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Teologia e direitos humanos APRESENTAÇÃO A questão dos direitos humanos geralmente é causadora de polêmicas porque, nas discussões cotidianas, fica centrada em argumentações políticas de direita versus esquerda. Mas o assunto não se esgota aí. Para além da polarização das discussões políticas, a temática se torna muito mais interessante e enriquecedora porque é interdisciplinar. Nesse contexto, a Teologia tem muito a contribuir para o aprimoramento da questão. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai ter a oportunidade de refletir sobre a importância dos direitos humanos na perspectiva teológica. Também vai estudar os objetivos da doutrina social da Igreja diante dos desafios impostos pela realidade de negação dos direitos para determinados grupos sociais, investigando a relação entre fé e prática e examinando alguns pressupostos da teologia da revelação. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o atual diálogo entre os direitos humanos e a Teologia.• Definir direitos humanos à luz da doutrina social da Igreja.• Identificar a base dos direitos humanos à luz da revelação cristã.• DESAFIO Sabe-se que as desigualdades sociais podem ser motivadas pela ausência do poder público, que, por vezes, nada faz para ajudar quem mais precisa. Nesse contexto, muitas pessoas se empenham em auxiliar e, depois, querem trocar o auxílio por votos ou simplesmente querem obter reconhecimento social. Suponha que você identificou uma série de problemas em um bairro pobre da sua cidade: O bairro tem, ainda, alguns espaços não construídos (além da praça) que pertencem à prefeitura, além de uma igreja e pequenos comerciantes (mercado, materiais de construção, etc.). A partir desse cenário, responda: como você procederia para garantir a efetiva melhoria das condições de vida dessa população pobre sem que isso se torne um mero faz de conta ou um jogo de interesses? INFOGRÁFICO A preocupação com os direitos humanos inicia-se com o próprio Cristo, conforme podemos ler em Mateus 9, 35-36. Depois disso, muitos papas tiveram grande empenho em consolidar o que passou a se chamar de doutrina social da Igreja. No Infográfico você pode acompanhar uma linha do tempo com os fatos que norteiam as ações da Igreja em defesa daqueles que perderam a dignidade e têm seus direitos mais básicos negados. CONTEÚDO DO LIVRO A Teologia entende que a vida humana é digna e sagrada, por isso ela não pode ser entendida de forma mercantil, ou seja, a vida não tem preço, ela não é um produto de mercado. Sendo assim, a vida deve ser respeitada. Nesse contexto, a doutrina social da Igreja se propõe a estabelecer princípios para nortear as organizações sociais e políticas, convidando as pessoas a agirem, a fazerem algo pelos outros, sobretudo pelos mais excluídos. No capítulo Teologia e direitos humanos, da obra Antropologia teológica e direitos humanos, que é base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai entender que, assim como Jesus Cristo, que sofreu e vivenciou as dores e as angústias do ser humano, hoje o pobre, o excluído e o marginalizado revelam o rosto sofrido da vida humana. Por isso, a fé cristã não pode permanecer calada. A fé impele o cristão a agir, a promover os direitos humanos para todos, especialmente para aqueles a quem esses direitos foram negados. ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E DIREITOS HUMANOS Paulo Gilberto Gubert Teologia e direitos humanos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o atual diálogo entre direitos humanos e teologia. Definir direitos humanos à luz da doutrina social da Igreja. Identificar a base dos direitos humanos à luz da revelação cristã. Introdução Neste capítulo, você vai estudar um pouco mais sobre o debate existente entre a teologia e os direitos humanos e, mais do que isso, de que forma os direitos humanos contribuem para um melhor entendimento da própria teologia no seu diálogo com a humanidade. Você também vai verificar uma parte da história da Doutrina Social da Igreja, analisando a forma como ela nasce justamente com a intenção de responder aos problemas sociais e políticos que a Igreja foi percebendo ao longo do tempo. Por fim, vai compreender a relação entre a revelação cristã e os direitos humanos. Sem a fé, a luta por direitos humanos corre o risco de se tornar uma mera formalidade ou um puro altruísmo. Quando a fé cristã nos impulsiona para fazermos boas ações em favor dos outros, então nós estamos vivenciando a espiritualidade. Teologia e direitos humanos: um diálogo possível? Os direitos humanos na pós-modernidade não estão mais centrados somente na noção de tolerância, como foi na modernidade. Atualmente, busca-se reconhecimento e aceitação, bem como liberdade de vivenciar publicamente as escolhas e crenças individuais. Nesse contexto, o conceito de direitos hu- manos sofre um alargamento, na medida em que não se trata mais de apenas aceitar a existência de opiniões diferentes, mas de aceitar opiniões diferentes. Isso significa que essa discussão deve necessariamente ser interdisciplinar. Portanto, os direitos humanos não podem ser pensados como uma disciplina exclusiva do Direito, embora permaneçam vinculados a essa área do conheci- mento. O núcleo dos direitos humanos vai além da esfera jurídica, uma vez que ele diz respeito à organização social humana, e isso implica em uma abordagem que leve em consideração múltiplas áreas de conhecimento, como a teologia. Um conceito muito importante para a Teologia é o de intersubjetividade, ou alteridade. Não é possível pensar em direitos humanos sem levar em consi- deração os outros — aliás, todos os outros. Aqui entra em jogo um princípio da universalidade: o respeito à dignidade da vida humana sem exceção. Além disso, os direitos humanos devem ser absolutos. Eles não se restringem à discussão sobre a validade ou invalidez de normas e preceitos, porque “[...] o absoluto dos direitos humanos está na vida. Nessa ordem de ideias, o funda- mento dos direitos humanos está no mundo da vida, na possibilidade de uma vida digna, porque a vida é o fundamento absoluto dos direitos humanos”, conforme leciona Corredor (2005, documento on-line). A dignidade e a sacralidade da vida, nas quais se fundamentam teologi- camente os direitos humanos, não seguem uma lógica de mercado. Em outras palavras, a vida humana não é uma coisa, um produto comercializável: a vida tem valor, as coisas têm preço, e não devemos inverter essa ordem. Um exemplo de vida humana como produto de mercado é a escravidão. Apesar de já termos superado quase por completo o problema da escravidão, vivemos um período de profundas injustiças, que tornam o ser humano sofrido e desamparado, por conta das angústias, do desespero, da dor e da fome. Por exemplo, em torno de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo. Outros grupos de pessoas que ficam marginalizadas, sem dignidade, são, por exemplo, as vítimas de violência física e psíquica, da indústria das armas e da guerra e, também, de desastres naturais. Essas pessoas frequentemente ficam excluídas, são exploradas e marginalizadas. Produzimos mais alimentos do que o necessário para alimentar todas as pessoas do mundo. Contudo, temos quase 800 milhões de pessoas que não têm o mínimo necessário de alimentos para uma vida saudável. Acesse o link a seguir e leia mais sobre o assunto. https://goo.gl/MWh4MH Teologia e direitos humanos2 Diante disso, se coloca a questão sobre a maneira como Deus está presente no cotidiano das pessoas, inclusive por meio do reconhecimento dos direitos de cada ser humano. Nesse caso, a Teologia contribui por meio de “[...] uma leitura libertadora que fundamente os direitos humanos, porque é na dor, na injustiça, na solidão de seu povo que Deus o escuta, e seu clamor exige justiça”, segundo leciona Corredor (2005, documentoon-line). Os direitos humanos e a doutrina social da Igreja A Doutrina Social da Igreja foi construída à medida que a Igreja se sentiu com a missão de oferecer uma resposta aos problemas sociais e políticos que surgiram ao longo dos últimos 20 séculos. Sendo assim, ela é fruto de uma construção histórica, constituída por ensinamentos presentes na Sagrada Escritura (Bíblia) e em muitas encíclicas, bulas e pronunciamentos dos papas. A Doutrina Social da Igreja estabelece princípios para nortear as organizações sociais e políticas, convidando as pessoas a agirem, a fazerem algo pelos outros, sobretudo pelos mais excluídos. Os principais temas abordados pela Doutrina Social da Igreja são: o bem comum, a solidariedade, o cuidado com o meio ambiente, o respeito pelos povos e suas culturas, a promoção da paz, da justiça e da liberdade e o respeito pela família, pelos direitos e pela dignidade humana. Um exemplo que podemos trazer da modernidade é o do Papa Gregório XVI (1831–1846), que condenou a escravidão dos negros, com a bula In Supremo Apostolatus, escrita em 1839. Dessa forma, ele também contribuiu para a abolição da escravatura no mundo. O Papa Leão XIII (1810–1903) também tem grande destaque nesse contexto. Durante seu papado, ele deu ênfase para as questões sociais. Atento observador da realidade sofrida da vida humana de seu tempo, Leão XIII procurava inspiração não apenas no cotidiano, mas na tradição da Igreja, buscando iluminação na Bíblia. Rerum Novarum: sobre a condição dos operários é o título da encíclica escrita por Leão XIII em 1891 e considerada um dos mais importantes documen- tos sobre Doutrina Social da Igreja. O núcleo dessa encíclica é “[...] a dignidade da pessoa humana e do trabalhador, o direito inalienável à propriedade privada e a função social dos bens, o papel do Estado social de direito à livre associação”, conforme afirma Corredor (2005, documento on-line). 3Teologia e direitos humanos Você sabia que os documentos escritos pelos papas têm nomes diferentes, de acordo com a mensagem que eles querem transmitir? Falamos acima de bula e de encíclica, mas existem também cartas apostólicas, exortações apostólicas, constituições apostólicas e motu proprio. Leia mais no link a seguir. https://goo.gl/mF2bc8 Após a encíclica de Leão XIII, outros papas produziram encíclicas com temas fundamentais em torno dos direitos humanos. Bento XV (1854–1922), na encíclica Ad Beatissimi Apostolorum, de 1914, convoca os cristãos para a paz, pois estavam no contexto da Primeira Guerra Mundial. Sobre essa mesma temática, em 1920, Bento XV escreve a encíclica Pacem Dei Munus: sobre a restauração da paz. Pio XI (1857–1939) escreveu três encíclicas envolvendo a Doutrina Social da Igreja e os direitos humanos: Ubi Arcano (1922), Quas Primas (1925) e Quadragesimo Anno (1931). Nessas encíclicas, ele condena a imoralidade, as revoluções e a exploração do trabalho, defendendo o direito ao salário digno e à propriedade privada. Além disso, o Papa Pio XI escreveu contra os totalitarismos de direita e de esquerda na encíclica Non abbiamo bisogno, na qual se posicionou contra o fascismo italiano; também combateu o nazismo alemão, com a encíclica Mit brenender sorge, e, ainda, atacou o comunismo soviético, com a encíclica Divini Redemptoris. Pio XII (1876–1958) abomina o racismo na encíclica Summi Pontificatus (1939). Também foi um pregador incansável pela defesa da dignidade humana e, inclusive, enumerou uma lista dos direitos fundamentais da pessoa, em sua mensagem radiofônica de Natal, no ano de 1942. Com isso, ele se antecipa à Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (ONU, [2018]). Teologia e direitos humanos4 No parágrafo 34 da mensagem radiofônica do Natal de 1942, Pio XII escreve que os direitos fundamentais da pessoa são os seguintes: [...] o direito a manter e desenvolver a vida corporal, intelectual e mo- ral e particularmente o direito a uma formação e educação religiosa; o direito ao culto de Deus, particular e público, incluindo a ação da caridade religiosa; o direito, máxime, ao matrimônio e à consecução do seu fim; o direito à sociedade conjugal e doméstica; o direito ao trabalho como meio indispensável para manter a vida familiar; o direito à livre escolha de estado, também sacerdotal e religioso; o direito ao uso dos bens materiais, consciente dos seus deveres e das limitações sociais (PIO XII, 1942, documento on-line). Outro Papa de extrema relevância para a Doutrina Social da Igreja foi João XXIII (1958–1963). Em 1963, ele publicou a encíclica Pacem in Terris, por ocasião dos 15 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para a qual faz uma menção positiva (JOÃO XXIII, 1963). No entanto, ele acrescenta direitos não presentes na declaração e, principalmente, acrescenta nela os respectivos deveres do ser humano. No parágrafo nove da encíclica, João XXIII declara que: [...] em uma convivência humana bem constituída e eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa; isto é, natureza dotada de inteli- gência e vontade livre. Por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza. Trata-se, por conseguinte, de direitos e deveres universais, invioláveis, e inalienáveis (JOÃO XXIII, 1963, documento on-line). Depois disso, João XXIII ainda convocou o Concílio Vaticano II, que significou uma abertura da Igreja para o mundo, valorizando as descobertas da ciência e aprimorando o diálogo entre fé e razão. Durante o concílio, foram elaborados muitos documentos pelos cardeais. Dentre eles, a Constituição Gaudium et spes. 5Teologia e direitos humanos O Concílio Vaticano II foi constituído por conferências realizadas entre os anos de 1962 e 1965. De acordo com Navarro (2018, documento on-line), estas foram: [...] o grande evento da Igreja Católica no século 20. Com o objetivo de modernizar a Igreja e atrair os cristãos afastados da religião, o papa João XXIII convidou bispos de todo o mundo para diversos encontros, debates e votações no Vaticano. Da pauta dessas discussões constavam temas como os rituais da missa, os deveres de cada padre, a liberdade religiosa e a relação da Igreja com os fiéis e os costumes da época. Nessa Constituição (NAVARRO, 2018), a Igreja novamente ressalta a im- portância da paz, mediante a ameaça da guerra. Além disso, ressalta que, em quaisquer situações de conflitos armados, os direitos das pessoas não podem ser violados. Nesse caso, se houver a violação dos direitos, haverá crime de guerra. A constituição acentua ainda a valoração da vida humana, baseada em um ordenamento social que possibilite uma vida digna para todos. No parágrafo 73 dessa mesma Constituição, podemos ler que: A consciência mais sentida da dignidade humana dá origem em diversas regiões do mundo ao desejo de instaurar uma ordem político-jurídica em que os direitos da pessoa na vida pública sejam melhor assegurados, tais como os direitos de livre reunião e associação, de expressão das próprias opiniões e de profissão privada e pública da religião. A salvaguarda dos direitos da pessoa é, com efeito, uma condição necessária para que os cidadãos, quer individualmente quer em grupo, possam participar ativamente na vida e gestão da coisa pública (NAVARRO, 2018, documento on-line). Em toda a América Latina, devido à influência da encíclica Pacem in Terris e do Concílio Vaticano II, a Igreja está, desde os anos 1960, trabalhando exponencialmente em prol dos direitos humanos, por meio da sua opção pre- ferencial pelos pobres. Esta se manifesta nos movimentos e nas comunidades, bem como nas propostas de campanhas nacionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, como a Campanha da Fraternidade, no Brasil. Teologia e direitos humanos6 A Campanha da Fraternidade é realizada anualmente no Brasil pela Igreja Católica. O seu principalobjetivo é despertar a solidariedade — não só dos católicos, mas de toda a sociedade — em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução. Leia mais no link a seguir. https://goo.gl/Nv627g As conferências realizadas pelos bispos latino-americanos em Medellín, Pue- bla, Santo Domingo e Aparecida também tiveram como resultado documentos que promovem e defendem os direitos humanos. Destacamos aqui o Documento de Medellín e o Documento de Aparecida. No primeiro, os bispos destacam 13 objetivos a atingir (também chamados de linhas pastorais) com a missão da Igreja. Dentre eles, o segundo objetivo diz o seguinte: “Defender, segundo o mandato Evangélico, os direitos dos pobres e oprimidos, urgindo os nossos governos e classes dirigentes que eliminem tudo o quanto destrua a paz social: injustiça, inércia, venalidade, insensibilidade” (MEDELLÍN..., 2018, documento on-line). No Documento de Aparecida também são defendidos os direitos humanos. No parágrafo 387, os bispos destacam que: [...] a cultura atual tende a propor estilos de ser e viver contrários à natureza e dignidade do ser humano. O impacto dominante dos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero se transformaram, acima do valor da pessoa, em norma máxima de funcionamento e em critério decisivo na organização social. Diante dessa realidade, anunciamos, uma vez mais, o valor supremo de cada homem e de cada mulher. Na verdade, o Criador, ao colocar a serviço do ser humano tudo o que foi criado, manifesta a dignidade da pessoa humana e convida a respeitá-la (CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO, 2012, documento on-line). No Documento de Aparecida também são mencionados com destaque aqueles que não podem usufruir plenamente de seus direitos, os excluídos e os pobres: “[...] à luz do Evangelho reconhecemos sua imensa dignidade e seu valor sagrado aos olhos de Cristo, pobre como eles e excluído como eles. Desta experiência cristã compartilharemos com eles a defesa de seus direitos” (CON- SELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO, 2012, documento on-line). 7Teologia e direitos humanos Diante disso, vemos que a atuação da Igreja Católica tem sido de enorme importância para a consolidação dos valores dos Direitos Humanos. Hoje, a Igreja está intensificando ainda mais essa atuação, lutando pela defesa dos pobres e oprimidos e para que a justiça seja efetiva para todos, garantindo que todos possam usufruir de seus direitos humanos. Os direitos humanos e a revelação cristã Ao afi rmar a dignidade e a sacralidade da vida, entendemos que os direitos humanos se tornam um locus teológico, isto é, um local a partir do qual se pode pensar a Teologia. Nesse sentido é que podemos perceber que há uma relação muito próxima entre dignidade humana e a revelação cristã. A revelação cristã é a forma como Deus se revela aos seres humanos, por meio de palavras e acontecimentos, para que percebam sua benevolência. Isso significa que os homens podem participar, pela graça do Espírito Santo, da vida divina, como filhos adotivos, por meio de seu filho único, Jesus Cristo. Cristo é a plenitude da revelação. Nele se realizaram e se cumpriram todas as escrituras, tudo o que os profetas haviam anunciado. É na vida cotidiana que a Teologia entende os direitos humanos como a revelação do Deus da vida. O pobre, o excluído e o marginalizado revelam o rosto sofrido da vida humana. Nesse contexto, a luta pelos direitos humanos deve ser a resposta do cristão “[...] como expressão e revelação do Deus da Vida que acontece na história e reclama justiça do primado do princípio da misericórdia. Assim, o ponto de partida é a espiritualidade, uma vida com espírito, ou seja, um estilo de vida marcada pelo espírito de Jesus”, conforme leciona Corredor (2005, documento on-line). A espiritualidade do cristão não pode ser reduzida somente aos rituais religiosos. A espiritualidade é uma forma de vida segundo o espírito do próprio Cristo. Assim, segundo Sobrino (1994), conhecer Deus é praticar a justiça. Como a vida espiritual pode se tornar também prática? Assegurando a garantia aos direitos humanos para todos, dignificando a vida humana como resposta ao próprio Deus da vida, que se revelou em Jesus. Isso significa lutar para que a justiça aconteça. Sendo assim, “[...] a fé implica a justiça; implica o agir no seguimento de Jesus Cristo a favor dos pobres, dos desprotegidos, das vítimas, já que a própria revelação de Deus clama por justiça por meio dos direitos humanos”, conforme dita Corredor (2005, documento on-line). Os direitos humanos são a realização da fé na prática, quando ela se con- cretiza na história. Isso quer dizer que a fundamentação dos direitos humanos não pode ser encontrada somente no Direito, na Filosofia ou na Teologia. Seu Teologia e direitos humanos8 fundamento também está na vida cotidiana, na história de cada pessoa, a cada vez que seus direitos lhe são assegurados. Mas isso só fará sentido para os cristãos se for realizado com espiritualidade, como dissemos acima, com o mesmo “espírito” de Jesus. Do contrário, a luta pelos direitos humanos se torna um altruísmo, um mero fazer por fazer, que, gradativamente, deixará de fazer sentido para os cristãos. Trata-se, portanto, de um agir em defesa da vida, mas com misericórdia para com os mais sofridos. Por que com misericórdia? Porque Deus sempre tem misericórdia para conosco, e, se queremos agir com o espírito, devemos ser misericordiosos uns para com os outros. Deus se tornou humano para que o ser humano pudesse chegar à Deus. Segundo Corredor (2005, documento on-line), “[...] esta é a nova lógica do sentido teológico dos direitos humanos, contrária à lógica do mercado e do capitalismo, pois a luta pelos direitos humanos é locus — lugar onde acontece a salvação de Deus — é sacramento de salvação”. Enfim, defender os direitos humanos é lutar por vida digna para todos. Dessa forma, ser cristão também implica em lutar pelos direitos humanos. Nesse sentido, a revelação de Deus mostra-se como uma revelação de espe- rança, de alegria e de vida. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida. 2012. Disponível em: https://www.franciscanos.org.br/wp-content/uploads/2012/05/docaparecida.pdf. Acesso em: 30 jan. 2019. CORREDOR, D. E. L. Fundamentação teológica dos direitos humanos. Caderno Teologia Pública, ano 2, nº. 15, p. 1-20, 2005. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/ fe/corredor_fundamentacao_teologica_dh.pdf. Acesso em: 30 jan. 2019. JOÃO XXIII, Papa. Pacem in Terris. 1963. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/ john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html. Acesso em: 30 jan. 2019. MEDELLÍN em gotas. 15ª Linhas pastorais. Instituto Humanas Unisinos, São Leopoldo, RS, 9 set. 2018. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/582545-medellin- -em-gotas-14-linhas-pastorais. Acesso em: 30 jan. 2019. NAVARRO, R. O que foi o Concílio Vaticano II? Conferência realizada entre 1962 e 1965 gerou transformações profundas na Igreja. Revista Superinteressante, São Paulo, 4 jul. 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-concilio- -vaticano-ii/. Acesso em: 30 jan. 2019. 9Teologia e direitos humanos ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos. Unicef Brasil, [2018]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133. html. Acesso em: 30 jan. 2019. PIO XII, Papa. Con sempre nuova freschezza. O Santo Natal e a humanidade sofredora. 1942. Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/speeches/1942/docu- ments/hf_p-xii_spe_19421224_radiomessage-christmas.html. Acesso em: 30 jan. 2019. SOBRINO, J. Liberación con espíritu: apuntes para una nueva espiritualidad. 2. ed. San Salvador: UCA, 1994. Leituras recomendadas CALDEIRA, R. C. Considerações sobre a Igreja Católica Romana e a evolução de sua compreensão sobre os direitos humanos. Horizonte,Belo Horizonte, MG, v. 15, nº. 47, p. 770-796, jul./set. 2017. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/ horizonte/article/view/P.2175-5841.2017v15n47p770. Acesso em: 30 jan. 2019. IGREJA e direitos humanos. L’Osservatore Romano, Cidade do Vaticano, 15 jun. 2012. Disponível em: http://www.osservatoreromano.va/pt/news/igreja-e-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2019. SANTOS, F. C. A. A posição da Igreja Católica sobre os direitos humanos. Portal Boletim Jurídico, 2 fev. 2015. Disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/ artigo/3950/a-posicao-igreja-catolica-os-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2019. WANDERLEI. L. E. Democracia, direitos humanos e CNBB. São Paulo: Paulus, 2013. Teologia e direitos humanos10 DICA DO PROFESSOR A tolerância, tema central da Filosofia, da política e da Teologia na modernidade, é uma das questões que está na base da elaboração dos direitos humanos na contemporaneidade. Afinal, como seria possível pensar em direitos humanos se não houvesse tolerância entre as pessoas? Na Dica do Professor, você vai acompanhar o contexto do surgimento da discussão sobre a separação entre Estado e Igreja como condição para a possibilidade de tolerância entre as pessoas que desejam conviver em uma sociedade pacífica. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) A discussão central acerca dos direitos humanos vai além da esfera jurídica, pois diz respeito à organização social humana. Isso implica uma abordagem que leve em consideração múltiplas áreas de conhecimento, ou seja, trata-se de uma discussão interdisciplinar. Isso significa que: A) Os direitos humanos devem constituir o primeiro conteúdo a ser estudado em todas as áreas do conhecimento. B) Os direitos humanos devem ser estudados pela Teologia cristã, pois as teologias de outras religiões não os estudam. C) O estudo dos direitos humanos tem como característica principal a interdisciplinaridade. D) Os direitos humanos têm a ver com a vida social humana e, por isso, devem ser desconsiderados pela Teologia. E) Os direitos humanos devem ser estudados exclusivamente pelo Direito e pela Teologia. 2) A doutrina social da Igreja foi elaborada ao longo dos últimos 20 séculos, embora tenha atingido maior desenvolvimento no período moderno e contemporâneo. Qual é o objetivo principal da doutrina social da Igreja? A) Reconhecer os problemas sociais e políticos e apresentar soluções. B) O bem comum, a solidariedade, o cuidado com o meio ambiente, o respeito pelos povos e suas culturas. C) Acabar com os totalitarismos de esquerda e de direita. D) Abolir a escravatura que persiste na contemporaneidade. E) Fazer com que a humanidade abandone os prazeres efêmeros. 3) Muitos papas contribuíram para o desenvolvimento da doutrina social da Igreja. Desde negações e condenações contra a escravidão e o racismo até propondo aos cristãos a realização de ações efetivas em prol daqueles que mais sofrem e que têm seus direitos negados. Nesse contexto, os dois papas que elaboraram listas ampliando a quantidade de direitos humanos foram: A) João XXIII e Gregório XVI. B) Pio XII e Leão XIII. C) Bento XV e Pio XI. D) Gregório XVI e Leão XIII. E) Pio XII e João XXIII. 4) A revelação cristã, também conhecida como teologia da revelação, é a forma como Deus se revela aos seres humanos, por meio de palavras e de acontecimentos. Portanto, a revelação é uma aproximação de Deus em relação ao homem. Nesse sentido, é correto afirmar que: A) o ser humano deve se tornar Deus para que Deus possa se tornar humano. B) Deus se revela de forma plena por meio de Jesus Cristo. C) é por meio da revelação que os seres humanos podem se tornar iguais a Deus. D) Deus se revela quando garantimos que os pobres, excluídos e marginalizados usufruam dos direitos humanos. E) Jesus Cristo foi um grande altruísta. 5) Na Bíblia, encontra-se uma carta de São Tiago na qual ele afirma que "assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta" (Tg 2, 26). Nesse sentido, o que representa dizer que os direitos humanos, para o cristão, significam a concretização da fé? A) Devemos sempre ser altruístas, independentemente de nossa religião ou se formos ateus. B) Deus criou os direitos humanos quando criou os seres humanos. C) Independentemente da fé, o mais importante é lutar por vida digna para todos. D) A luta pelos direitos humanos é uma forma de realização da fé na prática, na história cotidiana. E) A fé em Deus nos torna mais fortes espiritualmente, fazendo com que não precisemos de direitos humanos. NA PRÁTICA A plenitude da revelação de Deus foi Jesus Cristo. Contudo, Deus também se revela cada vez que a justiça acontece entre os homens. Sendo assim, os cristãos devem agir no seu cotidiano em busca da vida digna para todos, tendo como princípio norteador a misericórdia de Deus. Agindo assim, o cristão tem como ponto de partida não a si mesmo, mas a sua espiritualidade, isto é, sua vida marcada pelo espírito de Cristo. A vida espiritual necessita dos rituais religiosos para ser cultivada, para que não definhe. Contudo, essa espiritualidade só se torna prática quando o cristão luta em favor da dignidade da vida humana, buscando assegurar que todos tenham acesso aos seus direitos. Conheça a história de Zilda Arns, um exemplo de como a fé em Cristo pode se concretizar Na Prática. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Religião, direitos humanos e o neoliberalismo em uma era pós-humanista Leia o artigo que trata de três importantes elementos: a relação entre a noção da missão religiosa e a luta pelos direitos humanos; a ideologia neoliberal; e os desafios que essa postura neoliberal coloca para a justificação da ação social e política dos grupos e instituições religiosas no atual mundo globalizado. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! O caráter social da Teologia Leia o estudo que trata da Teologia como atividade constitutivamente social, que tem um caráter ou uma dimensão social que a caracteriza e a mensura sob certo aspecto. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Direitos Humanos Confira na obra de Fernanda Franklin Seixas Arakaki e Guérula Mello Viero o que são direitos humanos, sua evolução ao longo da história, culminando com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
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