empresa tem priorizado majorar o lucro a curto prazo, à custa de venda de ativos, redução de investimentos e aumento no preço de combustíveis. Essa estratégia vem permitindo aumentar a remuneração dos seus acionistas. No Rio Grande do Norte, o processo de saída da estatal tem se dado não só pela redução da produção de petróleo, gás e derivados devido à queda drástica de investimentos, mas principalmente pela venda praticamente da totalidade dos ativos no estado. Assim, já se percebeos impactos na economia local, com oscilação nas participações governamentais e sociais resultantes da atividade petrolífera e redução dos investimentos sociais, ambientais, científicos, dentre outros. Vê-se também a diminuição da oferta de empregos e no número de empresas prestadoras de serviços e fornecedores de bens à Petrobras. Ao mesmo tempo, as novas operadoras que vem adquirindo os ativos da estatal não conseguiram, até o momento, manter padrão semelhante de atuação. Por fim, a nova política de preço de paridade de importação aplicada pela Petrobras vem resultando em aumentos sistemáticos nos preços dos combustíveis no país. Ao passo que isso favorece a lucratividade da estatal, cria um embate com a sociedade, que vem arcando com custos inflacionados. E, por consequência, os próprios agentes políticos que atuam no governo federal, e que detém o poder diretivo na escolha dos gestores da Petrobras, colocam como solução pautar a privatização integral da companhia, colocando em xeque a relevância da maior empresa brasileira como sociedade de economia mista. Palavras-chave: Petrobras; petróleo e gás; cadeias de energia; Rio Grande do Norte. ABSTRACT The present work aims to analyze the changes in Petrobras’ business strategy, especially from 2015, and discuss its future prospects. It also seeks to analyze Petrobras’ contribution to the society and economy of Rio Grande do Norte, the decision to leave the state and related consequences. For this, the descriptive study was defined as a methodological procedure, as well as an exploratory one, through a bibliographic and documentary survey. In approaching the problem, the research is predominantly qualitative. The analyzes and reflections point out that the state-owned company has taken a turn in its strategic plans, and started to sell several assets, reduced its investments and has been disintegrating its energy production chains. In this way, it reduced its portfolio, starting to operate almost exclusively in the exploration and production of oil and gas in deep and ultra-deep waters, with a concentration in the states of Espírito Santo, Rio de Janeiro and São Paulo. The company's recent management has prioritized increasing short-term profit, at the expense of selling assets, reducing investments and increasing fuel prices. This strategy has made it possible to increase the remuneration of its shareholders. In Rio Grande do Norte, the process of exiting the state-owned company has not only been due to the reduction of oil, gas and derivatives production due to the drastic drop in investments, but mainly due to the sale of practically all the assets in the state. Thus, the impacts on the local economy can already be perceived, with oscillation in governmental and social participation resulting from the oil activity and reduction of social, environmental, scientific investments, among others. There is also a decrease in the supply of jobs and in the number of companies providing services and suppliers of goods to Petrobras. At the same time, the new operators that have been acquiring the state- owned company’s assets have not managed, so far, to maintain a similar pattern of performance. Finally, the new import parity price policy applied by Petrobras has resulted in systematic increases in fuel prices in the country. While this favors the profitability of the state-owned company, it creates a clash with society, which has been bearing inflated costs. And, as a consequence, the political agents who work in the federal government, and who hold the directive power in the choice of Petrobras managers, consider the solution to guide the company’s full privatization, putting in question the relevance of the largest Brazilian company as a society of mixed economy. Keywords: Petrobras; oil and gas; power chains; Rio Grande do Norte. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Subprodutos do petróleo, seus pontos de ebulição e usos ..................... 28 Quadro 2 - Pesquisas que analisaram os impactos decorrentes das atividades petrolíferas nos municípios........................................................................................ 42 Quadro 3 - Venda de ativos da Petrobras alocados no RN (R$ milhões). .............. 109 Quadro 4 – Venda de ativos nacionais da Petrobras com presença no RN (R$ milhões). .................................................................................................................. 110 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa geológico da Bacia Potiguar............................................................ 50 Figura 2 - Mapa dos municípios produtores de petróleo no RN ................................ 54 Figura 3 – Usina Fotovoltaica Alto do Rodrigues ...................................................... 65 Figura 4 - Banner do lançamento da Campanha Pelo povo potiguar, a Petrobras fica no RN ...................................................................................................................... 118 Figura 5 - Nova fronteira da exploração de petróleo na margem equatorial marítima brasileira .................................................................................................................. 121 Figura 6 - Blocos exploratórios da margem equatorial marítima arrematados nas rodadas da ANP ...................................................................................................... 122 Figura 7 - Blocos ofertados na 17ª Rodada de Licitações da Bacia Potiguar .......... 123 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Parcela que exceder os 5% de royalties da produção de petróleo e gás natural ....................................................................................................................... 41 Gráfico 2 – Oferta Interna de energia no Brasil em 2020 .......................................... 46 Gráfico 3 – Histórico da produção de petróleo na Bacia Potiguar de 1976 a 2000 (mil bbl/d) ......................................................................................................................... 49 Gráfico 4 - Conteúdo local médio relativo às etapas de exploração e desenvolvimento das propostas vencedoras nas dez primeiras rodadas de licitação (%). ................... 51 Gráfico 5 – Histórico da produção de petróleo e gás natural no RN e no Brasil de 200 a 2021 (boe/dia) ........................................................................................................ 55 Gráfico 6 – Petróleo refinado pela RPCC (bbl/d), fator de utilização da RPCC e da média das refinarias do Brasil ................................................................................... 59 Gráfico 7 – Balanço nacional dos principais derivados de petróleo (mil m3/d).......... 60 Gráfico 8 – Comparativo do petróleo cru exportado, do petróleo nacional refinado e da capacidade de refino nacional (mil bbl/d). ................................................................. 61 Gráfico 9 – Produção (boe/d) de petróleo e gás natural no RN por operadora ......... 68 Gráfico 10 – Histórico de pagamento de royalties ao Rio Grande do Norte e aos seus municípios beneficiários (R$ mil) ............................................................................... 69 Gráfico 11 – Comparativo da variação do câmbio do Dólar americano convertido no Real e da cotação do barril de petróleo tipo Brent (US$) .......................................... 70 Gráfico 12 – Participação dos royalties nas receitas totais dos municípios beneficiários no RN ........................................................................................................................ 71 Gráfico 13 – Recolhimento de tributos (próprio e de terceiros) pela Petrobras no Brasil (R$ bilhões). .............................................................................................................. 75 Gráfico14 – ICMS recolhido pela Petrobras (próprio e de terceiros) no RN e sua participação no total recolhido pelo estado. .............................................................. 76 Gráfico 15 – Recolhimento de ISS (terceiros) aos municípios do RN (R$ milhões). . 78 Gráfico 16 – Investimentos da Petrobras em Cultura (R$ milhões). .......................... 79 Gráfico 17 – Investimentos da Petrobras em Cultura (% da receita líquida). ............ 80 Gráfico 18 – Recursos investidos e quantidade de contratos de convênios, patrocínios e termos de cooperação assinados pela Petrobras no RN. ...................................... 81 Gráfico 19 – Valor do investimento em contratos assinados com a FUNPEC (R$). . 83 Gráfico 20 – Histórico dos empregos diretos (empregados próprios e terceirizados) no RN. ............................................................................................................................ 86 Gráfico 21 – Número de contratos e valor contratado pela Petrobras na UN-RNCE 90 Gráfico 22 – Histórico do CAPEX da Petrobras por área (US$ Milhões). ................. 99 Gráfico 23 – Histórico de reservas provadas de petróleo no Brasil da Petrobras e Total (milhões de bbl). ...................................................................................................... 100 Gráfico 24 – Histórico da participação do capital social (ações ordinárias e preferenciais) da Petrobras. .................................................................................... 103 Gráfico 25 – Histórico de investimentos da Petrobras no RN entre 2001 e 2020 (R$ milhões). .................................................................................................................. 106 Gráfico 26 – Rateio dos ativos vendidos de acordo com a nacionalidade das empresas compradoras. .......................................................................................................... 107 Gráfico 27 – Produção pré-sal x pós-sal entre 2016 e 2021 (%) ............................. 125 Gráfico 28 – Histórico dos preços médios dos combustíveis (Gasolina, Diesel S-10 e Gás de Cozinha) nas refinarias da Petrobras.......................................................... 128 Gráfico 29 – Participação do salário-mínimo nacional, convertido em R$, para abastecer um tanque de 40 litros de gasolina. ........................................................ 132 Gráfico 30 - Caixa e equivalente de caixa ao fim do exercício (R$ milhões) ........... 136 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Número de poços produtores de petróleo e de gás natural no RN ......... 55 Tabela 2 – Reservas provadas de petróleo e gás natural no RN (milhões de boe). . 56 Tabela 3 – Produção e sua participação no consumo de gasolina e óleo diesel no Nordeste. ................................................................................................................... 62 Tabela 4 – Balanço de energia elétrica no RN (em GWh). ....................................... 63 Tabela 5 – Produção de mamona e girassol no Ceará e RN (em toneladas). .......... 66 Tabela 6 – Quantidade de municípios nordestinos que receberam royalties de petróleo e sua participação na receita municipal no ano de 2017. .......................................... 72 Tabela 7 – Quantidade de proprietários da terra e o valor médio recebido no RN e no Brasil. ........................................................................................................................ 73 Tabela 8 – Tributos arrecadados pela Petrobras em cada esfera de poder. ............. 74 Tabela 9 – Brasil e grandes regiões: evolução do estoque de empregos formais, 2002 e 2010. ...................................................................................................................... 83 Tabela 10 – Situação do salário médio dos setores da indústria de petróleo e energia no Nordeste. .............................................................................................................. 87 Tabela 11 - Dados das demonstrações financeiras da 3R Petroleum (consolidado) de 2019 a 2021 (R$ milhares) ........................................................................................ 88 Tabela 12 - Redução dos investimentos previstos - Petrobras e Construção Civil (R$ milhões nominais) ..................................................................................................... 93 Tabela 13 – Impactos negativos da redução dos investimentos, considerando efeitos diretos, indiretos ........................................................................................................ 94 Tabela 14 – Projeção do PIB das principais economias mundiais (%). ..................... 96 Tabela 15 – Previsão de indicadores do Relatório Focus para 2022. ....................... 97 Tabela 16 – Dispêndios da geração de caixa líquido em cada Plano Estratégico e sua variação (R$ bilhões). ............................................................................................. 104 Tabela 17– Reajuste nos preços nas refinarias por empresa ................................. 114 Tabela 18 – Custos médios por poço exploratório perfurado no Brasil de 2016 a 2020 ................................................................................................................................ 126 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABGP – Associação Brasileira de Geólogos do Petróleo ABPIP – Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás ANP – Agência Nacional do Petróleo BCB – Banco Central do Brasil BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CA – Conselho de Administração C&T – Ciência e Tecnologia CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CENAP – Centro de Aperfeiçoamento de Pesquisa do Petróleo CGU – Controladoria Geral da União Cia – Companhia CNI – Confederação Nacional da Indústria CNPE – Conselho Nacional de Política Energética CPRM – Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais CL – Conteúdo Local COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos EIA – U.S. Energy Information Administration EPE – Empresa de Pesquisa Energética E&P – Exploração e Produção Fafens – Fábricas de Fertilizantes FCD – Fluxo de Caixa Descontado FHC – Fernando Henrique Cardoso FIERN – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte FMI – Fundo Monetário Internacional FNP – Federação Nacional dos Petroleiros FR – Fator de Recuperação FUP – Federação Única dos Petroleiros FUR – Fator de utilização das refinarias FUNPEC – Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura GLP – Gás liquefeito de petróleo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação ICTs – Instituições de Ciência e Tecnologia IOC – International Oil Companies Ineep – Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal MPF – Ministério Público Federal NOC – National Oil Companies NRGI – Natural Resource Governance Institute NTS – Nova Transportadora do Sudeste OGR – Óleos e gorduras residuais OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo OTC – Offshore Technology Conference Pbio – Petrobras Biocombustível S.A. PE – Plano Estratégico PIB – Produto Interno Bruto PMPF – Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final PPI – preço de paridade de importação Promef – Programa de Modernizaçãoe Expansão da Frota Prominp – Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural Prorefam – Programa de Renovação e Expansão da Frota de Embarcações de Apoio Marítimo REMAN – Refinaria Isaac Sabbá RLAM – Refinaria Landulpho Alves RNEST – Refinaria Abreu e Lima RPCC – Refinaria Potiguar Clara Camarão RN – Rio Grande do Norte S.A. – Sociedade Anônima SICONFI – Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro SIN – Sistema Interligado Nacional SINDIPETRO – Sindicato dos Petroleiros e Petroleiras SIX – Unidade de Industrialização do Xisto STN – Secretaria do Tesouro Nacional TAG – Transportadora Associada de Gás TCC – Termo de Compromisso de Cessação TCU – Tribunal de Contas da União TLD – Testes de Longa Duração UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFVA – Usina Fotovoltaica de Alto de Rodrigues UM-RNCE – Unidade de Negócios do Rio Grande do Norte e Ceará Uns – Unidades de Negócios UNDP – United Nations Development Programme UPGN – Unidade de Processamento de Gás Natural UTE-JSP – Usina Termelétrica Jesus Soares Pereira VPL – Valor presente líquido LISTA SÍMBOLOS bbl/d – Barril por dia bbl – Barril % – Percentual R$ – Real C – Carbono H – Hidrogênio CO2 – Gás carbônico boe – Barril de óleo equivalente US$ – dólar americano m3 – Metro cúbico boe/d – Barril de óleo equivalente por dia km2 – quilômetro quadrado R$/m³ – Real por metro cúbico V g – volume da produção do gás natural P g – preço de referência do gás natural m3/d – Metro cúbico por dia GWh – Gigawatt hora MW – Megawatt t/h – tonelada hora GW – Gigawatt R(t) – volume de reservas provadas no ano t D(t) – volume de descobertas no ano t P(t) – produção no ano t SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 21 2 PETROBRAS: ALTOS E BAIXOS DA MAIOR EMPRESA DE ENERGIA DO PAÍS 27 3 PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS E SOCIAIS RESULTANTES DA ATIVIDADE PETROLÍFERA ..................................................................................... 38 4 MERCADO ENERGÉTICO NACIONAL E POTIGUAR: A LIDERANÇA DA PETROBRAS E A PARTICIPAÇÃO DE OUTROS AGENTES ................................ 46 4.1 Início da atuação no estado do RN ............................................................... 47 4.2 Rodadas de leilões da Bacia Potiguar e política de Conteúdo Local ......... 49 4.3 Exploração e Produção de petróleo e gás natural ....................................... 53 4.3.1 Campos maduros e acumulações marginais .................................................. 57 4.4 Refino ............................................................................................................... 58 4.5 Outras matrizes energéticas .......................................................................... 62 4.5.1 Termoeletricidade, energias eólica e fotovoltaica ........................................... 63 4.5.2 Biocombustíveis .............................................................................................. 65 4.6 Atuação de pequenos e médios produtores de petróleo e gás .................. 67 5 CONTRIBUIÇÕES DA PETROBRAS NO RN EM PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS E SOCIAIS, MERCADO DE TRABALHO E ECONOMIA REGIONAL ............................................................................................................... 69 5.1 Royalties, participações especiais e proprietários de terras ...................... 69 5.2 Tributos ........................................................................................................... 73 5.3 Investimentos sociais, ambientais, científicos e outros ............................. 78 5.4 Mercado de trabalho ....................................................................................... 83 5.5 Empresas fornecedoras e prestadoras de serviços .................................... 89 6 MUDANÇA NOS RUMOS DA PETROBRAS ................................................... 91 6.1 Interesses estrangeiros e desdobramentos da operação Lava Jato ......... 91 6.2 Redução dos investimentos e aumento na remuneração dos acionistas . 97 6.3 Venda de ativos e desintegração da cadeia de energia ............................ 106 6.4 Campanha: A Petrobras Fica ....................................................................... 116 6.5 Perspectivas futuras ..................................................................................... 119 6.6 A política de preços de combustíveis e a retomada do debate sobre a privatização da estatal .......................................................................................... 127 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 137 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 143 APÊNDICE A - RODADAS DE LEILÕES DA BACIA POTIGUAR ........................ 164 21 1 INTRODUÇÃO A história humana está diretamente interligada às disputas de poder geopolítico entre as nações e blocos supranacionais. Nessa esteira, as fontes de energias assumiram um papel fundamental nas agendas desenvolvimentista governamentais. E a partir da segunda metade do século XX, o petróleo assumiu a liderança como recurso decisivo para supremacia econômica e política das nações, em especial aquelas que largaram primeiro com suas Revoluções Industriais. No Brasil, quando se fala em petróleo, gás e derivados, se pensa logo em Petrobras. Empresa esta que assumiu o papel central nas descobertas e explorações desses recursos, permitindo o alcance e manutenção da soberania energética, operando com liderança no segmento de petróleo e gás natural na América Latina. Sociedade de economia mista dotada de personalidade jurídica de direito privado, a Petrobras teve sua criação autorizada por lei sob a forma de sociedade anônima (S.A.), cujas ações são comercializadas em bolsas de valores, detendo à União a maioria das ações com direito a voto, conforme definição da Lei nº 13.303/2016 (BRASIL, 2016). À medida que se deu o avanço na exploração das atividades petrolíferas, a legislação nacional veio se aperfeiçoando no sentido de prover compensações financeiras às entidades federativas, por meio de participações governamentais, sob responsabilidade das empresas exploradoras, conhecidas como operadoras. Essas participações beneficiam União, estados, municípios e proprietários de terras mediante o pagamento de royalties, participações especiais, dentre outros encargos. No Rio Grande do Norte (RN), a indústria petrolífera iniciou suas operações em 1973, passando a exercer maior influência na economia ao longo da década de 1990, quando se intensificou as descobertas e atividades da cadeia do petróleo e gás. Consoante dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a produção na Bacia Potiguar cresceu até 1998, o auge da produção da commodity com 94,5 mil bbl/d1, respondendo então por, aproximadamente, 13% de todo o petróleo produzido no país. A partir daí, a produção veio declinando. No ano 2008 a participação potiguar era de 3,57% da produção brasileira com 67,8 mil bbl/d, até que em 2020 estava em 36,3 mil 1 Barril (bbl) é uma unidade de padrão de volume do Sistema Americano que, para o caso específico do petróleo, equivale a 158,9873 litros (FGV ENERGIA, 2021). 22 bbl/d, respondendo com apenas 1,19% do total (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS, 2021a). A redução da produção de determinado campo de produção é consequência natural do exaurimento do reservatório, considerando que as fontes fósseis são um recurso finito. Entretanto, o investimento em técnicas de recuperação permite aumentar o Fator de Recuperação (FR) das reservas, viabilizandoa extração de um pouco mais do petróleo que ainda resta espraiado por entre as rochas do reservatório. Isso posto, o declínio produtivo na Bacia Potiguar vem ocorrendo de forma mais acentuada há aproximadamente 10 anos, devido justamente à redução dos investimentos na região que melhoraria o FR. Mais recentemente, a partir do ano 2020, com a venda de campos de produção da Petrobras no RN, a redução se intensificou. Inclusive, a empresa já recebeu proposta para aquisição das áreas remanescentes que ainda restam no Rio Grande do Norte. Como resultado desse processo, o estado, que chegou a ser o segundo maior produtor da commodity petróleo do país, graças à atuação consistente da Petrobras, deverá ser o primeiro a ver a saída da estatal de suas fronteiras. Por outro lado, em âmbito nacional, vê-se a produção aumentando ano após ano, principalmente com o advento da exploração das áreas do pré-sal, descoberto pela Petrobras em 2006, permitindo que a empresa chegasse a alcançar, no 3º trimestre de 2014, a condição de maior produtora mundial de líquidos combustíveis entre as empresas de capital aberto (PETROBRAS, 2015d). Acontece que as gestões da Petrobras que assumiram desde 2015 vêm realizando uma série de medidas no sentido de reestruturar a empresa. Dentre as principais, destaca-se a redução do quadro de pessoal da holding2, que saiu do ápice de 86.111 empregados, em dezembro de 2013, para 45.787, em novembro de 2021 (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO (Brasil), 2021b). O foco de deu também na redução de outros custos, investimentos, endividamento da empresa, assim como o implemento da política de Preços de Paridade de Importação (PPI)3 e, principalmente, 2 Sociedade empresária cuja totalidade ou parte de seu capital é aplicada em ações de outra sociedade gerando controle sobre a administração delas. 3 O preço de paridade de importação (PPI), ou política de paridade internacional, segundo definido por alguns autores, representa uma metodologia utilizada pela Petrobras desde 2016 para a formulação do preço de venda de combustíveis nas refinarias. A formação do preço considera os custos do produto importado trazido ao país para diferentes pontos de entrega, utilizando como base a média semanal dos preços levantados pela S&P Global Platts, que é uma entidade que fornece informações sobre energia e commodities, sendo ainda uma fonte de avaliações de preços de referência nos mercados de commodities físicas. 23 a estratégia de venda deliberada de ativos da estatal que já resultou na alienação de quase R$ 240 bilhões desde 2015 (DANTAS; SILVEIRA, 2021). Considerando o exposto, o presente trabalho procurará discorrer sobre a evolução da cadeia do petróleo e gás e o papel central da Petrobras para o Brasil e, especialmente, para o RN, em seus 68 anos de existência. Será visto também o processo de inflexão que tem levado a estatal brasileira a restringir sua atuação ao segmento de exploração de petróleo e gás em águas profundas e ultra profundas. É que os últimos gestores juntamente com o Conselho de Administração da Companhia (Cia) passaram a considerar que todas as outras áreas e ativos da complexa cadeia em que a Petrobras se inseriu não seriam mais relevantes para seu portifólio, dentre eles os ativos do estado do Rio Grande do Norte. Diante disso, evoluiu-se para o seguinte problema de pesquisa: quais as principais reflexões a se destacar com as mudanças de estratégia de negócio da Petrobras, especialmente a partir de 2015, as consequências da política de venda de ativos, redução de investimentos e desintegração das cadeias produtivas de energia em que a estatal vinha se inserindo, e os impactos sociais e econômicos decorrentes do processo de sua saída do estado do Rio Grande do Norte? Definiu-se como procedimentos metodológicos a consolidação de um conjunto de referenciais teóricos, tanto bibliográfico quanto documental, utilizando-se de pesquisas anteriores como artigos científicos, trabalhos de conclusão de cursos, dissertações e teses, além de livros e matérias de jornais. Essas fontes permitiram analisar a contribuição da Petrobras como principal entidade da cadeia do petróleo, por maio das participações governamentais da atividade petrolífera, do fomento ao mercado de trabalho e do desenvolvimento econômico e social regional. Desta forma, o trabalho também teve como procedimento o estudo de caso, que, segundo Gil (2010), é caracterizado pelo estudo exaustivo de determinado objeto, descrevendo o contexto em que está sendo feita determinada investigação. Neste caso, analisa-se o comportamento histórico da gestão e planos estratégicos da Petrobras, assim como as mudanças de ordem conjuntural, política, econômica e institucional onde a Companhia está inserida. Na abordagem do problema, vê-se que a pesquisa é predominantemente qualitativa, já que utilizando-se de dados esquematizados que possibilite verificar as questões evolutivas ou involutivas atreladas à atuação da Petrobras, sem, entretanto, requerer o uso de métodos e técnicas de estatística. Segundo Richardson (2015), o 24 método qualitativo busca compreender os fenômenos sociais, permitindo descrever a complexidade de um dado problema. Coletou-se e consolidou-se dados de diversas fontes oficiais de organizações reconhecidas nacionalmente, como: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Banco Central do Brasil (BCB), Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Controladoria Geral da União (CGU), Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Petrobras e Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Quanto aos objetivos metodológicos, a pesquisa é descritiva, na medida em que se preocupa em analisar os fatos e fenômenos, identificando as relações existentes entre as variáveis estudadas (RAUPP; BEUREN, 2006). Entende-se que a abordagem exploratória da pesquisa também foi utilizada, pois permitiu-se uma visão geral de determinado fato, cujo tema é genérico (GIL, 2010), como é o caso do setor energético liderado no Brasil pela Petrobras. O presente estudo tem como objetivo geral analisar as mudanças mais recentes nos rumos estratégicos da Petrobras e discutir suas perspectivas futuras. Em termos mais específicos, pretende-se: - Analisar a atuação histórica da Petrobras no Brasil, especialmente no Rio Grande do Norte, e a inserção de pequenos e médios produtores de petróleo e gás em substituição à estatal; - Descrever as contribuições da Petrobras com participações governamentais, tributos, investimentos sociais, mercado de trabalho e economia regional; - Identificar os impactos que têm sido gerados com o processo de saída da Petrobras do Rio Grande do Norte; e, - Avaliar a desintegração das cadeias produtivas da Petrobras, a venda de ativos, a redução dos investimentos, a nova política de preço de combustíveis e a retomada da pauta de privatização da empresa. O esforço para a realização deste trabalho justifica-se pela relevância da Petrobras, suas cadeias energéticas, especialmente a do petróleo, gás e seus derivados, o impacto social e econômico, a preocupação com o desenvolvimento e a soberania energética do Brasil, como também, a participação representativa da empresa para o Rio Grande do Norte. 25 Com o advento do pré-sal, o país foi alçado ao seleto grupo detentor das maiores reservas mundiais. Portanto, esta pesquisa pretende detalhar como vem se organizando as cadeias produtivas do petróleo, gás natural e outras fontes energéticas primárias, além das perspectivas para o setor, considerando o cenário da redução das atividades da Petrobras no RN e o paulatino crescimento de outras operadoras.Nesse sentido, avalia o alcance da participação da Companhia no estado e seu papel fundamental para o desenvolvimento econômico, social, cultural, científico, educacional, dentre outros. Dessa maneira, os resultados obtidos na pesquisa poderão subsidiar os agentes públicos e os cidadãos para compreenderem as variáveis que impactam e influenciam, por exemplo, na arrecadação dos municípios, na política de precificação dos combustíveis, no potencial nacional e diversidade das fontes de energia, assim como, na geração de emprego e renda decorrentes das cadeias de energia. Enfim, temas de relevante criticidade para a sociedade, especialmente a potiguar. Este trabalho está estruturado em sete capítulos, sendo a introdução o inaugural, onde além de apresentar a temática também é exposto a metodologia, a justificativa, o problema e os objetivos. O capítulo dois apresenta o histórico da Petrobras, desde o nascimento da empresa até os dias de hoje. No terceiro, detalha- se as participações governamentais e sociais decorrentes da atividade petrolífera, inclusive é apresentado estudos anteriores que apontam os impactos em diversos municípios beneficiados com esses recursos. O quarto capítulo aborda o mercado energético potiguar liderado pela estatal e a participação de outros agentes. Nele, trata-se da atuação da Petrobras no estado, das rodadas de leilões de áreas petrolíferas e da aplicação da política de Conteúdo Local, assim como do detalhamento das várias atividades que envolvem a cadeia energética potiguar, que são a exploração e produção de petróleo e gás natural, o refino e outras matrizes energéticas como termoeletricidade, biocombustíveis, energias eólica e solar. O quinto capítulo irá discorrer sobre as contribuições da Petrobras no estado do RN, especificamente nas participações governamentais e sociais, no mercado de trabalho e na economia regional. O capítulo seis aborda as mudanças nos rumos da Cia, os interesses estrangeiros, os desdobramentos da Operação Lava jato, a redução dos investimento, a venda de ativos e desintegração da cadeia de energia. Mostra ainda os esforços de entidades da sociedade civil para manter a empresa atuante no Rio Grande do Norte, traça ainda algumas perspectivas futuras, discorre ainda sobre a 26 atual política de preço de combustíveis e a retomada do debate da privatização da estatal. Por fim, no capítulo sete, são apresentadas as considerações finais da pesquisa. 27 2 PETROBRAS: ALTOS E BAIXOS DA MAIOR EMPRESA DE ENERGIA DO PAÍS Na primeira metade do século XX, em substituição a uma economia quase que exclusivamente agroexportadora baseada em monoculturas, a indústria aflorava no Brasil em setores específicos, como o de bens de consumo não duráveis e bens intermediários (como tecidos, cimento e papel). Nos governos dos presidentes Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitscheck, João Goulart e alguns chefes de Estado do regime militar iniciado em 1964, viu-se um esforço deliberado para a construção do “debate sobre a industrialização brasileira, ocorrido no período do Pós- Guerra [...] [, e o] papel desempenhado pelo Estado [...] na participação do processo de desenvolvimento industrial [brasileiro]” (RODRIGUES NETO, 2007, p. 3). Esse modelo econômico de base industrial atrelado à participação governamental como vanguarda na elaboração de planos, regulação e estruturação de cadeias através de forte investimento público fomentou a criação de várias empresas estatais, especialmente entre as décadas de 40 e 70. Elas foram fundamentais para impulsionar o desenvolvimento econômico e tecnológico nacional, sendo destaque (em ordem crescente de ano de criação): Companhia Siderúrgica Nacional-CSN (1940), Companhia Vale do Rio Doce (1942), Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945), Petrobras (1953), Usiminas (1956), Eletrobras (1961), Serpro (1964), Embraer (1969), Telebrás (1972) e Embrapa (1973). Além dessas empresas controladas pela União, também se criou subsidiárias de destaque como BR Distribuidora, Transpetro, Eletronuclear e Chesf. Sem contar as estatais sob controle dos estados da federação que também foram fundamentais para o desenvolvimento das regiões. Em 1952, criou-se ainda o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)4, que financiou principalmente a instalação de indústrias de metalurgia, petroquímica, de bens de capital e a infraestrutura de transportes. Como insumos para essas indústrias, o Brasil começava a compreender a relevância de explorar e aproveitar melhor seus recursos naturais, e principalmente os minerais (inclusive, nacionalizando-os), dentre eles o petróleo, que já se mostrava impactante na geopolítica mundial desde o início do século XX. O mineral, que passou 4 O início dos anos 80 foi marcado pela integração das preocupações sociais à política de desenvolvimento. A mudança se refletiu no nome do Banco, que, em 1982, passou a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 28 a ser decisivo para os países envolvidos na Segunda Guerra Mundial, se tornaria nos anos seguintes a principal fonte de energia primária da matriz energética mundial. O petróleo encontra-se disposto na natureza normalmente no estado líquido. É caracterizado como uma substância oleosa, inflamável, menos denso que a água e cor variante do preto ao castanho claro. Representa uma mistura de compostos químicos, principalmente carbono um e hidrogênio (H), e quando submetido ao calor intenso, através do processo de destilação fracionada, resulta em subprodutos de acordo com diferentes pontos de ebulição (THOMAS, 2001). As frações típicas do petróleo estão representados no quadro 1. Quadro 1 - Subprodutos do petróleo, seus pontos de ebulição e usos Fração Temperatura de ebulição Usos Gás residual Temperatura ambiente Gás combustível Gás liquefeito de petróleo – GLP Até 40 Gás combustível engarrafado para uso doméstico e industrial Gasolina 40 – 175 Combustível de automóveis, solvente Querosene 175 – 235 Iluminação, combustível de aviões Gasóleo leve 235 – 305 Diesel, fornos Gasóleo pesado 305 – 400 Combustível, matéria prima para lubrificantes Lubrificantes 400 – 510 Óleos lubrificantes Resíduo Acima de 510 Asfalto, piche, impermeabilizantes Fonte: Adaptado de Thomas, 2001. A cadeia produtiva da indústria do petróleo apresenta um conjunto de atividades agrupadas em três grandes áreas: exploração, produção e transporte do petróleo extraído para as refinarias (upstream); refino, importação e exportação de petróleo, gás natural e derivados, bem como seu transporte e armazenagem (midstream); e as atividades de distribuição e comercialização dos derivados do petróleo (downstream). Todos os segmentos da indústria petrolífera demandam grandes investimentos, notadamente na fase de Exploração e Produção (E&P), em decorrência do grau tecnológico e dos riscos envolvidos (PINTO JÚNIOR, 2007). 29 A campanha do Petróleo é Nosso foi uma das primeiras iniciativas nacionais onde discutiu-se que o petróleo descoberto em solo brasileiro deveria resultar em benefícios para a sociedade, sob a tutela e regras estabelecidas pelo Estado. “Em 04/2/1948 [...] o Governo Dutra enviou ao Congresso Nacional o Estatuto do Petróleo, que propunha, em seu artigo 1º, que as jazidas de petróleo fossem da União, bem como a pesquisa, a lavra, o refino e o transporte” (MORAES, 2018, p. 124). A campanha continha forte caráter nacionalista, e envolveu entidades da sociedade civil, militares, intelectuais, estudantes e profissionais liberais. Mas não foi uma disputa fácil, sofrendo forte oposição de parcelas da sociedade que acusavam que a proposta criaria uma cultura de reserva de mercado. De acordo com Tibiriçá (1983, p. 57 apud MORAES, 2018, p. 124-125), a campanha “enfrentou uma série de obstáculos, como o boicote dagrande imprensa, a repressão policial (justificada na sua suposta vinculação ao partido comunista, na ilegalidade desde 1947), a hostilidade do empresariado, entre outros”. Apesar dos embates, a campanha do Petróleo é Nosso sagrou-se vitoriosa, com a compreensão da maioria da sociedade de que os esforços na descoberta e exploração de petróleo, como matriz energética, seria fundamental para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. A criação da empresa estatal Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras) veio na esteira dessa tendência, que era encabeçada pelo próprio Getúlio Vargas. Assim, a Petrobras foi instituída pela Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953 (BRASIL, 1953), e representou um marco que impulsionaria o país ao cenário mundial, em especial devido à atividade industrial. A partir da década de 60, o Brasil vê o setor industrial superar a agropecuária no valor agregado para o conjunto da economia nacional (BORGES; CHADAREVIAN, 2014). Essa proeminente atividade no país passaria a envolver, conforme Antunes e Martim (2003, p. 153), um “conjunto de componentes interativos, incluindo fornecedores de insumos e serviços, indústrias de processamento e transformação, agentes de distribuição e comercialização, além de consumidores finais.” Mas para isso, tornava-se fundamental o desenvolvimento de quadros profissionais qualificados tecnicamente para atuar na pesquisa, desenvolvimento e operação de infraestruturas da cadeia do petróleo e gás natural. E para atender essa demanda de pessoal, em 1955, criou-se o Centro de Aperfeiçoamento de Pesquisa do Petróleo (CENAP). Entre 1955 e 1977, a entidade formou diversos especialistas como: administradores (237), 30 analistas de comércio (103), analistas de sistemas (381), contadores e economistas (70), engenheiros (3613) e geólogos e geofísicos (146) (RODRIGUES NETO, 2007). Sob o monopólio da Petrobras, a cadeia produtiva das commodities petróleo e gás foi ampliada e modernizada. Ao longo das décadas de 50 e 60, foram construídas refinarias distribuídas estrategicamente em alguns estados do país. Refinaria de Mataripe (1950), na Bahia; Refinaria Presidente Bernardo (1955) e Refinaria de Capuava (1956), em São Paulo; Refinaria Isaac Sabbá (1956), no Amazonas; Refinaria Duque de Caxias (1961), no Rio de Janeiro; Refinaria Gabriel Passos (1968), em Minas Gerais; e Refinaria Alberto Pasqualini (1968), no Rio Grande do Sul. Associados a algumas refinarias, foram montados polos petroquímicos, como o Complexo Petroquímico de Camaçari e o Polo Petroquímico do Sul. A Petrobras criou ainda, em 1967, a Petroquisa, uma subsidiária que atuava no setor petroquímico. Entre as décadas de 70 e 80, a Petrobras realizou descobertas relevantes nas Bacia Potiguar (Rio Grande do Norte e Ceará), do Recôncavo (Bahia) e do Solimões (Amazonas). Mas a produção começou a ganhar impulso mesmo com a descoberta da Bacia de Campos (Espírito Santo e Rio de Janeiro) na plataforma continental. Essa bacia é a síntese da nossa jornada de inovação em águas profundas e ultra profundas, [representando um verdadeiro] laboratório em escala real para o desenvolvimento de tecnologias que mudaram os rumos da indústria mundial de petróleo e gás, [e onde já foram produzidos] nada menos que 14 bilhões de barris de óleo equivalente (boe)5 acumulados (PETROBRAS, 2021a, online). Na crise mundial do petróleo de 1973, conhecida como o Segundo Choque do Petróleo, quando os países árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aumentaram o preço do barril em mais de 400%, saindo de US$ 14 o barril para US$ 58, a preços atuais, várias áreas descobertas, mas que ainda estavam inativas, passaram a ser economicamente vantajosas de se explorar. Situação intensificada com o Terceiro Choque do Petróleo de 1979, quando o barril passou de US$ 50 para US$ 120 o barril, a preços atuais (ALEXANDRE, 2003). 5 Barril de Óleo Equivalente (boe) é uma unidade utilizada pela indústria do petróleo para comparar volumes de petróleo e gás natural. Tomando por base a equivalência energética entre o petróleo e o gás, medida pela relação entre o poder calorífico dos fluidos. Em geral, utiliza-se a seguinte relação aproximada: 1.000 m³ de gás para 1 m³ de petróleo (FGV ENERGIA, 2021). 31 Segundo Pinto Júnior (2007), a alta de preços desse mineral influenciou na reorientação de políticas energéticas em vários países do mundo. Enquanto os países produtores impulsionaram a exploração do petróleo, os países não produtores tentavam reduzir sua dependência desse insumo implementando políticas de substituição por outras fontes, de forma a garantir a segurança energética. Enquanto isso, aqui no Brasil, em 1975, no governo militar do presidente Ernesto Geisel, a Petrobras passaria por uma de várias provações ao longo de sua história, quando foi aprovado os chamados contratos de risco, que permitiam que empresas multinacionais pesquisassem e desenvolvessem a produção de petróleo no Brasil por maio da Petrobras. Ao todo, 36 empresas receberam concessões nessa modalidade e, ao fim de 13 anos, aplicaram apenas 1,6 bilhão de dólares [...], nesse mesmo período, a Petrobrás investiu 19,8 bilhões de dólares, acrescentando seis bilhões de barris às reservas brasileiras (MORAES, 2018, p. 130). Iniciava o revés das políticas nacionalistas, desenvolvimentistas e de considerável participação estatal. Se intensificando a partir do governo de João Figueredo (1979-1985), por meio da criação do Programa Nacional de Desburocratização, que resultou na privatização de 20 empresas estatais. A política privatista e de cunho liberal teve continuidade com os governos da pós- democratização de Sarney (1985-1990) e Collor (1990-1992), com 18 empresas estatais privatizadas em cada um (RODRIGUES NETO, 2007). Nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que foi de 1994 a 2002, ocorreu quebra de monopólios estatais, como da Petrobras e das telecomunicações; e a ampliação dos processos de privatização, especialmente no setor siderúrgico, petroquímico e elétrico (que permitiram os apagões nacionais de energia em 1999 e 2001), sendo considerado o maior programa de privatizações do mundo (MORAES, 2018, p. 133). Só de 1997 a 2002, foram privatizadas 133 empresas estatais dos três níveis (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2004). Ainda no seu primeiro mandato, FHC promoveu mudanças no plano institucional e econômico, utilizando as diretrizes da agenda liberal atreladas ao 32 Consenso de Washington6, que influenciou a condução de alguns governos de países da América Latina. As novas orientações previam a criação de um novo ciclo de investimentos baseados no capital estrangeiro, inclusive na indústria de petróleo e de gás natural. No Brasil, a mudança previa a redução do protagonismo histórico da Petrobras, incentivando a entrada de novas empresas (principalmente multinacionais) para o setor. Em 1997, com o advento da Lei nº 9.478/1997 (BRASIL, 1997), conhecida como Lei do Petróleo, foi retirado o monopólio exercido, até então, pela Petrobras para as atividades relacionadas à exploração, produção, refino e transporte de petróleo e gás natural no Brasil. Portanto, com a instauração do novo ambiente institucional, econômico e regulatório, a petroleira brasileira perdeu a exclusividade de atuação e passou a ser obrigada a participar de leilões para obter o direito de exploração de novas áreas, ainda que a Lei tivesse mantido os direitos de propriedade da Petrobras sob as áreas em que já operava. O interesse do governo era permitir que outras empresas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no Brasil pudessem atuar em toda a cadeia do petróleo, em regime de concessão7 ou mediante autorização da União (RIBEIRO, 2005). O normativo criou ainda a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis(ANP), autarquia que, dentre outros objetivos, passou a promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. Felipe (2010, p. 75) relata que, durante o governo FHC, “começava já a pairar a ideia de que a estratégia política estava, no caso do petróleo, centrada na flexibilização do monopólio (1º passo) e na privatização da Petrobras (2º passo)”. Isso foi reforçado na gestão de Henri Philippe Reichstul à frente da Petrobras, entre 1999 e 2001, quando se contratou a consultoria Arthur D. Little para planejar a reestruturação da estatal. A contratada apresentou as seguintes propostas que foram levadas a cabo: 1) transformar a empresa numa holding; 2) não privatizar a empresa 6 Consenso de Washington foi um encontro ocorrido em 1989, na capital dos Estados Unidos, onde realizou-se uma série de recomendações visando ao desenvolvimento e à ampliação do neoliberalismo nos países da América Latina. 7 A concessão é uma modalidade de delegação de uma atividade econômica pelo poder público, geralmente mediante processo concorrencial, a um agente econômico que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. Nessa modalidade a operadora torna-se proprietária de todo o petróleo produzido, mantendo obrigações junto ao governo, sociedade e proprietários de terras. 33 no todo, mas dividi-la em unidades independentes, denominadas de Unidades de Negócio (UNs), as quais poderiam ser privatizadas individualmente (RIBEIRO; NOVAES, 2014). Foi na gestão de Reichstul que ocorreu, em julho de 2000, um derramamento de cerca de 4 milhões de litros de óleo que se estendeu por quase 40 km no Rio Iguaçu, que corta o estado do Paraná, destruindo a flora, fauna e comprometendo o abastecimento de água em várias cidades da região. Segundo acordo homologado em outubro de 2021 com os Ministérios Públicos Federal e Estadual do Paraná, a Petrobras terá de pagar quase R$ 1,4 bilhão de indenização (JUSTIÇA..., 2021). No ano seguinte, em 2001, a P-36, maior plataforma produtora de petróleo do mundo, até então, afundou, causando a morte de 11 trabalhadores e levando a Petrobras a um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão (PLATAFORMA..., 2001). As investigações dos acidentes apontaram para negligência no atendimento aos requisitos de manutenção, insuficiência em programas de treinamentos e necessidade de implementação de procedimentos de segurança mais rigorosos. Biondi (2003) exemplifica bem o direcionamento da gestão da Companhia no governo FHC. Ao passo que o governo federal reduzia o orçamento da Petrobras em R$ 1 bilhão, segundo o boletim Informe BNDES, de fevereiro de 1996; articulava para que parte dos investimentos fosse realizado pela iniciativa privada, com argumento de não prejudicar as metas de aumento da produção de petróleo dos campos. O governo praticamente exigiu que a petroleira brasileira convidasse grupos privados para participar conjuntamente nas novas áreas leiloadas. Foi o caso de um projeto no campo de Marlim, na Bacia de Campos, que detinha grande volume de petróleo nas jazidas. Acontece que, enquanto a empresa brasileira aplicou R$ 5 bilhões nesse projeto, seus sócios injetaram apenas R$ 140 milhões, mas o rateio dos lucros extraordinários não ocorreu de forma proporcional, havendo menor retorno para a Petrobras (BIONDI, 2003). Apesar de todo o incentivo estatal visando a abertura do mercado, poucas empresas internacionais, ou mesmo nacionais, se interessaram em atuar no Brasil da promulgação da Lei do Petróleo até a primeira década do século XXI. Restou à Petrobras e suas subsidiárias dar sustentação à cadeia de óleo e gás, alavancando o desenvolvimento tecnológico e construindo conhecimento e expertise ao longo de décadas através dos seus centros de pesquisas. 34 Esse período marcou profundamente a Petrobras, o número de trabalhadores foi reduzido de 60 mil, em 1989, para pouco mais de 32 mil, em 2001, precarizou-se as condições de trabalho e reduziu-se os benefícios da categoria (PALMEIRA, 2006). Em 2000, foi aberto o capital da empresa através da venda de ações na bolsa de Nova York, com a formação de American Depositary Receipts (ADRs)8, submetendo a estatal às regras e leis de outros países. A estratégia era pulverizar no mercado ações da empresa, aproveitando-se do fato de a Petrobras ter sido criada como uma sociedade de economia mista. Por consequência, houve uma drástica queda da participação total acionária do Estado brasileiro, saindo de mais de 80% para 32%, entre o início e o fim do governo FHC (RIBEIRO; NOVAES, 2014). Somente a partir de 2003, com a ascensão do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da república, o governo federal oportunizaria à Petrobras a retomada dos investimentos, possibilitando ao país alavancar o segmento do petróleo, do gás e de outras fontes de energia. Conforme as Demonstrações Financeiras da Petrobras, o valor investido saiu de R$ 555 milhões em 2003, para R$ 1,87 bilhão em 2009 (PETROBRAS, 2021b). O Estado brasileiro passou então a incentivar o fortalecimento da Petrobras como empresa integrada de energia. Assim, passou a atuar e intensificar sua participação em várias cadeias de energia. No setor petroquímico, sua atuação mais recente e significativa foi como importante acionista (em fevereiro de 2022, detinha 36,1% do capital total) da Braskem, que é hoje a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos. A Petrobras tornou-se líder nacional na produção de fertilizantes nitrogenados, com as Fábricas de Fertilizantes (Fafens), atuando em 3 (Paraná, Bahia e Sergipe) e tendo avançado em uma quarta, no Mato Grosso, construído mais de 80% da unidade. Vinha atuando em diversos projetos nos ramos de biocombustíveis por meio da subsidiária Petrobras Biocombustível S.a. (PBio). A PBio chegou a ter participações em 6 usinas de biodiesel (Guamaré, Marialva, Passo Fundo, Candeias, Quixadá e Montes Claros), e em outras 9 usinas de etanol (Bambuí, Severínia, Cruz Alta, São 8 American Depositary Receipts (ADR) na tradução, Recibos de Depósitos Americano, são certificados de ações, emitidos por bancos estadunidenses, com lastro em títulos de valores mobiliários de empresas estrangeiras, negociados em dólares americanos nas Bolsas de Valores dos Estados Unidos. 35 José, Andrade, Vertente, Boa Vista, Tanabi, Mandu). As capacidades somadas das usinas de biodiesel e de etanol são, respectivamente, de 866,1 milhões e 1,5 bilhão de litros anuais (PETROBRAS..., 2016). A Petrobras ainda teve importantes atuações na geração de energia elétrica, por intermédio de termoelétricas, parques eólico e solar. A maior parcela da energia é produzida nas 20 usinas termoelétricas da estatal, que detém capacidade total superior a 6.000 megawatts (MW) fornecidos para o Sistema Interligado Nacional (SIN) (PETROBRAS, 2021r). Cabe avaliar que o desenvolvimento dos países modernos depende umbilicalmente da obtenção de fontes de energia, assim como o estabelecimento de toda uma infraestrutura relacionada. Tais fatores permitem maior segurança energética nacional para suportar níveis de consumo necessários para avançar com os empreendimentos econômicos críticos e fortalecer os conglomerados industriais desses países. Nesse sentido, o Brasil estava seguindo esse caminho de [...] projetar centros de transformação que sejam capazes de processar uma gama relativamente ampla de insumos e gerar variedade de produtos energéticos [...]. A partir daí, configura-se uma trajetória de construção efetiva de uma indústria de energia e de um mercado de energia. [...] Não se trata [apenas] de uma convergência de negócios, mas de uma convergência tecnológica que constrói uma única indústria, derrubandofronteiras entre as cadeias e gerando um espaço comum (PINTO JÚNIOR, 2007, p. 7). Com os investimentos e ampliação do orçamento de custeio, foi possível que a Petrobras recompusesse o quadro de pessoal e executasse projetos de ampliação de suas atividades, resultando em novas descobertas que permitiram a contínua ampliação da produção da estatal. Portanto, destaca-se dois importantes feitos. Em 2006, o Brasil alcançava a autossuficiência na produção de petróleo, superando seu consumo, devido, principalmente, a contribuição da Petrobras. E no ano seguinte, a petrolífera anuncia a descoberta de gigantescos reservatórios de petróleo e gás natural em águas ultra profundas na província denominada de pré-sal9, que ultrapassou as reservas da Bacia de Campos. 9 As formações geológicas do petróleo do pré-sal ficam localizadas em profundidades totais de aproximadamente 5 mil metros, sendo 2 mil de lâmina d’água, mil metros de sedimentos e outros 2 mil de sal. 36 Há mais de vinte anos, os geólogos da Petrobras apontavam a possibilidade da existência de imensas reservas de petróleo no oceano brasileiro, abaixo de uma camada de sal [...] [onde] o óleo teria se formado há 130 milhões de anos, quando os continentes ainda estavam unidos na ‘pangeia’. [...] A primeira tentativa de perfuração não foi concluída porque a Chevron, que atuava em consórcio com a Petrobras, não aceitou realizar investimentos necessários, limitando-se aos primeiros 100 milhões e saiu do negócio. [...] Esse fato demonstra com clareza que a descoberta do pré-sal e o desenvolvimento de sua tecnologia não vieram de um investimento privado, mas sim de uma política de Estado; ressalta-se ainda que a quebra do monopólio estatal em 1997 atrasou a descoberta do pré-sal em dez anos (MORAES, 2018, p. 138-139). A nova província, localizada na Bacia de Santos, representou a maior descoberta das últimas décadas, estando entre as maiores da história. Inclusive, essas reservas petrolíferas ainda não foram dimensionadas com precisão, mas são estimados volumes que giram entre 30 e 100 bilhões de boe. Um montante que pode ser superado em função da natureza geológica, do desenvolvimento tecnológico e das condições macroeconômicas, o que colocaria o Brasil ao lado da Venezuela e da Arábia Saudita como os maiores detentores mundiais de reservas (COUTINHO, 2017). A produção na região, que foi iniciada em 1º de maio de 2009, rapidamente apresentou um desempenho produtivo melhor do que os campos existentes, conforme resumiu Lima (2016, p. 9), “[...]foram necessários 44 anos para que o País atingisse a marca que o pré-sal atingiu em apenas 6 anos” de 1 milhão de boe/d, conquistado em 2016. Com as preciosas reservas do pré-sal, no Brasil passou-se a suscitar o debate de qual seria o melhor modelo contratual exploratório para aproveitamento dos recursos proporcionados por essas novas reservas. O governo fomentou intensas discussões junto à sociedade e no Congresso Nacional, sendo aprovado, em definitivo, a Lei nº 12.351/2010 (BRASIL, 2010), onde constaria que, para explorar as áreas do pré-sal, os Leilões seriam efetuados sob o regime de partilha de produção10. De acordo com Moraes (2018, p. 145), o novo modelo de regulação “contemplava mais soberania energética, destinação social do excedente econômico e a grande possibilidade da utilização do petróleo e gás para inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento do país.” 10 Partilha de produção é regime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção. E, em caso de descoberta comercial, ele adquire o direito à apropriação. 37 O regime de concessão, utilizado até então, mantinha os benefícios prioritariamente para as empresas que adquiriam as áreas de exploração, ficando a menor parcela com o Estado. Sem contar que a nova província oferecia risco exploratório baixo, diminuindo muito as incertezas da expectativa de retorno dos projetos. 38 3 PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS E SOCIAIS RESULTANTES DA ATIVIDADE PETROLÍFERA Segundo Afonso e Gobetti (2008, p. 236), “a palavra royalty vem do inglês royal, que significa ‘da realeza’ ou ‘relativo ao rei’. Originalmente, era o direito que o rei tinha de receber pagamentos pelo uso de minerais em suas terras”. Aqui no Brasil, a primeira norma que empregou o termo royalty foi a Lei nº 9.478/1997 (BRASIL, 1997), relacionando-se às participações governamentais sobre a renda petrolífera. A previsão das rendas da atividade petrolífera já existia antes dessa lei, mas eram chamadas de indenizações ou compensações financeiras. Royalty pode ser entendido como um instrumento para capturar rendas diferenciais da indústria petrolífera para a sociedade. Uma segunda função seria a de internalizar os custos sociais relacionados à utilização de derivados de petróleo, tais como poluições e degradações ambientais, custos de manutenção de equipamentos públicos e demais externalidades negativas (LEAL; SERRA, 2002). A mesma norma que criou a Petrobras, ou seja, a Lei nº 2.004/1953, passou também a reger as regras de aplicação dos recursos provenientes da exploração e produção de petróleo e gás natural, estabelecendo que 5% do valor da produção terrestre seria repassado aos estados e municípios produtores. Apenas com a Lei nº 7.453/1985 (BRASIL, 1985), foi que a produção de óleo, xisto betuminoso e gás extraídos de águas marítimas passaram a estar sujeitas ao pagamento de indenizações, que seriam rateadas da seguinte forma: - 1,5%: estados e territórios confrontantes; - 1,5%: municípios confrontantes e suas respectivas áreas geoeconômicas; - 1%: Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das atividades econômicas das referidas áreas, e; - 1%: Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados, territórios e municípios. A Lei nº 2.004/1953 não ofertava aos gestores públicos que recebiam os recursos provenientes da exploração do petróleo e gás muitas alternativas para o seu emprego. Era previsto que essa renda deveria ser aplicada preferencialmente nas áreas de saneamento básico, abastecimento e tratamento de água, energia, irrigação e proteção ao meio ambiente. Com a edição da Lei nº 7.525/1986 (BRASIL, 1986), 39 ficou mais rígida a alocação dos royalties, devendo agora ocorrer exclusivamente nessas áreas, ou seja, sem possibilidade de discricionariedade. Seguindo diretrizes diferentes, a Lei nº 9.478/1997, que revogou a Lei nº 2.004/1953, permitiu que os entes da federação tivessem maior flexibilidade na utilização dos recursos provenientes do petróleo, pois o texto passou a vedar a aplicação dos royalties e das participações especiais apenas para pagamento de dívidas e quadro permanente de pessoal. Complementarmente, a aplicação dos recursos de participações governamentais deve obedecer aos ditames da Lei nº 4.320/1964 (BRASIL, 1964) e da Lei Complementar nº 101/2000 (BRASIL, 2000), a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. Esses recursos devem passar, necessariamente, pela fiscalização dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos da legislação vigente, por se constituírem receita originária. No que tange à Constituição Federal (BRASIL, 1988), o art. 176 cita que as jazidas minerais, que inclui petróleo e gás natural, existentes no subsolo do território nacional pertencem à União, e que esta poderá autorizar ou conceder a pesquisa e a lavra desses recursos no caso de interesse nacional. A Constituição informa ainda que as empresas que recebem uma concessão da União com o objetivo de explorar e produzir as riquezas minerais devem pagar uma compensação financeira à União, Estados, Distrito Federal e municípiosbeneficiários. O Decreto nº 2.705/1998 (BRASIL, 1998a) veio definir os critérios para cálculo e cobrança das participações governamentais de que trata a Lei nº 9.478. Esta mesma lei já tinha definido que o contrato de concessão disporia sobre as seguintes participações governamentais das atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural: i) bônus de assinatura; ii) royalties; iii) participação especial; e, iv) pagamento pela ocupação ou retenção de área. O Decreto cita que os royalties incidem sobre o valor da produção do campo, sendo recolhidos pelas empresas concessionárias e transferidos à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) até o último dia do mês seguinte àquele em que ocorreu a produção, para serem pagos tanto aos estados e municípios quanto aos proprietários de terras. O bônus de assinatura corresponde ao pagamento do lance vencedor no leilão de licitação, e está associado à expectativa das empresas quanto ao potencial produtivo dos blocos disputados e ao grau de competição pela área na rodada de 40 licitação. As participações especiais são compensações extraordinárias ao Governo incidentes somente sobre campos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade. Por fim, a taxa de ocupação ou retenção de áreas representa uma espécie de aluguel anual calculado por km2 de área retida para exploração, desenvolvimento ou produção, que deve ser pago ao proprietário da terra ao longo da vigência do contrato de concessão. Basicamente, os recursos de royalties do petróleo para o regime de concessão são divididos em duas categorias: os gerais, que são cobrados mensalmente, em percentual mínimo de 5% sobre a produção (art. 48, da Lei 9.478/97); e os excedentes, que são cobrados, como o próprio nome diz, pela produção excedente (art. 49, da Lei 9.487/97). A Lei nº 12.351/2010 (BRASIL, 2010), que trata do regime de partilha de produção em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas, informa que nessas áreas a alíquota de royalties é de 15%. O valor a ser pago pelos concessionários é obtido multiplicando-se três fatores: - Alíquota dos royalties do campo produtor, que pode variar de 5% a 15%; - Produção mensal de petróleo e gás natural produzidos pelo campo; e - Preço de referência destes hidrocarbonetos no mês (artigos 7º e 8º do Decreto nº 2.705/1998, que regulamentou a Lei nº 9.478/1997). As equações são as seguintes: Royalties = alíquota x valor da produção Valor da produção = (V petróleo X P petróleo) + (V gn x P gn) Onde: Royalties = valor decorrente da produção do campo no mês de apuração, em R$. Alíquota = percentual previsto no contrato de concessão do campo. V petróleo = volume da produção de petróleo do campo no mês de apuração, em m³. P petróleo = é o preço de referência do petróleo produzido no campo no mês de apuração, em R$/m³. V gn = volume da produção do gás natural do campo no mês de apuração, em m³. P gn = preço de referência do gás natural produzido no campo no mês de apuração, em R$/m³. Para o regime de concessão, que representa toda extração e produção em terra e águas rasas (como na Bacia Potiguar), e algumas áreas marítimas de águas profundas e ultra profundas, da parcela de 5% de royalties, os estados produtores têm 41 direito a 70%; os municípios produtores, 20%; e os municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, 10%. Já a parcela que exceder os 5% da produção é segregada de acordo com o gráfico 1: Gráfico Erro! Argumento de opção desconhecido. - Parcela que exceder os 5% de royalties da produção de petróleo e gás natural Fonte: Adaptado de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2021e. Caba ainda frisar que além dos entes públicos, os royalties também são pagos aos proprietários de terras. O valor da participação é apurado mensalmente, multiplicando-se o percentual definido pela ANP quando do contrato de concessão do bloco, que varia entre 0,5% e 1% sobre a receita bruta de produção em cada poço localizado em terras do proprietário. Quanto ao impacto das atividades petrolíferas nos municípios produtores e beneficiários de royalties, e a aplicação dos recursos decorrentes, verifica-se a existência de diversas pesquisas que vem tratando da temática (quadro 2). Os estudos normalmente se utilizam de indicadores para avaliar fatores relacionados ao desenvolvimento humano, ao crescimento econômico regional e a eficiência e/ou eficácia fiscais na arrecadação e no gasto dos recursos pelos gestores públicos. 52,50% 15% 12,50% 12,50% 7,50% Estados produtores Municípios produtores União - Fundo Social (Capitalização União - Fundo Social (Educação e Saúde) Municípios afetados por instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural 42 Quadro 2 - Pesquisas que analisaram os impactos decorrentes das atividades petrolíferas nos municípios. Autor Município/Esta do pesquisado Ano do trabalho Período da pesquisa Resultados Pacheco 9 municípios produtores da região norte do Estado do Rio de Janeiro 2004 1996-2003 Confirmou-se que os royalties e participações especiais estão possibilitando maiores investimentos em infraestrutura nos municípios contemplados e para suprir a demanda excessiva por serviços públicos. Ao mesmo tempo, não se verificou ações concretas para a promoção de um projeto de sustentabilidade e de diversificação da base produtiva local, de modo a prevenir o declínio econômico, decorrente da exaustão das reservas de hidrocarbonetos. Silva 14 municípios produtores do estado do Rio Grande do Norte 2007 1999-2005 A trajetória dos municípios produtores de petróleo no Rio Grande do Norte é marcada por caminhos e descaminhos. O aumento da produção e do preço internacional do petróleo contribuiu para o crescimento nas receitas dos royalties e das participações especiais, o que não significou um aumento automático nos recursos destinados ao investimento e na qualidade na provisão e bens e serviços voltados para o desenvolvimento local. Lall Júnior Governador Dix- Sept Rosado/RN 2007 1998-2004 O pagamento da participação sobre a produção de petróleo e gás natural aos proprietários de terra do município de Governador Dix-Sept Rosado, embora traga incrementos altamente positivos na renda, não produz efeito multiplicador onde as propriedades estão encravadas, pois o consumo é realizado predominantemente em municípios vizinhos. Gomes Municípios produtores do estado do Rio de Janeiro 2007 2004 Os resultados demonstraram que os municípios com altas receitas de royalties de fato possuem um gasto social per capita maior do que os demais municípios fluminenses. As funções sociais que mais receberam recursos foram saúde e educação, seguidos pelo urbanismo. Mas, naqueles municípios onde as receitas de royalties representaram mais do que 30% de todas as receitas correntes, o maior item de gasto foi o urbanismo, à frente de saúde e educação. Outro diagnóstico é de que os royalties de petróleo aumentaram a desigualdade entre os municípios do estado. Postali 789 municípios brasileiros beneficiários de royalties 2007 1996-2004 Os resultados confirmam a chamada “maldição dos recursos naturais” da literatura mundial, mostrando que os municípios contemplados com royalties cresceram menos do que os municípios que não receberam tais recursos. Em geral, para cada 1% adicional de royalties observa-se uma redução de cerca de 0,06% da taxa de crescimento do município. 43 Autor Município/Esta do pesquisado Ano do trabalho Período da pesquisa Resultados Segantin i, Lucena e Oliveira 15 municípios produtores do estado do Rio Grande do Norte 2009 1995-2000 Ocorreram melhorias na dinâmica de desenvolvimento dos municípios da região devido, dentre outros fatores, o incremento da receita extraordinária nos orçamentos municipais, permitindo investimentos
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