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Problemas de Percolação pelas fundações Prof. Francisco Chagas Barragens 1 Gradiente Médio e de Saída Nos terrenos naturais que compõe as fundações e ombreiras, os efeitos da percolação dependem de detalhes geológicos cuja posição, configuração e características hidráulicas são difíceis de definir com precisão. O apoio de geólogos com experiência em barragens é, nesse contexto, fundamental. È mais difícil garantir o controle da percolação pelas fundações do que nos aterros. Barragens Um dos desastres mais antigos em barragens de grande porte é o da barragem de Puentes (ICOLD, 1974) em Lorca, Espanha, construída entre 1785 e 1791 e que rompeu catastroficamente em 1802. Esta barragem de peso em alvenaria, com 50 metros de altura e 282 metros de comprimento longitudinal, uma obra muito grande para a época, apoiava-se em rocha de boa qualidade em ambas as ombreiras. Na porção central do vale, ao longo de cerca de 17 metros, ocorriam aluviões profundos, como mostrado na figura a seguir. Neste trecho a barragem se apoiava em estacas o que sugere que as pessoas que conceberam a obra se preocuparam com o apoio da barragem sobre o aluvião. O estaqueamento foi estendido para além do pé de jusante, como mostrado na figura, podendo-se supor que assim fazendo procurou-se estabilizar o terreno e, possivelmente, combater o entubamento. Pelos padrões atuais, este partido de projeto seria considerado totalmente inadequado. Nos primeiros 11 anos de operação o lago não atingiu mais do que a metade do nível máximo de operação. Em 30 de abril de 1802, com o nível d'água na altura de 47 metros, às 2:30 da tarde observou-se uma grande quantidade de água avermelhada aflorando no pé de jusante na região do estaqueamento. Por volta das 3 horas foram ouvidos ruídos como de explosões e a água jorrou por baixo da barragem carregando solo e estacas. Em cerca de uma hora o volume total do reservatório escoou causando uma enchente catastrófica a jusante. Restou na barragem uma grande abertura com cerca de 17 metros de largura e 33 metros de altura. Acidente na barragem de Puentes, na Espanha Barragens Acidente na barragem de Puentes, na Espanha Barragens Critérios de Lane (1934) para percolação em fundações aluvionares P1 P2 P3 P4 L H Material de Fundação Valor mínimo de CW Areia muito fina ou silte 8,5 Areia fina 7 Areia média 6 Areia grossa 5 Cascalho fino 4 Cascalho grosso com seixos 3 Pedregulhos com alguns seixos e cascalho 2,5 Barragens Crítica aos critério de Lane (a) Com freqüência o material de fundação contém estratificações ou zonas de solos com diferentes granulometria de forma que sua inserção nas categorias granulométricas de Lane apresenta-se duvidosa. Em casos assim, se o projetista insistir na utilização dos critérios de Lane, só resta utilizar a interpretação conservadora mencionada por Terzaghi & Peck (1967) e considerar a fundação como constituída pelo pior dos materiais; (b) O fator principal que baliza o risco de carreamento e entubamento é o gradiente de saída e não o gradiente médio (do qual Cw é uma expressão indireta). Casagrande (1934) mostrou, em discussão ao artigo de Lane, que o gradiente de saída varia dependendo de fatores que não modificam o Cw de Lane. (c) Em muitos casos ocorre uma camada superficial de permeabilidade mais baixa. O gradiente de saída se concentra nesta camada e podeatingir valores elevados mesmo para contrastes relativamente pequenos de permeabilidade entre a camada superficial e a camada mais profunda do terreno. Barragens Crítica aos critério de Lane Caso Posição da cortina Permeabilidade is Gradiente de Saída 1 A kh = kv 0,44 2 B kh = kv 0,22 3 B kh = 9kv 0,30 60m A B 25m 25m 20m 50m Barragens Gradiente de saída em fundação com camada superficial de menor permeabilidade Barragens Gradiente Crítico O estabelecimento de qual seria o gradiente tolerável a jusante no caso de existir uma camada menos permeável pode, em princípio, ser tratado teoricamente, como explicado acima. Em teoria, o gradiente crítico é da ordem de 0,8 a 1,2. Na prática porém, devido à complexidade inerente aos materiais de fundação, os valores de gradiente de saída que redundam em funcionamento inadequado da obra são diferentes dos teóricos e muito variáveis. Existe um interessante estudo prático sobre o assunto feito com base em medições piezométricas nas fundações de diques no rio Mississipi (Turnbull & Mansur,1959). Os resultados desse estudo estão resumidos na figura a seguir. Se observa que os problemas de percolação excessiva se manifestam a partir de gradientes de saída da ordem de 0,4 e que para gradientes a partir de 0,5 podem ocorrer "sand boils" Barragens Percolação nas fundações de diques do Rio Mississipi (Turnbull & Mansur, 1959) Barragens Influência da Posição e da penetração da trincheira na vazão (Polubarinova-Kochina, 1962) Barragens Tratamento de Fundações Dispositivos de Interceptação Total Trincheira de Solo Compactado (“Cut-off”) Trincheira de Lama (“Slurry Trench”) Diafragma de Concreto Diafragma Plástico Cortina de Estacas Prancha Cortina de Injeções Barragens Dispositivos de Interceptação Total: Trincheira a de material compactado A interceptação total é a maneira mais efetiva de controlar a percolação pela fundação Reduz a vazão de percolação e os gradientes de saída tornam-se irrisórios A interceptação parcial é pouco eficiente no que tange a vazão w h D w = h - D Vazão pela fundação Barragens Trincheira de Solo Compactado: Posições de projeto do cutoff Posição mais favorável Insegurança no talude de jusante Aumento de gradiente na zona de vedação Barragens Dispositivos de Interceptação Total: Trincheira a de lama (“Slurry Trench”) Elemento não rígido estanque Usada em locais onde o lençol freático está próximo Eficiente para solos compressíveis NA Fosso Backfill Barragens Dispositivos de Interceptação Total: Diafragma de Concreto Construído em estacas ou painéis Usa-se lama bentonítica para estabilização das paredes Apresenta boa estanqueidade quando bem executado 1 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 estacas painéis 1 1 1 Painéis e estacas Barragens Dispositivos de Interceptação Total: Cortina de Estacas Prancha Onde ocorre a abundância de pedras pode ser inviabilizada Muito utilizada no passado Aberturas entre as estacas podem ser fechadas com o tempo Fundação permeável Barragens Dispositivos de Interceptação Total: Cortina de Injeções Ki da zona injetada Kf Ki/Kf =0,2 Ki/Kf =0,1 Ki/Kf =0,05 Eficiência de uma cortina de injeções verificada pela posição da superfície livre (Cedergreen, 1972) Barragens Cortina de Injeção em Solo: Caso da UHE Porto Primavera No Brasil, na UHE Porto Primavera, foi realizado um teste visando criar interceptação de fluxo com colunas jetgrout justapostas. Esta única experiência não teve bons resultados (fato que não deve servir para condenar uma técnica promissora). Barragens Cortina de Injeção em Solo: Caso da Barragem de Balbina Na barragem de Balbina, foram utilizadas injeções de nata de cimento para tratamento de fundação em solo com canalículos (tubos com diâmetro centimétrico a decimétrico feitos por cupim no solo). No caso de Balbina causou-se o fissuramento deliberado pela pressão de injeção (denominado "clacagem") de forma a facilitar a interconexão e enchimento dos canalículos. Barragens Tratamento de Fundações Dispositivos de Interceptação Parcial Trincheira de Solo Compactado Tapete Impermeabilizante a Montante Barragens Dispositivos de Interceptação Parcial: Trincheira a de material compactado Para grande espessura de manto aluvionar Eficiente quando a permeabilidade é decrescente com a profundidade Fundação permeável Barragens Dispositivos de Interceptação Parcial: Tapete Impermeabilizante a montante É usado quando não se tem a possibilidade de interceptar a fundação Nestes casos pode se tornaruma solução viável economicamente O tapete aumenta o comprimento de percolação pela fundação reduzindo os gradientes de saída e a vazão B L Barragens Tapete Impermeabilizante a montante Barragens Falha no Tapete Impermeabilizante a montante l/L (%) ha /H Q/Q100 0 0,38 0,40 10 0,52 0,75 50 0,58 0,85 80 0,60 0,95 100 0,62 1 Barragens Gradiente de saída para o caso em que não existe uma camada superficial de menor permeabilidade Situações como esta só costumam acontecer no trecho do leito principal dos rios. Um fato relevante que se observa na figura a seguir é que os gradientes imediatamente a jusante do pé da barragem são muito elevados. No pé, em particular, o gradiente é teoricamente infinito. É por este motivo que não se termina bruscamente um aterro argiloso sobre a fundação: sempre se coloca pelo menos um dreno de pé de forma que o trecho inicial de gradientes elevados fique protegido por um sistema filtrante. A parte inferior da figura a seguir mostra a relação entre o comprimento (m) de um tapete drenante e a carga hidráulica total (H) para que o gradiente de saída seja menor do que um certo valor arbitrário (no caso escolheu-se 0,3). Como se vê, para as relações comprimento/carga (L/H), que em barragens homogêneas de terra se situam tipicamente entre 5 e 7, o comprimento do tapete deve ser da ordem de 15 a 25% da carga Barragens Gradiente de saída em fundação homogênea e tapete drenante de jusante Comprimento do tapete drenante de jusante Barragens Vazão pela fundação: Barragens Fundação em Rocha- Ensaio de Perda d água Barragens Fundação em Rocha: Não existe um critério consagrado para definir se uma fundação rochosa deve ou não ser injetada (nem seria de se esperar que existisse, pois depende de um número grande de circunstâncias específicas do local como altura e tipo da barragem, tipo de rocha e arranjo de seu fraturamento, importância das perdas d'água, etc.). Apesar disto, diversos critérios, baseados em resultados de ensaios de perda d'água, tem sido propugnados por diferentes autoridades geotécnicas. Redlich e Terzaghi, por exemplo, sugerem que se deve injetar se a perda d'água absoluta for maior do que 0,5 l/min/m/atm. Hvorslev e algumas publicações do LNEC falam em 0,2 l/min/m/atm. Havendo recursos e tempo, é desejável que se examine esta questão em maior profundidade na fase de projeto através de ensaios de campo adequados e análises de percolação Barragens Fundação em Rocha: Denominação Perda de água (l/min/m/atm) Absorção de cimento (kg/m) Baixa a nula Menor que 1 Menor que 10 Média 1 a 8 10 a 50 Alta 8 a 20 50 a 100 Muito alta Maior que 20 Maior que 100 Indicações da ASCE Barragens Tratamento de fundações Elementos Drenantes Dreno de Pé Valas drenantes Tapetes drenantes Poços de alívio Barragens Elementos Drenantes Dreno de pé, valas e tapetes drenantes Os elementos drenantes têm o objetivo de prevenir o “piping” através da fundação. Como drenos deverão permitir a passagem da água com reduzidas perdas de carga (Cedergreen, 1972) Tapete drenante Vala drenante Dreno de pé Barragens Casos de Acidentes: Percolação pela ombreira (Camaçari, Bahia) Esta pequena barragem, com cerca de 13 metros de altura e 100 metros de comprimento pela crista, foi construída em Camaçari, Bahia, em 1974 como parte do sistema de combate a incêndios de um complexo industrial. Desde de 1975 a obra apresentou surgências a jusante. Na ombreira direita, a jusante, ocorreu um deslizamento associado à percolação (não mostrado na figura a seguir) que foi reparado, construindo-se uma berma drenante com dreno de brita envolto em bidim. Na ombreira esquerda, que na época não apresentava problemas de desmoronamento, foi implantada uma trincheira drenante que se inicia a cerca de 10 metros a jusante do pé de barragem (indicada por "drenagem existente" na figura). Em 1985 foi constatada uma nova surgência na ombreira esquerda, com vazão de cerca de 10 litros/minuto, entre a drenagem existente e o pé da barragem. Em 1986 esta surgência já tinha causado pequenos desmoronamentos em suas adjacências, como mostrado na figura. O terreno na região compõe-se de estratos sedimentares da formação São Sebastião, nos quais camadas siltosas e arenosas centimétricas e decimétricas se alternam dentro de pacotes métricos nos quais predomina o silte ou a areia. Duas sondagens são mostradas na parte inferior da figura: A sondagem A executada antes da construção e a sondagem B executada com a barragem pronta. Elas indicam que na região da última surgência observada ocorre uma areia siltosa com SPT variando entre 3 e 10. A surgência foi tratada cobrindo todo o trecho abaixo da cota 48 (que vai do pé da barragem até a drenagem existente) com um tapete filtrante. Barragens Casos de Acidentes: Percolação pela ombreira (Camaçari, Bahia) Adotou-se assim, a postura de projeto mais indicada em casos onde se registram surgências a jusante de barragens em operação: deixar que a água siga passando pelas rotas que já escolheu ao mesmo tempo que se garante que a erosão interna não progredirá. Tais surgências não são problemas graves porém devem ser tratadas imediatamente posto poderem se agravar Barragens Casos de Acidentes: Percolação pela ombreira (Camaçari, Bahia) Barragens Um caso de percolação por fundação aluvionar: Barragem do Carão, CE Barragens O Desastre de TETON Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Barragens Caso da Barragem de Laguna (Marsal & Pohlenz, 1975) A barragem de Laguna pertence ao complexo hidrelétrico de Necaxa no México. Desde a sua entrada em operação, em 1908, se observaram surgências em vários pontos a jusante. Não há registro quantitativo das vazões até 1927, quando o fluxo a jusante aumentou e elas passaram a ser observadas. A barragem rompeu por entubamento em 31 de outubro de 1969, ou seja 61 anos depois da entrada em operação e com 44 anos de observações de vazão a jusante. Na figura a seguir está apresentada uma planta, mostrando o trecho da ombreira esquerda onde ocorreu o brechamento e a posição dos medidores de vazão a jusante (aforador 1 e 2, dos lados direito e esquerdo, respectivamente). A figura apresenta ainda uma seção geológica longitudinal, que indica que o trecho rompido se apoiava em basalto alterado, uma seção transversal da barragem e as observações de vazão, chuvas e nível do reservatório entre 1927 e 1969. As vazões totais medidas a jusante se mantiveram semelhantes às registradas em anos anteriores até agosto de 1969. Em setembro a vazão total cresceu para 37 l/seg. Este valor não causou alarme pois em 1942 fora registrada uma vazão de 78 l/seg sem problemas. Porém, se analisar separadamente os medidores (ver figura), se observa que o medidor 2, que mede as vazões do lado esquerdo (que veio a romper), teve um aumento considerável no mês de outubro, muito acima de seus maiores valores históricos. O hábito de analisar as vazões somadas dos dois medidores, estabelecido na obra ao longo dos anos, (aliado ao fato da chuva influenciar os valores medidos de vazão), impediram que este crescimento anormal de vazão fosse percebido. Na manhã de 31 de outubro observou-se uma vazão de 75 l/seg (4500 l/min). Às 18 horas observou-se um tubo na fundação cuja vazão e dimensão cresceram rapidamente, erodindo o talude de jusante da barragem. Às 22 horas e 45 minutos o muro de alvenaria e concreto, situado no centro do aterro, ficou descoberto e poucos minutos depois o dique foi brechado. Barragens 52 Barragens Barragem de João Penido O caso da barragem de João Penido em Juiz de Fora, MG, que não sofreu acidente grave ou desastre, merece menção devido a longa série de tentativas que se fez para controlar as surgências a jusante. Os elementos geométricos estão mostrados na figura a seguir. A barragem foi construída em 1934 e, jána década de 40 registrava vazões consideráveis a jusante. Com a ruptura da barragem da Pampulha (1954), do mesmo projetista, as preocupações com relação a João Penido aumentaram. Em 1956 foi implantada, a montante, uma cortina de estacas-prancha metálicas, executaram-se injeções de argila na união da cortina com as ombreiras e construiu-se um dreno de pé a jusante. Em 1959 foram executados 170 furos de injeção de calda de cimento e 200 furos de injeção de misturas de cimento e argila no corpo do maciço, nas galerias e nas ombreiras. No início da década de 70 foram executados 43 furos de injeção de cimento na ombreira esquerda. Em 1976 o filtro de pé a jusante (instalado em 1956) foi substituído. Durante esta substituição notou-se a ocorrência generalizada de concrecionamento das areias do filtro com óxidos transportados pelas águas percolantes. Finalmente, em 1981 foi implantada uma parede diafragma de concreto atravessando todo o corpo da barragem (5 metros a montante do eixo) e penetrando parcialmente nas fundações e ombreiras. Sob a cortina executaram-se furos de injeções de calda de cimento. No pé de jusante da barragem instalaram-se poços de alívio. Barragens Planta Barragens H P L C i W å + = 3 1 ÷ ø ö ç è æ ÷ ø ö ç è æ - + + = D w K K D B h K Q 1 88 , 0 1 0 0 0 1 2 1 2 2 - ÷ ø ö ç è æ + = L m L H i s p 86 , 0 1 0 + = = T L f kH f Q u u
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