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2 Seja muitíssimo bem-vindo à última vez que você vai perder tempo com os porquês ou com a crase na sua VIDA. Se vossa senhoria está aqui, com certeza já viu a aula em vídeo e pegou os princípios e — primeiramente — macetes marotos para nunca mais errá-los. O que vou fazer com este material escrito é deixar registrado tudo o que vimos na aula, para você guardar o ouro consigo e poder consultá-lo se algum dia bater alguma dúvida desgraçadamente persistente (elas existem, existem…). Ok, já falei demais. Sem mais delongas, vamos ao que interessa. 3 4 Primeiro: por que tantos porquês? No inglês, por exemplo, temos why para perguntas e because para explicações. Simples, fácil: — Why você chegou duas da manhã ontem, Renato? — Because eu estava fazendo hora extra, mulhé. Me deixa em paz, lasqueira! — Hora extra no bar do Figueira, se esfregando com aquela lambisgoia da Jennyfer? Não tem vergonha na face não? Bem, você pegou a ideia. O latim, de onde saiu o português, lidava com a treta dos porquês de maneira bastante parecida com o inglês: quare para perguntas, quia para respostas. Daí surgiram o porque (com tudo junto) e o por que (separado). Mais tarde, lá em 1930 e alguma coisa, alguém teve a ideia genial de criar mais dois tipos e introduziu o porquê e o por quê. Com acento. 5 Na fala, dizemos a mesma coisa. Às vezes com mais ênfase aqui e ali, mas substancialmente a mesma coisa. Na escrita, porém, os quatro porquês são DIFERENTES e servem para coisas DIFERENTES. A boa notícia? Você não precisa decorar um monte de nomes ou acompanhar longas explicações para acertar os porquês em 95% dos casos. Basta fazer um troca-troca. Basta fazer substituições. Mas não vou complicar as coisas. Vamos ver como tudo funciona na prática. 6 Vamos começar pelo porque. Em gramatiquês, diríamos que é uma conjunção subordinativa causal. Urgh! Até cheirou mal aqui. Esqueça isso. Vamos falar língua de gente: Popularmente, dizem que porque serve para respostas. Mas não é bem assim. Se houve uma pergunta e você a está respondendo, sim — tasque ele e seja feliz. Mas nem sempre que o usamos estamos dando uma resposta. O mais certo é: porque serve para explicações. Causa, motivo, justificativa. 7 “Estou lendo o PDF massa do Raul, porque é o melhor jeitão de ensinar português.” “Não saí, porque estava caindo um toró.” “Tem havido muitos acidentes na avenida beira-mar, porque o pessoal enche o rabo de pinga nos barzinhos e pega no volante.” Repare que nós temos duas ideias que são LIGADAS pelo porque: “Não saí, porque estava caindo um toró.” Tá, mas qual é o macete? Muito, muito simples. 8 Se você conseguir trocar porque pelo pois, saiba com absoluta certeza que é realmente porque. “Estou lendo o PDF massa do Raul, pois é o melhor jeitão de ensinar português.” “Não saí, pois estava caindo um toró.” “Tem havido muitos acidentes na avenida beira-mar, pois o pessoal enche a cara nos barzinhos e sai dirigindo.” ATENÇÃO: dizer que porque é substituível pelo pois não é dizer que as palavras sejam sinônimas. Esta última também pode significar “portanto”, coisa que nada tem a ver com nada aqui. 9 Agora temos o porquê. Um substantivo. O macete que às vezes se passa é este: se houver um artigo o antes, é porquê. “Não conseguia entender português antes, e não sabia o porquê. Agora eu sei: não conhecia o Raul!” O macete está errado? Não! Está certíssimo. Só que incompleto. Existem várias outras situações em que temos de usar porquê e antes dele não entra o nenhum: “Ela é cheia de porquês.” “Um só porquê já me bastaria.” 10 “Porquês falsos não me comovem.” Existe outra forma, mais fácil e infalível, para acertar esse negócio na mosca. Vamos aplicar o troca-troca? Se, na sua frase, você conseguir enfiar as palavras motivo ou razão e elas fizerem sentido, vai na fé: será porquê. “Ela é cheia de motivos.” “Ela é cheia de razões.” “Um só motivo já me bastaria.” “Uma só razão já me bastaria.” “Motivos falsos não me comovem.” O prof. Girafales ensina como se faz 11 “Razões falsas não me comovem.” Aqui, existe ainda um OUTRO macete: se você conseguir pluralizar a palavra, vai ser porquê junto e com acento. Ponto final. Nenhum outro porquê pode ir para o plural. 12 Ufa, já estamos na metade. Chegamos ao por que. O que se diz dele? Que é para ser usado em perguntas. Errado? De novo, não. De novo, só está incompleto. Se você estiver fazendo uma pergunta direta, com ponto de interrogação no final e tudo mais, não precisa pensar duas vezes: é por que. "Por que você ainda não é aluno do Raul?” Uma baita pergunta, digassi di passagi. 13 Só tem um problema: há outros tipos de frases em que você é OBRIGADO a usar por que. Pior, rola usá-lo até em respostas. "Por que o Brasil não vai pra frente?” “Você sabe por que o Brasil não vai pra frente?” “Você sabe muito bem por que o Brasil não vai pra frente." Então como saber quando usar essa bodega? Simples, basta apelar ao troca-troca. Se por que razão funcionar na frase, o certo vai ser por que. 14 “Por que razão o Brasil não vai pra frente?” “Você sabe por que razão o Brasil não vai pra frente?” “Você sabe muito bem por que razão o Brasil não vai pra frente.” Por que motivo também funciona: “Por que [motivo] você estuda português?” “Por que motivo nada no Brasil funciona?” 15 Por quê é o irmão gêmeo vadio do por que. Sabe quando se junta aquela rodinha de tias fofoqueiras e todo mundo começa a ficar com as orelhas quentes? Pois então. Uma hora o negócio INEVITAVELMENTE vai sobrar para o primo vagabundo (todos nós temos um). Preguiçoso, que só acorda depois da uma da tarde. O primo escorado. 16 O por quê é igualzinho ao por que, só que escorado. Precisa ter um ponto no qual possa se encostar, o vadio. O tal ponto NO GERAL é de interrogação: “Você estuda português por quê?" Mas também pode ser um ponto final: Por quê, preguiçosamente escorado nas pontuações 17 “Sem a explicação do Raul, nunca teria entendido por quê.” Ou ponto de exclamação: “Você está aí toda cabisbaixa, mas eu não sei por quê!” Como prova de que ele é igual a por que, basta aplicarmos o macete: “Você estuda português por quê [razão]?” “Sem a explicação do Raul, nunca teria entendido por quê [razão].” “Você está aí toda cabisbaixa, mas eu não sei por quê [razão]!” Ótimo. Maravilha. Meus queridos macetinhos, mal conheço vocês e já os admiro pakas. Olha, com o que você aprendeu aqui é basicamente impossível errar os porquês daqui em diante. Só resta uma coisinha chata. Há dois por que diferentes. Na aparência, são iguais. Idênticos. Nenhuma diferença. Por que e por que. 18 Só que são… diferentes. Dizem coisas diferentes. São tipos de palavras diferentes. E o macete que funciona para o primeiro não funciona para o segundo. Exemplo: “As ruas por que passamos eram imundas.” “O boy por que me lasquei tantos anos era um cafajeste.” Nessas duas frases, por que está certíssimo. Porém… se tentarmos aplicar-lhes o troca-troca do “motivo” ou “razão”, a coisa não rola: “As ruas por que razão passamos eram imundas.” “O boy por que motivo me lasquei tantos anos era um cafajeste.” E se você já ficou pistola porque acha que é mais uma daquelas trezentas mil exceções, não fique. Em primeiro lugar: não é uma exceção. São duas palavras diferentes que calharam de ser iguaizinhas. Em segundo lugar: aqui também rola um troca-troca. Só que diferente. 19 Se pelo(a) qual ou pelos(as) quaisfuncionar na frase, o certo também vai ser por que. Deixa eu repetir os exemplos: “As ruas pelas quais passamos eram imundas.” “O boy pelo qual me lasquei tantos anos era um cafajeste.” Ahhh, agora funcionou às mil maravilhas, não é? A maior parte das pessoas acha um pouco estranho usar o por que com o sentido de pelo qual. Na verdade, muita gente teria certeza é de que uma frase como “as ruas por que passamos eram imundas” está ERRADA. Balela. Está perfeitamente certa, e aliás é uma chiqueza e uma finura usar por que com esse sentido. Só quem manja muito de português consegue fazê-lo naturalmente, com correção. Aqui, é a elite da nata do camarote VIP do português. Portanto: seja bem-vindo. 20 Você agora faz parte da elite portuguesística. Em poucos minutos, aprendeu de maneira infalível a usar o que não te ensinaram em trocentos anos de escola. Você já sabe usar todos os porquês. Agora, está na hora da crase. 21 22 Antes de qualquer coisa: o que é a crase? Crase não é o acento grave. Já começa por aí. O acento serve para INDICAR a crase. Para avisar o leitor de que “ó, tem uma crase aqui!” A crase é um FENÔMENO. Sabe quando o Ronaldinho, na copa de 2002, resolveu usar aquele topete invertido, safado e glorioso, para chamar a atenção? Pois é. Visualmente, a coisa fica assim: Tá. Mas qual é o FENÔMENO? O que a crase faz? Muito simples. 23 Leia esta frase: “Seja bem-vindo ao primeiro dia do Português sem Cagaço!” Você poderia dizer seja bem-vindo o primeiro dia ou seja bem-vindo a primeiro dia? Não, né. Você precisa de ao. As duas letras. De onde elas vêm? Quem é bem-vindo, é bem-vindo a algum lugar. Eis o a. Daria para eu escrever “primeiro dia de aulas foi ótimo”? Ficaria estranho, incompleto. Faltando alguma coisa. Faltando o. “O primeiro dia de aulas foi ótimo!” É assim que a gente fala e escreve. a + o = ao. Agora leia esta frase: “Seja bem-vindo à aula de hoje.” Quem é bem-vindo, é bem-vindo a algum lugar. Temos um a. Eu poderia escrever “aula de hoje foi ótima”? Ficaria estranho, incompleto. Faltando alguma coisa. Faltando… um a. 24 “A aula de hoje foi ótima!” a + a = 25 “Seja bem-vindo à aula de hoje.” Esse é o fenômeno da crase. Quando os dois a se esbarram e viram um só. Se a crase não existisse, teríamos de escrever: “Seja bem-vindo a a aula de hoje.” Porque não podemos tirar nenhum dos dois a. Eles são obrigatórios. Então a dona gramática achou um jeito de deixar a coisa mais bonita, fácil e viável. Fundiu os dois a. 90% dos casos de crase são exatamente assim. Um a está colado numa palavra e o segundo a colado em outra. Para saber se vai crase ou não em alguma frase, basta você saber se temos dois a na história. É só isso. 26 É isso que vamos aprender a verificar, agora. Crase é como atravessar a rua — você precisa olhar para os dois lados. Mas como fazer isso? Outros professores agora começariam a falar sobre “preposições” e “regência verbal e nominal”. Eu não vou fazer nada disso. Preste atenção: eu vou te ensinar agora dois testes INFALÍVEIS. O teste da pergunta e o teste da linha. Um para cada a. Sem você precisar decorar nomezinho nenhum. Vamos ver como a coisa funciona. “Desejo um Feliz Natal à todos!” 27 Será que essa crase está certa? Vamos olhar para os dois lados. Primeiro, o teste da palavra à esquerda. O teste da pergunta. A gente faz uma pergunta para o verbo: Quem deseja, deseja algo (nesse caso, Feliz Natal) a alguém. Epa! Descobrimos um a. Ótimo. Mas e “todos”? Tem a? Vamos para o teste da palavra à direita. O teste da linha. Ele é muitíssimo simples. “A ________ era maravilhosa.” Viu a frase aqui em cima? Pois bem. Para saber se temos um a na palavra à direita, seja ela qual for, basta encaixá- la onde está a linha e ver se funciona: A todos era maravilhosa. Obviamente, não funcionou. A palavra não tem nada a ver com a frase. Logo, não exige a. Se não temos dois a, NÃO TEMOS CRASE. Ponto final. O certo é: “Desejo um Feliz Natal a todos!" Esses dois testes servem para 90% dos casos de crase. Primeiro, olhe para a palavra à esquerda do a e aplique o teste da pergunta. Depois, olhe para a palavra à direita do a e aplique o teste da linha. 28 Se não houver a em qualquer um dos dois, NÃO TEM CRASE. Pronto. Sabe aquelas mil e uma regrinhas? Não pode crase antes de palavra masculina, de verbo, de pronome pessoal do caso reto e pronome pessoal do caso oblíquo… A crase é facultativa antes de nome próprio e pronome possessivo… Não precisa decorar nenhuma. Agora você tem duas ferramentas práticas para analisar a situação. Começou a sorrir quando aprendeu a usar essa joça. Quem começa, começa a. A sorrir era maravilhosa. Só temos o primeiro a, outra vez. A frase está certa. Não tem crase. Você já foi à Bahia? Quem vai, vai a algum lugar. A Bahia era maravilhosa. 29 Epa! Aqui temos dois a. Logo, temos crase. A frase está certíssima. Fizeram menção a nós dois. Quem faz menção, faz menção a. A nós estava maravilhosa. Frase certa. Sem crase. Essa blusa está cheirando a mofo. Temos o primeiro a. A mofo estava maravihosa? Frase sem crase. Fui à São Paulo. Quem vai, vai a. O primeiro já foi. A São Paulo estava maravihosa. Nada de a. Nada de crase. Frase errada. O certo é “Fui a São Paulo”. 30 O dinheiro das doações será revertido à entidades assistenciais. Se revertemos, revertemos alguma coisa a. Ótimo. A entidades assistenciais estava maravilhosa? Obviamente, a crase está errada. Devolvi o batom à Renata. Quem devolve, devolve algo a. A Renata estava maravilhosa. Funciona? Sim. Renata estava maravilhosa. Funciona? Sim. Então a crase é facultativa. Faça o que você quiser. 31
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