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1. Construção do conhecimento em Psicologia Ao partir do pressuposto de que a Psicologia é classificada como uma ciência pura e aplicada, podemos perceber que a teoria e a prática são indissociáveis, uma vez que o conhecimento científico desenvolvido pela Psicologia provê o alicerce para que o psicólogo possa atuar em diferentes campos e orientar sua atuação a partir de diversas abordagens teóricas. Também, podemos analisar a Psicologia como uma área de ensino, pesquisa e profissão. Entretanto, para que alguém possa atuar como psicólogo é necessário que possua graduação em Psicologia e, aqui, estamos destacando a importância da formação (ensino) deste profissional, bem como de todo o conhecimento construído e em construção (pesquisa) da ciência psicológica. O conhecimento empírico e do senso comum são utilizados cotidianamente pelas pessoas para orientar suas ações e decisões, mas, eles podem propiciar compreensões imprecisas ou equivocadas da realidade. Por outro lado, o conhecimento científico, por ser validado e pautado na fidedignidade, confiabilidade e racionalidade pode ser entendido como o principal insumo para potencializar intervenções profissionais assertivas. A conhecimento científico da Psicologia tem se estruturado ao longo do tempo pela diversidade e funcionalidade dos seus modelos teóricos-metodológicos de acesso e compreensão do fenômeno psicológico. “De fato, a abordagem científica em Psicologia é um processo dinâmico entre a reflexão teórica e a possibilidade de verificação de fenômenos psicológicos na realidade” (CRUZ, 2016a, p.251). A análise das bases epistemológicas da Psicologia permitem compreender como se estruturou o modelo tradicional de atuação e produção do conhecimento nos principais espaços de atuação do psicólogo que, por décadas, concentrou-se na clínica, na escola e na indústria. Quando pensamos nos avanços e alternativas para a construção do conhecimento em Psicologia, devemos ter em mente que as transformações da sociedade, impulsionadas pelo desenvolvimento tecnológico e mudança de valores, direcionam as necessidades de redefinição das temáticas da Psicologia e dos métodos e procedimentos de acesso aos fenômenos psicológicos e de intervenção sobre os mesmos. Em outras palavras, a construção do conhecimento em Psicologia e a apropriação de conceitos e métodos de outras áreas, ampliam as possibilidades descritivas, explicativas e preditivas dos fenômenos psicológicos. Portanto, é apoiada na ciência que a Psicologia conquista legitimidade e espaço de atuação em diferentes contextos. 1.1 Avanços e alternativas para a construção do conhecimento em Psicologia Caro estudante, você sabe como caracterizados os primeiros modelos de intervenção em Psicologia? Vamos pensar, por exemplo, a respeito dos primórdios da Psicologia nas organizações. A atuação dos psicólogos industriais levava em consideração, apenas, os fatores individuais relacionados aos problemas que deveriam ser solucionados como o ajustamento no trabalho, por meio da busca da pessoa certa para o lugar certo. O foco, aqui, era a análise do perfil de personalidade e de inteligência para apoiar as atividades de seleção e orientação profissional, desconsiderando outras variáveis do desempenho humano. Com o passar do tempo, os fatores sociais e ambientais passaram a ser incluídos para se compreender a multideterminação dos fenômenos psicológicos. Para tanto, novos conhecimentos se fizeram necessários. Uma outra forma de refletirmos sobre o processo de evolução da construção de conhecimento em Psicologia é pela análise de livros, que discorrem sobre a história da Psicologia e, com fins de exemplificação, poderíamos mencionar o trabalho de Jacó-Vilela et al (2018) quando abordam o conhecimento produzido na área, nos últimos séculos, não restringindo-se, apenas, às produções europeias e norte-americanas, incluindo as brasileiras. [...] A Psicologia, organizada em torno de um corpus científico, ou seja, um conjunto de evidências e análises teóricas acerca de fatos e fenômenos humanos, produziu, ao longo da segunda metade do século XX, as condições necessárias ao processo de institucionalização da profissão de psicólogo no Brasil”. Adjetivar a Psicologia como ciência e profissão, portanto, resulta da compreensão histórica da necessidade de associar um corpus científico a um projeto de intervenção profissional em diferentes contextos sociais (CRUZ, 2016 a, p. 251). Para caracterizar a Psicologia Contemporânea, enfatiza-se o diálogo da área com o contexto social, defendendo-se a premissa da influência sócio-histórica na constituição e formação do ser humano. Para subsidiar este entendimento, resgata-se as construções referentes à Psicologia das Massas, o pensamento das Escolas de Frankfurt e de Chicago, o movimento institucionalista, a teoria das representações sociais e a incorporação das ideias marxistas para subsidiar a abordagem crítica da Psicologia (JACÓ-VILELA et al., 2018). Dizemos, ainda, que os avanços para a construção do conhecimento em Psicologia estão diretamente relacionados às atividades de pesquisa. Os achados das investigações científicas alimentam o desenvolvimento e a aplicação de princípios científicos em diferentes contextos de atuação do psicólogo, potencializando as intervenções profissionais, bem como instigando novas demandas sociopolíticas e tecnológicas a serem investigadas. Segundo Spector (2012), a pesquisa fornece princípios que podem ser utilizados na prática. A atuação profissional, portanto, incorpora princípios psicológicos que são colocados em prática para intervir em problemas do mundo real, por exemplo, desenvolvimento de competências gerenciais em programas de treinamento corporativos. Para que possamos ter uma ideia dos diferentes assuntos que são investigados no âmbito acadêmico nas diversas especialidades da Psicologia, tomemos como base a estruturação fornecida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Essa estrutura é conhecida como árvore do conhecimento, formada por uma hierarquia de quatro níveis, que vão do mais geral aos mais específicos, como: 1º nível - Grande Área; 2º nível – Área; 3º nível – Subárea; e 4º nível – Especialidade (CNPQ, 2018). Especificamente em relação à área da Psicologia, a mesma encontra-se subordinada à grande área de Ciências Humanas, derivando-se em diversas subáreas e especialidades. A representação do conhecimento em uma estrutura classificatória e de organização dos dados da produção científica publicada e de outras atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação (C&TI) serve como um instrumento de gestão e avaliação com fins de subsidiar o planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas (SOUZA, 2004). 2. Psicologia como profissão no Brasil Com relação à profissão do psicólogo faz-se pertinente considerar as questões de sua formação acadêmica, uma vez que a partir da regulamentação da profissão, a conclusão do ensino superior no curso de Psicologia é condição indispensável para o exercício legal da profissão. A temática formação acadêmica do profissional, já vem sendo estudada desde 1964 a partir dos trabalhos de Angelini e Maria, Benko e Azzi (YAKAMOTO et al., 2010). Quase duas depois, já havia mais de cem trabalhos abordando esta temática. Em relação à profissão, Yakamoto et al (2010) afirmam que no início do século XXI já havia em torno de mil documentos de naturezas diversas sobre o assunto. Conforme abordado anteriormente, é claramente perceptível que a demanda social, cultural, tecnológica, política e econômica da sociedade e do mercado de trabalho influenciaram diretamente as searas da academia. É com base neste entendimento que iremos abordar agora a História da Psicologia brasileira e seus marcos cronológicos. 2.1 História da Psicologia brasileira e seus marcos cronológicos A profissionalização da Psicologia, no Brasil, foi marcada, segundo Pereira e Pereira Neto (2003) e Jacó-Vilela (2012), por três momentos principais, assim denominados: pré-profissional; profissionalizaçãoe profissional. Vejamos, a seguir. Pré-profissional (1833-1890): período marcado pela falta de sistematização dos saberes e práticas psicológicas e não regulamentação da profissão de psicólogo; Profissionalização (1890-1975): período caracterizado pelos a gênese da institucionalização da prática psicológica até culminar com a regulamentação da profissão e o estruturação dos dispositivos formais; Profissional (1975): período marcado pela organização e consolidação da profissão e demanda crescente pelos serviços em função de significativas mudanças culturais, econômicas, sociais e políticas ocorridas no país e disseminação das faculdades de Psicologia, gerando um excedente de profissionais no mercado do trabalho. Para discorrermos sobre os principais acontecimentos que impulsionaram a institucionalização e consolidação da profissão do psicólogo brasileiro, vamos conhecer alguns fatos marcantes ocorridos ao longo dos séculos XIX e XX, e compartilhados por meio das publicações do Conselho Federal e de Psicologia e de Conselhos Regionais, tais como o do estado de São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, para comemorar, em 2012, os 50 anos de profissionalização da Psicologia no Brasil. No Brasil, até o início do século XXI, não existia a Psicologia enquanto campo de atuação profissional. Seu surgimento foi impulsionado pelos interesses da classe dominante pela produção e aplicação de saber e práticas da área. A chegada da família real no Brasil, em 1808, e a proclamação da independência, em 1822, provocaram significativas mudanças de natureza social, cultural, econômica e política que culminaram com o surgimento dos primeiros cursos superiores e das sociedades científicas. Dentre eles, destaca-se a oferta do curso de Medicina, em 1833, na Bahia e no Rio de Janeiro. Os estudos ali desenvolvidos, norteavam-se, de preferência para a aplicação social da Psicologia, para a Criminologia, para Psiquiatria Forense e Higiene Mental (SOARES, 2010). [...] No século XIX, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, foram criadas instituições destinadas à administração pública e à vida cultural, como bibliotecas, academias e instituições de ensino, Faculdades de Medicina e de Direito, Escolas Normais. Salvador e Rio de Janeiro tornam-se grandes centros urbanos, apresentando problemas relacionados ao aumento de um contingente populacional excluído das condições mínimas de dignidade, como os leprosos, loucos, prostitutas, alcoólatras, crianças abandonadas, muitos dos quais ex-escravos que, já não mais produtivos, eram abandonados à própria sorte e se tornavam alvos de práticas higienistas, como a reclusão em prisões e hospícios, respaldada pelo discurso médico (CRP/SP, 2011, p. 7). Nesta época, observava-se que a aplicação dos conhecimentos psicológicos para enfrentamento de problemas sociais de ajustamento e sua relação com a área da neuropsiquiatria e neurologia para compreensão e tratamento dos problemas de saúde mental. Soares (2010, p. 12) corrobora este entendimento afirmando que “[...] as primeiras contribuições para o estudo da Psicologia, no Brasil, são oferecidas por Médicos”. A partir de 1840 foram construídos os primeiros hospícios no Brasil, com fins de oferecer tratamento adequado aos ‘loucos’ (CRP/SP, 2011, p. 8). Em 1890, houve uma importante reforma, denominada Reforma Benjamim Constant que incorporou a disciplina de Psicologia no currículo das Escolas Normais, podendo perceber aqui sua relação com as questões de aprendizagem. Segundo Soares (2010, p. 19), “[...] a reforma introduziu noções de Psicologia para a disciplina de Pedagogia”. Em 1906 é criado o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, no Rio de Janeiro. Em 1922 foi instituída a Liga Brasileira de Higiene Mental, que dentre suas diversas ações, promoveu as Jornadas Brasileiras de Psicologia com fins de estimular o interesse pela pesquisa pura e aplicada em Psicologia (SOARES, 2010). Segundo Jacó-Vilela (2012, p. 35), “[...] o movimento higienista aparece com um caráter missionário, progressista, de melhoria das condições de vida das camadas mais pobres da população”. Mesmo com a organização do movimento higienista que, pregava melhoria nas condições das classes menos abastecidas da sociedade, a história da Psicologia brasileira demonstra ter tido pouca ou praticamente nenhuma contribuição de melhorias na vida da maioria da população. Na verdade, durante um longo período, “[...] o saber psicológico foi utilizado como instrumento político-ideológico ligado aos interesses das elites brasileiras” (BOCK, 2004, p.1). O mote principal era livrar a sociedade da desordem e dos desviantes. Nesta direção, em 1923, também em terras fluminenses, foi instalado o Laboratório de Psicologia Experimental, na Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro. Segundo Soares (2010, p. 15), o laboratório “[...] preparou profissionais de diversas especialidades. Foi o primeiro centro brasileiro de pesquisa pura, em Psicologia” Quase uma década depois, em 1932 é criado o Instituto de Psicologia da Secretaria Estadual de Educação e Saúde Pública com fins de formar profissionais. Entretanto, o mesmo foi fechado em menos de um ano de funcionamento, sendo reaberto somente em 1937, quando foi incorporado à Universidade do Brasil. Em 1934, a disciplina Psicologia Geral passou a ser obrigatória nos cursos de Filosofia, Ciências Sociais e Pedagogia, na Universidade de São Paulo (USP) e assim surgiram as primeiras Cátedras de Psicologia. Pré-profissional (1833-1890) Período marcado pela falta de sistematização dos saberes e práticas psicológicas e não regulamentação da profissão de psicólogo. Profissionalização (1890-1975) Período caracterizado pelos a gênese da institucionalização da prática psicológica até culminar com a regulamentação da profissão e o estruturação dos dispositivos formais. Profissional (1975 até os dias atuais) Período marcado pela organização e consolidação da profissão e demanda crescente pelos serviços em função de significativas mudanças culturais, econômicas, sociais e políticas ocorridas no país e disseminação das faculdades de Psicologia, gerando um excedente de profissionais no mercado do trabalho. O final dos anos de 1930, demandou a necessidade de amparar nos conhecimentos psicológicos para orientar os primórdios da industrialização brasileira e consequente urbanização dos grandes centros com fins de “ [...] favorecer a organização do trabalho, mas também para atuar nas escolas e clínicas infantis, principalmente” (BERNARDES, 2009, p.10, apud SILVA BAPTISTA, 2010, p. 172). Na década de 1940, os conhecimentos de Psicologia são demandados na área do trabalho para ajudar no processo de industrialização do país, buscar o ajustamento dos funcionários e realizar processos de recrutamento e seleção de pessoal. Segundo Jacó-Vilela (2012), são criadas neste período, as primeiras Associações de Psicologia e os primeiros periódicos científicos para disseminação do conhecimento em Psicologia. Conforme Angelini (2011), em 1945 é criada a Sociedade de Psicologia de São Paulo (SPSP) e seu periódico intitulado Boletim de Psicologia, tem sua primeira edição publicada quase meia década depois. Segundo Costa et al. (2010), o objetivo da SPSP estava ligado à articulação do desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão, por meio do intercâmbio entre profissionais e acadêmicos vinculados à área da Psicologia e à áreas afins. Com a criação das associações da área e a veiculação de periódicos especializados, a Psicologia se institucionaliza e se consolida como “[...] uma ciência capaz de formular teorias, técnicas e práticas para orientar e integrar o processo de desenvolvimento demandado pela nova ordem política e social” (CRP/SC, 2011, p. 12). Os serviços psicológicos são praticados na área da clínica, trabalho e educação e subsidiados pelo uso de testes e procedimentos de avaliação psicológicos, principalmente, na região sudeste, nas instituições públicas de orientação infantil. Em 1946, é elaborado o Decreto Lei n. 9.092,ampliando o regime didático das Faculdades de Filosofia, referindo-se à área da Psicologia, no art. 4, parágrafo 1, ao obrigar os alunos do quarto ano de licenciatura, a cumprirem um curso de Psicologia Aplicada à Educação. Dois meses depois, em abril, o Ministério da Educação e Saúde, publica a Portaria n. 272 que determina que os diplomas de especialização em Psicologia estão à aprovação nos três primeiros anos do curso de Filosofia, bem como em cursos de Biologia, Fisiologia, Antropologia, Estatística, e em cursos especializados de Psicologia e estágio em serviços psicológicos. Em 1947, Mira Y Lopez cria o Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), no Rio de Janeiro, oferecendo diversos cursos de extensão (JACÓ-VILELA, 2012). No ano seguinte é publicada a obra “Psicologia Evolutiva da Criança e do Adolescente” (SOARES, 2010). [...] Aqui encontramos explicitamente a atuação profissional do psicólogo, chamado às vezes de psicotécnico ou de psicologista. Não mais subsumido sob o mando da educação, o profissional do final dos anos 40 em diante está no campo da seleção e da orientação profissional, como no ISOP (ou na Estrada de Ferro Sorocabana, em São Paulo, ou ainda no Banco da Lavoura, em Belo Horizonte), está nas escolas, principalmente nas experimentais, e começa a atuar na clínica, realizando psicodiagnóstico infanto-juventil, orientação de pais e mesmo orientação vital. Em todos esses campos, os testes psicológicos serão o instrumental privilegiado para a atuação do novo profissional (JACÓ-VILELA, 2012, p. 38). Em 1949 são proferidas palestras sobre “A profissão do psicólogo e a Associação de psicólogos norte-americanos: sugestões para a organização de nossa sociedade” e “Impressões de viagem de estudos a centros europeus”. O objetivo subjacente a esses eventos era promover discussões com fins de esclarecer a existência da profissão e descrever atividades desenvolvidas em outros países que poderiam servir de inspiração (SILVA BAPTISTA, 2010). Em 1951 é publicado o artigo “Aspectos da orientação e seleção profissional na Europa” e, em 1953 o artigo “Requisitos básicos da formação de psicologista” (SILVA BAPTISTA, 2010). Em 1953 é ofertado o curso de especialização em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, bem como organizado o I Congresso Brasileiro de Psicologia. Em 1954, o problema da regulamentação da profissão é exposto num ante projeto de lei e apresentado ao Ministério da Educação, pela Associação Brasileira de Psicotécnica, que incorporava as áreas escolar, clínica e do trabalho. Entretanto, o ante projeto foi vetado no que dizia respeito à atuação clínica do psicólogo, uma vez que este só poderia atuar mediante à supervisão de um médico. Conforme Silva Baptista (2010, p. 180), em 1958, é elaborado, pela Comissão de Ensino Superior do Ministério de Educação, o Projeto de Lei n. 3825-A que discorria sobre a formação de psicologistas no Brasil. O Parecer n. 412 foi um complemento deste projeto que tratou dentre vários aspectos, “[...] da denominação psicologista a ser dada ao profissional – considerada mais adequada do que a de psicólogo (muito ampla) e a de psicotécnico (muito restrita)” (BRASIL, 1962, online). Havia ainda uma ressalva de que era urgente regularizar a formação deste profissional, uma vez que existiam autodidatas exercendo a profissão, além de serem contabilizados na época, mais de mil pessoas atuando na área da Psicologia. Em 1962 é aprovada a Lei n. 4.119, em 27 de agosto, assinada pelo presidente João Goulart, dispunha sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamentava a profissão de psicólogo. Essa lei será devidamente apresentada no próximo tópico desta unidade de estudo. Dois anos depois, em 1964 é aprovado o Decreto-lei n. 53464, discorrendo sobre as atribuições do psicólogo. É importante destacar que os cursos de Psicologia se organizavam em um modelo teórico-metodológico que pudesse contribuir para a formação de um profissional liberal capacitado para ajudar o processo de ajustamento da sociedade aos interesses hegemônicos. Vianna et al. (2012) explicam que o processo de ajustamento endereçado à Psicologia brasileira tem como alicerce o modelo ocidental de pensamento, no qual compreende o ser humano como individualizado. A compreensão individualizada do homem vai modificando-se com o avanço do conhecimento construído em Psicologia, principalmente, por meio da contribuição de Vigotsky, quando propôs um novo modelo à Psicologia, assentado a partir da abordagem histórica e cultural de análise dos processos psicológicos e consequente entendimento de que o ser humano deveria ser visto como produto e produtor de si mesmo e do meio no qual estava inserido (SILVA;HAI, 2011). Retomando a questão do marco cronológico, no que se refere ao âmbito da Pós-Graduação stricto sensu, Gomes e Hutz (2010) assinalam que em 1966 é criado o primeiro curso de mestrado em Psicologia Clínica na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e, oito anos depois, segundo, Otta et al (2011), o primeiro curso de doutorado em Psicologia Escolar e Psicologia Experimental, na Universidade de São Paulo (USP). Na década de 1970 havia uma preocupação em relação ao que deveria ser feito com as pessoas que trabalhavam com demandas psicológicas, tais como os diplomados em curso de Psicologia Clínica, Educação, Trabalho, funcionários públicos psicólogos, psicologistas, psicotécnicos e doutores com teses relacionadas à área da Psicologia. 1949 Em 1949 são proferidas palestras sobre “A profissão do psicólogo e a Associação de psicólogos norte-americanos: sugestões para a organização de nossa sociedade” e “Impressões de viagem de estudos a centros europeus”. 1951 Em 1951 é publicado o artigo “Aspectos da orientação e seleção profissional na Europa” e, em 1953 o artigo “Requisitos básicos da formação de psicologista” (SILVA BAPTISTA, 2010). 1954 Em 1954, o problema da regulamentação da profissão é exposto num ante projeto de lei e apresentado ao Ministério da Educação, pela Associação Brasileira de Psicotécnica, que incorporava as áreas escolar, clínica e do trabalho. 1958 Em 1958, é elaborado, pela Comissão de Ensino Superior do Ministério de Educação, o Projeto de Lei n. 3825-A que discorria sobre a formação de psicologias, no Brasil. Nesse período, também é observada uma crescente oferta de cursos superiores em Psicologia e um aumento da demanda por parte da sociedade, por serviços natureza psicológica. No âmbito das comunicações sociais, percebe-se que a Psicologia começa a fazer parte do cotidiano dos brasileiros por meio da disseminação de saberes psicológicos publicados em revistas, veiculados em programas televisivos, elaboração de manuais de comportamento e livros sobre a sexualidade. Botomé (2010, p.172) corrobora este entendimento assinalando que a Psicologia estava “[...] na moda, não apenas nas revistas e livros, mas nas verbas de pesquisa, na proliferação de cursos e escolas e no ‘milagroso’ surgimento de novidades ‘clínicas’, ‘terapêuticas’ e outras capazes de fazer “tanto” pelos “problemas humanos”. No que diz respeito à regulamentação, orientação e fiscalização do exercício profissional, em 1971 foi aprovada a Lei n. 5.766, de 20 de dezembro, assinada pelo presidente Emílio G. Médici, criando o Conselho Federal (CFP) e os Conselhos Regionais de Psicologia (CRP). Os conselhos são configurados como autarquias pautadas nestes propósitos. A Lei n. 5.766/1971, foi regulamentada pelo Decreto n. 79.822, de 17 de junho de 1977. Ainda discorrendo sobre a criação dos Conselhos, antes da criação dos Conselhos, durante uma Assembleia Geral da Associação Brasileira de Psicologia (ABP), realizada em Blumenau no ano de 1966, por determinação do Código de Ética dos Psicólogos Brasileiros, nomeou os integrantes do Conselho de Ética Profissional, com fins de “orientar a aplicação deste Código de Ética, zelar pela sua observância e fiscalizar o exercício profissional” (AMENDOLA, 2014, p. 666). O primeiro Código de Ética dos PsicólogosBrasileiros foi oficializado por meio da Resolução CFP n. 8, de 02 de fevereiro de 1975. Finalizamos aqui a retrospectiva histórica da profissão do psicólogo brasileiro, destacando com fins de ilustração que, segundo Portugal e Souza (2018), em 2018 a quantidade de profissionais registrados no Conselho Federal de Psicologia, chegou no patamar de 325.052 psicólogos, podendo inferir, portanto, a consolidação e importância da área para promoção de melhores condições para o desenvolvimento da vida humana nos seus diferentes contextos de manifestação. 3. Processo de regulamentação da profissão no Brasil Caro estudante, você estudou a trajetória da formação do psicólogo brasileiro ao longo dos últimos séculos e deve ter notado que houve um movimento para, primeiramente consolidar a Psicologia no âmbito nacional, enquanto área do conhecimento e, na sequência, uma série de fatos e decisões que possibilitaram a profissionalização da área, tendo como consequência diversos profissionais atuando com demandas de natureza psicológica. Segundo Portugal e Souza (2018), os cursos universitários regulares de Psicologia foram iniciados no país nos anos de 1950, entretanto, somente na década de 1960 é que a profissão foi regulamentada, com a publicação Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962 e é sobre ela que iremos abordar agora. 3.1 Lei n. 4.119 e Parecer n. 403/62 Conforme Antunes (2012), a referida lei estabeleceu os princípios norteadores para a estruturação de cursos de formação em Psicologia. Para a definição de parâmetros a serem seguidos na estruturação dos conteúdos a serem ensinados, o Conselho Federal de Educação definiu o currículo mínimo e a duração prevista para os cursos de Psicologia, nas habilitações de Licenciatura e Bacharelado. Em termos de estruturação, a Lei n. 4.119/1962 está organizada em 25 artigos (com seus respectivos parágrafos e alíneas), divididos em seis capítulos, assim distribuídos e sintetizados: Capítulo I: Dos cursos Artigo 1: estabelece as Faculdades de Filosofia como lócus da formação de bacharelado, licenciado e Psicólogo. Artigos 2 ao 4: foram vetados. Capítulo II: Da vida escolar Artigo 5: especifica a idade mínima de 18 anos e a conclusão do segundo grau e/ou curso equivalente para que o aluno possa ser matriculado no curso. Artigo 6: especifica a exigência da apresentação do diploma de Bacharel em Psicologia para que o aluno possa se matricular nos cursos de licenciado e Psicólogo. Artigo 7: faculta a cada escola exigir outras condições para matrícula nos diversos cursos de que trata esta lei. Artigo 8: discorre sobre a dispensa das disciplinas em que o aluno foi aprovado em cursos superiores, anteriormente realizados, conforme proposta e critério do Conselho Técnico-Administrativo e aprovação do Conselho Universitário da Universidade. Artigo 9: esclarece que serão regidos os demais casos da vida escolar pelos preceitos legais do ensino superior. Capítulo IV: Das condições para funcionamento dos cursos Artigo 15: autoriza os cursos de Psicologia e respectivas habilitações, o funcionamento em Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Artigo 16: obriga as Faculdades que mantiverem curso de Psicologia a organizar Serviços Clínicos e de aplicação à educação e ao trabalho - orientados e dirigidos pelo Conselho dos Professores do curso - abertos ao público, gratuitos ou remunerados. Capítulo V: Da revalidação de diplomas Artigo 17: assegura a revalidação de diplomas expedidos por Faculdades estrangeiras que mantenham cursos equivalentes aos previstos nesta lei. Capítulo VI: Disposições Gerais e Transitórias Artigo 18: obriga os atuais cursos de Psicologia, legalmente autorizados, a se adaptarem aos ditames legais aqui descritos, no prazo de um ano após sua publicação. Artigo 19: concede ao grau de psicólogo e ao exercício profissional aos portadores de diplomas ou certificados de especialista em Psicologia, Psicologia Educacional, Psicologia Clínica ou Psicologia Aplicada ao Trabalho expedidos por estabelecimento de ensino superior oficial ou reconhecido, após estudos em cursos regulares de formação de psicólogos, com duração mínima de quatro anos ou estudos regulares em cursos de pós-graduação com duração mínima de dois anos. Artigo 20: assegura aos funcionários públicos efetivos, o exercício dos cargos e funções, sob as denominações de Psicólogo, Psicologista ou Psicotécnico, em que tenham sido providos na data de entrada em vigor desta lei. Artigo 21: exige que as pessoas que, na data da publicação desta lei, já venham exercendo ou tenha exercido, por mais de cinco anos, atividades profissionais de psicologia aplicada, requeiram no prazo de 180 dias, após a publicação desta, o registro profissional de Psicólogo. Artigo 22: especifica que, para os efeitos do artigo 21, ao requerimento em que solicita registro, na repartição competente do MEC, o interessado deverá apresentar seus títulos de formação, comprovantes do exercício profissional e trabalhos publicados. Artigo 23: vetado. Artigo 24: estabelece que o MEC expedirá, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da publicação desta lei, as instruções para sua execução. Artigo 25: determina que esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Conforme Cury e Ferreira Neto (2014), após a publicação da Lei n. 4.119/1962, diversos documentos foram elaborados visando o tratamento e sistematização de questões práticas. Um dos documentos mais importantes foi o Parecer n. 403/62, de 19 de dezembro, do Conselho Federal de Educação (CFE), responsável pela criação do Currículo Mínimo do curso de Psicologia. 4 Currículo mínimo do curso de Psicologia Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) instituiu novas diretrizes para o ensino superior no Brasil e os cursos de graduação em Psicologia passaram a ser ordenados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), aprovadas em 2004, por meio da Resolução n. 8, de 07 de maio de 2004, alterando o currículo mínimo vigente até aquele momento (MEC, 2018). Você sabe o que significa currículo mínimo em Psicologia? E quais devem ser os principais elementos nele presentes? Segundo Cruz (2016c), o currículo é um conjunto organizado de disciplinas técnico-científicas, de atividades de estágios básicos e atividades complementares de pesquisa e extensão, formando estruturas programáticas, delimitadas por cargas horárias específicas, orientadas por um processo de gestão da atividade docente e de coordenação do curso, ao longo de um período de tempo pré-determinado. Mas, como então deveria ser o currículo mínimo do curso de Psicologia? Durante os anos de 1990 houve uma série de reuniões com fins de refletir criticamente sobre sua estruturação e parametrização. Deste modo, “[...] iniciou-se um processo de desconstrução dos currículos existentes, considerados, até então, excessivamente tecnicistas, por um lado, e pouco atualizado em torno dos campos emergentes da Psicologia, por outro” (CRUZ, 2016c, p. 784). Assim, em 2011, foi aprovada a Resolução n. 5, de 15 de março de 2011, por parte do Conselho Nacional de Educação, da Câmara de Educação Superior, do Ministério de Educação do Brasil estabelecendo parâmetros normativos para a construção do Projeto Político Pedagógico para formação do bacharel em Psicologia e formação complementar para a formação de Professores de Psicologia (BRASIL, 2011). Costa et al. (2012) assinalam que, por meio da aprovação da Resolução n. 5, os principais pontos a serem observados nas DCNs são: padronização do currículo, foco no desenvolvimento e ampliação do cumprimento de estágios. Padronização do currículo Padronização do currículo em um núcleo comum, com fins de assegurar a capacitação básica dos estudantes e a oferta de, pelo menos, duas ênfases curriculares para que os mesmos possam se aprofundar em domínios da Psicologia. Foco no desenvolvimento Foco no desenvolvimento de competências agregadas aos conhecimentos. Ampliação de estágios Ampliação do cumprimento de estágios para formação básica (núcleo comum) e formaçãoespecífica (núcleo profissionalizante). Mesmo com as mudanças propostas com as DCNs, Yamamoto (2012) chamava a atenção de que se fazia necessária na construção de um projeto ético-político para a profissão dos psicólogos que incorporasse projetos societários mais abrangentes. Ao comparar o discurso e a prática das agentes envolvidos no processo de formação, Ribeiro e Soligo (2020), com base em estudos bibliográficos assinalas que existem significativas divergências entre o discurso formativo, os currículos dos cursos e aquilo que tem se observado na prática. Diferentes Projetos Políticos Pedagógicos de Curso (PPCs) indicam uma preocupação proferida em relação à perseguição do compromisso social da área, bem como da necessidade de desenvolvimento de uma postura crítica-reflexiva, mas isso nem sempre acontece, uma vez que o atendimento dessas necessidades não tem sido, muitas vezes, identificados nos relatórios de avaliação dos processos de regulação do curso e nos relatórios dos Exames Nacionais de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Segundo Cruz (2016c), observa-se também que os currículos de diferentes cursos de Psicologia espalhados no Brasil, continuam enfatizando as áreas tradicionais da Psicologia, a formação ainda é conteudista, ou seja, centrada no professor. A área clínica ainda é predominante e um incipiente caráter de inovação tanto em relação aos conteúdos, quanto aos processos de ensino-aprendizagem. A autora ainda ressalta que nas discussões referentes à prática profissional, prepondera o discurso da necessidade de se ofertar uma formação generalista, constantemente articulada com a teoria-prática e com os eixos da ensino, pesquisa e extensão, mas isto também acaba não se observado na prática, seja por sua quase ausência ou pela presença de forma desarticulada. [...] No âmbito da formação profissional básica, verificam-se mudanças curriculares sem o devido planejamento do ensino orientado para as perspectivas de inserção do psicólogo no mundo do trabalho (prestação de serviços para as instituições e comunidade) e, muitas vezes, descoladas das DCNs para a área da Psicologia. Há uma redução, cada vez mais acentuada nos fluxos curriculares, de disciplinas metodológicas e técnicas e voltadas à intervenção psicológica, assim como uma valorização de conteúdos programáticos e de experiências mais genéricas que, embora possam ser enriquecedores para a formação geral do cidadão (as chamadas disciplinas transversais ou temas diversos), restringem cada vez mais o ensino e o desenvolvimento de competências específicas à atuação dos psicólogos. (CRUZ, 2016 c, p. 783). Enfim, é sempre recomendável que o profissional contábil esteja atento às legislações atualizadas que envolvem os fatos a serem contabilizados. O cuidado com a avaliação patrimonial, consolidação dos demonstrativos contábeis e também as eliminações necessárias, devem fazer parte do escopo do contador do futuro.
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