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Autoras: Profa. Nilsa Sumie Yamashita Wadt Profa. Ivana Barbosa Suffredini Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Profa. Eliane Maria de Almeida Orsine Farmacognosia Professoras conteudistas: Nilsa Sumie Yamashita Wadt / Ivana Barbosa Suffredini Nilsa Sumie Yamashita Wadt Farmacêutica-bioquímica formada pela Universidade de São Paulo (1988), possui doutorado em Fármacos e Medicamentos, mais especificamente na área de insumos farmacêuticos (área de farmacognosia), também pela Universidade de São Paulo (2000). Trabalhou na indústria farmacêutica na área de controle de qualidade e foi proprietária de drogaria por mais de 10 anos. Atualmente, ministra aulas de Farmacognosia e Controle de Qualidade, além de ser pesquisadora e pertencer ao grupo de pesquisa sobre Estudo Estrutural, Bioquímico, Fisiológico e Molecular da Interação Parasita-Hospedeiro na Universidade Paulista. Como pesquisadora, coordena a pesquisa clínica nos municípios de Valinhos e Jundiaí utilizando folhas de goiaba e pitanga em processos de cicatrização, além de óleo e hidrolato de melaleuca, além de realizar outras pesquisas com plantas e seus derivados, bem como desenvolver estudos na área agrícola. Atua como consultora na área de plantas medicinais e fitoterápicos, principalmente na implantação da fitoterapia nos municípios do estado de São Paulo, com elaboração de mementos e formulários fitoterápicos. Coordena ainda o Grupo de Plantas Medicinais do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (do qual vocês podem fazer parte, como estudantes). É autora de artigos científicos e de uma patente que pertence à Universidade Paulista. Ivana Barbosa Suffredini Graduada em Farmácia, possui mestrado (1997) e doutorado (2000) em Fármaco e Medicamento pela Universidade de São Paulo, além de pós-doutorado (2011) em Toxicologia pela Universidade Paulista. Atua como professora titular da Universidade Paulista, docente permanente nos PPGs em Patologia Ambiental e Experimental (Conceito CAPES 5) e em Odontologia (Conceito CAPES 4), além de ser responsável pelo Núcleo de Pesquisas Biodiversidade (NPBio) e membro da Comissão de Ética no Uso de Animais, ambos da Universidade Paulista. Atua na área de Farmacognosia, Microbiologia, Farmacologia e Toxicologia de Plantas Medicinais, nos temas de avaliação da atividade antitumoral, antimicrobiana, antioxidante, da toxicidade geral e de alterações comportamentais de extratos vegetais e óleos essenciais aplicados à medicina veterinária e humana e em odontologia. É, ainda, uma das principais pesquisadoras do Projeto Rio Negro, líder dos Grupos de Pesquisa de Atividades Biológicas, Farmacológicas e Toxicológicas de Produtos Naturais e Terapêutica Medicamentosa Aplicada às Ciências da Saúde, além de pesquisadora dos Grupos de Pesquisa Neuropsicofarmacologia Experimental e Ambiental, Esquemas Terapêuticos e Curativos Propostos e Preconizados no Tratamento das Doenças Bucais. Autora de vários trabalhos científicos e de duas patentes que pertencem à Universidade Paulista. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) W125f Wadt, Nilsa Sumie Yamashita. Farmacognosia / Nilsa Sumie Yamashita Wadt, Ivana Barbosa Suffredini. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 220 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Botânico. 2. Cromatografia. 3. Metabolismo. I. Wadt, Nilsa Sumie Yamashita. II. Suffredini, Ivana Barbosa. III. Título. CDU 615.3 U511.57 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Talita Lo Ré Bruna Baldez Bruno Barros Sumário Farmacognosia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 LEGISLAÇÃO ENVOLVENDO PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERÁPICOS ....................................... 11 2 DEFINIÇÕES EM FARMACOGNOSIA ......................................................................................................... 14 3 IDENTIFICAÇÃO BOTÂNICA .......................................................................................................................... 28 3.1 Sistemática vegetal e taxonomia vegetal .................................................................................. 28 4 IDENTIFICAÇÃO BOTÂNICA: ASPECTOS MORFOLÓGICOS ................................................................ 36 4.1 Morfologia vegetal .............................................................................................................................. 36 4.2 Tecidos vegetais .................................................................................................................................... 49 4.3 Morfologia externa dos vegetais ................................................................................................... 67 4.3.1 Raiz ............................................................................................................................................................... 68 4.3.2 Folhas ........................................................................................................................................................... 75 4.3.3 Flor ................................................................................................................................................................ 89 4.3.4 Fruto ............................................................................................................................................................. 92 4.3.5 Semente ...................................................................................................................................................... 96 Unidade II 5 PRODUÇÃO E CONTROLE DE QUALIDADE DE DROGAS VEGETAIS ............................................108 5.1 Produção de drogas vegetais.........................................................................................................108 5.2 Controle de qualidade de fitoterápicos .....................................................................................120 5.2.1 Cromatografia ....................................................................................................................................... 129 6 PRODUÇÃO DE INSUMOS VEGETAIS .....................................................................................................135 6.1 Métodos de extração a quente e a frio .....................................................................................135 6.1.1 Extrato, tintura e métodos especiais ........................................................................................... 140 Unidade III 7 METABOLISMO VEGETAL ............................................................................................................................1518 METABÓLITOS VEGETAIS .............................................................................................................................160 8.1 Polissacarídeos .....................................................................................................................................160 8.2 Taninos ....................................................................................................................................................174 7 APRESENTAÇÃO Caros alunos, é um prazer poder compartilhar nosso conhecimento com vocês. Este livro-texto é resultado da experiência que adquirimos nesses anos todos em que utilizamos, estudamos e divulgamos as plantas medicinais e os fitoterápicos. Nossa disciplina tem como objetivo proporcionar a vocês o conhecimento sobre as plantas medicinais, drogas vegetais e seus derivados. Aqui, as plantas medicinais serão estudadas segundo os pontos mais importantes para o profissional da área, ou seja, aqueles utilizados na prática do dia a dia. Nesse sentido, os aspectos botânicos também serão abordados de forma aplicada, tanto na perspectiva macroscópica como microscópica. A divisão do livro-texto foi pensada de forma que vocês consigam entender os principais temas relacionados ao assunto, como os aspectos regulatórios (legislação), a maneira como as plantas são denominadas e a importância da produção e da qualidade dessas espécies vegetais. Os aspectos morfológicos e os aspectos microscópicos mais relevantes para a identificação das plantas serão abordados de forma prática e associada aos conceitos e critérios de qualidade impostos pela legislação brasileira. O conhecimento sobre os vegetais deve englobar também seu metabolismo, dando uma visão sobre como as plantas produzem as substâncias que utilizamos atualmente. Os métodos de extração dos metabólitos primários e secundários (substâncias ativas) presentes nas plantas serão tratados de forma que essas substâncias possam ser utilizadas na prática diária do profissional para fabricação de medicamentos fitoterápicos e fitocosméticos, entre outros. A qualidade das plantas é critério essencial quando se pensa em atividade farmacológica ou toxicologia, por isso o conhecimento dos parâmetros, desde a produção até o medicamento fitoterápico pronto, e das técnicas de controle de qualidade são essenciais para garantir a segurança e efetividade de uma planta ou de um fitoterápico. Este livro-texto apresenta textos explicativos e estruturas químicas, bem como situações cotidianas envolvendo problemas encontrados ao se trabalhar com plantas medicinais e seus derivados. Essa ”vivência didática” tem como objetivo estimulá-los a solucionar problemas da prática farmacêutica, sobretudo aqueles relacionados a plantas medicinais e fitoterápicos. INTRODUÇÃO O estudo de produtos naturais, principalmente as plantas medicinais, tem provocado grande interesse no mundo todo, e o Brasil, como possuidor de uma das maiores biodiversidades (diversidades de espécies vegetais e animais) do mundo, tem farto material de estudo e muito ainda a ser pesquisado. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 1978) incentiva a utilização de plantas medicinais, respeitando a regionalidade e a exploração não predatória desses recursos naturais, bem como a 8 eficácia, a segurança, a qualidade, o uso racional e o acesso das plantas medicinais à população (BRASIL, 2008a, 2012). Para a OMS, a utilização de plantas medicinais e fitoterápicos se enquadra na chamada medicina tradicional e medicina complementar e alternativa. Ela também recomenda que os países elaborem políticas para a sua inserção e utilização, principalmente na Atenção Primária à Saúde (APS) (BRASIL, 2012). A presente disciplina, segundo o Conselho Federal de Farmácia (BRASIL, 2008), é exclusiva para o profissional da área, tratando sobre as plantas medicinais, desde a sua produção até o medicamento pronto. Segundo Oliveira, Akisue e Akisue (1991), o termo farmacognosia vem do grego, correspondendo à junção de duas palavras: pharmakon, que significa “droga, fármaco, medicamento, veneno”, e gnosis, que significa “conhecimento”. Em outras palavras, farmacognosia é o conhecimento da droga, do fármaco, do medicamento ou do veneno. Sempre é bom lembrar que a diferença entre um medicamento e um veneno é a dose, por isso, mesmo em se tratando de medicamentos à base de plantas, os fitoterápicos podem ser tóxicos se administrados de forma errônea. Apesar de nossa disciplina referir-se a produtos de origem natural em geral (isto é, de origem vegetal, animal e mineral) (OLIVEIRA, AKISUE, AKISUE, 1991), aqui nos deteremos principalmente nos produtos de origem vegetal, isso, porque a biodiversidade brasileira é muito grande e a quantidade de plantas medicinais utilizadas pela população é maior do que a quantidade de produtos de origem animal usados. Há várias legislações (como leis, decretos e resoluções da Anvisa) que regulamentam desde a produção à dispensação das plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil; pode-se afirmar que tais normas definem alguns conceitos para que não haja erros de interpretação por parte daquele que trabalha nessa área. Todas as etapas da produção devem ser realizadas em conformidade com as normas de qualidade e, para isso, é necessário que tenhamos todas as informações sobre a planta e os fatores envolvidos em sua conservação. É necessário, ainda, aprender sobre a estrutura das plantas medicinais, tanto com relação aos aspectos macroscópicos (como são e qual a função dos órgãos) quanto com relação aos aspectos microscópicos (de quais células e tecidos são formados os vegetais, além dos compostos químicos presentes). Esses são fatores essenciais para a identificação de falsificações e adulterações, as quais podem alterar a qualidade do produto final e até provocar intoxicações. Seguindo tal linha, vamos estudar qual a melhor forma de extrair esses compostos químicos das plantas, preservando suas características e sua eficácia farmacológica, a fim de que se possa produzir 9 um medicamento de qualidade (na verdade, trata-se de um dos critérios essenciais quando se pensa em um medicamento fitoterápico de excelência). Mas como as plantas produzem esses compostos químicos? Entender as vias de produção (metabolismo) desses compostos é um desafio que nossa disciplina tem, em muitos casos, ainda que estudar e desvendar. Isso ocorre porque conhecer essas vias metabólicas auxilia a manipular e conservar os compostos de forma adequada a fim de manter suas atividades farmacológicas. Muitos desses compostos químicos (metabólitos) são essenciais para a sobrevivência das plantas, como açúcares e aminoácidos, e há outros que auxiliam a planta a se adaptar ao meio ambiente, melhorando sua possibilidade de sobrevivência. Alguns desses compostos serão estudados nesta disciplina. Esperamos que vocês gostem de ler e aprender com este livro-texto e apreciem trabalhar com as plantas, pois elas nos fornecem a base dos medicamentos, visto que, desde os primórdios, os produtos naturais foram os recursos que a humanidade utilizou – e ainda utiliza – no tratamento de doenças. Que a nossa paixão por essa ciência seja também a de vocês. Com dedicação, estudos, pesquisas e aplicação de tudo que compõe este livro-texto. 11 FARMACOGNOSIA Unidade I 1 LEGISLAÇÃO ENVOLVENDO PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERÁPICOS Em 1978, na cidade de Alma-Ata (Cazaquistão), houve a Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde, conferência em que foi definida a necessidade de se incentivar o desenvolvimento e a implantação de pesquisas voltadas ao uso de plantas medicinais e a empregabilidade delas nos sistemas de saúde (ANDRADE et al., 2017; OMS, 1978). Uma resolução da Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (Ciplan), mais precisamente a Resolução Ciplan n. 8, promulgada em 1988, implantou a prática de fitoterapia nos serviços de saúde de forma a orientar, através de ComissõesInterinstitucionais de Saúde (CIS), a inclusão da fitoterapia nas Ações Integradas de Saúde (AIS) e na programação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). A Portaria n. 3.916/GM, de 30 de outubro de 1998, estabeleceu a Política Nacional de Medicamentos, definindo prioridades, diretrizes e responsabilidades da assistência farmacêutica em todos os âmbitos (Federal, Estadual e Municipal) do Sistema Único de Saúde (SUS). Com essa Portaria, a assistência farmacêutica ganhou destaque no que se refere a ter uma gama de medicamentos considerados essenciais, incluindo os fitoterápicos, na Atenção Básica de Saúde. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS foi regulamentada pela Portaria n. 971, de 3 de maio de 2006 (BRASIL, 2006a), incluindo a fitoterapia, a homeopatia, a antroposofia, a medicina tradicional chinesa, a acupuntura e o termalismo social/crenoterapia como práticas integrativas. Em 2017, o Ministério da Saúde incluiu também outras práticas como arteterapia, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga (BRASIL, 2017, 2015a). Essa política abriu as portas para que a fitoterapia passasse a ser utilizada no SUS (BRASIL, 2011a). O Decreto n. 5.813, de 22 de junho de 2006, aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, bem como estabeleceu uma cadeia produtiva, isto é, desde a produção das plantas medicinais até o medicamento fitoterápico, com o envolvimento de vários profissionais, como agrônomos, biólogos, químicos e, principalmente, farmacêuticos, por ser esta a classe que melhor transita em todas as áreas relacionadas a plantas medicinais e fitoterápicos. Com essas legislações, houve o incentivo da inclusão da fitoterapia no SUS e, consequentemente, de toda a estrutura para que se produzisse fitoterápicos de qualidade, podendo a população fazer o uso racional e seguro das plantas medicinais e fitoterápicos (BRASIL, 2019, 2011a). Infelizmente, essa realidade ainda não está presente em grande parte dos municípios brasileiros, apesar de ter 12 Unidade I havido um crescimento nos programas municipais de produção (plantação) e manipulação de plantas medicinais (RIBEIRO, 2019). Em 2008, houve a promulgação da Portaria Interministerial n. 2.960, de 9 de dezembro de 2008, que aprovou o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e criou o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Esse comitê teve a responsabilidade de incluir várias plantas na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), passando a ser possível, então, a distribuição gratuita de medicamentos fitoterápicos pelo SUS, como comprimidos de alcachofra, gel de aroeira e cáscara-sagrada em cápsulas (BRASIL, 2018, 2014b, 2014c). Saiba mais Por meio do link a seguir, você pode ter acesso à Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde, ou seja, a lista de plantas do Renisus. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Renisus: relação nacional de plantas medicinais de interesse ao SUS. Disponível em: https://bit.ly/3tXKgQZ. Acesso em: 27 abr. 2021. A Farmácia Viva, no âmbito do SUS, foi instituída pela Portaria n. 886, de 20 de abril de 2010 (BRASIL, 2010b), devido à necessidade de ampliação da oferta de plantas medicinais e fitoterápicos para atender às necessidades locais, pois, pela Farmácia Viva, são possíveis o cultivo e a manipulação de plantas medicinais (e seus derivados) com qualidade, sendo distribuídas à população para tratamentos diversos. O projeto da Farmácia Viva foi idealizado pelo professor Francisco José de Abreu Matos, da Universidade Federal do Ceará, e “teve como finalidade oferecer, sem fins lucrativos, assistência farmacêutica fitoterápica às comunidades, promovendo o uso correto de plantas de ocorrência regional com atividades terapêuticas cientificamente comprovadas” (MATOS, 1998, p. 17). A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 26, de 13 de maio de 2014, dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos, além do registro e da notificação de produtos tradicionais fitoterápicos. Essa RDC fornece os parâmetros para que um medicamento fitoterápico possa ter seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tornando-se, assim, comercializável. Observação Essa RDC revogou a Resolução da Diretoria Colegiada n. 10, de 9 de março de 2010 (BRASIL, 2010a), a qual dispunha sobre a notificação de drogas vegetais (plantas secas), definindo, por exemplo, os parâmetros de qualidade. 13 FARMACOGNOSIA Para orientar o trabalho com plantas medicinais e fitoterápicos, em 2011, a Anvisa publicou o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira; nesse formulário há o receituário sobre como utilizar as plantas secas e seus derivados (como as tinturas). Em 2018, houve a publicação do primeiro suplemento desse formulário, apresentando novas plantas e algumas adequações de utilização (BRASIL, 2018, 2011b). Trata-se de um material de grande importância para quem trabalha com plantas medicinais e fitoterápicos, principalmente nas Farmácias Vivas. Outra legislação que dá apoio a quem trabalha na área é a Instrução Normativa n. 2, de 13 de maio de 2014: essa instrução contém a lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado e a lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado. Saiba mais Por meio do link a seguir, você pode acessar a IN 2/2014 para conhecer essas listas. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instrução normativa n. 2, de 13 de março de 2014. Publica a “lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado” e a “lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado. Brasília, 2014 Disponível em: https://bit.ly/3aKCGkZ. Acesso em: 27 abr. 2021. A grande maioria das plantas que constam na IN n. 2/2014 é isenta de prescrição médica, o que significa que o farmacêutico pode prescrevê-las – de acordo com a Resolução n. 586 do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que regulamenta a prescrição farmacêutica, reforçando a Resolução n. 546, de 21 de julho de 2011 (BRASIL, 2011c), sobre a indicação farmacêutica de plantas medicinais e fitoterápicos isentos de prescrição. Para reforçar essa posição, o Conselho Regional de Farmácia (CRF), através de seu Grupo Técnico de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, publicou a Cartilha de Plantas Medicinais e Fitoterápicos para auxiliar o profissional farmacêutico na prescrição (BRASIL, 2019). Saiba mais A seguir você tem o endereço de acesso da Cartilha de plantas medicinais e fitoterápicos do CRF. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cartilha de plantas medicinais e fitoterápicos. Disponível em: https://bit.ly/3xoYexv. Acesso em: 20 abr. 2021. 14 Unidade I O que se pode verificar é que, através de várias legislações, o Brasil tem incentivado o cultivo, a manipulação e o controle de qualidade de plantas medicinais e fitoterápicos. A procura por tais fármacos no SUS, entre 2013 e 2015, teve um aumento de 161%, sendo esse um mercado que cresce no mundo inteiro, não apenas no Brasil. Porém, a indústria ainda enfrenta muitos desafios para o lançamento de novos produtos, mesmo com as legislações de incentivo à fitoterapia (MACIEL, 2016, HASENCLEVER et al., 2017). Saiba mais No site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, você tem acesso à legislação completa e também pode consultar outras normas da área da saúde. www.anvisa.gov.br 2 DEFINIÇÕES EM FARMACOGNOSIA O uso correto de termos em farmacognosia é essencial para que não haja qualquer tipo de confusão ou falha em procedimentos. Por isso, trataremos agora das principais definições preconizadas na área, definições que serão retiradas na íntegra da legislação, quando houver, e explicadas a seguir a fim de eliminar qualquer possível equívoco no entendimento. “Planta medicinal: é a espécie vegetal, cultivada ou não, utilizadacom propósitos terapêuticos e/ou profiláticos” (BRASIL, 2018, p. 13). A planta medicinal é aquela que se utiliza fresca, isto é, antes do processo de secagem e conservação, como o chá de hortelã (Mentha sp.) feito com as folhas frescas, colhidas de um vaso ou compradas (frescas) na feira. A planta medicinal deve ter utilização farmacêutica, isto é, pode ser utilizada no tratamento (ou na prevenção) de alguma dor ou doença, mas seus compostos também podem ser utilizados para melhorar uma forma farmacêutica. Por exemplo, podemos colocar um pouco de hortelã para melhorar o odor de um chá, mas em concentração tão baixa que impede qualquer ação farmacológica, apenas melhorando o cheiro do chá e facilitando a sua ingestão. 15 FARMACOGNOSIA A) B) Figura 1 – Planta medicinal: (A) Guaco (Mikania glomerata Spreng), (B) Mentha sp. Drogas vegetais são plantas inteiras ou suas partes, geralmente secas, não processadas, podendo estar íntegras ou fragmentadas. Também se incluem exsudatos, tais como gomas, resinas, mucilagens, látex e ceras, que não foram submetidos a tratamento específico. (BRASIL, 2019, p. 32). A droga vegetal, então, é a planta seca (ou partes dela) que conserva as substâncias que têm ação farmacológica ou podem ser utilizadas com finalidades farmacêuticas. Por exemplo, o chá de camomila, que normalmente é comprado seco, visto que não é comum termos a camomila plantada em vasos ou a encontrarmos em hortas. A) B) Figura 2 – Droga vegetal: (A) Garra do diabo (Harpagophytum procumbens DC. Ex Meisn.), (B) Sene (Senna alexandrina Mill) 16 Unidade I Lembrete Tanto a planta medicinal como a droga vegetal possuem a estrutura celular da planta, isto é, possuem os tecidos que compõem o vegetal. Outro exemplo de droga vegetal é o boldo-do-chile. Visto que ele é, como o próprio nome indica, originário do Chile (e só cresce lá), assim, o boldo que recebemos vem na forma seca. Por isso, só recebemos e utilizamos no Brasil a droga vegetal boldo-do-chile. Já o boldo-de-jardim, esse que as pessoas costumam cultivar no jardim ou em vasos no Brasil, é utilizado como planta medicinal, pois normalmente é utilizado fresco. Droga animal: a droga animal é o animal (ou suas partes) que contenha as substâncias (ou classe de substâncias) que têm atividade farmacológica ou utilização farmacêutica após processo de secagem e/ou conservação (OLIVEIRA; AKISUE; AKISUE, 1998). Um exemplo de droga animal utilizada no seu cotidiano é a cochonilha, um inseto semelhante a um pequeno besourinho que nasce nos cactos, principalmente no Peru e México. Esses “besourinhos” são colhidos e secos, depois são triturados, peneirados e transformados em pó, que pode ser utilizado como corante (possui coloração vermelha). Dessa forma, quando você come um biscoito com recheio vermelho, caso característico dos alimentos com sabor de morango, provavelmente você estará ingerindo esse pequeno inseto, ainda que na forma de corante. Vale ressaltar que não apenas biscoitos, mas sucos, sorvetes, gelatinas e mesmo medicamentos possuem tal elemento em sua composição, cujo nome comercial é Carmim. Trata-se de um corante natural orgânico muito utilizado por, via de regra, não ocasionar alergias e por não ser tóxico, sendo bem tolerado pelo organismo humano. Figura 3 – Cochonilha 17 FARMACOGNOSIA Existem também as drogas derivadas, que podem ser animais ou vegetais (isto é, derivam de animais ou vegetais). Vejamos isso melhor. Drogas derivadas: “são produtos derivados de animal ou vegetal, obtidos diretamente, isto é, sem utilização de processo extrativo delicado” (OLIVEIRA; AKISUE; AKISUE, 1991, p. 3). Nesses casos, a droga derivada provém direto da planta ou do animal, mas o processo de extração é um processo fácil, sem utilização de equipamentos nem técnicas elaboradas, e a droga não possui a estrutura celular do animal ou vegetal presente. Por exemplo, o amido é uma droga derivada vegetal, porque o processo de extração para sua obtenção é simples, bastando cortar uma batata para que o amido fique aderido à faca. Assim, a droga derivada vegetal (no caso, o amido) foi obtida por um processo de extração simples e não contém a estrutura celular da planta, uma vez que o amido que estava dentro da célula vegetal foi extraído quando esta última foi rompida. Vale esclarecer que, apesar de não possuir atividade farmacológica, o amido possui utilidade farmacêutica, constituindo-se em uma necessidade farmacêutica (OLIVEIRA; AKISUE; AKISUE, 1991) de extrema importância para a elaboração de comprimidos, cabendo-lhe a função de induzir a adesão (liga) entre os pós ou aumentar a viscosidade de uma formulação. Lembrete O amido é uma droga derivada vegetal e uma necessidade farmacêutica. O látex da papoula (Papaver somniferum L.) é extraído através de cortes na cápsula floral e, depois de seco, recolhido e prensado, é chamado de pão de ópio. O ópio (droga derivada vegetal) possui atividade farmacológica como hipnoanalgésico, em outras palavras, provoca sonolência e diminui a dor. Do ópio se extrai a morfina e a codeína, entre outros princípios ativos, que são importantes compostos farmacêuticos muito utilizados em hospitais. A morfina, por exemplo, é um importante analgésico utilizado em casos de dores muito fortes. Figura 4 18 Unidade I Um exemplo de droga derivada animal é o mel, visto que quem o produz é a abelha, mas, para se consumir o mel, retira-se a abelha. Assim, a estrutura celular da abelha, que deu origem ao mel, não está presente na droga derivada animal (o mel). A extração do mel é simples, basta retirar o favo da colmeia (pense em abelhas que não picam, assim fica mais fácil o raciocínio). Cabe lembrar que o mel pode ser utilizado como edulcorante, isto é, para dar sabor (doce) a uma formulação. Figura 5 – Favo de mel com abelhas Derivado vegetal: “é o produto da extração da planta medicinal in natura ou da droga vegetal, podendo ocorrer na forma de extrato, tintura, alcoolatura, óleo fixo e volátil, cera, exsudado e outros” (BRASIL, 2011, p. 10). O derivado vegetal é um produto que deriva do vegetal, mas necessita de um processo sofisticado para sua obtenção. O óleo volátil (odor das plantas), por exemplo, é extraído por destilação (COSTA, 2002), que é um processo sofisticado por demandar aquecimento, verificação de temperatura e tempo de aquecimento, necessitando, assim, de certa tecnologia. Figura 6 – Obtenção de óleo volátil por destilação: hidrodestilação em aparelho de Clevenger 19 FARMACOGNOSIA Figura 7 – Óleo volátil Princípio ativo: substância quimicamente bem definida que possui atividade farmacodinâmica (OLIVEIRA; AKISUE; AKISUE, 1991). São exemplos de princípios ativos o ácido acetilsalicílico, a dipirona e a cafeína. Figura 8 – Princípio ativo: estrutura química do ácido acetilsalicílico 20 Unidade I Figura 9 – Princípio ativo em comprimido Princípio inativo: substância que não apresenta atividade farmacodinâmica, isto é, sem ação farmacológica, porém com importância farmacêutica (OLIVEIRA; AKISUE; AKISUE, 1998). Por exemplo, os corantes e os conservantes, entre outras substâncias, são considerados princípios inativos, uma vez que melhoram a formulação, no entanto, não têm atividade farmacológica. Matéria-prima: “é todo insumo ativo ou inativo empregado na fabricação de fitoterápicos, tanto os que permanecem inalterados quanto os passíveis de modificações” (BRASIL, 2018, p. 10). Todos os compostos que entram na fabricação de um medicamento são considerados matéria-prima, caso do corante, do amido que promove a adesão dos pós e do próprio princípio ativo. Matéria-prima vegetal: “compreende a planta medicinal, a droga vegetal ou o derivado vegetal” (BRASIL, 2011, p. 12). Figura 10 – Matéria-prima vegetal 21 FARMACOGNOSIA Adjuvante: “substância de origem natural ou sintética adicionada ao medicamento com a finalidade de prevenir alterações, corrigir e/ou melhorar as características organolépticas, biofarmacotécnicase tecnológicas do medicamento” (BRASIL, 2004, p. 1). Os adjuvantes farmacêuticos são chamados também de excipientes, nada mais do que substâncias auxiliares (sem atividade farmacológica) diretamente envolvidas na composição da formulação e que influenciam na liberação dos princípios ativos do medicamento (TONAZIO et al., 2011). Fitocomplexo: “conjunto de todas as substâncias originadas do metabolismo, primário ou secundário, responsáveis, em conjunto, pelos efeitos biológicos de uma planta medicinal ou de seus derivados” (BRASIL, 2014, p. 3). Uma planta não possui apenas um composto que é responsável pela atividade farmacológica; são vários compostos (metabólitos) que podem ser responsáveis por uma ou mais atividades farmacológicas. Assim, o termo fitocomplexo engloba todos esses metabólitos e até os que não têm atividade farmacológica, mas são extraídos pelo solvente utilizado. Quadro 1 – Fitocomplexo do extrato padronizado de Gingko biloba L. Classe química Componentes Flavonol monoglicosídeo Canferol-3-O-glicosídeo, Queratina-3-O-glicosídeo, Isoamnetina-3-O-glicosídeo, Canferol-7-O-glicosídeo, Quercetina-3-O-amnosídeo, 3’-O-Metilmirecetina-3-O-glicosídeo Flavonol diglicosídeo Canferol-3-O-rutinosídeo, Quercetina-3-O-rutinosídeo, Isoamnetina-3-O-rutinosídeo, 3’-O-Metilmirecetina-3-O-rutinosídeo, Siringetina-3-O-rutinosídeo Flavonol triglicosídeo Canferol-3-O-α-ramnosil-(1-2-)-α-ramnosil-(1-6)-]-β-glicosídeo, Quercetina-3-O-[α- ramnosil- (1-2-)-α-ramnosil-(1-6)-]-β-glicosídeo, Canferol-3-O-a-(6”’-p-coumaroiglicosil)-β- 1,2-amnosídeo, Quercetina-3-O-a-(6””-p-coumaroiglicosil)-β-1,2-ramnosídeo Flavonol aglicona Canferol. Quercetina. Isoamnetina Bioflavonoide Amentoflavona, Bilobetina, 5’-metoxibilometina, Ginkgetina, Isoginkgetina, Sciadopitisina Terpenos Bilobalide, Ginkgolide A, Ginkgolide B, Ginkgolide C, Ginkgolide j Ácidos orgânicos Acetato, ácido shiquímico, 3-Metoxi-4-Ácido-hidroxibenzóico, 4-Ácido hidroxibenzóico, 3,4-Diidroxibenzóico, 6-Ácido hidroxiquinurênico, Ácido quinurênico, Ácido ascórbico Outros compostos Prodelfinidinas/procianidinas Fonte: Banov et al. (2006, p. 220). Insumo farmacêutico ativo vegetal (Ifav): “matéria-prima ativa vegetal, ou seja, droga, ou derivado vegetal, utilizada no processo de fabricação de um fitoterápico” (BRASIL, 2014, p. 3). 22 Unidade I Figura 11 – Ifavs: extratos secos Fórmula fitoterápica: “relação quantitativa de todos os componentes de um medicamento fitoterápico” (BRASIL, 2004, p. 1). A fórmula fitoterápica é importante, pois possibilita que seja reproduzida por outras farmácias, se necessário. Por exemplo, uma fórmula fitoterápica que é enviada à farmácia de manipulação deve conter as quantidades dos componentes para que o farmacêutico possa reproduzi-la adequadamente. Marcador: Substância ou classe de substâncias, como alcaloides, flavonoides, ácidos graxos etc., utilizada como referência no controle da qualidade da matéria-prima vegetal e do fitoterápico, preferencialmente tendo correlação com o efeito terapêutico. O marcador pode ser do tipo ativo, quando relacionado com a atividade terapêutica do fitocomplexo, ou pode ser analítico, quando não demonstrada, até o momento, sua relação com a atividade terapêutica do fitocomplexo (BRASIL, 2014, p. 3). O marcador é muito utilizado no controle de qualidade químico da matéria-prima vegetal, sendo uma substância de referência para se saber se uma matéria-prima vegetal possui esse composto ou não. Muitas vezes, o marcador é o metabólito que possui a atividade farmacológica, o que é uma vantagem; outras vezes, trata-se de uma substância que não exerce atividade farmacológica, porém, possui características semelhantes às do metabólito ativo (isto é, se a concentração desse metabólito está alta, a do ativo também estará, já se o ativo estiver em baixa concentração, o marcador também estará). Assim, concentrações de metabólitos ativos diferentes podem resultar em um fitoterápico sem eficácia farmacológica. Façamos um paralelo com medicamentos alopáticos: se tivermos o ácido acetilsalicílico (AAS) na concentração de 500 mg, esse medicamento será utilizado como anti-inflamatório e analgésico, porém, se a concentração for de 100 mg, ele atuará como antiagregante plaquetário, evitando a formação de coágulos (trombos). Veja que o princípio ativo é o mesmo, mas, em razão da concentração diversa, haverá uma alteração na atividade farmacológica. Por isso, é muito importante conhecer bem o marcador da matéria-prima que vai ser usada para fabricação de um medicamento fitoterápico, 23 FARMACOGNOSIA porque ela, a matéria-prima vegetal, possui vários metabólitos, havendo a necessidade de se estabelecer um deles como referência de concentração para o controle de qualidade afim de que seja possível relacionar à atividade farmacológica esperada para o fitoterápico. Daremos como exemplo o medicamento fitoterápico composto do extrato padronizado de Gingko biloba. Esse extrato possui 24% de flavonoides, que apresentam atividade antioxidante, e 6% de terpenos, que inibem a agregação plaquetária. Nessa concentração, o Gingko biloba é indicado para arteriopatias crônicas, como a falta de memória decorrente da idade e, nesse caso, os marcadores são os flavonoides, pois são facilmente dosáveis e estão em maior quantidade. Lembrete Um princípio ativo pode desempenhar diferentes atividades farmacológicas de acordo com a concentração em que se apresenta na formulação. Fitoterápico: Produto obtido de matéria-prima ativa vegetal, exceto substâncias isoladas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa, incluindo medicamento fitoterápico e produto tradicional fitoterápico, podendo ser simples, quando o ativo é proveniente de uma única espécie vegetal medicinal, ou composto, quando o ativo é proveniente de mais de uma espécie vegetal (BRASIL, 2014, p. 3). O chá de erva cidreira (Melissa officinalis) com finalidade calmante é um fitoterápico, uma vez que tem atividade calmante. Porém, ele não apresenta uma concentração definida, pois a quantidade da planta medicinal pode variar, assim como a quantidade de água. Mesmo assim, o chá ainda terá uma atividade calmante. Figura 12 – Fitoterápico: chá 24 Unidade I Figura 13 – Fitoterápico: óleo Medicamentos fitoterápicos: “obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e eficácia sejam baseadas em evidências clínicas e que sejam caracterizados pela constância de sua qualidade” (BRASIL, 2014, p. 1). Cabe ressaltar que o registro de um medicamento fitoterápico passa por etapas tão rigorosas quanto aquelas envolvendo o registro de medicamentos alopáticos. Isto significa que precisa haver uma concentração de metabólitos ativos padronizada para que, nessa concentração, possa ser obtida a efetividade farmacológica, a qual, por sua vez, precisa ser comprovada por ensaios clínicos em humanos. A segurança do medicamento fitoterápico tem que ser comprovada, isto é, não pode haver toxicidade na concentração registrada. Produtos tradicionais fitoterápicos: Obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e efetividade sejam baseadas em dados de uso seguro e efetivo publicados na literatura técnico-científica e que sejam concebidos para serem utilizados sem a vigilância de um médico para fins de diagnóstico, de prescrição ou de monitorização [...]. Os produtos tradicionais fitoterápicos não podem se referir a doenças, distúrbios, condições ou ações consideradas graves, não podem conter matérias-primas em concentração de risco tóxico conhecido e não devem ser administrados pelas vias injetável e oftálmica (BRASIL, 2014, p. 1). Os produtos tradicionais fitoterápicos são produtos farmacêuticos elaborados com insumos de plantas que têm sido estudados por mais de 30 anos. Sua eficácia e sua segurança são comprovadas pelo uso tradicional. O produto tradicional não precisa ser testado clinicamente, mas tem que ter sido estudadoem ensaios pré-clínicos, ou seja, em estudos in vitro e in vivo, em animais de laboratório, comprovados pela literatura. Devemos destacar que os produtos tradicionais fitoterápicos não podem ser utilizados em doenças graves. 25 FARMACOGNOSIA Observação Estudos in vitro são aqueles realizados em bancada de laboratório, que utilizam, por exemplo, culturas de microrganismos, culturas celulares e ensaios enzimáticos. Estudos in vivo são os que utilizam animais de laboratório, como ratos, camundongos e coelhos. Não se considera medicamento fitoterápico ou produto tradicional fitoterápico aquele que inclua na sua composição substâncias ativas isoladas ou altamente purificadas, sejam elas sintéticas, semissintéticas ou naturais, e nem as associações dessas com outros extratos, sejam eles vegetais ou de outras fontes, como a animal (BRASIL, 2014, p. 2). Tanto um medicamento fitoterápico como o produto tradicional fitoterápico não podem ter princípio ativo isolado, isto é, substâncias isoladas, aquelas com estrutura muito bem definida, como o ácido acetilsalicílico. Mesmo a cafeína, que é extraída do café e do guaraná, quando extraída e purificada, não pode ser adicionada ao medicamento fitoterápico, pois, se isso for feito, esse produto se tornará um medicamento. Vejamos um exemplo: no guaraná (Paullinia cupana), há várias substâncias (metabólitos) que desempenham um estímulo excitatório no sistema nervoso central (SNC), sendo as principais as metilxantinas. As metilxantinas, por sua vez, são compostas de três substâncias principais: cafeína, teofilina e teobromina. Quando temos metilxantinas em uma planta, elas são encontradas em conjunto, ou seja, como uma mistura dessas substâncias. Pensemos em outro exemplo: no café (Coffea arabica), temos principalmente a cafeína, mas não apenas cafeína, pois a teofilina pode estar presente, ainda que em concentração bem menor, isso ocorre porque essas duas metilxantinas não estão isoladas, mas em conjunto. Figura 14 – Estrutura das metilxantinas 26 Unidade I Quadro 2 – Estrutura química das metilxantinas Substância Radical químico R1 R2 R3 Cafeína -CH3 -CH3 -CH3 Teofilina -CH3 -CH3 -H Teobromina -H -CH3 -CH3 Observe que as metilxantinas possuem uma estrutura química em comum, porém são diferentes devido aos radicais diferentes. A cafeína possui três metilas, a teofilina possui duas metilas e teobromina também possui duas metilas, mas em posições diferentes das da teofilina. Dessa forma, a cafeína é princípio ativo isolado e não pode ser utilizado em medicamento fitoterápico. Já a metilxantina é um fitocomplexo, um conjunto de várias substâncias, podendo, portanto, ser utilizada na fabricação de medicamento fitoterápico ou produto tradicional fitoterápico. Medicamento: “é o produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, que contém um ou mais fármacos e outras substâncias, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico, em que está estabelecida a relação prescritor-farmacêutico-usuário” (BRASIL, 2011, p. 12). O medicamento possui princípio ativo isolado, isto é, substância com estrutura química muito bem definida (sabe-se quantos carbonos, oxigênios, hidrogênios etc. essa molécula apresenta). Retome a estrutura das metilxantinas: a cafeína, teofilina e teobromina são princípios ativos, moléculas com estrutura química muito bem definida. Exemplo de aplicação Pesquise em drogarias ou no site da Anvisa os remédios que estão registrados como medicamento fitoterápico e como produto tradicional fitoterápico. Fitoterapia: “é a profilaxia e o tratamento de doenças e distúrbios da saúde através de plantas, bem como por partes de plantas, e pelas suas preparações” (FINTELMANN, WEISS, 2014, p. 3). A fitoterapia é o tratamento ou a prevenção de doenças por meio da utilização de plantas e seus derivados, conforme os preceitos da alopatia (ANVISA, 2020). Na fitoterapia, encontra-se a concentração de substâncias ativas, podendo haver seu doseamento, ainda que a concentração seja muito baixa. 27 FARMACOGNOSIA Figura 15 – Fitoterapia Homeopatia: “sistema de saúde complexo de caráter holístico baseado no princípio vitalista e no uso da lei dos semelhantes, foi desenvolvida por Samuel Hahnemann no século XVIII” (BRASIL, 2019, p. 14). De acorodo com a Anvisa (2020), a homeopatia baseia-se no princípio semelhante cura semelhante. Isso significa que uma pessoa doente pode ser curada por um medicamento que é capaz de produzir sintomas parecidos em uma pessoa sadia. Em um tratamento homeopático, o clínico deve observar cuidadosamente e considerar cada paciente como único (ANVISA, 2020). Na homeopatia há o tratamento do paciente como um todo através dos processos de dinamização (energia) e diluições sucessivas. Nessa linha, não se consegue fazer o doseamento da concentração dos ativos. Figura 16 – Medicamento homeopático Alopatia: “tratamento médico, caracterizado pela prescrição de remédios, capaz de provocar no organismo o efeito contrário ao causado pela doença que se deseja combater” (DICIO, 2020). A alopatia trata os sintomas, por exemplo, se você tem uma dor de cabeça, o medicamento alopático será um analgésico para diminuir a dor, porém, não necessariamente terá efeitos sobre a causa da dor. 28 Unidade I Figura 17 – Medicamento alopático 3 IDENTIFICAÇÃO BOTÂNICA 3.1 Sistemática vegetal e taxonomia vegetal “Sistemática é a ciência que estuda a classificação, a identificação e a nomenclatura das plantas” (JOLY, 1998, p. 3). Mais recentemente, o conceito de sistemática passou a ser o de ciência que classifica a biodiversidade e determina quais são as relações existentes entre as diversas espécies (JUDD et al., 2009). Já o termo taxonomia, muitas vezes usado como sinônimo de sistemática, tem uma definição mais específica, relacionada à “organização” mais ampla dessa identificação, como se a sistemática fosse a organização por um empilhamento de livros e a taxonomia fosse a organização da pilha de livros por assuntos e autores. Assim, a taxonomia vai se preocupar em agrupar as espécies de acordo com as suas semelhanças, dando um nome científico adequado para cada uma das delas (espécies). Como as noções de classificação vegetal estão voltadas para nosso curso, vamos nos ater à parte da sistemática que nos interessa diretamente. Lembrete Apesar de o termo taxonomia muitas vezes ser usado com um sinônimo de sistemática, cada um deles possui um significado próprio (e bastante diferente). Para pensarmos em um sistema de classificação, podemos pensar em como nós identificamos nossos parentes. Por exemplo, temos nossos primos e tios que têm semelhança conosco, pois pertencem à mesma família (OLIVEIRA, AKISUE, 1993). No caso das plantas, o sistema organizacional é parecido, e a família das plantas indica que elas têm características semelhantes. Sendo assim, todas as plantas da família Lamiaceae possuem uma característica comum nas suas flores, que é o formato de uma “boquinha” (essa característica é tão evidente que, antigamente, a família era chamada de Labiatae, 29 FARMACOGNOSIA exatamente em razão da semelhança de suas flores com lábios humanos). Mas essa mesma família possui outra característica comum: no aspecto químico, todas as plantas dessa família possuem óleos voláteis (odor) (JOLY, 1998). Assim, estipulou-se que os nomes dados ao grupamento de família possuiriam a terminação -aceae. Por exemplo, a família da erva-cidreira verdadeira (Melissa officinalis L.) é a família Lamiaceae, já a erva-cidreira brasileira (Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton.& Wilson) pertence à família Verbenaceae. Retomemos a ideia da família humana. Na nossa família, temos os irmãos, que são mais próximos da gente. No caso da botânica, os irmãos representariam o mesmo gênero, , seriam duas plantas com características muito semelhantes. Por fim, temos você, um indivíduo com características específicas, que, em uma comparação com o que se dána organização das plantas, representaria o que denominamos de espécie. A nomenclatura botânica é essencial quando se trabalha com plantas medicinais, pois há muitas plantas que possuem nomes populares diferentes. Por exemplo, a mandioca (Manihot esculenta Crantz) é conhecida também como macaxeira e aipim. Dependendo da região, um nome popular pode prevalecer, porém o nome científico é sempre o mesmo, indicando que se trata da mesma planta. Outras vezes, plantas diferentes têm o mesmo nome popular, como a já citada erva-cidreira. A verdadeira erva-cidreira, estudada e denominada como tal, é a Melissa officinalis L., porém o capim-limão Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. também é conhecido como erva-cidreira, ainda que não se trate da verdadeira erva-cidreira. Além do capim-limão, outra planta conhecida como erva-cidreira brasileira é a Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton.& Wilson, muitas vezes também vendida como melissa. Como podemos observar, plantas diferentes podem receber o mesmo nome popular. Mas e quanto a sua atividade farmacológica? Elas possuem os mesmos efeitos? No caso das erva-cidreiras, pode-se afirmar que a Melissa officinalis L. possui atividade calmante eficiente, a Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton.& Wilson (erva-cidreira brasileira) possui uma atividade calmante, porém em menor intensidade, já o Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. (capim-limão) possui uma atividade calmante bem menor, possuindo um efeito digestório mais proeminente (BRASIL, 2019; PLANTAS MEDICINAIS, 2018; BARNES; ANDERSON; PHILLIPSON, 2012; WAGNER; WIESENAUER, 2006; ALONSO, 2004). Observação Um engano muito comum é confundir o capim-limão Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. com a citronela (Cymbopogon sp), uma vez que ambos são parecidas, porém a citronela atua como repelente (odor de eucalipto) e pode ser tóxica se ingerida. 30 Unidade I Figura 18 – Melissa officinalis L. (erva-cidreira) Figura 19 – Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. (capim-limão) 31 FARMACOGNOSIA A) B) Figura 20 – Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton.& Wilson (erva-cidreira brasileira) Figura 21 – Cymbopogon sp (citronela) 32 Unidade I É importante que a nomenclatura botânica seja escrita de forma correta, isto é: espécie (gênero + epíteto específico), autor do binômio, variedade (quando aplicável) e família (BRASIL, 2014a). O gênero é o primeiro nome que aparece e é grafado com letra maiúscula e em itálico (ou se for manuscrito, deve ser grifado). Assim, nos nomes científicos vistos anteriormente, Melissa, Cymbopogon e Lippia representam o gênero. Como também discutimos, plantas do mesmo gênero possuem características muito parecidas; não à toa a confusão entre o capim-limão e a citronela, ambos pertencentes ao gênero Cymbopogon. Quanto às diferenças, podemos assinalar que o capim-limão tem um odor semelhante ao de limão e a citronela um odor semelhante ao de eucalipto. Além do odor, outra diferença está no tipo de crescimento das duas plantas: o capim-limão (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf.) tem um crescimento mais ereto, enquanto as folhas da citronela (Cymbopogon sp.) tem um crescimento ereto no início, mas, posteriormente, suas folhas começam a pender (isto é, cair), ficando encurvadas e com tamanho maior. Apesar disso, para uma pessoa leiga, não é tão simples distinguir uma planta da outra (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). “[Uma] Espécie pode ser considerada como um grupo de indivíduos que se assemelham e que são capazes de se intercruzarem, originando descendentes férteis” (OLIVEIRA; AKISUE, 1993, p. 6). O nome da espécie é composto pela combinação do epíteto de gênero e do epíteto específico, que também são grafados em itálico (ou grifados, se na forma manuscrita). Assim, o gênero mais a denominação relativa à espécie resulta no nome científico que vai diferenciar uma espécie de outra. Perceba que quando citamos, anteriormente, a citronela, grafamos seu nome científico como Cymbopogon sp. Isso significa que definimos apenas o gênero, não a espécie, de maneira que a citronela em questão pode tanto ser a espécie Cymbopogon winterianus Jowitt como a espécie Cymbopogon nardus Rendle (WANY et al., 2013; SHASANY et al., 2000). Ambas são muito parecidas, necessitando, para uma diferenciação adequada, de análises mais específicas, como uma cromatografia gasosa (CG). Esse tipo de análise relaciona os diferentes componentes do óleo volátil (odor) de cada uma das espécies de citronela, determinando se é a citronela do Ceilão (Cymbopogon nardus Rendle) ou a de Java (Cymbopogon winterianus Jowitt) – vale ressaltar que esta última é considerada de melhor qualidade em razão da composição dos óleos voláteis, mais ricos em citronelal, geraniol e citronelol (WANY, 2013). Mas, nos exemplos citados anteriormente (citronela), após o nome científico da espécie (gênero + epíteto da espécie), há um outro nome escrito sem qualquer destaque (sem estar escrito em itálico, isto é, em grafia normal); esse nome representa o nome do autor que descreveu e estudou a planta. Por exemplo, no caso de Cymbopogon winterianus Jowitt, Jowitt é o nome do estudioso, já no caso do capim-limão, Cymbopogon citratus (DC.) Stapf., um nome entre parênteses e depois outro nome, ambos escritos em grafia normal (sem itálico). Aqui, o primeiro nome, que está entre parênteses, corresponde ao primeiro autor a descrever essa planta, no caso, De Candole, abreviado como (DC.), e Stapf. equivale ao segundo autor a estudar essa espécie, reclassificando-a (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). 33 FARMACOGNOSIA Lembrete Em um nome científico, o termo entre parênteses representa o nome do primeiro autor, já o segundo, que vem depois e fora dos parênteses, corresponde ao segundo autor que descreveu e estudou a planta em questão. Outro exemplo é o nome científico da erva-cidreira brasileira, Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton.& Wilson. Aqui, Lippia corresponde ao gênero, Lippia alba identifica a espécie, (Mill) representa o primeiro autor que a estudou e N.E.Br. ex Britton.& Wilson equivale ao nome dos segundos estudiosos que se debruçaram sobre a espécie. A confusão com a identificação se deve ao fato de muitas plantas terem recebido seus nomes com base no seu uso tradicional, aquele que é passado de geração a geração (BRASIL, 2014a), sendo, por vezes, relacionadas a outras plantas que tinham a mesma utilização. Por exemplo, no Brasil, quando falamos em boldo, a imagem que nos vem à mente é a de uma planta com cerca de um metro de altura, um arbusto, com folhas verdes grossas, “peludinhas” como uma lã. As bordas são parecidas com dentinhos e a folha tem de 7 a 10 cm. Pois é… Esse não é o boldo-do-chile (Peumus boldus Molina). O que se conhece como boldo, no Brasil, é o boldo-do-jardim (Plectranthus barbatus Andrews), mas há também o boldinho ou boldo-rasteiro, que é o Plectranthus neochilus Schltr. Este possui folhas semelhantes ao do boldo-do-jardim, porém são menores. E ainda, para completar a confusão, temos o boldo-baiano, conhecido também como estomalina, que é a espécie Vernonanthura condensada (Baker) H.Rob. (HARAGUCHI; CARVALHO, 2010). O boldo-do-chile, Peumus boldus Molina, é o que foi mais estudado, possuindo literatura internacional e tendo sido incluído na Farmacopeia Brasileira. No entanto, como anteriormente citado, ele só cresce no Chile, devido às condições climáticas. Esse boldo tem as folhas duras, como um couro (coriáceas), e, sobre a lâmina da folha (parte superior), encontram-se várias protuberâncias, como “verruguinhas”, além disso, as bordas da folha são lisas e viradas para dentro (BRASIL, 2010). Assim, no Brasil, encontramos o boldo-do-chile somente na forma de droga vegetal (folhas secas), pois ele é importado do Chile. Podemos perceber que esses “boldos” são muito diferentes entre si, não é? Mas por que, então, todas essas plantas são chamadas de boldo? Basicamente, porque todas possuem sabor amargo e são utilizadas como digestório; em tempos passados, aqui no Brasil, aquiloque é amargo a população “antiga” denominava de boldo (MATOS, 2007; ALONSO, 2004; SOUZA et al., 2004; MATOS, 1998). Nas figuras a seguir, é possível observar a diferença entre essas plantas. 34 Unidade I Figura 22 – Peumus boldus Molina (boldo-do-chile) Figura 23 – Plectranthus barbatus Andrews (boldo-do-jardim) Figura 24 – Plectranthus neochilus Schltr. (boldinho) 35 FARMACOGNOSIA Figura 25 – Vernonanthura condensada (Baker) H.Rob. (boldo baiano) Algumas espécies vegetais, como a goiaba, podem apresentar pequenas diferenças em determinados aspectos, como a coloração. Assim, a variedade é uma maneira de identificar as espécies de plantas de forma mais precisa. Por exemplo, temos a variedade de goiaba vermelha e a variedade de goiaba branca; temos, como espécie, Psidium guajava L., mas a variedade que tem frutos com polpa vermelha é a Psidium guajava var. pomifera L. e a que tem frutos com polpa branca é a Psidium guajava var. pyrifera L. No caso das goiabas, até a cor da casca, quando maduras, é diferente: a vermelha fica com a casca amarelada e a branca a casca continua verde. O sabor é semelhante e a estrutura dos frutos e demais órgãos, como folhas, flores, caule, raiz, são muito parecidos ou mesmo iguais (LORENZI; MATOS, 2002). Figura 26 – Goiabas vermelha e branca 36 Unidade I Uma confusão que pode ocorrer em relação aos nomes científicos é quando aparecem as sinonímias científicas, que são outros nomes científicos pelos quais as plantas podem ser encontradas. Um exemplo é a camomila: o nome aceito é Matricaria chamomilla L., mas ela também pode ser encontrada como Matricaria recutita L. e Chamomilla recutita (L.) Rauschert. Mas por que três nomes para uma mesma planta? Na verdade, existem outros ainda, mas esses são os aceitos atualmente. Essa pluralidade de nomes se deve ao fato de que, quando iniciou-se a classificação das plantas, não havia uma forma de comunicação rápida entre os diversos pesquisadores, então um estudioso encontrava uma planta e lhe dava um nome científico, enquanto, em outro continente, outro pesquisador encontrava a mesma planta e lhe dava outro nome. Quando, mais tarde, descobriam tratar-se da mesma planta, definiam um nome científico para uma dada espécie e mantinham os outros nomes como sinonímia científica (HARAGUCHI; CARVALHO, 2010). Saiba mais Você pode acessar o site indicado a seguir quando tiver dúvidas em relação ao nome científico de alguma planta. Trata-se de uma organização composta de várias instituições científicas, como Kew Gardens e Missouri Botanical Garden. Disponível em: www.theplantlist.org. Acesso em: 23 abr. 2021. Existem herbários oficiais que são locais onde ficam armazenadas as plantas conservadas de tal forma que o pesquisador pode levar uma planta para que se possa identificá-la e, assim, trabalhar com a espécie correta. Esses herbários são importantes, pois possuem coleções de vegetais que podem auxiliar pesquisadores do mundo todo. Normalmente, esses herbários estão em universidades e jardins botânicos, entre outros. A UNIP tem um herbário, que se chama Herbário Unip, contendo mais de 12 mil espécies de plantas brasileiras cadastradas. Nosso herbário também está indexado no Index Herbariorum, sendo internacionalmente reconhecido por isso. Exemplo de aplicação Procure em sites, livros e artigos científicos sobre a hortelã. Você encontrará várias hortelãs! Verifique os nomes científicos e veja que são espécies diferentes. 4 IDENTIFICAÇÃO BOTÂNICA: ASPECTOS MORFOLÓGICOS 4.1 Morfologia vegetal A célula é a unidade fundamental de cada organismo vivo. A estrutura básica de uma célula animal é composta da membrana plasmática, uma barreira semipermeável entre o citoplasma e o meio extracelular. O núcleo contém o material genético (DNA). No citoplasma celular são encontradas (na 37 FARMACOGNOSIA maioria das células) várias organelas, como mitocôndrias (energia), retículo endoplasmático (síntese proteica), lisossomos (enzimas hidrolíticas) e peroxissomos (enzimas oxidativas) (TELSER et al., 2008). A célula vegetal possui organelas, muitas delas iguais e com as mesmas funções das células animais. Por exemplo: as células vegetais possuem mitocôndrias com a função de fornecer energia, núcleo com o material genético, membrana plasmática. Porém, as células vegetais possuem algumas outras estruturas que a diferenciam da célula animal: as células vegetais possuem membrana dupla, a citoplasmática (como a dos animais) e outra de natureza celulósica, também chamada parede celulósica (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Centríolo Núcleo Nucléolo Retículo endoplasmático rugoso Retículo endoplasmático liso Lisossomos Vacúolo central Cloroplasto Parede celular Citoesqueleto Mitocôndria Citoplasma Ribossomos Complexo de Golgi Membrana plasmática Figura 27 – Célula animal e célula vegetal Com relação ao citoplasma, o que diferencia uma célula vegetal das células animais são estruturas como vacúolos, plastos e condrioma (semelhante à mitocôndria, responsável pelos processos respiratórios) (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Os vacúolos são vesículas (bolsas) que contêm substâncias que são solúveis em água (hidrossolúveis), que permanecem em solução, como açúcares, proteínas e minerais (OLIVEIRA, AKISUE, 1993). Os plastídeos, também chamados plastos ou cromatóforos, são corpúsculos que, em sua maioria, armazenam pigmentos e têm um formato semelhante a moedas empilhadas, sendo denominados de acordo com o tipo de pigmento que contêm. Os plastos que armazenam substâncias verdes (clorofila) são os cloroplastos, os eritroplastos armazenam substâncias vermelhas e os xantoplastos substâncias 38 Unidade I amarelas. Porém, há substâncias incolores ou brancas, que são armazenadas nos leucoplastos ou acromatoplastos (sem cor), como o amido, que possui coloração branca (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). Dentro do citoplasma ficam as inclusões citoplasmáticas, de grande importância na identificação de drogas vegetais, já que essas inclusões são características de algumas plantas, o que auxilia em sua identificação. As inclusões celulares podem ser de natureza inorgânica ou orgânica (OLIVEIRA; SAITO, 2016). As inclusões de natureza inorgânica podem ser de oxalato de cálcio, como drusas, rafídeos, cristais prismáticos, areia cristalina ou cristais estiloides, e de carbonato de cálcio, como os cistólitos. As inclusões de oxalato de cálcio são as mais comuns nos vegetais, sendo normalmente originadas por meio do seu próprio metabolismo, mais precisamente pela combinação do ácido oxálico e de sais de cálcio (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). As drusas, também chamadas de maclas, são esferocristais que lembram um ouriço, e que, quando vistas ao microscópio, têm a forma de rosáceas ou “estrelas”. Várias plantas medicinais têm drusas que auxiliam em sua identificação, por exemplo, o maracujá doce (Passiflora alata Ainton) e o maracujá azedo (Passiflora edulis Sims). Ambos possuem drusas, porém o maracujá doce (P. alata) as possui na lâmina foliar, enquanto no maracujá azedo elas estão na região floemática (BRASIL, 2010; BERALDO; KATO, 2010; OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Figura 28 – Drusas 39 FARMACOGNOSIA Figura 29 – Passiflora alata Ainton (maracujá doce) Figura 30 – Passiflora edulis Sims (maracujá azedo) Entre as inclusões inorgânicas, temos também os rafídeos, que possuem forma de agulhas ou microlanças. Os rafídeos são importantes devido à toxicidade que algumas plantas que têm essa inclusão apresentam, como a comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia sp.). Essa planta, que é cultivada em vasos dentro de casa, costuma estar relacionada com intoxicação de crianças e de animais 40 Unidade I domésticos (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). As crianças e os animais, ao morderem as folhas, provocam o rompimento dos idioblastos, que são as células que contêm os rafídeos, e, consequentemente, a liberação dos rafídeos. Esses saem com pressão, então, como se várias agulhas fossem lançadas na mucosa oral. Imagineque, se um espinho já incomoda, centenas deles podem fazer um grande estrago. Além disso, nessas células há um óleo fixo com grande potencial alérgeno. Assim, a alergia provocada pelo óleo fixo se combina com a irritação na mucosa provocada pelos rafídeos, podendo provocar um edema de glote, que, por sua vez, causa dificuldade de respiração e pode levar à morte (ROCHA; PEGORINI; MARANHO, 2006). Figura 31 – Rafídeos Não é só a comigo-ninguém-pode que possui rafídeos. Muitas outras plantas ornamentais encontradas em casas, parques e jardins possuem essa inclusão, como o copo-de-leite, a costela-de-adão, o agave e a lantana (OLIVEIRA; PASIN, 2016; ROCHA; PEGORINI; MARANHO, 2006). Figura 32 – Comigo-ninguém-pode 41 FARMACOGNOSIA Figura 33 – Copo-de-leite Cristais prismáticos são inclusões inorgânicas de oxalato de cálcio, como diz o nome, na forma de prisma. Há também os cristais estiloides, outra inclusão inorgânica, via de regra, maiores que os prismáticos, porém, mais raros, sendo encontrados em poucas plantas, como a guiné (Petiveria alliaceae L.) Já os cristais prismáticos costumam ficar localizados na bainha cristalífera e são encontrados, por exemplo, na cáscara-sagrada, auxiliando na sua identificação (OLIVEIRA; SAITO, 2016). Figura 34 – Cristais prismáticos Figura 35 – Cáscara-sagrada 42 Unidade I Cristais estiloides Figura 36 – Cristais estiloides Figura 37 – Guiné Lembrete Como dito anteriormente, o cristal estiloide é maior (e mais alongado) que o cristal prismático, fato que pode ser observado nas últimas imagens. 43 FARMACOGNOSIA Areias cristalinas são inclusões de oxalato de cálcio, como diz o nome, na forma de grãos ou microcristais, normalmente na forma piramidal (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Figura 38 – Areia cristalina Outra inclusão inorgânica, porém, de origem química distinta, é o cistólito. Essa inclusão é formada por carbonato de cálcio, sendo inclusões bem menos frequentes que as de oxalato de cálcio. Os cistólitos podem aparecer em estruturas celulares do parênquima fundamental ou na epiderme, na base dos pelos. A maconha (Cannabis sativa L.) é uma planta que contém cistólitos, os quais podem ser identificados facilmente, pois basta colocar os cortes das folhas ou drogas vegetais em contato com solução de ácido diluído (por exemplo, HCl 10%) para haver a formação de ácido carbônico que se decompõe em CO2 e H2O, havendo liberação de bolhas de CO2 na região que tem o cistólito (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). CaCO3 +2 HCl → H2O + CO2 + CaCl2 Figura 39 – Cistólito 44 Unidade I Figura 40 – Folha de maconha As plantas produzem também inclusões de natureza orgânica, como os óleos fixos e voláteis, os grãos de amido (ou amilo), os grãos de aleurona e a inulina (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). Essas inclusões são formadas pelos vegetais com várias finalidades, como armazenamento de energia, proteína, açúcares entre outras. O amido é a inclusão orgânica vegetal mais conhecida por nós, visto que o ingerimos em vários alimentos no nosso cotidiano, como o trigo (bolos, pães etc.), a mandioca (tapioca, biscoitos etc.), milho, batatas, inhame, cará, arroz e feijão (embora o feijão seja mais conhecido pelo teor de proteína que possui). O acarajé, bolinho típico da Bahia, por exemplo, é feito com feijão, sendo o amido o responsável pela “liga” de sua massa. O amido é encontrado em frutas como a banana e é responsável por cerca de 75% da energia calórica consumida no mundo (WEBER et al., 2009; OLIVEIRA et al., 2016). O amido é um polímero de glicose, isto é, são várias moléculas de glicose unidas pelas ligações osídicas ou glicosídicas (açúcares), é formado por dois polissacarídeos (muitos açúcares) a amilose e a amilopectina (DENARDIN; SILVA, 2009; WEBER et al., 2009). “A amilose é formada por unidades de glicose unidas por ligações glicosídicas α-1,4, originando uma cadeia linear, e a amilopectina é formada por unidades de glicose unidas em α-1,4 e α1,6, formando uma estrutura ramificada” (DENARDIN; SILVA, 2009, p. 946). A denominação de fécula é dada quando a substância amilífera está presente em órgãos subterrâneos, como raízes e caules, a exemplo da fécula de mandioca, fécula de batata, já a denominação de amido é dada quando presentes em frutos e sementes, como amido de milho e amido de arroz (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Como características, os amidos e féculas possuem coloração branca e são encontrados na forma de pó. Possuem um ponto ou ranhura que pode ser central ou não, chamada de hilo. Circundando esse hilo estão as lamelas, que são zonas claras e escuras sucessivas, também chamadas de estrias ou capas. A posição do hilo em relação às lamelas é uma das formas de identificar o grão de amido e o vegetal que lhe deu origem (OLIVIERA e AKISUE, 2008, FERRI, 1999), pois cada planta possui um grão de amido diferente. 45 FARMACOGNOSIA Alguns exemplos estão ilustrados a seguir. Figura 41 – Amido de milho Figura 42 – Fécula de batata Figura 43 – Grão de amido de feijão 46 Unidade I Lembrete Observem que o hilo dos grãos de amido dos diversos vegetais possui localização e forma distinta, bem como a disposição das lamelas. Ao microscópio, podemos identificar uma estrutura que tem amido colocando-o em contato com uma solução de iodo, normalmente o lugol. Esse amido vai adquirir uma coloração azul-arroxeada, pois há o “aprisionamento” (devido a forças dipolares eletrostáticas) das moléculas de iodo pela amilose, que é uma cadeia helicoidal (DAMORAN; PARIN; FENEMA, 2010; COSTA, 1994). Outra inclusão orgânica são os grãos de aleurona, que são reservas proteicas muito encontrados em sementes. Costumam ser encontrados no interior dos vacúolos, aumentando a concentração de protídeos no suco vacuolar. Quando as sementes amadurecem, há diminuição de água e, então, a formação do grão de aleurona (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Esses grãos de aleurona podem ser constituídos por uma matriz fundamental, um globoide e um cristaloide, todos envolvidos por uma membrana. O globoide é constituído de inosito-hexafosfato de cálcio e magnésio, que tem o nome de fitina, os outros elementos têm natureza proteica (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). São vários os exemplos de sementes ou frutos secos de plantas medicinais que contêm grãos de aleurona, como os frutos do funcho, da erva-doce, as sementes de linho, mostarda e abóbora (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Membrana Globoide Matriz proteica Cristaloide Figura 44 – Grão de aleurona 47 FARMACOGNOSIA Há um polissacarídeo que é o resultado da polimerização da frutose, conhecido como inulina. A inulina apresenta-se à microscopia como esferocristais com forma arredondada e, sob luz polarizada, aparece como a Cruz de Malta. A inulina é uma reserva de açúcar (frutose). Várias plantas com bulbos apresentam inulina, como a dália, a cila e a raiz da chicória (OLIVEIRA, AKISUE, 1993). Figura 45 – Inulina Os óleos fixos e voláteis (essenciais) são considerados reservas lipídicas, sendo os óleos fixos derivados de ácidos graxos (ésteres), já os óleos voláteis têm composição variada, podendo ser derivados de terpenos ou flavonoides, entre outros. Ambos são solúveis em solventes apolares (SIMÕES et al., 2004; COSTA, 1994). Os óleos fixos ficam armazenados no interior da célula, apresentam-se na forma de gotículas, e os óleos voláteis podem estar em glândulas ou canais secretores (OLIVEIRA, AKISUE, 1993). Várias plantas possuem óleos fixos, muito utilizados na culinária e indústria farmacêutica, como oléo de soja, algodão, girassol, amêndoas e os óleos voláteis utilizados na indústria cosmética e na farmacêutica, como óleo de laranja, rosas, melaleuca, cravo-da-índia (SIMÕES et al., 2004; COSTA, 1994). Figura 46 – Planta com óleos fixos: soja 48 Unidade I Figura 47 – Planta com óleos fixos: amêndoas Figura 48 – Planta com óleos voláteis: laranja Envolvendo o protoplasma, temos a membrana celular. Nos vegetais, a membrana celular é dupla, composta de uma membrana citoplasmáticae outra de natureza celulósica, também chamada parede celular ou parede celulósica (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). As substâncias localizadas entre as paredes de células vizinhas são chamadas de lamela média ou cimento intercalar, sendo constituídas por substâncias pépticas (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). A membrana primária possui natureza celulósica, é a primeira membrana a ser formada e ocorre em células meristemáticas e parenquimáticas (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). O crescimento da membrana celular pode ser por intuscepção (superfície) e/ou por aposição (espessura) (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Quando a célula cresce e atinge o crescimento máximo, forma-se a membrana secundária, que terá função de sustentação. Essas paredes podem ter natureza celulósica ou sofrer modificações e ser (OLIVEIRA; AKISUE, 1993): 49 FARMACOGNOSIA • Lignificadas: compostas de lignina, que dará maior resistência à parede, com função de sustentação (caules). • Suberificadas: compostas de suberina, possuem natureza relacionada aos lipídeos, tornando-se impermeáveis aos líquidos e gases, normalmente encontradas na camada externa das cascas dos caules. • Cutinizadas: compostas de cutina, também possuem natureza lipídica, porém são encontradas recobrindo a epiderme, como uma película. • Cerificadas: têm a função de proteção contra transpiração excessiva e são compostas de ceras, caso da casca da maçã (Malus domestica Borkh). • Hemicelulósicas: a hemicelulose é mais solúvel que a celulose, sendo encontrada, por exemplo, nas sementes de café (Coffea arabica L.); é considerada uma substância de reserva. • Silicificadas: formada por corpos silicosos, semelhantes a uma camada vítrea, tem a função de proteção. O capim-limão (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf.) e a citronela (Cymbopogon sp.) são exemplos. • Mucilaginosas: são originadas da “gelificação” da celulose formando mucilagem ou gomas, podendo ser encontradas nas folhas da babosa (Aloe vera L.), por exemplo. 4.2 Tecidos vegetais Os tecidos vegetais são formados por um conjunto de células de origem comum, que desempenham funções fisiológicas semelhantes. Eles diferem muito entre si, e a classificação dos tecidos depende tanto das características anatômicas como das características fisiológicas das células. Podem ser classificados em tecidos meristemáticos (meristemas) e tecidos permanentes (adultos) (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). A planta possui tecidos embrionários (meristemáticos), que dão origem aos demais tecidos, que, por sua vez, sofrem modificações diversas e têm funções diferentes. Os tecidos meristemáticos podem ser encontrados no embrião da semente e em partes em crescimento de um vegetal (FERRI, 1999). Os meristemas podem ser classificados como: promeristemas (ou protomeristemas), meristemas primários e meristemas secundários. Essa classificação é devido ao tipo de células iniciais (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). Os protomeristemas (promeristemas) também são conhecidos como primitivos, pois são as primeiras células, as que dão origem a todas as outras células, como as células que estão no ápice de caules e raízes (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). 50 Unidade I Nos meristemas primários, as células descendem de células embrionárias que estão relacionadas ao processo de crescimento, como as pontas dos caules, raízes e primórdios foliares. O crescimento pode ser em extensão ou em espessura (FERRI, 1999). Os meristemas secundários são derivados de tecidos adultos que readquiriram o poder de divisão, formando novos tecidos. Como exemplos, temos os tecidos de cicatrização, que surgem em locais onde há um ferimento no vegetal (OLIVEIRA; AKISUE, 1993; FERRI, 1999). A diferenciação celular é a transformação de uma célula meristemática em uma célula de outro tecido. Parede delgada Citoplasma granuloso Núcleo grande Figura 49 – Célula promeristemática Paredes mais espessadas Núcleo menor Vacuolos maiores Figura 50 – Célula meristemática primária Observação A célula é a menor unidade que forma o tecido. Em outras palavras, os tecidos nada mais são do que um conjunto de células com mesma origem e desempenhando mesma função. Por fim, o conjunto de tecidos forma o organismo. 51 FARMACOGNOSIA Tecidos permanentes são os outros tecidos já diferenciados, sendo divididos em: tecidos permanentes simples e tecidos permanentes complexos (OLIVEIRA; AKISUE, 2008). Os tecidos permanentes simples são formados por células de origem semelhante, formato e função semelhante. Já os tecidos permanentes complexos possuem células de origens diferentes, com formatos e funções diferentes, porém, no conjunto, estão todas envolvidas com um mesmo objetivo/finalidade, caso da epiderme, um tecido permanente complexo com função de revestimento (FERRI, 1999). Parênquima, colênquima, esclerênquima e súber são exemplos de tecidos permanentes simples (OLIVEIRA; AKISUE 1993). O parênquima é um tecido composto de células isodiamétricas (mesmo tamanho), poliédricas e vivas, normalmente ligadas às atividades vegetativas da planta, com paredes finas e celulósicas (FERRI, 1978; OLIVEIRA; AKISUE 1993). O termo parênquima é originado do grego parencheo e significa “encher ao lado”, então, o parênquima preenche os espaços deixados pelos outros tecidos, além de ser responsável pela cicatrização de feridas (FERRI, 1999; OLIVEIRA; AKISUE, 1993). Um exemplo de estudo sobre a cicatrização de feridas é o trabalho de Mussury et al. (2012): eles estudaram folhas de soja (Glycine max (L.) Merr.) infectadas pelo fungo da ferrugem (Phakopsora pachyrhizi H. Sydow & Sydow) e tratadas com extratos vegetais como espinheira santa (Maytenus ilicifolia Mart. Ex Reissek), alho (Allium sativum L.) e nim (Azadirachta indica A. Juss), verificando que, com os tratamentos, houve um aumento na espessura e alongamento das células parenquimáticas, demonstrando, assim, um mecanismo de resistência ao fungo pela recomposição tecidual. Os parênquimas podem ser divididos em relação à função que exercem: • Parênquima clorofiliano (ou assimilador): possui os cloroplastos (clorofila) e é responsável pela fotossíntese. São predominantes nas folhas e podem ser chamados também de clorênquima (OLIVEIRA; AKISUE, 1993; FERRI, 1999). Nas folhas, estão divididos em parênquima paliçádico, pois suas células são mais alongadas, lembrando uma paliçada (cerca de bambu), e parênquima lacunoso (ou esponjoso), pois suas células são dispostas formando lacunas (aberturas) que lembram uma esponja (OLIVEIRA; AKISUE, 1993). • Parênquima de reserva: responsável pelo armazenamento de substâncias como o amido, muito comum em tubérculos ou raízes. Existem os parênquimas que armazenam ar (aerênquima), comuns em plantas aquáticas, responsáveis pela flutuação desses seres, e os parênquimas que armazenam água (aquíferos), encontrados em suculentas como os cactos (FERRI, 1999). • Parênquima do sistema de condução: localizado junto ao floema e ao xilema, que fazem a condução de seiva elaborada (floema) e de seiva bruta (xilema) (FERRI, 1999). • Parênquima regular (comum): faz a delimitação de espaços, como na medula de caules e ráízes (FERRI, 1978). 52 Unidade I Parênquima paliçádico Parênquima lacunoso Figura 51 – Tipos de parênquima Na folha, o parênquima paliçádico e o lacunoso formam o mesofilo (parte do meio) da folha (EVERT, 2018). Outro tecido permanente simples, o colênquima, tem seu nome originado do grego kolla, que significa “cola, reforço, espessamento”, e encheo, que significa “encher ou preencher”. Assim, o colênquima é um tecido vivo com células de parede mais espessada de celulose que desempenha uma função de sustentação. Normalmente, está localizado superficialmente (OLIVEIRA; AKISUE, 1993; FERRI, 1999). O colênquima pode ser classificado em (ESAU, 2017): • Angular: quando o espessamento ocorre nos ângulos das paredes celulares. • Lamelar: quando o espessamento se dá nas paredes tangenciais. • Lacunar: com grande número de espaços intercelulares e, com seu envelhecimento, há um espessamento
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