Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

1 
SUMÁRIO 
1 HISTÓRIA E EPISTEMOLOGIA DA PSICANÁLISE .......................... 2 
1.1 Sigmund Freud, Pai da Psicanálise ............................................. 2 
1.2 Dr. Freud, O Gênio E A Psicanálise ............................................ 2 
2 O QUE É PSICANÁLISE? .................................................................. 3 
2.1 O Psicanalista e o Divã ............................................................... 4 
2.2 4 elementos da Teoria de Freud ................................................. 5 
2.3 O Método Psicanalítico para Freud ............................................. 5 
3 CONSCIENTE E INCONSCIENTE .................................................... 6 
3.1 Complexo de Édipo ..................................................................... 6 
3.2 Fases da sexualidade infantil ...................................................... 7 
4 A POLÊMICA EM TORNO DA INTERPRETAÇÃO, AS 
HUMANIDADES E A FORMAÇÃO DO ANALISTA ............................................ 8 
4.1 Muito além de Freud: escolas e autores da psicanálise ............ 12 
4.2 O início da psicanálise: Sigmund Freud .................................... 13 
4.3 Depois de Freud: Adler, Carl Jung, neofreudianos e a tradição 
analítica do eu .............................................................................................. 13 
4.4 Outros desenvolvimentos e autores da psicanálise .................. 16 
5 POR UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA E METODOLÓGICA 
EM PSICANÁLISE ........................................................................................... 16 
6 PARADIGMAS NA HISTÓRIA DA PSICANÁLISE ........................... 31 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 59 
 
 
 
 
 
 
 
2 
1 HISTÓRIA E EPISTEMOLOGIA DA PSICANÁLISE 
1.1 Sigmund Freud, Pai da Psicanálise 
Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, na Áustria. O famoso 
psicanalista começou a ter interesse pela área da histeria, praticando a hipnose 
como forma de tratamento. A psicanálise, a psicologia e a psiquiatria não 
existiriam hoje se não fosse por Freud. 
As ideias de Freud o fizeram ser rejeitado por algumas pessoas em sua 
época e, até hoje, ainda são motivo de controvérsia. Em seu famoso livro “A 
Interpretação dos Sonhos”, Freud aponta que parte de seus problemas 
psicológicos se deviam a uma atração pela própria mãe. Esse tipo de declaração, 
que daria origem ao Complexo de Édipo, marginalizou Freud. 
Atualmente, são feitas críticas ao método psicanalítico de Freud, uma das 
mais contundentes seria a de que a psicanálise não seria uma ciência, pois seu 
resultado não poderia ser comprovado por fatos. Freud morreu de câncer na 
boca, no dia 23 de setembro de 1939.1 
1.2 Dr. Freud, O Gênio E A Psicanálise 
Dr. Sigmund Freud (1856-1939), foi médico neurologista austríaco que 
revolucionou a história a partir da psicanálise. Ele era demasiadamente dedicado 
à pesquisa científica. A compreensão do ser humano tornou-se mais acessível 
e curativa por meio de seus estudos e pesquisas. Freud foi gênio para o bem-
estar da humanidade. 
Freud, sabiamente pode ser chamado de legislador intelectual mais 
influente de sua época. Sua criação, a psicanálise, era ao mesmo tempo uma 
teoria da psique humana, uma terapia para o alívio de seus males e uma ótica 
para a interpretação da cultura e da sociedade. Apesar das repetidas críticas, 
tentativas de refutações e qualificações da sua obra, Freud, com a psicanálise 
permaneceu poderoso, eficaz, atual, progressivo, conectados com o progresso 
da ciência e o avanço tecnológico. 
 
1 Extraído do link: opiniaoenoticia.com.br 
 
3 
Fonte: www.fronteiras.com 
O campo de estudos científicos da era pós-moderna na psicanálise é a 
neuropsicanálise. A criação da neuropsicanálise, uma área do conhecimento que 
tenta aproveitar as descobertas sobre a fisiologia do cérebro para justificar parte 
das proposições de Freud. “A psicanálise não tem o objetivo de desvendar os 
mecanismos fisiológicos do cérebro. Isso é função da neurociência. Mas os 
fenômenos que emergem desses processos físicos são objeto da investigação 
psicanalítica”, diz o psicanalista brasileiro Yusaku Soussumi, da Sociedade 
Internacional de Neuropsicanálise. 
2 O QUE É PSICANÁLISE? 
Em 1896, em um artigo científico publicado numa revista francesa, Dr. 
Sigmund Freud utilizou pela primeira vez o termo “psicanálise” para nomear um 
tipo de psicoterapia cujo método consiste na exploração do inconsciente a partir 
da fala livre do paciente e de intervenções do psicanalista. Assim, Dr. Freud 
desenvolveu um método de tratamento que se pode igualar a uma “arqueologia 
da alma”, onde o psicanalista busca trazer à luz as experiências traumáticas 
passadas que provocaram os distúrbios psíquicos do paciente, fazendo com que 
assim, ele encontre a cura. 
 
4 
Segundo Dr. Freud, a psicanálise é um procedimento para a investigação 
de processos mentais que são quase inacessíveis de outra maneira. É um 
método para o tratamento de distúrbios neuróticos que proporciona uma série de 
informações psicológicas, e que se tornou uma nova disciplina científica. A 
psicanálise é a ciência do inconsciente e a terapia do autoconhecimento. A arte 
da construção de qualidade de vida: saúde física e emocional. 
A psicanálise surgi por meio da genialidade do Dr. Freud que centrou seus 
trabalhos nos pacientes com sintomas neuróticos e/ou histéricos. Ao falar com 
seus pacientes Freud acabou descobrindo casualmente que a maioria dos seus 
problemas era originada nos conflitos culturais, sendo então reprimidos seus 
desejos inconscientes e suas fantasias da libido. A contribuição de Freud para o 
conhecimento humano e para os estudos mentais são inegáveis. O verdadeiro 
choque moral provocando pelas ideias de Freud serviu para que a humanidade 
rompesse seus tabus e preconceitos na compreensão da sexualidade. 
2.1 O Psicanalista e o Divã 
No ambiente do Consultório Psicanalítico Freudiano deve existir o “Divã” 
que para o Psicanalista Freudiano representa o “Altar Sagrado da Psique da 
Alma ou do Inconsciente Humano”. É no Divã que o indivíduo se torna “sujeito” 
da sua própria história e vida, é sujeito falante de sua história e através da sua 
fala, suas queixas e vai revelando a si o seu inconsciente pela associação livre 
de ideias momento quando inicia sua travessia do sintoma pela fala. 
O psicanalista é um profissional que tem a capacidade da escuta técnica 
e a habilidade científica de interagir com o paciente na real sensibilidade. O ofício 
psicanalítico inspira confiabilidade e confidencialidade. A longa e continuada 
formação, seja em novas atualizações, especializações e no divã do seu 
analista, faz do psicanalista um profissional que entende as patologias e sabe 
lidar com segredos e confissões com profundo respeito e dignidade. Tem-se no 
psicanalista um aliado de alma humana e um confidente que proporciona saúde 
física e emocional. 
Atua nas perturbações caracterológicas e estados neuróticos, histeria, 
inadaptações, timidez, impulsividade, sentimento de culpa, desgosto obsedante, 
escrúpulo excessivo, ciúmes, carência afetiva, distrações desagradáveis, 
 
5 
dúvidas persistentes, abulias, fobias, obsessões, neurastenias (inorgânicas), 
medos, depressões, neuroses de conflitos psíquicos e histeria feminina. Atua 
nas perturbações psíquicas de origem inorgânicas de fundo psicossomático. Nas 
incompatibilidades de fantasias íntimas e na obsessão de pensamentos 
negativos. 
O bem-estar adquirido pela terapia psicanalítica é um processo longo, 
consistente e gradativo. Conectados com a educação alimentar, exercícios 
físicos e espiritualidade. 
Afirmou Dr. Sigmund Freud: “A psicanálise nos ensina não apenas o que 
podemos suportar, mas também o que devemos evitar. Ela nos diz o que deve 
ser eliminado”.2 
2.2 4 elementosda Teoria de Freud 
Freud era um médico neurologista, filho de pai judeu, nascido na 
Tchecoslováquia e criado na Áustria. Devido ao alto valor que tinha a escola de 
medicina austríaca Freud ingressou na faculdade e concluiu sua formação 
médica um pouco mais tarde do que o habitual. 
Durante seu curso deu grande ênfase ás pesquisas, fato que resultou em 
trabalhos inconclusivos. Seu interesse pela psicanalise surgiu quando Freud 
escutava pacientes histéricos, criou-se então o que se denomina como 
Psicanalise, bem como sua composição teórica, sua prática, seu método 
terapêutico e sua ética. 
Ele teve o despojamento de reconhecer a ignorância e a impotência diante 
de um sem número de situações, diante do sofrimento e lançou-se a busca de 
novos instrumentos, novos conceitos, novas técnicas. Para Freud o ser 
psicanalista era um oficio que vai muito além de uma formação acadêmica. 
2.3 O Método Psicanalítico para Freud 
Pensar em psicanálise é, como Freud mesmo definiu, pensar e executar 
um procedimento de investigação de processos mentais que, de outra forma, 
 
2 Extraído do link: www.fasdapsicanalise.com.br 
 
6 
são praticamente inacessíveis, trata-se de um método baseado na investigação 
para o tratamento de distúrbios neuróticos e uma série de concepções 
psicológicas adquiridas por esse meio e que se somam umas às outras para 
formarem progressivamente uma nova disciplina científica. 
Denomina-se psicanálise o trabalho pelo qual leva-se à consciência do 
doente o psíquico recalcado por ele. Ao analisar o Analisado, Freud observa-se 
durante o seu falar livre, denominado por ele mesmo como Associação Livre, 
tudo que o sujeito expressa por meio de palavras e sensações manifestas 
durante o processo analítico. 
Ele se deu conta quando um de seus pacientes, diante de suas inúmeras 
perguntas, respondeu-lhe também questionado o que por que de ele, Freud, não 
deixar que ela falasse, e que parasse de interromper seu pensamento. Freud 
começou a dar conta de que o analista atua como um ator cujo papel principal é 
direcionar, orientar e algumas vezes dar respostas ao sujeito durante sua 
experiência analítica. 
3 CONSCIENTE E INCONSCIENTE 
Uma base teórica sólida e consistente é indispensável, precisa-se pensar 
no sujeito tendo em vista estruturas que são fundamentais dentro da psicanalise, 
que são o ID, Ego e Superego, como modelo estrutural da personalidade, as 
Neuroses que se subdividem em neurose de ansiedade, fobias e obsessiva 
compulsiva, as psicoses que se subdividem em esquizofrenias, maníaco-
depressiva, paranoia e psicose alcoólica bem como outros conceitos como as 
fases do desenvolvimento infantil em oral, anal e fálica. 
Como exímio leitor e estudioso Freud criou o que se considera um pilar 
fundamental no entendimento do desenvolvimento infantil, o que Freud mesmo 
nomeou como o complexo de Édipo. 
3.1 Complexo de Édipo 
O complexo de Édipo, baseado no conto de Sófocles retrata o que 
acontece durante o desenvolvimento infantil, quando a criança, se identifica com 
 
7 
um dos progenitores e elege ao final de todo o processo o seu objeto de desejo 
sexual. 
O menino por medo da castração se une ao pai com a finalidade de 
seduzir de alguma forma o sexo oposto, o menino se posiciona como aquele que 
é portador do falo, o objeto de desejo que a mãe tinha e que alguém cortou 
(castração) e a menina se une a mãe como aquela que se une a mãe com a 
finalidade de seduzir o portador do que ela um dia teve e foi 
castrado/cortado/extirpado. 
No final do desenvolvimento se entende que ninguém cortou nada e que 
tudo não passou de uma fase de identificação como o sexo oposto, e por que 
não dizer, com o mesmo sexo, no caso da homossexualidade. Não posso deixar 
de mencionar as fases infantis e de dar uma definição sustentada às mesmas. 
3.2 Fases da sexualidade infantil 
A primeira fase, a fase oral é o período em que a criança é amamentada 
pela mãe, existe uma perversão no ato de sucção, o que Freud observou é que 
existe um erotismo infantil nesta fase, onde a criança não realiza o ato de 
“sugar/chupar” somente com a finalidade de saciar a fome, existe uma sucção 
do dedo, da chupeta etc. Este ato de sucção em si, tem uma importância muito 
grande no vínculo mãe-filho. 
Logo vem a fase anal, aonde existe um prazer em conseguir reter as fezes 
e com isto receber elogio da mãe ou do cuidador, em seguida vem a fase fálica, 
onde o sujeito se dá conta de que tem ou não um falo, logo vem o período de 
latência e o despertar da sexualidade na puberdade, quando por ações 
hormonais se desperta as mudanças e manifestações de um desejo sexual 
intenso no sujeito. 
Foi observando o desenvolvimento infantil que Freud se deu conta de que 
o recém-nascido é na verdade um perverso polimorfo, que desenvolve zonas 
erógenas ao mesmo tempo em que reage ou responde a necessidades 
fisiológicas básicas e ao contato como cuidador, o ato de ser higienizado, por 
exemplo, estimula a formação de zonas erógenas. 
As teorias de Freud passaram e ainda passam por diversas fases de 
críticas e tentativas de desvalorização, porém fato é que muitas ciências se 
 
8 
embasam nas teorias de Freud e muitos sujeitos têm suas vidas melhoradas pelo 
fato de vivenciarem uma experiência analítica. Ao ser analisado, o sujeito acessa 
suas nuances psíquicas, permite-lhe visualizar sua própria pessoa e a si mesmo 
como ser pensante-desejante, uma vez que a ética da psicanalise é com o 
desejo do sujeito.3 
4 A POLÊMICA EM TORNO DA INTERPRETAÇÃO, AS HUMANIDADES E 
A FORMAÇÃO DO ANALISTA 
A indagação sobre os fundamentos da psicanálise remonta ao início 
mesmo da elaboração por Freud das suas primeiras grandes obras. Citamos, 
como exemplo, a introdução da "Interpretação dos sonhos". Nela, deparamos 
com sua cuidadosa varredura e discussão da bibliografia sobre os sonhos que 
lhe antecede e seu empenho em sustentar o sonho como uma produção psíquica 
e como uma produção dotada de sentido, afastando as teorias que o situam 
como um fenômeno de ordem fisiológica, ou seja, que tentam entendê-lo com o 
modelo biológico. 
Freud, no escrito de 1920 citado por Roudinesco mostra a necessidade 
do estudo de outras disciplinas no currículo da formação psicanalítica: 
Na oportunidade [inauguração curso de Psicanálise em Universidade na 
Hungria em 10 de junho de 1920], Freud escreveu um artigo publicado 
diretamente em húngaro: "Deve-se ensinar psicanálise na universidade". 
 
3 Extraído do link: www.psicanaliseclinica.com 
 
9 
 
Fonte: plus.google.com 
Nele, inventariava todas as matérias necessárias ao currículo do 
estudante de psicanálise. Não só apontava a necessidade de o aluno conhecer 
bem a história das psicoterapias, a fim de compreender as razões objetivas da 
superioridade do método psicanalítico, como propunha um programa que 
envolvia literatura, filosofia, arte, mitologia, história das religiões e civilizações. 
Insistia com veemência em que, em hipótese alguma, a psicanálise devia limitar 
seu campo de aplicação às afecções patológicas. (2014, p. 218) 
Entre muitas manifestações dessa preocupação recolhemos na obra de 
Ferenczi, em "Thalassa: ensaio sobre a teoria da genitalidade", a preocupação 
com a questão dos saberes vindos de vários domínios e como é importante ter 
um domínio sobre os fundamentos de nossa disciplina. Assim, numa certa 
passagem do artigo diz: [aprendi] desde os bancos da escola, a considerar como 
princípio fundamental de todo trabalho científico a separação rigorosa entre os 
pontos de vista próprios às ciências naturais e os pertencentes às ciências do 
espírito. A inobservância dessas regras, no decorrer das minhas especulações, 
era uma das razões que me impediam de publicar minha teoria. (Ferenczi, 
1924/2011, p. 278) 
Nessa citação, vemos Ferenczi se referir à divisãoque no final do século 
XIX se fez no extenso campo do conhecimento: de um lado foram postas as 
ciências da natureza – a química, a física – e de outro as ciências do espírito ou 
ciências humanas. Dilthey, o filósofo autor dessa distinção, tinha como objetivo 
 
10 
libertar do domínio das matemáticas aquelas que a partir dele se chamariam 
ciências do espírito. Essa divisão, embora posteriormente criticada, tornou-se 
fecunda pelo debate internacional que ela abriu. As ciências do espírito têm 
como método a compreensão hermenêutica, enquanto a física, a matemática 
tem a explicação. 
Freud, contudo, não se atém a essa divisão: sem medo de usar os 
modelos da economia, da biologia nem dos estudos da linguagem, Freud os 
adota. Por exemplo, o modelo de conflito entre polos que se opõem, tão central 
para nós, vem da economia, oriundo da oposição entre pobres e ricos, entre 
classe dominante e classe dominada; Freud adotou da biologia o modelo de 
função, ou seja, a ideia de estímulo-resposta, evolução no tempo, busca de 
regularidade; adotou a análise genética, a ideia de desenvolvimento temporal, 
por exemplo, fases de desenvolvimento da libido; adotou da física toda a 
sua teoria energética; adotou da linguística a noção, também fundamental, 
de símbolo. Por outro lado, o surgimento da psicanálise foi de fundamental 
importância para a ruptura com a predominância de modelos que levavam a uma 
dualidade de tipo maniqueísta entre normal e patológico – entendido como 
aberração –, entre produções humanas com e sem sentido, entre civilizados e 
primitivos. Adota o modelo de análise estrutural, de sincronismo em vez de 
diacronismo, que se solidifica no início do século xx. 
Marc-André Bouchard (1995), psicanalista canadense, ao se incluir nas 
discussões sobre os problemas epistemológicos e metodológicos que a 
psicanálise apresenta, chama atenção para a complexidade do tema. Considera 
que Freud nos legou uma ambivalência epistemológica. Baseando-se em textos 
de Ahumada (1994) e Laplanche (1991), que vão apresentar posições distintas 
sobre a questão da posição epistemológica da psicanálise, Bouchard afirma que 
o próprio Freud em "Construções em análise"(1937/1975), ao refletir e 
caracterizar o trabalho do analista, suporta, ao mesmo tempo, tanto um ponto de 
vista empirista, como um outro, hermenêutico e construtivista. Bouchard vai 
chamar atenção para o fato de ser o próprio Freud quem "falha" nesse momento 
em alertar seus leitores a respeito do imenso salto entre essas duas posições 
epistemológicas: descobrir e/ou construir, o que mais uma vez aponta para a 
importância, tensão e complexidade dessas questões para cada psicanalista. 
 
11 
O esforço de fundamentação da nossa disciplina se renova a cada 
proposta de releitura de Freud ou de ampliação/reformulação de conceitos 
psicanalíticos. Essas releituras que marcam o surgimento de novas escolas 
renovam o propósito de outorgar à psicanálise um lugar no campo científico. 
Grosso modo essa determinação continua a se expressar na incerteza entre 
tomar como fundamento as ciências empíricas do homem – como a biologia – e 
as ciências da natureza – como a física e a matemática – ou se postar ao lado 
das humanidades, tais como as ciências do símbolo ou a hermenêutica. 
A última década do século passado foi extremamente fértil no que diz 
respeito ao debate quanto aos fundamentos da interpretação psicanalítica dentro 
do âmbito da IPA. De um lado os psicanalistas hermeneutas, de outro os seus 
críticos alinhados com a defesa da busca de fundamentos nas ciências da 
natureza. A intervenção de J. Laplanche – que já vinha, desde meados da 
década de 1980, revendo essa questão – por meio de seu texto "A interpretação 
entre determinismo e hermenêutica: re-enunciando o problema"(1991) engrossa 
o caldo da polêmica. Também Donald Spence, Merton M. Gill, Robert Steele, 
Daniel Gil se incluem com artigos e livros, nesse debate. Em 1994 aparece o 
artigo de Jorge Ahumada "O que é um fato clínico? A psicanálise clínica como 
método indutivo" no Livro Anual de Psicanálise. Em 1995, no The International 
Journal of Psycho-Analysis, Steiner polemiza com os psicanalistas da linha 
hermenêutica em seu artigo "Hermeneutics or hermes-mess". No ano 2000 
Friedman publica, no Psychoanalytic Quarterly, o artigo "Modern hermeneutics 
and psychoanalysis". Também no ano 2000, no xxiii Congresso da Fepal foi 
organizado um importante debate entre o psicanalista nova-iorquino Roy Shafer 
e Jorge Ahumada: "Narrativa ou descrição: uma questão atual". 
Citamos apenas algumas produções feitas nesse campo e que continuam 
a ressoar. Quase continuamente, nos debates e escritos psicanalíticos, essas 
questões ressurgem, deixando os psicanalistas não afeitos a tal domínio, como 
assinalamos, sem instrumental para uma profícua participação, ou seja, o debate 
fica restrito a pequenos círculos. 
A epistemologia trata dos fundamentos em que se sustenta o 
conhecimento, suas bases, seu tipo de racionalidade. 
O estudo da epistemologia da psicanálise pode cumprir dois propósitos. 
Primeiro: compreender a presença e predominância de uma ou outra ciência na 
 
12 
constituição dos conceitos psicanalíticos e suas consequências em nossa 
prática. Segundo: nos ajudar a entender que não estamos na psicanálise de 
posse de um corpo de conhecimentos definitivo, estável, não isento de 
ambivalência. 
Há ainda uma terceira razão: ter uma noção dos fundamentos das 
correntes da psicanálise confere mais solidez, mais segurança ao psicanalista 
em sua escolha do caminho a seguir em sua prática, lugar que ele privilegia 
acima de tudo. Ocorre que toda prática psicanalítica é investigativa e aberta para 
a cultura da instituição em que está inserido o psicanalista e para a cultura mais 
ampla, uma vez que não há um modo de acesso único ao homem. Novas 
compreensões, novas leituras de postulações de Freud anguladas por uma 
escolha epistemológica se formam ao logo do tempo. Um olhar atento e 
informado talvez possa evitar a dissolução do campo psicanalítico na filosofia, 
na linguística, na biologia, na literatura.4 
4.1 Muito além de Freud: escolas e autores da psicanálise 
Muito se fala e ouve sobre Freud, mas você conhece outras escolas e 
autores da psicanálise? 
Desde uma concepção mágico-religiosa até o divã de Freud, ocorreram 
certos indícios de escuta ativa e preocupação com pessoas com faculdades 
mentais prejudicadas. Desde o Padre Joan Jofré em Valencia com seu hospício 
para doentes mentais até o tratamento por parte da comunidade de escutar o 
doente não como um louco, mas como um mensageiro da palavra de Deus. 
Há muitas tentativas de fazer psicologia, pois, como dizia Skinner, na 
verdade a política não vai nos salvar, apenas com o conhecimento sobre nós 
mesmos teremos uma chance. Nós evoluímos como espécie quase por tentativa 
e erro, sem fazer grandes esforços para separar tudo que, não sendo verdade, 
foi tomado como tal nesse processo. 
Por isso, vamos analisar uma visão que pode ser considerada como uma 
das primeiras aproximações formais da psicologia. Muitas vezes atacada e 
 
4 Extraído do link: pepsic.bvsalud.org 
 
13 
ignorada, mas que, devido ao seu interesse por analisar certos casos clínicos, 
plantou a semente para que surgisse essa ciência apaixonante. 
4.2 O início da psicanálise: Sigmund Freud 
A fascinação que Freud e sua obra provocaram têm limites tão amplos 
quanto difusos. Atualmente muitos consideram que ele foi um mero especulador, 
distante da luz que emana do método científico. No entanto, outros o consideram 
um visionário que soube enxergar o ser humano e seus problemas a partir de 
uma perspectiva revolucionária. 
Devemos a Freud a primeira aproximação séria com a subjetividade 
humana, algo revolucionário. O que nos diferencia, por que nos comportamos de 
uma maneira e não deoutra. Ao mesmo tempo, também lhe devemos o 
entendimento da causa e do alimento da neurose. 
Explicações como o complexo de Édipo, o medo da castração, a origem 
de todos os problemas psicológicos por uma libido sexual mal definida, estão 
completamente excluídas de um estudo sério e científico de uma teoria 
psicológica, e todas elas coincidentemente fazem mais referência ao estudo da 
origem do transtorno na infância do que ao estudo de um adulto em consulta. 
No entanto, devemos agradecer a Freud pela descrição minuciosa de 
casos clínicos. Também pela identificação de certos fenômenos inconscientes, 
como a sugestão, a lei da atenção flutuante, a resistência ou a transferência e 
contratransferência que hoje estão bem articuladas no âmbito da terapia. 
4.3 Depois de Freud: Adler, Carl Jung, neofreudianos e a tradição 
analítica do eu 
Alfred Adler foi um dos primeiros autores da psicanálise a discordar de 
Freud, pois defendia uma abordagem finalista do comportamento, e não causal. 
A verdade é que muitos dos nossos comportamentos têm como causa o objetivo 
pelo qual são realizados, no entanto outras vezes isso não acontece. No caso 
de não ser, pense em uma criança à qual pediram para que arrumasse seu 
quarto: o objetivo é o quarto arrumado, a causa o fato de que sua mãe mandou. 
 
14 
Além disso, Adler defende a força do eu contra a fraqueza “natural” do eu 
freudiano. Ele fala do estilo de vida individual marcado pelas primeiras relações 
com a família, os valores familiares e a constelação familiar. Adler se refere ao 
desenvolvimento do indivíduo não como uma resposta à libido, mas como um 
desejo de poder para superar sua inferioridade orgânica. 
Por outro lado, Jung difere de Freud no seu conceito do inconsciente: para 
Jung, este transcende o individual. O tratamento vai buscar uma visão mais 
ampla na maneira de entender o processo de individualização. Ele fala de 
diferentes arquétipos coletivos e tipos psicológicos. Sua leitura é recomendável 
e apaixonante. 
“A solidão não vem de não haver pessoas ao seu redor, mas de não 
conseguir comunicar as coisas que são importantes para si mesmo ou de 
sustentar certos pontos que os outros acham inadmissíveis. ” Carl Jung 
Por outro lado, muitos dos seguidores de Freud que se identificaram com 
parte do seu legado minimizaram, em maior ou menor grau, a importância da 
sexualidade no desenvolvimento da neurose. Alguns dos seguidores também 
menosprezaram o papel do inconsciente, enfatizaram a área cultural e social, as 
relações interpessoais ou prestaram mais atenção às experiências e às 
circunstâncias que estavam acontecendo no momento com o paciente. Alguns 
desses neofreudianos seriam Erich Fromm, Karen Horney e Harry S. Sullivan. 
Na tradição analítica do eu, outra corrente da psicanálise, encontramos 
sua filha Anna Freud, Melanie Klein, Erik Erikson e Bolwlby. Esse grupo dá 
especial relevância às funções do eu, atribuindo-lhe uma grande importância nas 
relações interpessoais, precisamente como motor para a construção desse eu. 
Vale destacar autores como Melanie Klein e seu desenvolvimento do jogo 
na terapia ou a teoria do objeto transicional de Winnicott, tão estudada e 
reconhecida por outras correntes. 
 
15 
Fonte:www.asdap.com.br 
Além disso, Anna Freud se destaca nessa corrente psicanalítica por seus 
famosos mecanismos de defesa: a repressão, a regressão, a formação reativa, 
a anulação retroativa, a introjeção, a projeção, o isolamento, a volta contra si 
mesmo e a transformação no seu contrário ou a sublimação. 
 “As mentes criativas são conhecidas por serem capazes de sobreviver a 
qualquer tipo de mau aprendizado. ” Anna Freud 
Erik Erikson encontrou a fama e o prestígio ao descrever os estágios do 
eu e sua teoria é amplamente aceita devido a sua utilidade clínica. No quadro 
definido por Erikson existiriam oito etapas do ser humano e sua antítese: 
confiança/desconfiança, autonomia/vergonha, iniciativa/culpa, 
construtividade/inferioridade, identidade/confusão de papéis, 
intimidade/isolamento, generatividade/estagnação, integridade do 
eu/desespero. 
Para finalizar esse ponto, destacamos que John Bowlby teve uma grande 
influência com a sua teoria do apego. A articulação da sua teoria goza de uma 
ampla aceitação como quadro de referência útil para entender como as crianças 
se relacionam com as suas figuras de referência. Além disso, explica, a partir 
desse tipo de relação tão importante e suas dinâmicas, como construímos 
nossas outras relações à medida que crescemos. 
 
16 
4.4 Outros desenvolvimentos e autores da psicanálise 
Seria impossível descrever toda a riqueza das escolas e autores da 
psicanálise que surgiram ao longo do tempo, embora valha a pena nomear 
algumas delas devido ao seu maior peso e influência: 
 A terapia psicodinâmica breve, que limita a duração da terapia, aborda um 
foco principal do problema e tem uma atitude mais diretiva e ativa do 
terapeuta. Os representantes mais conhecidos são Sandor Ferenczi e 
Otto Rank. 
 Alexander e sua experiência emocional corretiva, um reconhecido fator do 
sucesso terapêutico na atualidade. 
 Ackerman e seu estudo das relações familiares nos transtornos 
neuróticos e psicóticos. 
 Jacob Moreno com a criação do psicodrama. 
 Lacan com seu retorno aos postulados de Freud, incorporando 
contribuições de Saussure e Levis-Strauss. 
Podemos aceitar ou não os pensamentos de Freud, mas não podemos 
negar que o seu pensamento representou uma revolução na forma de entender 
nossos atos e as motivações que os fundamentam. Também representou um 
toque de atenção, dando espaço a uma ideia que hoje levamos muito em 
consideração: no nosso passado remoto foram formadas memórias, conscientes 
ou inconscientes, que condicionam o nosso comportamento atual.5 
5 POR UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA E METODOLÓGICA EM 
PSICANÁLISE 
A psicanálise surge no século XIX, em um período histórico de construção 
científica no qual o modelo vigente era o da ciência moderna. O nascimento 
desta ocorreu no século XVII e Descartes pode ser considerado um marco da 
nova ciência, pois representou um ponto de partida na discussão da valorização 
de um sujeito racional e sede da experiência do saber. Segundo Figueiredo 
(1995, p.16), "a dominância, tipicamente moderna, das tradições teóricas e 
 
5 Extraído do link: amenteemaravilhosa.com.br 
https://amenteemaravilhosa.com.br/transtorno-de-personalidade-esquiva
 
17 
epistemológicas, em que emergem e avultam as questões da fundamentação, e 
do método, reflete uma nova posição do homem [...]". Voltando à proposta 
original da ciência moderna em seu principal autor, apresentamos a afirmação 
de Descartes (1641/2008), segundo a qual a dúvida hiperbólica é o 
encaminhamento da certeza, sendo o sujeito enquanto resultante do cogito uma 
"coisa que pensa" e, expandindo a definição a partir da noção de coisa: "uma 
coisa que duvida, entende, concebe, afirma, nega, quer, não quer, e também 
imagina e sente" (p. 92). Logo, segundo Descartes, tudo isso faria parte do que 
o autor chama de "natureza humana". Por consequência, Descartes propõe um 
método científico que pudesse orientar essa coisa pensante, que expurgasse as 
variabilidades desse sujeito para que não incorresse em erros. O rigor do método 
serviria para controlar, o que pode ser notado no seguinte trecho: 
Mas vejo bem o que se passa; meu espírito é um vagabundo que gosta 
de se perder e não poderia suportar que o prendam nos justos limites da 
verdade. Soltemos-lhe, pois, mais uma vez as rédeas e, dando-lhe todo tipo de 
liberdade, permitamos-lhe considerar os objetos que lhe aparecem 
externamente, para que, vindo mais tarde a retirá-la lenta e convenientemente e 
a detê-lo na consideração de seu ser e das coisas que encontra em si mesmo, 
ele se deixe depois disso mais facilmente governar e conduzir. (Descartes,1641/2008, p. 93) 
A ciência moderna, tendo como marco a obra cartesiana, propôs a ênfase 
no sujeito como fruto de um método de expurgo, do rigor científico, em que o 
objetivo principal das correntes epistemológicas era o de buscar um sujeito 
epistemológico pleno, consciente de si e senhor absoluto de sua vontade. Nesse 
sentido, temos a proposta de um sujeito que seria conduzido pela razão em 
oposição às paixões mundanas. A partir deste rigor temos, conforme Figueiredo 
(1995), uma cisão entre um sujeito ascético e tudo aquilo que comprometesse a 
confiabilidade desse sujeito, ou seja, tudo que pudesse remeter aos seus 
desejos e afetos, bem como sua variabilidade e singularidade. De acordo com o 
autor, afirmamos que é possível notar o fracasso reiterado dessa cisão, a partir 
da história construída sobre o projeto epistemológico moderno e suas diferentes 
versões. 
Consideramos a psicanálise fazendo parte, segundo Garcia-Roza (2009), 
de um "conjunto de saberes sobre o homem, que se formou a partir do século 
 
18 
XIX" com a proposta de descentramento da razão (p. 22). Isso não quer dizer 
que a psicanálise desconsidere a razão consciente, fruto da purificação do 
método, mas esta passa a não ser mais a base primordial do saber na teoria 
psicanalítica. Portanto, nesta temos uma razão calcada no inconsciente, que 
sobredetermina a consciência, sendo que a teoria freudiana apontaria para a 
sobredeterminação inconsciente, o que implica dizer que o sujeito não é senhor 
em sua própria morada, ou seja, não tem pleno controle de seus desejos, 
pensamentos, sentimentos e afetos. Assim, a psicanálise enfatiza a variabilidade 
em detrimento da regularidade e generalização dos fenômenos, o que implica 
em repensar a relação com os modelos científicos. Nesse sentido, a citação 
abaixo apresenta um panorama das questões a serem abordadas no artigo, 
quais sejam, a constituição do estatuto epistemológico da psicanálise e a 
construção dos conceitos a partir de uma teoria do inconsciente, que aponta para 
o sujeito, a seu modo, desejante: 
Significa apenas dizer que, reorientada através dos esforços, como os de 
Lacan, para uma leitura inovante de Freud, a psicanálise pode se tornar uma 
teoria bem posicionada epistemicamente para substituir uma certa visão 
'ortopédica' do sujeito da ciência - forjado nas cadeiras do cogito cartesiano - por 
uma visão 'profilática', das relações entre um ego cogitante e 
um sujeito desejante, entre o imaginário da sua cognição e a verdade do seu 
desejo. Tal convicção significa, pois, apenas querer ver o campo da ciência 
inclinar-se 'epistemologicamente' à evidência do inconsciente. (Beividas, 2000, 
p. 17, itálicos do autor) 
O caráter inventivo da releitura lacaniana da teoria de Freud, ao propor 
uma subversão do cogito cartesiano a partir da invenção do inconsciente em 
função do desejo se sobressair em relação à razão consciente, destaca-se 
também pelo reposicionamento do analista diante do seu objeto de pesquisa e 
as características que delimitam sua práxis. É nesse sentido que destacamos a 
seguinte passagem do texto lacaniano a respeito do caráter fugidio do objeto de 
pesquisa em psicanálise: "Mas esse princípio, ao articulá-lo de um modo que, ao 
longo da análise, não se apresenta jamais como encerrado, fechado, completo, 
satisfatório, esse perpétuo movimento, deslizar dialético, que é o movimento e a 
vida da pesquisa analítica" (Lacan, 1958-59, p. 259). Ao contrário das tentativas 
de implicar o texto freudiano em abordagens realistas do mundo externo, seja 
 
19 
por meio das reduções biologizantes do aparelho psíquico, seja pelo retorno a 
um inatismo de ordem instintual, Lacan nos propõe uma leitura do estatuto 
epistemológico psicanalítico marcado pelo papel estruturante da linguagem em 
todo o seu caráter dialético e inatural. É nessa conexão que retomaremos, ao 
longo do texto, o questionamento feito por Freud, nos limites da teoria 
psicanalítica, a respeito da prevalência da observação (haja vista que o 
inconsciente não pode ser observado se não pelos seus efeitos: os lapsos, 
chistes, sonhos e atos falhos) e a reflexão lacaniana quanto ao sujeito da ciência. 
Lacan (1998), em A ciência e a verdade, afirma ser "impensável que a 
psicanálise como prática, que o inconsciente, o de Freud, como descoberta, 
houvessem tido lugar antes do nascimento da ciência" e que não foi um pretenso 
rompimento de Freud com o "cientificismo de sua época" (p. 871), mas esse 
mesmo cientificismo o teria conduzido à produção das bases da teoria 
psicanalítica. Porém, ainda que tenha surgido nesse contexto de expurgo da 
variabilidade dos sujeitos pelo rigor do método, segundo Figueiredo (1995), a 
psicanálise se ocupa justamente do que é colocado de lado pela ciência, pois o 
desconsiderado é algo que não cessa de se escrever, ou seja, de se fazer 
presente por meio das formações do inconsciente: sonhos, lapsos, chistes e 
sintomas. Isso implica que, mesmo sendo suprimido pela ciência moderna, o 
"resto" dessa ciência está presente em nossas ações cotidianas por meio das 
manifestações do inconsciente. Se para Lacan (1998) o sujeito da psicanálise 
não pode ser outro se não o mesmo da ciência, trata-se aqui do sujeito "não da 
desrazão e sim da razão inconsciente, cuja lógica é também apreendida através 
do método psicanalítico" (Quinet, 2000, p. 12). 
Voltando à história da construção do saber psicanalítico, segundo defende 
Assoun (1983), ela teria seu nascimento marcado pelo conflito entre saberes 
pertencentes às ciências da natureza (Naturwissenschaften) e às do 
espírito (Geisteswissenschaften). Enquanto as últimas ainda buscavam o 
reconhecimento da comunidade científica, o estatuto epistemológico das 
primeiras já estava bem estabelecido de acordo com os critérios de validação da 
época. Embora a formação de Freud como pesquisador tenha se dado sob a 
lógica naturalista, o quanto tal formação foi ou não abandonada é um problema 
complexo e de contornos difíceis de precisar, uma vez que o texto freudiano 
apresenta, como pano de fundo, o conflito entre diferentes matrizes 
 
20 
epistemológicas referentes aos dois modelos de ciências. Foi nesse contexto 
que Freud (1895) escreveu o seu Projeto para uma psicologia científica (1895) 
que, segundo Assoun (1983), seria um escrito de base fisicalista no qual se 
buscava na diferença entre tipos de neurônios, ou seja, na matéria "sistema 
nervoso", as explicações para eventos psíquicos, tais como os da sexualidade e 
da psicopatologia. Ainda segundo esse autor, no período inicial de sua obra, 
Freud faz uma analogia entre o objeto da psicanálise e o da química, dizendo 
que o determinante químico é subjacente ao determinante psíquico. Conforme 
Assoun (1983), a intenção inicial de Freud era a de colocar "o saber psicológico 
sob o rótulo de provisório, aguardando que o saber químico tome seu lugar, 
fornecendo-lhe seu substrato. Uma química integral seria, pois, o futuro da 
psicanálise" (p. 65). Nesse sentido, seu argumento aponta para o aspecto 
político do argumento freudiano, já que a comprovação material dos fenômenos 
psíquicos, em conformidade com o que era exigido como científico à época, 
tornaria o próprio modelo de pesquisa passível de validação. Para Assoun, é 
somente a partir da ruptura com a base fisicalista que a psicanálise passa a ter 
uma "epistemologia própria": a metapsicologia como tentativa de "reconstrução 
exaustiva do edifício metapsicológico que vai condicionar a elucidação dessa 
identidade" (p. 84). Entretanto, convém questionar o que seria uma 
epistemologia própria. 
 
Fonte: www.minutopsicologia.com.br 
 
21 
O ponto de partida do argumento não poderia ser outro senão a maneira 
como Freud (1915/1996) vai paulatinamente se aproximando das estruturas 
discursivas de seus pacientes, de sua clínica, diferente de propostas de redução 
do fenômeno em seus determinantesde cunho biológico. Assim, estabelece uma 
nova posição epistemológica de ultrapassagem em relação aos projetos iniciais 
de instauração da psicologia centrada na consciência: a metapsicologia. 
Devido às críticas recebidas, o autor faz um questionamento quanto ao 
que define uma ciência, para tanto, em seu artigo metapsicológico As pulsões e 
seus destinos ele diz: 
Ouvimos com frequência a afirmação de que as ciências devem ser 
estruturadas em conceitos básicos claros e bem definidos. De fato, nenhuma 
ciência, nem mesmo a mais exata, começa com tais definições. [As] ideias [...] 
devem, de início, possuir necessariamente certo grau de indefinição; [...]. O 
avanço do conhecimento, contudo, não tolera qualquer rigidez, inclusive em se 
tratando de definições. A física proporciona excelente ilustração da forma pela 
qual mesmo 'conceitos básicos', que tenham sido estabelecidos sob a forma de 
definições, estão sendo constantemente alterados em seu conteúdo. (p. 123) 
Isso implica que, "nem mesmo a mais exata" das ciências teria o poder (e 
quiçá a pretensão) de construir verdades absolutas na elaboração de seus 
conceitos. Freud aposta no movimento atribuído por ele à ciência, de revisão 
conceitual sistemática, dando a sua teoria status de ciência e não de dogma 
(imutável). Nesse sentido, Beividas (2000) aponta que "a obra de Freud é tão 
polivalente e a investigação da realidade psíquica o levou a atravessar tantos 
domínios da mente humana que há sempre flancos, nas entrelinhas do seu texto" 
(p. 27). Um exemplo da revisão teórico-conceitual tal como operada por Freud 
(1897/1996) é quando ele, na Carta 69, escreve a Fliess que não acredita mais 
em sua neurótica, que é a primeira teoria das neuroses como teoria da sedução, 
passando a formular a teoria da fantasia. Vale ainda acrescentar que Freud 
(1905/1996) faz adendos consideráveis ao texto na forma de notas de rodapé 
nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, sendo mais um exemplo de 
revisão teórica do autor de seus próprios textos. Porém, para Freud, neste 
momento, a construção do conceito diferencia-se da constatação da realidade, 
ou da coisa em si, mas sim, enfatiza-se o corte radical feito pela psicanálise, 
seguindo a leitura lacaniana, entre saber e verdade. Um encaminhamento 
 
22 
possível nesse caso seria o retorno ao conceito freudiano de realidade psíquica, 
que traz a possibilidade de evitar a construção de elementos mentais que sejam 
vistos como simulacros do externo, os quais, a verdade ou erro seriam medidas 
por critérios de aproximação. A nosso ver, este é o encaminhamento dado por 
Freud, o que pode ser notado na citação a seguir: 
A distinção nítida entre neurose e psicose, contudo, é enfraquecida pela 
circunstância de que também na neurose não faltam tentativas de substituir uma 
realidade desagradável por outra que esteja mais de acordo com os desejos do 
indivíduo. Isso é possibilitado pela existência de um mundo de fantasia, de um 
domínio que ficou separado do mundo externo real na época da introdução do 
princípio de realidade. (Freud, 1924/1996, p. 208) 
Por outro lado, a disjunção entre saber e verdade, tal como consta na 
releitura lacaniana sobre o tema, possibilita uma abordagem da realidade 
psíquica como regime de existência independente do que seria uma realidade 
externa. Sua relação com a verdade, nesse sentido, não se daria em termos de 
aproximação positiva com um objeto existente e independente da realidade 
psíquica, mas sim obedecendo aos critérios de desejo e investimento, o que leva 
Freud a supor o inconsciente como "verdadeira realidade psíquica" e 
sobredeterminante em relação à consciência (Freud, 1900/1996). Nesse caso, o 
discurso clínico em psicanálise coloca o saber proferido pelo analisando como 
real, factual e presentificado na medida da intensidade de sua expressão. Assim, 
a experiência do discurso analítico enquanto método clínico possibilitou a Freud 
sua construção teórica, tomando os casos clínicos como dados passíveis de 
interpretação, uma vez que toda clínica produz teoria e toda teoria visa produzir 
dispositivos clínicos. Tal intersecção entre teoria e clínica está presente desde 
os primórdios da psicanálise, como no texto Estudos sobre a histeria (1893), no 
qual se nota que a pretensão freudiana estava para além da cura, ou seja, 
remissão dos sintomas histéricos. 
No processo de construção da teoria freudiana, o movimento de revisão 
conceitual permitiu, igualmente, a mudança dos critérios de legitimidade e das 
formas de compreensão dos fenômenos epistemológicos. Se Freud buscava 
inicialmente em sua pesquisa uma correspondência orgânica para o aparelho 
psíquico, conforme uma base inicial fisicalista, na posição acima descrita como 
a da busca da verdade por aproximação, a teoria vai gradualmente apontar para 
 
23 
os indícios da impossibilidade dessa correspondência. Um exemplo disso é a 
passagem do texto O inconsciente, na qual Freud (1915/1996) defende a 
impossibilidade de localização cerebral do inconsciente enquanto substância ou 
matéria objetivável e observável enquanto tal. 
Portanto, se a construção teórica das relações entre aparelho psíquico e 
realidade vai paulatinamente abandonar a possibilidade de uma relação ponto a 
ponto entre representação e objeto representado, a consequência 
epistemológica é a necessidade de apresentar os parâmetros por meio dos quais 
esta, então, se daria. Isso porque, ressaltamos, a hipótese do inconsciente como 
verdadeira realidade psíquica é contraditória com a posição de um realismo 
representacionista que acabaria por colocar a similaridade com o externo como 
prioridade na construção do psicológico. Assim, Freud defende um regime de 
realidade psíquica autônomo, porém, não totalmente alheio ao externo. Neste, o 
conceito de determinismo psíquico possibilita uma abordagem tanto entre os 
sistemas (inconsciente, pré-consciente, consciente) como também no que diz 
respeito à reconstrução psíquica dos elementos externos. Ao afirmar que o 
inconsciente é a verdadeira realidade psíquica, Freud (1900/1996) aponta para 
uma gradativa alteração de uma matriz de pensamento realista para uma matriz 
discursiva. Em A perda da realidade na neurose e na psicose, o autor 
(1924/1996) aponta mais uma vez para a máxima da realidade psíquica, uma 
vez que assevera que tanto na neurose como na psicose "em ambos os casos 
serve ao desejo de poder do id, que não se deixará ditar pela realidade" (p. 206). 
Desse feito, para Lacan (1966/1998), o conceito de realidade psíquica de Freud 
"deve ser lido como de fato é designado, ou seja, como a linha de experiência 
que o sujeito da ciência sanciona" (p. 871), reafirmando que esta cria um sujeito 
autônomo, artificial e provisório. Nesse sentido, a releitura operada por Lacan 
nos possibilitaria pensar a ciência como estando na origem de uma ordem 
peculiar de regime de existência imanente ao desejo como estruturante do 
sujeito. 
Assim, Freud (1923/1996) formula claramente a definição de psicanálise 
no início do artigo Dois verbetes de enciclopédia, em que o autor afirma que a 
psicanálise é o nome: 
 a) do procedimento para a investigação de processos mentais que, de 
outra forma, são praticamente inacessíveis; 
 
24 
 b) do método, baseado nessa investigação, para o tratamento de 
distúrbios neuróticos; 
 c) da série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que 
se somam umas às outras para formarem progressivamente nova disciplina 
científica. Diferencia a psicanálise da filosofia e defende que, apesar de primeira 
se aproximar de uma ciência do espírito, não pode ser equiparada com a 
segunda. 
A partir disso, podemos afirmar que o advento da psicanálise freudiana 
propôs uma revisão epistemológica das ciências existentes até então quanto ao 
estudo do ser humano. Isso não quer dizer que as ciências daquele tempo foram 
forçadas a se reestruturaremepistemologicamente com finalidade de serem bem 
empregadas no estudo da mente humana, seguindo os parâmetros freudianos, 
mas sim que a suposição do inconsciente e a sua entrada no universo da 
pesquisa questiona os parâmetros de construção dos critérios epistemológicos 
das ciências de maneira geral. Isso ocorre em função do questionamento 
sistemático que a psicanálise faz ao sujeito do saber e da lógica da razão. 
Lacan (1964/2008), ao destacar os quatro conceitos fundamentais da 
psicanálise - o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão - questiona 
o status científico da psicanálise e argumenta contra a suposição de que toda 
ciência possuiria objeto definido, considerando que esse objeto muda. Interroga, 
portanto, sobre a necessidade da causa para os filósofos e afirma que "entre a 
causa e o que ela afeta, há sempre claudicação" (p. 29). O autor indica com o 
inconsciente e com a repetição que "nossa concepção de conceito implica ser 
este sempre estabelecido numa aproximação que não deixa de ter relação com 
o que nos impõe, como forma, o cálculo infinitesimal" (p. 27). É nesse sentido 
que se dá a retomada crítica quanto ao pensamento de Descartes e a 
necessidade de subversão de um sujeito da racionalidade consciente. Segundo 
Lacan: 
O termo maior, com efeito, não é a verdade. É Gewissheit, certeza. O 
encaminhamento de Freud é cartesiano - no sentido de que parte do fundamento 
do sujeito da certeza. Trata-se daquilo de que se pode estar certo. Para este fim, 
a primeira coisa a fazer é superar o que conota tudo que seja do conteúdo do 
inconsciente - especialmente quando se trata de fazê-lo emergir da experiência 
do sonho - de superar o que flutua por toda parte, o que pontua, macula, põe 
 
25 
nódoas no texto de qualquer comunicação de sonho - Não estou certo, tenho 
dúvidas. (Lacan, 1964/2008, p. 41) 
Descartes é retomado por Lacan não necessariamente pela ênfase na 
razão derivada do cogito - "penso, logo existo", - uma vez que há uma inversão 
lacaniana do cogito cartesiano "sou onde não penso". Nesse sentido, a proposta 
lacaniana é a de subversão do sujeito, o que implicaria em pensar o sujeito do 
inconsciente não como o da razão do pensamento, mas sim um efeito da 
linguagem que o estrutura, ou seja, uma consequência do encadeamento 
significante. Lacan, por fim, recupera a dúvida como apoio da certeza, uma vez 
que a certeza que interessa à experiência analítica é a de que tenho dúvidas as 
quais comportam um desejo, dito de outra forma, o inconsciente seria do âmbito 
da certeza antecipada. Nessa perspectiva, não podemos considerar a 
antecipação da certeza como avessa ao conceito de ciência, pois, como 
podemos destacar na citação do texto freudiano feita anteriormente, toda ciência 
seria igualmente constituída de elementos antecedentes e impostos à pesquisa, 
tais como hipótese, intuição, ideia, implicados na construção conceitual. Dito de 
outro modo, a teoria torna-se anterior ao objeto de estudo, na medida em que é 
vista como um fenômeno discursivo. A afirmação referente ao sonho e sua 
relação com uma certeza da dúvida pode ser estendida para os demais 
processos inconscientes, quais sejam, lapso, chiste, ato falho e sintoma. 
Retomando a perspectiva de constante reelaboração, Lacan propõe um 
retorno à teoria freudiana, cuja consequência é o axioma do inconsciente 
estruturado como linguagem, também influenciado pelo diálogo com a linguística 
de sua época. Freud, a partir da teoria do inconsciente, questiona a concepção 
filosófica do sujeito de saber ocidental. Somemos a esses dois processos de 
rompimento com os saberes estabelecidos a proposta lacaniana de 
reposicionamento da causalidade psíquica quando movida pelo desejo, 
o desidero, ou seja, o desejo como causa. Desse feito, o estatuto da psicanálise 
diante da epistemologia deve ser visto como paradigmático justamente na 
medida em que implica numa concepção de sujeito diferenciada: a do sujeito do 
inconsciente como efeito do significante, o falante assujeitado e torturado pela 
linguagem, que aborda a verdade na fala a partir de seu lugar na hiância, tendo 
o desejo como causa. Portanto, em teoria psicanalítica, não se trata de buscar o 
real natural e externo à experiência, mas sim de construir os conceitos a partir 
 
26 
da verdade da operação do desejo, já que o campo da verdade seria 
reestruturado de forma subversiva por meio dos sintomas, atos falhos, sonhos e 
chistes. 
Assim, Lacan propõe que a forma de acesso à verdade seria pelo discurso 
e não a partir da razão e do pensamento necessariamente consciente. Assim, 
uma possibilidade de articulação entre as teorias de Freud e de Lacan sob o 
ponto de vista epistemológico reside na subversão do cogito cartesiano a partir 
da invenção do inconsciente. Tal posição lacaniana é afirmada no texto da 
seguinte forma: "função mais digna de ser enfatizada na fala que a de disfarçar 
o pensamento (quase sempre indefinível) do sujeito: a saber, a de indicar o lugar 
desse sujeito na busca da verdade" (p. 508), ou ainda, "é com o aparecimento 
da linguagem que emerge a dimensão da verdade" (p. 529). 
O fundamento disso é que Lacan sustenta o axioma do sujeito do 
inconsciente estruturado como uma linguagem, a qual aponta para a verdade 
peculiar do inconsciente. Surge, daí a questão, a saber, sobre o papel de 
imanência designado ao campo da linguagem nas obras de Freud e de Lacan. 
Nossa hipótese seria a de que tanto para Freud quanto para Lacan, a linguagem 
transcende tanto a possibilidade de redução a fatores materiais e exteriores ao 
campo em questão quanto a concepção simplista de ser apenas uma ferramenta 
na mediação entre o pensamento e os objetos do mundo. Se na obra do primeiro 
estão presentes os conceitos de representações e associação livre, e na do 
segundo temos uma preponderância dos conceitos de significante, linguagem, 
discurso e deslizamento dos significantes como articuladores e substratos da 
clínica, é igualmente fundamental afirmar que, em nenhum dos dois casos, a 
prática analítica se ordene em função de reduções biologizantes ou 
materializantes do psiquismo, às quais o conceito de observação serviria como 
fiador de sua existência objetificada. A partir de tal semelhança que é apontada 
em Garcia-Roza (2008) e na própria obra de Lacan (1957-58/1998), que a 
assume diversas vezes durante seu ensino, por exemplo, em "ainda que Freud, 
em seu tempo, está no ponto onde as coisas podiam se dizer em um discurso 
científico - esse Vorstellungsreprasentanz é estritamente equivalente à noção e 
ao termo significante" (p. 34). Nesse caso, o mais importante a ser ressaltado é 
que tanto na teoria freudiana quanto na lacaniana os conceitos respectivos de 
representação e significante levam ao questionamento radical da materialidade 
 
27 
da coisa em si no psiquismo. Em ambos os casos, trata-se da autonomia do 
fenômeno de linguagem em detrimento da reprodução da realidade externa. 
A partir da discussão sobre o escopo da ciência moderna, notamos que 
não se pode situar a psicanálise em nenhum campo preexistente, mas, em 
alguns aspectos, podemos encontrar algumas aproximações. Temos na dialética 
idealista hegeliana, por exemplo, a partir das contribuições de Lacan, uma 
possibilidade de releitura da epistemologia da psicanálise. Podemos citar o 
conceito de potência no sujeito hegeliano, na medida em que a potência é o que 
ainda se tornará, por isso o sujeito é visto como um vira-ser: ele é enquanto 
negatividade. Para Savioli e Zanotto (2007), a negatividade em Hegel "coloca 
em oposição aquilo que os seres são e suas potencialidades, sugerindo um 
estado de limitação, bem como a necessidade de superar tal estado em direção 
a outro" (p. 366-367). Esse conceito se aproxima da psicanálise pelo fato de que 
o sujeito desta também se constitui enquanto negatividade, ou seja, é a partir do 
que lhe falta quese constitui seu desejo, que o faz mover-se. A concepção 
estruturalista de Lacan permite justamente a suspensão do questionamento 
ontológico sobre a realidade positiva do ser em oposição a sua definição ética 
como sujeitos desejantes demarcados por uma verdade da ordem da falta: 
somos falta-a-ser. 
A concepção filosófica hegeliana, assim como a psicanálise, caminhou na 
contramão das tentativas de estabelecimento de um "sujeito epistêmico 
ascético". Ambas subvertem a concepção de sujeito pleno. Segundo Garcia-
Roza (2009), "o que a Fenomenologia do Espírito nos ensinou é que não é pela 
Razão que o indivíduo se tornou humano, mas pelo Desejo. [...] O homem seria, 
pois, esse efeito-desvio do Desejo" (p. 16). Temos aqui mais uma aproximação 
possível nas duas concepções de sujeito, pois em Hegel encontramos um sujeito 
cuja estruturação está calcada no desejo. No contexto em que surgiu, a teoria 
de Hegel também subverte a ideia da época: de que o desejo era da ordem do 
que deveria ser expurgável. Mas é importante ressaltar que, apesar da marca 
hegeliana da constituição de um sujeito a partir do desejo, Garcia-Roza (2009) 
afirma que "não há lugar para a Selbstbewusstsein toda consciente na teoria 
psicanalítica" (p. 23). A expressão Selbstbewusstsein significa 
autoconhecimento, a diferença está, portanto, no fato de que este não pode ser 
alcançado segundo a psicanálise. E sobre o selbstbewusstsein hegeliano, o 
 
28 
autor afirma que "o fim da história é o saber absoluto" (p. 95), não há 
concordância desse aspecto da teoria com a psicanálise, pois nesta estamos no 
campo do inconsciente, daquilo que é unbewusste (não sabido), desconhecido 
pelo sujeito. Sobre esse aspecto, Freud afirma que o eu, não é senhor em sua 
própria casa, isso quer dizer que existem conteúdos inconscientes que não são 
passíveis de serem observados em sua face positiva e material de objeto de uma 
existência plena. 
Para Lacan, o corte é feito pela entrada do sujeito no discurso social. Essa 
entrada se dá com o advento de um significante paterno: o significante Nome-
do-pai, que barra o desejo da mãe (mostrando a falta materna), permitindo à cria 
humana se constituir como sujeito desejante por si e não mais atado ao desejo 
da mãe. Conforme dito anteriormente, nós desejamos porque somos seres de 
falta, então, só podemos desejar depois que for inaugurada em nós uma falta. 
Isso ocorre no momento em que miramos no Outro uma falta também. Assim 
nos constituímos como sujeitos e, nessa experiência, a partir do corte radical 
feito pela linguagem, há algo que significamos como perdido (ao que Lacan 
chamou de objeto a). O objeto é da ordem da miragem, já que na verdade nunca 
existiu, portanto, não temos como reencontrá-lo. Assim, o selbstbewusstsein 
hegeliano não tem correspondência na teoria psicanalítica porque nunca 
teremos acesso aos conteúdos inconscientes, ou a um autoconhecimento. 
Cabe ressaltar que Lacan compartilha do entendimento de verdade para 
Hegel, no qual a verdade surge a partir da negação e não numa consciência 
ingênua e não crítica, mas, sim, a partir da dialética do desejo. Assim como pode 
ser destacado na obra freudiana (1925/1996), o acesso à verdade do sujeito 
pode se dar por meio do caráter performativo da negação. É a partir desse ponto 
que o filósofo hegeliano Jean Hyppolite, por ocasião de um debate com Lacan 
(1955) publicado nos Escritos, relaciona o conceito negação - Auphebung - para 
Hegel, com o conceito a Negativa, ou Denegação - Verneinung - para Freud, e 
resume: 
Não se encontra na análise nenhum "não" vindo do inconsciente, mas o 
reconhecimento do inconsciente, pelo lado do eu, mostra que o eu, é sempre 
desconhecimento; mesmo no conhecimento, sempre encontramos do lado do 
eu, numa fórmula negativa, a marca da possibilidade de deter o inconsciente, ao 
mesmo tempo recusando-o (Lacan, 1955/1998, p. 902) 
 
29 
O conceito de verdade para a teoria lacaniana é complexo, peculiar e 
ambíguo justamente por esta ser tributária da concepção estruturalista (a mesma 
que embasa os movimentos linguísticos de sua época) em sua principal 
proposta: a substituição das tentativas de redução aos objetos supostamente 
reais pelo estudo das relações ordenadas e encadeadas, como forma de 
suspensão da orientação direta da realidade, sendo essa perspectiva derivada 
diretamente da tese saussuriana da arbitrariedade do signo. Dessa forma, "no 
momento em que digo eu minto (da metalinguagem), digo-o a respeito do eu 
minto da linguagem-objeto: se minto, dizendo que minto, é que estou dizendo a 
verdade. Mas como digo não a estar dizendo, é que estou mentindo" (Arrivé, 
1994, p. 120). No entanto, a verdade como busca do conhecimento tem seus 
limites apontados também na filosofia de Kant (1787) e em seu questionamento 
quanto à verdade: estaria ela relacionada com o conhecimento empírico ou com 
o conhecimento puro? 
Cabe ressaltar que o conceito de verdade por nós aqui utilizado perpassa 
o caminho de Freud, sobretudo o fato de a psicanálise operar na realidade 
psíquica. No percurso freudiano, o autor conclui que os relatos de cenas 
supostamente de sedução de suas pacientes estariam atrelados ao desejo 
inconsciente delas, sendo que uma parcela considerável dos relatos indicaria 
acontecimentos ocorridos apenas no plano psíquico, porém, não menos reais de 
acordo com o peso dado à fantasia na consideração freudiana. Caberia à 
psicanálise, portanto, o trabalho diante do papel do inconsciente na relação com 
o desejo e com o princípio de prazer, sem colocar em evidência se determinada 
lembrança aludia ou não a acontecimentos reais na infância, o que Lacan 
(1964/2008) destaca: 
Freud, em sua sede de verdade diz - O que quer que seja, é preciso 
chegar lá - porque, em alguma parte, esse inconsciente se mostra. É isso que 
ele diz dentro de sua experiência daquilo que era para o médico, até então, a 
realidade mais recusada, mais coberta, mais contida, mais rejeitada, a da 
histérica, no que ela é - de algum modo, de origem - marcada pelo signo do 
engano. (p. 40) 
Primeiramente, tal citação nos remete às histéricas, começando por seu 
histórico em que por muitos anos foram consideradas pelos leigos e pela 
medicina como farsantes, fingidoras. Contudo, a fantasia ou realidade psíquica 
 
30 
é formada inconscientemente com resquícios de realidade, o que a diferencia da 
mentira ou da invenção. Freud comenta sobre o período em que consideravam 
os neuróticos, principalmente as histéricas, como farsantes: 
Mas nunca nos devemos permitir ser levados erradamente a aplicar aos 
padrões da realidade a estruturas psíquicas reprimidas e, talvez por causa disso, 
a menosprezar a importância das fantasias na formação dos sintomas, sob o 
pretexto de elas não serem realidade, ou a remontar um sentimento neurótico de 
culpa a alguma outra fonte, por não haver provas de que qualquer crime real 
tenha sido cometido. Somos obrigados a empregar a moeda-corrente do país 
que estamos explorando; em nosso caso uma moeda neurótica. (Freud, 
1911/1996, p. 285) 
Entretanto, Freud (1920/1996), apesar de sua sede de verdade, como 
aponta Lacan, apresenta-se antipragmático ao colocar em primeiro plano não o 
fato observável, mas uma condição ética de posicionamento diante do próprio 
descentramento. Contudo, o mote das ciências ditas modernas ainda é buscar 
uma resposta única que, tal qual um conhecimento religioso, apaziguaria nossas 
angústias. A psicanálise caminha, portanto, na contramão desta postura dos 
"sábios de laboratório", pois propõe como objeto de estudo justamente o 
rebotalho desta ciência "normal". Roudinesco (2000) conta a história de um 
psicólogo norteamericano que propôs a Freud medir a libido dando-lhe o nome 
de "um freud" (p. 34), no que o autor recusa e solicita "não dê meu nome a sua 
unidade. Espero poder morrer, um dia, com uma libido que não tenha sido 
medida"(p. 35). Destarte, fica claro que Freud não só desacreditava no homem 
como máquina, como também sabia que a pulsão, o desejo, o inconsciente, a 
angústia, só são possíveis de se conhecer por seus efeitos, e isso é o que Lacan 
teorizou como metáfora, uma vez que os processos simbólicos funcionam à 
revelia dos sujeitos em relações de arbitrariedade com o que poderia vir a ser 
uma realidade natural e objetiva. 
No entanto, seja como ciência material ou do espírito, é inegável que 
Freud não abandona o desejo de que a psicanálise fosse reconhecida como 
ciência: "não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo 
que a ciência não nos dá podemos conseguir em outro lugar" (Freud, 1927/1996, 
p. 63). Notório torna-se, então, o peso da revolução freudiana como forma de 
rompimento com os saberes estabelecidos pela racionalidade científica e 
 
31 
filosófica, já que aponta para a racionalidade do desejo inconsciente em 
detrimento da razão da consciência. E ainda, permanece a suportar inúmeras 
tentativas de refutação: 
É bem possível que esta primeira parte do nosso estudo psicológico dos 
sonhos nos deixe um sentimento de insatisfação. Mas podemos consolar-nos 
com a ideia de que fomos obrigados a construir nosso caminho nas trevas. Se 
não estamos inteiramente errados, outras linhas de abordagem hão de levar-nos 
aproximadamente a essa mesma região, e então poderá vir um tempo em que 
nos sintamos mais à vontade nela. (Freud, 1900/1996, p. 579) 
Devemos levar em consideração que o abandono da pretensão, da parte 
de Freud, da instituição de uma ciência orientada pelo abarcamento da realidade 
e pela instituição de verdades paradigmáticas e invariáveis que pudessem 
orientar a práxis sem risco de erro seja muito provavelmente um traço de 
distinção da teoria psicanalítica. Vale ressaltar que, quando o autor diz da 
insatisfação dos estudos do sonho, não são apenas estes que estão em voga 
nessa problemática, mas sim toda formulação de sua teoria do inconsciente e, 
por consequência, o que viria a ser sua metapsicologia. 
Pode-se considerar, então, que a abordagem psicanalítica se constitui a 
partir da dúvida como apoio da certeza na organização do campo da verdade. A 
psicanálise pode ser concebida, então, como instrumento ou até mesmo um 
método para se pensar a ciência e sobre sua busca de conhecimento, se 
convertendo em busca de uma verdade, enquanto ética (Silva, 2012). Esse 
aspecto metodológico da psicanálise culminou por atribuir-lhe um estatuto de 
inacabamento e de renovação constante ao seu corpo teórico, permitindo-nos 
questionar e defender a revisão acerca de seus princípios epistemológicos.6 
6 PARADIGMAS NA HISTÓRIA DA PSICANÁLISE 
Na história e no desenvolvimento da psicanálise, a proliferação de grupos 
e subgrupos, com uma diversidade de léxicos e de interpretações para termos 
comuns, tem causado não só cisões e disparidades teórico-clínicas, como 
também uma dificuldade de comunicação e até mesmo uma obnubilação da 
 
6 Extraído do link: pepsic.bvsalud.org 
 
32 
definição e enquadre da psicanálise como uma disciplina específica do 
conhecimento — a ponto de borrar as características definidoras do que deve 
ser incluído como pertencendo ao campo da psicanálise e o que deveria ser 
excluído dele. 
Nas inúmeras tentativas de diálogos, as dificuldades de entendimento 
entre os membros de diferentes grupos de psicanalistas têm sido uma constante: 
as dissonâncias, mal-entendidos, erros de interpretação, mal-uso de termos e 
conceitos mais parecem a regra do que a exceção. Pode-se, pois, afirmar que a 
psicanálise tem vivido diversas experiências de colapso na comunicação. 
O reconhecimento de que os psicanalistas têm vivido numa espécie de 
Babel é admitido já de longa data. André Green, por exemplo, diz: 
No início dos anos 1980, eu me lembro de ter lamentado com Bion sobre 
a situação babeliana da psicanálise. Na sua sabedoria, ele me respondeu que 
antes de chegar a uma linguagem comum e única na psicanálise, dever-se-ia 
chegar aos extremos de cada idioma singular; teoricamente falando, isso é uma 
decorrência natural. Hoje a psicanálise parece com uma linguagem falada em 
diversos idiomas. Mas, na maior parte do tempo, as pessoas pretendem se 
compreender ou, ao menos, dar a impressão de que se compreendem com a 
finalidade de salvar a própria cara, sobretudo nos congressos regionais e 
internacionais. Na realidade, não há uma verdadeira discussão [...]. (Green 
2005b, p. 44) 
Talvez a noção de paradigma de Thomas Kuhn, já utilizada por diversos 
estudiosos da psicanálise, possa contribuir para estabelecer parâmetros para o 
entendimento e a comunicação entre os diversos sistemas teóricos da 
psicanálise. Mas de que maneira? A análise das características desse conceito, 
bem como do seu uso no estudo da psicanálise, pode esclarecer essa questão. 
 
33 
Fonte:cursosdepsicanalise.com.br 
A noção de paradigma, apresentada por Thomas S. Kuhn no seu A 
estrutura das revoluções científicas (nas edições de 1962 e 1970), foi 
inicialmente proposta como aplicável ao campo das ciências naturais. Desde 
então, surge a questão de saber se ela poderia ser usada para o estudo de outras 
disciplinas e, no que diz respeito a nosso interesse, para a compreensão da 
psicanálise e de sua história. 
Para Kuhn, toda ciência madura tem uma série de características 
estruturais que determinam quais são os problemas e soluções de seu campo 
de ação, funcionando, na maturidade, como solucionadora de quebra-cabeças 
de determinado tipo. Sobre isso, afirma Kuhn: “estejam ou não cientes os 
praticantes individuais, eles são treinados, e recompensados por isso, para 
resolver quebra-cabeças intrincados — sejam eles instrumentais, teóricos, 
lógicos ou matemáticos — na interface de seu mundo fenomenal com as crenças 
de sua comunidade a respeito dele” (1990-1993, p. 307). Kuhn denominou 
paradigma esse conjunto de características que possibilitam tanto a constituição 
dos quebra-cabeças quanto a identificação das suas peças pertinentes, bem 
como o horizonte da solução desses quebra-cabeças. As características 
principais de um paradigma são a consideração, por uma comunidade, de: 
1. problemas exemplares: “ as soluções concretas de problemas que os 
estudantes encontram desde o início de sua educação científica, seja nos 
laboratórios, exames ou no fim dos capítulos dos manuais científicos. [...] Tais 
 
34 
soluções indicam, através de exemplos, como devem realizar seu trabalho” 
(Kuhn 1970a, p. 232); 
2. generalizações simbólicas: conjuntos de compromissos teóricos que 
podem ser expressos por símbolos, por exemplo, F = m.a, ou, ainda, por 
palavras, por exemplo, “a uma ação corresponde uma reação igual e contrária”, 
etc., aplicáveis a todos os problemas (ou todos os quebra-cabeças), “que 
funcionam em parte como leis e em parte como definições de alguns dos 
símbolos [ou palavras] que elas empregam” (Kuhn 1970a, p. 228); 
3. modelos metafísicos: crenças coletivas tais como “o calor é a energia 
cinética das partes constituintes dos corpos; todos os fenômenos perceptivos 
são devidos à interação de átomos qualitativamente neutros no vazio ou, 
alternativamente, à matéria e à força ou aos campos” (Kuhn 1970a, p. 230), bem 
como “crenças em determinados ‘modelos’ de modo a incluir também a 
variedade heurística: o circuito elétrico pode ser encarado como um sistema 
hidrodinâmico em estado de equilíbrio” (Kuhn 1970a, p. 230); esses modelos 
servem para auxiliar a organização e sistematização dos dados empíricos; 
4. conjunto de valores, os quais contribuem para dar à comunidade o 
sentimento de pertinência a um determinado grupo, referindo-se, em geral, às 
características das predições (por exemplo: “devem ser acuradas; predições 
quantitativas são preferíveis às qualitativas; qualquer que seja a margem de erropermissível, deve ser respeitada regularmente numa área dada; e assim por 
diante” [Kuhn 1970a, p. 229]); também podem ser de outro tipo, tais como os que 
se referem ao julgamento das teorias como completas (“estes precisam, antes 
de mais nada, permitir a formulação de quebra-cabeças e de soluções; quando 
possível, devem ser simples, dotadas de coerência interna e plausíveis, vale 
dizer, compatíveis com outras teorias disseminadas no momento” [Kuhn 1970a, 
p. 229]) ou, ainda, relativo à questão da utilidade da ciência (por exemplo, se a 
ciência deve ou não ter uma utilidade social). Kuhn considera que, “embora os 
valores sejam amplamente compartilhados pelos cientistas e este compromisso 
seja ao mesmo tempo profundo e constitutivo da ciência, algumas vezes a 
aplicação dos valores é considerada afetada pelos traços da personalidade 
individual e pela biografia que diferencia os membros do grupo (Kuhn 1970a, p. 
230). 
 
35 
Quando uma ciência ainda não está madura ou quando há nela uma crise 
caracterizada pelo acúmulo de problemas anômalos e sem solução, então ocorre 
um confronto entre seus praticantes. Se a ciência ainda não está madura a ponto 
de ter constituído um paradigma, as diversas propostas práticas e teóricas se 
enfrentam numa disputa de hegemonia; se há um paradigma em crise, então 
dois ou mais paradigmas se enfrentam tendo em vista os problemas em voga e 
sua solução. 
Kuhn declara-se um kantiano, considerando, então, que as características 
do paradigma ou o léxico de um paradigma são análogos às categorias 
kantianas, mas, diferentemente de Kant, estas não seriam dados universais sem 
história; pelo contrário, seriam produzidas e modificadas historicamente. Cito 
Kuhn: 
[...] a posição que estou desenvolvendo é um tipo de kantismo pós-
darwiniano. Como as categorias kantianas, o léxico fornece as precondições da 
experiência possível. Mas as categorias lexicais, ao contrário de seus 
predecessores kantianos, podem mudar e mudam, tanto com o passar do tempo 
quanto com a passagem de uma comunidade a outra. (Kuhn 1990, p. 131). 
Ao reconhecer que uma disciplina ou matriz disciplinar tem sempre um 
léxico específico, compartilhado por um grupo ou comunidade, Kuhn também 
está afirmando que os referentes de seus conceitos estão correlacionados a 
fatos e fenômenos diferentes. Ou seja, não se trata de um problema de 
nomenclatura, mas de formulação dos fatos e problemas empíricos a serem 
considerados. Ao confrontar paradigmas, ocorre, pois, o problema da 
tradutibilidade entre eles. É o que comumente acontece no diálogo entre a 
filosofia e as ciências, sempre fracassado se tais precauções semânticas não 
são respeitadas. No caso de uma mesma disciplina, na qual há paradigmas 
díspares, o problema pode ser ainda maior, dado que, além de termos novos, há 
termos comuns que têm seu sentido modificado, ainda que o significado de 
outros termos comuns seja mantido. Quanto à psicanálise, que, no seu 
desenvolvimento, nem sempre manteve tais precauções, seja na importação de 
conceitos e termos de outras disciplinas, seja no uso não crítico dos termos 
comuns de diversos de seus grupos, temos um campo propício para o fracasso 
na comunicação. 
 
36 
Cada paradigma e seu léxico correspondente constituem, para Kuhn, a 
consideração de mundos diferentes. Ou seja, não se trata de um problema 
terminológico, em que existem nomes diferentes para os mesmos referentes, 
mas, diferentemente disso, muitos dos referentes mudam, exigindo um novo 
léxico e a redefinição do léxico antigo. Noutros termos, na passagem de um 
paradigma para outro, mudam os problemas e as soluções de referência, 
fazendo com que seus praticantes vejam um novo conjunto de fenômenos. 
É interessante notar que Kuhn considera que um membro individual pode 
ser “bilíngue” ou “trilíngue”, dominando os sentidos específicos dos paradigmas 
em questão, ainda que, em termos práticos, essa possibilidade não exista. Ou 
seja, para ele, a prática efetiva de formulação de problemas e o encaminhamento 
de suas soluções não podem ser realizados como se o praticante se 
comportasse como uma estação de rádio, ora num mundo ora noutro; ainda, 
segundo Kuhn, principalmente no caso da psicanálise, para a qual a solução de 
problemas clínicos corresponde a um longo processo de comunicação entre 
analista e analisando. 
A utilização da proposta de Kuhn, em termos metodológicos, corresponde 
a um tipo de exigência de uma ética da terminologia, mas avança um pouco mais 
do que apenas fornecer uma mera orientação geral, uma vez que, além de exigir 
a constante preocupação em relacionar os termos teóricos a seus referentes 
específicos, possibilita, por meio das características que delimitam e 
estabelecem o que é um paradigma, quais são os aspectos centrais a serem 
considerados para que disciplinas e propostas díspares possam ser comparadas 
e compreensíveis umas às outras. 
Cabe perguntar qual é a posição do próprio Kuhn no que se refere à 
aplicabilidade de suas concepções a outros ramos do saber que não as ciências 
naturais. Previdente, mas confiante no poder da aplicabilidade de seu 
instrumento às ciências humanas, ele escreveu, em 1989: 
As ciências naturais, portanto, embora possam requerer o que eu chamei 
de uma base hermenêutica, não são, elas próprias, atividades hermenêuticas. 
As ciências humanas, por sua vez, frequentemente o são e podem não ter outra 
alternativa. Mesmo que esteja correto, contudo, pode-se, ainda, perguntar, com 
procedência, se elas estão restritas à hermenêutica, à interpretação. Não seria 
possível que aqui e ali, com o passar do tempo, um número crescente de 
 
37 
especialistas encontrasse paradigmas que viabilizassem a pesquisa normal, 
solucionadora de quebra-cabeças? 
Quanto à resposta a essa pergunta, estou totalmente incerto. Mas 
arriscarei duas observações que apontam para direções contrárias. Em primeiro 
lugar, não estou ciente de qualquer princípio que barre a possibilidade de uma 
ou outra parte de alguma ciência humana encontrar um paradigma capaz de 
viabilizar a pesquisa normal, solucionadora de quebra-cabeças. E a 
probabilidade da ocorrência dessa transição é, para mim, aumentada por forte 
sentimento de déjà-vu. Muito do que ordinariamente é dito para defender a 
impossibilidade de uma pesquisa solucionadora de quebra-cabeças nas ciências 
humanas já foi mencionado, há dois séculos, para negar a possibilidade de uma 
ciência da química, e repetido, um século depois, para mostrar a impossibilidade 
de uma ciência dos seres vivos. Muito provavelmente [segunda observação], a 
transição que eu estou sugerindo já está em andamento em algumas 
especialidades atuais das ciências humanas. Minha impressão é a de que, em 
partes da economia e da psicologia, isso já possa ter ocorrido. (1989, pp. 272-3) 
E, especificamente, sobre a psicanálise, o que Kuhn disse explicitamente? 
Sua posição crítica advém tanto da sua análise histórico-epistemológica, quanto 
de sua experiência pessoal como paciente. Na sua última entrevista, em 1997, 
ele comenta: 
Minhas relações com mulheres eram praticamente inexistentes. Mas isso 
em parte porque meu ambiente era um ambiente masculino. O resultado é que 
fui persuadido, sem muita dificuldade, a ir fazer psicanálise. Quando criança, 
tinha tido alguma experiência com psiquiatria infantil, experiência que não tinha 
em grande conta e de que não trago lembranças agradáveis. Fiz análise 
naqueles anos em Harvard com um sujeito que, em retrospecto, odeio, porque 
acho que se comportou de maneira extremamente irresponsável comigo. Ele 
costumava pegar no sono e, quando eu o surpreendia roncando, ele agia como 
se eu não tivesse nenhum motivo para estar furioso ou perturbado com isso. Por 
outro lado, eu tinha lido anteriormente a Psicopatologia da vida cotidiana de 
Freud. Nem por um momento gosto das categorias teóricas que ele apresenta, 
nemsinto que, para mim, ao menos, elas tenham alguma importância. Mas 
a técnica de compreender as pessoas e capacitá-las a se compreender melhor 
não estou certo de que produza algum tipo de terapia é, com certeza, para lá de 
 
38 
interessante. Eu mesmo acho que teria muita dificuldade em documentar isso, 
mas acho que muito do que comecei a fazer como historiador, ou o nível de 
minha capacidade para fazê-lo “entrar na cabeça das pessoas” é uma expressão 
que eu usei vez ou outra, veio de minha experiência com a psicanálise. Assim, 
nesse sentido, acho que devo muitíssimo a ela. Lastimo que esteja ganhando a 
péssima reputação que está adquirindo atualmente, embora pense que ela muito 
a mereceu; mas acho que o que acaba sendo esquecido é que há um ofício, um 
aspecto prático nela, para o qual não conheço nenhuma outra rota, e que tem 
uma enorme relevância intelectual. (1997, p. 339). 
Ao afirmar que não gosta das proposições teóricas de Freud e que, 
pessoalmente, não tem nenhum interesse nelas, poder-se-ia supor que Kuhn 
julga que a teoria psicanalítica ainda não alcançou o estatuto de uma teoria 
científica. Além disso, ele reconhece na psicanálise uma prática (um ofício) que 
leva a conhecer as pessoas e fazer com que se conheçam melhor, ainda que 
não esteja seguro de que ela seja uma terapia. Mais ainda, mesmo que não seja 
claro em que lugar ele a coloca — certamente não está no rol das ciências 
maduras, mas também não parece ser um ramo da arte ou da filosofia —, 
reconhece que uma parte importante do que fez como historiador da ciência foi 
influenciado por seu contato com a teoria e a clínica psicanalítica. Convém 
lembrar, nesse ponto, que Kuhn considera possível a utilização de sua noção de 
paradigma para a compreensão de outras disciplinas do conhecimento, tal como, 
por exemplo, a arte e sua história (Kuhn 1970a, “Posfácio”, pp. 255-6). Sendo 
assim, é possível que o conceito de paradigma possa ser aplicado também à 
psicanálise. 
 
39 
Fonte:oselfeosoutros.blogspot.com 
Podemos nos perguntar se, tal como estão estruturadas a teoria e a 
prática psicanalítica, seria possível caracterizá-las em termos da existência 
de exemplares, generalizações simbólicas, modelos metafísicos, valores, etc., 
configurando uma unidade paradigmática. Outra questão seria: no 
desenvolvimento da psicanálise pós-Freud, haveria novos paradigmas? 
Respostas a essas perguntas têm sido dadas há mais de 20 anos, afirmativa ou 
negativamente. Não me dedicarei aqui a um estudo exaustivo de todos os usos 
da aplicabilidade das propostas de Kuhn para o estudo da psicanálise e de sua 
história, mas procurarei apresentar os usos mais significativos, comentando um 
ou outro caso que pode agrupar as diversas tentativas nessa direção. Nesse 
sentido, a ordem cronológica será sacrificada em prol da compreensão mais 
geral. 
Cabe citar os que usam o termo sem se referir a Kuhn, tomando-o, então, 
como sinônimo, grosso modo, de modelo, ou seja, os que não utilizam o termo 
como um conceito específico, mas apenas em seu sentido familiar. Para Kuhn, 
o conceito de paradigma não é redutível ao termo ou ao conceito de modelo, 
sendo mais amplo e mais preciso em suas diferenciações. Dentre os diversos 
autores que tomam um termo por outro, citarei apenas dois: Adam Phillips e 
Jacques André. 
 
40 
O primeiro, Adam Phillips, refere-se a Winnicott como tendo formulado um 
novo paradigma para a psicanálise. Ao não utilizar o conceito kuhniano, mas o 
termo no seu sentido familiar ou cotidiano, como sinônimo de modelo, ele 
reconhece que grandes mudanças ocorreram na psicanálise quando Winnicott 
tomou o relacionamento mãe-bebê como o modelo de referência para pensar a 
situação analítica. Diz Phillips: “Winnicott fez derivar tudo, em sua obra, inclusive 
uma teoria das origens da objetividade científica e uma revisão da psicanálise, 
do seu paradigma da relação mãe-bebê” (2006 [1988], p. 5). No seu livro, ele 
comenta muitas transformações que a proposta de Winnicott representa, quando 
comparadas com as de Freud e de Melanie Klein. No entanto, ao não tomar o 
termo paradigma no seu sentido técnico dado por Kuhn, não organiza nem 
sistematiza essas diferenças da maneira como ocorreria caso usássemos o 
conceito de Kuhn. Ao não fazê-lo, a questão da mudança de paradigma na 
psicanálise não fica claramente colocada, uma vez que o uso do termo nesse 
sentido coloquial não fornece parâmetros específicos para avaliar se outras 
propostas de psicanalistas pós-freudianos também correspondem a mudanças 
de paradigmas. 
O segundo exemplo refere-se ao livro Les états limites. Nouveau 
paradigma pour la psychanalyse? de 1999, com textos de André Green, Pierre 
Fédida, Daniel Widlöcher, Catherine Chabert e Jean-Luc Donnet, precedidos de 
uma introdução de Jacques André (organizador do livro). O nome de Kuhn não 
foi citado uma única vez! Trata-se, evidentemente, de uma opção de não utilizar 
o termo como um conceito específico, que tem uma história já estabelecida. As 
razões dessa opção não foram apresentadas pelos autores. 
Creio que tal uso é um desserviço aos estudos e às pesquisas sobre o 
desenvolvimento e a história da psicanálise, dado que o termo, assim usado, 
nada acrescenta às análises feitas, apenas dão-lhe um qualificativo; se fosse 
mantido seu sentido técnico, levaria os autores a considerarem diferenciações e 
comparações com o conceito kuhniano. O uso do termo paradigma como um 
conceito faz dele um instrumento para observação e análise das teorias 
psicanalíticas, enquanto que, noutro sentido, é apenas um adjetivo. Não creio 
que os psicanalistas, talvez os mesmos que usam o termo paradigma sem 
referência a Kuhn, aceitariam que os termos inconsciente ou sexualidade fossem 
utilizados sem a devida referência a Freud e à psicanálise. 
 
41 
Circunscrevendo, agora, minha análise aos autores que procuram usar o 
termo paradigma com base na definição kuhniana, indico alguns psicanalistas, 
historiadores e filósofos da psicanálise que tentam aplicar o conceito de Kuhn a 
seus estudos. 
O artigo de Ricardo Bernardi, “The Role of Paradigmatic Determinants in 
Psychoanalytic Understanding” (1988 pp. 341-55), foi uma tentativa explícita de 
uso da ferramenta khuniana. Bernardi percebe que há dissonância entres as 
diversas teorias psicanalíticas, seja no uso de termos comuns com sentidos 
díspares &— tais como inconsciente, complexo de Édipo, ego &—, seja na 
proposta de conceitos e termos intraduzíveis de uma teoria para outra &— tais 
como posição, significante, elemento alfa. Ele considerou, então, que um 
paradigma é um conjunto de crenças compartilhadas, autorreguladas 
internamente, que orientam uma prática psicanalítica específica. Certamente, 
esse é um dos sentidos do conceito, mas apenas em seu aspecto mais geral. 
Permanecendo, assim, restrito a esse sentido, Bernardi considerará que há três 
paradigmas na psicanálise: o de Freud, o de Klein e o de Lacan. Diz Bernardi: 
No tocante à unidade e à diversidade do nosso campo, procuramos 
mostrar que esses diferentes paradigmas são irredutíveis uns aos outros, pois 
não há acordo entre eles nem quanto às premissas gerais (que não partilham), 
nem quanto à experiência (que não veem do mesmo modo) [...]. Tal situação de 
incomensurabilidade coloca questões interessantes, embora também 
preocupantes. (1988, pp. 353-4) 
Para exemplificar sua hipótese, ele tentará diferenciar os três paradigmas 
caracterizando como Freud, Klein e Lacan entenderam o caso do Homem dos 
Lobos. No entanto, não faz distinção entre os paradigmas, especificando as 
características desses em termos das noções de exemplar, generalização 
simbólica, partes metafísicas e valores. Ao proceder dessa maneira, Bernardi 
comete ao menos dois erros, que tornam insustentável sua proposta: primeiro, 
ele não usa o conceito de paradigma com todas as suas nuanças e 
possibilidades de aplicação;segundo, ele não considera que o caso do Homem 
dos Lobos já é uma narrativa e apreensão de dados que está sujeita às 
determinações teóricas que tornaram possível a sua observação. Mezan (1990), 
ao comentar o artigo de Bernardi, mostra a inconsistência das diferenciações 
propostas, e isso sem precisar referir-se ao mal-uso do termo ou conceito de 
 
42 
paradigma, analisando apenas o resultado das análises de Bernardi. Assim, é 
forçoso, pois, admitir que esse é um caso de uso parcial e inadequado do 
conceito kuhniano de paradigma. 
Uma proposta mais cuidadosa, dedicada ao emprego da noção kuhniana 
de paradigma ao estudo da psicanálise, foi feita por Jay R. Greenberg e Stephen 
A. Mitchell, no livro Relações objetais na teoria psicanalítica, de 1983. Eles 
comentam que, num paradigma, segundo Kuhn, há diversos modelos, alguns 
servindo simplesmente como metáforas ou artifícios heurísticos, enquanto outros 
ocupam um papel mais profundo e penetrante na comunidade científica, 
fornecendo “um arcabouço básico de orientação e crença, servindo como 
objetos de compromisso metafísico” (Greenberg e Mitchell 1983, p. 12). É nessa 
característica do paradigma, e só nessa, que eles se apoiam para 
desenvolverem seu estudo: 
É precisamente em torno deste tipo de modelo que a teorização 
psicanalítica se organiza; assim, ao falar de modelos na teoria psicanalítica, 
estamos empregando o termo para nos referirmos ao tipo de compromisso 
metafísico que Kuhn descreve. Ao empregar sua abordagem, não estamos 
necessariamente inferindo sua aplicabilidade como uma explicação geral de 
todas as ciências, nem estamos entrando na complexa confusão filosófica que 
se preocupa com as questões de objetividade, subjetividade e verificação de 
teorias. Estamos sugerindo que a abordagem de Kuhn ao desenvolvimento de 
idéias científicas e sua definição de modelos como compromissos metafísicos 
têm grande aplicabilidade história do pensamento psicanalítico e constituem um 
caminho útil de abordagem das diferentes estratégias na construção das teorias. 
(Idem) 
Eles propõem, então, que sejam considerados dois paradigmas para a 
compreensão da psicanálise e sua história: o pulsional e o relacional. Cito-os: 
A tensão mais significativa na história das ideias psicanalíticas tem sido a 
dialética entre o modelo freudiano original, que toma como seu ponto de partida 
as pulsões instintivas, e um amplo modelo alternativo iniciado no trabalho de 
Fairbain e Sullivan, segundo a estrutura se desenvolve tão-somente a partir das 
relações do indivíduo com outras pessoas. De acordo com isso, designamos o 
modelo original de modelo estrutural-pulsional e a perspectiva alternativa de 
modelo estrutural-relacional. Escolhemos estes termos como um meio de 
 
43 
iluminar as diferenças entre os modelos nos seus compromissos metafísicos 
quanto ao subjacente conteúdo da mente. (Ibid., p. 13) 
Em primeiro lugar, é necessário perguntar por que eles optam por reduzir 
os paradigmas a apenas uma de suas características — o modelo metafísico —
, deixando de lado as outras, as quais são, para Kuhn, de suma importância para 
a determinação de uma matriz disciplinar. Tal atitude corresponderia, por 
exemplo, a analisar um rio apenas em função das pedras que dão sustentação 
a seu leito. Não se pode dizer, nesse caso, que há erro, mas que é uma 
perspectiva extremamente parcial e redutora. Além disso, pode-se, ainda, 
colocar em discussão se a distinção entre a perspectiva das pulsões e a do 
objeto constitui paradigmas específicos ou, ainda, se elas dizem respeito, com 
rigor, aos aspectos metafísicos da psicanálise. Certamente, há aspectos 
metafísicos associados a essas perspectivas, mas Greenberg e Mitchell acabam 
por misturar aspectos empíricos e puramente teóricos, ou propriamente 
metafísicos, quando propõem que essas duas posições sejam tomadas como 
paradigmas. Convém, ainda, notar que Greenberg e Mitchell, nos seus 
desenvolvimentos teóricos, não estão preocupados com os aspectos 
epistemológicos e metodológicos da psicanálise, mas sim com a sua história. 
Tudo isso faz com que seja possível afirmar que eles usaram apenas 
parcialmente o conceito kuhniano de paradigma, apoiando-se neste para chamar 
a atenção para um dos aspectos da estrutura conceitual e da história do 
desenvolvimento das idéias na psicanálise. Acabam, portanto, deixando lacunas 
significativas no que se refere à caracterização dos paradigmas na compreensão 
epistemológica e metodológica da psicanálise, para uma compreensão da 
história das idéias. 
Joyce McDougall (2001 [1995]) notou que a noção de paradigma poderia 
ser útil para a compreensão da psicanálise e de sua diversidade teórico-clínica: 
O original livro de Thomas Kuhn (1962) The Structure of Scientific 
Revolutions formula o importante conceito de “paradigma”, que define uma 
constelação de crenças, técnicas e valores que são compartilhados por todos os 
membros de uma dada comunidade científica. A questão de um desvio 
paradigmático a propósito de nossa metapsicologia merece um estudo mais 
profundo do que aquele que sou capaz de realizar no atual estágio de minha 
reflexão. A pesquisa psicanalítica pode bem-estar num período de transição, a 
 
44 
partir do qual novos paradigmas vão emergir. Embora os criadores das principais 
escolas do pensamento psicanalítico tenham trazido modificações importantes 
aos conceitos básicos de Freud — algumas vezes estendendo seu pensamento; 
outras, reduzindo-o em seu alcance —, na minha opinião não houve nenhum 
verdadeiro desvio paradigmático (de acordo com a definição de Kuhn) na teoria 
psicanalítica desde a publicação do trabalho da vida toda de Freud. (MacDougal 
2001 [1995], p. 255). 
Percebendo a importância dos exemplares como definidores dos 
paradigmas, McDougall afirma, logo em seguida à sua consideração de que o 
paradigma freudiano continua soberano, que o desenvolvimento da psicanálise 
significa uma mudança no seu paradigma: 
Entretanto, se considerarmos as categorias diagnósticas como fazendo 
parte de um paradigma psicanalítico, então houve um “desvio”, uma vez que a 
psicanálise originalmente estava destinada a estudar as chamadas neuroses 
“clássicas” e não os estados fronteiriços, psicóticos, aditivos e psicossomáticos. 
(Ibid.) 
Reconhecendo que não domina totalmente esse instrumento teórico, 
McDougall não se arrisca a continuar sua análise sobre a questão de saber se a 
psicanálise tem um ou mais paradigmas e se há guerra entre eles. Essa 
prudência no uso de um termo consagrado, porém, nem sempre foi adotada por 
outros pesquisadores que se propuseram a falar sobre os paradigmas ou a 
mudança de paradigmas na psicanálise. 
Outro autor importante na história da psicanálise a referir-se a Kuhn foi 
John Bowlby, psicanalista que teve sua pertinência ao campo da psicanálise 
colocada em dúvida por seus colegas, em função de suas propostas serem 
próximas aos estudos de etólogos. Ao desenvolver sua teoria do apego, ele 
reconhece estar modificando a estrutura teórica da psicanálise, e se apoia em 
Kuhn para comentar essa mudança estrutural: 
De 1957, quando A Natureza do Laço da Criança à sua Mãe foi 
inicialmente apresentado, até 1969, quando Apego apareceu, e até 1980, com a 
publicação de Perda, me concentrei nesta tarefa [compreensão dos “instintos” 
na psicanálise com base nos estudos de etologia animal, especialmente os de 
Lorentz]. A estrutura conceitual resultante é configurada para acomodar todos os 
fenômenos para os quais Freud chamou a atenção, por exemplo, relação de 
 
45 
amor, ansiedade de separação, luto, defesa, raiva, culpa, depressão, trauma, 
separação emocional, períodos sensíveis no início da vida, e, então, oferecer 
uma alternativa para a metapsicologia tradicional da psicanálise e ainda 
adicionar uma outra variante às outras tantas variantes da teoria clínica agora 
existente. Somente o tempo iráprovar o sucesso de tais ideias. (Bowlby 1989 
[1988], p. 38). 
A referência a Kuhn, como tendo abandonado o termo “paradigma”, 
substituindo-o pelo termo “estrutura conceitual”, corresponde a um erro de 
Bowlby na compreensão dos comentários de Kuhn, talvez levado pelo título do 
artigo de Kuhn, de 1974, “Reconsideração acerca dos paradigmas”, que pode 
sugerir uma mudança que não se realizou, considerando-se a totalidade de sua 
obra. Logo depois da segunda edição de seu livro (1970a), Kuhn, respondendo 
a críticas, afirmou que o conceito de paradigma deve ser mantido, ainda que o 
termo possa ser deixado de lado — “Este artigo foi, sobretudo, um esforço para 
isolar, clarificar e levar a bom termo esses pontos essenciais. Se eles puderem 
ver-se, seremos capazes de dispensar o termo ‘paradigma’, embora mantendo 
o conceito que conduziu à sua introdução” (1974, pp. 381-2). Ao lermos essa 
coletânea, na qual estão reunidos seus principais trabalhos desde A estrutura e, 
especialmente, sua última entrevista, percebe-se que ele não substitui o termo 
ou conceito de paradigma pelo de estrutura conceitual, mas sim procura 
explicitar seu conceito-chave, dando-lhe sinônimos que completassem ou 
dessem maior clareza ao que propusera inicialmente (cf. Kuhn 1970a, 
“Posfácio”; e Kuhn 2000). 
O que importa aqui não é a precisão conceitual de Bolwby, mas a 
referência que ele fez a Kuhn e ao conceito de paradigma, como um apoio para 
comentar a mudança estrutural que estaria propondo, opondo a psicanálise 
tradicional (ou freudiana) à sua. Diz Bowlby: 
Como Kuhn enfatizou, qualquer estrutura conceitual nova é difícil de ser 
aprendida, especialmente por aqueles que já estão há muito tempo 
familiarizados com outras anteriores. Descrevo, somente, algumas das muitas 
dificuldades encontradas na compreensão da estrutura defendida. Uma delas é 
que, ao invés de começar com uma síndrome clínica dos últimos anos e tentar 
traçar suas origens retrospectivamente, comecei com uma classe de trauma 
infantil e tentei traçar suas sequelas prospectivamente. Uma segunda dificuldade 
 
46 
é que, ao invés de começar com os pensamentos e sentimentos particulares de 
um paciente, expressos no jogo ou na livre associação e tentar construir uma 
teoria do desenvolvimento da personalidade partindo desses dados, comecei 
com a observação do comportamento de crianças em certos tipos de situações 
definidas, incluindo gerações dos sentimentos e pensamentos que elas 
expressavam e tentei construir uma teoria do desenvolvimento da personalidade 
partindo desses dados. Outras dificuldades surgiram em relação ao uso de 
conceitos, tais como sistema de controle (ao invés de energia psíquica) e 
caminho desenvolvimental (ao invés de fase libidinal) que, embora hoje em dia 
estejam firmemente estabelecidos como conceitos-chave em todas as ciências 
biológicas, ainda são estranhos para o pensamento corrente da maioria dos 
psicólogos e clínicos. (Bolwby 1989 [1988], p. 38). 
 
Fonte: www.fasdapsicanalise.com.br 
Bowlby não procurou explicitar mais detalhadamente quais seriam as 
características de um paradigma ou de uma estrutura conceitual, nem nas 
ciências em geral nem na psicanálise em particular (seja a tradicional, seja a 
sua), mas se ateve ao desenvolvimento mais específico de suas hipóteses e 
propostas de constituição da psicanálise como uma ciência propriamente dita. A 
noção de paradigma não era, para ele, um instrumento de trabalho para a análise 
da psicanálise como ciência. 
 
47 
Alguns psicanalistas considerarão, no entanto, que é inadequado o uso 
dessa noção para o estudo da psicanálise ou, ainda, têm sérias dúvidas de que 
esse seja um caminho frutífero. Renato Mezan, por exemplo, tem uma posição 
que oscila entre uma recusa dessa aplicabilidade e a sua aceitação. Ao analisar 
a proposta de Bernardi, aqui já comentada, Mezan (1990) argumenta que as 
distinções entre paradigmas — referindo-se a Freud, Klein e Lacan —, para a 
compreensão de modelos teóricos díspares na psicanálise, não são 
sustentáveis: 
Contudo, esta tensão [entre as divergências entre paradigmas e a sua 
incomensurabilidade, apontando para direções de desenvolvimento opostas] 
sugere que a própria noção de paradigma talvez seja pouco apropriada para 
pensar a diversidade/unidade do campo psicanalítico. Repito que não se trata de 
uma implicância lexical: um conceito tem um campo de abrangência específico, 
e o conceito de paradigma, ao incluir certos aspectos e predicados, exclui 
necessariamente outros [...] 
Tudo parece indicar que a situação atual da psicanálise é mais complexa 
do que se depreende do artigo de Bernardi, e, para esboçar esta complexidade, 
o emprego do conceito de paradigma não é tão elucidativo quanto pareceria à 
primeira vista. Por um lado, as divergências teóricas e clínicas, são grandes; por 
outro, a afirmação de que a psicanálise é uma só se enraíza visivelmente em 
algo mais do que diplomacia e boa vontade. (1990, pp. 49-50). 
Conclui Mezan, então, que a noção de paradigma deveria mesmo ser 
abandonada em prol de outros modos de análise epistemológica da psicanálise. 
Cito-o: 
[...] talvez convenha deixar completamente de lado a terminologia 
sugerida por Kuhn para a história das ciências naturais, cedendo à evidência de 
que a psicanálise não é uma ciência como as que comportam o uso desta noção, 
e procurar discernir do modo mais exato possível como se organiza em 
psicanálise a dispersão das perspectivas teórico-clínicas. Em outros termos, 
talvez convenha elaborar uma epistemologia regional da psicanálise que faça 
justiça ao tipo de pluralidade que se observa no nosso campo, que não é 
equivalente nem ao verificado na esfera das ciências naturais, nem ao 
proporcionado pela história da filosofia. (Ibid., p. 52) 
 
48 
Deve-se notar que a crítica de Mezan a Bernardi não focou a questão do 
uso superficial ou inadequado do conceito de paradigma, mas sim os frutos 
daquele uso. 
Em 2002, Mezan explicita sua proposta para o estudo epistemológico da 
psicanálise, apoiando-se num artigo ocasional de Gérard Lebrun, “L’idée 
d’épistemologie” (1977). Mezan defende, então, que a melhor maneira de 
abordar uma epistemologia da psicanálise é pensar na ideia 
de epistemologia ou racionalidades regionais. Diz Mezan: 
A investigação epistemológica se preocupa com o modo de produção dos 
conceitos, com o funcionamento dos dispositivos teóricos estabelecidos pela 
disciplina, com a forma pela qual ela constrói, válida ou refuta suas hipóteses. 
Seu objetivo é, portanto, a teoria concebida como armação racional, enquanto o 
objeto da teoria é o campo de fenômenos do qual ela deve dar conta. (Mezan 
2002b, p. 437) 
Mezan dirá, então, que “cada ciência constitui a sua própria racionalidade” 
(p. 438), levando-o a considerar que cada disciplina deveria ser analisada como 
um texto, cujo interesse epistemológico deve recair na análise de sua coerência 
e funcionamentos internos, como se a epistemologia devesse ser uma 
explicação apenas regional, solipsista, de um determinado sistema. Ele diz, por 
exemplo: “O que faz então a epistemologia da química? Trata-a como um texto, 
com um aparelho retórico que pode ser descrito e analisado” (p. 438). E, ainda, 
nesse mesmo sentido: “É esse o tipo de estudo a que convém 
determinar epistemologia: ele se interessa pelo funcionamento da cadeia de 
enunciados da disciplina, mas também mostra por que ela exclui a formulação 
de determinadas hipóteses” (p. 440). Com base nessa concepção, Mezan 
desenvolve o que seria uma epistemologia dedicada ao esclarecimento do que 
é a psicanálise. Claramente, nesse desenvolvimento, ele deixa de lado todas as 
outras discussões relativas à epistemologia enquanto uma disciplina específica, 
a qual não se quer regional e solipsista, mas tem como objetivo a universalidade 
que respeita as singularidades. 
A epistemologia como disciplina, nosentido clássico, pretende não só 
esclarecer as leis e dinâmicas internas de determinado sistema teórico de uma 
disciplina específica, mas também busca critérios que tornem possível a 
avaliação dessas disciplinas, o julgamento entre o tipo de relações que cada 
 
49 
disciplina estabelece entre os fatos de que trata e as teorias que propõe para 
tratar desses fatos, a compreensão do seu desenvolvimento não só em termos 
de cada disciplina, mas também em função do conjunto mais amplo dos 
conhecimentos que a ciência, a filosofia ou a arte produzem. 
Mezan opta por não abordar as discussões com outros epistemólogos que 
tomaram a psicanálise como objeto, tal como fez Popper, mas, reiterando sua 
posição, que considera como inadequado o uso do conceito kuhniano de 
paradigma, constrói sua argumentação apoiado neste ponto Lebrun de partida. 
Nesse caminho, que coloca o tema dos paradigmas na psicanálise como 
questão, seria necessário desenvolver uma discussão que cotejasse Lebrun e 
Kuhn, no que se refere à proposta de considerar, para cada disciplina, uma 
“epistemologia regional”. Kuhn, provavelmente, criticaria Lebrun por não 
considerar que toda ciência é uma atividade de resolução de problemas 
empíricos que compartilham certos princípios racionais e metodológicos. Para 
Kuhn, ainda que existam especificidades em cada uma das matrizes 
disciplinares (física, química, biologia, história, economia, etc.), todas essas 
ciências (em estado maduro ou não) compartilham um mesmo horizonte 
epistemológico, que as configuram como ciências e não como filosofia ou 
literatura; ou seja, como práticas de resolução de problemas empíricos, 
desenvolvidas segundo critérios racionais de observação e sistematização dos 
dados empíricos, formulação de teorias, retorno aos fatos, etc. Isso não significa 
dizer que há uma epistemologia única para todas as ciências, como também que 
existam epistemologias regionais. Assim, para Kuhn, não teria sentido falar em 
epistemologias regionais, ainda que seja possível colocar a questão de saber se 
haveria uma epistemologia possível para as ciências humanas. 
Essa é uma questão que fica aqui em aberto, dado que não corresponde 
ao foco deste artigo; nesta análise, trata-se de explicitar a posição de Mezan 
quanto ao uso da noção de paradigma na compreensão da psicanálise. Em 
2006, após os desenvolvimentos anteriormente comentados, Mezan colocou-se 
ao lado de Greenberg e Mitchell, afirmando: 
A leitura do livro de Greenberg e Michell, somada à crítica de meu próprio 
argumento para recusar a ideia dos paradigmas em psicanálise, sugeriu-me uma 
outra solução para o problema: situá-lo num nível de abstração mais elevado do 
que aquele em que os discerne o autor uruguaio [Bernardi]. (Mezan 2006, p. 55) 
 
50 
Mezan esclarece seu novo ponto de vista: 
Creio ser mais interessante reservar o termo “paradigma” para esse grau 
de abrangência e de abstração, ao invés de se falar, como sugere Bernardi, em 
paradigmas kleiniano, freudiano e lacaniano. A vantagem dessa terminologia 
consiste, a meu ver, em poder incluir no mesmo paradigma diversos autores e 
mesmo diversas escolas, atentando mais para o parentesco das problemáticas 
do que para o nome dos autores. Em minha opinião, conviria denominar o 
segundo paradigma objetal, porque o termo “relações de objeto” vem sendo 
empregado para designar um grupo de teorias mais específico, o dos 
“independentes ingleses” (de Fairbain a Guntrip e a Winnicott, passando por 
Balint e outros). (2006, pp. 59-60) 
Mezan diz, ainda, que talvez Lacan devesse ser considerado como 
representando mais um paradigma, além do pulsional e relacional propostos por 
Greenberg e Mitchell: “Assim, considerarei, provisoriamente, que, com Lacan, 
estamos diante de um terceiro paradigma, sem dúvida a partir da problemática 
do real, muito provavelmente a partir do problemática do simbólico, e quase 
certamente não na época do imaginário” (2006, 
p. 61). Não cabe aqui analisar se essa hipótese de Mezan é ou não sustentável, 
mas tão-somente indicar a direção de sua utilização do conceito de paradigma 
na compreensão da história da psicanálise. 
As críticas aqui feitas a Bernardi e a Greenberg e Mitchell, quanto ao uso 
do conceito de Kuhn, se aplicam também a Mezan: o uso parcial do conceito de 
paradigma deixa grandes lacunas na compreensão (que poderiam advir de um 
uso mais pleno desse instrumental teórico) da história e da estrutura da 
psicanálise, podendo mesmo levar a conclusões imprecisas. Para usar uma 
analogia, é como usar um carro de cinco marchas, optando por andar sempre na 
segunda marcha. 
Um uso mais pleno das concepções de Kuhn para o estudo da psicanálise 
tem sido desenvolvido por Zeljko Loparic. Talvez esse uso mais rigoroso se deva 
à sua formação clássica como filósofo, acrescida de uma longa prática de ensino 
e pesquisa de história e filosofia da ciência Ao verificar as publicações de 
Loparic, nota-se que Kuhn sempre teve um papel central no desenvolvimento de 
seu pensamento, desde o seu primeiro artigo, intitulado “Descartes segundo as 
ordens das dificuldades”, publicado em 1975. Na sua tese de doutorado (1982), 
 
51 
especialmente na segunda parte, publicada como artigo em 1984, “Problem-
Solving and Theory Structure in Mach”, Kuhn tem um lugar decisivo na 
articulação entre a postura de Mach e Kant, caracterizando a ciência no seu 
ponto de vista heurístico, pondo em evidência a definição de ciência como prática 
de resolução de problemas empíricos; o mesmo pode-se dizer de seu trabalho 
posterior sobre Descartes, de 1988, “Paradigmas cartesianos”, no qual a filosofia 
de Descartes foi analisada em termos de uma exposição da ordem dos 
problemas, estabelecendo a relação entre hipóteses falsas e ciências 
verdadeiras. Dedicando-se explicitamente a Freud, Loparic publicou seu artigo 
“Resistências à psicanálise”, de 1985, no qual se refere à comunidade e 
aos quebra-cabeças, optando por não citar explicitamente o nome de Kuhn, mas 
utilizando-o de forma evidente. 
Apesar de ter proposto, desde o início de seus estudos sobre a história e 
a epistemologia da psicanálise, uma aplicabilidade do conceito de paradigma, 
ele parece manter também uma determinada prudência: “Mesmo que a 
psicanálise tradicional não possa ser considerada uma ciência factual madura, 
parece-me frutífero olhar para ela na perspectiva kuhniana, procurando por 
formas incipientes de um paradigma e por crises, seguidas de pesquisa 
revolucionária” (2006, p. 23). Ao usar esse instrumento teórico, procurando 
tornar mais operativo o uso desse conceito para o estudo da história e da 
estrutura da psicanálise, altera um pouco a terminologia de Kuhn e desmembra 
certas características do conceito: ao invés de falar em generalizações 
simbólicas, tendo em vista que na psicanálise não há símbolos tais como na 
física, ele propôs usar o termo generalizações-guia; no que se refere aos 
aspectos metafísicos do paradigma, propôs separá-lo em modelos 
metafísicos ou ontológicos e modelos heurísticos;9 e, no que se refere aos 
valores, ele os caracterizou basicamente como sendo de dois tipos, 
os teóricosou epistemológicos e práticos (cf. Loparic 2001). Assim, ao 
apresentar uma compreensão da psicanálise de Freud, organizada por meio das 
características que definem um paradigma, ele afirma: 
[...] é possível dizer que o exemplar principal da disciplina criada pela 
pesquisa revolucionária de Freud é o complexo de Édipo, a criança na cama da 
mãe às voltas com os conflitos, potenciais geradores de neuroses, que estão 
relacionadas à administração de pulsões sexuais em relações triangulares. 
 
52 
Fonte: psicanalisedemocracia.com.br 
A generalização-guia central é a teoria da sexualidade, centrada na ideia 
da ativação progressiva de zonas erógenas, pré-genitais e genitais, com o 
surgimento de pontos de fixação pré-genitais. O modelo ontológicodo ser 
humano, explicitado na parte metapsicológica da teoria, comporta um aparelho 
psíquico individual, movido por pulsões libidinais, e outras forças psíquicas 
determinadas por leis causais. A metodologia é centrada na interpretação do 
material transferencial à luz do complexo de Édipo ou de regressões aos pontos 
de fixação. Os valores epistemológicos básicos são os das ciências naturais, 
incluindo explicações causais, e o valor prático principal é a eliminação do 
sofrimento decorrente dos conflitos internos pulsionais, do tipo libidinal. (Loparic 
2006, pp. 23-4) 
Ao ter em mente a importância central dos exemplares — ou seja, dos 
problemas e soluções que funcionam como foco e objetivo de um determinado 
paradigma ou matriz disciplinar —, Loparic propõe também que Freud, Klein, 
Bion e Lacan façam parte de um mesmo paradigma, que ele caracterizou como 
o da psicanálise tradicional. Não obstante a divergência de léxicos entre esses 
autores — diferença que exige um trabalho de tradutibilidade (nota-se que nem 
todos os termos ou propostas são traduzíveis, o que recoloca o problema da 
incomunicabilidade ou incomensuralibidade entre essas perspectivas teóricas) 
—, a consideração das características gerais do paradigma freudiano, em 
 
53 
especial o reconhecimento do complexo de Édipo como um problema exemplar, 
torna possível uma compreensão unitária dessas perspectivas, caracterizando-
as como expressões de um mesmo paradigma: da psicanálise tradicional. Diz 
Loparic: “Considerando a importância do exemplar do Édipo na psicanálise de 
Freud, convém chamar o seu paradigma de edípico ou triangular. Se levarmos 
em conta a natureza sexual da situação edípica, a matriz disciplinar de Freud 
pode ser designada como sexual” (Loparic 2006, p. 24). 
Essa perspectiva para a análise da psicanálise, seja focada em Freud seja 
noutros autores pós-freudianos, tem sido desenvolvida também por outros 
autores que têm trabalhado com base nas propostas de Loparic, especialmente 
os que compõem o Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas 
(GFPP) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-
SP, fundado em 1995. Outro resultado dessa maneira de estudar a psicanálise 
e sua história é a consideração de que, com Winnicott, estamos ante uma 
mudança profunda em cada uma das características que definem um paradigma, 
o que o leva a afirmar, apoiado em Kuhn, que uma revoluçãoestá em andamento. 
Nessa direção, diversas pesquisas têm reiterado a diferença entre as 
propostas da psicanálise tradicional e as de Winnicott, as quais retomarei 
sucintamente, tendo em vista que é um resultado expressivo do uso desse tipo 
de instrumental teórico, tanto para a compreensão da história da psicanálise, 
quanto para o estabelecimento de parâmetros que possam ajudar na 
comunicação entre as diversas perspectivas teóricas em jogo. No que se refere 
ao exemplar, para Winnicott, não se trata mais de considerar o Édipo, mas de 
outro tipo de perspectiva para a compreensão das relações inter-humanas do 
ponto de vista da psicanálise: 
Em oposição a Freud, Winnicott não definiu os relacionamentos externos 
como sexuais, nem como sociais ou mesmo psicológicos, mas em termos 
“pessoais”, tomando como modelo as formas especiais de mutualidade e 
íntímidade entre as mães e seus bebês. Dessa maneira, ele operou o Gestalt 
switchpara o seu novo paradigma dual que eu chamo de “paradigma do bebê-
no-colo-da-mãe”. (Loparic 2001, p. 42) 
O complexo de Édipo passa a ser, então, apenas um momento tardio do 
processo de amadurecimento, quando a criança amadureceu o suficiente para 
ser uma pessoa inteira que se relaciona com os outros como pessoa inteira. 
 
54 
Dadas as mudanças estruturais reconhecíveis no paradigma 
winnicottiano, fica perceptível também a questão do desenvolvimento da 
psicanálise como uma ciência, que pode, inclusive, passar por crises e 
revoluções sem que isso signifique a sua destruição, mas sim um 
amadurecimento, e sem que para isso ela precise transformar-se em filosofia, 
arte, literatura ou até mesmo um mero jogo retórico. 
Tal como ocorreu na passagem da física newtoniana para a einsteiniana, 
trata-se de uma expansão e redescrição da possibilidade de a psicanálise 
resolver problemas empíricos. A proposta de Winnicott de fazer da psicanálise 
uma ciência objetiva da natureza humana requer abandono de algumas partes 
da velha teoria, redescrição de outras e novas formulações. A respeito disso, 
escreve Loparic: 
Que modificações seriam necessárias para assegurar o progresso da 
psicanálise nos campos assinalados? Em primeiro lugar, era preciso abandonar 
o paradigma edípico, baseado, conforme vimos, no papel estruturante do 
complexo de Édipo e na teoria da sexualidade concebida como a teoria-guia da 
psicanálise. O novo exemplar proposto por Winnicott é o bebê no colo da mãe, 
que precisa crescer, isto é, constituir uma base para continuar existindo e 
integrar-se numa unidade. A generalização-guiamais importante é a teoria do 
amadurecimento pessoal, da qual a teoria da sexualidade é apenas uma parte. 
Se supusermos que a mudança winnicottiana do paradigma freudiano 
aconteceu, como diria Kuhn, de forma análoga a um Gestalt switch, ela não 
podia limitar-se a pontos isolados, devendo abranger todo o campo teórico da 
psicanálise. É fácil mostrar que, de fato, Winnicott também introduziu um 
novo modelo ontológico do objeto de estudo da psicanálise, centrado no 
conceito de tendência para a integração, para o relacionamento com pessoas e 
coisas e para a parceria psicossomática. A sua metodologia preserva a tarefa de 
verbalização do material transferencial, admitindo, contudo, apenas 
interpretações baseadas na teoria do amadurecimento, sem recurso à 
metapsicologia freudiana, e incluindo também o manejo da regressão à 
dependência e do acting-out dos anti-sociais. O valor principal é a eliminação de 
defesas endurecidas, paralisadoras do amadurecimento, e a facilitação para que 
agora aconteça o que precisava ter acontecido, mas não aconteceu; bem como 
que se junte o que permaneceu ou se tornou dissociado, ou mesmo cindido. O 
 
55 
sofrimento decorrente de conflitos, internos ou externos, deixa de ser o 
fundamental, fica em segundo plano, considerado parte da vida sadia. (Loparic 
2006, pp. 314-5) 
Ao reconhecer que entre paradigmas díspares (como o de Freud e o de 
Winnicott) há elementos que se mantêm e outros que são redescritos, e que os 
léxicos de um e outro não podem ser totalmente traduzíveis ou seja, 
reconhecendo a tese da incomensurabilidade entre paradigmas, a análise 
comparativa entre esses paradigmas (para comunicação e diálogo) não pode ser 
feita buscando-se sinônimos, mas sim, indiretamente seja em termos das que 
definem esses paradigmas, seja pelos problemas empíricos específicos que são 
colocáveis em características ambos os casos (tais como a explicação do 
surgimento do Eu no processo de desenvolvimento, a gênese da psicose, o 
tratamento da atitude antissocial, etc.). 
Uma figura já bem conhecida, comentada por Loparic, pode ajudar a 
compreensão da passagem de um paradigma a outro: 
Ao ver, ora pato ora coelho, mas não os dois ao mesmo tempo, 
percebemos que há elementos que são os mesmos nas duas figuras ou 
paradigmas, tomando aqui cada figura como um paradigma; mas, caso 
fôssemos completar o desenho, seguiríamos caminhos totalmente diferentes se 
temos a Gestalt de um coelho ou a de um pato em mente. Ao pensar na obra de 
Freud e Winnicott, também estaríamos no mesmo caso em que haveria 
elementos comuns, presentes nos dois paradigmas, tais como a sexualidade, o 
complexo de Édipo, o inconsciente, etc.; mas estes recebem sentidos e 
características diferentes em cada paradigma; mais ainda, há elementos que 
surgem e outros que desaparecem ao completarmos essas gestalten com base 
em elementos comuns. 
Mesmo que, doponto de vista de Loparic, o paradigma da psicanálise 
tradicional possa incluir Klein, Bion e Lacan, convém notar que estes têm léxicos 
diferentes. Ainda que possam haver dúvidas se cada um desses autores propõe 
ou não um novo paradigma, caberia o mesmo tipo de estudo para uma análise 
comparativa, tal como indicada nos parágrafos anteriores. 
 
56 
Fonte: pt.slideshare.net 
Apresentados esses diversos tipos de uso do conceito de paradigma para 
o estudo da história e da estrutura da psicanálise, também poderíamos 
questionar se os elementos que caracterizam um paradigma são suficientes e 
esgotam a tarefa de compreender os aspectos gerais epistemológicos da 
psicanálise e de sua história. Poderíamos perguntar, também, em que sentido 
essas categorias conceituais são insuficientes, por exemplo, ao questionar se a 
expressão conceitual modelo ontológico ou partes metafísicas do 
paradigma são adequadas para caracterizar os fundamentos que estão na base 
de todas as propostas de desenvolvimento da psicanálise pós-Freud. No 
entanto, não é esse o objetivo deste artigo, cuja finalidade foi analisar os tipos 
de uso do conceito de paradigma atualmente propostos, bem como apontar em 
que sentido isso pode contribuir para que a comunicação e o diálogo possam 
ocorrer entre as diversas perspectivas teóricas da psicanálise, buscando o seu 
desenvolvimento. 
Cabe, ao final para bem colocar a crise atual da psicanálise, no que se 
refere ao seu desenvolvimento, explicitar que a distinção entre paradigmas no 
interior da psicanálise não significa que cada grupo de psicanalistas adeptos a 
um léxico possa fechar-se sobre si mesmo, excluindo-se da discussão mais 
ampla que tem em seu horizonte a própria identidade da psicanálise. A não ser 
que, num processo de especiação, uma determinada comunidade prefira 
 
57 
abandonar o nicho da psicanálise como ciência para habitar outro lugar. Essa 
atitude, porém, não resolve o problema, pois noutros nichos este será 
recolocado: se a psicanálise, para um determinado grupo, pretende-se como 
filosofia ou como literatura, ela terá, então, que discutir ou responder aos critérios 
de existência daquele habitat. Ao que tudo indica, os filósofos não parecem 
propensos a afrouxar suas convicções identitárias (estabelecidas a custo de tão 
longas disputas, com imenso dispêndio de trabalho intelectual) para aceitar a 
psicanálise como uma corrente filosófica. E os literatos também, talvez de uma 
maneira menos ostensiva (dado que isso não parece ser necessário), não julgam 
a psicanálise como mais um estilo literário ou, se a julgam, não a têm em boa 
conta como literatura. 
Sempre há, no entanto, a possibilidade de propor a psicanálise como um 
novo tipo de conhecimento, uma nova forma de saber que não é uma ciência, 
nem uma filosofia, nem religião, nem arte, nem ideologia, mas um não sei que 
inominável ou vagamente nominável, como uma prática de entretenimento, um 
passatempo, um lazer, um jogo, uma forma de bate-papo interessante, mas cujo 
objetivo não é o de nenhuma das formas clássicas do conhecimento 
anteriormente descritas. Tudo isso é possível, mas não se deveria vender gato 
por lebre, cabendo a seus praticantes explicitar o que dizem e o que vendem. 
Traçado esse quadro geral, e retomando uma análise da consistência das 
posições de Kuhn no que se refere à compreensão da constituição e da história 
das ciências, também é possível objetar que não é ainda possível avaliar se há 
ou não revoluções em andamento na psicanálise, e que, até mesmo nas outras 
ciências mais maduras, isso não é assim tão evidente; e que só um futuro 
distante poderia decidir se Kuhn tem razão quanto às revoluções, etc. 
No entanto, mesmo que Kuhn esteja enganado quanto à consideração de 
que a história e o desenvolvimento da ciência e das disciplinas do saber em geral 
ocorram em termos da constituição de paradigmas e seus consequentes 
enfrentamentos, com crises e revoluções, isso não tornaria sem interesse o uso 
do seu conceito de paradigma para a compreensão de uma determinada matriz 
teórica, pois possibilita formular perguntas importantes para entender uma 
determinada prática. Ao fazermos as perguntas sobre as características que 
definem um paradigma ou uma determinada matriz disciplinar a saber, repito: 
se há um problema exemplar que serve de referência, se há e qual é a 
 
58 
generalização aplicável a todos os casos, qual é o modelo ontológico que lhe 
serve de fundamento, quais seus modelos heurísticos, e quais seus valores 
epistemológicos e metodológicos, estamos certamente bem encaminhados na 
compreensão do que é, como funciona e o que procura uma determinada 
disciplina específica do saber, no caso a psicanálise nas suas diversas 
propostas. 
O uso da noção de paradigma no seu sentido mais pleno e rigoroso, tal 
como Kuhn a formulou, parece tornar possível colocar os problemas de 
comunicação e de desenvolvimento da psicanálise de uma maneira que possam 
contribuir para que a crise de comunicação atual e o enfrentamento entre as 
diversas propostas de teorização na psicanálise encontrem um termo de diálogo, 
buscando o desenvolvimento dessa disciplina.7 
 
 
7 Extraído do link: pepsic.bvsalud.org 
 
59 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
AHUMADA, J. L. (1994). O que é um fato clínico? A psicanálise clínica como 
método indutivo. Livro Anual de Psicanálise, 10,3-47. 
FREUD, S. (1975). Construções em análise. In S. Freud, Edição standard 
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 289-
308). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1937). 
FULGENCIO, Leopoldo 2006: “O lugar da psicologia empírica no sistema de 
Kant”. Kant E-prints, v. 4. n. 1, pp. 89-119. (http://www.cle.unicamp.br/kant-e-
prints/kant-06/) 
GREENBERG, Jay R. e Mitchell, Stephen A. 1983: Relações objetais na teoria 
psicanalítica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. 
MINHOT, Leticia 2003: La mirada psicoanalítica. Um análisis kuhniano del 
psicoanálisis de Freud. Córdoba, Editorial Brujas. 
ROUDINESCO, E. (2014). Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. 
Rio de Janeiro: Zahar. 
_____2002a: Interfaces da psicanálise. Companhia das Letras. São Paulo, 
Capital. 
_____2002b: “Sobre a epistemologia da psicanálise”, in Mezan 2002a. 
_____2006: “Paradigmas em psicanálise”. Livro de conferências do I 
congresso internacional de filosofia da psicanálise, Natureza humana, v. 8, 
especial 1, pp. 49-62.

Mais conteúdos dessa disciplina