Buscar

Descobrindo o Amor - J P Forte

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 276 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 276 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 276 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

“Descobrindo o Amor”
Todos os direitos reservados a autora © J.P.Forte, 2021
Jady Forte
1ª Edição
Nenhuma parte deste livro poderá ser utilizada ou reproduzida sem a permissão
da autora J.P.Forte, exceto pequenos trechos em artigos, resenhas e banners,
exclusivamente para divulgação do livro.
Revisão:
Kreativ Editorial
Capa:
Jady Forte - Desteatrando (J.P.Forte)
Diagramação:
J.P.Forte ( imagens ) | Kreativ Editorial (Texto )
Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera
coincidência.
Se você estiver lendo essa obra através de outro meio que não seja o Amazon
Kindle, por favor, denuncie. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº.9.610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal.
Criado no Brasil
 
Playlist
Dedicatória
1ª Antologia Coletivo Books
Ordem dos livros
Hospital New Health
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Outros livros
Agradecimento
Sobre a autora
 
 
Prologo | AURORA - Runaway
1 | The Lumineers - Ophelia
2 | Alessia Cara - Scars To Your Beautiful
3 | AURORA - Running With The Wolves
4 | AURORA - Animaln
5 | Hozier - Take Me To Church
6 | Mountains of the Moon - Bayou
7 | Sia - Courage To Change
8 | Passenger | Let Her Go
9 | Lukas Graham - 7 Years
10 | The All-American Rejects - Move Along
11 | James Arthur - Say You Won't Let Go
12 | Fallen - Gert Taberner
13 | SYML - Clean Eyes 
14 e 15 | Jaymes Young - I'll Be Good
16 | KALEO -Save yourself
17 | Halsey - Sorry
18 | Hayden Calnin - Warm With You
19 | KALEO - I Walk On Water
20 | Imagine Dragons - Whatever It Takes
21 | Lana Del Rey - This Is What Makes Us Girls
22 | Billie Eilish - watch
23 | AURORA - Queendom
24 | The Weeknd - Earned It
Epílogo | Lukas Graham - Love Someone
 
 
 
 
 
 
 
Dedico a minha família, amigos, leitores e a todas as pessoas que
desejam amar ou que já amam com o coração, sem ver cor, gênero,
etc.
 
 
Por um mundo cheio de amor, seja como for, seja com quem for.
— J.P.Forte
 
Bem-vindes a 1ª Antologia Coletivo Books!
Um projeto criado com o intuito de levar mais amor, respeito
e igualdade através dessas obras com histórias de amor que
aconteceram no Hospital New Health.
Essa antologia é uma forma divertida de interação, onde o
leitor poderá encontrar o personagem de um autor no livro de outro
autor. Assim, como poderá também ler o mesmo "acontecimento"
pelo ponto de vista de diferentes personagens em vários livros. Mas,
suas histórias são totalmente independentes uma da outra, apesar
de seguir uma determinada linha do tempo e acontecimentos.
Esse projeto traz contos de 4 Autores de Romance
LGBTQIAP+, parceiros do Coletivo Books!
São 5 contos LGBTQIAP+ no mesmo hospital e universo fictício
 
1- "Diagnóstico: Eu Gosto de você" de E.N.Andrade
2- "Coração de Titânio" de J.P.Forte
3- "Volte pra mim " de J.V.Leite
4 - "Descobrindo o amor" de J.P.Forte
5- "Uma segunda chance" de Rose Moraes
Descobrindo o amor conta com dois Spin offs “Eu quero você” e
"Preso em meu coração” , ambos de J.P.Forte
 
Doença! Este é primeiro pensamento que vem à mente
quando escutamos a palavra hospital. Ou Morte. Mas um hospital
não é só isso. É também luta, conquista e nascimento. Hospital
também é amor!
Meu nome é Larissa Holfman e eu sou médica e diretora do
Hospital New Health.
Eu comecei trabalhando no hospital matriz na Califórnia, e
quando uma filial abriu no Brasil, em São Paulo, fui convidada a
dirigi-lo.
Se eu fiquei feliz? Sim!
Se eu fiquei apavorada com esse novo cargo? Com certeza!
Se foi fácil? Óbvio que não. Mas, sem sombra de dúvida,
valeu e vale muito a pena.
Todo início de ano, especificamente em janeiro, temos o
evento para celebração da chegada de novos residentes. É um
momento de descontração, onde todos estão reunidos para se
conhecer e claro, me ouvir falar.
Nesse evento, faço uma breve apresentação do hospital e
dos médicos, principalmente os preceptores do programa
acadêmico. O Hospital New Health é conhecido por ser um dos
hospitais escola mais renomados mundialmente.
Estava empolgada e ansiosa, repassando em mente meu
discurso, quando vi Erik e Luy vindo em minha direção, lindos e
encantadores, como sempre. Eles são os enfermeiros mais queridos
desse hospital. Erik me cumprimentou com seu sorriso doce e Luy
me elogiou com sua alegria contagiante quando cruzei com eles no
corredor.
Perguntei aos dois rapazes se os encontraria no evento, e
ambos responderam com um “claro” muito animado. Ao Luy,
perguntei sobre a presença do Doutor Kitam na confraternização.
Luy é enfermeiro da ortopedia e Kitam cirurgião ortopédico. No
trabalho, estão quase sempre se cruzando pelos corredores, já na
vida pessoal, estão de fato juntos. São casados, mas isso é algo
que poucos sabem, pois no hospital são extremamente discretos e
profissionais.
Depois de sua resposta ao dizer que Kitam iria após uma
cirurgia, acenei e segui para o quinto andar, onde fica o grande
espaço do evento. Tudo estava perfeitamente lindo e organizado.
Aos poucos, o espaço foi se enchendo de gente e a música
ambiente disputava atenção com o vozerio que se instalava no local.
Convidados, médicos, enfermeiros, funcionários, residentes e os
convidados de honra: os novos residentes.
Sorri quando vi, em meio a todas aquelas pessoas, o doutor
Felipe, um dos médicos mais antigos do New Health. Ele sofreu um
acidente há alguns anos, onde perdeu parte da sua perna, mas a
pior perda foi a de seu noivo, Giovanni. O hospital também sofreu
essa perda, já que Giovanni Lessi era um grande médico pediatra.
Felipe nunca mais foi o mesmo, e é por isso que fiquei feliz em vê-lo
confraternizando no evento dos novos residentes.
Ele estava acompanhado do doutor Petrus, seu amigo de
longa data e também cirurgião ortopédico. Logo, a rodinha dos
médicos cirurgiões do Hospital New Health se formou. E essa
rodinha passou a ser a mais observada do evento.
De longe, notava-se os olhares e comentários dos
residentes. Dentre os quatro cirurgiões ali, Felipe e Petrus fazem
parte do programa acadêmico e naquela manhã receberiam os
novos residentes que já circulavam por ali, observando a tudo e a
todos.
Kitam logo se juntou a nós; ele é sempre o mais elegante entre os
médicos. Cada um aqui é único na verdade, com suas
personalidades marcantes, mas uma coisa todos têm em comum:
são grandes médicos, excelentes cirurgiões.
Depois de muito conversar com eles, me retirei e fui em
direção ao palco. Erik estava em uma das primeiras mesas altas,
próximas do palco, ao lado de Luy. Aninha também estava ali com
eles e outros três novos residentes internos.
Um deles era o Jonathan, que tinha conversado comigo algumas
horas antes, em minha sala e, se não me falha a memória, o outro
se chamava Juan, e o terceiro era o… Ah, desisto!
É impossível decorar o nome de todos os residentes internos em
apenas um dia!
Minha apresentação foi motivadora e alegre, e durou pouco
mais de meia hora. Podia ver à minha frente os olhos brilhantes e
animados dos novos residentes, cheios de esperança e energia,
prontos para o início de suas carreiras. E também os sorrisos de
toda a equipe daquele hospital, embora muitos desses sorrisos já
estavam bem cansados devido à rotina do dia.
Voltei à rodinha que não era mais só dos médicos; Doutor
Kitam e Felipe já haviam se retirado do salão. A conversa ali estava
divertida, eu ouvia e interagia com todos eles, sentindo meu coração
aquecido. Somos uma grande equipe, cada um com suas vidas,
suas histórias e seus amores, mas todos juntos aqui, melhorando e
salvando vidas.
Mas, havia um sentimento que eu sabia que todos ali tinham
em comum: O amor pela medicina! E dedicação e carinho por cada
paciente do Hospital New Health. É por isso que aceitei, anos atrás,
me tornar diretora desse lugar tão incrível, dessesmédicos cheios
de histórias, lutas e romances.
 
_____
por J.P.Forte
 
 
 
 
Nenhuma criança deveria passar pelo que passei.
Na verdade, nenhum ser humano.
Lembro quando minha mãe me chamava de borboletinha. Eu
amava. Amava quando ela me deixava usar seus vestidos,
escondido do seu horrível marido, claro. Amava como ela deixava
ser quem eu quisesse, longe dos olhos do homem cruel que morava
com a gente. Eu amava tanto a minha mãe. Mas a borboletinha
florida se escondeu assim que ela morreu de câncer quando eu
tinha nove anos, e foi aí meu inferno começou.
Eu fiquei com meu padrasto, Jorge, que me odiava
simplesmente por eu querer ser uma borboleta. Com ele por perto,
eu tinha que viver dentro do meu casulo. Não que eu não gostasse
de ser quem era, mas eu também amava os vestidos da mamãe .
Eu ficava tão lindo com eles! Me sentia feliz e radiante.
Três meses depois da morte da minha mãe, o traste do meu
padrasto levou uma mulher para morar em nossa casa . Ela estava
grávida e tinha um filho cinco anos mais velho que eu. Dele meu
padrasto gostava. Robertinho era um garoto de quinze anos que
tinha até alguns pelos no rosto, exalava testosterona desde muito
novo, assistia futebol com Jorge e de madrugada assistia vídeos
pornô onde sempre tinha uma mulher gemendo horrores junto com
ele . Era nojento. Ele dormia no mesmo quarto que eu e se
reclamasse disso, era xingado de bichinha, viadinho e ainda
apanhava. É claro que ninguém me defendia. Muito pelo contrário.
Era capaz de apanhar de Jorge e da Melissa, sua nova mulher.
Eu tinha uma caixa embaixo da minha cama onde guardava
as coisas da minha mãe, Juliana. Lá tinha um dos vestidos que eu
mais amava. Ele era da cor creme, cheio de pequenos lacinhos
vermelhos . Certo dia, assim que todos saíram de casa eu o vesti.
Peguei dentro da caixa o cd da Enya e coloquei a música favorita da
mamãe, “Caribbean Blue”, e fiquei dançando no quarto, fingindo ser
uma linda princesa Elfa.
Por alguma razão, alguma triste razão, aquela família
desprezível voltou para casa mais cedo, e eu só percebi quando a
porta do quarto foi aberta com brutalidade.
— QUE MERDA É ESSA?
O berro de Jorge fez meu corpo congelar. Seus dedos
grossos e nojentos se enfiaram no meu cabelo preto e ele me
arremessou contra a parede. Voltou a me agarrar e rasgou o vestido
da minha mãe com suas mãos, me deixando apenas de cueca. E
então, começou a me espancar.
Ele chutava minhas pernas e minha barriga, e dava diversos
tapas no meu rosto. Robertinho, o idiota do filho da Melissa, ria e
me chutava também. Os dois me xingavam enquanto eu chorava e
pedia para morrer e parar de sentir dor.
O garoto foi tirado do quarto primeiro, pela mãe dele.
— Jorge, você vai matar esse garoto, para pelo amor de
Deus!
— Esse moleque é uma vergonha. Merece morrer esse
viadinho de merda! — Cada palavra era acompanhada de chutes e
tapas.
— Jorge, para homem! Se matar esse moleque vai se livrar
como do corpo? Para de ser estupido!
As palavras, mesmo horríveis de Melissa, funcionaram.
Jorge deu um último chute nas minhas pernas e saiu do quarto.
— Vista uma roupa, moleque e arrume suas coisas. Vou me
livrar de você antes que desgrace ainda mais essa família.
Eu não sabia para onde Melissa pretendia me levar, mas
uma parte de mim agradecia. Mesmo se eu fosse para o inferno, era
melhor do que viver debaixo do mesmo teto que Jorge e Robertinho.
Melissa me fez colocar uma calça e um moletom de capuz,
mesmo em pleno verão. Na mochila que eu carregava, coloquei
apenas as coisas que ainda tinha da minha mãe, produtos de
higiene e três mudas de roupa. Ela andou por um quarteirão me
arrastando pela mão. Cada pedaço de mim doía, mas eu engoli o
choro e a segui.
Paramos em frente a casa de dona Marisa, que atendeu no
segundo toque da campainha. Quando seus grandes olhos me
encararam, comecei a chorar baixinho. Pude ver através de seu
olhar em choque e marejado que eu estava destruído.
Melissa me jogou para os braços de dona Marisa e ela me
segurou firme, me abraçou forte e, pela primeira vez depois da
morte de minha mãe, me senti protegido.
— Soube que arrumou trabalho em São Paulo. Leve-o com
você. Ele é filho da sua melhor amiga. Leve-o antes que Jorge
destrua sua vida por culpa desse moleque.
— Vocês merecem ter suas vidas destruídas por todo mal
que cometem.
— Ah, cala boca, Marisa! — Melissa deu as costas e saiu. E
mesmo se afastando, Marisa gritou, agarrada ao meu corpo.
— Eu vou denunciar vocês!
Marisa fechou a porta e me apertou mais em seus braços,
mas, devido a dor que estava sentindo, acabei reclamando.
— Desculpe, meu querido. Venha!
Marisa me levou para o quarto de seu filho. Antônio estava
de fones de ouvido, jogando videogame, e quando me viu, ficou em
choque.
— O que aconteceu, mamãe? — Antônio também era cinco
anos mais velho que eu.
— Filho, pegue uma roupa confortável sua e uma toalha
limpa e leve para o banheiro.
Marisa me deu banho e tentava sorrir, mesmo querendo
chorar ao ver meu estado. Eu estava quietinho e mordia o lábio para
segurar a dor que sentia quando suas mãos, mesmo delicadas,
limpavam meu corpo machucado.
Marisa me encheu de pomada e me deu remédios para dor.
— Mamãe você vai denunciar aquele monstro? — Marisa
olhou para mim e sorriu.
— Infelizmente, eu não posso. Aquele maldito delegado é
irmão desse traste. Nada adiantaria. Mas faremos melhor, meu filho.
— Marisa tocou meu rosto com a ponta dos dedos. — Semana que
vem vamos embora para São Paulo e vamos levá-lo. Vou cuidar do
filho da minha amiga, Juliana. Prometo pela alma dela que darei o
amor e carinho que você merece, Julio. Te darei uma família de
verdade, meu anjinho.
— É, e eu vou ser seu irmão mais velho, beleza?
Marisa sorriu para o filho e eu sorri para os dois.
Mas é claro que as coisas ainda poderiam piorar. Marisa não
podia simplesmente me levar para São Paulo com eles. Com dez
anos, entrei para o sistema de adoção. Fui morar em um orfanato e
lá também era um inferno. Durante um ano, Marisa lutou por mim.
Ela e Tony vinham de São Paulo me visitar todo final de semana e
feriados. Eles era o que me mantinha firme naquele lugar.
Para começar, a moça que cuidava da gente não tinha muita
paciência. Ela gritava muito e sempre me puxava com força pelo
braço para me levar de um canto ao outro. Tinha uma outra moça,
ela era boa e carinhosa, mas apenas substituía a moça malvada nas
segundas e quartas na parte da manhã, e durante a tarde.
Daquela turma de órfãos, eu era o mais novo. Haviam
crianças de todas as idades, mas éramos divididos em grupos e
cada um deles era cuidado por uma moça. A minha era a moça
malvada. Com garotos malvados. Eles não gostavam de mim só
porque eu era o mais afeminado. Me empurravam, me chamavam
de bichinha e sempre diziam que ninguém ia me querer porque eu
parecia uma menininha. Até a moça má, que eu não lembro o nome,
dizia que nenhuma família ia querer um filho que se parecesse com
uma menina, que eu tinha que mudar, senão Marisa ia desistir de
mim. Mas, todo final de semana, Marisa e Tony me mostravam que
não estavam desistindo e me lembravam que em breve seriam
minha família.
O "em breve", infelizmente, demorou um ano. Um ano
naquele lugar me sentindo abandonado e sendo sempre insultado,
empurrado ou puxado com força.
No entanto, eu tive dois amigos lá. Acho que eles e Teresa,
a moça carinhosa, eram as únicas coisas boas naquele orfanato .
Esses dois amigos eu encontrava em algumas tardes, onde
juntavam turmas. Eles eram Maria Olivia e Marcio.
Maria Olivia tinha sete anos, e era uma garotinha que amava
jogar bola com a gente e se vestir de menino. Márcio era um garoto
gordinho e preto, e era o mais velho entre nós, com doze anos. Nos
chamavam com nomes horríveis.
Eu e Márcio sempre tentamos defender Olivia, e sempre
apanhamos por isso. Mas eu não ligava. Não quando se tratava de
Olivia. Ela era tão pequenininha, menor que eu e muito medrosa.
Dona Marisa cumpriu o que prometeu. Ela me tirou daquele
orfanato e me levou com eles para São Paulo. Ela meamava e
cuidava de mim como um filho mais novo e Antônio cuidava de mim
e me protegia como irmão mais velho. Eles me adotaram.
Oficialmente. Me registraram e eu recebi o sobrenome Duarte. Me
tornei Julio Duarte Nunes. Me tornei da família.
Assim como minha mãe, eles me deixavam ser uma
borboleta. Amavam a flor que existia dentro de mim, e as vezes em
que eu me colocava dentro do meu casulo, não era por causa deles
e sim pelo medo do preconceito que existe no mundo. Mas tanto
mãe Marisa quanto Antônio prometeram para mim que sempre iriam
me proteger de tudo.
A vida me trouxe traumas, mas também me tornou a pessoa
que sou. Forte. Quando fiz treze anos, Tony me colocou em um
grupo de apoio a crianças e adolescentes lgbtqiap+. Foi lá que
reencontrei Olivia. Ou melhor... Otávio!
Otávio foi adotado sete meses depois de mim e também se
mudou para São Paulo. Eles logo viram que a pequena Maria Olivia
era diferente, e aos onze anos, se assumiu garoto trans, dizendo
para seus pais que não gostava do corpo que tinha e queria ser um
menino. Tão pequenininha e cheia de conflitos internos... Por essa
razão, seus pais a colocaram nesse grupo.
Ele me reconheceu na hora. Já eu o reconheci pelo sorriso,
pois ele já se apresentava como garoto. Seus cabelos, que antes
eram longos e volumosos, agora estavam curtinhos e suas roupas
não eram mais vestidinhos.
Graças a esse grupo de apoio, cuidamos dos nossos
corações. O trauma ainda existe, mas o medo foi perdendo sua
força. Também fui me entendendo melhor, já que eu amava me
vestir e me sentir como menina, mas também gostava do meu corpo
e de ser menino. Eu não era como Otávio, e o grupo me ajudou a
entender o que eu era. Um garoto gay, afeminado, gênero fluido e
Crossdresser. 
Para alguns, rótulos não são importantes, mas para mim, é
sim. Isso ajudou a me entender e, principalmente, descobrir que não
estou sozinho. Que tem outros iguais a mim, tanto lá no nosso
grupo, como em todo o mundo.
Com o tempo, Otávio e eu passamos a sentir mais
segurança em sermos quem somos, na rua ou nas redes sociais.
Saímos sempre juntos, sendo nós mesmos. Otávio se tornou meu
melhor amigo, irmãos de orfanato, como dizíamos um ao outro.
Claro que o medo existia, afinal, tanto o grupo de apoio quanto
nossas mães nos lembravam que existem pessoas más. Por essa
razão, não gostávamos de sair sozinhos. Eu sempre estava
acompanhado, principalmente de Tony, que fazia questão de ficar
grudado a mim, tomando conta da gente e eu amava essa proteção,
me sentia seguro com ele.
Hoje, Otávio e eu fazemos parte dos administradores do
grupo, ajudando a coordenar os grupos das crianças LGBTs. Todo o
amor, carinho, incentivo, histórias, conselhos e experiências que
recebemos durante esses anos, passamos adiante para esses
pequenos, para que eles tenham coragem de ser quem são,
entendam que não há nada de errado e que são amados, e também
os ensinamos a ter cuidado, pois existem pessoas ruins.
O melhor presente que ganhei foi quando fiz dezoito anos.
Mãe Marisa e Tony me deram de presente uma peruca morena e
linda, da cor dos meus cabelos e um par de seios falsos de silicone.
Eles eram tão lindos e pareciam tão reais que eu sabia que a
qualidade era de primeira, e por isso, devem ter custado muito caro.
Eu podia ser Julio ou July, tanto faz, mas para Marisa e Tony,
eu era Ju, o anjinho, a borboleta, a flor, o xodó. Eu era amado e da
família.
 
 
— Petrus! Cara, pelo menos disfarça! — Felipe estalou seus
dedos na minha frente, chamando minha atenção.
— O que é, Felipe?
— Você está até babando encarando a July no balcão!
Ok! Talvez eu estivesse mesmo, mas juro, quando percebo,
já estou derretido no sorriso que ela dá para cada cliente.
— Não viaja, Felipe, estou só olhando a vitrine — menti. Eu
é que não ia dar munição para Felipe me amolar. Tudo o que ele
mais quer é encontrar desculpas para me encher e se vingar de
todas as vezes que o pentelhei com seu Jonny.
— Ah, sim, claro! Por que é realmente muito interessante os
salgados na vitrine!
Respirei fundo e voltei a morder meu sanduíche natural.
Estávamos em uma das mesas afastadas da lanchonete do hospital
que se encontrava no térreo próximo à entrada principal e a
emergência 1. Felipe balançou a cabeça e ainda sorriu.
— Você é um chato, Felipe.
— Aprendi com você!
— Babaca! — xinguei rindo e meu amigo seguiu minha
risada.
Felipe deu outro gole em seu café, antes de voltar a falar.
— Mas é sério, Petrus. O que te impede de convidá-la para
sair?
— Tempo — falei e Felipe riu.
— Cala boca, mentiroso! Por que para sexo você arruma
tempo, sim, que eu sei. 
Felipe ao menos baixou o tom.
— Felipe, eu transo com quem sei que topa uma noite só.
Não a conheço, não sei se ela toparia um sexo sem compromisso.
— Pela forma que você baba por ela há dias, estou achando
que é você que não sabe se quer só um sexo sem compromissos.
Revirei meus olhos e voltei a morder meu sanduiche,
demorando com ele em minha boca justamente para não respondê-
lo, pois a verdade é que ele pode ter um pouquinho de razão. Ma
cazzo, viu!
O celular de Felipe tocou e assim que leu, bufou.
— Ainda mato um interno hoje!
Dei risada. Felipe não tem a menor paciência com os
internos. Bom, exceto um, Jonatham. Mas esse interno nem é dele,
é meu. 
— Vamos?
Tomei o último gole do meu chá gelado e levantamos. Felipe
pagou sua conta no caixa e comprou suas barras de cereal.
— Entrega para o Jonny, por favor? — Meu amigo me
entregou três barras para entregar ao seu amor. Me pergunto se
eles não se enjoam desse negócio.
— Claro!
Parei na frente do caixa e July me olhava com um sorriso
lindo e tímido. Ela trabalha na lanchonete há quase um mês, e
desde que a vi pela primeira vez, me encantei por seus olhos e seu
sorriso, que são tão lindos e doces. Mas, nunca me aproximei mais
do que cumprimentos e conversas soltas enquanto pago o que
consumi.
De certa forma, eu não menti quando disse que não a
conhecia para saber se é uma mulher de uma transa só. Meus dias
são tão corridos que é difícil buscar um relacionamento, e por mais
que eu queira levar esse pequeno anjo para cama, tenho certeza
que por culpa desse sorriso, provavelmente não vou querer que ela
saia de lá.
— Oi, July! — a cumprimentei sorrindo como sempre faço.
— Boa tarde, doutor Petrus. — Ela sempre cora quando fala
comigo.
Tirei meu cartão do bolso, e entreguei para ela.
— Um chá gelado e um sanduiche natural, R$12,50, — Ela
me passa a maquininha e preciso me concentrar para não errar
minha senha.
— Até mais, July.
— Até mais, doutor Petrus.
Já a caminho do elevador, volto a falar, ignorando o sorriso
idiota de Felipe.
— Hoje é aniversário da Ana da recepção, e ela convidou
todos nós para comemorarmos no pub novo da esquina. Já foi lá?
— Não. Mas Jonny já foi, eu estava de plantão. Ele gostou
do lugar.
— Então, vamos?
— Vai convidar a July? — Felipe perguntou e eu o ignorei,
entrando no elevador e apertando os botões dos nossos andares.
— Eu já sei que Jonny vai.
— Jonny quer ir, mas essa semana foi tão exaustiva para ele
que tenho certeza que prefere aproveitar a noite descansando no
meu colo, então nem tente convencê-lo a ir, senão eu te mato,
Petrus.
— Descansando....sei! — respondi, antes que ele saísse do
elevador. 
Felipe sorri para mim e reforça suas palavras.
— Nem pense em convencê-lo, Petrus!
Estava feliz por Felipe e Jonathan. Às vezes me pegava
desejando ter um relacionamento com alguém, voltando para casa,
para o colo de alguma namorada. Mas o máximo que terei essa
noite é alguma diversão passageira.
 
 
— Estamos no inverno ainda. Pra que colocar essa bosta
desse ar-condicionado no gelo? — Tony reclamava do frio que
sentia, puxando o zíper do blusão do trabalho até o pescoço.
— Você que sente muito frio, Tony! — respondi sorrindo
— Você fala isso porque está bem aquecido com sua peruca
e esses peitinhos sexys aí.
Minha risada foi alta.
— Verdade. Nesse tempinho eles são bem aconchegantes
— puxei uma das minhas mechas castanho-escuro para frente,
enrolei no meu dedo evoltei a falar com graça — e sexys!
— Metida! Vou ligar pra mãe e pedir pra me trazer outro
blusão— continuou reclamando.
— Metida, nada, no calor eu sofro. Mal uso minhas bebês! —
Fiz bico ao lembrar que no verão tinha que escolher entre fritar com
minha peruca e silicone ou ficar confortável sem me sentir 100%
linda.
— Ser CD não é fácil, hein!? Mais fácil ser trans — Tony
falou, esfregando suas mãos em seus braços tentando se aquecer
com aquela fina camisa.
"Cross-dressers" ou abreviando "CD", é um termo que se
refere ao ato de alguém possuir uma expressão de gênero (roupas
ou acessórios) associados ao género oposto, por qualquer uma de
muitas razões, desde vivenciar uma faceta feminina (no caso dos
homens) ou masculina (no caso das mulheres), motivos
profissionais, para obter gratificação sexual ou outras.
No meu caso, é por autoestima, prazer pessoal mesmo e
sexual, apesar de ser virgem ainda, pois preliminares eu não conto.
Sou gay, gênero fluido e CD.
— Para de falar besteira, Tony. Você não tem ideia de como
é a transição de gênero, a redesignação de gênero.
Psicologicamente, fisicamente e financeiramente falando. Não é tão
simples assim e nem de um dia para o outro.
— Otávio é trans. Ele é muito feliz — Tony rebateu
— Otávio teve o apoio dos pais, acompanhamento médico,
psicológico, enfim. Ele teve um bom apoio, mas nem tudo foi fácil. E
eu sou feliz com meu corpo. Gosto do meu corpo, gosto de mim
como Julio, mas me acho mais sexy como July. — Pisquei para
Tony, jogando meus longos e castanhos cabelos para o lado,
fazendo-o rir alto e chamar a atenção dos clientes para nós. — E eu
posso ser os dois tranquilamente.
— Com essa voz gostosa e sua cara de bebê você pode
mesmo ser os dois… mas… não tão tranquilamente.
Bufei, ajeitando os cupcakes na vitrine. Me endireitei e
coloquei as mãos na cintura.
— O mundo ainda não é tão seguro para nós, sabia?
— Não é só disso que estou falando.
Tony apontou discretamente com a cabeça para o lado e eu
não precisei seguir com os olhos para saber do que se tratava.
Certamente fiquei vermelho. Eu sempre coro quando o
doutor Petrus está por perto, principalmente perto de mim. Desde o
primeiro dia aqui na lanchonete esse médico italiano e sexy não me
sai da cabeça.
— Buongiorno, Tony. 
A voz grossa desse médico sempre me deixa arrepiado.
Ainda mais falando com esse sotaque italiano. Desde que o doutor
Petrus descobriu que Tony é neto de italianos, o bom dia, boa tarde
e boa noite são sempre em italiano.
— Buongiorno, doutor Petrus, doutor Felipe. O de sempre?
—Tony perguntou, com um sorriso largo no rosto.
— Sim — os dois médicos responderam juntos.
— Bom dia, July — doutor Petrus falou e piscou para mim.
"Minha nossa, não faça uma coisa dessas homem! Não
tenho coração para isso!"
Petrus sempre pronuncia meu nome com seu sotaque
italiano e sensual. Ainda bem que trabalho em um hospital, pois
estou vendo o dia em que serei socorrido por ter um troço com esse
homem na minha frente e meu nome saindo de sua boca com esse
sotaque, essas piscadas e esse sorriso. Socorro!
— Bom dia, doutor Petrus! — respondi com toda a minha
ridícula timidez. — Bom dia, doutor Felipe.
Esse sorriu discretamente para mim, assim como fez para
Tonny. O traste do meu irmão de coração, depois de levar os
pedidos para os médicos, voltou para o meu lado para me azucrinar.
— Ele tá a fim de você.
— Tá nada! — Quem dera!
— Tá, sim. Eu manjo dos paranauê, Ju. Sou homem e sei
quando um homem tá interessado em alguém.
Puxei aquele tonto pela gola e aproximei minha boca do
ouvido dele.
— Eu também sou homem, seu idiota, e tenho consciência
de que ele é muita areia para o meu caminhãozinho, que mais
parece um Fusquinha .
— Você também é mulher. Isso interfere na sua percepção
— Tony falou com graça e eu soquei seu braço.
— Para de ser idiota, Tony. — Peguei meu celular, só para
não precisar olhar a cara daquele chato.
— Você gosta dele, Ju.
— Para de besteira, Tony, e vai trabalhar! — reclamei, mas
aquela criatura não moveu um centímetro.
— Gosta, sim. Você cora sempre que ele está perto e fica
parecendo uma idiota sem graça… AI! — Lhe dei outro soco, dessa
vez mais forte. — Eu estou falando a verdade. E ele tá a fim de
você. Eu vejo como ele te olha. Ele não olha assim para a Suzy do
outro turno.
Ouvir aquilo estranhamente me deixou feliz. Muito feliz.
— Você está sorrindo pelo que acabei de te falar, né? —
Mas que droga, criatura!
— Tony, só... — Já estava voltando a ficar irritado. — Vai
trabalhar!
Lógico que aquela praga nem se moveu. Cruzou os braços e
me encarou.
— Como vai ser quando o verão chegar?
E então sua pergunta doeu em meu coração. Fiquei sem
palavras.
— Tá vendo? Você gosta dele, Ju. — Não respondi. — No
verão você se monta bem menos que no inverno. Usa maquiagem,
roupas femininas, mas sua peruca e seu silicone você não usa com
tanta frequência como no inverno.
— E daí, Tony? — disse muito irritado e devo ter falado alto
também, já que algumas pessoas se viraram para nos olhar. — Eu
sei de tudo isso!
— Você não se importa com a opinião dos outros, apesar do
medo de sofrer uma agressão de algum homofóbico filho da puta.
Mas você é você para quem quiser ver. Menos para o doutor Italiano
ali — Tony continuou.
— Onde você quer chegar, Antônio? — Mesmo o chamando
pelo nome inteiro, aquela peste não se abalou. E olha que ele não
gosta do próprio nome.
— Você diz que só tem medo de homofóbicos, mas eles não
te impedem de ser você. Só que… você tem outro medo. Um
grande medo, por sinal, de ser rejeitado por quem você ama. Então
me diga... como vai ser no verão aqui na lanchonete?
Senti meus olhos arderem. Não sei se era de raiva ou
tristeza. Ou os dois.
— Eu não sei! — respondi num sussurro.
Tony tem razão. Não ligo para a opinião de estranhos, sou
Julio ou July na frente de quem quiser ver, não tenho vergonha de
mim. Trabalho há pouco tempo aqui e sempre apareci como July,
principalmente depois das olhadas e sorrisos de Petrus.
Eu nunca me apaixonei e não sei se isso que sinto é estar
apaixonado, mas eu queria ver aquele sorriso e aquela olhada,
então passei a vir sempre de July, já que no inverno não é sacrifício
algum e eu amo me sentir mulher. Carlos, da cozinha, Susy e
Dantino, que entram no turno seguinte ao meu e do Tony, sabem
que sou um cara, não porque vim como Julio, mas porque não
escondo. Pelo menos não escondia, até Petrus aparecer… nos
meus sentimentos.
Eu morro de medo de ser rejeitado por quem amo. Minha
mãe diz que isso é devido ao trauma que carrego por ter sido
rejeitado como fui pela pessoa que deveria assumir o cargo de pai;
rejeitado pela família que deveria me acolher como filho. Por mais
que minha família atual seja maravilhosa, a melhor de todas, e o
amor que recebo deles e dos meus amigos, nunca irei esquecer o
que passei quando era criança e isso acabou se tornando uma
cicatriz, um trauma e, inconscientemente, gerando essas
inseguranças idiotas, como a de agora, como o medo de ser
rejeitado por um médico que bagunça meus sentimentos em cada
"bom dia". Me desespero só de pensar nele descobrindo que sou
um cara e não sorrindo mais para mim, de sentir nojo, ou
simplesmente me olhar diferente.
Já o medo de homofóbicos... Quem não tem? Que gay
afeminado não tem medo de ser insultado? Que trans ou drags não
tem medo de ser agredido? Que casal gay ou lésbico não tem
receio de sair de mãos dadas, se beijar e ter um olhar torto, insultos
e até agressões? Uns têm a sorte de nunca viver algo ruim, já
outros, não, como eu quando era criança.
Mas tudo o que aconteceu me tornou o homem que sou. Eu
me amo e amo o que sou, e minha família e amigos me amam
assim, mas mesmo me permitindo voar, o trauma vem me cutucar e
liberar a insegurança que passei a vida toda trabalhando.
— Você precisa enfrentar isso. Se quer começar algo, seja
sincero, Ju. E se ele te rejeitar, eu mesmo quebro a cara dele.
Falar é fácil, e na teoria, sei que Tony tem razão, mas na prática os
sentimentos são tão mais fortes que é difícil lutarcontra . Me sinto
perdido. Mas, apesar de estar certo e ser um pentelho, Tony é o
meu maior protetor. Eu o amo muito!
— Obrigado, Tony! — O envolvi pela cintura e abracei seu
corpo. Por ser mais baixo, coloquei meu rosto em seu ombro.
— Você não precisa ter medo de contar a ele. Você tem a
mim! — ele falou, com seus braços em volta do meu corpo.
— Obrigado, irmão. — Me soltei dele e voltei a me apoiar na
vitrine. — Não é fácil não ter medo de correr o risco de ser rejeitado
por alguém que estamos gostando — assumi e aquele tonto sorriu
convencido. Eu e minha boca… — Não vou alimentar isso. E ele só
deve ser simpático.
— Discordo. — Tony parou ao meu lado e nós olhamos para
aqueles dois médicos lindos de morrer, um pouco distantes de onde
estávamos.
Doutor Petrus ria para algo que o doutor Felipe falava de
forma brava. Ele ficava fodidamente lindo quando mostrava seus
dentes brancos e super bem alinhados.
— Doutor Petrus é o sonho de consumo de qualquer ser
vivo! Ninguém gostaria de ser rejeitado por um "sonho de consumo"
.
— Só quero que você seja feliz, maninho. Que encontre
alguém que te ame e te respeite pelo que você é. Como eu e a mãe
te amamos, anjinho!
Estiquei minha mão e Tony a segurou forte. Queria abraçá-
lo, mas sabia que me desmancharia todo em lágrimas. E ele me
conhecia bem. Sabia que não gostava de chorar em público e que
um abraço agora faria isso acontecer.
 
 
— Oiii!
Um Otávio muito animado e lindo apareceu em frente ao
balcão, me arrancando sorrisos.
— Oiiii! Onde você vai assim? Tá procurando um crush
nesse hospital, é?
Ele revirou seus olhos e sorriu. Otávio tem um sorriso lindo.
Então ele se ajeitou no banco alto que fica em frente ao balcão e
enquanto fazia isso, olhei para os lados, para ver se não tinha
clientes ou dona Marisa, minha mãe e gerente, para me dar bronca
por estar de papo com Otávio, que ela sabe muito bem que não é
cliente.
— Hoje é meu primeiro dia de trabalho ali no pub, então tive
que chegar cedo. Só que eu cheguei muito cedo! Por isso vim pra
cá matar o tempo.
Foi Tony quem descobriu que o pub estava precisando de
barman para os finais de semana e para cobrir folgas, e incentivou
Otávio a ir se candidatar. Meu amigo faz psicologia e está indo para
o segundo semestre, mas como faculdade não é barato e ele não
quer dar tanto gasto para seus pais, resolveu arrumar um emprego
para ajudar a pagar seus estudos e gastos. Agora ele estuda de
manhã e irá trabalhar à noite
— Você quer matar o tempo, e se minha mãe ver a gente
aqui conversando, vai querer matar nós dois.
Sua mão foi para o seu peito e a cara que ele fez foi a mais
fingida possível.
— Que absurdo! Eu sou um cliente!
— Não é, não, Otávio e ainda come os bolos dela de graça!
— Ela que me obriga a comer e ainda manda eu levar um
pedaço para os meus pais.
A nossa risada foi alta, chamando a atenção de quem estava
na lanchonete. Sem jeito, olhei em volta para conferir quantas
pessoas estavam olhando para nós e o olhar de Petrus, que estava
perto do elevador com dois residentes, me fez suspirar.
Ele olhava para Otávio, mas quando olhou para mim, sorriu.
Retribuí seu sorriso e logo ele entrou com os residentes no elevador.
— Ele tá a fim de você!
— Ah não, Otávio, nem começa! — resmunguei. Tony e
Otávio tem o mesmo pensamento e ouvi-los no mesmo dia é
demais.
— Nossa! Tá brava?
— Não! Foi mal.
— Eu só acho que — começou, o projeto de psicólogo — ele
está a fim de você e o pior é que você está a fim dele também.
— Tô a fim de trabalhar, Otávio!
Aquele abusado riu. Otávio é do meu tamanho, um pouco
mais forte que eu, já que pratica esportes e toma hormônios.
— Sabe que se por um acaso rolar algo… é melhor mostrar
quem você é agora do que quando estiverem mais envolvidos. É
sempre pior.
— Você e o Tony se falaram hoje? Eu sei de tudo isso! Você
não quer sair pelo hospital flertando com os médicos e médicas por
aí, não?
— O lindo do seu irmão não falou comigo... Mas, ok. Quero
falar outra coisa com você! — Lá vem... — Então, você vai hoje lá
no pub, né? Por favor, você prometeu.
Otávio falou, antes que eu fizesse ou falasse qualquer coisa.
— Eu vou! Eu prometi, então eu vou, mas você me deve
uma, sabe disso!
— Eu see… dona Marisaaaa! Que saudade!
Já virei para minha mãe segurando a risada.
— Otávio! Você me viu ontem quando passei na sua casa
para deixar um bolo para os seus pais.
Minha mãe faz bolos às vezes e coloca aqui na lanchonete
para vender, como um acordo que fez com o dono. Eu quase
sempre ajudo nesses bolos, pois amo fazer doces.
— Pois é! O bolo acabou e vim comprar outro pedaço —
falou o cara de pau, me fazendo rir.
— Mas é um cara de pau, esse menino! — minha mãe falou,
segurando seu riso e indo cortar o pedaço de bolo que, lógico, ela
não iria cobrar.
 
 
Otávio foi embora depois do bolo e eu só parei de trabalhar
às dez da noite. Saí morta, mas muito linda em um vestido preto
rendado de gola e fui para o bendito pub como havia prometido. Ou
melhor, sido intimado.
O local é enorme, aconchegante e rústico. No andar de cima
há uma área com música alta e espaço para dançar, e claro, um bar.
Bar esse onde estava Otávio. No andar debaixo tem outro bar,
mesas, bilhar, tiro ao alvo e eu estava quieto sentado em um dos
bancos naquela parte .
Meu cabelo estava solto, e passei pouca maquiagem porque
estava morrendo de preguiça até de respirar, mas prometi ao meu
melhor amigo que iria vê-lo e dar apoio moral, só que meu apoio
moral será dado daqui. Nem ferrando vou ficar enfiado em uma área
cheia de gente dançando e música alta. Estou mais querendo me
jogar nas poltronas fofas que tem por aqui, só não fui porque aquele
canto onde elas ficam está cheio de residentes comemorando o
aniversário da pobre mulher que está com um chapéu ridículo na
cabeça.
— Você fica linda sem uniforme. Mal te reconheci miè·le
Meu sexy on the beach voou da minha boca pelo balcão
quando escutei aquela voz grossa, sexy e italiana.
— Me desculpe, eu não quis te assustar! — doutor Petrus se
desculpou rindo, provavelmente da minha cara, e eu acabei rindo
junto, pela risada dele ou pela vergonha que passei.
— Está tudo bem, doutor Petrus. Pelo menos não cuspi em
você e nem te joguei o copo na cabeça.
Minha nossa! Ele estava lindo. Calça jeans preta e camisa
social azul marinho por fora da calça e as mangas dobradas até
seus cotovelos. Eu precisava me concentrar muito para não babar…
por nenhum lugar.
Fiquei feliz por estar usando um vestido rodado. Eu não
usava roupas justas. Uso saias rodadas e calças femininas soltas e
folgadinhas. Prezo pelo meu conforto e não nasci para fazer tucking.
O máximo que faço é usar calcinhas para aquendar meu membro.
Sem fitas ou enfiar meus testículos para dentro. Minha nossa! Morro
de aflição. Não consegui nem tentar. Minha total admiração, amor e
respeito às mulheres trans que aquendam com fita e tudo.
Eu tenho uma calcinha tucking incrível, para aquendar sem
fita, criado por uma mulher com um bom coração em querer ajudar
mulheres trans, drags e CD.O nome dela é Silvana da Silva, nunca
me esqueci do nome e da matéria que vi na internet. Tenho outras
calcinhas mais básicas que são apenas bem justinhas, porém, não é
sempre que as uso. Mas agradeci aos deuses por estar com uma
agora e usando essa saia rodada.
Doutor Petrus riu do que eu falei. Minha nossa que risada
gostosa!
— Posso me sentar ao seu lado?
— Cla...claro! — gaguejei vergonhosamente.
— Veio sozinha ou está com algum daqueles doidos?
Petrus apontou para o grupo de residentes que falavam mais
alto que o som.
— Vim sozinha. Hoje é o primeiro dia de trabalho do meu
melhor amigo. Ele é barman lá do bar de cima.
— E você está aqui embaixo.
— Nada me fará ir lá pra cima. 
Petrus sorriu e pediu uma bebida.
Durante uma hora ficamos ali bebendo e conversando.
Estava totalmente sem jeito, tímido, mas ele sabia como fazer uma
pessoa como eu se sentir à vontade. Aos poucos, fui me soltando
mais e rindo dos pacientes malucos dele.
— Vem! Vamos jogar! — Petrus não esperou minha
resposta.Se levantou e me puxou pela mão.
Segui ele até o último "tiro ao alvo" disponível, no canto do
bar perto da parede. Ficamos um pouco afastados da muvuca toda.
Sorri animado, pois eu sou muito bom nesse jogo. Petrus me
entregou seis dardos magnéticos vermelhos e ficou com os outros
seis verdes.
— Três partidas, quem ganhar pede uma recompensa para
quem perder — Petrus falou cheio de si.
— Combinado — falei e já atirei meu dardo bem no alvo de
número sessenta Ganhei sessenta pontos. Os alvos eram de dez,
vinte, trinta, quarenta, cinquenta, sessenta e cem. Petrus sorriu,
surpreso por ter quase acertado bem no centro no alvo de cem
pontos.
Enquanto jogávamos, continuamos bebendo. Não sou muito
de beber, mas me permiti para tentar me soltar mais perto desse
homem gostoso de lindo.
Ganhei as duas primeiras rodadas.
— Já ganhei, Petrus. A próxima rodada é em vão. — Já nem
o chamava mais de doutor e meus lábios, certamente avermelhados
pela bebida, não paravam de sorrir.
Já sentia o efeito do álcool em mim. Não posso negar que a
bebida e seu jeito envolvente colaboraram para que eu pudesse me
sentir à vontade, rir e fazer piadas com os erros dele cada vez que
um dardo caía fora do alvo
— Essa vai ser a rodada decisiva, July. — Esse homem
falando meu nome com seu sotaque me deixava ainda mais
derretido. — Se eu acertar meus seis dardos no centro, eu ganho.
Gargalhei. Ele mais acertava o alvo dez do que qualquer
outra coisa.
— Do que você está rindo, garota? — Tentou ficar sério, mas
fracassou, abrindo um sorriso para mim
— De você. Você vai perder e sabe disso, doutor Petrus.
— Mas que atrevida! Vamos trocar de dardos. Os verdes
devem estar com defeito.
Gargalhei, já colocando minha mão para trás, escondendo
dele meus dardos.
Então, Petrus se aproximou de mim. Se aproximou muito, a
ponto de sentir seu calor, e enlaçou minha cintura, me puxando para
ele com um dos braços, e o outro ele esticou para trás do meu
corpo, tentando alcançar minha mão.
Ele também havia bebido e estava extremamente à vontade
comigo. Não sabia qual sua resistência com o álcool, mas não
aparentava ao menos estar altinho, apesar do traço sutil em seu
rosto , pois sua pele estava um pouco rosada nas bochechas e a
boca mais corada.
Seu corpo ficou tão perto do meu, que deixou minha
respiração pesada ao sentir seu perfume. Sua boca estava a
centímetros da minha e eu só pensava em beijá-lo. Minha pele
inteira se arrepiou com sua proximidade e seu toque quente. Só
percebi que encarava seus lábios quando ele parou de tentar pegar
os dardos e me abraçou com seus dois braços e encarou meus
olhos.
Eu não lembrava mais nem como se fala. Provavelmente eu
também não respirava mais. Já ele, sabia bem o que falar.
— Já que ganhou... Qual será sua recompensa, minha July?
Sua voz saiu tão rouca que todos os poucos e finos pelinhos
do meu corpo se arrepiaram. Mesmo com o barulho, a voz dele
chegou aos meus ouvidos, me causando um turbilhão de
sensações. Claro que eu não consegui responder. Eu não
conseguia nem raciocinar direito. Apenas encarei seus lábios depois
de sua pergunta e respirei fundo, já me sentindo muito tonto.
E aqueles lábios que eu encarava sorriram para mim.
— Acho que eu já sei o que você quer como recompensa.
Quando encarei seus olhos, Petrus sorriu ainda mais. Uma
de suas mãos tocou meu rosto e o levou para seus lábios. O beijo
dele era quente e nada calmo, mas sim sensual e muito, muito
quente. Sua língua parecia fazer amor com a minha, a ponto de me
fazer soltar um baixo gemido em sua boca.
Petrus me segurou ainda mais forte e colou seu corpo
grande e quente ao meu, me girou e nos moveu para um canto
daquele lugar. A parede fria tocou minha pele e aquela sensação,
quente e frio, me deixava ainda mais em êxtase. Petrus me prensou
com seu corpo e segurou minhas bochechas com as duas mãos,
enquanto devorava minha boca.
Mas, ao sentir seu membro duro fazer uma leve pressão em
minha barriga, toda a minha consciência voltou como um meteoro.
Empurrei seu corpo para afastá-lo do meu, que tremia de
tesão e puxei minha bolsa transversal para frente do meu membro.
Eu estava muito excitado, ao ponto de doer dentro daquela bendita
calcinha. Eu sabia que aquele tecido justo não conseguiria conter
minha excitação, e comecei a me desesperar. A iluminação do local
era fraca, deixando o ambiente escuro, minha saia era bem rodada
e a bolsa estava na frente do meu corpo, e mesmo com uma peça
íntima tão justa, era inevitável me preocupar.
Eu estava com a minha cabeça baixa, uma das minhas
mãos agarrava forte a bolsinha, enquanto a outra repousava em seu
peito quente. Minha nossa, esse homem é muito quente!
Literalmente. Quente de gostoso, e quente de quente mesmo. Minha
mente começou a imaginar esse corpo todo sem nenhuma roupa
colado ao meu, e…
Merda! Meu membro está até dolorido.
— Ju? Desculpa, eu...— ele começou a falar com aquela voz
grossa e excitante.
— Não. Não! Por favor, não se desculpe! Eu só… fiquei sem
ar… com falta de ar e… um pouco tonta. 
Ele sorriu para mim e seus olhos correram por todo meu
rosto.
— Está melhor? Quer uma água?
— Estou. Estou bem! Só preciso ir ao banheiro.
Ele se afastou um pouco de mim para me dar espaço para
sair. Sorri, morto de vergonha e segui para o banheiro.
O andar de baixo não estava lotado. O banheiro feminino era
enorme, elegante, milagrosamente limpo e não estava cheio. Entrei
na última cabine e encostei meu corpo na porta, tentando respirar
com calma.
Agradeci mil vezes por Petrus não ter notado, e nem sentido
nada. Como sou mais baixo que ele, seu membro tocava a minha
barriga, e o meu em suas pernas que, por sorte, estavam abertas
naquela hora.
Apertei forte em cima da minha glande tentando me
concentrar em fazê-lo se aquietar, mas era algo muito difícil devido
ao cheiro de Petrus impregnado em mim.
Meu membro não estava para trás, e sim, bem preso, bem
justo na calcinha. A desci, liberando-o, e gemi de alívio em um
sussurro. Ele estava apontando para cima, duro e melado. O tecido
da minha saia estava caído sobre ele, sem cobrir a cabeça rosada.
— Droga! Merda, merda, merda! — sussurrei, irritado com o
que preciso fazer para tentar aquietar esse pau.
Meus dedos o seguraram, c ausando um arrepio enorme no
meu corpo. Fechei meus olhos e movi minha mão. Minha respiração
pesou, mas consegui sussurrar frustrado para mim mesmo.
— Ok, Ju! Seja rápido e suma desse bar!
Quando sai do banheiro, ainda senti minhas bochechas
coradas. Estava totalmente constrangido, mas aliviado por ter sido
rápido e silencioso, e por ter conseguido me acalmar
Encontrei Petrus conversando com um residente e bebendo
no bar.
— Desculpa a demora — falei sem jeito.
— Você está bem, July? — Ele focou toda sua atenção em
mim e eu gostei disso. Gostei muito e acabei sorrindo.
— Sim! Estou. Sou lerda no banheiro — inventei. Algo bem
estupido por sinal, mas pareceu funcionar. — Eu… bom... está tarde
eu preciso ir embora.
— Eu também. Amanhã já começo com cirurgias. Vai pegar
táxi? Uber?
— Sim!
— Então te acompanho até seu carro chegar, depois peço
um para mim.
Sorri e segui com ele para o lado de fora. Enviei uma
mensagem para Otávio e quando vi, Petrus tinha parado um táxi
para mim e tirado uma nota de cinquenta reais da carteira.
— Fique com o troco — falou para o motorista e eu fiquei de
boca aberta, parada, sem saber o que fazer.
Petrus olhou para mim e sorriu.
— Não vai entrar?
— Eu… eu... não gasto tudo isso para chegar em casa.
Petrus riu e me puxou para seus braços, beijando o topo da
minha cabeça. Depois segurou meu rosto com as mãos e beijou
meus lábios.
— Boa noite, minha July. — Ele tirou seu cartão do bolso e
colocou em minhas mãos. Era lindo, todo preto com letras douradas
e detalhes azul turquesa. Nele informava seu nome, profissão,
contatos e o logo com as iniciais de seu nome do outro lado. — Me
manda mensagem para me avisar que chegou bem.
Apenas balancei a cabeça. Ele abriu mais a porta e me deu
passagem.
Sentada no banco de trás do carro, pude respirarmelhor,
enquanto o ar que entrava pela janela batia em meu rosto. Eu sorria
feito bobo por tê-lo beijado, mas também queria chorar pelo medo
desse homem incrível sentir nojo de mim e me rejeitar.
 
 
 
Entrei em casa sem fazer barulho, abri a porta do quarto e
dei de cara com meu irmão mexendo no seu notebook. Dormimos
no mesmo quarto, sua cama fica perto da porta e a minha próxima à
janela. Tony me deu um oi baixinho, e eu respondi da mesma forma,
e comecei a tirar toda minha roupa. Não tinha vergonha do meu
irmão. Na verdade, tínhamos muita intimidade.
Vesti um shorts amarelo cheio de unicórnios, sem cueca ou
calcinha e uma camiseta larga e branca que eu usava para dormir.
Fui ao banheiro, fiz tudo o que precisava para dormir e voltei para o
quarto, e só então Tony resolveu perguntar.
— E aí? Foi legal hoje? — falou baixo para não acordar
nossa mãe.
— Beijei o doutor Petrus! — falei na lata e vi o queixo do
meu irmão cair.
— AÍ SIM, HEIN! — aquele tonto falou alto.
— Fala baixo, idiota! A mãe pode acordar e comer nosso
rabo!
— Foi mal! — respondeu com um sorrisinho no rosto. — Ae!
Eu disse que ele era afinzão de você! Falei, véi!!
— É!
— Hey! O que foi? — Tony perguntou preocupado por ver a
falta de empolgação na minha voz. — Não curtiu? Ele te fez algo
que não gostou? Ele descobriu? Você contou? Ele te tratou mal? —
Desembestou a falar.
— Foi incrível! Muito bom. Não contei e por sorte ele não
notou nada quando eu fiquei praticamente de pau duro. Duríssimo,
por sinal, e o problema foi esse. Fiquei com medo que ele
percebesse.
— Cara, Ju, você vai ter que contar se for ter algum lance
com ele.
— Eu sei. Sei de tudo isso. Mas… e se ele não curtir? Se
tiver... nojo de mim, me achar… estranho?
— Doutor Petrus não é como os merdas que te fizeram mal.
Ele não é preconceituoso.
— Mas é hetero. E ele pensa que sou mulher. Mas só gosto
de ser uma. Sou homem, sou gay afeminado que gosta de se
montar, um CD. E ele pode achar isso estranho, pode... sentir
repulsa.
— Uma hora ele vai descobrir. Você gosta de se montar para
trabalhar e exibir suas madeixas longas e seu peito caro aí, mas e
quando o verão chegar e você não ficar a fim de usar a peruca
porque ela é quente, ou os peitos lá que dá um calor danado no
verão? Se você quiser um dia só passar um lápis, um rímel e aquele
batom melado e usar uma das tuas roupas delicadas aí, sem peruca
ou peitos... vai fazer o que? Vai viver preso na July só para
esconder quem você é de verdade? Ju, Petrus tem que te amar pelo
o que você é. Isso que é amar de verdade. Amar bacana, tá ligado?
— Eu sei. Você está certo. Eu vou contar. E também não vou
me envolver com ele.
— Quero ver você controlar teu coração purpurina aí,
Unicórnio!
Sorri com a forma que ele falou comigo.
— Te amo, mano. Boa noite.
— Te amo, anjo. Dorme bem aê!
Olhei para o cartão que Petrus me entregou por um longo
tempo, até que tive coragem de pegar meu celular e lhe enviar uma
mensagem.
 
Ju:
"Cheguei. Estou na minha cama, sã e salva. Obrigada e desculpa
pela demora"
 
Petrus:
"Que bom! Estava mesmo quase mandando a polícia atrás de você!
O FBI, a Swat! Durma bem minha July. Até amanhã!"
Sorri feito bobo e meu sorriso não passou despercebido
quando meu irmão se levantou para ir ao banheiro. Fiquei sem
graça e recebi uma piscada dele.
 
Ju:
"Hahaha Não demorei tanto. Você que é um exagerado! Boa noite
Petrus"
 
Petrus:
"Sou Italiano. É diferente. hahah Beijos minha linda."
 
Custei a dormir. Tudo o que passei hoje e tudo que terei que
enfrentar rondou minha mente por um bom tempo. Quando acordei,
estava um caco e atrasado, com uma dor de cabeça do cão.
Hoje é um daqueles dias que eu só passaria uma make
básica e uma roupa básica ou delicada. Mas Petrus certamente vai
aparecer pela lanchonete e não contei nada a ele e ele não pode
saber assim. Tony estava certo, estava preso para esconder quem
realmente sou.
Coloquei só um sutiã com bojo e uma camiseta larga da
lanchonete. O uniforme eram camisas de diversos modelos com o
logo da lanchonete e um avental. Além da touca, boné e laços com
rendas para cabelo, tinha também os blusões para dias de frio. Vesti
um também. Coloquei a peruca e ajeitei um coque meio folgado e
prendi a redinha nele com um laço preto. Uma calça preta de tecido
larga e dessa vez não usei calcinha, usei uma cueca mas
confortável, porém, bem justinha.
Eu devia me arrumar mais, pois sei que vou encontrar
Petrus, mas uma parte de mim quer afastá-lo, para que eu nunca
precise contar a ele ou caso acabe descobrindo e se desapontando,
a dor seja menor.
Nunca tive problema ou vergonha em mostrar quem sou.
Contudo, por outro lado, nunca me apaixonei. Eu estava lidando
com algo novo, um sentimento novo e, pelo que pude perceber,
estava lidando bem mal.
Às duas da tarde Petrus apareceu na lanchonete com
Jonny e Luy.
— Bom tarde, doutor Petrus. Trocou de parceiro, é? — Tony
apontou com a cabeça para os dois homens que sorriram.
— Esperava o Bonitão Carrasco, Tony? — Luy respondeu
com graça e todos nós rimos do apelido do doutor Felipe.
— Confesso que sim.
— Eu certamente sou mais legal — Jonny falou cheio de
charme.
— Mas é claro! E que Felipe não me ouça e ninguém dedure
pra ele! — Tony falou todo engraçadinho, nos fazendo rir — Mas e
ai? O que vão querer? Doutor Petrus, o mesmo de sempre, né?
Petrus confirmou e se virou em minha direção. Eu estava
sentada perto do caixa assistindo tudo, enquanto Tony atendia os
pedidos de Jonny e Luy.
— Bom tarde, July. Tudo bom? — O sorriso dele me tirava o
ar.
Ele era como um imã. Eu era o pólo norte e ele o sul. Não
consegui controlar meus passos e fui para perto dele. Me apoiei na
bancada de vidro e o vi sorrir ainda mais.
— Quer sair comigo?
Meu ar sumiu, junto com meu raciocínio. Meu coração
disparava para responder um sim, mas minha consciência que
começou a retornar aos poucos dizia para meu cérebro não se
envolver. E para qual desses dois dei ouvidos? O idiota do coração.
É claro.
— Quero! Quero, sim!
Eu estava ferrado! Entretanto, a minha consciência mudou
de tática. Nesse encontro vou dizer tudo a ele. Para dar certo,
Petrus precisa saber quem sou, e seja o que tiver que ser.
— Amanhã à noite, tudo bem?
— Tudo, sim!
— Então te pego na sua casa às vinte horas.
Concordei, sentindo meu corpo todo tremer.
Passei o dia todo ansioso, pensando em como contaria.
Conversei com Tony, com Otávio e até com minha mãe. Demorei a
dormir e no dia seguinte a ansiedade só piorou. Logo de manhã
Petrus me envia uma mensagem.
 
Petrus:
“Minha linda hoje a enfermaria está um caos. Teve um acidente de
trânsito, com um ônibus. Terei que adiar meus pacientes e cirurgias.
Tudo bem se mudarmos para as 22h? É muito tarde?”
 
Ju:
“Nossa! Por isso quando cheguei a lanchonete estava lotada. E sem
problemas. 22h está ok para mim. Para você não é ruim o horário?”
 
Petrus: " Não, não. Amanhã entro às 11h. Então, assim que eu fizer
a última cirurgia me arrumo aqui na minha sala mesmo e vou te
buscar para não ficar muito tarde. Ok?!"
 
Ju:
"Não se preocupe. Não precisa me buscar. Eu encontro você aqui
no hospital"
 
O dia foi agitado, doutor Petrus e os outros médicos nem
apareceram na lanchonete. Não mandei mais mensagens o dia todo
e nem ele me enviou. Pelo agito no meu trabalho, provavelmente ele
estava muito ocupado.
Mesmo com tanta gente aparecendo por aqui, minha mente
estava longe, repetindo todas as formas possíveis para contar a
verdade a ele. Estou com medo, e muito, por sinal, de um possível
olhar de decepção ou nojo. Sei que preciso contar e seja o que tiver
que ser, mas isso não anula essa droga de sentimento.
Passei o tempo todo repetindo para mim a seguinte frase,
como um grande mantra:
"Não tem que sentir vergonha de você, Ju! Se ele não gostar
de você como é, ele não te merece! Certo? Certo! Né? OK!"
 
(CUIDADO! Gatilho emocional. Esse próximo capítulo contém cenas fortes de violência.
Caso seu psicológico esteja abalado, tenha passado por alguma violência ou apenas não
queira ler, puleo capítulo 5)
_____________________________
 
 
 
Meu turno acaba às dezoito horas, mas hoje consegui sair
uma hora mais cedo. Fui para casa e tomei banho para me arrumar.
Queria passar no pub antes do trabalho de Otávio e do meu
encontro com Petrus . Meu amigo estava cobrindo uma folga e eu
precisava me acalmar, falar com alguém que também passou por
algo parecido.
Eu sei, eu sei! Preciso contar para o Petrus. Bom... foi um
beijo... um convite para jantar e... ok! Eu sei. Ele precisa saber uma
hora ou outra e, mesmo que o resultado seja ruim, quanto mais
rápido, melhor. Tirar de uma vez band-aid, né?
Coloquei minha peruca, meus seios de silicone, minha
calcinha tucking, mas deixei apenas meu membro bem preso, sem
colocá-lo para trás e usei uma saia bem rodada e volumosa, com
um shorts curto e justo por baixo, uma blusinha quente de manga
longa e gola alta estilo oriental, toda lisa, preta, de cetim. Diria que é
um vestido de inverno, mas para mim não faz o menor sentido, já
que a saia rodada para bem no meu joelho. Coloquei minhas botas,
brincos, pulseira e bolsa transversal, ambos dourados e
combinando.
Abracei Tony e minha mãe, que me elogiaram e disseram
para que eu fosse forte e contasse sobre mim, e qualquer coisa que
acontecesse era só eu ligar para eles imediatamente.
Pedi ao moço do táxi para parar em uma farmácia, pois eu
estava bem adiantado e precisava de remédios para a minha
sinusite. Ela sempre me ataca quando o ar está muito seco e frio, e
também precisava de um remédio para enxaqueca, pois, da forma
que eu estava tenso com o dia de hoje, minha cabeça poderia
explodir a qualquer momento. 
Liberei o taxista, já que a farmácia ficava pertinho do hospital
e do pub.
Saí da farmácia e segui meu caminho para o pub, mas
passaria em frente ao hospital primeiro. Agradeci por usar minhas
botas confortáveis, já que andar de salto é horrível.
Na verdade, o salto é algo que eu dispenso totalmente. Só
usei no casamento de uma tia. Naquele dia fui com minha mãe no
cabeleireiro, fizemos o cabelo e maquiagem. Usei um terninho preto
feminino e um sapato lindo, de salto para, claro, no meio da festa
tirar e colocar uma sapatilha que enfiei na bolsa da minha mãe e me
acabei de dançar com Tony. Esse tipo de evento é o único que me
convence a usar um salto e mesmo assim, eu tiro no meio do
caminho. Salto me deixa mais alta, elegante, mas, minha nossa, não
é do bem! Não mesmo.
Fico linda de bota, sapatilhas, e foi com a minha bota
dourada que andei pela calçada, indo para o hospital. Mas assim
que passei por uma rua estreita, um grito chamou a minha atenção.
O lugar estava mal iluminado, mas pude ver um cara
assediando uma garota. Ela se debateu e gritou de novo por ajuda.
Seu grito disparou meu coração e eu corri até eles. Eu já tremia
antes mesmo de empurrar o cara. De onde veio essa coragem, eu
não sei, mas um turbilhão de emoções me atingiu com força, como
se aquilo fosse um gatilho, fosse a chave para as lembranças que
guardei trancadas dentro de mim.
Lembranças da época que apanhei do meu padrasto, de
quando era empurrado, chutado e insultado no orfanato, e
tentávamos defender Otávio que ainda era uma menininha pequena
e acabávamos apanhando no processo.
Eu só pensei nessas lembranças e na coragem e segurança
que eu queria ter naquela época para me defender e então agi.
A garota estava com a regata rasgada e o casaco caído em
uma água suja. Quando empurrei o rapaz, ele foi para trás
assustado e esse pequeno tempo que tivemos estiquei minha mão
para a garota e ela veio ao meu lado.
O cara olhou para mim furioso e eu congelei no lugar. Minha
Nossa! Cadê aquela coragem? Pelo amor dos céus, preciso dela de
volta!
— Vem, vem! — a menina falou em prantos, se agarrou no
meu braço e me puxou.
Eu literalmente precisava daquele puxão para me mover.
Então nos movemos para correr, mas logo atrás havia mais dois
caras a alguns passos de distância de nós.
Oh Céus, o que foi que eu fiz?!
Não sei dizer em que momento o pico de coragem sumiu do
meu corpo, mas naquele momento ele não existia mais, restando
apenas o pânico.
A garota voltou a tremer e, antes de gritar, o cara que a
agarrava a pegou novamente, tapando sua boca e a prensou na
parede suja.
Não! Por favor, não!
Eu não consegui gritar, apenas tremer. O cara estava
novamente tentando abusar da moça e eu ali, sem conseguir
defender nenhuma de nós.
Um deles levantou um canivete ou faca e fez sinal de
"silencio". Ali comecei a chorar.
July, no que foi que você se meteu!?
— Oi, princesa do pai! — o homem sem a faca falou e senti
nojo. Nojo e pânico.
Quando os dois caras voltaram a se mover, o desespero me
fez correr pela rua estreita e escura com o coração já apertado, pois
ainda ouvia o grito apavorado da menina que era abafado pela mão
do cara. Aquele grito me deixava atordoado, pois eu sabia que se
não corresse teria o mesmo grito que o dela em minha garganta.
Mas não corri rápido o suficiente e o mais alto me segurou
pela alça da bolsa, me jogando para trás me fazendo cair. Logo o
outro estava ao seu lado. O mais alto e também forte se ajoelhou e
passou suas mãos pela parte interna da minha coxa. Tentei fechar
minhas pernas, mas ele segurava forte em meus joelhos.
— Vai aonde, gostosa? Fica aqui com o papai!
Meu coração disparou tanto que até doeu em meu peito.
Levei meu corpo para trás e comecei a gritar, mas o tapa em meu
rosto fez minha voz sumir.
Aquele nojento segurou minha boca e apertou com suas mãos.
— Fica quietinha, putinha. Vai pra onde, gostosa desse jeito?
É amiguinha daquela delicia ali? — ele falou perto do meu rosto e o
cheiro de bebida forte me embrulhou o estômago.
Em pânico, comecei a chorar, a me debater e a tentar gritar.
O cara alto me segurou tapando minha boca e prensando minha
cabeça no chão e prendeu minhas pernas com as suas. Com a
outra mão ele abriu seu cinto e pelos gemidos porcos, ele estava se
tocando.
Eu via tudo borrado, tentando sair dali e pedir por socorro.
Eu chorava muito e estava com tanto medo.
O outro amigo se abaixou e colocou diante dos meus olhos o
canivete
— Para de escândalo se não te enfio a faca, sua puta.
Fechei meus olhos e comecei a pedir em oração para morrer
antes de ser violentado e estuprado. Era isso que eles fariam
comigo e certamente estarei morto quando perceberem que sou um
cara.
O canivete veio mais uma vez em minha direção, mas
rasgou minha blusa e o sutiã que eu usava, me deixando nua para
eles. O cara alto segurou em meus seios, apertou forte e puxou.
A dor não foi física. Foi em minha alma. Eu iria morrer.
Fechei meus olhos mais uma vez com força ao escutá-lo
reclamar, bêbado e irritado.
— Mas que porra é essa?
O cara alto puxou mais uma vez meus seios e constatou que
eram falsos.
— Que aberração é essa? — o do canivete falou ao lado,
enfiando a lâmina no silicone, destruindo aquele item tão precioso
pra mim. — Essa porra é falsa? Isso é um viado!
Depois ele puxou meu cabelo com muita força, arrancando a
peruca da minha cabeça.
— Sua bicha nojenta! — falou, acendendo um pequeno
maçarico e botando foco nos fios castanhos. O fogo, que já
incendiava toda a minha peruca, iluminou um pouco nós três e eles
me enxergaram melhor.
O cara alto que estava em cima de mim saiu e fechou rápido
sua calça, para logo em seguida começar a me chutar. O homem
com o canivete rasgou minha saia e meu shorts e também o meu
braço, que começou a sangrar e arder muito.
Foram tapas no meu rosto, socos, chutes na mão que
protegia meu membro, no meu ombro, na minha cabeça e costas. A
dor foi tanta que tenho certeza que meu ombro saiu do lugar.
Eu só chorava e rezava para tudo isso acabar logo; não
conseguia respirar direito e a consciência parecia me abandonar.
— PARADO!
Ouvi alguém gritar, mas não conseguia levantar minha
cabeça. Meu braço ardia e doía demais. Cinco pessoas correram
em minha direção e os caras que nos agrediram fugiram. Dois
homens os seguiram, mas duas senhoras pararam e me
socorreram, e a terceira foi até a garota jogada no chão.
—Pobre rapaz! Meu Deus, Solange, ele está sangrando —
a voz de uma senhora ecoava em minha cabeça.
Parecia que eu estava fora do meu corpo e a dor era o que
me puxava de volta.
— Lidia, me ajude a carregá-lo. Vamos levá-lo para o
hospital.
— Ele não pode ir assim. Vamos subir com ele em casa, com
os dois, vou vesti-lo enquanto você tira o carro da garagem. Depois
você sobe de novo e me ajuda a descê-los — elas falavam
enquanto me ajudavam a levantar. 
Eu gemia de dor e sentia as lágrimas e o sangue na minha boca.
Não tive muita noção de tempo, mas logo estava em um sofá. Eu
não conseguia me mexer, não conseguia parar de chorar e tremer. A
garota que tentei ajudar estava no outro sofá, com uma moça
agachada à sua frente tentando falar com ela, que só chorava e
tremia como eu.
— Tome, rapaz. Beba!
A senhora de nome Lidia entregou um copo à garota e o
outro copo colocou em minha boca. Era água. Apesar de estar
fresca, eu engasguei e acabei cuspindo. Me esforcei para olhar o
meu próprio corpo e percebi que estava nu da cintura para cima, e
minha saia e shorts estavam rasgados; apenas um dos meus pés
estava calçado com a bota.
Sentia dor por todo o meu corpo, mas ela era maior em meu
braço e ombro, que eu segurava com força, na tentativa de aliviar a
forte dor que sentia ali. Naquele momento, qualquer
constrangimento era pequeno diante dessa dor.
— Vista, meu querido.
Olhei para cima e a senhora estava com umas peças de roupa nas
mãos.
— Vamos te levar ao hospital. Você ficará bem — ela falou
tão gentil que comecei a chorar novamente.
Ela então me ajudou a vestir uma camisa social azul marinho, que
ficou grande em mim. Gritei de dor quando ela colocou em meu
braço.
— Shiii, calma, meu querido. Deve ter quebrado ou
deslocado. Aguenta um pouco. — Ela pegou uma cueca e uma
bermuda. — Está novinha, você pode usar se quiser.
Olhei para meu corpo novamente, minha calcinha preta
estava ali, aparecendo. Acenei com a cabeça, e a moça se levantou
levando a garota que olhava para mim um pouco confusa para outro
cômodo. Já a senhora apenas se afastou e se virou.
— Vou ficar aqui de costas para você, ok? Mas se precisar
de ajuda, eu me viro. É só falar.
A muito custo tirei o resto de tecido que antes era meu short
e minha saia, depois tirei minha calcinha e bem devagar vesti a
cueca e a bermuda. Coloquei a calcinha dentro do bolso da
bermuda.
— Pronto — falei e mal reconheci minha voz.
Ela me entregou minha bolsa e eu a abri para ver se meu
celular e minha carteira estavam ali. Nada tinha sido levado. dona
Lidia voltou com um chinelo verde.
— Deve servir. É grande, mas cabe. Você quer ligar para
alguém?
Balancei devagar a cabeça para dizer que sim e fui nos
contatos ligar para Tony e minha mãe, mas eles não atenderam.
Hoje eles iriam ao mercado, os celulares deviam estar na bolsa, sei
lá. Voltei a chorar, sentindo uma sensação de abandono, mesmo
sabendo que eles jamais me abandonariam e com certeza iriam se
desesperar quando soubessem.
— Lidia? — A outra senhora apareceu na sala e sorriu para
mim, mas em seus olhos pude ver sua pena. — Os meninos
pegaram dois dos rapazes. Estão levando para a delegacia.
Arregalei meus olhos e dona Lidia sorriu.
— Vai ficar tudo bem, querido. Meus filhos e o outro rapaz
são policiais. Eu ouvi seus gritos da janela enquanto regava minhas
plantinhas. Gritei pela pensão toda atrás dos meus filhos e da minha
esposa, Solange, e fomos até vocês.
— Obrigado — falei baixinho. Eu serei eternamente grato. —
Muito obrigado. — Emocionado e destruído, voltei a chorar.
— Calma. Vamos. Você precisa ir ao hospital.
A senhora pegou sua enorme bolsa e colocou a minha
pequena dentro dela, e colocou a bolsinha da garota também, mas
essa estava dentro de uma sacola de plástico por estar suja. Depois
as duas me ajudaram a levantar e me carregaram até o carro.
Entramos na emergência do térreo e fomos direto para o
balcão. Meu braço doía e eu não conseguia parar de chorar. Era
Sandra que estava ali, no entanto, ela não me reconheceu.
Ninguém me reconheceria nesse estado, ainda mais com roupas tão
masculinas e largas. Mamãe e Tony vão surtar.
Estava há pouco tempo na lanchonete, que por sinal ficava
naquele andar, não muito distante.
— Olá. Eles foram atacados, agredidos na rua em frente a
nossa pensão. Ele está com muita dor e acho que o braço quebrou
ou deslocou. Ela foi abusada. Por favor, atenda-os rápido — dona
Solange falou.
— Qual o nome deles? — Sandra perguntou, já mexendo em
seu computador. Lidia e Solange olharam primeiro para mim.
— Julio Duarte Nunes — falei baixinho
— Pode me passar um documento e algum contato de
emergência?
Balancei a cabeça que sim, enquanto dona Lidia pegava em
sua grande bolsa meu celular e meu documento. Passei tudo para
Sandra.
— Iremos informar a polícia, ok?
— Meu filho e o amigo são policiais. Eles pegaram os
malditos e levaram a delegacia. Irão mandar um policial para pegar
o depoimento e corpo delito.
— Ok, senhora. Qual é o nome da garota? — Solange a
trouxe para o balcão, enquanto Lidia pegava sua bolsinha.
— Bianca Santiago Lopes — ela falou baixinho. Depois se
virou para mim — Obrigada.
Levantei meu rosto e encontrei o dela me encarando cheio
de lágrimas. Dona Lídia fazia a ficha dela como fez a minha.
— Não ajudei muito.
— Ajudou, sim. Você primeiro tentou e depois Katarina, a
filha delas, disse que foi o seu grito que elas escutaram. Eu sinto
muito, muito mesmo, mas obrigada.
Eu devia me sentir melhor, afinal, essa foi a minha intenção,
não foi? Foi por isso que fiz aquela loucura. Para ajudá-la, certo?
Mas não consegui me sentir bem naquele momento. Estava
anestesiado e com dor, muita dor. Não consegui sorrir, só chorar,
mas ao menos consegui falar.
— De nada.
Logo fui encaminhado para uma sala e Bianca para outra.
Dona Solange foi com ela e a dona Lídia me acompanhou. Ela tocou
na minha cabeça tentando me acalmar, pois eu ainda chorava e
tremia. Doía tanto. Um médico entrou e colheu meu exame de corpo
de delito, e assim que ele saiu, outro médico entrou.
— Boa noite. — Aquela voz fez todo meu corpo congelar.
Não! Por favor, ele não! — Sou o doutor Petrus Ferrari, cirurgião
ortopedista, e irei ver seu braço, tudo bem?
Eu não levantei a cabeça. Não olhei para ele. Apenas
acenei.
Um residente interno que eu vi algumas poucas vezes pela
lanchonete estava com ele.
— Olá, sou doutor Juan dos Anjos. Residente interno. Vou
tirar sua camisa, ok? 
Acenei para ele também. Soltei um grito de dor e acabei
chorando ainda mais.
— Sinto muito — Juan falou, terminando de tirar a camisa do
meu corpo.
— Dos Anjos, preciso que faça um curativo no braço dele.
Bem firme para proteger esse corte e terei que mexer nesse ombro.
Chorei mais só com a menção de mover meu braço. Petrus
parou ao meu lado e meu coração estava disparado por tê-lo ali tão
perto, por ele descobrir quem sou naquela situação, e pela dor que
sabia que iria sentir.
Seu toque foi cuidadoso, doutor Petrus examinava
cautelosamente. Seu cheiro chegou até mim e pela primeira vez
comecei a me acalmar. Mas, não durou muito tempo.
— Seu ombro está deslocado, preciso colocá-lo no lugar.
Minha respiração começou a se agitar, mais lágrimas a cair e
a dor pareceu se intensificar.
— Isso vai doer, mas prometo ser o mais rápido possível, tá
bom?
Com muita dificuldade, afirmei com a cabeça .
— Ok. Dos Anjos, levante a cama. Deixe-a em "L".
Assim que Juan ajeitou a cama, Petrus tocou minha cintura e
uma corrente quente correu pelo meu corpo. Ele estava tão perto.
Pelos Céus! Ele não pode descobrir assim.
— Preciso que se encoste na cama. Quer que eu te ajude?
Afirmei novamente, já que as palavras desapareceram da
minha boca, Eu só sabia chorar e gritar de dor.
Devagar, fui indo para trás e o doutor Petrus me ajudou,
segurando em minha cintura. Ele passou um pano em meu tronco,
bem abaixo dos meus braços. Juan segurou forte e firme as duas
pontas, parado bem ao meu lado. Ao lado do braço bom.
— Ok. Vamos lá. Fique com a coluna reta, encostada na
cama. Aguentafirme, está bem, Julio? — Meu nome na boca dele
aqueceu meu coração destruído. Mais uma vez, acenei. — Vou
pedir para você respirar fundo. Daí você inspira e segura a
respiração, está bem?
Balancei minha cabeça novamente.
— Ok! Julio, respira fundo.
Respirei fundo e prendi a respiração, para depois minha
alma sair do meu corpo através do grito de dor que dei. Comecei a
chorar muito e meu corpo ficou mole no mesmo instante que tudo
começou a ficar preto.
— Julio? Julio!
A voz de Petrus foi a última coisa que escutei.
 
 
Deitei Julio na cama com a ajuda de Juan e da senhora que
o acompanhava. Seu choro me tocou de uma forma que não sei
explicar, e olha que colocar ombros no lugar foi algo que já fiz muito,
inclusive hoje, com o acidente de carro. Porém, talvez fosse por
causa de sua história. A razão por trás do seu braço ter saído do
lugar .
Quando peguei sua ficha, soube que havia sido agredido e
espancado, e só por ler já fiquei tocado e indignado pela situação.
Soube por Juan que ele veio com uma garota que também foi
abusada e que estava aos cuidados de outro médico, e foi só isso
que soube a respeito
— Juan, junto com os exames, faça um encaminhamento
para a psicologia com a doutora Bruna.
Doutora Bruna é uma ótima profissional, psicóloga do meu
amigo Felipe e ainda faz um valor em conta para pacientes e
funcionários do hospital.
Enviei uma mensagem à July avisando que em uma hora no
máximo estaria pronto. Precisava só passar nos quartos dos
pacientes que atendi hoje, inclusive no quarto de Julio.
Durante todo meu trabalho, July não respondeu. Até ligar, eu
liguei. Passei na lanchonete e soube que havia saído uma hora mais
cedo. Antonio, que soube há alguns dias ser seu irmão, para o alivio
do meu ciúme idiota e sem o menor cabimento, e Marisa que é a
gerente e também mãe dos dois, não estavam lá a essa hora.
Saí do quarto de um dos meus pacientes, já aceitando o bolo
que levei. Precisaria só passar no quarto de Julio e ir embora.
Soube por Juan, que fazia seu acompanhamento, que no raio-x,
como havia visto, seu braço foi apenas deslocado, além de ferido
com uma arma branca. O corte, que foi um pouco acima do
cotovelo, havia sido profundo, e necessitou de alguns pontos .
Um tempo antes, vi uma senhora entrando no quarto de Julio
com um policial. Curioso, perguntei para Juan quando o encontrei.
Fiquei feliz quando me disse que o policial informou que os três
agressores foram pegos e estavam detidos. Julio ficou a sós para
dar seu depoimento, assim como a garota que veio com ele, então
não sei o que aconteceu de fato.
Tempo depois, próximo ao quarto de Julio, avistei as
senhoras que estavam sentadas do lado de fora e mais tranquilas.
Já a minha tranquilidade, que naquele momento era mínima,
evaporou de vez ao ver Marisa abraçada a Julio, que choramingava
de dor, e Antônio em pé, aflito.
— Boa noite!
Pela primeira vez os olhos de Julio cruzaram com os meus.
Eles brilhavam pelas lágrimas, mas eram lindos e... familiares? Seu
rosto estava inchado e com hematomas roxos no lábio e bochecha
direita, o mesmo lado de seu braço machucado. Assim que o rapaz
desviou seu olhar dos meus e baixou seu rosto timidamente, voltei a
falar.
— Dona Marisa, Tony, tudo bem?
— Doutor Petrus — os dois falaram juntos e surpresos.
O que deu neles? Eu sou médico cirurgião ortopédico, não é
nenhuma surpresa a minha presença. Mas, encontrá-los no quarto
desse rapaz, que é uma surpresa.
— Como vai, doutor? — Marisa falou, vindo até mim.
— Bem, obrigado. Vim ver como Julio está. — Voltei minha
atenção para ele. — Se sente melhor?
Sabia que havia tomado medicação na veia para dor, e mais
uma vez ele só me respondeu com um aceno.
— Que bom. Meu turno já está acabando e você é meu
último paciente, acredito que receba alta mais tarde ou no máximo
amanhã. Você ficará com o doutor Rodolfo, clínico geral, a partir de
agora. Tudo bem, Julio?
Ele acenou novamente com a cabeça enquanto Marisa e
Tony olhavam para ele e para mim.
— E vocês, são parentes do Julio? — perguntei, apesar de
querer perguntar porque July não atende o celular. Mas não ia dar
uma de cara grudento para a mãe e irmão.
July… Julio… Olhei novamente para o rosto do rapaz
deitado na maca. Ou melhor, para os cabelos negros, já que seu
rosto estava para baixo.
— Bom, é! Somos. Somos, sim. Né, Antonio?!
— É, mãe. Somos, parentes! É isso aí!
— A July então é parente também?! — perguntei, achando a
situação muito estranha.
— A July? — Tony perguntou, um pouco alto.
— Claro! Claro que é! — A mãe deles respondeu.
— É minha irmã! — A voz baixa de Julio chegou ao meu
ouvido. — Gêmea. A... July… é minha irmã gêmea.
— Ah! — exclamei surpreso. — Não sabia. Bom, ainda não
falamos das vidas um do outro, não tinha como eu… bom… —
Fiquei sem graça ali, mas já que havíamos falado dela... — Aliás, e
ela? Veio com vocês?
— Não, ela não veio conosco. Estávamos no mercado,
esqueci o celular no carro e o do Antônio acabou a bateria. Quando
voltamos para o carro que vi as ligações, me desesperei e corremos
para cá.
— Ah, sim! Tentei ligar para ela. Nós íamos… sair hoje. —
Minha nossa! Por que cazzo estou sem graça?
— O telefone dela deve estar descarregado também. Ela…
— Tony foi interrompido novamente pela voz fraca de Julio.
— Ela teve que ir embora. — Olhei para ele que fugia do
meu olhar o tempo todo. — Digo, ela precisou voltar para nossa
cidade natal. O… meu pai está doente. Soubemos hoje a tarde que
é terminal e ele pediu para vê-la. A July estava abalada e colocou
umas roupas na bolsa e foi embora para a rodoviária, no caminho
ligou avisando que estava com pouquíssima bateria e esqueceu o
carregador.
— Ah, sinto muito pelo seu pai! — foi a única coisa que
consegui falar .
Não tinha porque me avisar de alguma coisa. Ok, íamos sair,
ficamos ontem, mas comparado ao desespero e a viagem, seu
silêncio era até mesmo algo compreensível, certo?
— Ela saiu correndo, estava muito triste, preocupada. Talvez
amanhã você consiga falar com ela. Ela não o ignorou por maldade
— Julio falava enquanto mexia no lençol com a mão do braço bom.
— E você não quis ir junto? — Me vi perguntando e me
metendo na vida de um paciente, mas que também era irmão da
garota que eu estava a fim. Ma cazzo, eu disse “a fim”? —
Desculpa, eu não quis me meter.
— Tudo bem eu… é…
— Ele não foi porque ele… — Marisa começou a falar.
— Eu sou gay — Julio a cortou — e meu pai me odeia. Ele
não me aceita. É preconceituoso igual aos que me bateram hoje.
Ele me expulsou de casa quando me assumi ainda novo, July não
quis me deixar e foi embora comigo. Marisa e Tony eram nossos
vizinhos, eles nos acolheram. São minha única família agora.
Eu não sabia o que responder. Julio falava baixo e rápido.
Marisa e Antônio concordavam com a cabeça para tudo o que ele
dizia.
— Sinto muito, Julio. Pelo que passou no passado e por
hoje. Existe muita gente ruim nesse mundo, mas muita gente boa
também, como Marisa, Antônio, July e as senhoras que te
resgataram. Você é um cara forte. Ficará bem.
Julio levantou seu rosto para mim. Mesmo com o rosto
inchado, vermelho e roxo, ele sorriu timidamente e seus olhos... era
estranho, mas seus olhos alcançaram minha alma.
— Bom, eu já vou indo. Vocês eu provavelmente vejo
amanhã no almoço lá na lanchonete — falei apertando a mão de
Antônio e Marisa, que riram e me deram boa noite. — E você, Julio,
espero te ver em breve e bem melhor e mais forte que hoje.
— Boa noite, doutor Petrus — ele me respondeu baixinho e
sorriu de lado mais uma vez. Sorte que ele desviou novamente seu
olhar do meu, pois estava preso a eles.
Fui embora para casa. July não me respondeu, seu celular
ainda estava desligado. Custei a dormir pensando nela… e em Julio.
Aquele rapaz todo ferido na cama do hospital me tocou de um jeito
que me deixou estranho. Coloquei em minha cabeça que fiquei
assim pelo fato de ser o gêmeo da July e essa mulher estar
causando um enorme furacão dentro de mim. 
 
 
Acordei um pouco confuso. Quando percebi onde estava,
comecei a chorar

Continue navegando