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Prévia do material em texto

Copyright © Equinox One, 2016
Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2019
Todos os direitos reservados.
Título original: Inner Engineering
Este livro foi publicado em acordo com a Spiegel and Grau, um selo da
Random
House, uma divisão da Penguin Random House LLC.
Preparação: Sandra Lia Farah
Revisão: Marina Castro e Diego Franco Gonçales
Diagramação: Triall Editorial Ltda
Capa: Greg Mollica
Ilustração de capa: Cortesia de Isha Yoga Center, Coimbatore, Índia
Adaptação para eBook: Hondana
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Vasudev, Jaggi, Sadhguru
Engenharia anterior: o guia de um Yogi para a alegria / Sadhguru;
tradução de Fernanda Mello. – São Paulo: Planeta, 2019.
272 p.
ISBN: 978-85-422-1728-5
Título original: Inner engineering
1. Autoajuda 2. Ioga 3. Felicidade 4. Alegria 5. Vida espiritual I. Título II.
Mello, Fernanda
19-1290 CDD 204.36
http://www.hondana.com.br/
Índices para catálogo sistemático:
1. autoajuda 2. Ioga: Vida espiritual
2019
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.
Rua Bela Cintra 986, 4o andar – Consolação
São Paulo – SP CEP 01415-002
www.planetadelivros.com.br
faleconosco@editoraplaneta.com.br
http://www.planetadelivros.com.br/
mailto:faleconosco@editoraplaneta.com.br
Sumário
A PALAVRA DE QUATRO LETRAS
PARTE I
UMA NOTA AO LEITOR
QUANDO PERDI OS SENTIDOS
A SAÍDA ESTÁ DENTRO
PROJETE SEU DESTINO
SEM LIMITE, SEM FARDO
“… E AGORA, YOGA”
PARTE II
UMA NOTA AO LEITOR
CORPO
MENTE
ENERGIA
ALEGRIA
GLOSSÁRIO
A “magia” de um homem é a engenharia de outro homem.
ROBERT A. HEINLEIN
A palavra de quatro letras
Uma vez, ao entrar na farmácia de Shankaran Pillai, um
cliente viu, do lado de fora, um homem abraçado a um poste
de luz, com os olhos revirando-se loucamente.
Lá dentro ele perguntou: “Quem é aquele homem? O que
há de errado com ele?”.
Impassível, Shankaran Pillai respondeu: “Ah, aquele cara.
Ele é um de meus clientes”.
“Mas o que há com ele?”
“Ele queria alguma coisa para tosse, ela estava muito
forte. Eu lhe dei o remédio adequado.”
“E o que você lhe deu?”
“Uma caixa de laxantes. E o fiz tomar aqui mesmo.”
“Laxantes para tosse! Por que você lhe daria isso?”
“Ah, por favor, você o viu. Acha que ele vai se atrever a
voltar a tossir?”
A caixa de laxantes de Shankaran Pillai é um símbolo do
tipo de solução propagada em todo o mundo atualmente
para quem busca o bem-estar. É a principal razão pela qual o
termo guru tornou-se uma palavra de quatro letras.
Infelizmente, esquecemos o verdadeiro sentido da
palavra. Guru significa, literalmente, “dissipador da
escuridão”. Ao contrário da crença popular, a função do guru
não é ensinar, doutrinar ou converter, mas lançar luz sobre
dimensões além de suas percepções sensoriais e de seu
drama psicológico, dimensões que hoje você é incapaz de
perceber. O guru está aqui, fundamentalmente, para lançar
luz sobre a própria natureza de sua existência.
Atualmente, estão em voga muitos ensinamentos
espúrios e perigosamente enganosos. Como exemplo
podemos citar o “Viva o momento”, que leva à suposição de
que você poderia estar em algum outro tempo, se quisesse. E
isso seria possível? O presente é o único lugar em que você
pode estar. Se você vive, vive neste momento. Se morrer,
morrerá neste momento. Este momento é a eternidade. Como
você escapará dele, mesmo se tentar?
O seu problema é que você sofre pelo que aconteceu há
dez anos e pelo que pode acontecer depois de amanhã. As
duas situações não são reais, mas simplesmente um jogo de
sua memória e imaginação. Isso significa então que, para
encontrar a paz, você deve aniquilar sua mente? De forma
alguma. Significa apenas que você precisa assumir o
comando. Sua mente carrega enormes reservas de memória
e incríveis possibilidades de imaginação que são o resultado
de um processo evolutivo de milhões de anos. Se você
conseguir usá-las quando quiser e deixá-las de lado quando
não as quiser, a mente pode ser uma ferramenta fantástica.
Fugir do passado e negligenciar o futuro é banalizar essa
maravilhosa capacidade. Portanto, “viver o momento”
torna-se uma restrição psicológica incapacitante – nega
nossa realidade existencial.
Outro lema popular de autoajuda é o “Faça apenas uma
coisa de cada vez”. E por qual motivo você faria apenas uma
coisa se a mente – fenomenal máquina multidimensional –
é capaz de lidar simultaneamente com vários níveis de
atividade? Em vez de aproveitar e aprender a direcionar a
mente, por que ia querer suprimir isso? Se você pode
conhecer a estimulante alegria da ação mental, por que
optaria por uma lobotomia, por voluntariamente vegetar?
A outra expressão que se fortaleceu como clichê pelo uso
excessivo é “pensamento positivo”. Quando é simplificado
demais e usado como um mantra de solução rápida, o
pensamento positivo torna-se uma forma de camuflar ou
suavizar a realidade. Quando você não consegue processar
informações em tempo real e controlar seu drama
psicológico, agarra-se ao “pensamento positivo” como algo
tranquilizante. Inicialmente, ele pode parecer impregnar sua
vida com confiança renovada e otimismo, mas é
essencialmente limitado. Em longo prazo, se você negar ou
eliminar uma parte da realidade, isso lhe dará uma
perspectiva desequilibrada da vida.
Além disso, há a tradicional questão de exportar o bem-
estar humano aos céus e afirmar que o núcleo do Universo é
o amor. O amor é uma possibilidade humana. Se você
precisar de um curso de atualização, pode ter aulas com seu
cachorro. Ele é cheio de amor! Não precisa ir ao espaço
sideral para conhecer esse sentimento. Todas essas filosofias
pueris vêm do pressuposto de que a existência é centrada no
ser humano. Essa simples ideia nos roubou os sentidos e nos
fez cometer alguns dos crimes mais desumanos e hediondos
ao longo da história. E eles continuam a se perpetuar até
hoje.
Como guru, não tenho doutrina para ensinar, nem
filosofia para transmitir, nem crença para propagar. E isso
porque a única solução para todos os males que afligem a
humanidade é a autotransformação. Autotransformação não
é crescimento pessoal gradual. A autotransformação não é
alcançada pela moral, ou pela ética, ou por mudanças
comportamentais ou de atitude, mas pela experimentação da
natureza ilimitada de quem somos. A autotransformação
significa que nada do que é velho permanece. É uma
mudança dimensional na forma como você percebe e
experimenta a vida.
Entender isso é yoga. Quem incorpora isso é um yogi.
Quem o guia nessa direção é um guru.
Meu objetivo neste livro é ajudar a tornar a alegria sua
companheira constante. Para que isso aconteça, este livro
não oferece um sermão, mas uma ciência; não oferece um
ensinamento, mas uma técnica; não oferece um preceito,
mas um caminho. Agora é hora de começar a explorar essa
ciência, trabalhando a técnica e percorrendo o caminho.
Nesta jornada, o guru não é o destino, mas o roteiro. A
dimensão interior é um terreno inexplorado. Se estiver
explorando um terreno que é desconhecido para você, não é
melhor ter placas de sinalização? Você poderia encontrar seu
próprio caminho, mas, de repente, isso poderia demorar
vidas. Quando se está em um terreno desconhecido, é
sensato receber instruções. De certa forma, isso é tudo que
um guru é – um roteiro ao vivo. GPS: Guru Pathfinding System
(Sistema de localização Guru)!
E é por isso que existe essa infame palavra de quatro
letras.
Para tornar as coisas duplamente fáceis para você, pensei
em transformá-la em uma de oito…
… Sadhguru
PARTE I
Uma nota ao leitor
Há muitas formas de usufruir um livro deste tipo. Uma delas
seria lançar-se diretamente na prática, mergulhar de cabeça
no modo “faça você mesmo”. Mas este livro não pretende
ser um manual de autoajuda. Embora tenha uma forte
orientação prática, há mais do que isso.
Outra forma seria tornar-se teórico. Mas este livro
também não é um exercício acadêmico. Nunca li nenhumdos tratados do yoga em sua totalidade. Nunca precisei.
Minha experiência é interior. Foi só mais tarde, quando dei
uma lida em Os yoga sutras de Patanjali, importante texto yogi
que percebi que tinha algum acesso ao âmago deles. Isso
porque eu os abordo experimentalmente, em vez de
teoricamente. Reduzir uma ciência sofisticada como o yoga à
mera doutrina é simplesmente tão trágico quanto
transformá-la em um exercício cardiovascular.
Então, este livro foi finalmente dividido em duas seções.
A primeira mapeia o terreno; a segunda lhe oferece uma
forma de navegá-lo.
O que você está prestes a ler nesta seção não é uma
demonstração de expertise acadêmica. Em vez disso, esta
seção procura oferecer uma série de insights fundamentais –
insights que estabelecem a base ou alicerce sobre o qual a
arquitetura da segunda seção, mais voltada para a prática, é
construída.
Esses insights não são princípios ou ensinamentos. E
definitivamente não são conclusões. São mais como placas
de sinalização em uma jornada que não pode ser feita por
ninguém além de você. São perspectivas centrais que
emergiram como uma consequência do estado de
consciência aumentada que adquiri em uma experiência
transformadora há trinta e três anos.
A seção começa com uma nota autobiográfica, para que
você saiba algo sobre a companhia autoral que terá – se
decidir ler o resto do livro! Ela então se desdobra em uma
avaliação de certas ideias básicas, explorando ao longo do
caminho alguns termos muito usados (e mal usados), como
destino, responsabilidade, bem-estar e, mais
fundamentalmente, yoga.
Um dos capítulos desta seção termina com um sadhana. A
palavra sadhana em sânscrito significa um dispositivo ou
uma ferramenta. Essas ferramentas de exploração lhe
oferecem uma oportunidade, como leitor, de colocar as
ideias discutidas nestas páginas em ação e de ver se os
insights funcionam para você. (Esses sadhanas retornarão
com muito mais frequência na segunda seção.)
Muitas vezes as pessoas me dizem que pareço ser um
guru “moderno”. Minha resposta a essa observação é que
não sou moderno nem antigo, nem da Nova Era nem da
antiga era. Sou contemporâneo, e é isso que todo guru
sempre foi. Somente estudiosos, especialistas e teólogos
podem ser antigos ou modernos. Uma filosofia ou um
sistema de crenças podem ser antigos ou novos. No entanto,
os gurus são sempre contemporâneos.
Como já disse, um guru é alguém que dissipa a escuridão,
que abre a porta para você. Se eu prometer abrir uma porta
para você amanhã ou se a abri para outra pessoa ontem, isso
não tem relevância. Só tem valor se eu abrir uma porta para
você hoje.
Então, a verdade é atemporal, mas a tecnologia e a
linguagem são sempre contemporâneas. Se não o fossem,
mereceriam ser descartadas. Por mais antiga que seja,
nenhuma tradição – se deixou de ser relevante – merece se
perpetuar como algo além de uma peça de museu. Então,
embora eu vá explorar uma tecnologia antiga neste livro, ela
é também, impecavelmente, uma tecnologia de última
geração.
Não estou pessoalmente interessado em oferecer nada de
novo. Estou interessado apenas no que é verdade. Espero que
a seção a seguir lhe ofereça alguns momentos em que as
duas coisas convergem. Porque nesses momentos em que as
condições são as certas – quando um insight é articulado
valendo-se de um lugar de clareza interior e encontra um
leitor no momento certo de receptividade –, uma antiga
verdade torna-se explosivamente alquímica. De repente está
fresca, viva, radiantemente nova, como se pronunciada e
ouvida pela primeira vez na história.
Quando perdi os sentidos
Então eu era um homem
Só subo a Colina
Porque tenho tempo a matar
Mas matei tudo que era
Eu e Meu
Sem o Eu e o Meu
Perdi toda a minha vontade e capacidade
Aqui estou, um recipiente vazio
Escravo da Vontade Divina
e da capacidade infinita
Há uma tradição na cidade de Mysore. Se você tem algo para
fazer, suba a colina Chamundi. E se não tem nada para fazer,
suba a colina Chamundi. Se você se apaixonar, suba a colina
Chamundi. E se você se desapaixonar, precisa subir a colina
Chamundi.
Uma tarde, eu não tinha nada para fazer, e havia acabado
de me desapaixonar, então subi a colina Chamundi.
Estacionei minha moto e me sentei em um afloramento
de rocha que estava a dois terços caminho até o topo da
colina. Essa era minha “rocha de contemplação” havia
algum tempo. Uma árvore de baga roxa e uma figueira-de-
bengala atrofiada haviam fincado raízes tenazes em uma
fissura profunda na superfície da rocha. Uma visão
panorâmica da cidade se desdobrava diante de mim.
Até aquele momento, em minha experiência, meu corpo e
mente eram “eu”, e o mundo estava “lá fora”. Mas, de
repente, não sabia o que era eu e o que não era eu. Meus
olhos ainda estavam abertos. No entanto, o ar que eu estava
respirando, a rocha em que eu estava sentado, a própria
atmosfera ao redor, tudo tinha se tornado eu. Eu era tudo
que havia. Estava consciente, mas tinha perdido os sentidos.
A natureza discriminatória dos sentidos simplesmente não
existia mais. Quanto mais eu falar, mais estranho soará,
porque o que estava acontecendo era indescritível. O que era
eu estava literalmente por toda parte. Tudo estava explodindo
além dos limites definidos; tudo estava explodindo em todo
o resto. Era uma unidade adimensional de perfeição
absoluta.
Minha vida é apenas aquele momento, graciosamente
duradouro.
Quando retomei os sentidos, senti como se apenas dez
minutos houvessem passado. Uma olhada no relógio me
mostrou que eram 7h30 da noite! Quatro horas e meia
haviam se passado. Meus olhos estavam abertos, o Sol se pôs
e estava escuro. Eu estava plenamente consciente, mas o que
eu considerava ser eu mesmo até aquele momento tinha
desaparecido completamente.
Nunca fui do tipo chorão. E, no entanto, ali estava eu, aos
25 anos, em uma rocha na colina Chamundi, tão
arrebatadoramente louco que as lágrimas escorriam e toda a
minha camisa estava molhada!
Ser pacífico e bem-aventurado nunca havia sido uma
questão para mim. Vivi minha vida do jeito que eu queria.
Cresci nos anos 1960, a era dos Beatles e dos jeans, li minha
cota de filosofia e literatura europeias – Dostoiévski, Camus,
Kafka e afins. Mas ali estava eu explodindo em uma
dimensão completamente diferente da existência, da qual
não sabia nada, embebido em um sentimento
completamente novo – uma exuberância, uma bem-
aventurança –, que nunca havia conhecido ou imaginado ser
possível. Quando concentrei minha mente cética nisso, a
única coisa que ela conseguiu me dizer foi que talvez eu
estivesse ficando maluco! Mesmo assim, era tão bonito que
eu sabia que não queria perder isso.
Nunca consegui descrever o que aconteceu naquela tarde.
Talvez a melhor forma de expressar isso seja dizer que subi e
não desci. Nunca desci.
Nasci em Mysore, uma linda e suntuosa cidade no sul da
Índia, anteriormente uma capital, conhecida por seus
palácios e jardins. Meu pai era médico e minha mãe, dona de
casa. Eu era o mais novo de quatro irmãos.
A escola me entediava. Achava impossível tolerar as aulas
porque podia perceber que os professores estavam falando
sobre algo que não significava nada para a vida deles. Todos
os dias, aos 4 anos de idade, eu instruía a empregada, que
me acompanhava até a escola de manhã, a me deixar nos
portões e a não entrar no prédio. Assim que ela partia, eu
corria para o desfiladeiro próximo, que explodia com uma
incrível variedade de vida. Comecei a acumular um vasto
zoológico pessoal de insetos, girinos e cobras em garrafas
obtidas do armário de remédios do meu pai. No entanto,
depois de alguns meses, quando meus pais descobriram que
eu não estava frequentando a escola, pareceram
consideravelmente indiferentes a minhas explorações
biológicas. Minhas expedições ao desfiladeiro eram
desprezadas como brincadeira de criança. Frustrado, como
frequentemente ficava, com o que considerava um mundo
adulto monótonoe sem imaginação, apenas voltei a atenção
para outro lugar e encontrei outra coisa para fazer.
Anos mais tarde preferi passar meus dias vagando pela
floresta, capturando cobras, pescando, caminhando e
escalando árvores. Eu costumava subir até o galho mais alto
de uma grande árvore, com minha lancheira e minha garrafa
de água. O movimento oscilante dos galhos me transportava
para um estado de transe, em que eu dormia mas, ao mesmo
tempo, estava bem desperto. Eu perdia a noção do tempo
nessa árvore. Ficava empoleirado ali das 9 horas da manhã
às 4h30 da tarde, quando a campainha tocava e as aulas
acabavam. Muito depois, percebi que, inconscientemente,
estava me tornando meditativo já naquela fase da vida. Mais
tarde, quando comecei a ensinar as pessoas a meditar, eram
sempre meditações oscilantes. É claro que àquela altura eu
nunca tinha ouvido falar da palavra meditação. Gostava
apenas da forma como a árvore balançando me levava a um
estado além do sono e da vigília.
Eu achava a sala de aula monótona, mas estava
interessado em todo o resto – na forma como o mundo é
feito, na superfície física da terra, na forma como as pessoas
vivem. Eu costumava andar de bicicleta pelas estradas de
terra, percorrendo um mínimo de 35 km por dia. Quando
chegava em casa, estava coberto de camadas de barro e
poeira. Gostava especialmente de fazer mapas mentais do
terreno em que passeava. Podia apenas fechar os olhos
quando estava sozinho e redesenhar toda a paisagem vista
naquela tarde – cada rocha, cada afloramento, cada árvore.
Era fascinado pelas diferentes estações, pela forma como a
terra muda quando é arada, quando as plantações começam
a germinar. Foi o que me atraiu no trabalho de Thomas
Hardy: suas descrições da paisagem inglesa que se seguem
página a página. Mentalmente estava fazendo a mesma coisa
com o mundo ao meu redor. Ainda hoje é como um vídeo em
minha cabeça. Se eu quiser, consigo rever com clareza toda a
paisagem daqueles anos de observação.
Eu era um cético inflexível. Mesmo aos 5 anos de idade,
quando minha família ia ao templo, eu tinha muitas
perguntas: “Quem é Deus? Onde Ele está? Lá em cima? Onde
é lá em cima?”. Alguns anos depois, tinha ainda mais
perguntas. Na escola, disseram que o planeta era redondo.
Mas, se o planeta era redondo, como alguém saberia que
direção era para cima? Ninguém conseguia responder a essas
perguntas, então eu nunca entrava no templo. Isso
significava que eram obrigados a me deixar do lado de fora
sob os cuidados do guardador de calçados. O guardador me
segurava pelo braço como se fosse um torniquete, apertando
e me rebocando junto com ele enquanto fazia seu serviço.
Ele sabia que, se olhasse para o lado, eu fugiria! Mais tarde,
não pude deixar de notar que as pessoas que saíam de
restaurantes sempre tinham expressões mais alegres do que
as que saíam dos templos. Isso me intrigou.
No entanto, embora eu fosse cético, também nunca me
identifiquei com esse rótulo. Tinha muitas perguntas sobre
tudo, mas nunca senti necessidade de chegar a conclusões.
Percebi muito cedo que eu não sabia nada sobre nada. Por
isso acabei prestando muita atenção em tudo ao meu redor.
Se alguém me desse um copo de água, eu o encarava sem
parar. Se eu pegasse uma folha, também olhava
continuamente para ela. Olhava para a escuridão a noite
toda. Se olhasse para um pedregulho, a imagem giraria sem
parar em minha mente, para que eu conhecesse cada grão,
cada ângulo.
Também vi que a linguagem não era mais do que uma
conspiração criada por seres humanos. Se alguém falasse,
percebia que só estavam fazendo sons, e eu estava
inventando os significados. Então, parei de inventar
significados, e os sons tornaram-se muito divertidos. Eu
podia ver padrões jorrando de suas bocas. Se continuasse
olhando, a pessoa apenas se desintegraria e se transformaria
em uma bolha de energia. Então tudo o que restava eram
padrões.
Nesse estado de ignorância absoluta e ilimitada,
praticamente qualquer coisa poderia prender minha atenção.
Meu querido pai, sendo médico, começou a achar que eu
precisava de avaliação psiquiátrica. Em suas palavras: “Esse
menino está olhando sem piscar para algo o tempo todo. Ele
perdeu a cabeça!”. Sempre me pareceu estranho que o
mundo não perceba a imensidão de um estado de “eu não
sei”. Aqueles que destroem esse estado com crenças e
suposições perdem completamente uma enorme
possibilidade – a possibilidade de saber. Esquecem que “eu
não sei” é a porta – a única porta – para buscar e saber.
Minha mãe me instruiu a prestar atenção em meus
professores. E prestei. Prestei o tipo de atenção que nunca
teriam recebido em qualquer outro lugar! Eu não tinha ideia
do que estavam dizendo, mas, nas ocasiões em que assistia
às aulas, olhava para eles, de forma inabalável e intensa. Por
alguma razão, não acharam essa característica
especialmente cativante. Um professor em particular fez
todo o possível para extrair uma resposta minha. Mas
quando permaneci em silêncio e taciturno, ele me agarrou
pelo ombro, me sacudiu com violência e declarou: “Ou você é
o divino ou o diabo”. E acrescentou: “E acho que você é a
segunda opção!”.
Eu não estava especificamente insultado. Até aquele
momento, havia me aproximado de tudo ao meu redor – de
um grão de areia ao Universo – com um sentimento de
admiração. Mas sempre havia uma certeza nessa complexa
teia de perguntas, e era “eu”. No entanto, o acesso de raiva
do meu professor desencadeou outra linha de investigação:
quem eu era? Humano, divino, diabo, o quê? Tentei me olhar
para descobrir e não funcionou. Então, fechei os olhos e
tentei descobrir. Minutos transformaram-se em horas, e
continuei sentado, com os olhos fechados.
Quando meus olhos se abriram, tudo me intrigava – uma
formiga, uma folha, nuvens, flores, escuridão, praticamente
qualquer coisa. Para meu espanto, descobri que com os olhos
fechados ainda mais coisas me chamavam atenção – a forma
como o corpo pulsa, a forma como os diferentes órgãos
funcionam, os vários canais ao longo dos quais a energia
interior se move, a forma como a anatomia é alinhada, o fato
de as fronteiras limitarem-se ao mundo exterior. Esse
exercício abriu toda a mecânica de ser humano diante de
mim. Em vez de me levar a uma resposta simplista de que eu
era “isso” ou “aquilo”, gradualmente me levou à percepção
de que, se eu estivesse disposto, poderia ser tudo. Não era
sobre chegar a quaisquer conclusões. Até mesmo a certeza
do “eu” desmoronou quando uma sensação mais profunda
do que é ser um humano começou a surgir. Ao me conhecer
como uma pessoa autônoma, esse exercício me dissolveu. Eu
me tornei um ser nebuloso.
Apesar de todos os meus modos esquisitos, a única coisa
que conseguia fazer de forma estranhamente disciplinada
eram meus exercícios do yoga. Começou nas férias de verão
quando eu tinha 12 anos. Um monte de primos se encontrava
todos os anos na casa ancestral do meu avô. No quintal,
havia um poço antigo, com mais de 40 m de profundidade.
Enquanto as meninas brincavam de esconde-esconde, a
brincadeira normal que nós garotos fazíamos era pular no
poço e depois subir de novo. Tanto pular quanto subir era
um desafio. Se não fizesse isso corretamente, seu cérebro
poderia se tornar uma mancha na parede. Na subida, não
havia degraus; você simplesmente tinha que se agarrar à
superfície da rocha e se arrastar para cima. As unhas muitas
vezes sangravam com a pressão. Só alguns garotos
conseguiam fazer isso. Eu era um deles, e era muito bom
nisso.
Um dia apareceu um homem com mais de 70 anos de
idade. Ele nos observou por um tempo. Em silêncio, pulou no
poço. Achamos que ia morrer. Mas ele subiu mais rápido do
que eu. Deixei de lado o orgulho e lhe fiz apenas uma
pergunta: “Como?”. “Venha, aprenda yoga”, disse o velho.
Eu o segui como um cachorrinho. E foi assim que me
tornei aluno de Malladihalli Swami (como esse velho era
conhecido) e entrei no yoga. No passado, me acordar todasas manhãs era um projeto familiar. Minha família tentava
me fazer sentar na cama; eu tombava e adormecia
novamente. Minha mãe me entregava a escova de dentes; eu
a colocava na boca e adormecia. Em desespero, ela me
empurrava para o banheiro; eu logo voltava a adormecer. No
entanto, três meses depois de começar o yoga, meu corpo
passou a acordar às 3h40 todos os dias, sem qualquer
estímulo externo, como acontece até hoje. Depois que
acordava, meus exercícios simplesmente aconteciam, não
importava onde eu estivesse e em que situação, sem um
único dia de folga. Esse simples yoga – chamada
angamardana (um sistema do yoga físico que fortalece
tendões e membros) – me distinguia definitivamente em
qualquer grupo de pessoas, física e mentalmente. Mas isso
era tudo… ou era nisso que acreditava.
Com o tempo, perdi toda a fé na educação estruturada.
Não era cinismo; eu tinha bastante entusiasmo e vida em
mim para me manter comprometido com tudo. Minha
característica dominante, mesmo nessa idade, era a clareza.
Eu não estava procurando ativamente por inconsistências ou
brechas em qualquer coisa que me era ensinada, apenas as
via. Nunca busquei algo na vida, apenas olhava. E é o que
estou tentando ensinar às pessoas agora: se você realmente
quer conhecer a espiritualidade, não busque. As pessoas
acham que a espiritualidade é sobre a busca de Deus ou da
verdade ou do supremo. O problema é que você já definiu o
que está buscando. Não é o objeto de sua busca que é
importante, mas simplesmente a capacidade de olhar sem
motivo, e isso está em falta no mundo de hoje. Todo mundo
é uma criatura psicológica querendo atribuir significado a
tudo. Buscar não é sobre olhar para algo, mas sobre
melhorar sua percepção, sua própria capacidade de ver.
Depois do ensino médio, embarquei em um programa de
autoestudo na Biblioteca da Universidade de Mysore. Eu era
a primeira pessoa a entrar ali às 9 horas da manhã e a
última a ser expulsa às 8h30 da noite. Entre o café da manhã
e o jantar, meu único alimento eram os livros. Embora
sempre tenha sido esfomeado, pulei o almoço por um ano
inteiro. Li loucamente, de Homero à revista Popular
Mechanics, de Kafka a Kalidasa, de Dante a Dennis, o
Pimentinha. Saí daquele ano mais instruído, porém com mais
perguntas do que nunca.
As lágrimas de minha mãe me obrigaram a me
matricular, com relutância, na Universidade de Mysore como
aluno de literatura inglesa. Mas continuei carregando a
nuvem de 1 bilhão de perguntas, como uma auréola escura, o
tempo todo ao meu redor. Nem a biblioteca nem os
professores puderam dissipá-la. Mais uma vez, passei a
maior parte do tempo fora da sala de aula. Descobri que tudo
que acontecia na aula era um ditado de anotações, e
definitivamente não estava planejando ser um estenógrafo!
Certa vez pedi a uma professora que me desse suas
anotações para que eu pudesse tirar cópias; isso a livraria do
problema do ditado e a mim do problema de comparecer.
Finalmente, fiz um acordo com todos os professores (que
ficaram mais do que felizes com a minha ausência nas
aulas). Todos os dias eles me dariam presença. O
comparecimento era registrado no último dia do mês.
Naquele dia eu entraria e apenas me certificaria de que
estavam mantendo sua parte na barganha!
Um grupo de alunos começou a se encontrar sob uma
enorme figueira-de-bengala no terreno do campus. Alguém o
intitulou Clube da Figueira-de-Bengala, e o nome pegou. O
lema do clube era: “Fazemos isso por diversão”. Nós nos
reuníamos sob a árvore em nossas motos e conversávamos
por horas sobre uma variedade de assuntos – desde como
fazer motos Jawa serem mais rápidas a como tornar o
mundo um lugar melhor. É claro que nunca saíamos de
nossas motos. Isso teria sido um sacrilégio!
Quando terminei a universidade, havia percorrido todo o
país. Inicialmente, viajei pelo sul da Índia em minha
bicicleta; em seguida, atravessei o país inteiro em minha
moto. O normal então seria atravessar as fronteiras
nacionais. Mas quando cheguei à fronteira entre a Índia e o
Nepal, me disseram que o registro da moto e a carteira de
habilitação não eram suficientes, precisava de mais
documentos. Depois disso, ganhar dinheiro suficiente para
viajar pelo mundo de moto se tornou meu sonho. Não era só
desejo de viajar, havia uma inquietação. Queria conhecer
alguma coisa. Não sabia o que nem aonde precisava ir para
conseguir, só sabia que queria mais.
Nunca me considerei particularmente impulsivo; a vida
me orientava. Eu media as consequências de minhas ações;
só que, quanto mais perigosas eram, mais me atraíam.
Alguém me disse uma vez que meu anjo da guarda devia ser
muito bom, em constantes horas extras! Ansiava por testar
limites, atravessar fronteiras. O que e por que nunca foram
perguntas para mim. Como era a única questão. Agora,
quando olho para trás, percebo que nunca pensei no que
queria ser na vida, mas apenas em como queria vivê-la. E
sabia que o “como” só poderia ser determinado dentro de
mim e por mim.
Na época, houve um grande boom na avicultura. Eu
precisava ganhar algum dinheiro para financiar meu desejo
de viajar sem restrições e sem rumo. Ao entrar no ramo,
meu pai disse: “O que vou dizer às pessoas? Que meu filho
está criando galinhas?”. Mesmo assim, construí sozinho
minha granja, partindo do zero. O negócio fez sucesso, os
lucros começaram a surgir. Todas as manhãs eu dedicava
quatro horas ao negócio; no restante do dia eu lia, escrevia
poesia, nadava, meditava e sonhava acordado em uma
enorme figueira-de-bengala.
O sucesso me fez aventureiro. Meu pai sempre lamentava
que os filhos de todos os seus amigos haviam se tornado
engenheiros, industriais, entrado para o serviço público ou
ido para os Estados Unidos. As pessoas do meu convívio –
amigos, parentes, antigos professores da escola e da
faculdade – comentavam: “Ah, achávamos que você faria
algo de sua vida, mas só a está desperdiçando”.
Encarei como um desafio e, em parceria com um amigo
engenheiro civil, entrei no ramo da construção. Em cinco
anos, nos tornamos uma grande empresa da área, cotada
entre as principais empreiteiras privadas de Mysore, para
encanto e espanto de meu pai.
Eu era exuberante e seguro, movido a adrenalina e
ansioso por um desafio. Quando tudo que você faz é um
sucesso, tende a começar a acreditar que os planetas giram
em torno de você, não do Sol!
E era esse tipo de jovem que eu era quando, naquela
fatídica tarde de setembro de 1982, decidi pegar a moto
tcheca e subir a colina Chamundi.
Eu não tinha ideia de que minha vida jamais seria a
mesma.
Mais tarde, quando tentei conversar com meus amigos sobre
o que aconteceu naquele dia na montanha, tudo que
conseguiam perguntar era: “Você bebeu alguma coisa? Você
usou alguma droga?”. Eles eram ainda mais desinformados
do que eu sobre essa nova dimensão que de repente explodiu
em minha vida.
Mesmo antes de eu começar a processar o que a
experiência significava, ela retornou uma semana depois.
Tive a sensação de que havia durado dois minutos, mas na
verdade foram sete horas. Eu estava à mesa de jantar com
minha família totalmente consciente, exceto que o “eu” que
conhecia como eu mesmo não estava mais ali; todo o resto
estava. E o tempo voou.
Tenho a lembrança de vários membros da família me
batendo no ombro, me perguntando o que aconteceu, me
dizendo para comer. Simplesmente levantei a mão e lhes
pedi que saíssem. Eles me deixaram em paz, já estavam
acostumados com meu jeito estranho. Eram quase 4h15 da
manhã quando voltei aos meus sentidos “normais”.
A experiência começou a acontecer com mais frequência.
Quando ocorria, eu não comia nem dormia por horas a fio.
Simplesmente ficava sentado, enraizado em um único ponto.
Em uma ocasião, isso durou treze dias. Eu estava em uma
aldeia quando começou – esse estado de extraordinário e
indescritível êxtase e quietude. Os aldeões reuniram-se ao
meu redor e começaram a sussurrar entre si: “Ah, ele deve
estar emsamadhi” (um estado bem-aventurado além do
corpo, bem documentado nas tradições espirituais indianas).
Na Índia, sendo o país que é, havia uma compreensão
tradicional da espiritualidade da qual eles eram herdeiros e
da qual eu, com meu cérebro envolto em jeans, ignorava.
Quando saí daquele estado, alguém queria colocar uma
guirlanda no meu pescoço, outro queria tocar meus pés, e eu
não conseguia acreditar que alguém quereria fazer isso
comigo.
Em outro dia, quando eu estava almoçando, coloquei um
bocado de comida na boca e, de repente, ela explodiu.
Naquele momento, pude experimentar a milagrosa alquimia
da digestão humana – o processo pelo qual uma substância
externa, um pedaço do planeta, estava se tornando parte de
mim. Todos nós sabemos disso intelectualmente – que uma
parte do planeta nos nutre, e nossos corpos, por sua vez, um
dia voltam para nutrir a mesma terra que já nos sustentou
–, mas, quando o conhecimento irrompeu como experiência,
alterou minha perspectiva fundamental de quem eu era.
Minha relação com tudo ao meu redor, incluindo o planeta,
passou por uma mudança dimensional.
Fiquei consciente dessa extraordinária inteligência que
existe dentro de cada um de nós, capaz de transformar um
pedaço de pão ou uma maçã no corpo humano em uma única
tarde. Não é uma pequena façanha! Quando comecei a tocar
conscientemente essa inteligência, que é a fonte da criação,
eventos aparentemente inexplicáveis começaram a ocorrer
ao meu redor. De uma forma ou de outra, as coisas que
tocava eram transformadas. As pessoas olhavam para mim e
começavam a chorar. Muitos afirmavam ter se livrado de
sofrimento físico e mental apenas olhando para mim. Eu me
via curado em questão de horas de problemas dos quais
levaria meses para me livrar por meio do tratamento médico
normal. No entanto, dei pouca importância a tudo isso.
Essa capacidade de transformar minha realidade exterior
e interior muito drasticamente continua dentro de mim e ao
meu redor até o dia de hoje. Não foi algo que tentei
conscientemente alcançar. É só que, uma vez em contato
com essa dimensão mais profunda de inteligência, que é a
base de nossa existência aqui, a vida torna-se naturalmente
milagrosa.
Em cerca de seis a oito semanas, essa incrível experiência
se tornou uma realidade. Durante esse tempo, tudo sobre
mim mudou completamente. Minha aparência física – o
formato dos olhos, o modo de andar, a voz, o próprio
alinhamento do corpo – começou a se modificar tanto que as
pessoas a minha volta também começaram a notar.
O processo interno era ainda mais fenomenal. Em seis
semanas, um enorme fluxo de memória surgiu –
literalmente, uma vida de memória. Eu agora estava
consciente de 1 milhão de coisas diferentes acontecendo
dentro de mim em um simples momento, como se fosse um
caleidoscópio. Minha mente lógica me dizia que nada disso
poderia ser verdade. O que eu estava vivenciando era mais
claro do que a luz do dia. No entanto, secretamente esperava
que fosse falso. Sempre me vi como um jovem inteligente.
De repente parecia ser um jovem tolo e ignorante, e essa
perplexidade era algo que eu não conseguia aceitar. Mas,
para minha decepção, descobri que tudo que minha memória
estava dizendo era verdade.
Até aquele momento, eu havia me recusado
completamente a aceitar qualquer coisa em minha vida que
não se adequasse a uma estrutura racional e lógica.
Lentamente, comecei a perceber que a vida é a inteligência
suprema. O intelecto humano é apenas a sabedoria que
garante a sobrevivência. Mas a verdadeira inteligência é
apenas a vida e a vida – e aquilo que é a fonte da vida. Nada
mais.
Foi dito ao mundo que o divino é amor, que o divino é
compaixão. Mas, se você prestar atenção à criação, perceberá
que o divino, ou o que quer que seja a fonte da criação, é,
acima de tudo, a mais alta inteligência que se pode imaginar.
Em vez de tentar explorar essa inteligência toda-poderosa
que pulsa dentro de cada um de nós, optamos por usar nosso
intelecto lógico, que é útil em certas situações, mas
essencialmente limitado.
Também comecei a experimentar uma sensibilidade
aumentada para com os sentimentos dos outros. Às vezes,
apenas a visão de uma pessoa desconhecida na rua, em
estado de tristeza, podia me fazer chorar. Eu não podia
acreditar nos estados de miséria que os seres humanos
conseguiam suportar enquanto eu estava ali, simplesmente
explodindo em êxtase sem razão alguma.
Demorei um pouco para perceber que o que estava
acontecendo comigo era algo “espiritual”. Comecei a
entender que o que as tradições sagradas e escrituras haviam
exaltado como a suprema experiência estava acontecendo
comigo; que eu estava experimentando, de fato, a coisa mais
linda que pode acontecer a um ser humano.
A todo momento, cada célula do meu corpo estava
explodindo em êxtases indescritíveis. As pessoas glorificam
a infância porque uma criança consegue rir e ser bem-
aventurado sem qualquer razão. Mas vi que também é
possível ficar em êxtase na idade adulta. É possível para todo
ser humano, porque tudo que podemos experimentar
acontece dentro de nós.
Comecei a perceber que a transformação física em minha
aparência era, na verdade, um realinhamento de toda a
minha constituição interior. Vinha praticando um conjunto
básico de posturas corporais, ou hatha yoga, desde os 12
anos. Aqueles treze anos do yoga deram frutos nesse
momento. O yoga é essencialmente uma forma de recriar o
corpo para que ele sirva a um propósito maior. O corpo
humano pode funcionar como um pedaço de carne e osso ou
como a própria fonte da criação.
Há toda uma tecnologia para transformar o humano em
divino. A espinha humana não é apenas um arranjo ruim dos
ossos; é o próprio eixo do Universo. Depende apenas de
como você reorganiza seu sistema. No meu caso, por ser
uma pessoa fisicamente intensa, aprendi a carregar meu
corpo como se ele não estivesse aqui. Minha fisicalidade se
tornou muito relaxada. Antes, toda essa intensidade estava
em meu corpo. As pessoas podiam sentir que, se eu entrasse
em uma sala, isso significava ação. Mas então aprendi a
carregar meu corpo de forma diferente.
E foi quando percebi que aquela experiência que havia
tido era realmente yoga. Essa experiência de união com a
existência, de unidade com toda a vida, de infinitude, era
yoga. O simples conjunto de posturas do yoga, ou asanas,
que eu vinha praticando diariamente era sobre aptidão física,
ou assim eu pensava. Após aquela experiência na colina
Chamundi, percebi que o que estava fazendo era na verdade
um processo que poderia me levar a uma dimensão muito
além da física. E é por isso que digo às pessoas: mesmo que
você entre no yoga pelas razões erradas, ela ainda funciona!
Em cada ser humano, há algo que não gosta de limites,
que anseia por se tornar ilimitado. A natureza humana é tal
que sempre ansiamos por ser algo mais do que somos agora.
Não importa quanto consigamos, ainda queremos ser algo
mais. Se apenas olhássemos para isso de perto,
perceberíamos que esse desejo não é por mais; esse desejo é
por tudo. Todos buscamos nos tornar infinitos. O único
problema é que estamos buscando isso à prestação.
Imagine que você estava trancado em um cubículo de 1,5
m2. Por mais confortável que fosse, você desejaria estar livre
dele. No dia seguinte, se fosse solto em um cubículo maior
de 3 m2, você se sentiria bem por um tempo, mas logo o
mesmo anseio de romper esse limite voltaria. Não importa
quão grande seja o limite que estabelecemos; quando você se
torna consciente dele, o desejo de rompê-lo é instintivo. No
Oriente, esse anseio foi culturalmente reconhecido como o
objetivo mais elevado de todas as atividades e todos os
esforços humanos. A liberdade – ou mukti, ou moksha – é
vista como o anseio natural e o destino final de todo ser
humano. É só por estarmos inconscientes disso que
buscamos realizá-lo à prestação, seja pela aquisição de
poder, dinheiro, amor ou conhecimento. Ou pormeio desse
outro grande passatempo atual – fazer compras!
No momento em que percebi que o desejo humano não
era por uma coisa em particular, mas apenas por se expandir
de forma ilimitada, uma clareza surgiu dentro de mim.
Quando vi que todos eram capazes disso, pareceu natural
querer compartilhar. Todo o meu objetivo desde então tem
sido, de alguma forma, passar essa experiência a outras
pessoas, a fim de despertá-las para o fato de que esse estado
de alegria, de liberdade, de infinitude não lhes pode ser
negado, a menos que elas atrapalhem a efervescência
natural da vida.
Essa condição de bem-estar extático que tenho desde
aquela tarde na colina Chamundi não é uma possibilidade
distante nem um sonho impossível. É uma realidade para
aqueles que estão dispostos. É o direito inato de todo ser
humano.
A saída está dentro
Tudo o que você realizou na vida até hoje teve como objetivo
uma única coisa. Se seguiu uma carreira, começou um
negócio, ganhou dinheiro ou construiu uma família, foi
sempre por querer uma coisa simples: alegria.
Entretanto, em algum lugar ao longo do caminho, a vida
ficou complicada.
Se você tivesse nascido como qualquer outra criatura
neste planeta, teria sido muito simples. Suas necessidades
teriam sido apenas físicas. Um estômago cheio seria
equivalente a um grande dia. Dê uma olhada em seu
cachorro ou seu gato: assim que o estômago deles está cheio,
ficam bem calmos.
Mas quando você vem a este mundo como um ser
humano, as coisas mudam. Um estômago vazio é um
problema: fome. E um estômago cheio? Uns cem problemas!
Quando nossa sobrevivência está em questão, há um grande
problema em nossa vida. No entanto, assim que é resolvido,
parece não significar nada. Para um ser humano, a vida de
alguma forma não parece acabar com a sobrevivência; a vida
começa com a sobrevivência.
Como geração, hoje nosso processo de sobrevivência está
mais bem organizado do que nunca. Você pode ir a um
supermercado e comprar tudo de que precisa para o ano
inteiro. Como também pode fazer isso sem sair de casa!
Nunca antes na história da humanidade algo assim foi
possível. Coisas que mesmo a realeza não podia se dar ao
luxo de fazer há cem anos são acessíveis ao cidadão comum.
Somos a geração com mais conforto que já viveu neste
planeta. O obstáculo é que definitivamente não somos a mais
alegre, ou a mais amorosa, ou a mais pacífica.
E por que isso ocorre? Tentamos fazer o máximo para
consertar o ambiente externo. Se consertarmos mais, não
haverá mais planeta! E mesmo assim não somos mais felizes
do que nossos ancestrais de mil anos atrás. Se não está
funcionando, não é hora de ver o que está errado? Como
podemos continuar a fazer algo que não funciona há mil
anos? Por quanto tempo viveremos com modelos que
claramente não cumpriram sua promessa?
É hora de uma mudança de paradigma.
Começaremos com uma única pergunta: O que consideramos
um estado de bem-estar?
De modo muito simples, o bem-estar é apenas uma
profunda sensação de satisfação interior. Se o corpo se sente
satisfeito, chamamos de saúde. Se isso se torna muito
agradável, chamamos de prazer. Se a mente fica satisfeita,
chamamos de paz. Se isso se torna muito agradável,
chamamos de alegria. Se as emoções se tornarem
agradáveis, chamamos de amor. Se elas se tornarem muito
agradáveis, chamamos de compaixão. Se as energias vitais se
tornarem agradáveis, chamamos de bem-aventurança. Se
elas se tornarem muito agradáveis, chamamos de êxtase.
Isso é tudo que você busca: satisfação interior e exterior.
Quando a satisfação está dentro de você, é chamada de paz,
alegria, bem-aventurança. Quando seu entorno se torna
agradável, chama-se sucesso. Se você não está interessado
em nada disso e quer ir para o céu, o que está buscando?
Apenas sucesso espiritual! Então, toda a experiência humana
é essencialmente uma questão de satisfação e insatisfação
em vários graus.
Quantas vezes em sua vida você teve um dia inteiro bem-
aventurado – sem um único momento de ansiedade,
agitação, irritação ou estresse? Quantas vezes passou vinte e
quatro horas em profunda e absoluta satisfação? Quando foi
a última vez que isso lhe aconteceu?
O mais incrível é que, para a maioria das pessoas neste
planeta, nem um único dia se passou exatamente do jeito que
elas queriam! É claro que não há ninguém que não tenha
experimentado a alegria, a paz, ou mesmo a bem-
aventurança, mas são sempre fugazes. As pessoas são
incapazes de mantê-las. Conseguem chegar lá, mas
continuam deixando-as se dissolverem. E não precisa
ocorrer nenhum desastre para que se dissolvam. As coisas
mais simples deixam as pessoas desequilibradas,
indispostas.
É assim. Você sai hoje e lhe dizem que você é a pessoa
mais bonita do mundo: você fica nas nuvens. Mas então
chega em casa, e seus parentes lhe dizem quem você
realmente é: tudo desmorona!
Soa familiar?
Por que você precisa estar satisfeito por dentro? A
resposta é óbvia. Quando seu estado interior é satisfatório, é
naturalmente satisfatório para todos e tudo ao seu redor.
Nenhuma escritura ou filosofia é necessária para ensiná-lo a
ser bom para os outros. É um resultado natural de quando
você está se sentindo bem consigo mesmo. Satisfação
interior é um seguro infalível para a criação de uma
sociedade pacífica e de um mundo alegre.
Além disso, seu sucesso no mundo depende
essencialmente de como você aproveita as aptidões do corpo
e da mente. Então, para alcançar o sucesso, a satisfação tem
que ser a condição fundamental dentro de você.
Acima de tudo, há substanciais evidências médicas e
científicas de que seu corpo e sua mente funcionam melhor
quando você está em uma condição de satisfação. Dizem que,
se você pode permanecer bem-aventurado por vinte e quatro
horas, suas capacidades intelectuais podem ser quase
duplicadas. Você pode conseguir isso simplesmente
resolvendo a confusão interna e permitindo que a clareza
venha à superfície.
Ora, a própria energia vital a que você se refere como “eu
mesmo” às vezes está muito bem-aventurado, às vezes
triste, às vezes pacífica, às vezes tumultuada. A mesma
energia vital é capaz de todos esses estados. Então, se lhe
dessem escolha sobre o tipo de expressão que suas energias
vitais deveriam encontrar, o que você escolheria? Alegria ou
tristeza? Satisfação ou insatisfação?
A resposta é evidente. As formas podem variar de pessoa
para pessoa, mas se você está tentando ganhar dinheiro,
enchendo a cara ou se esforçando para chegar ao céu, a
satisfação é o único objetivo. Mesmo se disser que não está
interessado neste mundo, que sua missão na vida é apenas
chegar ao céu, ainda assim está buscando apenas satisfação.
Se desde sua infância as pessoas lhe tivessem dito que Deus
vive no céu, mas que o céu é um lugar horrível, você ia
querer ir para lá? É claro que não! Essencialmente, o nível
mais elevado de satisfação é o céu; o de insatisfação é o
inferno. Então, alguns acham que está no vinho, outros
acham que está no divino, mas satisfação é o que todos estão
buscando.
A única coisa que se coloca entre você e seu bem-estar é
um fato simples: você permitiu que seus pensamentos e
emoções recebessem instruções vindas do lado de fora, e não
do interior.
Um dia, uma senhora foi dormir e teve um sonho. Viu um
homem atraente olhando para ela, aproximando-se cada vez
mais.
Ele estava tão perto que ela podia sentir sua respiração.
Ela tremeu – não de medo.
Então perguntou: “O que você vai fazer comigo?”.
O homem disse: “Bem, senhora, é o seu sonho!”.
O que está acontecendo na sua cabeça é o seu sonho. Pelo
menos seu sonho deveria acontecer do jeito que você quer,
não deveria? Mesmo que o mundo não seja do jeito que você
quer, seus pensamentos e emoções devem ser. Neste
instante, eles não estão recebendo suas instruções porque
você está lidando acidentalmente com todo o mecanismo
humano.
O mecanismo humano é a forma física mais sofisticada do
planeta. Você é a maior peçade tecnologia, o problema é que
não sabe onde fica o teclado. É como se estivesse lidando
com um supercomputador utilizando uma picareta e uma
chave inglesa! Como resultado, o simples processo de vida
cobra um preço da humanidade. Só para se sustentar, para
se reproduzir, para criar uma família, e, depois, para um dia
morrer – que desafio! É incrível como os seres humanos
lutam apenas para fazer o que todo verme, inseto, pássaro e
animal faz sem muito esforço.
Simplificando, nossa ecologia interna é uma bagunça. De
alguma forma, achamos que consertar as condições externas
fará tudo ficar bem por dentro. Esses últimos cento e
cinquenta anos são a prova de que a tecnologia só nos traz
conforto e conveniência, não bem-estar. Precisamos
entender que, a menos que façamos as coisas certas, as coisas
certas não acontecerão conosco: essa é a verdade não apenas do
mundo exterior, mas também do interior.
Um dia, um touro e um faisão estavam no pasto em um
campo. O touro pastava e o faisão catava carrapatos nele –
uma parceria perfeita. Olhando para a imensa árvore à beira
do campo, o faisão disse: “Puxa, houve um tempo em que eu
conseguia voar até o galho mais alto da árvore. Agora não
tenho força suficiente em minha asa nem mesmo para
chegar ao primeiro galho”.
Despreocupadamente, o touro disse: “Coma um pouco do
meu estrume todos os dias e observe o que acontece. Em
duas semanas, você chegará ao topo”.
O faisão disse: “Ah, peraí, isso é lixo. Que bobagem é
essa?”.
O touro disse: “Experimente e veja. A humanidade inteira
faz isso”.
Muito hesitante, o faisão começou a bicar. E eis que no
primeiro dia chegou ao primeiro ramo. Em quinze dias,
alcançou o ramo mais alto. Ele se sentou lá, começando a
apreciar a paisagem.
O velho fazendeiro, que estava na cadeira de balanço, viu
um velho faisão gordo em cima da árvore. Pegou a
espingarda e atirou no pássaro.
Moral da história: uma bobagem pode levá-lo ao topo,
mas nunca o deixa ficar lá!
Portanto, você pode fazer bobagem em todos os tipos de
estados emocionais, pode de alguma forma se esforçar para
aumentar seu bem-estar, mas o problema é: isso não dura. O
clima poderia dissolvê-lo. O mercado de ações poderia
dissolvê-lo. E mesmo que não se dissolva, viver na
expectativa de que isso ocorra já seria ruim o bastante! A
possibilidade iminente de que se dissolva um dia é uma
tortura – muitas vezes pior do que o desastre real. Assim,
enquanto a sua vida interna for escravizada por situações
externas, permanecerá em uma condição precária. Esse é o
único resultado possível.
Então, qual é a solução?
A solução é uma mudança muito simples de direção. Você
só precisa ver que a fonte e a base de sua experiência estão
dentro de você. A experiência humana pode ser estimulada
ou catalisada por situações externas, mas a fonte está
dentro. Dor ou prazer, alegria ou miséria, agonia ou êxtase
acontecem apenas dentro de você. A tolice humana é que as
pessoas estão sempre tentando extrair alegria do lado de
fora. Você pode usar o exterior como um estímulo ou gatilho,
mas o principal sempre vem de dentro.
Agora mesmo você está segurando um livro. Onde você vê
o livro? Use o dedo e aponte para onde o vê. Você acha que a
imagem está fora de você?
Pense de novo.
Você lembra como isso funciona? A luz está caindo sobre
o livro, refletindo, entrando no cristalino de seus olhos e
sendo projetada como uma imagem invertida em sua retina
– você conhece toda a história. Então, você está realmente
vendo o livro dentro de si mesmo.
Onde você vê o mundo todo?
Mais uma vez, dentro de si mesmo.
Tudo que já aconteceu com você, você experimentou bem
dentro de você. Luz e escuridão, dor e prazer, agonia e êxtase
– tudo aconteceu dentro de você. Se uma pessoa tocar sua
mão agora, você pode achar que está experimentando a mão
dela, mas o fato é que só está experimentando as sensações
em sua própria mão. Toda a experiência está contida nela.
Toda experiência humana é integralmente autogerada.
Se seu pensamento e sua emoção são de sua criação, você
pode moldá-los como quiser. Hoje há provas científicas de
que, sem ingerir uma gota de álcool ou qualquer outra
substância, você pode ficar totalmente intoxicado por si
mesmo. Um químico orgânico israelense, Raphael
Mechoulam, e sua equipe de pesquisa iniciaram um projeto
que acabou por isolar uma “molécula da bem-aventurança”
no sistema humano. Em termos leigos, descobriram que o
cérebro humano tem receptores naturais de cannabis. Por
que isso ocorre? Descobriram que isso acontece
simplesmente porque o corpo é capaz de produzir o próprio
narcótico. Pode fabricar a própria bem-aventurança sem
qualquer estímulo externo – e sem ressaca também! A razão
pela qual certas substâncias químicas, como álcool e drogas
recreativas, são perigosas é que podem reduzir sua
consciência, arruinar sua saúde, gerar vícios e destruí-lo.
Mas aqui está uma bem-aventurança narcótica criada e
consumida por seu próprio sistema – que tem um enorme
impacto na saúde e no bem-estar! Isso significa que o
sistema humano é maravilhosamente completo. Outras
substâncias químicas similares também foram descobertas
mais recentemente, mas essa substância em particular foi
nomeada “anandamida”, baseada na palavra em sânscrito
ananda, que significa “alegria”. Podemos inferir disso que a
bem-aventurança é apenas um tipo de química; a paz é
outro. Na verdade, todo tipo de satisfação que
experimentamos – seja paz, alegria ou êxtase – é um tipo de
química. O sistema yogi sempre soube disso.
Há uma tecnologia para o bem-estar interior – para criar
uma base química para uma existência bem-aventurada.
Essa é uma dimensão do que chamo de “Engenharia
interior”. Se você está ciente, pode ativar seu sistema de tal
forma que mesmo respirar seja um enorme prazer. Só é
preciso disposição para prestar um pouco de atenção ao
mecanismo interno.
Essa é a mudança fundamental na compreensão que
precisa acontecer. Não procure uma saída para a miséria.
Não procure uma saída para o sofrimento. Há apenas um
caminho – e está dentro.
A maioria das pessoas acha que a paz e a alegria são os
objetivos da vida espiritual. Isso é uma falácia. Paz e alegria
são os requisitos básicos para uma vida de bem-estar. Se
você quer desfrutar de seu jantar hoje à noite, deve estar em
paz e bem-aventurado. Se quer desfrutar de sua família, do
trabalho que realiza, do mundo em que vive, deve ser
pacífico e bem-aventurado. Paz e alegria não são coisas que
você alcança no final da vida; são a base de sua vida. Se você
considera a paz como o objetivo final, só “descansará em
paz”!
A palavra espiritualidade é uma das mais corrompidas do
planeta. Não trilhe o caminho espiritual pela paz. A maioria
das pessoas é tão privada de paz que a considera a aspiração
suprema. Há alguns anos, quando estive em Tel Aviv, me
disseram que shalom era a forma de saudação mais elevada
possível. Perguntei por quê. “Porque significa paz”, me
disseram. Retruquei: “Por que a paz seria a mais elevada
aspiração, a menos que você estivesse no Oriente Médio?”.
Se você estivesse em uma ilha deserta sem comida há dez
dias e de repente Deus aparecesse diante de você, você
desejaria que Ele aparecesse como uma luz brilhante ou na
forma de pão? Na Índia, certas comunidades adoram a
comida como Deus, porque foram privadas de comida por
muito tempo. Na Califórnia, o amor é Deus! Não importa do
que você se sinta privado, isso parecerá a mais alta
aspiração. O que deve ser lembrado é que nenhuma dessas
coisas será a solução para você de forma duradoura. A vida
humana anseia por expansão ilimitada, e essa é a sua única
solução para sempre.
A busca espiritual não é uma escolha cultivada ou uma
busca induzida, mas um desejo natural, que não se revelará,
a menos que você lide com ele conscientemente. Quando ser
pacífico, bem-aventurado e alegre não é mais um esforço,
você naturalmente começa a buscar, quer conhecer a
naturezada vida. O misticismo neste planeta evoluiu apenas
naqueles lugares em que as pessoas aprenderam a técnica de
estar em êxtase por sua própria natureza. Isso ocorre porque
somente quando se é bem-aventurado se estará no mais
elevado estado de receptividade, e verdadeiramente disposto
a explorar todos os aspectos da vida. Caso contrário, você
não ousaria, já que se manter satisfeito é um grande desafio,
você não consegue assumir outros desafios.
Um dia, um homem de 85 anos foi pescar na Louisiana.
Quando estava prestes a parar, ele pegou um sapo. Ia soltá-
lo no pântano novamente, quando o sapo pediu: “Apenas me
beije apaixonadamente, e vou me transformar em uma linda
jovem”.
O velho examinou o sapo por muito tempo. O sapo fez um
beicinho, na expectativa. Então o velho o colocou no saco de
peixes.
O sapo gritou: “Você não me ouviu? Apenas um beijo e
vou me transformar em uma linda jovem!”.
O velho disse: “Na minha idade, não há muito que eu
possa fazer com uma linda jovem. Se beijar você pudesse me
transformar em um belo e jovem príncipe, seria diferente.
Mas, por enquanto – um sapo falante! Acredite em mim,
posso sentir o cheiro do dinheiro!”.
As escolhas que você faz por incapacidade não são
soluções para a vida. Uma incapacidade de ser bem-
aventurado por sua própria natureza pode fazer com que as
questões mais simples da vida pareçam problemas altamente
complexos. Neste momento, ser pacífico e alegre é
considerado o problema mais significativo da existência
humana. Em busca da bem-aventurança humana, estamos
destruindo o planeta.
A razão pela qual as coisas simples – como ser pacífico,
alegre, amoroso – se tornaram aspirações supremas é que as
pessoas estão vivendo sem prestar atenção ao processo da
vida. Quando a maioria das pessoas diz “vida”, na verdade
quer dizer os complementos dela – o trabalho, a família, os
relacionamentos, as casas em que vivem, os carros que
dirigem, as roupas que vestem ou os deuses aos quais rezam.
A única coisa de que sentem falta é a vida – o processo da
vida em si, a vida essencial que é você. Quando você comete
o erro fundamental de identificar algo que não é você como
você, a vida torna-se uma luta desnecessária. Os alicerces da
paz e da bem-aventurança não se referem a atender às
realidades externas da vida, mas a acessar e organizar a
natureza interior de seu ser.
Você é capaz de experimentar apenas aquilo que está
dentro dos limites de sua sensação. Mas se estender o limite
de sua sensação, pode se sentar aqui e experimentar a todos
como a si mesmo. Pode esticá-lo ainda mais e experimentar
o próprio cosmos como se fosse seu próprio corpo.
Quando essa sensação de inclusão aconteceu comigo,
entendi que ser amoroso e compassivo não é uma ideia.
Viver em empatia não é um princípio esotérico. É dessa
forma que um ser humano é feito. Se você não se identifica
com nada que tenha acumulado ao longo de um tempo,
incluindo seu corpo e sua mente, poderá vivenciar isso.
A iluminação não é uma realização ou uma conquista. É
uma volta ao lar. Seus sentidos lhe dão a impressão de que
você está experimentando o exterior, mas você nunca
experimentou o exterior. Quando você percebe que tudo o
que experimenta está dentro, essa absoluta volta ao lar é a
iluminação.
Minha vida é dedicada apenas aos métodos evolutivos,
para que as pessoas possam experimentar essa inclusão. Se
realmente precisamos criar soluções que sejam relevantes
para todos, uma experiência de inclusão absoluta tem que
acontecer com a humanidade. E é possível.
A razão pela qual todos não são naturalmente iluminados
é apenas esta: as pessoas categorizaram o mundo em bom e
mau, Deus e Diabo, alto e baixo, sagrado e profano, puro e
impuro, céu e inferno. Essas são linhas paralelas que nunca
se encontrarão.
Depois de fragmentar essa existência dentro de você, não
há como alcançar um estado de bem-estar e liberdade
duradouro. Disseram-lhe para amar seu inimigo. Se você
rotular alguém como seu inimigo e depois tentar amá-lo,
será uma tortura! Depois de fragmentar a criação dessa
forma, não há como chegar a um estado de inclusão
absoluta.
O problema é que os seres humanos perderam uma
distinção fundamental – entre interior e exterior, entre o
modo de ser e o modo como transacionam com o mundo
externo. As transações são diferentes, de acordo com a
natureza de uma situação ou relacionamento. Por mais
remotas ou íntimas que sejam, as transações são sempre
regidas por leis ou normas.
Mas quando se trata de nossa natureza interior, há
somente um princípio governante: unidade ilimitada. Nossos
mundos físico e social são regidos por limites. Nosso mundo
interno não precisa de nenhum. Para alcançar o êxtase da
unidade ilimitada, que é nosso estado natural, tudo que você
precisa fazer é viver de acordo com a diretriz de que toda a
experiência humana é gerada internamente – com ou sem o
apoio de estímulos externos. Isso é tudo. Se estabelecer isso
completamente dentro de si mesmo, os efeitos de suas
transações não serão mais opressivos.
O que queremos dizer com isso? Muitas vezes as pessoas
me perguntam: “Talvez isso seja possível para você como
um yogi, mas como nós, que vivemos no ‘mundo real’,
podemos tornar nossas interações livres de atrito?”. Eu
lembro a elas que não moro em uma caverna. Também lidero
pessoas. Trabalho ao redor do mundo com mais de 1 milhão
de voluntários. Isso significa que geralmente não são
treinados para o trabalho que estão fazendo – e que não se
pode demiti-los. Sabe como é difícil administrar essa
situação? Por implicação, minha vida deveria ser a mais
opressiva! Mas você nunca me verá angustiado, porque meu
jeito de ser não é de forma alguma escravizado pelo que
acontece do lado de fora. Essa não é uma conquista
sobrenatural. É possível a todos viver dessa forma.
Se você ainda acredita que alguém “lá em cima” o
resgatará e resolverá todos os seus problemas, lembre-se de
que vive em um planeta redondo – que está girando. Então,
sempre que você olha para cima, está obviamente olhando
na direção errada! Neste vasto cosmos em constante
expansão, o que está em cima e o que está embaixo? Você
não tem ideia. Em nenhum lugar no cosmos está marcado
“este é o lado de cima”! A única distinção que você conhece
hoje é “dentro” e “fora” (embora, para o yogi, até mesmo
essa distinção tenha desaparecido).
Milhares de anos atrás, um yogi apareceu nos altos do
Himalaia. Ele veio a ser conhecido como Adiyogi, o primeiro
yogi. E foi ele quem transmitiu a ciência do yoga a sete
discípulos, que mais tarde a levaram a todo o mundo. O que
ele compartilhou com esses discípulos foi um sistema
inimaginavelmente profundo de autoconhecimento e
transformação, baseado na premissa radical de que é
possível que um ser humano evolua com consciência.
Diferentemente da evolução biológica, que acontece sem
nossa participação consciente, a evolução espiritual pode
acontecer conscientemente. Tudo que é necessário, disse-
nos Adiyogi, é boa vontade.
Se fôssemos destilar a essência de sua sabedoria em
poucas linhas, seria exatamente isso. Para cima e para baixo,
bom e mau, sagrado e profano: tudo isso é suposição. Mas
dentro e fora: esse é o contexto do qual temos certeza, o
contexto com que podemos trabalhar. Essa é a contribuição
mais significativa de Adiyogi à humanidade, e é uma
contribuição profunda e duradoura: “A única saída está
dentro”.
Uma vez, alguém chegou procurando o Centro do Yoga
Isha, no sul da Índia. A pessoa entrou em um vilarejo
próximo e perguntou a um menino local: “Qual a distância
até o Centro de Yoga Isha?”.
O menino coçou a cabeça e disse: “São 40 mil km”.
O homem ficou espantado. “O quê? Tão longe?”.
O menino disse: “Sim, na direção em que você está indo.
Mas, se você der meia-volta, são apenas 6 km”.
Se você se voltar para fora, é uma jornada infinita. Se
você se voltar para dentro, é só um momento.
Nesse momento, tudo muda. Nesse momento, você nãoestá mais em busca de alegria. Em vez disso, sua vida se
torna uma expressão de sua alegria.
Projete seu destino
Uma vez estive em uma conferência internacional sobre
como diminuir a pobreza no planeta. Havia vários
participantes eminentes em cargos de responsabilidade
pública, incluindo uma generosa pitada de laureados com o
prêmio Nobel.
A certa altura, um participante perguntou: “Por que
estamos tentando resolver esses problemas? Tudo isso não é
a vontade divina?”.
E eu disse: “Sim, se alguém está morrendo, se alguém
está com fome, deve ser a vontade divina. Mas se seu
estômago estiver vazio, se seu filho estiver morrendo de
fome, você terá seu próprio plano, não terá?”.
Sempre que temos que fazer algo em relação a nossa vida,
tomamos as rédeas da situação. Sempre que se trata de
infortúnios de outras pessoas, temos uma palavra para
explicar: destino.
E que palavra conveniente. O destino tornou-se um bode
expiatório popular, uma forma de lidar com o fracasso, uma
artimanha fatalista para nos reconciliarmos com todos os
tipos de situações desconfortáveis. Mas se voltar para dentro
é o primeiro passo da passividade para a ação – de ser uma
vítima para se tornar um mestre de seu próprio destino.
Uma variedade de doenças que as pessoas acreditavam
ser a “vontade de Deus” até cem anos atrás está em nossas
mãos hoje. Isso ocorreu porque nos encarregamos de certas
situações. A poliomielite é um exemplo. A própria palavra
poliomielite causaria terror nos corações de muitos na
história recente. Na infância, vi na escola e no meu bairro
algumas pessoas da minha idade afetadas pela doença,
condenadas a viverem em cadeiras de rodas. Era uma visão
comum, e era um fato reconhecido que nunca poderiam
andar. Sua aflição geralmente era vista como um ato de Deus
ou do destino.
No início do século XX, a poliomielite era a doença mais
temida nos países industrializados, paralisando
irreversivelmente milhares de crianças. Vacinas eficazes
ajudaram a praticamente eliminar a doença nos anos 1950 e
1960. Quando ela foi reconhecida como um grande problema
nos países em desenvolvimento, os programas de
imunização foram introduzidos. Em 1988, a poliomielite
afligiu 350 mil crianças em todo o mundo em um único ano;
em 2013, o número caiu para 416. Em 2012, a Índia já não
fazia parte da lista de países polioendêmicos. Uma
combinação de políticas públicas, parcerias públicas e
privadas, vacinas eficazes a preços razoáveis, participação da
comunidade e equipes de profissionais de saúde global
provou que, apesar de todos os obstáculos, mesmo em um
país tão grande e desafiador quanto a Índia, a erradicação
era possível.
Ser humano significa poder moldar as situações que se
vive da forma que se deseja. Mas hoje a maioria das pessoas
no mundo é moldada pelas situações em que se encontra.
Isso acontece simplesmente porque elas vivem reagindo às
situações em que são colocadas. A pergunta inevitável é:
“Por que fui colocado nesta situação? Não é meu destino?”.
Tudo que não queremos assumir, tudo que não conseguimos
entender logicamente, rotulamos de “destino”. É uma
palavra reconfortante, mas desempoderadora.
Para moldar situações do jeito que quer, você deve
primeiro saber quem você é. O cerne da questão é que você
ainda não sabe quem é. Você não é a soma de tudo que
acumulou. Tudo que você conhece atualmente como “eu” é
só um acúmulo. Seu corpo é um acúmulo de comida. Sua
mente é um acúmulo de impressões reunidas por meio dos
cinco sentidos. O que você acumula pode ser seu, mas nunca
poderá ser você.
Então quem é você? Isso ainda está por vir em sua
experiência. Ainda se encontra em um estado inconsciente.
Você está tentando viver sua vida pelo que reuniu, e não pelo
que você é. Além disso, não está completamente consciente
do que coletou!
Você adquiriu certas tendências ao longo dos anos,
baseado nas impressões que acumulou. Elas podem ser
inteiramente transformadas. Se você fizer uma quantidade
de exercícios interiores se implementar algumas técnicas
interiores – independentemente de suas tendências atuais,
sua experiência passada de vida, sua genética, seu ambiente
–, poderá se reconectar completamente em um curto espaço
de tempo!
Tudo nesta existência acontece naturalmente de acordo
com uma lei orgânica. Se você conhece a natureza da vida
dentro de você, pode se encarregar completamente do modo
como isso acontece, mas dentro dos amplos parâmetros
estabelecidos pelas leis da natureza. O que isso significa?
Vejamos um exemplo concreto. Apesar de não sermos
criaturas aladas, nos últimos cem anos conseguimos voar.
Como? Não foi quebrando as leis da natureza, mas por meio
de uma compreensão mais profunda dessas leis. Então, a
técnica que exploraremos neste livro é uma pequena parte
da ciência muito mais profunda que eventualmente permite
que um adepto tome as rédeas do próprio processo de vida e
morte.
Seu destino é escrito inconscientemente por você. Se você
tem domínio sobre seu corpo físico, de 15% a 20% de sua
vida e de seu destino estarão em suas mãos. Se tem domínio
sobre sua mente, de 50% a 60% de sua vida e de seu destino
estarão em suas mãos. Se tem domínio sobre suas energias
vitais, 100% de sua vida e de seu destino estarão em suas
mãos.
Mesmo neste momento você está escolhendo sua vida,
mas o faz em total inconsciência. No entanto, o que quer que
você faça inconscientemente, também pode fazer com
consciência. Isso faz muita diferença. É a diferença entre a
ignorância e a iluminação.
Há insatisfação em você, na forma de raiva, medo,
ansiedade e estresse, porque suas faculdades básicas – seu
corpo, sua mente e suas energias vitais – estão realizando as
próprias coisas. Se mente e corpo existem apenas para servir
à vida dentro de você, por que sua vida é atualmente
escravizada pela mente e pelo corpo? Não é uma distorção
completa da forma como a vida deve funcionar?
Tomar as rédeas do destino não significa que tudo
acontecerá do seu jeito. O mundo externo nunca correrá
totalmente do seu jeito, porque há muitas variáveis
envolvidas. Querer que o exterior siga exatamente da forma
que você escolhe é o caminho da conquista, da tirania, da
ditadura.
Uma vez, o farmacêutico Shankaran Pillai foi beber com
os amigos. Pensou em um encontro rápido e planejou voltar
para casa por volta das 8 horas da noite. Chegando lá, tomou
uma bebida rapidamente, e outra, mais uma, depois outra.
Olhou para o relógio… 2h30 da manhã. (Beber transforma as
pessoas em yogis – atemporais.) Ele se levantou da
banqueta. O mundo é tão injusto: espera-se que um homem
ande em um planeta redondo que gira. Com grande
habilidade e destreza, o farmacêutico equilibrou-se e iniciou
a jornada para casa.
Pegando um atalho por um parque, caiu de cabeça em
uma roseira, ferindo o rosto. Se recompôs e retomou o
caminho. Nesse estado, chegou em casa e tentou encontrar o
buraco da fechadura. Mas hoje esses malditos buracos são
tão pequenos! Levou mais vinte minutos.
Por fim, entrou e cambaleou para o quarto. Felizmente, a
esposa tinha um sono pesado. Dirigiu-se ao banheiro e se
olhou no espelho. O rosto estava um verdadeiro horror.
Abriu o armário de remédios, pegou um e uma caixa de
curativos e se aprumou da forma que pôde. Então se arrastou
silenciosamente para a cama.
Na manhã seguinte, a esposa jogou um balde de água fria
em seu rosto.
Ele acordou ofegante, sentindo que estava se afogando. E
perguntou: “Por que, por quê? Hoje é domingo!”.
Ela disse: “Seu tolo! Bebendo de novo?”.
“Não, querida, prometi a você seis meses atrás. Desde
então, não toquei em uma gota.”
Ela o segurou pela camisa, o arrastou para o banheiro e
lhe mostrou: os curativos estavam por todo o espelho!
Quando a dor, a tristeza ou a raiva surgem, é hora de
olhar para dentro de você, não ao redor. Para alcançar o
bem-estar, o único que precisa ser consertado é você. O que
você esquece é que, quando está doente, é você quem precisa
demedicação. Quando está com fome, é você quem precisa
de comida. O único que precisa ser consertado é você, mas as
pessoas levam uma vida apenas para entender esse simples
fato!
Criar o próprio destino não significa ter que controlar
todas as situações do mundo. Criar seu destino é seguir
constantemente em direção ao seu bem-estar e à sua
natureza suprema, não importa qual seja o conteúdo da vida
ao seu redor. Significa simplesmente sentir que, não
importam os eventos e situações ao redor, você não será
esmagado por eles; você os conduzirá.
O processo espiritual não é sobre impor suas ideias à
existência; é sobre se construir de forma que a criação e o
Criador, e cada átomo nessa existência, não consigam evitar
se entregar a você. Quando persegue seus próprios gostos e
desgostos, você se sente sozinho nesta vasta existência,
constantemente inseguro, instável, psicologicamente
desafiado. Mas quando a existência se entrega a você, ela o
coloca em um lugar diferente de graça – em que cada
pedregulho, cada pedra, cada árvore, cada átomo fala com
você em uma língua que você entende. A cada instante há 1
milhão de milagres acontecendo ao seu redor: uma flor
desabrochando, um pássaro piando, uma abelha zumbindo,
uma gota de chuva caindo, um floco de neve pairando no ar
límpido da noite. Há mágica em todos os lugares. Se você
aprender a viver, a vida não é nada menos do que um
milagre diário.
Não importa quem você seja, a vida não funciona para você a
menos que faça as coisas certas. Você pode se considerar
uma boa pessoa, mas se não regar o seu jardim, ele
florescerá? Você precisa fazer as coisas certas se quiser
resultados. Julgamentos sobre o bem e o mal são em
essência humanos e socialmente condicionados. São bons
como normas sociais. Mas a existência não está preocupada
com essas conclusões. A existência não é julgadora. Trata a
todos nós da mesma forma.
Numa manhã de inverno no Michigan, um senhor foi
pescar no gelo. Eram 10 horas da manhã. Ele cortou um
pequeno buraco no gelo e se sentou com uma caixa de
cerveja ao lado. A pesca não é apenas sobre a captura; é um
jogo de paciência. Ele sabia disso. Jogou a linha. Uma por
uma, as latas de cerveja começaram a esvaziar. A cesta de
pesca também permaneceu vazia.
O dia passava. Às 4 horas da tarde, a cesta ainda estava
vazia. E a caixa de cerveja também.
Um garoto se aproximou. Estava carregando uma grande
caixa de som que tocava uma ensurdecedora música heavy
metal. Ele cortou um buraco no gelo próximo e se sentou
para pescar, a música ainda estrondando.
O velho olhou para ele com um desprezo mal disfarçado.
Estou sentado aqui desde a manhã, em silêncio, sem um único
peixe, e o tolo acha que pode pescar com música alta às 4 horas da
tarde! Nada mais tolo que um jovem tolo!
Para sua surpresa, em dez minutos o garoto pescou uma
enorme truta! O velho desprezou esse fato, considerando-o
um golpe de sorte, e continuou pescando. Dez minutos
depois, o garoto pegou outra grande truta.
Agora o velho já não podia ignorar. Ele olhou para o
menino, pasmo. E então, para sua total descrença, o menino
pescou mais uma enorme truta.
O velho deixou o orgulho de lado e caminhou lentamente
até o menino. “Qual é o segredo?”, perguntou. “Estou
sentado aqui o dia todo e minha cesta está vazia. Você já tem
três trutas enormes. O que está acontecendo?”
O menino disse: “Ru ra ra ra ru ra rum”.
O velho colocou a mão no ouvido e perguntou: “O quê?”.
O menino desligou o som e disse: “Ru ra ra ra ru ra rum”.
O velho ficou perplexo. “Não entendo uma palavra do que
você está dizendo.”
O menino cuspiu alguma coisa na mão e disse: “Você tem
que manter as minhocas quentes”.
As coisas certas não acontecerão, a menos que você faça
as coisas certas. Princípios e filosofias só têm consequência
social. É hora de acordar para si mesmo como um ser
existencial, um ser vivo, em vez de um caso psicológico.
Assim seu destino será seu, integralmente seu.
Esta não é uma promessa em vão. É uma garantia.
Sem limite, sem fardo
Em uma noite, houve uma discussão entre marido e mulher.
A discussão foi sobre a urgente questão: quem deveria fechar
a porta da frente naquele dia?
Não é uma pergunta simples. E não é uma questão risível.
Estas são questões muito sérias em situações domésticas.
Quem deve fechar a porta hoje, quem deve desligar as luzes
do jardim esta noite, quem deve levar o cachorro para
passear – são questões que podem levar os casais ao
divórcio.
A discussão ficou cada vez mais acalorada. A esposa
decidiu: Todos os dias sou eu quem, no final, aceita a derrota.
Hoje não vou desistir. O marido ficou igualmente determinado.
Ela me pressiona o tempo todo. Não vou ceder a esta mulher hoje,
não importa o que aconteça.
Foi uma daquelas grandes brigas. Ora, toda casa tem o
próprio sistema de resolução de discussões. Nessa família,
quando confrontados por um impasse, ambos, marido e
mulher, sentavam-se em silêncio; a pessoa que pronunciava
a primeira palavra teria que ir e fechar a porta.
Os dois sentaram-se em um silêncio resoluto. Minutos
tornaram-se horas. O jantar estava na mesa. Se o marido
dissesse que queria comer, teria que fechar a porta. Se a
esposa propusesse que jantassem, ela teria que fechar a
porta.
Meia-noite. Ainda estavam sentados. Alguns vagabundos
passavam pela rua. Eles viram as portas da casa abertas,
luzes acesas, sem festa, sem nada. Tudo estava quieto.
Queriam ver o que estava acontecendo, então olharam para a
sala de estar. Viram duas pessoas sentadas ali, firmemente
silenciosas.
Os vagabundos observaram o casal silencioso. Ficaram
um pouco surpresos. Decidiram arriscar. Pegaram alguns
objetos de valor na sala de estar. As duas pessoas não
disseram nada. Os vagabundos divertiam-se. Encorajados,
sentaram-se à mesa e serviram-se do jantar. O casal
manteve-se heroicamente sentado em silêncio.
Os vagabundos ficaram extremamente animados. O que
diabos estava acontecendo ali? Ficaram ainda mais ousados.
Um deles beijou a esposa. Ainda assim, o casal não
pronunciou uma palavra. Aquele que falasse teria que fechar
a porta. As apostas eram muito altas. Nenhum deles poderia
arriscar.
Então os vagabundos ficaram um pouco assustados.
Decidiram que era hora de deixar aquela casa estranha. Mas,
antes de partirem, queriam deixar sua marca. Decidiram
raspar o bigode do marido. Um deles se aproximou, a
navalha na mão.
Então o marido finalmente falou. Ele disse: “Tudo bem,
droga, vou fechar a porta!”.
Talvez os cenários sejam diferentes, mas deve haver
situações em sua vida que dependam de uma pergunta
semelhante: quem é o responsável?
Quem é o responsável?
É uma grande questão. Vamos colocá-la de forma mais
precisa: quem é o responsável pela forma como você está
agora?
Seus genes? Seu pai? Sua mãe? Sua esposa? Seu marido?
Sua professora? Seu chefe? Sua sogra? Deus? O governo?
Todos os anteriores?
A condição é difundida. Pergunte a alguém: “Por que você
está nessa situação?”. A resposta vem oportunamente: “Você
sabe, quando eu era criança, meus pais…”. A mesma velha
história, com apenas algumas variações.
Há uma antiga ciência de como criar tristeza, e uma em
que os seres humanos não precisam de nenhum incentivo.
Não há quase ninguém que não seja um especialista. Culpar
outra pessoa é o que você faz de 100 formas diferentes todos
os dias. Coletivamente, você transformou o antigo jogo da
culpa em uma bela arte.
A qualidade de nossa vida é determinada por nossa
capacidade de responder às variadas situações complexas
que encontramos. Se a capacidade de responder com
inteligência, competência e sensibilidade é comprometida
por uma abordagem compulsiva ou reativa, somos
escravizados pela situação. Significa que permitimos que a
natureza da nossa experiência de vida seja determinada por
nossas circunstâncias, não por nós.
Ser totalmente responsável é estar plenamente
consciente. O que você considera o seu corpo é o que você
reuniupor meio da ingestão. O que considera a sua mente é
o que reuniu por meio dos cinco sentidos. O que está além
disso – que você não reuniu – é quem você é. Estar vivo é
estar consciente. Todos são conscientes até certo ponto,
mas, quando você toca a dimensão além do corpo e além da
mente, toca aquilo que é a própria fonte da consciência. Você
percebe então que o Universo inteiro é consciente. Você
habita um cosmos vivo.
As dimensões física e psicológica pertencem ao reino das
polaridades – dor-prazer, amor-ódio, masculino-feminino,
e assim por diante. Se você tem um, o outro está fadado a
seguir. Mas quando você entra na dimensão fundamental de
quem você é, você está além de todas as polaridades. Você
então se torna bem-aventurado por sua própria natureza.
Você é o mestre de seu próprio destino.
É hora de reivindicar para nós o extraordinário poder
transformador dessa única palavra: responsabilidade.
Aplique-o à sua vida e observe a magia acontecer.
Vamos iniciar estabelecendo o que queremos dizer com a
palavra. Responsabilidade é um termo muito mal
compreendido. Tem sido usado de forma tão ampla e
indiscriminada que perdeu muito do potencial de sua
essência. Responsabilidade não significa assumir os fardos
do mundo, aceitar a culpa por coisas que você fez ou não fez,
viver em um estado de culpa perpétua.
Responsabilidade significa simplesmente sua capacidade
de responder. Se você decidir “sou responsável”, terá
capacidade de responder. Se decidir “não sou responsável”,
não terá capacidade de responder. É simples assim. Só exige
que você perceba que é responsável por tudo que é e tudo
que não é, tudo que pode acontecer com você e tudo que
pode não acontecer com você.
Isso não é um jogo mental. Não é uma estratégia de
autoajuda para uma vida fácil. Não é uma teoria filosófica. É
uma realidade. Sua existência física só é possível por causa
da ininterrupta capacidade do seu corpo de responder a todo
o Universo. Se seu corpo não estivesse respondendo, você
não poderia existir nem por um instante. Você percebe isso?
O que as árvores ao seu redor estão exalando, você está
inalando agora; o que você está exalando, as árvores estão
inalando. Esta transação está em andamento. Estando ciente
disso ou não, metade de seu sistema pulmonar está ali,
pendurado agora mesmo, em uma árvore! Você nunca
experimentou essa interdependência; talvez, no máximo,
tenha pensado nisso intelectualmente. Mas, se tivesse
experimentado essa conexão, alguém teria que lhe dizer:
“Plante árvores, proteja as florestas, salve o mundo”? Isso
seria mesmo necessário?
Assumir a responsabilidade não é uma filosofia
conveniente para reconciliá-lo com a forma como as coisas
são. É simplesmente acordar para a realidade. Essa
capacidade de responder a todo o Universo já é uma
realidade física. São apenas seus pensamentos e emoções
que precisam se tornar conscientes do fato.
Suponha que algo dê errado em seu trabalho. Talvez você
ache que foi por causa da inaptidão de um colega em
particular. Você poderia chamá-lo à responsabilidade, perder
a cabeça, demiti-lo. Sua pressão arterial provavelmente
aumentará; a atmosfera do ambiente estará viciada; os
efeitos posteriores de sua raiva após o incidente talvez sejam
sentidos por você e seus colegas por dias e semanas; pode
ser que você tenha que trabalhar especificamente para
restaurar a paz e restabelecer uma situação de confiança
mútua.
Há outra escolha. Você pode simplesmente ver a situação
do jeito que está e assumir a responsabilidade por ela.
Assumir a responsabilidade não é aceitar a culpa em vez de
atribuí-la. Significa simplesmente responder
conscientemente à situação. Depois de assumir a
responsabilidade, você invariavelmente começará a explorar
formas de lidar com a situação. Você procurará soluções.
Se estiver frequentemente nesse modo, a capacidade de
moldar situações de sua vida continuará se aprimorando.
Com essa competência apurada para lidar com a vida e suas
múltiplas complexidades, você começa a se elevar a posições
de possibilidade e poder. Se assumir absoluta
responsabilidade dentro de si mesmo por tudo que está ao
seu redor, você se tornará o centro de qualquer situação em
casa, no trabalho ou mesmo no Universo. Já que você se
torna indispensável a essas situações, não há mais senso de
insegurança ou incompletude dentro de você.
Somente se perceber que é responsável você terá a
liberdade de se moldar do jeito que quer ser, não como uma
reação às situações nas quais se encontra. Reatividade é
escravidão. Responsabilidade é liberdade. Quando você é capaz
de se moldar do jeito que quer, pode moldar sua vida do jeito
que quer também. Sua vida exterior pode não estar
absolutamente sob seu controle, mas sua vida interior
sempre estará.
No entanto, a primeira reação – raiva – geralmente
provoca uma ação nada inteligente. A raiva é
fundamentalmente autodestrutiva. Se olhar sua vida de
perto, descobrirá que fez as coisas mais idiotas e negativas
quando estava com raiva. Acima de tudo, estava trabalhando
contra si mesmo. Se você trabalha contra si mesmo, se
sabota seu próprio bem-estar, obviamente está escolhendo a
falta de inteligência como um modo de vida.
Não estou propondo uma discussão moral aqui. Não estou
lhe dizendo que você não deve perder a cabeça porque é
eticamente errado. Se a raiva é uma experiência agradável,
exploda. Qual é o problema? O problema é que é
singularmente desagradável – para você e para os que estão
na extremidade receptora. Também é contraproducente e,
portanto, ineficiente.
Também não estou oferecendo uma estratégia de controle
de fúria ou de gerenciamento de raiva. Quando cheguei pela
primeira vez aos Estados Unidos, ouvi todos falando sobre
“gerenciamento de estresse”. Isso me intrigou. Por que
alguém ia querer gerenciar o estresse? Sempre achei que
gerenciamos as coisas que são preciosas para nós – nosso
dinheiro, nossos negócios, nossa família. Levei tempo para
ver que as pessoas assumiram que o estresse é uma parte
inevitável da vida delas! Não veem que é inteiramente
autogerado e autoinfligido. Uma vez que você cuida de sua
vida interior, não há estresse.
A questão é que a raiva está enraizada em sua falsa
percepção de que você pode mudar a situação perdendo a
cabeça com ela. Mas a sua experiência de vida lhe diz várias
vezes que o inverso é verdadeiro, que você nunca pode
mudar qualquer situação para melhor abandonando sua
sensatez e inteligência. Você só estraga as situações ficando
com raiva. Depois de ver isso claramente, você dá o primeiro
passo para a mudança.
Além disso, há evidências médicas e científicas
substanciais para provar que, em um estado de raiva, você
está literalmente envenenando seu sistema. Isto pode ser
verificado com algo tão simples como um exame de sangue.
Quando está com raiva, sua química é alterada e seu sistema
se torna tóxico. Atividade intensa e sono proporcionam
momentos em que essa bagunça química pode se desfazer.
Mas se você entrar frequentemente em estados de raiva,
estará caminhando para um desastre físico e psicológico.
Não há dúvida sobre isso.
Há uma crença comum de que a raiva produz resultados,
de que nada acontece no mundo sem a adrenalina da raiva. A
figura icônica da revolução cubana, Che Guevara,
notoriamente falou: “Se você estremece de indignação a
cada injustiça, é um companheiro meu”. Talvez isso seja
verdade. Mas, na raiva, você se torna um com um grupo; sem
raiva, você se torna um com o Universo.
Uma vez, um cavalheiro carregando uma criança viajava de
Londres para Bristol em um trem. Outro cavalheiro entrou
no compartimento, largou as duas malas enormes e se
sentou ao lado do primeiro.
Os ingleses são reservados e não saem falando logo de
cara um com o outro. Então, o primeiro cavalheiro esperou
muito educadamente por um tempo. Depois se virou para o
segundo passageiro e disse: “Olhando suas malas, suponho
que seja vendedor. Eu também sou”.O cavalheiro respondeu: “Sim, sou vendedor”.
Outra pausa gentil. Então o primeiro passageiro
perguntou: “O que você vende?”.
O outro respondeu: “Vendo engrenagens helicoidais”.
Outro silêncio decoroso. Então ele perguntou ao primeiro
cavalheiro: “E o que você vende?”.
Ele disse: “Vendo preservativos”.
Chocado, o segundo cavalheiro disse: “Você vende
preservativos e está levando seu filho com você em seu
negócio? Isso é apropriado?”.
“Este não é meu filho”, respondeu o primeiro passageiro.
“É uma reclamação de Bristol.”
Os seres humanos estão em um perene estado de
reclamação. Carregam suas reclamações com eles como um
crachá de sua identidade. Há muitos que vivem a vida
lamentando que ela lhes tenha sido particularmente injusta.
Citam exemplos de todas as coisas terríveis que lhes
aconteceram, as chances que nunca tiveram, as muitas
injustiças que sofreram. Talvez seja mesmo verdade.
O que a maioria das pessoas esquece é que o passado
existe dentro de cada um de nós apenas como memória. A
memória não tem existência objetiva. Não é existencial; é
puramente psicológica. Se você mantiver sua capacidade de
responder, sua memória do passado se tornará um processo
de fortalecimento. Mas se você está em um ciclo compulsivo
de reatividade, a memória distorce sua percepção do
presente, e seus pensamentos, emoções e ações tornam-se
desproporcionais ao estímulo.
A escolha está sempre diante de você: responder
conscientemente ao presente ou reagir compulsivamente a ele.
Há uma grande diferença entre os dois. E isso pode fazer um
mundo de diferença.
Se coisas terríveis lhe aconteceram, você deve ter se
tornado sábio. Se os piores eventos possíveis lhe
aconteceram, você deve ser o mais sábio de todos. No
entanto, em vez de crescer, a maioria das pessoas fica ferida.
Em um estado de resposta consciente, é possível usar cada
situação da vida – ainda que feia – como uma oportunidade
de crescimento. Mas se você pensa habitualmente Sou do jeito
que sou por causa de outra pessoa, está usando situações da
vida meramente como uma oportunidade de autodestruição
ou estagnação.
Certa vez ouvi um relato comovente de uma mulher que
usou uma das situações mais horríveis da vida para se
transformar em um lindo ser. No início da Segunda Guerra
Mundial, um grupo de soldados nazistas invadiu uma casa
na Áustria. Eles levaram os adultos separadamente, e as
duas crianças – uma menina de 13 anos e um menino de 8 –
foram levadas a uma estação de trem. Enquanto esperavam
pelo trem com outras crianças, os meninos começaram um
jogo. Alheios ao que lhes estava reservado, começaram a
jogar, como as crianças costumam fazer.
Um trem de carga chegou, e os soldados começaram a
embarcá-los. Assim que entraram, a garotinha notou que o
irmão se esquecera de levar os sapatos. Era um inverno
austríaco, implacável. Sem sapatos, você pode perder os pés.
A garota perdeu a cabeça. Ela sacudiu o irmão mais novo,
estapeou suas orelhas e o xingou. “Seu idiota! Não temos
problemas suficientes aqui? Não sabemos onde estão nossos
pais, não sabemos para onde estamos indo! E agora você vai
e perde seus sapatos? O que eu faço com você?”
Na estação seguinte, os meninos e as meninas foram
separados. E essa foi a última vez que irmão e irmã se viram.
Cerca de três anos e meio depois, a menina saiu do campo
de concentração. Ela descobriu que era a única sobrevivente
da família. Todos os outros tinham desaparecido, inclusive
seu irmão. Tudo que restava era a lembrança das palavras
duras que ela proferiu na última vez que o viu vivo.
Foi quando ela tomou uma decisão que mudou sua vida:
Não importa quem eu encontre, nunca falarei com eles de forma
que eu me arrependa mais tarde, porque esse encontro pode ser o
último. Ela poderia ter passado o resto de seus anos em
frustação e remorso, mas tomou essa decisão simples, que
transformou sua vida fenomenalmente. Passou a viver uma
vida rica e plena.
As coisas mais terríveis da vida podem ser uma fonte de
sustento se você aceitar: “Sou responsável pelo que sou
agora”. É possível transformar a maior adversidade em um
ponto de partida para o crescimento pessoal. Se você
assumir total responsabilidade pelo que é agora, um amanhã
mais brilhante pode surgir, pode acontecer. Mas se você não
assume responsabilidade pelo presente – se culpa seus pais,
seu amigo, seu marido, sua namorada, seus colegas pelo que
é –, você abandonou seu futuro antes mesmo de ele chegar.
Você vem a este mundo sem nada e vai embora de mãos
vazias. A riqueza da vida reside apenas em como você
permitiu que suas experiências o enriquecessem. A sujeira
pode se tornar a fragrância de uma flor. O esterco pode se
transformar na doçura de uma manga. Nenhuma
adversidade é impedimento se você estiver em um estado de
resposta consciente. Não importa qual seja a natureza da
situação em que você está, ela só pode melhorar sua
experiência de vida, se você permitir.
Ressentimento, raiva, ciúmes, dor, mágoa e depressão
são venenos que você bebe, mas que espera que matem outra
pessoa. A vida não funciona assim. A maioria das pessoas
leva uma vida para entender essa simples verdade.
Agora que estabelecemos o que é responsabilidade, é hora de
ver o que não é. Começaremos esclarecendo alguns
equívocos fundamentais.
Por um lado, muitos acreditam que assumir
responsabilidade compromete sua liberdade. Em um nível
simplista, isso parece ser logicamente verdadeiro. Em
termos existenciais, é completamente errado.
Vamos considerar um cenário concreto. Sua caneta cai da
mesa. Se você vê que é responsável por isso, tem várias
opções a sua frente. Poderia simplesmente se abaixar e
pegá-la. Se você é incapaz de fazer isso, poderia pedir a
alguém para ajudar. Ou se não está inclinado a agir agora,
pode pegá-la mais tarde. Você tem uma variedade de opções.
Se, por outro lado, você não se responsabilizar por isso, o
que pode fazer? Nada.
O que é liberdade? Ter escolhas ou não ter nenhuma?
Sua mente lógica lhe diz: “Desista de toda a
responsabilidade e você será livre”. Mas, em sua experiência
de vida, quanto mais você é capaz de responder a tudo ao seu
redor, mais livre você fica! As dimensões lógica e
experiencial da vida funcionam de forma diametralmente
oposta. A lógica tem seus usos, mas ajuda apenas a lidar com
os aspectos materiais da vida. Se você lida com toda a sua
vida só com a lógica, acabará em uma confusão.
Além disso, as pessoas geralmente confundem
responsabilidade com reação. Já demonstramos
anteriormente que há um mundo de diferença entre os dois.
A primeira nasce no conhecimento; a segunda, no
desconhecimento. A primeira nasce na consciência; a
segunda, na inconsciência. A primeira é liberdade e a
segunda, escravidão.
É hora de fazer outra distinção. Responsabilidade não é
reação, mas também não é ação.
Responsabilidade e ação pertencem a diferentes
dimensões. A capacidade de responder lhe dá a liberdade de
agir. Também lhe dá a liberdade de não agir. Ela o coloca
como condutor de sua vida. Ela o empodera para que você
decida a natureza e o volume de ação que deseja realizar.
Responsabilidade não é ação compulsiva; oferece a você a
opção de ação.
Você pode agir sobre tudo no mundo hoje? Não, mas pode
responder a tudo. A ação deve ser criteriosamente realizada,
dependendo de uma análise cuidadosa de recursos – força,
capacidade, energia, idade, situação. Sua capacidade de agir
é sempre limitada, mas não há limitações em sua capacidade
de responder. Se estiver disposto, pode responder a
praticamente qualquer coisa.
Só porque você é responsável por seus filhos, é capaz de
fazer tudo por eles? Se fizesse, estragaria a vida deles. Seu
senso de responsabilidade faz com que você faça algumas
coisas por eles e não faça outras. Então, responsabilidade
não significa ação desenfreada. Longe disso.
Você pode perguntar: “Como você é responsável pela
violência e injustiça no mundo? Como você é responsável
pela guerra epelo derramamento de sangue, pelas
atrocidades contra os marginais e os desprivilegiados em
todo o mundo?”. Certamente você não é culpado por nada
disso. No entanto, quando se torna consciente de qualquer
um desses eventos, você responde – seja com preocupação,
amor, cuidado, ódio, raiva, indignação, ou até mesmo com
ação. Só que isso é frequentemente uma reação inconsciente
em vez de uma resposta consciente. Se você faz dessa
capacidade de responder um processo voluntário, isso marca
o nascimento de uma enorme nova possibilidade dentro de
você. Seu gênio interior começa a florescer.
Você pode, então, responder à Lua? Pode. Seu corpo e
suas energias de vida certamente podem. Quando as marés
dos oceanos sobem em resposta aos ciclos da Lua, você acha
que o conteúdo de água em seu próprio sistema também não
cresce? Talvez você não seja um astronauta; talvez nunca
possa andar na Lua. Mas pode responder a ela. Na verdade,
já responde. Pode simplesmente optar por fazer isso – de
boa vontade, conscientemente.
E isso nos leva a mais um equívoco. Muitos acham que
responsabilidade significa capacidade.
Errado de novo. Quando se trata de ação, a capacidade
pode desempenhar um papel. Mas quando se trata de
resposta, é apenas uma questão de disposição.
Se você vir alguém morrendo na rua, você é responsável?
Se você estiver disposto a responder, explorará várias
opções. Se é um médico, tentará uma intervenção direta. Se
não é, pode ligar para a emergência. Ou se tudo isso está
sendo feito por outra pessoa, você terá pelo menos interesse
em seu coração. Mas se você não é responsável, apenas
ficará ali, como uma pedra, assistindo a uma pessoa morrer
diante de seus olhos.
Sua capacidade de responder é como você é. Só sua
capacidade de agir está conectada com o mundo exterior.
Responsabilidade não é sobre falar, pensar ou fazer.
Responsabilidade é sobre ser. É assim que funciona a vida –
não uma bolha independente e autônoma, mas um diálogo a
todo instante com o Universo. Você não precisa trabalhar
para fazer isso dessa forma. Só tem que ver da forma que é.
Vamos aprofundar a exploração. Se responsabilidade é
“capacidade de resposta”, a capacidade de responder às
situações, deixe-me fazer outra pergunta: “A sua capacidade
de responder é limitada ou ilimitada?”.
Você é capaz de responder a uma planta?
É.
A um estranho na rua?
É.
À Lua?
É.
Ao Sol, às estrelas?
É.
A todo o Cosmos?
É.
De fato, como vimos, cada partícula subatômica em seu
corpo está respondendo de forma ilimitada à grande dança
de energias que é o Cosmos. A única razão pela qual você não
está experimentando o processo de vida em toda a sua
majestade e profundidade é o seu estado atual de resistência
mental. Sua estrutura psicológica é uma parede de pedra. Se
estiver disposto, cada momento de sua vida pode ser uma
experiência fantástica. Só o ato de inalar e exalar pode ser
um grande caso de amor.
Por que a mente está resistindo a isso?
Porque é prejudicada por sua própria lógica limitada que
diz: “Assumir a responsabilidade por apenas duas pessoas já
me causa dor de cabeça. Se eu assumir a responsabilidade
pelo mundo inteiro, o que acontecerá? Terei um ataque!”.
Através de milhões de anos de evolução, a natureza o
enjaulou em certos limites – esse é o dilema humano. Mas
essa prisão é apenas no nível da biologia. No nível da
consciência humana, você é como um pássaro em uma
gaiola sem porta. Que trágica ironia! É apenas por causa de
longos tempos que você se recusa a voar livremente.
A vida deixou tudo em aberto para você. A existência não
bloqueou nada para ninguém. Se você estiver disposto, pode
acessar todo o Universo. Alguém disse: “Bata e se abrirá”.
Você nem precisa bater, porque não há porta, está aberto.
Você só tem que atravessar, isso é tudo.
Esse é o único propósito do processo espiritual. A vida e a
obra de todo guia espiritual, através da história e da cultura,
têm sido apenas isto: apontar que a porta da gaiola não
existe. Se você voa ou escolhe permanecer nas limitações da
gaiola, deixe que essa seja uma escolha consciente.
A possibilidade de liberdade suprema pode parecer
profundamente ameaçadora para muitos. Sim, é uma
ameaça, mas apenas para suas limitações. Você quer viver
uma vida de aprisionamento voluntário? Limitar sua
responsabilidade é se sufocar em vários níveis: física,
intelectual e emocionalmente. Essa asfixia da vida,
infelizmente, é entendida pelas pessoas como prevenção,
como segurança.
Veja o caso de uma semente. Se a semente tenta
constantemente se salvar, uma nova vida é impossível. A
semente passa pela enorme batalha de perder o que acredita
ser sua identidade – perdendo sua segurança e integridade e
se tornando vulnerável – a fim de se transformar em uma
árvore frondosa de muitas ramificações, abundante em
frutos e flores. Mas, sem essa vulnerabilidade, essa abertura
voluntária à transformação, a vida não brota.
Atualmente, um dos maiores problemas do mundo é a
solidão. Isso é incrível. O planeta está repleto com 7 bilhões
de pessoas; no entanto, as pessoas estão solitárias! Se
alguém gosta de se isolar, não há problema nenhum. Mas a
maioria das pessoas está sofrendo por causa disso! Elas
estão passando por sérios problemas psicológicos como
consequência. Se você está sozinho, é porque escolheu se
tornar uma ilha para si mesmo. Não tem que ser assim.
“Não sou responsável” faz com que você não esteja disposto
a se dar bem com ninguém – até que não se dê bem consigo
mesmo. Muitas vezes você chega a um ponto em que
acredita que nem mesmo é responsável pelo que está
acontecendo dentro de si mesmo!
O que a mente esquece é que a capacidade de responder é
a base da vida. Se a habilidade é reconhecida de boa vontade,
você se torna bem-aventurado. Se acontece sem querer, você
se torna miserável.
Ser responsável é se apropriar da sua vida. Significa que
você deu o primeiro passo radical para se tornar um ser
humano completo – totalmente consciente e humano. Ao
assumir a responsabilidade e iniciar a jornada rumo à vida
consciente, você está pondo um fim aos antigos padrões de
atribuição de culpa ao exterior ou ao céu. Você começou a
maior aventura que a vida tem a oferecer: a viagem pelo seu
interior.
Como você deve ter percebido, essa noção de
responsabilidade parece nos levar a outra palavra,
notavelmente semelhante em suas implicações. Uma palavra
que conhecemos bem. Talvez muito bem. Uma palavra de
quatro letras muito usada, e muito abusada.
Amor.
É claro que você conhece os ensinamentos. Em todo o
mundo, as pessoas dizem que o amor é o objetivo final, que
o amor é supremo, que o amor é divino, que devemos amar
nossos vizinhos, e assim por diante. Todos os maravilhosos
ensinamentos. Mas, quando você tenta se tornar amoroso, é
difícil, e muitas vezes acaba parecendo pretensioso. Você
notou? Parece mais fácil não amar nada do que tentar ser
amoroso.
Ser amoroso é simplesmente isso: uma disposição para
responder livre e abertamente. Neste momento, pode estar
limitado a uma ou duas pessoas em sua vida. No entanto, é
possível estender essa capacidade para envolver o mundo
inteiro.
Isso significa ir para as ruas e abraçar todos? Não. Isso
seria loucura – para não mencionar irresponsável. Como já
dissemos, responsabilidade não é sobre ação, mas sobre o
jeito de ser. O amor não é algo que você faz; é apenas o jeito que
você é.
Agora, você deixou uma janela aberta em sua vida – para
algumas pessoas. Você fez isso porque em algum lugar
entendeu que, se fechasse a janela, enlouqueceria. Suas
únicas opções seriam insanidade ou suicídio. Mas há outra
abordagem possível. Isso significa abrir outra janela? Ou
abrir uma porta?
Aqui está uma opção mais eficaz: “por que você
simplesmente não derruba a parede?”.
O amor não tem nada a ver com outra pessoa. É tudo
sobre você. É um jeito de ser. Essencialmente significa que
você trouxe doçura à sua emoção. Se um ente queridoviajasse para outro país, você ainda conseguiria amá-lo?
Conseguiria. Se um ente querido falecesse, você ainda
conseguiria amá-lo? Conseguiria. Mesmo que um ente
querido já não esteja fisicamente com você, você ainda
consegue ser amoroso. Então, o que é amor? É apenas a sua
própria qualidade. Você só está usando a outra pessoa como
uma chave para abrir o que já está dentro de você.
Por que você está se atrapalhando com chaves quando
não há trava, quando não há porta, quando não há parede?
Você cria paredes e portas ilusórias e depois cria chaves
ilusórias – e então se atrapalha com as chaves! E, uma vez
que encontra a chave, fica com muito medo de perdê-la!
Para a maioria das pessoas, o amor é inicialmente uma
alegria, mas depois de um tempo se torna uma ansiedade.
Por quê? Porque essa “chave” tem pernas e vontade própria.
Você não pode guardá-la no bolso ou pendurá-la no pescoço.
Quando tenta fazer isso, duas vidas estão indo na direção do
desastre!
Uma vez que sua alegria está em modo autônomo e não
mais pegando no tranco, você atualiza sua tecnologia. Não é
mais escravizado por uma fonte externa – seja uma pessoa,
seja uma situação. Agora é capaz de ser amoroso e bem-
aventurado sem fazer nada em particular, apenas sentado aí,
não importa como alguém no mundo exterior se comporte.
Uma vez que você experimente essa liberdade interior,
nunca mais sentirá insegurança na vida. E, de qualquer
forma, quando você é um ser humano verdadeiramente
bem-aventurado, todos naturalmente querem estar perto de
você! Alegria significa que a vida está se desenrolando de
forma exuberante, e isso é o que toda vida busca.
Então, como a tecnologia interna pode ser atualizada?
Veremos isso em detalhes nos próximos capítulos. Mas
um passo fundamental seria reconhecer conscientemente
apenas isso: “Minha capacidade de responder é ilimitada, mas
minha capacidade de agir é limitada. Sou 100% responsável por
tudo que sou e tudo que não sou, por minhas capacidades e
incapacidades, por minhas alegrias e angústias. Sou aquele que
determina a natureza da minha experiência nesta vida e além. Sou
o criador da minha vida”.
Absolutamente nada é exigido – nenhuma reação, ação,
capacidade – além de estar ciente do fato básico de que sua
responsabilidade é ilimitada. Você poderia se sentar em algum
lugar e estar ciente disso. Você poderia andar na rua e estar
ciente disso. Você poderia estar trabalhando, cozinhando ou
até mesmo deitado na cama e estar ciente disso.
Deixe-me fazer outra pergunta: independentemente de
sua religião ou formação cultural, o que exatamente você
quer dizer quando usa a palavra “Deus”?
As formas, os nomes, as ideias são variados. Mas,
essencialmente, quando você diz “Deus”, quer dizer o que é
responsável por tudo no Universo. Suponha que Deus disse:
“Não serei responsável por você”. Ele definitivamente está
demitido! A própria palavra Deus significa “responsabilidade
ilimitada”.
Então, responsabilidade não é um ensinamento de
educação cívica. É a forma mais simples e fácil de você expressar
sua própria divindade.
Todo o esforço do processo espiritual é para romper os
limites que você impôs para si mesmo e experimentar a
imensidão que você é. O objetivo é se libertar da identidade
limitada que você forjou, como resultado de sua própria
ignorância, e viver da forma como o Criador o fez – em total
bem-aventurança e infinitamente responsável.
Depois da minha experiência na colina Chamundi, uma coisa
ficou clara para mim. Na vida, não há “isto” e “aquilo”; há
apenas “isto” e “isto”. O que significa que tudo está aqui e
agora. O acesso a tudo está aqui e agora. E reside apenas na
capacidade de responder – na capacidade de experimentar e
expressar o divino.
Não há “sim” e “não”. Há apenas “sim” e “sim”! A
escolha é sua. Você pode reagir à vida com “sim” e “não”, o
que significará uma divisão perpétua dessa existência, que é
a base de ciclos repetitivos de conflito e miséria. Ou pode se
tornar um grande SIM para a vida.
Responsabilidade limitada é uma forma de traçar limites.
O que você acha que é de sua responsabilidade estará dentro
de seu limite. O que acha que não é de sua responsabilidade
estará fora de seu limite. Mas a responsabilidade ilimitada se
estende muito além do seu nível atual de compreensão e
percepção. Há mais – muito mais – na vida do que você está
ciente agora. Quando você escolhe se tornar consciente desse
simples fato – minha capacidade de responder é ilimitada –, de
repente a vida dentro de você se reorganiza de uma forma
completamente diferente. Você entra em níveis cada vez
mais elevados de liberdade dentro de si. A vida é então uma
jornada maravilhosa e estimulante de autodescoberta.
O mundo exterior viu sua parcela de revoluções
sangrentas. Eram violentas porque havia algumas pessoas
que estavam dispostas a mudar e havia outras que não. Mas,
na vida interior, há apenas um tipo de revolução, e é um tipo
silencioso. Trata-se de passar da indisposição para a
disposição.
A questão é: você quer ser humano em período integral ou
em meio período? Se restringir sua capacidade de responder,
o escopo e a dimensão de sua experiência serão esperados,
previsíveis, limitados e estreitos. Agora, ser humano em
tempo absolutammente integral é ser uma resposta
constante e vigorosa a tudo. Você não tem que fazer nada em
particular. Só precisa se tornar um pedaço de vida disposto
neste cosmos vivo glorioso.
A responsabilidade não é opressiva. Limites são
opressivos. Se você traçar um limite para si mesmo, seja de
ideologia, casta, credo, raça ou religião, não pode ir além e
acaba aprisionado sem nenhum motivo. Esses limites só
acabam criando medo, ódio e raiva. Quanto maior o limite,
mais pesado se torna. Mas, se sua responsabilidade é
ilimitada, onde está o limite?
Sem limite, sem fardo.
Essa é a reviravolta que precisa ocorrer na consciência
humana.
Quando ocorre, não é que o cosmos comece a acontecer
do seu jeito. Em vez disso, o que você é se torna cósmico.
Isto não é transcendência; é uma volta ao lar.
Sadhana
Não acredite simplesmente no que está lendo. A única forma
de descobrir se algo é verdadeiro ou falso é experimentando.
Pare o debate interno e simplesmente faça o teste. O
caminho do yoga não é um caminho de crença herdada; é o
caminho do experimento.
Aqui está uma maneira prática de começar.
Quando fizer sua próxima refeição, não fale com
ninguém a sua volta nos primeiros quinze minutos.
Simplesmente esteja em resposta ativa e consciente à
comida que você come, o ar que você respira, a água que
você bebe.
Como eu disse anteriormente, todo o seu sistema está
respondendo de qualquer forma. Simplesmente torne-se
consciente disso. Essa maçã, essa cenoura, esse pedaço de
pão – leve-os a sério. Se você não comer por alguns dias, não
pensará em Deus. Pensará apenas em comida. Isso é o que o
nutre e faz sua vida agora. Essa é a própria substância do seu
corpo. Responda à comida absolutamente, com total
atenção.
Essa fruta, esse ovo, esse pão, esse vegetal – eles
próprios uma parte da vida, mas estão dispostos a se
tornarem você. Você estaria disposto a fazer isso por
alguém? Você não está disposto a perder sua identidade e se
fundir com ninguém. Você nem está disposto a entregar seu
dedo mínimo por outra pessoa. Momentaneamente, você se
entrega um pouco, geralmente quando precisa de algo. Seus
casos de amor são o produto de uma entrega muito
calculada. Mas a comida, que é uma vida em si, entrega-se
completamente para se tornar uma parte de você.
Mais tarde, durante todo o dia, sem sequer proferir a
sentença em voz alta, pense na simples ideia: “Minha
responsabilidade é ilimitada; se estou disposto, posso
responder a tudo”. Tenha consciência disso até o último
momento antes de adormecer e lembre-se disso assim que
acordar.
Se sustentar essa consciência de sua natureza ilimitada
por apenas um minuto, você alcançará uma grande
transformação. Umminuto pode parecer muito simples, mas
você verá que levará certo tempo de dedicação para chegar a
isso. Apenas um minuto pode elevá-lo a uma dimensão
diferente de experiência e função. Agora, sua consciência é
errática: neste momento você está consciente e no momento
seguinte não está. Tudo bem. Lembre-se a cada hora.
Experimente essa percepção, permita que ela se aprofunde e
veja o que acontece.
A resposta consciente leva a um profundo e duradouro
estado de conexão com a vida – não como uma ideia ou uma
emoção, mas a vida como a vida é. Nesse envolvimento
ativo e disposto com a vida, você é abraçado por ela, e esse
envolvimento o leva à própria fonte da criação.
Isso é tudo que é necessário para tocar o Criador –
disposição, nada mais.
“… E agora, yoga”
Os yoga sutras de Patanjali, um dos mais profundos
documentos sobre as ciências do yoga, começa com uma
frase estranha: “… E agora, yoga”.
Um importante documento sobre a vida começa com
apenas meia frase! Por quê?
Porque você só alcança o yoga quando percebe que seu
desejo é essencialmente pelo ilimitado, que absolutamente
nenhuma outra coisa o aquietará. Todo ser humano vive em
um estado perpétuo de insuficiência. Não importa quem você
é ou o que realizou, você ainda quer um pouco mais do que
tem agora. Esse é o desejo humano. Mas o anseio
fundamental dentro de cada ser humano é por expansão
ilimitada.
A maioria das pessoas não está ciente da natureza de seu
anseio. Quando o anseio encontra expressão inconsciente,
chamamos de cobiça, conquista, ambição. Quando o anseio
encontra expressão consciente, chamamos do yoga.
Se você ainda acredita que tudo ficará bem quando
encontrar uma nova namorada ou um novo namorado,
conseguir um aumento de salário, comprar uma casa nova
ou carro, então ainda não é hora para o yoga. Depois de ter
tentado todas essas coisas e mais, e claramente saber que
nada disso será suficiente, então você está pronto.
E agora, yoga.
O que exatamente é yoga?
Se você fechasse os olhos e evocasse uma imagem,
provavelmente seria uma de corpos retorcidos em posturas
impossíveis. Contorcionismo que curva os ossos, entrelaça
os músculos e faz ranger os dentes – para muitos, isso é
yoga!
Até certo ponto, a tendência está mudando hoje, e muitos
estúdios do yoga também transmitem técnicas de respiração
e processos de meditação. Assim, para algumas pessoas, a
imagem do yoga pode ser uma de rostos serenamente
sorridentes e corpos perfeitos sentados sem esforço em
posição de lótus.
Mas nada disso é o que queremos dizer quando falamos
de ciência do yoga.
O yoga não é uma prática. Não é um exercício. Não é uma
técnica. As imagens na consciência popular apontam para
uma forma adulterada do yoga que atualmente permeou o
mundo. Isso é uma caricatura de uma ciência de
extraordinária grandeza e profundidade que se originou no
subcontinente indiano.
A ciência do yoga é, simplesmente, a ciência de estar em
perfeito alinhamento, em absoluta harmonia, em completa
sincronia com a existência.
As muitas flutuações do mundo exterior têm seu impacto
sobre cada um de nós. Mas o yoga é a ciência de criar
situações interiores exatamente do jeito que você as quer.
Quando você se sintoniza com um ponto em que tudo
funciona maravilhosamente dentro de si, suas melhores
habilidades fluirão de você de modo natural.
Você certamente percebeu que, quando está bem-
aventurado, sempre funciona melhor. Parece ter um
suprimento infinito de energia. Pode seguir sem parar,
mesmo sem comer ou dormir. Apenas um pouco de bem-
aventurança o liberta de suas limitações normais de energia
e capacidade.
Quando seu corpo e sua mente estão em um estado
relaxado, você também está livre de várias doenças
incômodas. Digamos que você vá e se sente em seu escritório
com dor de cabeça. Uma dor de cabeça não é uma doença
importante. Mas só esse latejar pode tirar muito de sua
capacidade produtiva e de seu entusiasmo pelo trabalho – e
talvez pela própria vida. Uma simples dor de cabeça pode
transformar o que é mais precioso para você em uma fonte
de irritação ou até de miséria. (Isso também funciona de
modo inverso. Quando seus entes queridos estão irritados
com você, invariavelmente fingem dor de cabeça!) Mas com
a prática do yoga seu corpo e sua mente podem ser mantidos
no mais alto nível possível de capacidade e eficiência.
E, no entanto, o yoga não é apenas uma ferramenta de
autoajuda para maior eficiência mental e física – e libertação
de dores de cabeça. É tudo isso e muito mais.
A ciência moderna nos diz que toda a existência é apenas
energia que se manifesta de jeitos e formas diferentes. Isso
significa que a mesma energia que pode estar aqui como
uma rocha pode estar ali como lama, pode se erguer como
uma árvore, pode correr como um cachorro – ou estar aí
lendo este livro, como você. Então, você é essencialmente
uma migalha de energia que faz parte do sistema energético
muito maior do Universo. O Cosmos é apenas um grande
organismo. Sua vida não é independente disso. Você não
pode viver sem o mundo porque há uma transação muito
profunda a todo instante entre vocês dois.
Embora tudo no Universo seja a mesma energia, ela
funciona em diferentes níveis de capacidade em diferentes
formas. A mesma energia funciona em uma planta para criar
rosas; em outra planta, para criar jasmim. Com o mesmo
material com que as pessoas faziam panelas de barro, agora
fabricamos computadores, carros e até naves espaciais! É o
mesmo material; simplesmente começamos a usá-lo para
possibilidades cada vez maiores. Essencialmente, a evolução
natural é um fenômeno similar: do mesmo material deste
planeta, que jornada incrível foi feita, de uma ameba a um
ser humano!
É a mesma coisa com nossas energias interiores. O yoga é
a técnica de melhorar, ativar e refinar essas energias para as
mais altas possibilidades. De repente, suas capacidades
atingem um nível de excelência que você nunca imaginou
ser possível. Uma vida acidental e limitada se transforma em
quase milagrosa.
Mas o yoga desempenha uma função ainda mais profunda
do que garantir o bem-estar nos níveis de corpo, mente e
energia. Literalmente, yoga significa “união”. Quando você
está no yoga, significa que, na sua experiência, tudo se
tornou um. Isso é a essência da ciência. Esse também é seu
objetivo mais profundo.
O que é essa união? O que se une com o quê?
Nesse exato momento, você está ciente de alguém
chamado “eu” e alguém chamado “outro”. “Eu” e “outro”
podem ser estendidos a grupos de pessoas, comunidades e
nações, mas, fundamentalmente, “eu” e “outro” são a base
do conflito no Universo. O objetivo do yoga é levá-lo a uma
experiência em que, se você se senta aqui, não existe “você”
e “eu”. É tudo eu – ou tudo você! Qualquer processo que o
ajude a alcançar essa união é yoga.
Como essa união pode ser alcançada?
Há várias maneiras. Mas vamos começar do começo –
com nossas ideias sobre o que constitui um indivíduo. Se eu
começasse a contar coisas que você não sabia, você teria uma
escolha: acreditar ou não em mim. De qualquer forma, você
só concretizou suas suposições, positivas ou negativas. Isso
só o levará a voos de imaginação fantasiosa. Mas todo o
processo do yoga é levá-lo, passo a passo, estágio a estágio,
do conhecido ao desconhecido. É uma ciência 100% empírica.
Não lhe pede para aceitar nada como verdade. Ela o encoraja
a experimentar cada passo do caminho.
Então, primeiro vamos ver exatamente o que você
entende pela palavra “eu”. Agora, em sua compreensão, esse
“você” é constituído por seu corpo, sua mente (que inclui
seus pensamentos e emoções) e suas energias. Suas energias
podem não estar em sua experiência atualmente, mas você
as conhece por inferência: se seu corpo e sua mente
funcionam como o fazem, deve haver algum tipo de energia
que os capacite. Essas três realidades – corpo, mente,
energia – são o que você conhece. Elas são também aquilo
com o que você pode trabalhar.O yoga nos diz que, na verdade, somos compostos de
cinco “revestimentos”, ou camadas, ou, mais simplesmente,
corpos. Assim como há uma fisiologia médica, há também
uma yogi. Ela nos conduz dos níveis brutos aos mais sutis da
realidade. Você tem que acreditar nisso? Não. Mas é um bom
lugar para começar nossa exploração. No entanto, sua área
fundamental de trabalho é apenas com as realidades das
quais você está ciente.
O primeiro revestimento, ou camada, para o qual o yoga
nos alerta é o corpo físico – o annamayakosha, ou, mais
literalmente, o corpo feito de comida. O que você chama de
“corpo” é apenas uma pilha acumulada de comida. É o
produto de toda a alimentação que você ingeriu ao longo dos
anos. É daí que vem esse nome.
A segunda camada é o manomayakosha, ou o corpo
mental. Hoje, os médicos falam muito sobre doenças
psicossomáticas. Isso significa que o que acontece na mente
afeta o que acontece no corpo. Porque o que você chama de
“mente” não é apenas o cérebro. Não está localizado em
nenhuma parte específica, não está em uma única parte da
anatomia humana. Em vez disso, cada célula tem sua própria
inteligência, então existe um corpo mental inteiro, uma
anatomia completa da mente.
O que quer que aconteça no corpo mental acontece no
corpo físico, e, por sua vez, o que quer que aconteça no corpo
físico acontece no corpo mental. Toda flutuação no nível da
mente tem uma reação química, e, então, toda reação
química gera uma flutuação no nível da mente.
Os corpos físico e mental são como seu hardware e seu
software. O hardware e o software não podem fazer nada a
menos que você se conecte a uma energia de qualidade.
Assim, a terceira camada do eu é o pranamayakosha, ou o
corpo energético. Se você mantiver seu corpo energético em
perfeito equilíbrio, não haverá doença em seu corpo físico ou
mental. Hoje há evidências científicas que mostram que o
impacto da memória genética sobre o ser humano não é
absoluto. Com exceção dos aspectos fundamentais do DNA,
tudo pode ser alterado, incluindo as tendências genéticas de
suscetibilidade a doenças. As doenças infecciosas ocorrem
por causa de organismos externos, mas as doenças crônicas
são fabricadas diariamente pelos seres humanos. Quando
seu corpo energético está em plena vibração e equilíbrio
adequado, doenças crônicas não podem existir no corpo. Eu
poderia apresentá-lo a milhares de pessoas que se livraram
de suas doenças físicas e psicológicas apenas fazendo
práticas simples do yoga. Essas práticas não são voltadas à
doença. São destinadas apenas a levar certa harmonia e
vitalidade ao corpo energético.
Estas são as três dimensões do eu das quais agora você
tem consciência: a física, a mental e a energética. São
essencialmente físicas em sua natureza, embora cada uma
seja mais sutil do que a anterior. É como uma lâmpada, a
eletricidade e a luz – todas são físicas. Você pode segurar
uma em sua mão, pode sentir a outra, e a terceira leva um
receptor sensível, como o olho, a experimentá-la. Mas são
essencialmente físicas, e é por isso que você pode
experimentá-las por meio de seus órgãos dos sentidos.
No entanto, existe também uma quarta camada chamada
vignanamayakosha, ou corpo etéreo. Gnana significa
“conhecimento”. Vishesh gnana significa “conhecimento
extraordinário” – o que está além das percepções sensoriais.
Esse é um estado transitório. Não é físico nem não físico. É
como uma ligação entre os dois. Não está em seu nível atual
de experiência, porque sua experiência é limitada aos cinco
órgãos dos sentidos que não conseguem perceber o não
físico. Aqueles que relatam experiências de quase morte são
os que poderiam ter deslizado acidentalmente para esse
estado. Essa experiência ocorre quando, por alguma razão,
os corpos físico, mental e energético das pessoas se
tornaram fracos. Se você aprender a encontrar acesso
consciente a essa dimensão, haverá um salto quântico em
sua capacidade de conhecer o fenômeno cósmico.
Há ainda um quinto revestimento, a anandamayakosha,
que está além do físico. Ananda significa “êxtase”. Não tem
nada a ver com os reinos físicos da vida. Uma dimensão que
está além do físico não pode ser descrita ou mesmo definida,
então o yoga fala sobre isso apenas em termos de
experiência. Quando estamos em contato com esse aspecto
além do físico, ficamos extasiados. Não é que uma bolha de
bem-aventurança esteja dentro de sua estrutura física. É que
quando você acessa essa dimensão indefinível, ela produz
uma irresistível experiência de êxtase.
Mas o êxtase não é um objetivo em si. Uma vez que você
toca nessa dimensão de inexistência, o êxtase é garantido.
Nesse estado, você não é mais um problema em sua vida.
Quando isso acontece, pode explorar o além sem medo.
Quando você toca essa dimensão além da definição, o
impacto de tempo e espaço é removido. Isso explica as
muitas histórias de yogis que permanecem imóveis por
períodos incrivelmente longos. Isso é possível não por causa
da resistência física, mas porque, nesses estados, eles não
estão disponíveis para a passagem de tempo. Nesse
momento, tocaram uma dimensão além de todas as
contradições daqui e ali; um ilimitado oceano de vazio em
que não há escravidão nem liberdade – uma existência além
da existência.
O yoga não lhe pede para trabalhar com outra coisa senão
com o que você conhece. Simplesmente lhe diz que, se os
corpos físico, mental e energético estiverem perfeitamente
alinhados, você encontrará acesso ao corpo extático. Como
dissemos antes, seu trabalho é apenas com os três primeiros
corpos.
Quando se trata de realidades exteriores, cada ser
humano é diferentemente capaz. O que um faz, o outro pode
não ser capaz de fazer. Mas quando se trata de realidades
interiores, todos nós somos igualmente capazes. Não há
garantia de que você venha a ser capaz de cantar, dançar,
escalar uma montanha ou ganhar dinheiro só porque deseja.
Porém, todos são capazes de tornar a sua vida interior bem-
aventurada. Isso não lhe pode ser negado, se você estiver
disposto. Quando você domina algumas técnicas yogis
básicas de bem-estar interior, sua jornada pela vida se torna
absolutamente natural. Você é capaz de se expressar em todo
seu potencial sem qualquer estresse ou tensão. Você pode
brincar com a vida do jeito que quiser, mas a vida não pode
deixar um único arranhão em você.
Assim, para experimentar o bem-estar, tudo que você
precisa é de certo domínio sobre essas três dimensões:
corpo, mente e energia. Ser bem-sucedido no mundo
depende de sua capacidade de aproveitar essas dimensões,
segundo as necessidades de suas situações de vida e da
atividade que você deseja realizar. Mas o yoga também é a
ciência de alinhar essas três dimensões para que você
alcance o estado supremo de união extática com a própria
vida.
Como se alcança essa união suprema?
O yoga nos diz que há algumas formas fundamentais. Se
você usa seu corpo físico para alcançá-la, chamamos de
karma yoga, ou yoga de ação. Se usa sua inteligência,
chamamos de gnana yoga, o yoga de inteligência. Se usa suas
emoções, chamamos de bhakti yoga, o yoga de devoção. E se
você usa suas energias para alcançar a experiência suprema,
chamamos de kriya yoga, o yoga das energias
transformadoras.
Cada ser humano é uma combinação única dos mesmos
ingredientes. Todos esses aspectos – karma, gnana, bhakti,
kriya – têm que funcionar de maneira integrada, se você
quiser chegar a algum lugar. Se essas quatro dimensões –
corpo, mente, emoção e energia – não andarem juntas, você
será uma grande confusão.
Uma vez, quatro homens estavam andando na floresta. O
primeiro era um gnana yogi, o segundo era um bhakti yogi, o
terceiro era um karma yogi e o quarto era um kriya yogi.
Naturalmente, essas quatro pessoas nunca poderiam
estar juntas. O gnana yogi desdenha todos os outros tipos do
yoga. Seu yoga é do intelecto e, geralmente, um intelectual
tem completo desdém por todos os outros, em especial por
essestipos devocionais que olham para cima e entoam o
nome de Deus o tempo todo. Eles lhe parecem um bando de
idiotas.
O bhakti yogi, um devoto, acha que tudo isso de gnana,
karma e kriya yoga é uma perda de tempo. Ele se compadece
dos outros que não veem que tudo que você precisa fazer é
saber que Deus existe, segurar sua mão e caminhar em
confiança. Toda essa filosofia de estratificação mental, esse
yoga que curva os ossos, é absurda para ele.
Então, há o karma yogi, o homem de ação. Ele acha que
todos os outros tipos são simplesmente preguiçosos, que a
vida deles é de pura autoindulgência.
Mas o kriya yogi é o mais desdenhoso, e ri de todos. Eles
não sabem que a existência é só energia? Se você não
transformar sua energia, quer anseie por Deus ou por
qualquer outra coisa, nada acontecerá! Não pode haver
transformação.
Geralmente, essas quatro pessoas não podem se dar bem.
Mas hoje estavam andando juntos na floresta. De repente
irrompeu uma tempestade, que se avultou. A chuva começou
a cair implacavelmente. Encharcados, os quatro yogis
começaram a correr, buscando abrigo desesperadamente.
O bhakti yogi, o homem de devoção, disse: “Há um antigo
templo nessa direção. Vamos lá”. (Como um devoto, estava
particularmente familiarizado com a geografia dos templos.)
Eles correram naquela direção. Chegaram a um antigo
templo; todas as paredes tinham desmoronado havia muito
tempo; apenas o telhado e quatro colunas permaneciam.
Apressaram-se para dentro – não por amor a Deus, mas
apenas para escapar da chuva.
Havia uma divindade no centro. Correram em direção a
ela. A chuva começou a açoitar de todas as direções. Não
havia outro lugar para ir, então se aproximaram cada vez
mais. Finalmente, não houve alternativa. Apenas se
sentaram e abraçaram o ídolo.
No exato momento em que essas quatro pessoas
abraçaram o ídolo, Deus apareceu.
Em suas mentes, surgiu a mesma pergunta: por que
agora? Eles se perguntaram: Expusemos tantas filosofias sutis e
arcanas, fizemos adoração em todos os santuários sagrados
possíveis, grandes e pequenos, servimos abnegadamente a tantas
pessoas, castigamos tanto os nossos corpos e você nunca apareceu.
Agora, quando estamos apenas fugindo da chuva, você aparece.
Por quê?.
Deus respondeu: “Finalmente vocês, quatro idiotas, se
reuniram”.
O yoga é, simplesmente, a ciência de reunir os quatro
idiotas.
Neste momento, para a maioria das pessoas, essas quatro
dimensões estão alinhadas em diferentes direções. Sua
mente está pensando de um jeito; suas emoções o
impulsionam de outro jeito; seu corpo físico, de outro; sua
energia, de outro jeito ainda. Isso faz de você uma
calamidade em potencial, um acidente esperando para
acontecer. Você está sendo sequestrado – está sendo
fragmentado de quatro formas diferentes.
Agora é hora de mergulhar na aventura do
autoalinhamento, no extraordinário sistema empírico que é
o yoga – que possibilita que você seja tanto alquimista
quanto experimento, ao mesmo tempo sujeito e objeto.
E, assim, a próxima seção deste livro se torna pragmática.
Tendo mapeado o terreno, embarcamos agora em uma
jornada real, uma jornada consciente de autodescoberta e
autorrecuperação. Exploraremos a natureza e as
possibilidades das três primeiras camadas, ou
revestimentos, yogis – ou seja, corpo, mente (que inclui
pensamento e emoção) e energia. Isso também lhe
apresentará estratégias pelas quais você pode transformar
cada uma dessas camadas em uma ferramenta de converter,
um instrumento de conhecimento.
O problema é que fanáticos religiosos de todo o planeta
exportaram tudo que é belo em um ser humano para o outro
mundo. Se você fala de amor, eles falam de amor divino. Se
você fala de bem-aventurança, eles falam de bem-
aventurança divina. Se você fala de paz, eles falam de paz
divina. Esquecemos que essas são todas qualidades humanas.
Um ser humano é plenamente capaz de alegria, amor e paz.
Por que você quer exportar essas coisas para o céu?
Fala-se tanto de Deus e do céu, principalmente porque os
seres humanos não perceberam a imensidão de ser humano.
É óbvio que a própria fonte da vida está de alguma forma
pulsando dentro de você. A fonte de sua vida também é a
fonte de todas as outras vidas e a fonte de toda a criação.
Essa dimensão de inteligência ou consciência existe em cada
um de nós. A libertação de todo ser humano está em
encontrar acesso a essa dimensão onde não há morte.
Ser alegre e pacífico dentro de si mesmo em cada
momento da vida, ser capaz de perceber a vida além de suas
limitações físicas – essas não são qualidades de um super-
humano. São possibilidades humanas.
O yoga não diz respeito a ser super-humano, mas a
perceber que ser humano é super.
PARTE II
Uma nota ao leitor
A próxima parte do livro se torna mais específica, levando-o
mais a fundo na exploração dos três revestimentos, ou
camadas, fundamentais de identidade de que todo ser
humano é consciente. Assim, é dividida em três seções:
corpo, mente e energia.
Em cada seção, o livro busca estender suas ideias de o que
constitui o físico, o psicológico e o prânico (ou energético).
No processo, você pode encontrar algumas hipóteses
examinadas, alguns clichês desfeitos, alguns termos
comumente usados redefinidos e algumas perspectivas
incomuns exploradas.
Mas é exigido de você que não acredite cegamente em
nada que for exposto aqui. Como dissemos antes, o yoga
pede que você experimente – e o encoraja a fazê-lo
destemidamente. E, assim, esta seção oscila entre
informação e prática sugerida e exercícios de auto-
observação. Ela concretiza conceitos e sugere formas de
implementar ideias. No processo, você pode descobrir por si
mesmo se esses conceitos são viáveis ou se são
simplesmente conversa fiada.
Qual é a melhor forma de usufruiur esta seção? Você pode
não se sentir inclinado a implementar todos os exercícios
oferecidos nos quadros “Sadhana”. Tudo bem. A razão para
lhe oferecer uma variedade de práticas e dicas é para que
você possa focar algo que lhe atraia. Esses passos se
destinam simplesmente a ajudá-lo a fazer a transição da
página para a vida diária, oferecendo-lhe a liberdade de
testar todas as hipóteses no laboratório de sua própria vida.
Esta seção visa a transformá-lo de um leitor passivo, um
yogi de poltrona, em um participante dinâmico na magia de
uma vida conscientemente vivida, livremente escolhida.
É hora de descartar suas noções preconcebidas e se
preparar para uma exploração desinibida da incrível vida que
é você.
Corpo
A máquina suprema
A parte mais íntima da criação física para todos nós é nosso
próprio corpo. O corpo físico é o primeiro dom de que
estamos cientes. É também a máquina suprema. Todas as
outras máquinas do planeta surgiram dele.
Como já explicado, as ciências yogis não falam da mente
ou da alma. Tudo é apenas um corpo – seja um corpo feito
de comida, um corpo mental, um corpo energético, um corpo
etéreo ou um corpo extático. Há uma profunda sabedoria
nessa abordagem, que não nos permite fugir para estados
psicológicos ilusórios ou voos de abstração metafísica. Ela
nos fixa com firmeza no tangível, ao mesmo tempo que nos
conduz a reinos sutis de fisicalidade e, gradualmente, ao
além.
O corpo físico é projetado e estruturado para funcionar
sozinho, sem muita intervenção da sua parte. Você não tem
que fazer o coração bater, o fígado realizar toda a sua
complexa química nem tentar respirar; tudo que é
necessário para sua existência física se manifestar está
acontecendo por conta própria.
O corpo é um instrumento muito completo e
independente. Se você é fascinado por máquinas, não há
nenhuma melhor! Esta é a peça mais sofisticada de
maquinaria neste planeta – ela incorpora o mais alto nível
de mecânica, o mais alto nível de eletrônica, o circuito
elétrico mais sofisticado que você pode imaginar.
Digamos que você coma uma banana nesta tarde. À noite,
essa banana terá se tornado você. De acordo com Charles
Darwin,demorou milhões de anos para transformar um
macaco em um ser humano, mas em poucas horas você é
capaz de transformar uma banana ou um pedaço de pão em
um ser humano! Obviamente, a própria fonte da criação está
funcionando dentro de você.
Há uma inteligência em ação dentro de você, muito além
da sua mente lógica, que pode transformar um pouco de
alimento na melhor peça de excelência tecnológica. Se você
pudesse realizar essa transformação conscientemente (em
vez de inconscientemente), se pudesse trazer até mesmo
uma gota dessa inteligência para sua vida diária, você viveria
de forma mágica, não miserável.
Foi por ter experimentado a fonte da criação pulsando
dentro dele que o místico indiano Basava, do século XII,
chamou o corpo de templo “em movimento”. “Minhas
pernas são pilares”, diz ele em um dos conhecidos versos da
literatura mística do sul da Índia, “o corpo, o santuário/a
cabeça, uma cúpula de ouro…”
“Há algo que não gosta neste muro”
É necessária certa consciência para uma pessoa ver as
limitações dessa maquinaria fantástica. Como uma máquina,
o corpo é realmente impecável. O único problema é que não
leva você a lugar algum. Apenas brota da terra e cai de volta
nela.
Não é o suficiente?
Se você olhar da perspectiva do corpo, é suficiente. Mas,
de alguma forma, uma dimensão além da fisicalidade se
infiltrou nesse maravilhoso mecanismo. Essa dimensão é a
própria fonte da vida. É essa dimensão que realmente nos
torna quem somos.
A vida é uma coisa, mas a fonte da vida é outra. Em cada
criatura, em cada planta, em cada semente, essa fonte da
vida está em ação. Em um ser humano, ela é ainda mais
magnificamente óbvia.
É por isso que, de repente, depois de um tempo, todos os
maravilhosos dons que o corpo oferece parecem se tornar
irrelevantes e triviais. É por isso que você e todos os outros
seres humanos parecem viver em uma batalha constante
entre o físico e a dimensão além do físico. Embora você
tenha a compulsão do físico, também tem a consciência de
ser mais do que apenas físico.
Há duas forças básicas dentro de você. A maioria das
pessoas as vê como estando em conflito. Uma é o instinto de
autopreservação, que o obriga a construir muros ao seu
redor para se proteger. A outra é o constante desejo de se
expandir, de se tornar ilimitado. Esses dois anseios –
preservar e expandir – não são forças opostas, embora
pareçam ser. Estão relacionados a dois aspectos diferentes
de sua vida. Uma força o ajuda a se enraizar bem neste
planeta; a outra o leva além. A autopreservação precisa ser
limitada ao corpo físico. Se você tem a consciência
necessária para separar as duas, não há conflito. Mas se está
identificado com o físico, então, em vez de trabalhar em
colaboração, essas duas forças fundamentais se tornam uma
fonte de tensão.
Todas as batalhas do “material versus espiritual” da
humanidade nascem dessa ignorância. Quando você diz
“espiritualidade”, está falando de uma dimensão além da
física. O desejo humano de transcender as limitações do
físico é completamente natural. Viajar do corpo individual
baseado no limite para a fonte ilimitada da criação – essa é a
base do processo espiritual.
As paredes de autopreservação que você constrói hoje são
muros de autoaprisionamento do amanhã. Limites que você
estabelece em sua vida como uma proteção para si mesmo
hoje serão sentidos como restrições amanhã. Robert Frost
captou uma verdade profunda quando escreveu: “Existe
alguma coisa que não gosta de muro”.
Como seu instinto de autopreservação continua lhe
dizendo que “a menos que você tenha paredes, você não está
seguro”, inconscientemente você as constrói. Mais tarde,
luta contra elas. É um ciclo infinito. Mas a criação até está
disposta a abrir para você as portas para o além. Não é
contra a falta de vontade da criação que você está lutando.
Está lutando contra as paredes de resistência que você
construiu em torno de si mesmo.
É por isso que o sistema yogi não fala sobre Deus. Ele não
fala sobre a alma ou o céu. Essa conversa invariavelmente
torna as pessoas alucinadas. O yoga fala apenas sobre as
barreiras que você criou, porque essa resistência é tudo que
precisa ser tratado. O Criador não busca sua atenção. As
cordas que o amarram e as paredes que o bloqueiam são
inteiramente de sua fabricação. E isso é tudo que você
precisa desatar e desmantelar. Você não tem trabalho com a
existência. Só tem trabalho com a existência que você criou.
Se eu fosse usar uma analogia, colocaria lado a lado a
gravidade e a graça. A gravidade está de uma forma
relacionada ao instinto fundamental de autopreservação em
um ser humano. Estamos enraizados no planeta agora por
causa da gravidade. Temos um corpo hoje só por causa da
gravidade. A gravidade está tentando mantê-lo no chão,
enquanto a graça é uma força que está tentando erguê-lo. Se
você é liberado das forças físicas da existência, então a graça
irrompe em sua vida.
Como a gravidade está ativa, a graça também está
constantemente ativa. Só que você tem que se tornar
disponível para ela. Com a gravidade você não tem escolha;
você está disponível para a ela de qualquer forma. Se você é
fortemente identificado com o físico, a gravidade é tudo que
você conhece. Mas com a graça você tem que se tornar
receptivo. Não importa o tipo de prática espiritual que
exerça, em última análise, você está apenas trabalhando
para se tornar disponível para a graça.
Quando você está disponível para a graça, de repente
parece funcionar como mágica. Suponha que você fosse o
único que pudesse andar de bicicleta; você começaria a
parecer mágico para todos os outros! É o mesmo com a
graça. Outros podem pensar que você é mágica, mas você
sabe que está apenas começando a se tornar receptivo a uma
nova dimensão de vida. Essa possibilidade está disponível
para todos.
Sadhana
Você pode ter notado isso sobre si mesmo: quando está se
sentindo satisfeito, quer se expandir; quando está com
medo, quer se contrair. Tente isso. Sente-se por alguns
minutos na frente de uma planta ou árvore. Lembre-se de
que está inalando o que a árvore está exalando, e exalando o
que a árvore está inalando. Mesmo que ainda não esteja
ciente disso por experiência, estabeleça uma conexão
psicológica com a planta. Você poderia repetir isso várias
vezes ao dia. Depois de alguns dias, começará a se conectar
com tudo ao seu redor de modo diferente. Não se limitará a
uma árvore.
Usando esse processo simples, nós do Centro do Yoga
Isha desencadeamos uma iniciativa ambiental no estado de
Tamil Nadu, no sul da Índia, sob a qual 21 milhões de árvores
foram plantadas desde 2004. Passamos vários anos
plantando árvores na mente das pessoas, que é o terreno
mais difícil! Agora, transplantá-las para a terra acontece de
forma muito mais fácil.
Sentido da vida: conhecendo a vida além
dos sentidos
Como o corpo humano entende o mundo? Qual é a sua fonte
de conhecimento?
A resposta é óbvia: por meio dos cinco sentidos.
Tudo que você sabe do mundo ou de si mesmo são
informações que coletou apenas por meio dos cinco órgãos
dos sentidos – vendo, ouvindo, cheirando, saboreando e
tocando. Se esses órgãos dos sentidos se fechassem, você
não conheceria o mundo nem a si mesmo.
Todas as noites, quando você dorme, as pessoas ao seu
redor desaparecem de repente, o mundo desaparece, e até
você desaparece. Você ainda está vivo, todos ao seu redor
estão vivos, mas em sua experiência tudo se evapora, porque
esses cinco órgãos dos sentidos entraram no modo
“desligar”.
Os órgãos dos sentidos são limitados. Podem perceber só
o que é físico. Se sua percepção é limitada aos cinco
sentidos, naturalmente o escopo de sua vida será restrito ao
físico. Além disso, os sentidos percebem tudo apenas em
relação a alguma outra coisa. Se toco um objeto de metal e
sinto frio nos dedos, é apenas porque minha temperatura
corporal está mais elevada. Suponha que eu diminua minha
temperatura e toque o metal: ele entãopareceria quente para
mim.
As percepções sensoriais são instrumentos absolutamente
maravilhosos para a sobrevivência humana. São ligadas no
momento de seu nascimento, porque são essenciais a sua
sobrevivência no mundo exterior. Mas se você está buscando
algo mais do que sobrevivência, elas não são o bastante. Elas
lhe dão uma impressão distorcida da realidade, porque são
inteiramente relativas em sua percepção.
Se você está realmente interessado em conhecer a vida
em toda a sua profundidade e dimensão, é imperativo que
olhe para dentro, não para fora. Por quê? Porque a natureza
essencial da vida não está na expressão física ou psicológica
do corpo e da mente, mas em sua fonte. No entanto, olhar
para dentro não é algo que aconteça facilmente. É preciso
trabalho, porque você ainda não possui os mecanismos
perceptuais para olhar para dentro. O dilema humano é
exatamente esse: o cerne de sua experiência está dentro de você,
mas sua percepção é inteiramente ligada ao exterior.
É por isso que há uma grande desconexão entre o interior
e o exterior. Você pode ver o que está fora de você, no
entanto, não consegue ver o que está dentro. Mesmo que
alguém sussurre, você pode escutar, mas há tanta atividade
acontecendo no corpo que está além de sua capacidade de
escutar. Você pode sentir imediatamente se uma formiga se
arrastar sobre sua pele, mas há tanto sangue fluindo dentro
de você que você não pode sentir. Seus órgãos dos sentidos
só podem registrar sensações externas de visão, audição,
olfato, paladar e tato. Mas a fonte de toda a experiência está
dentro de você. Uma experiência pode ser desencadeada por
um estímulo externo, mas sua origem é sempre interna – e
há momentos em que a mesma experiência pode ser gerada
mesmo sem um gatilho externo.
O yoga é fundamentalmente destinada a melhorar sua
experiência para além dos cinco sentidos. Há uma dimensão
além de suas cinco percepções sensoriais. Você pode chamar
essa dimensão do que quiser. Pode chamá-la de “eu”, se
quiser. Pode chamá-la de “divino”, se quiser. Pode
denominá-la “Deus”, se quiser. A terminologia é
inteiramente com você.
E mesmo que você não esteja em busca do divino ou do
eu, aumentar sua percepção pode desempenhar um papel
vital na garantia de um nível fundamental de bem-estar. O
que quer que você seja – médico, policial, engenheiro,
artista, dona de casa ou estudante –, fundamentalmente, é
sua qualidade de percepção que determina quanto você é
efetivo e bem-sucedido e quanto pode fazer neste planeta. A
expansão de sua percepção sensorial além de seus limites
atuais pode alcançar resultados fenomenais, trazendo uma
dimensão completamente nova e aparentemente mágica a
sua vida.
As perguntas mais comuns são: “É muito difícil aumentar
minha percepção? Tenho que fazer um retiro em uma
caverna do Himalaia para me voltar para dentro?”.
De modo algum. Essa possibilidade não surge ao se sentar
em algum lugar no topo de uma montanha; ela está dentro
de você. A única razão pela qual ela tem sido inacessível é
você estar ocupado ou preocupado com o que acontece fora
ou envolvido demais em seu próprio drama psicológico. Foi
apenas uma falta de atenção que tem negado às pessoas a
possibilidade de descobrir o que está dentro.
Voltar-se para dentro não tem nada a ver com
pensamentos, ideias, opiniões ou filosofias. Não tem nada a
ver com a atividade psicológica de sua mente. Melhorar sua
percepção significa melhorar sua capacidade de receber a
vida, exatamente como ela é. Se você estiver disposto a
dedicar apenas alguns minutos de sua vida a isso todos os
dias, você verá a mudança. O simples processo de prestar um
pouco de atenção à sua natureza interior transformará a
qualidade de sua vida de forma notável.
Sadhana
Comece prestando atenção a tudo que você vê em si mesmo
antes de dormir: seus pensamentos, suas emoções, seu
cabelo, sua pele, suas roupas, sua constituição. Saiba que
nada disso é você. Não há necessidade de chegar a qualquer
conclusão sobre o que “você” é ou o que é “verdade”. A
verdade não é uma conclusão. Se você mantiver as falsas
conclusões à distância, a verdade aparecerá. É como sua
experiência da noite: o Sol não se foi; é só o planeta que está
olhando para o outro lado. Você está pensando, lendo,
falando sobre si mesmo, porque está ocupado demais
olhando para o outro lado! Você não prestou atenção
suficiente para saber o que o eu realmente é. O que é
necessário não é uma conclusão, mas uma reviravolta. Se
você conseguir pegar no sono com essa consciência, será
significativo. Como não há interferência externa no sono,
isso se tornará uma experiência poderosa. Com o tempo,
você entrará em uma dimensão além de todas as
acumulações.
Escutando a vida
Há vários caminhos para atingir um estado de alegria
duradoura e união suprema. Eles são diversos, mas é
importante que sejam todos tratados de forma equilibrada e
integrada. Não há realmente uma divisão ou hierarquia entre
essas variadas abordagens. O yoga é completamente
imparcial: usa todos os aspectos de quem você é para levá-lo
ao seu destino final.
O corpo constitui uma parte muito grande de quem você é
em sua compreensão atual. A ciência de usar o corpo para
acelerar seu processo evolutivo é o hatha yoga. Ha denota “o
Sol” e tha denota “a Lua”. O hatha yoga é a ciência de
estabelecer um equilíbrio entre essas duas dimensões dentro
do sistema humano.
O corpo tem as próprias atitudes, a própria resistência, o
próprio temperamento. Digamos que você decida: “A partir
de amanhã, acordarei às 5 horas da manhã e sairei para
caminhar. Você coloca o alarme. O alarme toca. Você começa
a se mexer, mas seu corpo resmunga e diz: “Cale a boca e
durma”. Geralmente é assim, não é? Então, hatha yoga é uma
forma de trabalhar com o corpo, uma forma de discipliná-lo,
purificá-lo e prepará-lo para níveis mais elevados de
energia e para maiores possibilidades.
O hatha yoga não é exercício. Trata-se, em vez disso, de
entender a mecânica do corpo, criar uma atmosfera e,
depois, usar posturas físicas para canalizar ou direcionar sua
energia em direções específicas. Esse é o objetivo dos vários
asanas, ou posturas. Esse tipo de postura que permite
acessar sua natureza superior é um yogasana. É a ciência de
alinhar sua geometria interna com a geometria cósmica.
Para colocar de forma mais simples, só de observar o
modo como algumas pessoas se sentam, você pode quase
saber o que está acontecendo com elas se conhecê-las há
tempo suficiente. Se você se observa, quando está com raiva,
você se senta de um jeito; quando está bem-aventurado, se
senta de outro jeito; quando está deprimido, se senta de
outra forma. Para cada nível diferente de consciência, ou
estado psicológico, seu corpo naturalmente tende a assumir
certas posturas. O inverso disso é a ciência dos asanas. Se
você conscientemente colocar o corpo em diferentes posturas, pode
elevar sua consciência.
O corpo pode se tornar um meio para seu crescimento
espiritual ou uma barreira. Vamos supor que você esteja com
dor em alguma parte de seu corpo – por exemplo, uma das
mãos, uma perna ou as costas. Quando a dor é aguda, é
difícil aspirar a algo maior, porque a dor se torna dominante
em sua vida. Neste momento, se você tem uma dor nas
costas, o maior problema no Universo são suas costas.
Outras pessoas podem não entender, mas, para você, esse é
o maior problema. Mesmo que Deus apareça à sua frente,
você implorará para que sua dor nas costas desapareça! Não
pedirá mais nada, porque o corpo físico tem muito poder
sobre você. Quando ele não funciona como deveria, pode
roubar da sua vida todas as outras aspirações. Todos os seus
anseios simplesmente desaparecem quando o corpo está
com dor. Experimentar a dor e ainda olhar além exige uma
enorme concentração de força, que a maioria das pessoas
não possui.
Há inúmeras pessoas que se livraram de problemas na
coluna fazendo asanas simples. Os médicos lhes disseramque teriam que se submeter a uma cirurgia, mas elas
conseguiram evitá-la completamente. Suas costas podem ser
restauradas a uma condição tão excelente que você pode
nunca precisar voltar a um quiropraxista. Não é apenas a sua
coluna que se torna flexível; você também se torna flexível.
Quando você é flexível, está disposto a escutar. Não tem a
ver com escutar alguém falar; você se torna disposto a
escutar a vida. Aprender a escutar é a essência da vida
inteligente.
Dedicar certo esforço e tempo para que o corpo não se
torne uma barreira é importante. Um corpo dolorido, assim
como um corpo compulsivo, pode se tornar um obstáculo. As
compulsões simples, seja de gula ou luxúria, podem
governá-lo com tanta força que o impedem de olhar além do
físico. É fácil esquecer que o corpo físico é apenas uma parte
de você; é importante que ele não se torne seu todo. Os
asanas ajudam a nivelar o corpo físico ao seu lugar natural.
À medida que você entra em dimensões mais profundas
de meditação, suas energias aumentarão, abrindo dimensões
mais remotas de experiência. Portanto, é muito importante
que a tubulação do corpo esteja condutiva. Então, se estiver
bloqueada, não funcionará. Preparar o corpo suficientemente
antes de entrar em formas mais intensas de meditação é
essencial. O hatha yoga garante que o corpo carregue o
aumento de energia de forma suave e alegre.
Para muitas pessoas, o crescimento espiritual acontece
muito dolorosamente, pois não houve a preparação
necessária. Infelizmente, a maioria dos seres humanos se
permitiu ser moldada por inteiro por situações externas.
Está se tornando uma norma no mundo que o crescimento
só acontece de forma dolorosa. Mas ele também pode
acontecer de forma radiante, desde que o corpo e a mente
estejam preparados. Os asanas podem prepará-lo para o
crescimento e a transformação, equipando-o com uma base
sólida e estável.
O hatha yoga que as pessoas estão aprendendo hoje não é
a forma clássica em toda a sua profundidade e magnitude. O
“yoga de estúdio” que você vê atualmente é, em grande
parte, o aspecto físico da ciência. Ensinar apenas o aspecto
físico do yoga é como ter um bebê natimorto. Não é apenas
ineficiente; é uma tragédia. Se você quer um processo vivo,
ele precisa ser transmitido de modo que inclua outras
dimensões do yoga.
Hatha yoga não significa ficar de ponta-cabeça ou
prendendo a respiração. É a forma como é executada que faz
toda a diferença. Houve uma época em que eu mesmo
ensinei o hatha yoga como um programa de dois dias. As
pessoas eram dominadas por uma intensidade nesses
programas; lágrimas de êxtase fluíam simplesmente com a
prática de asanas. Por que isso não acontece com mais
frequência? Simplesmente porque o hatha yoga está sendo
transmitida como um fim em si mesmo, e não como um
sistema preparatório. Como consequência, enquanto hoje o
hatha yoga leva paz a alguns e saúde a outros, é infelizmente
um circo doloroso para muitos. Pode ser boa para alguém
cuja aspiração seja apenas paz e saúde. Mas se você olha
cuidadosamente para o yoga como um meio de se
transformar em uma possibilidade receptiva além dos cinco
sentidos, o hatha yoga precisa ser abordada em sua forma
clássica.
Sadhana
Olhe ao redor. Entre sua família, colegas de trabalho e
amigos, você consegue ver como cada um tem diferentes
níveis de percepção? Só observe cuidadosamente. Se você
conhece algumas pessoas que parecem ter uma maior
clareza de percepção do que outras, observe como elas
conduzem seu corpo. Elas geralmente têm certa postura sem
prática. No entanto, só um pouco de prática já pode fazer
uma enorme diferença. Se você se sentar por apenas
algumas horas por dia com a coluna ereta, verá que isso terá
um efeito inconfundível em sua vida. Você começará então a
entender o que quero dizer com a geometria de sua
existência. A forma como posiciona seu corpo determina
quase tudo sobre você.
Outra maneira de escutar a vida é prestar atenção nela
de forma experimental, não intelectual ou emocional.
Escolha qualquer coisa em você: sua respiração, seu
batimento cardíaco, seu pulso, seu dedo mínimo. Apenas
preste atenção nisso por onze minutos de cada vez. Faça-o
pelo menos três vezes ao dia. Mantenha sua atenção em
qualquer sensação, mas sinta-se à vontade para continuar
fazendo o que estiver fazendo. Se desviar a atenção, não
importa. Simplesmente volte a prestar atenção. Essa prática
lhe permitirá passar do estado de alerta mental para a
consciência. Você descobrirá que a qualidade de sua
experiência de vida começará a mudar.
Fazendo o download do Cosmos
Até recentemente na Índia, após cada tempestade, você
tinha que subir ao telhado e ajustar a antena de TV. Somente
inclinada de certa maneira ela faria o mundo surgir em sua
sala de estar. Ou então, enquanto estivesse assistindo a sua
novela favorita ou a uma partida de futebol, um monte de
chuviscos apareceria de repente em sua tela.
O corpo é como essa antena: se você o mantém na posição
correta, ele se torna receptivo a tudo que existe. Se o
mantiver de outra forma, permanecerá absolutamente
ignorante de tudo além dos cinco sentidos.
Aqui está outra analogia: seu corpo é como um
barômetro. Se você sabe como lê-lo, ele pode dizer tudo
sobre você e o mundo ao seu redor. O corpo nunca mente.
Assim, no yoga, aprendemos a confiar no corpo.
Transformamos o corpo físico de uma série de compulsões de
carne, sangue e hormônios em um processo consciente, um
poderoso instrumento de percepção e conhecimento. Se você sabe
ler o corpo, ele pode lhe dizer seu potencial, suas limitações,
e até mesmo seu passado, presente e futuro. É por isso que o
yoga fundamental começa com o corpo físico.
É tão simples quanto isso: quanto mais você souber sobre
seu telefone ou qualquer outro dispositivo, melhor poderá
usá-lo. Alguns anos atrás, as empresas de telefonia celular
realizaram uma pesquisa e descobriram que 97% das
pessoas usavam apenas 7% da capacidade do telefone. E não
estou falando aqui do smartphone, estou falando dos
aparelhos antes dele. Mesmo com esses dispositivos simples,
as pessoas estavam usando apenas 7%.
Agora, como já dissemos, esse seu corpo é a máquina
suprema, o gadget perfeito e de última geração. Que
porcentagem dessa máquina você acredita que está usando?
Bem abaixo de 1%! Para conduzir sua vida no mundo
material, para garantir sua sobrevivência, você não precisa
nem de 1% da capacidade do corpo. Estamos fazendo todo
tipo de coisas triviais com ele, porque neste momento toda a
nossa percepção da vida é limitada à natureza física da
existência. Mas seu corpo é capaz de perceber o Universo
inteiro. Se prepará-lo adequadamente, ele pode apreender
tudo nesta existência, porque tudo que acontece a esta
existência acontece, de alguma forma, a este corpo.
Toda criação física é fundamentalmente certa perfeição
da geometria. Sem a geometria, nenhuma forma física é
possível. Se conseguirmos que a geometria do corpo humano
seja correta, ele se tornará capaz de refletir a geometria
maior do cosmos interior e de tornar o cósmico disponível
para nossa experiência. Em outras palavras, o corpo humano
pode fazer o download de todo o Cosmos.
Sadhana
Sente-se em qualquer postura confortável, com a coluna
ereta e, se necessário, apoiada. Permaneça imóvel. Permita
que sua atenção aumente lenta e calmamente. Faça isso de
cinco a sete minutos por dia. Você notará que sua respiração
vai desacelerar.
Qual é o significado de desacelerar a respiração humana?
São só algumas acrobacias respiratórias yogis? Não, não
são. Em geral, um ser humano respira de doze a quinze vezes
por minuto. Se a sua respiração se estabilizar em doze, você
conhecerá os caminhos da atmosfera terrestre (ou seja, você
se tornará meteorologicamente sensível). Se ela se reduzir a
nove, você conhecerá a linguagem das outras criaturas deste
planeta. Se ela se reduzir a seis, você conhecerá a própria
linguagem da Terra. Se elase reduzir a três, você conhecerá
a linguagem da fonte da criação. Não se trata de aumentar
sua capacidade aeróbica. Também não se trata de se privar
vigorosamente de respirar. Uma combinação do hatha yoga
e de uma prática yogi avançada chamada kriya aumentará
gradualmente sua capacidade pulmonar, mas, acima de
tudo, o ajudará a alcançar certo alinhamento, certa
tranquilidade, de modo que seu sistema evolua para um
estado de estabilidade em que não há estática nem
estalidos; em que ele apenas percebe tudo.
INTENSIDADE DA INATIVIDADE
Pela lógica, alguém que nunca se esforça para nada deve ser o
mestre da falta de esforço. Mas não é assim. Se você quer
conhecer a falta de esforço, precisa conhecer o esforço. Quando
você alcança o pico do esforço, não tem mais como se esforçar.
Apenas uma pessoa que sabe o que é trabalhar compreende o
descanso. Paradoxalmente, aqueles que estão sempre
descansando não sabem o que é descanso; só afundam em
apatia e letargia. “É assim que a vida funciona”.
Para o bailarino russo Nijinsky, toda a vida foi dança. Houve
momentos em que saltou alturas que pareciam humanamente
impossíveis. Mesmo que os músculos estejam com desempenho
máximo, ainda há um limite para quão alto se pode saltar. Mas
em alguns momentos ele parece até mesmo transcender esse
limite.
As pessoas frequentemente lhe perguntavam: “Como você
consegue?”.
Ele respondia: “Não há como eu conseguir fazer isso. Só
acontece quando o Nijinsky não está ali”.
Quando se está sempre dando o máximo, chega-se a um
ponto em que se ultrapassam todos os limites e se alcança a total
falta de esforço. Não fazer esforço não significa se tornar um
sedentário, mas transcender a necessidade de ação física. Você só
alcança isso quando consegue se esticar ao máximo e sustentar o
pico de esforço. Algumas pessoas hoje declaram que gostariam
de optar pelo Zen como um caminho espiritual porque acham
que significa não fazer nada! Na verdade, o Zen envolve muita
atividade, porque não está de forma alguma separado da vida.
Por exemplo, um monge Zen pode levar semanas para
simplesmente arrumar seixos num jardim Zen. Ao realizar essa
atividade, você alcança um estado de não fazer, em que
transcende a experiência de ser um executor. É nesses estados
que você tem um gostinho do além.
Se você atingir esses estados mediante intensa atividade,
como Nijinsky e muitos outros, esses momentos serão sempre
valorizados como mágicos. Mas se você chega ao mesmo estado
pela intensidade da inatividade, então é uma postura yogi, e pode
ser mantido por mais tempo.
A essência do dhyana, ou do estado de meditação, é que você
se esforça em busca da maior intensidade possível, na qual,
depois de algum tempo, já não há esforço. Então a meditação não
será um ato, mas uma consequência natural da intensidade que
foi alcançada. Você pode simplesmente ser. Nesses estados de
existência absolutamente não compulsivos é que a atmosfera
necessária é estabelecida para o florescimento de um indivíduo
em uma possibilidade cósmica.
Se nós, como sociedades e indivíduos, continuarmos a
permitir que cada momento passe sem estabelecermos a
atmosfera para esse florescimento, teremos desperdiçado uma
enorme possibilidade. Só há tanta conversa infantil sobre o céu e
seus prazeres porque a imensidão de ser humano não foi
explorada. Se sua humanidade transbordar, a divindade o seguirá
e o servirá. Não há escolha. ■
Pedacinho de Terra
Como o yoga nos lembra, seu corpo físico é annamayakosha,
ou um corpo feito de comida, apenas uma pilha do alimento
que você ingere. Por sua vez, a comida que você consome é
só a Terra. Você é um pequeno afloramento deste planeta
andando por aí e reivindicando ser uma entidade autônoma.
Mas, como você é uma pequena extensão da Terra, o que
quer que aconteça com o planeta também acontece com você
– de algumas formas sutis e às vezes não tão sutis.
Este planeta é parte de um corpo maior que chamamos de
Sistema Solar. O que acontece com esse sistema afeta o
planeta. Esse sistema solar é parte de um corpo maior que
chamamos de Universo. Neste momento, talvez esteja além
de sua percepção, mas, como sua forma física é apenas um
fragmento do planeta, tudo que acontece com qualquer parte
do Universo de alguma forma também acontece com você!
Por incrível que pareça, se mantiver seu corpo físico de
determinado jeito, você se tornará consciente de mudanças
sutis que ocorrem no planeta e no cosmos. Uma vez que você
se torna sensível a isso, todo o seu corpo sente tudo que
acontece ao seu redor. Se você gastar mais tempo e prestar
atenção aos caminhos da Terra, essa sensibilidade
aumentará drasticamente.
Morei em uma fazenda por alguns anos. Havia um
homem no vilarejo local com dificuldade de audição. Seu
nome era Chikkegowda. Como ele mal podia ouvir, não
conseguia responder às pessoas, e então achavam que ele era
um idiota. Ele foi rejeitado pelo vilarejo e se tornou objeto de
escárnio. Eu o empreguei como ajudante na fazenda. Ele era
um bom companheiro, porque eu não estava
particularmente interessado em falar, e ele não podia falar
por não poder ouvir. Então, sem problema! Por ser uma
época antes dos tratores, a vida na fazenda girava em torno
de bois e arados. De repente, às 4h da manhã de um dia, eu o
vi preparando o arado.
Perguntei: “O que está acontecendo?”.
Ele respondeu: “Estou me preparando para arar, senhor”.
Questionei: “Mas o que você vai arar? Não há chuva”.
Ele disse: “Vai chover hoje”.
Olhei para cima. O céu estava absolutamente claro. Eu
disse: “Que absurdo! Onde está a chuva?”.
Ele respondeu: “Não, senhor, vai chover”.
E choveu.
Depois disso, fiquei acordado por dias e noites. Por que
não pude sentir o que esse homem sentia? Sentei-me,
erguendo a mão em diferentes posições, tentando sentir a
umidade, a temperatura, tentando decifrar o céu. Li todos os
tipos de livros sobre meteorologia, mas sem respostas.
Então, com cuidadosa observação do meu próprio corpo e do
que estava ao meu redor, descobri o erro mais fundamental
que a maioria de nós comete: o fato de vermos os ingredientes
que constituem nosso corpo, como terra, água, ar e comida, como
produtos, e não como uma parte orgânica do processo de vida.
Depois de perseverar por cerca de dezoito meses,
compreendi. E, agora, se eu disser que vai chover, 95% das
vezes choverá. Isso não é astrologia ou mágica, mas uma
suposição baseada na minuciosa observação de um nível
completamente diferente do sistema humano e de sua
transação contínua com o planeta, o ar e tudo ao redor. Se
for chover hoje, alguma mudança ocorrerá em seu corpo. A
maioria dos moradores urbanos não pode sentir, mas muitos
habitantes rurais em todo o mundo sentem. A maioria dos
insetos, pássaros e animais pode sentir. Uma árvore com
certeza sabe disso.
Reconhecendo essas pequenas mudanças no sistema
planetário, os antigos tentaram utilizá-las não apenas para
o próprio bem-estar, mas também para a transcendência. O
equador magnético do planeta flui pela Índia. Há alguns
milhares de anos, os yogis identificaram a localização exata
do equador magnético e construíram uma série de templos
ao longo dessa área por razões muito específicas. Um dos
templos mais famosos é o templo de Chidambaram, no sul
da Índia, criado para aqueles que buscavam a união
espiritual suprema. Na época de sua construção, ele se
localizava exatamente no equador magnético (que desde
então mudou).
Muitos buscadores espirituais – pessoas que buscavam a
espiritualidade – se reuniram em Chidambaram ao longo
dos séculos naqueles momentos em que o planeta estava em
determinada posição. Nesse templo, um santuário foi
consagrado por Patanjali, o pai do yoga, o shoonya, que
literalmente se traduz como “vazio” ou “nada”. Não é mero
simbolismo. No equador magnético, não há atração para o
norte ou para o sul; há um grau zero de atuação magnética, e
isso promove certo equilíbrio e equanimidade na vida de um
seeker. Essaequanimidade pode ser um dispositivo poderoso
para se libertar literalmente das limitações do mundo físico,
o que torna essa região a localização geográfica ideal para
um seeker. (É importante lembrar que o equador magnético é
diferente do equador geográfico.)
A importância adicional de Chidambaram é que ele está
localizado a 11° norte de latitude. Quando foi construído,
houve uma convergência do equador magnético com essa
latitude – uma ocorrência rara e notável. Qual era a
importância dessa localização? A inclinação do planeta nessa
latitude impele as forças centrífugas em uma direção quase
vertical, que, por sua vez, empurra a energia para cima
através do sistema fisiológico humano. Isso significa que a
ascensão da energia humana – o objetivo da jornada
espiritual – é auxiliada pela natureza. Como essa foi uma
grande fonte de encorajamento para os seekers, toda a região
foi considerada sagrada. (Não é por coincidência que o
Centro do Yoga Isha, no sul da Índia, esteja localizado
exatamente a 11° norte de latitude.)
Esse sistema espiritual descrito utiliza fenômenos
naturais para apoiar os esforços humanos no crescimento
espiritual. Outro sistema – de meditação, ou introspecção –
ignora completamente as mudanças que acontecem na
criação e se concentra apenas na jornada interior. Estas são
as duas maneiras fundamentais das quais a jornada
espiritual pode ser abordada: você pode ir devagar, passo a
passo, aceitando todo o auxílio natural que lhe é disponível,
ou pode ignorar todos os passos e dar o salto interior. O
segundo implica uma retirada de situações externas da vida.
No primeiro sistema, o envolvimento é obrigatório. Cada ser
humano é livre para escolher o caminho mais adequado ao
seu temperamento. Nos tempos em que vivemos, um
equilíbrio entre os dois é geralmente melhor.
Sadhana
O corpo responde ao contato com a terra. É por isso que as
pessoas espirituais na Índia andavam descalças e sempre se
sentavam no chão em uma postura que permitia a máxima
área de contato com o solo. Assim, o corpo recebe um forte
lembrete experiencial de que é apenas parte desta terra.
Nunca é permitido ao corpo esquecer suas origens. Quando
lhe é permitido esquecer, ele muitas vezes começa a fazer
exigências fantasiosas; quando é constantemente lembrado,
sabe o seu lugar. Esse contato com a terra é uma reconexão
vital do corpo com sua fonte física. Isso restaura a
estabilidade do sistema e aumenta consideravelmente a
capacidade humana de rejuvenescer. Isso explica por que há
tantas pessoas que afirmam que a vida foi magicamente
transformada apenas adotando uma simples atividade ao ar
livre, como jardinagem.
Hoje, as muitas maneiras artificiais como nos
distanciamos da terra – na forma de pavimentos e estruturas
de vários andares, ou mesmo a tendência generalizada de
usar salto alto – envolvem uma alienação da parte em
relação ao todo e sufocam o processo fundamental da vida.
Essa alienação se manifesta em distúrbios autoimunes em
larga escala e em condições alérgicas crônicas.
Se você tende a ficar doente com facilidade, pode tentar
dormir no chão (ou com uma separação mínima dele). Você
verá que fará uma grande diferença. E tente também se
sentar mais perto do chão. Além disso, se encontrar uma
árvore que lhe pareça vívida, em termos de abundância de
folhas frescas ou flores, passe algum tempo em torno dela.
Se possível, tome seu café da manhã ou almoce sob essa
árvore. Ao se sentar sob a árvore, lembre-se: “Esta mesma
terra é o meu corpo. Eu tiro este corpo da terra e o devolvo à
terra. Conscientemente peço agora à Mãe Terra que me
sustente, me segure, me mantenha bem”. Você descobrirá
que a capacidade de recuperação do seu corpo é
drasticamente aumentada.
Ou, se você transformou todas as suas árvores em
móveis, reúna um pouco de terra fresca e cubra os pés e as
mãos com ela. Fique assim de vinte a trinta minutos. Isso
pode ajudar sua recuperação de forma significativa.
Em sincronia com o Sol
O surya namaskar é uma sequência familiar de posturas para
muitos que têm praticado ou que conheceram alguma coisa
do yoga. Geralmente, as pessoas entendem o surya namaskar
como um exercício físico. Outros o veem, de modo
desconfiado, como uma forma de adoração ao Sol. Não é
nada disso. Definitivamente fortalece sua coluna e os
músculos e muito mais, mas esse não é o objetivo.
Então, qual é o significado disso que é quase sempre visto
como uma saudação ao Sol?
Em primeiro lugar, não é uma saudação. Literalmente,
significa organizar as energias solares dentro de você, com
base na simples lógica de que toda vida nesta Terra é movida
a energia solar. O Sol é a fonte de vida deste planeta. Em
tudo que você come, bebe e respira, há um elemento do Sol.
Somente se aprender a “digerir” melhor o Sol – internalizá-
lo e integrá-lo ao seu sistema –, você realmente se
beneficiará desse processo.
Aqueles que fazem surya namaskar regularmente
descobrem que suas baterias duram mais, com menos
necessidade de recarga ou reabastecimento. Além disso, o
surya namaskar ajuda no equilíbrio ou na reorganização das
energias internas, em termos de direita e esquerda, ou das
dimensões lunar e solar. Isso produz um equilíbrio físico e
psicológico inato que pode ser uma enorme qualidade na
vida cotidiana.
Como já mencionei, quando eu era jovem, tinha que ser
acordado à força todas as manhãs pela minha mãe. Mas,
uma vez que comecei o yoga, meu sistema acordava sem
esforço em determinada hora todos os dias. A vida começou
a acontecer com muito mais facilidade e equanimidade.
O surya namaskar trata essencialmente de construir uma
dimensão dentro de você na qual seus ciclos físicos corporais
estão em sincronia com os ciclos do Sol, que ocorrem a
intervalos de doze anos e três meses, aproximadamente. Não
é por acaso, mas de propósito, que ele foi estruturado com
doze posturas. Se o seu sistema está em um nível de vibração
e prontidão, e em um elevado estado de receptividade, então
naturalmente seu ciclo estará em sincronia com o ciclo solar.
As mulheres jovens têm uma vantagem porque também
estão em sincronia com os ciclos lunares. É uma vantagem,
mas muitas a tratam como uma maldição. É uma
possibilidade fantástica que seu corpo esteja conectado aos
ciclos solares e lunares. A natureza concedeu essa vantagem
à mulher porque lhe foi confiada a responsabilidade de
propagar a raça humana. Assim, ela recebeu alguns
privilégios extras, que infelizmente foram socialmente
percebidos como desvantagens. As pessoas não sabem como
lidar com a energia extra gerada nesse tempo e, portanto,
tratam-na como uma maldição, e até um tipo de loucura. (A
palavra lunático deriva, como sabemos, de “lunar”.)
O corpo físico é um fantástico trampolim para
possibilidades mais elevadas, mas para a maioria das
pessoas funciona como uma barreira. As compulsões do
corpo não lhes permitem seguir adiante. Praticar surya
namaskar mantém o equilíbrio físico e a receptividade, e é
um meio de levar o corpo ao limite, de modo que não seja
um obstáculo.
Entre o ciclo menstrual, que é o mais curto (um ciclo de
vinte e oito dias), e o ciclo do Sol, que tem mais de doze
anos, há muitos outros tipos de ciclos. A palavra cíclico
denota “repetição”. Também significa “andar em círculos” e
não chegar a lugar algum. Repetição significa, em algum
nível, “compulsão”. Compulsividade implica algo que não é
favorável à consciência.
Tudo que é físico, do atômico ao cósmico, é cíclico. Ou
você anda no ciclo ou é esmagado por ele. A prática yogi é
sempre destinada a capacitá-lo a andar no ciclo, para que
você tenha o tipo certo de alicerce para a consciência.
Deve ser lembrado que a natureza repetitiva dos
movimentos ou sistemas cíclicos, a que tradicionalmente
nos referimos como samsara, oferece a estabilidade
necessária para a construção da vida. Se tudo fosse aleatório,
não seria possível abrigar uma máquina de estabilizar a vida.
Para o sistemasolar e para o indivíduo, estar enraizado na
natureza cíclica dá certa firmeza e estabilidade à vida. A
própria natureza do mundo físico é cíclica.
No entanto, uma vez que a vida tenha alcançado o nível
de evolução que os seres humanos alcançaram, é natural
aspirar não apenas à estabilidade, mas à transcendência.
Agora, cabe aos seres humanos individuais continuar
aprisionados no ciclo ou usar esses ciclos para o bem-estar
físico, ou, enfim, ir completamente além do cíclico.
Se você for compulsivo, verá que situações, experiências,
pensamentos e emoções em sua vida estarão em ciclos.
Continuam voltando para você uma vez a cada seis ou
dezoito meses, três anos ou seis anos, dependendo do seu
grau de compulsão. Se você apenas olhar para trás em sua
vida, perceberá. Se eles vêm uma vez a cada doze anos,
significa que seu sistema está em um estado elevado de
receptividade e equilíbrio.
O surya namaskar é um processo importante para
possibilitar que isso aconteça. Em um nível rudimentar, é
um exercício completo para o sistema físico – uma forma
abrangente de exercício sem necessidade de equipamento.
Mas, acima de tudo, é uma importante ferramenta que
permite aos seres humanos libertar-se dos padrões
compulsivos da vida.
Há variações dessa prática, dependendo das aspirações de
um indivíduo. Alguém que busca preparo muscular pode
praticar um processo básico conhecido como surya shakti.
Com essa prática, se alguém alcança certo nível de
estabilidade e domínio sobre o sistema, pode-se introduzir
um processo mais poderoso e espiritualmente significativo
chamado surya kriya. Enquanto o surya namaskar trata de
equilibrar as duas dimensões do Sol e da Lua (ou masculino
e feminino) dentro do sistema humano, o surya kriya trata de
conectar essas duas divisões fundamentais para um
crescimento espiritual adicional.
UM YOGI LENDÁRIO
Raghavendra Rao, o professor do yoga que conheci quando
menino, levava uma vida que seria considerada sobre-humana
pelos padrões convencionais. Era conhecido como Malladihalli
Swami, porque veio da aldeia de Malladihalli, no estado de
Karnataka, no sudoeste indiano.
Ele era conhecido por praticar 1.008 surya namaskars por dia.
Mais tarde, depois de completar 90 anos, reduziu o número para
108 (não porque não fosse capaz, mas porque não havia tempo).
Essa foi a sua prática espiritual.
Além de ser um mestre do yoga, era um maravilhoso médico
ayurvédico, um dos poucos nadi vaidyas – médicos tradicionais
que diagnosticam sua doença sentindo o seu pulso. Ele não só
lhe diria que doença você tinha naquele momento, mas poderia
prever qual doença provavelmente o afligiria nos próximos dez a
quinze anos, e ensinaria as práticas medicinais necessárias. Um
dia por semana, estava disponível em seu ashram como médico
ayurvédico. De onde quer que estivesse, viajaria de volta ao
ashram no domingo à noite para estar lá na segunda de manhã.
Se ele se sentasse às 4 horas da manhã, ficava lá todo o dia até as
7 ou 8 horas da noite. Voluntários apareciam em turnos para
ajudá-lo, mas ele mesmo ficava ali durante todo o dia. Para cada
paciente que chegava, ele tinha uma piada para contar. As
pessoas esqueciam que tinham ido para tratamento. Era mais
uma festa do que uma interação médico-paciente!
Quando tinha cerca de 83 anos, aconteceu o seguinte: em um
domingo, tarde da noite, ele estava em uma estação de trem a
cerca de 75 km de seu ashram. Estava com dois companheiros,
quando descobriram que havia uma greve ferroviária. Isso
significava que não havia trens, e nenhum outro meio de
transporte. Seu compromisso com o trabalho era tamanho que
ele deixou os dois companheiros na plataforma e correu 75 km
durante a noite nos trilhos da ferrovia!
Às 4 horas manhã, estava no ashram, pronto para tratar os
pacientes. As pessoas no ashram nem perceberam que ele havia
corrido. Apenas quando os dois amigos chegaram é que as elas
souberam o que Swamiji tinha feito! Foi assim que incrivelmente
ele viveu até os 106 anos e ensinou yoga até o dia de sua morte. ■
Erro elementar
A vida é um jogo de apenas cinco ingredientes. Até mesmo
uma pizza requer mais ingredientes! Mas no yoga, tanto o
corpo humano quanto o cosmos são baseados na magia de
apenas cinco elementos – terra, água, fogo, ar e éter. Um
fenômeno tão incrivelmente complexo e apenas cinco
variáveis! Não é de surpreender que, frequentemente,
aqueles que alcançaram a autorrealização chamassem a vida
de uma piada cósmica.
Certa vez, quando dirigia depois da meia-noite, me
aproximei de uma montanha. Enquanto seguia em sua
direção, vi que quase metade dela estava em chamas! Não
sou conhecido por fugir do perigo, então continuei dirigindo,
cautelosamente, porque sabia que estava em um carro cheio
de combustível inflamável e tinha minha garotinha no banco
de trás. Estava enevoado e, quanto mais eu subia a
montanha, mais o fogo parecia estar distante. Então percebi
que, embora todo o terreno que vi lá de baixo parecesse estar
em chamas enquanto eu dirigia, não havia nada.
Assim que cheguei ao local real do fogo, vi que um
caminhão havia quebrado. O motorista e alguns outros
haviam acendido uma pequena fogueira por causa do frio.
Quando a névoa atingiu o ponto de orvalho, milhões de
gotinhas no ar, cada uma agindo como um prisma, criaram
uma ilusão fenomenal de que uma pequena fogueira fosse
uma grande conflagração. De baixo, parecia que a montanha
inteira estava em chamas! Esse incidente me deixou
espantado.
A criação é assim, enormemente ampliada. Aqueles que
olharam para dentro de si de perto e atentamente
perceberam que não havia necessidade de olhar para a
versão macro. Todo o Cosmos é só uma projeção ampliada de
uma pequena ocorrência acontecendo dentro de você – o
jogo dos cinco elementos. É tudo que é necessário para fazer
um ser humano vibrante e pleno!
Talvez o seu desejo seja individual, ou talvez seja
universal. Mas se você quer realizar todo o potencial desse
mecanismo humano ou se fundir com o mecanismo cósmico
maior, precisa de certo domínio sobre esses cinco elementos.
Sem isso você não conhece nem o prazer de ser um indivíduo
nem a bem-aventurança de se unir ao cósmico.
Se o seu corpo físico é um trampolim ou um obstáculo em
seu caminho para o bem-estar, depende essencialmente de
como você consegue administrar esses cinco elementos. Se
não cooperarem entre si, nada significativo acontecerá com
você. Mas, com a cooperação deles, sua vida – dos aspectos
básicos aos mais elevados – de repente se torna uma grande
possibilidade.
O corpo é como uma porta de entrada. Se você está
sempre encarando portas fechadas, então para você uma
porta significa um impedimento. Se as portas estão sempre
se abrindo para você, então para você uma porta significa
uma possibilidade. Dizem que um minuto depende
essencialmente de qual lado da porta do banheiro você está!
Os que estão lá dentro dizem: “Só um minuto, estou indo”.
Esse minuto, para a pessoa de fora, é uma eternidade!
De alguma forma, toda prática espiritual no mundo está
relacionada com a organização desses cinco elementos. A
prática mais fundamental no sistema yogi é bhuta shuddhi
– a limpeza dos elementos no sistema físico para que
trabalhem em harmonia. Todas as práticas do yoga são
essencialmente originadas da limpeza desses elementos. A
base da existência individual é, na verdade, a memória, que
penetra profundamente neles. Limpar os elementos das
tendências compulsivas que se infiltram no indivíduo como
resultado da memória mental, genética, evolutiva e kármica
ajuda a trazer uma sensação de harmonia absoluta entre o
indivíduo e o cosmos. (Observaremos o papel da memória
com mais abrangência em um capítulo posterior.)
Quando você atinge um nível de conhecimento em sua
prática do yoga, você aborda o que é chamado de bhuta
siddhi, ou domínio sobre os elementos. Com esse domínio, a
vida oferece sua dádiva a você. Saúde, bem-estar, clareza,
iluminação – nadadisso lhe pode ser negado.
Então, se você experimenta a vida como uma grande
possibilidade ou uma grande barreira, depende
simplesmente de quanto esses cinco elementos cooperam
com você. Liberdade e servidão – ambas são determinadas
por esses cinco elementos. A própria existência que o
aprisiona também o sustenta. Esse é o paradoxo do processo
da vida. Amor e ódio, liberdade e aprisionamento, vida e
morte são todos encapsulados um no outro. Se fossem
separados, não haveria problema; você poderia lidar com
eles. O problema é que são inextricáveis. Se você tentar
evitar a morte, acabará evitando a vida.
Na Índia antiga, havia cortesãs que eram mestras na arte
da sedução. Usavam joias elaboradas que pareciam
impossíveis de remover. Todo o corpo era coberto de
ornamentos. Se você tivesse que tirá-los um a um, levaria
muito tempo. O homem, excitado pela luxúria, ia querer
despir essa mulher, mas era em vão. Ela continuaria
encorajando-o com mais substâncias tóxicas – um pouco
mais, um pouco mais e um pouco mais. Quando sua visão
ficava embaçada, sua tarefa ficava ainda mais difícil, e ele
acabava caindo no sono, roncando. Mas havia apenas um
alfinete; bastava puxar esse alfinete e tudo cairia. Desse
truque só ela sabia.
A vida é um pouco assim. É uma teia complexa, mas há
um alfinete simples. E é a sua identidade. O jogo dos cinco
elementos é altamente evoluído e complicado, mas a chave
para a liberdade é a sua personalidade limitada. Se você
puxar o plugue, ela simplesmente se desconecta e você está
livre. Se você sabe como se deixar levar, a complexidade da
vida sai de cena e tudo se resolve. A simplicidade do
alinhamento perfeito com a existência é subitamente sua.
Sadhana
A coisa mais simples que você pode fazer para mudar a
saúde e a estrutura fundamental de seu corpo é tratar os
cinco elementos com devoção e respeito. Apenas tente isso.
Toda vez que estiver conscientemente em contato com
qualquer um dos elementos (você está em todos os
momentos de sua vida), faça uma tentativa consciente de se
referir a ele nos termos do que você considera ser o ideal
supremo ou mais elevado de sua vida, seja Shiva, Rama,
Krishna, Deus, Alá (ou até mesmo Marx!). Neste momento,
você é um ser psicológico, e sua mente está cheia de
hierarquia. Esse processo acabará com a hierarquia. Depois
de algum tempo, a palavra pode desaparecer. Mas você logo
vê a mudança conforme aumenta a quantidade de
momentos verdadeiramente conscientes em sua vida. O ar
que você respira, a comida que você come, a água que você
bebe, a terra sobre a qual você anda, e o próprio espaço em
que você está – cada um deles lhe oferece uma possibilidade
divina.
REVERENCIANDO OS ELEMENTOS
No sul da Índia, cinco grandes templos foram construídos para
cada um dos cinco elementos. Esses templos foram criados não
para adoração, mas para facilitar um tipo específico de prática
espiritual.
Para limpar o elemento água, você iria a um templo particular
e faria um tipo de prática. Para limpar o elemento ar, você iria a
outro. Dessa forma, cinco templos maravilhosos foram criados
para cada um dos elementos, infundidos com o tipo de energia
que auxiliava um tipo particular de prática espiritual.
Tradicionalmente, os buscadores viajavam de um templo para
outro, a fim de serem iniciados em práticas que lhes
possibilitassem dominar os elementos e alcançar a cura, o bem-
estar e até a transcendência.
Esses cinco templos foram construídos para funcionar como
um só sistema. Era uma técnica fenomenal. Aqueles que
conheciam a prática espiritual adequada poderiam utilizá-la.
Aqueles que não a conheciam poderiam se beneficiar apenas por
viver naquela região. Os templos ainda existem, e mesmo aqueles
que não entendem seu significado energético se maravilham com
essas magníficas obras de arquitetura. ■
Quando a merda bate no teto
Um dia, na corte, aconteceu que o imperador Akbar
perguntou: “O que você acha que dá mais prazer a uma
pessoa?”.
Houve um coro de respostas. Um cortesão respondeu:
“Servir a Deus é o maior prazer, Vossa Alteza”.
Há sempre muitos bajuladores em torno dos imperadores.
Então alguém disse: “Ah, meu senhor, servir-lhe é o maior
prazer que posso conceber!”.
Um terceiro cortesão falou: “Apenas olhar para o seu
rosto é a maior alegria!”.
A hipérbole jorrou. Birbal, o sábio, ficou sentado ali,
entediado.
Akbar perguntou: “Birbal, o que o faz tão silencioso? O
que dá a você o maior prazer?”.
Birbal disse: “Cagar”.
Até aquele momento, Akbar estava se sentindo ótimo com
toda a bajulação e adoração. Então ficou bravo. E disse: “Por
expressar essa obscenidade na corte, é melhor que o prove.
Se não puder provar, sua vida está em risco”.
Birbal pediu: “Dê-me quinze dias, Vossa Alteza. E lhe
provarei”.
Akbar disse: “Tudo bem”.
No fim de semana seguinte, Birbal organizou uma viagem
de caça para Akbar na floresta e garantiu que todas as
mulheres do palácio também viajassem na expedição. Ele
montou o acampamento de forma que a tenda de Akbar
estivesse no centro. Ao redor, colocou as famílias, mulheres
e crianças. Ele disse ao pessosal da cozinha para produzir a
melhor comida. Eles produziram as mais seletas iguarias e
Akbar comeu bem. Afinal, estava em férias.
Na manhã seguinte, quando se levantou e saiu, viu que
não havia tenda de banheiro. Voltou à própria tenda e andou
de um lado para o outro, mas a pressão estava aumentando.
Tentou entrar na floresta, mas Birbal se assegurou de que as
mulheres estivessem por todo lugar.
A pressão era acumulada a cada minuto. Era quase meio-
dia, e Akbar não aguentava mais. Estava prestes a explodir.
Birbal, que assistia a toda essa cena, continuava andando por
ali, murmurando: “Tenda do banheiro, onde colocá-la, onde
colocá-la?”. Ele estava apenas criando confusão e
retardando um pouco mais as coisas.
O imperador estava cheio de merda, e no último minuto
conseguiram montar a tenda do banheiro. Akbar entrou e
gemeu de alívio. Então Birbal, que esperava por ele do lado
de fora da tenda, perguntou: “Você concorda comigo
agora?”.
Akbar disse: “É o maior prazer”.
Ser aliviado de algo que você não pode manter dentro de
si é sempre o maior prazer, não é? Não importa o que seja!
Então, o corpo pode se tornar um problema. Um grande
problema. Uma barreira entre você e seu desfrutar da vida.
Se você quer manter o corpo de determinada maneira, é
importante prestar atenção às suas várias atividades, em
relação à comida, ao sono e ao sexo. Observaremos cada um
deles nas próximas páginas.
Sadhana
É importante não ficar comendo durante o dia. Se você tem
menos de 30 anos, três refeições por dia se encaixam bem
em sua vida. Se tem mais de 30 anos, é melhor reduzir para
duas refeições por dia. Nosso corpo e nosso cérebro
funcionam melhor quando o estômago está vazio. Portanto,
esteja consciente de comer de forma que, em duas horas e
meia, sua comida saia do estômago, e, de doze a dezoito
horas, esteja completamente fora do sistema. Com essa
simples consciência, você experimentará muito mais
energia, agilidade e atenção. Esses são os ingredientes de
uma vida bem-sucedida, independentemente do que você
escolher fazer com ela.
Alimento como combustível
Seu corpo físico é apenas um acúmulo de comida. O yoga
presta muita atenção à comida porque o tipo de comida que
você coloca no sistema tem um enorme impacto no tipo de
corpo que você construiu. Há toda uma ciência do yoga por
trás do que comer, como comer e quando comer. O tipo de
coisa que você coloca no corpo determina a qualidade de o
quanto ele está confortável consigo mesmo.
Você está preparando o corpo para correr tão rapidamente
quanto um guepardo? Ou para carregar 90 quilos? Ou para
que se torne propício a possibilidades meditativas mais
elevadas? Você precisa comer o tipo certo de alimento de
acordo com sua inclinação e com o que você quer da sua
vida.
A maneira como você come não só decide sua saúde
física, mas a formacomo você pensa, sente e experimenta a
vida. Tentar comer de modo inteligente significa entender
para que tipo de combustível esse corpo é projetado e,
portanto, supri-lo, para que funcione da melhor forma.
Digamos que você comprou um carro a gasolina, mas o
abasteceu com diesel. Ele ainda pode se mover, mas não
funcionará em sua capacidade ideal, e seu tempo de vida
também será substancialmente reduzido. Da mesma forma,
se não entendermos para que tipo de combustível este corpo
é projetado, se simplesmente forçarmos o que vier ao nosso
prato em nossos sistemas, ele definitivamente não
funcionará em sua capacidade ideal, e sua longevidade
poderá ser seriamente comprometida. A compatibilidade do
combustível e da máquina é de grande importância se você
está buscando certo ajuste de capacidade.
Para que tipo de alimento o sistema humano é realmente
projetado?
Se você come certos alimentos, o corpo fica bem-
aventurado. Se comer outros alimentos, o corpo ficará
entorpecido e letárgico, e sua cota de sono aumentará. Se
você dorme oito horas por dia e vive cem anos, passou um
terço da vida dormindo! Outros 30% a 40% são gastos em
comida, banheiro e outras abluções. Sobra muito pouco
tempo para a vida!
Você se alimenta para ter energia, mas, se faz uma
grande refeição, sente-se enérgico ou letárgico? Dependendo
da qualidade da comida ingerida, primeiro você sente
letargia e, lentamente, começa a sentir energia.
Por que é assim?
Um aspecto é o fato de que seu sistema não pode digerir a
comida cozida como ela é; precisa de certas enzimas para
isso. As enzimas necessárias ao processo digestivo não estão
todas presentes no corpo; a comida que você come também
contém essas enzimas. Quando você cozinha a comida, de
80% a 90% das enzimas são destruídas. Então o corpo luta
para reconstituir essas enzimas destruídas. As enzimas
destruídas no cozimento nunca podem ser totalmente
reconstituídas, então, em geral, para a maioria dos seres
humanos, cerca de 50% dos alimentos que comem se
tornam refugo.
Outro aspecto é o estresse sobre o sistema. O corpo tem
que processar toda essa comida para obter apenas uma
pequena cota de energia para sua atividade diária. Se
comêssemos alimentos com as enzimas necessárias, o
sistema estaria funcionando em um nível completamente
diferente de eficiência e a taxa de conversão de alimento em
energia seria muito diferente. Comer alimentos naturais, em
seu estado cru, quando as células ainda estiverem vivas,
trará uma enorme sensação de saúde e vitalidade ao sistema.
Pode-se facilmente fazer uma experiência com isso. Não
pergunte ao seu médico, nutricionista ou professor do yoga.
Quando se trata de comida, é com o corpo. Pergunte ao corpo
com que tipo de comida ele se sente mais confortável, não à
língua. O tipo de comida com que seu corpo se sente mais
confortável é sempre o alimento ideal para comer. Você deve
aprender a escutar seu corpo. À medida que sua consciência
corporal evolui, você saberá exatamente o que determinada
comida fará a você. Nem mesmo precisa colocá-la na boca.
Você pode desenvolver esse tipo de sensibilidade elevada, em
que apenas olhar ou tocar a comida será o bastante para que
saiba o impacto potencial em seu sistema.
Sadhana
Você pode experimentar: organize a melhor refeição
possível, fique zangado com alguma coisa, amaldiçoe o
mundo inteiro, depois coma. Você verá nesse dia como a
comida se comporta dentro de você. Na refeição seguinte,
aproxime-se de sua comida com a reverência que o material
que constrói a vida merece e então coma. Verá agora como
ela se comportará dentro de você. (É claro que, se você for
sensato, ignorará o primeiro e fará apenas o segundo!)
A maioria das pessoas pode reduzir a quantidade de
comida para um terço do que come e ter mais energia sem
perder peso. É apenas uma questão de quanta receptividade
você criou dentro de si. Consequentemente, seu corpo
recebe. Se você consegue realizar a mesma quantidade de
trabalho, manter todos os processos corporais, com 30% da
comida que você come, definitivamente significa que você
está conduzindo uma máquina muito mais eficiente.
EM UMA CASTANHA
O valor prânico de todas as sementes é imenso, porque elas
representam a vida concentrada. É muito diferente de seu
enorme valor nutricional. O que você denomina de castanha é
essencialmente uma semente, e uma semente é uma
possibilidade maravilhosa. Uma semente é o futuro da vida de
uma planta. Uma única semente é capaz de tornar toda a Terra
verde. Consequentemente, consumir qualquer coisa na forma de
sementes pode melhorar muito a saúde humana em diversos
níveis.
Sempre que possível, mergulhe as castanhas que você
pretende consumir na água durante seis a oito horas,
especialmente se forem castanhas secas. Todas as sementes têm
uma proteção química natural. A imersão em água expulsará
essas substâncias tóxicas e as levará para a superfície, e elas
poderão ser eliminadas ao tirar a pele das castanhas. Além disso,
encharcá-las ajuda a reduzir o teor concentrado de proteína, que
às vezes as torna difíceis de digerir. ■
Cozinha do inferno
Há um debate em andamento entre os defensores do
vegetarianismo e do não vegetarianismo. Muitas vezes me
perguntam qual é o melhor.
Os vegetarianos são muitas vezes inclinados a agir de
forma condescendente, enquanto os não vegetarianos
frequentemente afirmam que são mais robustos e adequados
ao mundo, já que estão dispostos a incluir todas as espécies
do planeta em seu cardápio. Grandes filosofias evoluíram
com base em escolhas alimentares.
No yoga, não há absolutamente nada religioso, filosófico,
espiritual ou moral sobre a comida que comemos. É apenas
uma questão de saber se a comida é compatível com o tipo
de corpo que possuímos.
Essa compatibilidade depende de vários fins. Se ser
grande é sua maior aspiração, certos tipos de alimentos
precisam ser consumidos. Se você quer um corpo que
suporte determinado nível de inteligência, ou se quer um
corpo com certo nível de vigilância, consciência e agilidade,
outros tipos de alimentos devem ser consumidos. Se você
não é alguém que se contentará apenas com a saúde e os
prazeres da vida, mas quer um corpo perceptivo o bastante
para fazer o download do Cosmos, precisará comer de forma
muito diferente. Dependendo de sua aspiração, você terá,
portanto, que gerenciar sua dieta. Se suas aspirações
envolverem todas essas dimensões, você terá que encontrar
um equilíbrio adequado.
Deixando de lado nossos objetivos e aspirações pessoais,
para que tipo de combustível o corpo é projetado? Isso é algo
a que todos nós devemos prestar atenção primeiro. As
modificações, os ajustes e as adaptações da dieta devem vir
depois. Se é simplesmente uma questão de sobrevivência
básica, coma o que quiser. No entanto, uma vez que se cuida
da sobrevivência e há uma escolha, é importante que você
coma conscientemente e seja conduzido não pela compulsão
da língua, mas pelo projeto essencial de seu corpo.
No reino animal, você pode em grande parte classificar os
animais como herbívoros e carnívoros – aqueles que comem
matéria vegetal e aqueles que consomem carne ou são
predadores de outros animais. Entre essas duas categorias de
criaturas, há diferenças fundamentais no projeto e na
construção dos sistemas físicos. Como nosso foco é a
comida, exploraremos os sistemas digestivos de cada um.
Todo o tubo digestivo é um trato digestivo do lábio à saída
anal. Se você viajar por esse tubo, encontrará diferenças
fundamentais entre herbívoros e carnívoros. Considere
algumas diferenças significativas.
Para começar, você descobrirá que carnívoros só são
capazes de uma ação de corte com as mandíbulas, mas
herbívoros são capazes de ações de corte e trituração. Nós,
seres humanos, temos ações de corte e trituração.
Qual é a razão para essa diferença de projeto?
Suponha que pegue um pouco de arroz cru e o coloque na
boca por um minuto ou mais; você notará queele fica doce.
Essa doçura acontece porque, na sua boca, carboidratos são
convertidos em açúcar (uma parte essencial do processo
digestivo) por uma enzima chamada ptialina, que está em
sua saliva. A ptialina está presente na saliva de todos os
herbívoros, mas não nos carnívoros. Assim, os carnívoros só
têm que cortar a comida em pedaços menores e engoli-la,
enquanto os herbívoros precisam mastigá-la. Mastigação
envolve trituração e, em seguida, misturar completamente a
comida com a saliva; daí a modificação do projeto na
mandíbula.
Se a mastigação acontecer corretamente, cerca de 50% do
seu processo digestivo estará terminado na boca. Em outras
palavras, a região do estômago considera que o alimento
parcialmente digerido completará o processo com eficiência.
Na vida moderna, temos tanta pressa que engolimos nossos
almoços sem que a comida seja adequadamente mastigada.
O estômago é sobrecarregado não só com comida não
digerida, mas também com comida parcialmente destruída.
As cozinhas atuais se tornaram lugares em que a comida é
eficientemente destruída. Alimentos nutritivos e cheios de
vida são sistematicamente degradados pelo processo de
cozimento, que esgota seu valor nutricional e em grande
parte elimina seu valor prânico (sua capacidade de ser
espiritualmente favorável).
Em seguida, se você olhar para o comprimento do tubo
digestivo de um herbívoro, verá que ele tem, geralmente, de
cinco a seis vezes o comprimento do corpo. Em um
carnívoro, varia de duas a três vezes o comprimento do
corpo. Para simplificar, carnívoros têm canais alimentares
distintamente mais curtos do que herbívoros, e essa
diferença indica de modo claro que tipo de alimento cada
espécie deve consumir.
Se você come carne crua, ela leva entre setenta e setenta e
duas horas para passar pelo seu sistema; carne cozida leva
de cinquenta a cinquenta e duas horas; vegetais cozidos, de
vinte e quatro a trinta horas; legumes crus, de doze a quinze
horas; frutas, de uma hora e meia a três horas.
Se você mantiver carne crua ao ar livre de setenta a
setenta e duas horas, haverá putrefação – um pedacinho de
carne pode expulsá-lo de sua casa! A putrefação ocorre
muito rapidamente no verão, quando a temperatura e a
umidade são favoráveis. Seu estômago é sempre um lugar
tropical, e, se a carne fica ali por até setenta e duas horas, o
nível de putrefação é muito alto. Essencialmente, significa
que há atividade bacteriana excessiva, e seu corpo deve
gastar muita energia para conter o nível bacteriano, de modo
que não cruze a linha que separa a saúde da doença.
Se você visitar um amigo doente no hospital, certamente
não lhe levará uma pizza ou um bife. É mais provável que
leve frutas. Se estivesse na selva, qual seria a primeira coisa
que comeria? Definitivamente, frutas. (Lembre-se de que até
mesmo Adão comeu uma maçã, embora saibamos o
problema que isso o levou a enfrentar!) Então, viriam raízes,
matar um animal, cozinhar e cultivar. A fruta é o alimento
mais facilmente digerível, e todos os seres humanos sabem
disso instintivamente.
A maioria dos animais carnívoros não come todos os dias
– definitivamente, não três vezes ao dia! Eles sabem que a
comida que comem se move muito lentamente em seus
tratos. Dizem que um tigre come uma vez a cada seis ou oito
dias. Ele é ágil e ronda quando está com fome, come uma
robusta refeição de 25 kg de carne de uma só vez, e então
dorme ou anda preguiçosamente de um lado para o outro.
Uma cobra come 60% do próprio peso corporal em uma
única refeição, e come apenas uma vez a cada doze ou
quinze dias. Os pigmeus da região da África Central
costumavam caçar elefantes, comer seus órgãos e carne crua
e beber o sangue fresco. Dizem que dormiam depois desse
tipo de refeição por mais de quarenta horas seguidas. Mas, à
medida que os estilos de vida mudam e se tornam mais
urbanos e sedentários, fica evidente que os seres humanos
não podem manter essas práticas. Você certamente não pode
se dar ao luxo desse estilo de vida. Tem que comer todos os
dias e descansar em horários específicos, porque seu tubo
digestivo é semelhante ao dos herbívoros.
O DEBATE DA PROTEÍNA
Hoje se coloca muita ênfase na ingestão de proteínas. É
importante entender que elas compõem apenas 3% do nosso
corpo e que seu consumo em excesso pode causar câncer. A carne
é rica em proteínas. Uma porção muito pequena da carne
consumida pode satisfazer a exigência de proteína humana. A
porção remanescente, que viaja muito lentamente pelo tubo
digestivo, leva a uma variedade de problemas, como atividade
bacteriana excessiva, aumento da cota de sono, aumento dos
níveis de inércia no corpo e diminuição da regeneração celular.
Por sua vez, tudo isso se manifesta como uma queda na
sensibilidade da percepção. É nesse contexto que a carne tem
sido considerada espiritualmente desfavorável, pois o processo
espiritual trata essencialmente de melhorar a percepção da
pessoa além das limitações do físico. ■
Drama digestivo
Outro aspecto da digestão é que, para digerir certo tipo de
alimento, o sistema humano produz álcali, e, para digerir
outro tipo de alimento, gera ácido. Se você consome uma
mistura de alimentos, o estômago fica confuso e produz
tanto ácidos quanto álcalis, que se neutralizam e fazem com
que os sucos gástricos percam a eficiência. Assim, a comida
permanece no estômago por mais tempo do que o necessário
e enfraquece nossa capacidade de rejuvenescer no nível
celular.
Isso também causa o que chamamos de tamas, ou inércia,
no sistema energético, que durante algum tempo alterará a
própria condição de quem você é e prejudicará a condição de
quem você poderia ser. No sul da Índia, as pessoas
tradicionalmente tomavam cuidado para nunca misturar
certos alimentos. No entanto, hoje, a comida já não tem a
ver com o bem-estar do corpo, mas com um tema social. As
pessoas comem em bufês, e a variedade e a quantidade de
pratos servidos são consideradas mais importantes do que
nutrir a saúde e a vida do corpo.
A questão não é sobre o que não comer, mas sobre o que e
quanto comer. Não é uma questão moral; é uma questão de
sentido de vida. Ao batalhar a vida na cidade, você precisa de
uma mente ágil e ativa, e de equilíbrio físico e mental. E
alguns de vocês até têm aspirações espirituais – mesmo que
seja só de vez em quando! Então, todo indivíduo deve chegar
ao próprio equilíbrio de dieta, não por ter feito juramentos,
mas por observação e consciência.
É importante não transformar a comida em uma
obsessão. A comida nunca deve se tornar um assunto
arrebatador. Cada criatura no planeta sabe o que comer e o
que não comer. Então, qual é o problema humano? O
problema humano é não ter atenção suficiente, mas muita
informação.
A ciência do yoga trabalha essencialmente com a
interioridade do ser humano. De sua profunda compreensão
da ciência do mecanismo humano, essa ciência se ramificou
em vários sistemas. Uma das consequências foi o sistema de
Ayurveda, que está se tornando cada vez mais popular nos
tempos modernos. A palavra ayur, em sânscrito, significa
“tempo de vida”, e a palavra veda significa “ciência” ou
“conhecimento”. Assim, o Ayurveda é a ciência de estender
o tempo de vida humano. É um sistema que utiliza vida
vegetal externa e elementos da terra para promover a saúde
e corrigir irregularidades sistêmicas. Sistemas de
conhecimento como esses foram planejados para ajudar
aqueles que são incapazes de fazer a prática necessária do
yoga para alcançar os mesmos fins.
Sadhana
O consumo de uma colher de manteiga clarificada (ghee)
diariamente alguns minutos antes de uma refeição faz
maravilhas pelo sistema digestivo. Se você come manteiga
clarificada com açúcar, como em doces, ela é digerida e se
transforma em gordura. Mas a manteiga clarificada sem
açúcar pode limpar, curar e lubrificar o tubo digestivo. Além
disso, a limpeza do cólon logo se manifestará como brilho e
vitalidade em sua pele. Mesmo aqueles quepreferem não
consumir produtos lácteos podem experimentar isso,
porque a manteiga clarificada passa pelo sistema em grande
parte sem ser digerida.
CÓDIGO EVOLUTIVO
Se você tem que comer comida não vegetariana, o melhor seria
peixe. Primeiro, é facilmente digerível com valores nutricionais
muito elevados. Segundo, é o que lhe deixa menos marcas.
O que isso significa?
Nossos corpos – tudo que comemos, excretamos e o que
acaba sendo cremado ou enterrado – são apenas terra. O
so�ware dentro de seu sistema determina que, se você comer
uma fruta, ela será transformada no corpo humano, e não em um
macaco ou um rato. A eficiência de seu sistema remove o outro
so�ware que transformou a terra em uma fruta e chega a um
novo so�ware que transformará uma fruta em uma forma
humana. Para criaturas mais evoluídas, particularmente
mamíferos, o so�ware é mais distinto e individualizado. Isso
torna mais difícil para o seu sistema de quebra de código apagar
o so�ware da criatura que você consome e substituí-lo por um
novo so�ware.
Entre os animais, o peixe, sendo uma das primeiras formas de
vida neste planeta, tem o código de so�ware mais fácil para o
nosso sistema quebrar e integrar a nós mesmos. Animais com
mais inteligência, especialmente aqueles que são capazes de
uma variedade de emoções (como vacas ou cachorros), manterão
os próprios sistemas de memória. Em outras palavras, somos
incapazes de integrar completamente criaturas mais evoluídas,
inteligentes e dotadas de emoção em nossos sistemas.
Nos tempos antigos, em comunidades que estavam mais em
sintonia com a Terra, as pessoas podiam caçar e comer animais e
resolver as consequências por meio de um volume enorme de
atividade física. No entanto, dada a vida em grande parte
sedentária que as pessoas levam hoje, a acidez produzida por
essa dieta pode contribuir muito para os inexplicáveis níveis de
estresse que estão sendo amplamente experimentados. Além
disso, os grandes animais, particularmente as vacas, estão
cientes de seu abate iminente bem antes de acontecer.
Consequentemente, experimentam altos níveis de estresse, que
geram enorme quantidade de conteúdo ácido em seus sistemas.
Por sua vez, isso tem seu próprio efeito adverso sobre aqueles
que depois consomem a carne. ■
Sentido gastronômico
Se você observar o ciclo natural do corpo, descobrirá que há
algo chamado mandala. Uma mandala é um ciclo de quarenta
a quarenta e oito dias pelo qual o sistema humano passa. Em
cada ciclo, haverá três dias em que seu corpo não precisa de
comida.
Se estiver consciente de como seu corpo funciona, você se
tornará consciente de que em determinado dia o corpo não
precisa de comida. Sem esforço, você consegue ficar sem
comer nesse dia. Até cachorros e gatos têm essa consciência;
em determinado dia, muitas vezes preferem não comer.
O dia em que o sistema diz “sem comida” é um dia de
limpeza. Como a maioria das pessoas não sabe que dia é
esse, ele, chamado de Ekadashi, foi fixado no calendário
indiano. Ekadashi é o décimo primeiro dia do segmento
lunar e ocorre a cada catorze dias. É tradicionalmente
considerado como o dia do jejum. Se algumas pessoas não
conseguem ficar sem comida porque seus níveis de atividade
a exigem, ou se não têm a prática espiritual adequada para
apoiá-las, podem optar por fazer uma dieta de frutas.
Se você se forçar a jejuar sem preparar suficientemente o
corpo e a mente, só causará danos à sua saúde. Mas se seu
corpo, sua mente e sua energia estão devidamente
preparados com as práticas necessárias, então o jejum pode
ser muito benéfico para você.
As pessoas que consomem constantemente nicotina e
cafeína descobrirão que o jejum pode se tornar muito difícil.
Portanto, antes de jejuar, prepare o corpo consumindo o tipo
certo de alimento, principalmente alimentos ricos em água,
como frutas e legumes. Jejum pode não ser uma coisa boa
para todos, mas traz muitos benefícios se for realizado com
o devido entendimento.
Todo o objetivo e empenho do yoga é abrir o casulo do
corpo físico ao corpo sensorial maior, em que você
experimenta tudo como uma parte de si. O jejum é uma
extensão dessa lógica: uma forma de se nutrir sem qualquer
ingestão ativa. Atualmente, pode ser feito como um processo
de desintoxicação, mas esse é o argumento interno. É por
isso que cada tradição espiritual do mundo fixou um período
de jejum para seus adeptos. Na tradição yogi, ele foi fixado
segundo o ciclo lunar, pois sua capacidade de assimilar
energia da água, do ar e da luz solar é maior em certos dias
desse ciclo. Em algumas religiões, o período de jejum foi
fixado no auge do verão, quando o consumo de água e sol
pelo sistema humano seria naturalmente alto.
Minha bisavó, uma senhora maravilhosa, muitas vezes
considerada excêntrica por quem não a conhecia bem,
distribuía com frequência a sua comida para formigas e
pardais. Lágrimas de bem-aventurança escorriam por seu
rosto enquanto o fazia. As pessoas ao redor diziam: “Por que
você não come, velha?”. Ela simplesmente respondia: “Estou
cheia”. Mas todos esses conselheiros morreram muito antes
dela. Ela perdurou e morreu na incrível idade de 113 anos!
Minha mãe também costumava fazer isso: todos os dias,
antes de tomar o café da manhã, pegava um punhado dele e
ia procurar formigas para alimentar. Só então comia. Esta é
uma tradição entre as mulheres em muitas famílias. Uma
formiga é a menor entidade viva que você pode ver ao seu
redor, o organismo mais inconsequente em que pode pensar.
Então, por essa mesma razão, você a alimenta primeiro.
Você faz uma oferenda à menor criatura que conhece, não
aos deuses ou a outras criaturas celestes. Este planeta
pertence a elas tanto quanto pertence a você. Você
compreende que cada criatura neste planeta tem o mesmo
direito de viver que você. Essa percepção pode ajudar a criar
uma atmosfera favorável, mental e fisicamente, para que a
consciência cresça.
Um ato simples como esse o liberta de sua identificação
com o corpo físico. À medida que você se torna menos corpo,
a percepção das outras dimensões de quem você é
naturalmente aumenta. Quando você está com muita fome,
tudo que seu corpo quer fazer é comer. Espere apenas dois
minutos; você descobrirá que fará uma grande diferença.
Quando está com muita fome, você é o corpo. Dê um pouco
de espaço, e de repente você não é só um corpo.
Gautama, o Buda, chegou ao ponto de dizer: “Quando
você está precisando muito de comida, se der sua comida a
outra pessoa, ficará mais forte”. Não irei tão longe com
você; digo apenas: espere alguns minutos! Isso o deixará
definitivamente mais forte.
Se você é muito compulsivo com comida, é bom deixa
passar uma refeição. Tente fazer assim: em um dia em que
estiver especialmente faminto e alguns de seus pratos
favoritos estiverem sendo preparados, tente pular uma
refeição. Isso não é se torturar; é apenas uma forma de se
libertar da câmara de tortura que seu corpo pode facilmente
se tornar.
O tipo de comida que você come, quanto come e como
come o transferem de um padrão compulsivo para um
processo consciente: essa é a essência do jejum.
Sadhana
Apenas experimente. Comece hoje com 25% de alimentos
naturais, crus ou vivos – frutas ou legumes – e, lentamente,
chegue a 100% em cerca de quatro ou cinco dias. Mantenha-
se assim por um ou dois dias, e reduza em 10%, e em outros
cinco dias você chegará a 50% de comida crua, 50% de
comida cozida. Esse é o ideal para a maioria das pessoas que
desejam estar ativas de dezesseis a dezoito horas por dia.
Se você comer alimentos cozidos, lembre-se de que
poderá levar quinze minutos para concluir uma refeição. Se
come comida crua, leva um pouco mais de tempo para
comer a mesma quantidade de comida, porque tem que
mastigar um pouco mais. Mas a natureza do corpo é tal que,
depois de quinze minutos, ele lhe dirá que sua refeição
acabou. Então as pessoas tendem a comer muito menos e a
perder peso. Só é preciso ter um pouco maisde consciência
de quanto você está comendo.
Da inquietação ao repouso
O fato de você dormir à noite faz pouca diferença entre suas
manhãs e noites. O que faz a diferença é o nível de
relaxamento que o sono traz. Se você conseguisse
permanecer relaxado enquanto realiza as atividades diurnas,
seria à noite a mesma pessoa, em termos de energia e
entusiasmo, que é de manhã.
Se você acorda revigorado, é um bom começo, mas ao
longo do dia, lentamente, conforme seus níveis de
relaxamento se reduzem, você começa a se sentir estressado.
O estresse não é por causa do trabalho – é importante
lembrar. Todos acham que o trabalho é estressante. Nenhum
trabalho é estressante. Há muitos trabalhos que podem
apresentar situações desafiadoras. Pode haver chefes
desagradáveis, colegas inseguros, reuniões de emergência,
prazos impossíveis – ou você pode até estar em meio a uma
zona de guerra! Mas essas coisas não são inerentemente
estressantes. É nossa reação compulsiva às situações em que
somos colocados que causa estresse. O estresse é um nível de
atrito interno. Pode-se facilmente lubrificar o mecanismo
interno com alguma quantidade de trabalho interno e
percepção. Então, é a sua incapacidade de lidar com seu
próprio sistema que o estressa. De alguma forma, você não
sabe como lidar com seu corpo, sua mente e suas emoções;
esse é o problema.
Então, como manter seu sistema livre de estresse para
que você permaneça, seja de manhã ou à noite, no mesmo
nível de entusiasmo, relaxamento e bem-aventurança?
O batimento cardíaco de uma pessoa comum com o
estômago vazio seria mais ou menos entre 70 e 80 por
minuto. Em uma pessoa que faz o tipo certo de prática
meditativa, você verá que o batimento varia por volta de 30 a
40. Mesmo depois de um bom almoço, ficaria perto dos 50.
Esse é apenas um parâmetro que indica o nível de repouso
que seu corpo experimenta a cada momento. O repouso
define essencialmente a capacidade de reabastecimento e
rejuvenescimento do corpo.
Você não pode desacelerar seu sistema ao custo da
atividade. É necessário mantê-lo de forma que a atividade
não o sobrecarregue. Talvez você fique fisicamente exausto,
mas não precisa se estressar. Se você consegue ser
vibrantemente ativo e ainda assim relaxado, vale a pena. Se
iniciar algumas práticas simples do yoga, em três ou quatro
meses sua pulsação diminuirá pelo menos de oito a 20
pontos com muita facilidade. Isso significa que o corpo está
funcionando com muito mais eficiência e em um ritmo
relaxado.
O corpo não precisa do sono, mas de repouso. Se você
mantiver o corpo muito relaxado durante o dia, sua cota de
sono diminuirá naturalmente. Se trabalhar, dar uma
caminhada ou se exercitar também for relaxamento para
você, sua cota de sono diminuirá ainda mais.
Neste momento, as pessoas querem fazer tudo da forma
mais difícil. Vejo pessoas caminhando no parque em um
estado de tensão. Se você caminha ou corre, por que não
pode fazê-lo com tranquilidade, com alegria? Esse exercício
poderá lhe causar mais danos do que bem-estar, porque
você está indo para ele como se estivesse indo para a
batalha!
Não lute contra a vida. Você não é antivida; você é vida.
Basta entrar em sintonia com ela e verá que a atravessará
facilmente. Manter-se em forma e bem não é uma batalha.
Faça alguma atividade de que goste: pratique um esporte,
nade, caminhe, corra. Se você não gosta de fazer nada além
de comer cheesecake o dia inteiro, então você tem um
problema! Caso contrário, não há incompatibilidade entre
estar ativo e relaxado ao mesmo tempo.
De quanto sono o seu corpo precisa? Depende do nível de
atividade física em que você está envolvido. Não há
necessidade de fixar a cota de alimentação ou sono.
Programar as calorias que você deve consumir e o número de
horas que deve dormir é uma maneira tola de lidar com a
vida. Deixe o corpo decidir quanto deve comer hoje, não
você. Hoje seus níveis de atividade são baixos, então você
come menos. Amanhã sua atividade é alta, então come mais.
O mesmo acontece com o sono: quando se sente
suficientemente relaxado, você acorda. No momento em que
o corpo está descansado, ele desperta – seja às 3, 4 ou 8
horas. Quando se trata de comida e sono, seu corpo é o
melhor juiz.
Se o corpo estiver em certo nível de vigilância e
consciência, você verá que, quando estiver bem descansado,
ele despertará – ou seja, se estiver ávido por voltar à vida. Se
ele de alguma forma estiver tentando usar a cama como
túmulo, então é um problema. Mantenha o corpo de forma
que ele não deseje fugir da vida ou evitá-la. Mantenha-o de
forma que anseie despertar.
Sadhana
Se você dorme sem travesseiro ou com um travesseiro muito
baixo, que não deixa que a coluna fique comprimida, a
regeneração neuronal do cérebro e a regeneração celular do
sistema neurológico serão muito melhores. Se dorme sem
travesseiro, é melhor deitar de costas em posição supina, em
vez de ficar de lado. No yoga, deitar nessa posição chama-se
shavasana: aumenta a purificação e o rejuvenescimento do
corpo, e promove o livre fluxo de movimento no sistema
energético, trazendo relaxamento e vitalidade. Mas não há
razão para ser dogmático sobre isso. (Pelo menos enquanto
dorme, não tome uma posição!)
Do carnal ao cósmico
A existência é uma dança entre o não manifesto e o
manifesto. Quando há uma manifestação, há dualidade: luz e
escuridão, masculino e feminino, nascimento e morte, e
assim por diante. Embora a unidade seja a estrutura básica
da criação, a dualidade traz textura, forma e cor à vida.
Todas as muitas manifestações que você vê como vida estão
fundamentalmente enraizadas na dualidade. Porque há dois,
há muitos. Se houvesse apenas um, não haveria existência.
Uma vez que há dois, o jogo da vida começa.
Quando a dualidade começa, o sexo começa. O que
chamamos de sexo são duas partes dessa dualidade se
esforçando para se tornar uma. No processo de encontro
dessas dualidades, há também certas funções que a Natureza
quer cumprir, como a procriação e a sobrevivência da
espécie. Toda dualidade está lutando pela unidade, porque o
que um dia foi um se manifestou como dois; então há um
desejo perpétuo de se tornar um.
Este desejo de se tornar um encontra expressão em
muitos caminhos. Quando você é jovem e sua inteligência é
sequestrada por seus hormônios, o sexo será o caminho.
Quando você está na meia-idade e sua inteligência é
sequestrada por suas emoções, o amor é o caminho. Quando
você é velho e desprovido de males hormonais, a oração é o
caminho. Mas, independentemente da idade, quando
transcende tudo isso e busca a mesma união em um nível
muito mais elevado de consciência, o yoga é o caminho.
Se você está buscando unidade com o corpo, precisa
lembrar que os corpos físicos sempre permanecerão dois,
não importa o que você faça. Por alguns momentos, uma
sensação de unidade acontecerá, e então as pessoas se
separarão. Se o divórcio não o fizer, a morte o fará. Está
fadado a acontecer.
O sexo é apenas dois opostos fazendo uma tentativa de se
tornar um. Sua individualidade não significa apenas falsos
limites que você estabeleceu em sua estrutura mental na
forma de suas preferências e repulsas, gostos e opiniões.
Também significa que você está preso dentro dos limites do
próprio corpo físico. Você pode não ter consciência, mas a
vida dentro de você anseia por romper esses limites. Quando
você quer romper seus limites mentais, pode desejar ter uma
conversa séria ou ler um livro, beber álcool, usar uma droga
ou fazer algo estranho. Para romper seus limites físicos,
você pode querer colocar um piercing, fazer uma tatuagem,
tingir o cabelo ou seguir o antiquado caminho do sexo.
A intenção do sexo é ótima, mas o método é inútil. O
prazer está envolvido, e isso leva duas pessoas a se
aproximarem; no entanto, a unidade só vem
momentaneamente. Então você tenta se encontrar em outras
áreas de emoção e intelecto. As pessoas estão sempre
tentando encontrarum terreno comum: “Gostamos do
mesmo sorvete, somos loiros, jogamos videogames,
compartilhamos o mesmo signo do zodíaco e gostamos dos
mesmos programas de TV…”. Mas, a menos que entenda que
vocês nunca poderão se tornar um, você não aprenderá a
desfrutar do oposto.
Essas duas energias, que na raça humana chamamos de
“masculina” e “feminina”, estão sempre tentando se unir.
Ao mesmo tempo, exceto pelo desejo de estarem juntas, são
opostas. São amantes e inimigos ao mesmo tempo. Se
procurarem semelhanças, parece haver poucas coisas em
comum, mas a atração do oposto está sempre presente.
Muitas pessoas não conseguem encarar o ato físico básico
como ele é, então inventaram todos os tipos de ornamentos
para torná-lo bonito. Você sempre adiciona emoção a ele,
porque sem emoção parece feio. De alguma forma você está
tentando nublar sua visão da realidade com muitos
ornamentos.
O sexo é natural; está no corpo. A sexualidade é algo que
você inventou; é psicológica. Se o sexo está no corpo, é bom,
é lindo. Quando entra em sua mente, torna-se uma
perversão. Ele não tem nada a ver com sua mente. O sexo é
uma pequena expressão sua, mas hoje se tornou enorme.
Para muitos, tornou-se a própria vida.
Se olharmos para as sociedades modernas, eu diria que
provavelmente 90% da energia humana está sendo usada
para buscar ou evitar o sexo. O sexo é apenas um truque da
natureza para reprodução. Se essa atração de opostos não
existisse, a espécie seria extinta. Fizemos essa distinção
entre homem e mulher, quase como se fossem duas espécies
separadas. Nenhuma outra criatura no planeta tem os
problemas com sexo que os humanos têm. Nos animais, o
desejo está presente em seus corpos em determinados
momentos; em outros, eles estão livres dele. Nos humanos,
isso está em mente o tempo todo.
Uma razão para que isso tenha acontecido é que, no
passado, muitas religiões passaram a negar um simples
processo físico a ponto de torná-lo pecaminoso. Por não
conseguirmos nem mesmo aceitar a biologia de um ser
humano, em vez de olharmos para além das limitações do
processo biológico, tentamos negá-la. Se não tivéssemos
problema com a biologia, não teríamos feito distinção entre
quem era quem. Todos seriam conhecidos pelo que são; se
alguém é homem ou mulher seria irrelevante. Toda a
exploração das mulheres começa quando você não consegue
aceitar as diferenças fundamentais entre um homem e uma
mulher.
Você não tem que tornar a biologia sagrada nem imunda.
É o instrumento da vida. Por causa dela você existe. Se você
sabe como vivê-la sem elevá-la ou torná-la feia, ela tem
beleza própria.
A sensualidade que se experimenta na vida é um convite
químico para que algo que não é você se torne uma parte de
você. Esta é a forma de a Natureza instigá-lo em direção a
uma união ou o yoga. Embora a sensualidade seja
comemorativa em sua natureza, também é discriminatória.
Quando dois indivíduos estão em um encontro apaixonado, o
resto do mundo é excluído, ou até mesmo apagado. Se a
celebração tiver que durar, sua sensualidade ou paixão terá
que se tornar abrangente. Se você está em um estado de
paixão abrangente, chamamos isso de yoga. Então, negação
não é a resposta. Expansão é a única resposta.
E se você não conheceu a sensualidade da respiração
revigorante que está em todos os momentos de sua vida,
como pode começar a conhecer qualquer outro tipo? A
experimentação da natureza orgástica do processo de
respiração é chamada ana pana sati yoga, o yoga da
respiração de entrada e saída. Ana pana significa literalmente
“dentro” e “fora”. Sati significa “consorte feminino”. Então,
a referência aqui é claramente à união orgástica. E, assim,
ana pana sati yoga é um processo que inicia você em um
envolvimento consciente e profundo com sua respiração, e
mostra como a simples respiração de entrada e saída pode se
tornar uma indescritível fonte de êxtase.
Sadhana
As mais elevadas possibilidades de vida estão abrigadas no
corpo humano. O corpo físico é uma plataforma para todas
as possibilidades, do vulgar ao sagrado. Você pode realizar
atos simples como comer, dormir e fazer sexo como atos de
vulgaridade ou pode trazer uma dimensão de santidade a
todos esses aspectos. Essa santidade pode ser alcançada
trazendo pensamento, emoção e intenção mais sutis para
esses atos. Acima de tudo, lembre-se de que a vulgaridade e
a santidade de alguma coisa são em grande parte decididas
por sua indisposição e inconsciência, ou sua disposição e
consciência. Cada respiração, cada passo, cada simples ato,
pensamento e emoção podem adquirir a perspectiva do
sagrado se conduzidos com reconhecimento à santidade do
outro envolvido – seja uma pessoa, um alimento ou um
objeto que você usa.
De todos os atos amorosos de que dois seres humanos
são capazes, o simples ato de segurar as mãos pode muitas
vezes se tornar o mais íntimo. Por quê? Basicamente, porque
a natureza das mãos e dos pés é tal que o sistema energético
encontra expressão nessas partes do corpo de forma muito
singular. Duas palmas juntas têm muito mais intimidade do
que o contato entre outras partes do corpo.
Você pode tentar isso consigo mesmo. Nem precisa de
um parceiro. Quando une as mãos, as duas dimensões
energéticas dentro de você (direita-esquerda, masculino-
feminino, solar-lunar, yin-yang etc.) estão ligadas de certa
maneira, e você começa a experimentar uma sensação de
unidade dentro de si mesmo. Essa é a lógica do tradicional
namaskar indiano. É um meio de harmonizar o sistema.
Assim, a forma mais simples de experimentar um estado
de união é tentar esse simples yoga namaskar. Coloque as
mãos juntas e preste amorosa atenção a qualquer objeto
que você usar ou consumir, ou a qualquer forma de vida que
encontrar. Quando você levar esse senso de consciência para
cada simples ato, sua experiência de vida nunca mais será a
mesma. Há até a possibilidade de que, se você juntar as
mãos, possa unir o mundo!
Sequestro hormonal
Uma vez me perguntaram: “Não é estranho que as pessoas
sejam mais obcecadas por sexo do que por qualquer outra
necessidade física?”. Não há nada de estranho nisso. É só o
sequestro hormonal de que falamos anteriormente. De todo
modo, não é o sexo a necessidade mais poderosa, mas a
fome.
Na maioria das vezes, pensar em sexo é apenas um
comportamento compulsivo. Quando você era criança, não
importava que órgãos reprodutivos alguém tinha. Mas,
quando os hormônios começaram a atuar, você não
conseguia mais pensar em nada no mundo além disso. E
você verá que, depois de certa idade, quando a atuação dos
hormônios diminui, isso volta a não importar. Você olhará
para trás e não acreditará que era obcecado por isso.
Não há nada de errado com o corpo; ele é apenas
limitado. E não há nada de errado em ser limitado. Se você
for pelo caminho do corpo, algum prazer poderá chegar a
você. Não é um crime querer ser limitado, mas você viverá
uma vida não realizada.
Digamos que amanhã eu lhe conceda a dádiva de todas as
mulheres ou homens do mundo o desejarem. Ainda assim,
você descobrirá que não está satisfeito. Haverá um pouco de
prazer e dor, mas você só viverá dentro da esfera do corpo. O
corpo só conhece sobrevivência e procriação. E sempre
caminha direto para o túmulo, para nenhum outro lugar.
Seu corpo é apenas um empréstimo deste planeta. O que
você chama de “morte” é apenas a Mãe Terra reivindicando
o empréstimo que lhe ofereceu. Toda a vida neste planeta é
apenas uma reciclagem da Terra. Você pode achar que está
indo para o escritório, para casa ou para a partida de futebol,
mas, no que diz respeito ao seu corpo, ele segue, sempre,
direto para o túmulo. Neste momento, você pode ter
esquecido, mas lentamente, com o passar do tempo, ficará
mais evidente que essa é a natureza do corpo. Se tudo que
você conhece é o corpo – e de qualquer forma você vai
perdê-lo –, a ansiedade e o medo serão seus companheiros
constantes.
As pessoas estão até começando a acharque o medo é
uma parte natural da existência. Não. O medo é resultado da
incompletude de sua existência. Se você não explorou a vida
em sua magnitude e multidimensionalidade e se limitou ao
corpo físico, o medo é uma consequência natural.
Já ouviu falar de George Best? Ele foi um dos maiores
jogadores de futebol do seu tempo na Inglaterra. Estava
determinado a aproveitar a vida ao máximo da melhor forma
que sabia. A mídia dizia que estava sempre com uma estrela
de cinema ou modelo famosa ao lado. Mas, quando chegou
aos 35 anos, era um homem sem um tostão, miserável e
frustrado; aos 59 anos, estava morto. A morte não é o
problema, a maneira como você vive é. Supostamente,
George Best tinha tudo, mas viveu uma vida terrível.
Isso ocorre porque o caminho do físico é circunscrito. O
corpo tem um limite no papel que desempenha em sua vida.
Se tentar estender esse papel para abranger tudo, você
sofrerá, pois estará tentando criar uma farsa. A vida tem 1
milhão de maneiras engenhosas de curvá-lo, quebrá-lo,
amassá-lo e triturá-lo.
Não tem nada de errado com seus hormônios, mas, uma
vez que você vive uma vida compulsiva, está vivendo a vida
de um escravo. Tudo pode estar indo bem em sua vida –
seus negócios, família, relacionamentos –, mas, lentamente,
conforme diferentes tipos de compulsões assumem o
controle, você fica cada vez mais infeliz. Há algo dentro de
você que não está disposto a ser um escravo. Para muitos, a
busca de riqueza e bem-estar físico leva a ações cada vez
mais desesperadas. Se você olhar sob a superfície da
civilização, descobrirá as formas mais abomináveis de abuso.
Não poupamos nem nossos próprios filhos. Essas são as
consequências de não cuidar de todas as dimensões do ser
humano, e de nos limitarmos ao restrito reino do físico.
Hoje, na tentativa de fetichizar o corpo, as pessoas estão
criando um sofrimento incalculável. Você não pode pensar
em melhor combinação material: em termos de assistência à
saúde, seguros, carros. Você tem mais conforto e
conveniências do que qualquer geração anterior. No entanto,
as pessoas estão sofrendo imensamente. Nas sociedades
abastadas, quase uma em cada cinco pessoas toma algum
tipo de medicação apenas para manter o equilíbrio mental.
Quando você tem que tomar um comprimido todos os dias
para permanecer saudável, isso não é bem-aventurança.
Você está prestes a entrar em colapso porque fez de um
pequeno aspecto de sua vida toda a sua vida.
MORTALIDADE E PROFUNDIDADE
Você só quer saber o que mais há na vida quando reconhece sua
natureza mortal. É nesse momento que o processo espiritual se
abre.
Uma vez aconteceu que dois homens com mais de 80 anos se
encontraram. Um reconheceu o outro e disse: “Você lutou na
Segunda Guerra Mundial?”.
O outro homem respondeu: “Sim”.
O primeiro lhe perguntou onde e com qual batalhão. O outro
homem lhe disse.
O primeiro exclamou: “Ah, meu Deus! Você não me
reconhece? Estávamos na mesma trincheira!”.
Ah, eles se deram bem! Conversaram muito. Tudo que
realmente viram foi cerca de quarenta minutos de uma intensa
situação de combate. Mas falaram sobre cada bala que passava,
zing, zing, não os atingindo por poucos centímetros. Conversaram
por mais de quatro horas sobre aqueles quarenta minutos.
Quando haviam esgotado tudo que podiam dizer sobre
aquela época, um perguntou ao outro: “O que você tem feito
desde a guerra?”.
“Ah, nos últimos sessenta anos, acabei sendo vendedor.”
Aqueles quarenta minutos surgiram para definir a vida deles
porque a mortalidade se balançava diante deles o tempo todo.
Na batalha, forjaram um laço profundo. Além dela, a vida desse
homem poderia ser resumida em uma única frase: ele foi só um
vendedor.
Você descobre uma profundidade indescritível em si mesmo
quando percebe sua natureza mortal. Se não percebeu sua
natureza eterna, deve pelo menos perceber sua natureza mortal.
A morte não é o fim da vida. A morte é apenas o fim do corpo. Se
você viveu com uma identificação muito profunda com o físico,
lutará mais com a morte, porque ela marca o fim do corpo. Só
quando você confronta sua mortalidade – o potencial mas
inevitável término de sua forma física – o anseio de ir além se
torna genuíno. ■
Mente
Milagre ou bagunça?
Era uma vez um homem que desejava adquirir poderes
sobrenaturais. Ele foi de um guru para o outro, desesperado
em busca de orientação. Finalmente encontrou o caminho
para um eremitério remoto no inóspito Himalaia.
O guru do ashram previu o objetivo de sua busca e tentou
dissuadi-lo. “O que você fará com esses poderes? E daí se
você aprender a caminhar sobre a água? Após três dias, um
barco será melhor! Não desperdice sua vida nessas buscas
irrelevantes. Em vez disso, me deixe lhe ensinar a
meditação.” O mestre fez muitas tentativas para dissuadi-lo,
mas o homem era inflexível.
O guru finalmente disse: “Bem, se você é tão
determinado, dê um mergulho no rio amanhã de manhã às 4
horas e venha até mim. Eu o iniciarei nos segredos do
sobrenatural”.
O homem ficou animado. Deu um mergulho antes do
amanhecer em um rio gelado do Himalaia, ficou meio
azulado e se sentou com expectativa diante do mestre.
O guru disse: “Veja, é muito simples. Tenho um mantra
secreto. Se você o pronunciar três vezes nos próximos
quarenta dias, todos os poderes sobrenaturais serão seus”.
Ele então revelou o mantra:
Asatoma sadgamaya.
“Da ignorância, conduza-me à verdade.”
O guru disse: “Você tem que repetir esse mantra sagrado
três vezes por dia nos próximos quarenta dias, e todo o reino
do sobrenatural será seu. Mas, ao proferir o mantra, só não
pense em macacos”.
O homem estava incrédulo com a simplicidade da prática.
“Só isso?”, perguntou alegremente. “Posso ir embora
agora?”
O guru respondeu: “Com certeza. Por favor, vá e retorne
em quarenta dias”.
O homem saiu em um estado de grande entusiasmo. O
tolo do guru revelou todos os seus segredos para mim sem sequer
cobrar por isso!, pensou. E está me dizendo para não pensar em
macacos. Por que eu pensaria em macacos? Que ridículo!
Então ele desceu a encosta da montanha e alcançou as
margens do rio Ganga. Deu um mergulho no rio sagrado e se
sentou para começar a prática. Mas assim que pronunciou a
palavra asatoma – macacos! Cada vez que um macaco
aparecia em sua cabeça, ele dava outro mergulho no rio.
Tentou o mantra em várias posturas do yoga. No entanto,
cada vez que pronunciava a primeira sílaba, macacos
apareciam. Em hordas. Em uma semana de prática intensa,
não havia mais necessidade de um mantra. Era um universo
cheio de macacos – um pesadelo símio. Atormentado pelos
incontáveis macacos, incapaz de fazer qualquer coisa, o
homem voltou ao guru e disse: “Eu não quero seus malditos
poderes sobrenaturais. Livre-me primeiro destes macacos!”.
Se você disser a si mesmo que não quer pensar em uma
coisa, essa é precisamente a primeira coisa que sua mente
produzirá! Essa é a natureza da mente humana.
Recentemente, foram conduzidas muitas pesquisas
científicas sobre a atividade cerebral. Se você observar como
os neurônios disparam no cérebro, há uma grande coesão
nessa atividade. É essa coesão que se traduz no
funcionamento eficiente do corpo. Um bilhão de atividades
sofisticadas estão sendo realizadas em seu corpo neste
momento por causa da dança altamente coordenada e
complexa dos neurônios.
Mas na maioria das pessoas a mente infelizmente se
tornou um circo. Um circo é na verdade uma atividade muito
coordenada, deliberadamente realizada para parecer uma
bagunça. Até o palhaço do circo é ginasta. Pode atuar como o
bufão, mas é extremamente talentoso e hábil no que faz. A
metáfora do palhaço resume a experiência da maioria das
pessoas quando se trata de sua atividade mental.
Como a mente, essa incrível ginasta, tornou-se um
palhaço? Como se transformou de uma fonte de magia em
uma bagunça? Por que esse milagroso instrumento
transformou-se em uma máquina de produzir miséria?
Como observado anteriormente, todoser humano está
essencialmente buscando satisfação, interna e
externamente. Quando se trata do exterior, há um milhão de
ingredientes, e ninguém tem completo domínio sobre eles.
No entanto, quando se trata da situação interior, há apenas
um ingrediente: você. Você pode ser o único arquiteto e
criador de sua vida interior. Mas não sabe como. Essa é a
dificuldade. Se estivesse no comando, com certeza não
produziria miséria para si mesmo. Uma liberdade
fundamental que você tem é pensar o que quiser. O que,
então, o impede de ter pensamentos agradáveis?
O problema é apenas este: o fato de que sua mente não
está recebendo suas instruções. Imagine um homem das
cavernas do Paleolítico socando um teclado de computador.
O que surgirá na tela parecerá uma série de obscenidades!
O sistema do yoga é uma tecnologia para criar uma
distinção entre você e sua mente. Há um espaço entre você e o
que você reuniu em termos de corpo e mente. Tornar-se
consciente desse espaço é seu primeiro e único passo para a
liberdade. É o conteúdo fisiológico e psicológico acumulado
que causa os padrões cíclicos em sua vida, e até mesmo além
dela. Se puder estar constantemente consciente dessa
distância entre você e o corpo-mente, terá aberto uma
dimensão de possibilidade ilimitada.
Há apenas duas formas de sofrimento neste mundo: física
e mental. Uma vez que essa distância se tornar um fator
constante em sua experiência, você chegará ao fim do
sofrimento. Com a eliminação do medo do sofrimento, você
pode caminhar pela vida a passos largos, sem medo de
explorar tudo que ela tem a oferecer. Sua capacidade de usar
esse imensamente sofisticado fenômeno corpo-mente pode
ser elevada a uma nova dimensão de experiência e de
utilidade, na medida em que você esteja fora delas. Soa
paradoxal, mas é verdade. Conforme a experiência do espaço
cresce, a mente não é mais uma bagunça. É uma ótima
sinfonia, uma enorme possibilidade que pode levá-lo às
alturas.
O yoga é uma jornada em direção a uma realidade em que
você experimenta a natureza suprema da existência como
unidade ilimitada. Essa experiência só é possível se você
mantiver esse espaço entre você e seu corpo-mente. É
importante lembrar que essa unidade ilimitada é uma
experiência, não uma ideia, uma filosofia ou um conceito. Se
você assegura a unicidade do Universo como uma teoria
intelectual, isso pode fazê-lo popular em um jantar ou
ganhar aplausos em um seminário. Pode até fazê-lo ganhar
um prêmio Nobel. Mas não serve para nenhum outro
propósito. Agora, a experiência da unidade ilimitada pode
levá-lo a outra dimensão – uma dimensão de amor e júbilo,
uma dimensão muito além da cerebral.
Pode, na verdade, ser prejudicial a um indivíduo ver tudo
como um, intelectualmente. Muitas vezes, as pessoas
professam todo tipo de teoria filosófica sofisticada sobre se
tornar um com o cosmos, sobre amar o mundo inteiro, até
que a vida lhes ensine uma boa lição. Quando se trata de
dinheiro, o limite entre o eu e o outro é bastante claro.
Nesses momentos, não há chance de você e eu sermos um!
Uma vez, Shankaran Pillai foi a uma aula de Vedanta
(uma escola de metafísica indiana que fala da não dualidade
do eu e do divino). O professor, um filósofo erudito, estava
em plena atividade: “Você não é apenas isto ou aquilo; você
está em todos os lugares. Não há nada ‘seu’ e ‘meu’; tudo é
você, tudo é seu. Em essência, tudo é um. O que você vê,
ouve, cheira, saboreia, toca não é realidade; é tudo maya,
tudo ilusão”.
Essa imbatível retórica Vedanta zumbia na cabeça de
Shankaran Pillai. Ele foi para casa e dormiu pensando
naquilo. De manhã, acordou totalmente desperto.
Geralmente adorava dormir, mas, por causa do Vedanta,
pulou da cama. Os primeiros pensamentos em sua mente
foram: “Não há nada que não seja meu. Tudo é meu; tudo
sou eu. Tudo que há neste mundo sou eu e tudo é maya”.
Não importa a filosofia, a fome surge em intervalos
regulares. Então Shankaran Pillai foi ao seu restaurante
favorito, pediu um bom café da manhã e o devorou, dizendo
a si mesmo: “A comida sou eu; quem a serve também sou
eu; quem a come também sou eu”. Vedanta!
Ele terminou o café da manhã. Uma vez que se
encontrava em um estado muito elevado de Vedanta,
questões mundanas como pagar a conta não lhe ocorriam.
Ele se levantou e se dirigiu à saída. Quando tudo é seu, como
pode haver uma conta?
Ao passar pelo balcão do caixa, o proprietário virou-se
para cuidar de alguma outra tarefa. Shankaran Pillai viu uma
enorme pilha de dinheiro no caixa. Imediatamente, Vedanta
lhe disse: “Tudo é seu; você não pode diferenciar entre isto e
aquilo”. Então, como seus bolsos estavam vazios, ele colocou
a mão no caixa, pegou um pouco de dinheiro, o enfiou no
bolso e saiu do restaurante. Não pretendia roubar ninguém;
estava apenas praticando Vedanta.
De repente, algumas pessoas do restaurante correram e o
seguraram. Shankaran Pillai disse: “Quem você está
tentando segurar? Você é aquele que segura e o que é
segurado; o que você segura é você; aquele que segura
também é você. Quando não há o você e o eu, a quem posso
pagar?”.
O proprietário estava confuso! Só uma coisa era clara:
“Meu dinheiro está no seu bolso”. Mas ali estava Shankaran
Pillai dizendo: “Aquele que segura também sou eu, e o que é
segurado também sou eu”. O proprietário não sabia como
lidar com esse tipo de cliente. Sem saber o que fazer, levou
Shankaran Pillai ao tribunal.
Lá, Shankaran Pillai continuou seu Vedanta. O juiz tentou
fazê-lo entender de várias formas que ele havia cometido
um roubo, mas foi em vão. Então desistiu e disse: “Tudo
bem, 10 chicotadas no traseiro”.
Primeira chicotada… Shankaran Pillai gritou.
O juiz disse: “Não se preocupe. De qualquer forma é tudo
maya. Não há dor e prazer. Tudo é maya”.
Segunda chicotada… Shankaran Pillai berrou: “Chega!”.
O juiz falou: “Aquele que chicoteia é você, aquele que é
chicoteado também é você”.
Terceira chicotada… Shankaran Pillai urrou: “Pare,
pare!”.
“Não há isso de começar e parar. É tudo maya.”
Foi assim até chegar às dez chicotadas. Mas, antes que
elas terminassem, o Vedanta havia sido eliminado de
Shankaran Pillai.
Uma compreensão intelectual que não é apoiada pelo
conhecimento experiencial pode levar a jogos mentais e
estados enganosos. Mas se a unicidade torna-se uma
realidade experiencial, não produzirá uma ação imatura.
Produzirá uma enorme experiência de vida que o deixará
transformado para sempre.
A universalidade não é uma ideia; é uma verdade
existencial. A individualidade é que é uma ideia. O yoga é
simplesmente chitta vritti nirodha. Significa que, se a
atividade de sua mente cessar e você ainda estiver alerta,
você está no yoga.
Mas não tente parar a atividade mental à força porque
você enlouquecerá. Em sua mente, todos os três pedais são
aceleradores; não há freio nem embreagem. Já percebeu?
Seja qual for o pedal em que pisar, a mente só aumenta a
velocidade. Mas se não prestar atenção nisso, os
pensamentos diminuirão lentamente, deixando-o em um
silêncio rico e vibrante.
Sadhana
Pelo menos a cada hora, lembre-se de que tudo o que você
está carregando – sua bolsa, seu dinheiro, seus
relacionamentos, o peso em seu coração e corpo – são
coisas que você acumulou durante um tempo. Se você se
torna cada vez mais consciente desse fato fundamental,
mesmo quando um processo de desidentificação se
desenvolve dentro de você – equilibrado por um profundo
senso de envolvimento em tudo ao seu redor –, você passará
da tristeza e loucura da mente humana à meditação.
Pensando-se fora da vida
É só porque você existe que pode gerar um pensamento. Mas
seu processo de pensamento se tornou tão compulsivo que
seu foco mudou do existencial para o psicológico. Isso
aconteceu de tal forma que você começou a acreditar que
existe porque pensa! As bases da filosofia ocidental
repousam, na verdade, no famoso axioma do filósofo francês
do século XVII René Descartes: “Penso, logo existo”.É hora de reafirmar um fato fundamental: você é, logo você
pode pensar. Isso não tem nada a ver com qualquer filosofia,
oriental ou ocidental. É uma simples realidade existencial.
Você pode “ser” e ainda optar por pensar ou não. Os
momentos mais bonitos da sua vida – que você pode
considerar momentos de estado de graça, alegria, êxtase ou
profunda paz – foram aqueles em que você não estava
pensando em absolutamente nada. Estava apenas sendo.
Mesmo sem seus pensamentos, a existência é.
O que são realmente os pensamentos? Apenas
informações que você coletou e reciclou. Você realmente
consegue pensar em algo diferente do que foi acumulado por
sua mente? Tudo que a mente humana está fazendo é
reciclar dados antigos.
Então, eu lhe pergunto: “Você quer ser um ser vivo ou um
ser pensante?”. Em 90% do tempo, você está apenas
pensando na vida, não a vivendo. Você veio a este mundo
para experimentar a vida ou para pensar sobre ela? Seu
processo mental é um acontecimento muito pequeno
comparado ao processo da vida, mas agora se tornou muito
mais importante. É hora de a humanidade voltar a
importância para o processo da vida. A necessidade é
urgente. Nossa vida depende disso.
Uma vez – isso é quase certamente uma história apócrifa,
mas não importa; parece verdadeira –, Aristóteles, o pai da
lógica moderna, o gigante intelectual da Grécia Antiga,
caminhava na praia. Um glorioso pôr do sol estava diante
dele, mas ele não tinha tempo para essas ocorrências
insignificantes. Estava pensando seriamente sobre algum
grande problema existencial. Para a mente intelectual, a
existência é sempre um problema, e Aristóteles estava
disposto a resolvê-lo. Perdido em solene pensamento,
andava de um lado para o outro na areia.
Havia outro homem na praia que fazia algo com muita
intensidade – com tanta intensidade que, depois de um
tempo, até Aristóteles o notou. Aqueles que estão imersos
nas próprias realidades psicológicas geralmente acabam
ignorando a vida ao redor. Raramente voltam os olhos para
observar uma flor, um pôr do sol, uma criança ou um rosto
sorridente. E, se é um rosto impassível, não estão propensos
a fazê-lo sorrir; não têm esses pequenos deveres ou
cuidados secundários com o mundo! Estão muito ocupados
decifrando os grandes enigmas da existência.
Mas a intensidade desse homem era tamanha que nem
mesmo Aristóteles poderia ignorá-lo. Observando
atentamente, notou que o homem continuava indo ao mar e
voltando, com muita obstinação. Aristóteles fez uma pausa
em suas reflexões para perguntar: “O que exatamente você
está fazendo?”.
O homem respondeu: “Por favor, não me perturbe, estou
fazendo algo muito importante”. Ele continuou o trabalho
com furiosa intensidade.
A curiosidade de Aristóteles foi despertada. Ele perguntou
novamente: “Mas o que você está fazendo?”.
O homem voltou a dizer: “Não me perturbe. É muito
importante”.
Aristóteles disse: “O que é essa coisa importante?”.
O homem lhe mostrou um buraquinho que havia cavado
na areia e disse: “Estou colocando o oceano para dentro
deste buraco”. Ele tinha uma colher na mão.
Aristóteles olhou para aquilo e riu. Ora, Aristóteles é o
tipo de pessoa que pode passar um ano inteiro sem uma
única risada. É preciso um coração para rir. O intelecto não
consegue rir; só consegue dissecar.
Mas mesmo Aristóteles riu e disse: “Isso é ridículo! Você
deve estar louco. Sabe quanto esse oceano é vasto? Como
pode colocar o oceano neste pequeno buraco? E, além de
tudo, com uma colher? Se pelo menos tivesse um balde,
poderia ter alguma chance! Por favor, desista. Isso é uma
completa loucura”.
O homem olhou para Aristóteles, jogou a colher no chão e
disse: “Meu trabalho já está feito”.
Aristóteles perguntou: “O que você quer dizer? O oceano
não está vazio nem o buraco está cheio. Como seu trabalho
está feito?”.
O homem levantou-se e falou: “Estou tentando colocar o
oceano neste buraco com uma colher de sopa. Você está me
dizendo que é loucura. Mas o que você está tentando fazer?
Sabe quanto essa existência é vasta? Pode conter 1 bilhão de
oceanos como este e muito mais, e você está tentando
colocá-la no pequeno buraco da sua cabeça – e com o quê?
Com colheres chamadas pensamentos! Por favor, desista. É
totalmente ridículo”.
O homem era Heráclito, outro grande filósofo grego. Num
piscar de olhos, ele mostrou a Aristóteles que ele estava
conduzindo uma existência mutilada ao tentar estender a
lógica a cada aspecto da vida.
Se você quer conhecer as dimensões experienciais da
vida, nunca as conhecerá com o insignificante processo de
pensamento. Mesmo que tenha o cérebro de um Einstein,
seu processo de pensamento ainda é ultrapassado, porque o
pensamento não pode ser maior do que a vida. O
pensamento só pode ser lógico, funcionando entre duas
polaridades. Se você quer conhecer a vida em sua imensidão,
precisa de algo mais do que o intelecto.
Esta é a escolha fundamental que você tem: ou aprende a
viver com a criação ou fabrica a própria criação na cabeça.
Que opção você quer exercitar?
O planeta está girando pontualmente: isso não é um
evento pequeno. Todas as galáxias estão bem; todo o Cosmos
está indo muito bem. Mas você tem um pequeno
pensamento desagradável rastejando em sua cabeça, então é
um dia ruim! O problema é que você está vivendo em um
espaço psicológico que não tem qualquer conexão com a
realidade. E você está inseguro, porque pode entrar em
colapso a qualquer momento.
Na vastidão e grandeza do espaço cósmico, se você olhar
para si mesmo em perspectiva, é menos do que uma
partícula de poeira. Mas você acha que seu pensamento –
que é menos do que uma partícula dentro de você – deveria
determinar a natureza da existência! Você perdeu sua
perspectiva de vida: esse é o problema básico.
Você já ouviu falar do “Buda”. Seu nome era Sidarta
Gautama, e ele se tornou um Buda. Mas Gautama não foi o
único Buda. Um ser humano que transcendeu seu intelecto,
as dimensões discriminatórias e lógicas de sua vida, é um
Buda. Os seres humanos inventaram milhões de formas de
sofrer. Para tudo isso, a unidade produtora está apenas em
sua mente. Quando você não está mais identificado com a
mente, está livre para experimentar a vida além das
limitações. Ser um Buda significa que você se tornou uma
testemunha do próprio intelecto.
A essência do yoga, como dissemos, é exatamente isso –
chegar àquele momento em que há um espaço claro entre
você e sua mente. Quando isso acontece, uma vida de maior
clareza, percepção e liberdade começa. Este é o nascimento
da liberdade.
LIMITES DA LÓGICA
Sem pensamento lógico, você não conseguiria sobreviver neste
planeta. Mas, ao mesmo tempo, lógica demais é suicídio.
Digamos que você acorde amanhã de manhã e comece a pensar
apenas de forma lógica. Não pense no nascer do sol, nos pássaros
no céu, no rosto do seu filho, nas flores que desabrocham em seu
jardim. Apenas pense logicamente. Agora, você tem que se
levantar, ir ao banheiro, escovar os dentes, comer, trabalhar,
comer, trabalhar, comer e dormir. No dia seguinte de manhã, faz a
mesma coisa. Pelos próximos trinta, quarenta ou cinquenta anos,
você terá que fazer a mesma coisa. Se você só pensa de forma
lógica, não há razão para estar vivo!
Um dia, em Nova York, um homem estava caminhando para
casa, voltando tarde do trabalho. De repente teve uma ideia
romântica. Foi ao florista, comprou um buquê enorme de rosas
vermelhas, foi para casa e bateu na porta. A esposa abriu.
Ela olhou para ele e começou a gritar. “Hoje foi um dia
horrível. A torneira está vazando, o porão está inundado, as
crianças fizeram guerra de comida e tive que limpar tudo, o
cachorro ficou doente, minha mãe não está bem, e você tem
coragem de voltar para casa bêbado!”
Então, se você pensa totalmente de forma lógica, realmente
não há possibilidade de vida! Momentos de extrema lógica são
momentos de suicídio. Apenas se você souber quando a lógica
deve ser usada, e quando é necessário iralém dela sua vida será
bela. ■
Sadhana
Você poderia tentar esta prática simples. Ajuste sua torneira
de forma que apenas de cinco a dez gotas caiam por minuto.
Veja se consegue observar cada gota – como se forma, como
cai, como borrifa o chão. Faça isso de quinze a vinte minutos
por dia. Gradualmente, você se tornará consciente de muitas
coisas ao seu redor e dentro de você das quais agora está
completamente inconsciente. Esse simples exercício pode
iniciar um processo de sensibilização e clareza e realizar
muito mais do que você pode imaginar. Nesse simples
processo, você está realmente explorando uma ramificação
do yoga chamada dharana, que significa “aquilo que flui”.
Não é à água que estamos nos referindo aqui. É a sua
atenção e, por sua vez, a sua consciência. A tentativa é de
fazer com que sua atenção flua e se conecte com seu objeto
– nesse caso, a água. Esse não é um exercício de observação
ou apreciação. É um exercício de atenção – transformar o
que é esporádico e intermitente em um fluxo. (No esquema
maior das coisas, a água e você já são um. Sua
individualidade é apenas uma ideia sua.)
A poeira da identidade
O intelecto é como um bisturi. Sua função é fatiar a realidade
e possibilitar que você diferencie uma coisa da outra. Se uma
faca tiver que cortar alguma coisa sem esforço, é importante
que a substância que cortará não grude nela. Uma faca
pegajosa é obviamente um instrumento ineficaz.
Suponha que hoje você use uma faca para cortar um bolo;
amanhã você corta carne e depois de amanhã corta frutas. Se
todos esses resíduos ficassem na faca, ela se tornaria um
instrumento inútil. Você provavelmente já experimentou
isso: se cortar mangas ou maçãs depois de cortar uma
cebola, tudo fica com gosto de cebola! Essa faca se torna
mais um obstáculo do que uma ajuda. Em outras palavras,
quando seu intelecto se identifica com alguma coisa, fica
acorrentado às identificações e o deixa com uma experiência
completamente distorcida do mundo.
Aconteceu uma vez, na infância, por razões políticas, que
o grande imperador Akbar foi separado de sua mãe. Outra
mulher que havia tido um filho foi levada para alimentá-lo.
Essa mulher amamentou Akbar, e mais tarde lhe foi
oferecida uma recompensa por seus serviços. O filho dela,
que ainda era uma criança, pouco mais velho que Akbar,
recebeu algumas aldeias e se tornou um pequeno
governante. Muitos anos depois, Akbar foi coroado
imperador. Mas esse menino, a quem faltou a inteligência e
a capacidade exigidas de um governante, desperdiçou todos
os seus recursos, perdeu tudo que lhe foi dado e empobreceu.
Um dia, quando tinha cerca de 32 anos, uma grande ideia
lhe ocorreu. Ele pensou: Como o imperador e eu tomamos o leite
da mesma mãe, somos irmãos. E, como nasci primeiro, sou o
irmão mais velho!
Com a ideia plantada em sua cabeça, foi até Akbar e
contou a história. “Veja, somos irmãos, e sou mais velho do
que você. Mas olhe para o meu estado lastimável: sou pobre,
você é um imperador! Como você pode me deixar assim?”
Akbar ficou profundamente comovido. Ele lhe deu as
boas-vindas, o instalou no palácio e o tratou como um rei. O
homem não estava acostumado aos hábitos da corte e
cometeu muitas gafes idiotas. Mas o generoso Akbar
continuava dizendo: “Ele é meu irmão mais velho. Bebemos
o leite da mesma mãe”. E o apresentou a todos como seu
irmão mais velho.
As coisas seguiram assim por algum tempo. Então chegou
a hora de o homem retornar à sua aldeia para algum
trabalho. Akbar disse: “Meu irmão, você perdeu aquelas
aldeias que lhe foram dadas. Eu lhe darei cinco novas aldeias
para governar – um pequeno reino seu”.
O homem disse: “Mas vejo que você se tornou bem-
sucedido porque há muitas pessoas inteligentes ao seu redor.
Não tenho ninguém para me aconselhar, e é por isso que
estou perdido. Se eu tivesse bons conselheiros e ministros,
também teria construído um grande império. Além disso,
você tem Birbal! Ele é tão inteligente. Se eu tivesse alguém
como ele, também seria um grande imperador”.
O generoso Akbar disse: “Se quiser, pode levar Birbal com
você”.
Ele convocou Birbal e lhe ordenou: “Você deve ir com
meu irmão mais velho”.
Birbal disse: “Sua Alteza, seu irmão mais velho merece
alguém melhor do que eu. Por que não meu irmão mais
velho? Eu poderia enviá-lo”.
Akbar achou que era uma ótima ideia, porque não lhe
agradava a possibilidade de perder Birbal. Animado, falou:
“Convoque-o imediatamente”.
No dia seguinte, esse homem deveria partir para seu novo
reino, e uma grande despedida foi organizada na corte.
Houve um clima de expectativa no ar, enquanto todos
esperavam que Birbal chegasse com o irmão mais velho.
Finalmente, Birbal entrou com um touro a reboque.
“O que é isso?”, perguntou Akbar.
Birbal disse: “Este é meu irmão mais velho”.
Akbar ficou furioso. “Você está tentando insultar a mim e
a meu irmão?”
“Não, meu senhor”, disse Birbal. “Ele é meu irmão mais
velho. Nós dois bebemos o leite da mesma mãe.”
Uma vez que seu intelecto – ou buddhi, como é
denominado na taxonomia yogi – se identifica com alguma
coisa, você funciona dentro do reino dessa identidade. Com o
que quer que você se identifique, todos os seus pensamentos
e emoções surgem dessa identidade. Neste momento,
suponha que se identifique como um homem, todos os seus
pensamentos e emoções fluem dessa identificação. Se você
se identificar com sua nacionalidade ou religião, eles fluirão
dessas identificações. Quaisquer que sejam seus
pensamentos e emoções, essas identificações são um nível
de preconceito. Na verdade, sua mente em si é um tipo de
preconceito. Por quê? Porque funciona com dados limitados
e é conduzida por um intelecto essencialmente
discriminatório. Assim, sua mente, que deveria ter sido uma
escada para o divino, está tropeçando na infinita
mediocridade e, em algumas ocasiões, se torna uma escada
para o inferno.
A identidade em torno da qual o intelecto funciona é
chamada ahankara. Para continuar com a analogia anterior
da faca, a mão que empunha a faca é a identidade. Ou, em
outras palavras, é a sua identidade que gerencia e determina
seu intelecto. Quando você usa uma faca, é importante não
apenas ter uma lâmina afiada, mas uma mão estável para
segurá-la. Sem a mão estável, você pode acabar se cortando
1 milhão de vezes. A maioria dos seres humanos que sofrem
não o faz por situações externas. O que lhes é infligido do
exterior é mínimo; o resto é tudo autoajuda!
Uma vez que você se identifica com algo que não é, a
mente se torna um trem expresso que não pode ser parado.
Se você a colocar a pleno vapor e quiser pisar nos freios, não
funcionará. Mas, se for capaz de se desvencilhar de tudo que
não é – se você se desidentificar, digamos assim –, verá que
a mente fica em branco e vazia. Quando você quiser usá-la,
poderá; em outros momentos, estará simplesmente vazia,
destituída de toda a confusão psicológica. É assim que deve
ser. Mas, agora, você está se identificando com muitos
rótulos e, ao mesmo tempo, tentando parar sua mente: isso
simplesmente não funcionará.
Independentemente do que você pensa que é, quando a
morte o confronta, toda identificação desaparece. Se os seres
humanos aprendessem a abandoná-las voluntariamente, a
vida seria bem-aventurado. Se não sobrecarregar o seu
intelecto com quaisquer identificações – corpo, gênero,
família, qualificações, sociedade, raça, casta, credo,
comunidade, nação, até mesmo espécie –, você viajará
naturalmente em direção a sua natureza suprema. Se
sobrecarregar, a morte demolirá tudo de qualquer forma.
Não tenha dúvidas quanto a isso!
Se você usa sua inteligência e tenta alcançar sua natureza
suprema, isso é chamado de gnana yoga, ou yoga do
conhecimento. Os yogis do gnana não podem se identificar
com nada. Se o fizerem, é o fim de sua jornada. Mas,
infelizmente, o que aconteceu ao gnana yoga, pelo menos na
Índia, é que seus defensores nutrem várias crenças. “Sou a
Alma Universal,o Absoluto, o Ser Supremo” – eles sabem
tudo, desde o arranjo do Cosmos até a forma e o tamanho da
alma! Leram tudo isso em um livro. Isso não é gnana yoga.
Qualquer informação que você tenha sobre o que não é uma
experiência viva para você é irrelevante. Talvez seja uma
sagrada irrelevância, mas isso não o liberta; só o enreda!
Certo dia, um touro pastava em um campo. Ele entrou nas
profundezas da floresta e, depois de semanas de pastagem
na relva exuberante, ficou belo e gordo. Um leão, que já não
estava em seu auge e tinha dificuldade em caçar sua presa,
viu o belo touro gordo, lançou-se sobre ele, o matou e o
comeu. Seu estômago ficou cheio. Então, com grande
satisfação, ele rugiu. Alguns caçadores estavam passando.
Ouviram o rugido, rastrearam o leão e o mataram com um
tiro.
Moral da história: quando estiver se sentindo o melhor,
não abra a boca.
Muito poucas pessoas têm o intelecto necessário para
buscar de modo integral o gnana yoga. A maioria precisa de
enorme preparação. Há todo um processo do yoga para
tornar seu intelecto tão afiado que não se apega a nada. Mas
é muito demorado, pois a mente é um cliente complicado;
consegue criar 1 milhão de ilusões. O gnana yoga como parte
de sua busca espiritual é uma proposta viável; como um
caminho exclusivo, é para poucas e raras pessoas.
Sadhana
Apenas se sente sozinho por uma hora. Sem leitura,
televisão, telefone, comunicação, nada. Basta ver ao longo
dessa hora quais pensamentos dominam sua mente – sejam
comida, sexo, seu carro, sua mobília, suas joias ou qualquer
outra coisa. Se você se pega pensando repetidamente sobre
pessoas ou coisas, sua identificação é essencialmente com
seu corpo. Se seus pensamentos são sobre o que gostaria de
fazer no mundo, sua identificação é essencialmente com sua
mente. Todo o resto é só um conjunto complexo de
ramificações desses dois aspectos. Isso não é um julgamento
de valor. É apenas uma forma de saber em que estágio da
vida você está. A rapidez com que você quer evoluir depende
de suas próprias escolhas.
Mergulhe o intelecto na consciência
No sistema de classificação do yoga, a mente tem 16
dimensões que se dividem em quatro categorias. Há a
dimensão de discernimento, ou discriminatória, da mente ou
do intelecto (buddhi); a dimensão acumulativa da mente, ou
memória (manas), que reúne informações; e o que é
chamado de consciência (chitta), que está além do intelecto e
da memória. A quarta dimensão, ahankara, discutimos
anteriormente – o aspecto da mente do qual você obtém seu
senso de identidade.
A primeira dimensão – o intelecto, buddhi – é crucial
para sua sobrevivência. Você consegue discernir uma pessoa
de uma árvore apenas porque seu intelecto é funcional. Você
sabe que deve passar pela porta, e não através da parede,
porque seu intelecto é funcional. Sem essa dimensão de
discernimento, você não saberia como sobreviver neste
planeta. Em níveis mais complexos e sofisticados, o intelecto
contribuiu imensamente para a cultura e a civilização
humanas.
No entanto, o problema de nossa época é que o intelecto
assumiu um papel desproporcionalmente importante. A
educação moderna encorajou um desenvolvimento
completamente desequilibrado desse aspecto da mente. A
essência do intelecto é dividir. Então a humanidade
embarcou em uma jornada de divisão, discriminação e
dissecação global. Dividimos tudo. Até o átomo invisível foi
dividido.
Uma vez que você liberta o intelecto, ele divide tudo que
encontra; não permite que você esteja com nada em sua
integridade. Embora seja um instrumento maravilhoso para
a sobrevivência, é também uma terrível barreira que se
coloca entre você e sua experiência da unicidade da vida.
Como lidamos com esse problema?
O yoga nos oferece um caminho. Em nossos tempos, não
é apenas uma estratégia útil; talvez seja nossa única
oportunidade de reverter uma jornada que parece estar nos
levando de cabeça à autodestruição.
O intelecto está se tornando uma barreira porque você o
mantém constantemente mergulhado na parte acumulativa
da mente – sua memória, manas. Examine-a por si mesmo.
Você descobrirá que todo pensamento que surge na mente
tem suas raízes nos dados que você já acumulou. Os dados
podem ser reunidos consciente ou inconscientemente. De
qualquer forma, significa basicamente que seu intelecto está
de modo perpétuo imerso no passado. Nesse estado, nada de
novo é possível agora. Assim, o intelecto perde sua
vantagem e se torna uma armadilha.
Simplificando, a parte acumulativa da mente é só a lixeira
da sociedade. Apenas um monte de impressões que você
recolheu de fora. Qualquer pessoa que você encontra enfia
algo em sua mente e segue em frente: seus pais, professores,
amigos, inimigos, pregadores, o âncora do noticiário da TV,
praticamente todo mundo. Você não pode escolher de quem
absorver e de quem não absorver. Quando você diz “não
gosto dessa pessoa”, muitas vezes acaba absorvendo muito
mais dela do que de qualquer outra pessoa! Você tem a
capacidade de processar as informações que recebe, mas isso
é tudo. O poderoso intelecto foi reduzido à capacidade de
simplesmente reciclar o lixo que você pegou.
A “ataques-relâmpago” das informações que sua mente
recebe diariamente entra em você somente pelos cinco
órgãos dos sentidos. Como vimos anteriormente, eles
sempre percebem tudo apenas em comparação. E quando há
comparação, há dualidade. Suponha que eu lhe mostrasse
minha mão. Enquanto você consegue ver um lado, não
consegue ver o outro. Se eu fosse mostrar o outro lado, você
não conseguiria perceber o primeiro. A percepção humana
por meio dos órgãos dos sentidos é sempre fragmentada.
Pode lhe dar uma ilusão de completude, mas nunca pode
compreender o todo.
Quando você mantém o intelecto mergulhado nessa
dimensão limitada, fragmentada e acumulativa da mente,
tira conclusões completamente distorcidas sobre a vida.
Quanto mais as pessoas ficam absortas no pensamento, mais
infelizes se tornam. É lamentável. Mas deixe-me ser claro: o
pensamento em si não é um problema. As pessoas que
pensam com clareza devem ser alegres. Infelizmente há
muitas pessoas que, quanto mais pensam, mais incapazes de
sorrir se tornam! O problema é que sua faculdade de
discernimento foi escravizada pelas limitações de sua
percepção sensorial.
Mas o mesmo intelecto pode ser aguçado se você permitir
que ele mergulhe no outro aspecto de sua mente – sua
consciência, chitta. Se quiser alcançar sua natureza suprema
por meio da mente, você precisa tornar o intelecto
verdadeiramente discriminatório, no sentido extremo. Isso
não significa dividir tudo entre bom e ruim, certo e errado,
alto e baixo, céu e inferno, sagrado e profano. Em vez disso,
tudo que é necessário é aprender a discernir o real do ilusório, o
que é existencialmente verdadeiro do que é psicologicamente
verdadeiro.
Se você mergulhar o intelecto em sua consciência, a
dimensão de discernimento da sua mente pode se
transformar em uma ferramenta milagrosa de libertação.
Pode se tornar afiada como navalha, separar o que é
verdadeiro e falso, e entregá-lo a uma dimensão
completamente diferente da vida.
Aprenda a colocar o intelecto no revestimento de sua
consciência, e não no saco de memória e identificação.
Quando o fizer, esse fantástico instrumento pode abrir
caminho sem esforço em direção ao supremo.
Sadhana
Se você anda conscientemente em uma corda bamba, não
tem escolha a não ser ficar atento. Se seu intelecto está
constantemente escolhendo entre o bem e o mal, ele se
tornou um intelecto preconceituoso. E enquanto estiver
ocupado separando o mundo em bom e mau,
definitivamente cairá da corda bamba. Não pense na corda
bamba de forma literal. Você poderia simplesmente tentar
levar certa precisão aos movimentos físicos do corpo. (Se
tiver uma prática do hatha yoga, isso deve acontecer de
qualquer forma.) Por exemplo, se você vir uma linha reta no
chão, tente caminhar em perfeito alinhamento com ela,mantendo um passo tranquilo. Não se trata de se tornar
autoconsciente, mas de se tornar preciso ou exato. Tente
isso com seu corpo e veja. Leve precisão a cada movimento,
a cada gesto. Esta é uma forma de mergulhar seu intelecto
em consciência.
Consciência é vivacidade
Afinal, o que queremos dizer com a palavra consciência? O
que significa? E como podemos acessá-la?
Antes de tudo, façamos uma distinção importante:
consciência não é vigilância mental. O estado de vigilância
mental só aumentará sua capacidade de sobreviver no
mundo. É um estado de alerta, como o de um cachorro – útil
para autopreservação, mas não para autocrescimento.
Consciência não é algo que você faz. Consciência é o que você
é. Consciência é vivacidade.
A dimensão da mente que as sociedades modernas
ignoraram completamente por sua própria conta e risco é a
consciência, ou chitta. Essa é a inteligência que não foi
maculada pela memória. Essa é a dimensão mais profunda
da mente e aquela que conecta você com aquilo que é a
própria base da criação. Quando você está em contato com
essa dimensão, está em um estado de consciência
aumentada, que lhe permite estar plenamente consciente e
intoxicado ao mesmo tempo – e sem qualquer estímulo
externo! Quando você aprende a acessar a chitta, ser bem-
aventurado é inteiramente natural.
Sono, vigília, morte – são todos apenas níveis diferentes
de consciência. Suponha que você estivesse cochilando e
alguém o acordasse sacudindo-o. Boom! O mundo inteiro
voltaria em um instante! Isso não é pouco. Você recriaria de
forma instantânea toda a existência. O mundo, que foi
removido de sua experiência, ressurge. Não em sete dias –
em apenas um instante.
Como você sabe se o mundo existe ou não? Só por sua
experiência. Não há outra prova. Então, a consciência é
aquilo que pode criar ou apagar essa existência. Essa é a
magia dela.
Você pode aumentar sua consciência em diferentes níveis.
À medida que avança cada vez mais, dimensões inteiras e
novas da existência se abrem em sua experiência. Mundos
que ninguém imaginou em seus sonhos mais loucos se
tornam realidade para você.
Quando você está dormindo, o mundo não existe porque
você está em grande parte inconsciente. Mas, mesmo
durante o sono, você não está completamente inconsciente.
A diferença entre uma pessoa dormindo e uma pessoa morta
é a consciência. Da mesma forma, entre uma pessoa
acordada e uma pessoa desperta ou iluminada, há uma
diferença. Uma pessoa desperta também dorme, mas
conseguiu tanta consciência que parte dela permanece
acordada. Os órgãos dos sentidos se desligam, o corpo
descansa um pouco, mas todo o resto está ligado. Isso ocorre
porque a consciência foi alcançada em outro nível.
A consciência é um processo de inclusão, uma forma de
acolher toda essa existência. Você não consegue fazer isso,
mas pode estabelecer as condições certas para que aconteça.
Não tente ficar atento. Não funcionará. Se você mantiver o
corpo, o pensamento, a emoção e as energias devidamente
alinhados, a consciência florescerá. Você se tornará muito
mais vivo do que é agora.
Quando está racionalmente em contato com sua
consciência, você obtém acesso à dimensão mais sutil da
fisicalidade, ou akáshica. Como vimos antes, o Universo é só
um jogo de cinco elementos – água, fogo, terra, ar e éter. A
criação é só uma brincadeira desses cinco. Na terminologia
yogi, é ao éter que nos referimos como akash, e cada ser
humano tem uma dimensão desse quinto elemento em torno
de si. Enquanto os outros elementos estão dentro do corpo, a
dimensão akáshica ou etérea envolve o corpo físico –
geralmente a uma distância de 45 cm a 53 cm. Como esse
elemento ainda é físico, carrega informações. Qualquer coisa
que acontece em certo nível de intensidade ou profundidade
em sua vida é inscrita neste campo de akash ao seu redor.
Quando você obtém acesso consciente à sua consciência,
também obtém acesso à dimensão akashic em torno do
corpo, e à dimensão akashic em torno do planeta, do sistema
solar e de todo o Universo. Sem qualquer instrumento
tecnológico moderno, na Índia antiga e em algumas outras
partes do mundo pessoas reuniram uma quantidade
extraordinária de conhecimento sobre o cosmos. Tudo foi
coletado por meio da dimensão chidakash, ou dimensão
akashic de nossa inteligência.
Quando você está em contato com sua consciência, não
precisa tentar realizar nada. Não precisa nem mesmo desejar
ou sonhar, porque a melhor coisa possível que pode
acontecer com você acontecerá. Na tradição yogi, diz-se que,
quando você aprende a acessar essa dimensão, você
escravizou o divino! De agora em diante, Deus trabalha para
você. O que isso significa exatamente? Significa que, quando
você se distancia da compulsão das próprias informações
genéticas e kármicas, a vida torna-se mais leve, flexível,
incrivelmente natural. É uma dimensão além do intelecto,
além da identificação, além da memória, além do
julgamento, além do karma, além de divisões de todo tipo. É
a inteligência da própria existência, em que a vida acontece
sempre exatamente do jeito como deveria, com absoluta e
inabalável facilidade.
Sadhana
Se você está consciente no momento da morte, estará
consciente além da morte também. Comece a praticar com o
sono. O sono não é nada além de uma morte temporária.
Toda noite você é apresentado a uma grande possibilidade –
a possibilidade de se tornar consciente da dimensão além
da morte.
Você pode tentar esta experiência hoje à noite. Quando
passar da vigília para o sono, tente ficar consciente. Essa
prática pode ser feita na cama. Se estiver consciente no
último momento em que faz a transição da vigília para o
sono, ficará consciente durante todo o sono.
Você verá que é trabalhoso. Então, eis outra coisa que
pode fazer: se está acostumado a acordar com um alarme,
substitua-o por um som, uma melodia ou um cântico que o
lembre de sua consciência. Você pode facilmente se treinar
para fazer essa associação. Pode se tornar um alarme para
sua consciência.
É claro que você não consegue usar um alarme para ir
dormir! Mas a questão é que, a menos que se desidentifique
completamente do corpo, não é fácil passar
conscientemente da vigília para o sono. Assim que acordar,
veja se consegue se conscientizar de algo – de sua respiração
ou seu corpo, por exemplo. Isso o ajudará mais tarde quando
você quiser ir para a cama.
Se conseguir acordar com consciência e passar da vigília
para o sono com consciência, você será eterno. Significa que,
quando se tratar de trocar de corpo, você o fará com plena
consciência. Mesmo se aproximar desse momento mudará a
forma como o corpo e a mente funcionam e alterará a
qualidade de sua vida de modo fenomenal.
Sabedoria sem pensamento
Você já observou uma colmeia de perto? Não importa se
estudou o nível mais avançado de engenharia, ainda há algo
a aprender com uma colmeia. É um feito fabuloso de
engenharia! É verdadeiramente o melhor prédio de
apartamentos que você poderia imaginar, projetado e
estruturado com requinte e uma incrível resiliência. Ou você
já viu uma colmeia caindo de uma árvore em algum tipo de
clima?
Embora seja um magnífico trabalho, as abelhas têm
planos de engenharia em suas cabeças? Não. Esses planos
estão em seus corpos. Elas sabem exatamente o que fazer em
razão de um projeto em seus sistemas.
O conhecimento espiritual, ou a “sabedoria”, sempre foi
transmitido dessa forma – não por pensamento ou palavra,
mas do jeito como as abelhas transmitem a compreensão de
como construir colmeias através das gerações. Uma vez que
essa sabedoria é transmitida, ou tem seu “download” feito,
por assim dizer, tudo que você precisa saber está dentro de
você. Quando você faz o download de determinado tipo de
software em seu computador, não precisa entender como
tudo funciona. Não precisa ler cada palavra escrita no
software. Você pressiona uma tecla e produz um resultado;
outra tecla, outro resultado. De repente, tem umtipo
diferente de fenômeno.
Faço uma distinção entre conhecimento e sabedoria.
Conhecimento é essencialmente informação acumulada.
Toda informação é relacionada apenas à natureza física da
existência. Sabedoria é uma inteligência viva. Com ou sem
você, ainda é. Você está nela ou não está: essa é a única
escolha que tem.
Há uma inteligência intrínseca a você que, como já vimos,
é capaz de transformar um pedaço de pão em um ser
humano. A máquina mais sofisticada, incluindo o cérebro,
foi criada por essa inteligência intrínseca. Neste momento,
você está apenas tentando usar uma seção limitada do
cérebro, e acha que é inteligência. Não é. Há algo dentro de
você que pode criar um cérebro humano completo em toda a
sua magnífica complexidade e capacidade. Esse “algo”
funciona de forma totalmente diferente. Por exemplo, não
penso com a cabeça, mas com cada célula do meu corpo. Isso
faz com que meu pensamento seja um processo orgânico,
ininterrupto e integrado. Há um nível de integridade sobre
isso, porque envolve a minha inteireza. Não tenho muitos
pensamentos na mente, a menos que eu escolha pensar.
Nada nunca esteve fora de lugar nesta existência. As
coisas só estão fora de lugar nas sociedades humanas. Entre
esse pedaço da vida e aquele pedaço da vida, pode haver uma
comparação. Mas, para a inteligência que está fazendo toda a
vida acontecer, não há contexto, não há comparação, porque
não há outro. Você não pode dizer se isso está agora no lugar
ou não – está sempre no lugar. Não há outra forma de ser.
E a busca do yoga é exatamente esta: passar dessa
pequena cabeça cheia de informações para um cosmos de
inteligência. Que escolha trágica as pessoas acabam fazendo
com tanta frequência – escolhendo a finitude do cérebro
humano em detrimento de um universo de sabedoria
infinita.
Sadhana
Trabalhe apenas para remover da mente a ideia de que
pensamento é inteligência. Todo o processo de criação, de
um único átomo ao cosmos, é uma expressão fantástica de
inteligência. Neste momento, dentro do seu próprio corpo,
há uma inteligência vibrante que é a própria fonte da
criação. Com o intelecto superestimado que tem, você
realmente consegue entender a atividade de uma única
célula em seu corpo em sua totalidade? O primeiro passo
para ir da armadilha do intelecto para a etapa de uma
inteligência maior é reconhecer que cada aspecto da vida –
de um grão de areia a uma montanha, de uma gota a um
oceano, do atômico ao cósmico – é uma manifestação de
uma inteligência muito maior do que seu minúsculo
intelecto. Se você der um passo, a vida começará a falar com
você como nunca falou.
Acreditar versus buscar
Certo dia, dois irlandeses trabalhavam na rua, em frente a
um bordel de Londres. Eles viram um pastor protestante
vindo em sua direção. Ele dobrou o colarinho, abaixou a
cabeça e entrou sorrateiramente no bordel.
Os dois homens entreolharam-se e deram de ombros.
Veja, o que mais você pode esperar de um protestante?
Eles continuaram a trabalhar. Depois de algum tempo,
um rabino apareceu. Ele tinha um cachecol em torno do
pescoço, quase cobrindo o rosto. Também se esquivou para o
bordel. Os homens ficaram muito magoados e balançaram
tristemente a cabeça. “O que aconteceu? Estes tempos vão
mal. Um religioso num bordel! Por que isso está
acontecendo?”
Depois de um tempo, surgiu o bispo local. Ele olhou de
um lado para o outro, puxou o manto em torno de si e se
enfiou no bordel.
Um dos homens se virou para o outro e disse: “Uma das
meninas deve estar realmente doente”.
No momento em que você se identifica com firmeza,
perde sua perspectiva de vida! Ideias de bem e mal e certo e
errado são suas construções mentais. Não têm nada a ver
com a vida como ela é. O que foi considerado moral há cem
anos é intolerável hoje. O que você acha que é muito bom,
seus filhos desprezam. Suas ideias de bom e ruim são apenas
um nível de preconceito contra a vida.
Quando se identifica com suas ideias limitadas de
moralidade, você se torna completamente perverso. Seu
intelecto funciona em torno dessas identificações de forma
que você nunca vê o mundo como ele é. Se você quer que um
elemento de espiritualidade entre em sua vida, a primeira
coisa que deve fazer é abandonar essas ideias rígidas de
virtude e vício e aprender a encarar a vida do jeito que é.
Um dos maiores problemas no mundo hoje é que, desde a
infância de uma pessoa, um sistema inflexível de moralidade
foi imposto à mente. Você naturalmente se identifica com o
que quer que considere bom. E naturalmente repele tudo que
considera ruim. Essa atração e essa aversão são a base de
toda identificação forte. A natureza de sua mente é que tudo
a que você é avesso a domina. Moralistas e pregadores
pedem há gerações que a humanidade evite “maus
pensamentos”. Essa é uma estratégia infalível para alcançar
o inverso! Agora, se você tentar resistir a esse suposto
“pensamento maligno”, isso se tornará um trabalho em
tempo integral. Não haverá mais nada acontecendo em sua
cabeça.
A ideia de superioridade moral é a fonte de atos
desumanos demais para ser ignorada. É difícil conviver com
a maioria das pessoas que acreditam ser virtuosas. Além
disso, elas passam a maior parte da vida tentando evitar o
que consideram “errado” ou “pecaminoso”. Em geral,
significa que estão constantemente pensando naquilo. Evitar
alguma coisa não é se libertar dela. Essa moralidade é
baseada na exclusão. A espiritualidade, no entanto, nasce da
inclusão.
A natureza essencial de nossa humanidade foi tão
suprimida e distorcida que o substituto da “moralidade” foi
trazido para dar alguma ordem e sanidade à nossa vida. Isso
aconteceu porque não fizemos nada para manter nossa
humanidade ativa. Se sua humanidade fosse ativa, não
haveria necessidade de moralidade.
A moralidade sempre difere de pessoa para pessoa, de
acordo com a época, o lugar, a situação – e a conveniência.
Mas onde quer que a humanidade tenha encontrado sua
expressão, em qualquer época da história ou em qualquer
cultura do mundo, sempre foi a mesma e sempre será. Em
um nível superficial, em termos de valores, moral e ética,
cada um de nós pode ser diferente. Mas se você sabe como
desvendar uma pessoa indo fundo o bastante para tocar essa
humanidade, cada um de nós é o mesmo.
Para impor a moralidade, você não precisa de qualquer
envolvimento com as pessoas; só tem que compartilhar os
ensinamentos: “Seja bom; fale gentilmente; se você fala com
raiva, as consequências serão terríveis”, e assim por diante.
Mas se você quer acender a humanidade em uma pessoa, é
preciso muito mais envolvimento. Significa doar a si mesmo.
A moralidade é conveniente porque ajuda a garantir a
ordem social; no entanto, é capaz de causar destruição
interior. Como ninguém pode viver de acordo com a moral
prescrita pela maioria das religiões, a maior parte da
humanidade vive em um estado de culpa perpétua, vergonha
e medo. É uma existência tragicamente mutilada. A
humanidade também trará ordem social, mas não requer
qualquer imposição externa.
Faça uma lista de todas as coisas que as principais
religiões do mundo chamam de “pecado” e você descobrirá
que apenas estar vivo é um pecado. Se você nasce, é um
pecado; se você menstrua, é um pecado; se você copula, é
um pecado. Esqueça tudo isso: mesmo que você coma apenas
um chocolate, pode cometer um pecado. Como o próprio
processo da vida é um pecado, você vive em eterna culpa e
terror. Se as pessoas não fossem tão devastadas pelo medo e
pela culpa, os templos, mesquitas e igrejas do mundo não
estariam tão cheios como estão agora. Se fosse naturalmente
alegre, você se sentaria na praia ou ouviria o farfalhar das
folhas na árvore. Só porque as religiões lhe instilaram essa
sensação de medo e vergonha, você se envergonha de sua
própria biologia! Então tem que ir a algum lugar que é
considerado “sagrado” para limpá-la.
As pessoas sempre encontrarão formas de subverter
valores, moral e ética.Mas quando você é naturalmente
alegre, é naturalmente agradável com o mundo ao redor.
Espiritualidade não significa se afastar da vida; significa se
tornar vivo para a essência, da maneira mais completa
possível. Com a idade, a agilidade física pode diminuir, mas
o nível de alegria e vivacidade não precisa. Se o seu nível de
alegria e vivacidade estiver diminuindo, você está cometendo
suicídio aos poucos.
Infelizmente, hoje todos os tipos de sistemas de crença
são passados como espiritualidade. O processo espiritual é
sempre uma busca. Há uma diferença significativa entre
acreditar e buscar. Acreditar significa que você assumiu algo
que não conhece; buscar significa que você percebeu que não
sabe. Isso traz enorme flexibilidade. Quando você acredita
em algo, traz certa rigidez ao próprio processo de vida que
você é. Essa rigidez não é apenas em atitude; ela se infiltra
em cada aspecto de sua vida e é a causa de uma enorme
quantidade de sofrimento no mundo. A sociedade humana
reflete a experiência interior dos seres humanos. Criar seres
humanos que sejam flexíveis e estejam dispostos a olhar
para tudo de uma maneira nova e sem preconceitos, em vez
de ficarem presos a crenças e opiniões, definitivamente
contribui para um tipo diferente de sociedade.
O yoga é um método que tem funcionado
maravilhosamente para mim e para milhões de pessoas. É
inteiramente científico e não se origina em fé ou crença, mas
em uma profunda compreensão do mecanismo humano.
Também não vem de algum senso ingênuo de otimismo. A
premissa é simples: se você tiver uma boa semente e criar a
atmosfera certa, ela germinará. Criar a atmosfera certa do
corpo e da mente é o único trabalho. Você não precisa fazer
mais nada. Nenhum ensinamento de moralidade, nenhum
discurso metafísico é necessário. Se sua humanidade está
comovida, você é um belo ser humano.
Tudo o que é considerado negativo no mundo, na
verdade, brota da limitação. Uma identidade limitada que
impomos a nós mesmos é o que nos coloca como “eu” versus
“o outro”. É nesse espaço de divisão e separação que todo
crime e toda negatividade nascem. Então, aspire pelo
infinito é um seguro contra todas as tendências negativas.
Como raça, a humanidade precisa libertar a vida, em vez de
controlá-la. Da limitação à libertação – esse é o caminho.
A árvore dos desejos
Sua mente pode estar em cinco estados diferentes. Pode ser
inerte, ou seja, não é ativada de forma alguma; encontra-se
em um estado rudimentar. Se você energizá-la, ela se torna
ativa, mas dispersa. Se energizá-la ainda mais, não está
mais dispersa, mas começa a oscilar. Se energizar ainda
mais, fica direcionada a um único ponto. Se energizar ainda
mais, ela se tornará consciente. E se sua mente está
consciente, é mágica; é um milagre; é uma ponte para o
além.
Mentes inertes não são um problema. Alguém que é
muito simplório e cujo intelecto ainda não é efervescente
não tem problemas. Ele come bem e dorme bem. Apenas
pessoas que pensam demais é que não conseguem comer e
dormir adequadamente! Pessoas simplórias desempenham
muito melhor todas as atividades do corpo do que os
chamados intelectuais do mundo. Há uma paz nelas, porque
é necessária alguma inteligência para criar distúrbios e caos.
Uma mente inerte está mais próxima da natureza animal do
que da humana.
Quando você injeta alguma energia, a mente torna-se
ativa, mas muitas vezes é dispersa. Quando algumas pessoas
iniciam suas práticas espirituais, podem experimentar um
novo nível de efervescência com o qual talvez não consigam
lidar, a menos que estejam em atmosferas favoráveis. Elas
podem interpretar essa efervescência mental, impulsionada
por novos níveis de energia no sistema, como distúrbio. Há
uma paranoia generalizada entre as pessoas, uma tendência
a temer tudo que é novo. Mas, na realidade, tudo que estão
fazendo é passar da inércia para um nível mais alto de
vivacidade.
Quando aqueles que têm a mente muito dispersa
começam práticas espirituais, alcançam um lugar no qual a
mente torna-se menos difusa. Mas então ela começa a
oscilar – um dia, segue dessa maneira; no outro dia, de
outra. No entanto, isso é uma enorme melhoria em relação a
estar disperso, quando a mente move-se o tempo todo em
dez lugares diferentes.
Se a mente já estava oscilando e se energizando ainda
mais, então lentamente se torna concentrada em um “único
ponto”. Isso é muito melhor do que o estado anterior. Mas o
estado mais elevado é quando a mente torna-se consciente.
Em termos de instrumentos, não são seu computador, carro
ou nave espacial os mais milagrosos, mas a mente humana
– se você pudesse usá-la conscientemente. A razão pela qual
o sucesso surge tão calma e naturalmente para uma pessoa,
e é uma batalha para outra pessoa, é essencialmente esta:
uma pessoa organizou sua mente para pensar como ela quer,
e a outra pensa contra os próprios interesses.
Uma mente humana bem estabelecida é chamada de
kalpavriksha, ou árvore dos desejos que concede algum
benefício. Com essa mente, tudo que você pede se torna
realidade. Tudo que você precisa fazer é desenvolvê-la até
um ponto em que ela se torna uma árvore dos desejos, e não
uma fonte de loucura. Uma mente que pode manifestar tudo
o que escolhe é descrita no yoga como estando em estado de
samyukti. Essa é uma habilidade que surge da equanimidade.
Uma vez que seus pensamentos se organizarem, suas
emoções também serão organizadas. Gradualmente, as
energias e o corpo também se organizam na mesma direção.
No entanto, a ordem em que você aborda essas dimensões
pode variar, vai depender de como você se preparou.
Considerando as realidades do dia, a maioria das pessoas
não está preparada para nenhum sistema, a menos que
antes seja intelectualmente convencida disso.
Eventualmente, quando seus pensamentos, emoções, corpo e
energia são canalizados em uma direção, sua capacidade de
criar e manifestar o que quer é incrível.
Hoje, a ciência moderna está provando que toda essa
existência é apenas uma reverberação de energia, uma
vibração infinita. Os pensamentos também são uma
reverberação. Se você gerar um pensamento poderoso e
deixá-lo sair, ele sempre se manifestará. Para que isso
aconteça, é importante que você não o impeça e enfraqueça
criando padrões de pensamento negativos e autodestrutivos.
Geralmente as pessoas usam a fé como um meio para
banir pensamentos negativos. No entanto, quando você se
torna um ser humano pensante, as dúvidas invariavelmente
surgem. Pela forma como sua mente é feita, se Deus
aparecer aqui neste momento, você não se renderá a ele ou
ela. Em vez disso, desejará conduzir uma investigação para
descobrir se esse ele é genuíno ou não.
Há uma alternativa à fé, que é compromisso. Se você
simplesmente se compromete a criar aquilo com que se
importa, então, mais uma vez, seus pensamentos se
organizam de tal forma que não há obstáculos. Fluem
livremente para o que você quer, e, quando isso acontece, a
manifestação de seu desejo é uma consequência natural.
Para criar o que você realmente quer, primeiro seu desejo
deve ser bem manifestado em sua mente. É isso que você
realmente quer? Pense com cuidado. Quantas vezes em sua
vida você pensou: É isso, mas ao chegar lá percebeu que não
era nada daquilo? Então, explore primeiro o que realmente
quer. Uma vez que isso esteja claro e você esteja
comprometido em criá-lo, você gera um processo contínuo
de pensamento nessa direção. Quando você mantém um
fluxo constante de pensamento sem mudar de direção, ele se
manifestará como uma realidade em sua vida.
Há processos yogis pelos quais você pode tocar outra
dimensão da inteligência, não maculada pela memória,
chamada chitta, que mencionamos anteriormente. A
percepção do poder da chitta é chamada de chit shakti, um
processo simples e poderoso pelo qual você pode acessar a
própria fonte da criação dentro de si.
O mito da cabeça versus coração
É comum ouvir as pessoas dizerem que a cabeçaas conduz
em uma direção e o coração em outra. No yoga, a base
fundamental que estabelecemos é: você é uma pessoa, um
ser único e unificado. Não há separação de cabeça e coração;
você é um todo.
Vamos primeiro entender o que está sendo chamado de
“cabeça” e de “coração”. Você geralmente atribui os
pensamentos à cabeça e as emoções ao coração. No entanto,
se olhar com cuidado e absoluta sinceridade, perceberá que a
forma como você pensa é a forma como você se sente. Mas
também é verdade que a forma como você se sente é a forma
como você pensa. É por isso que o yoga inclui o pensamento
e a emoção como parte do mesmo manomayakosha, ou corpo
mental.
O que você normalmente pensa como sendo “mente” é o
processo de pensamento ou intelecto. Mas, na verdade, a
mente tem muitas dimensões: uma é o aspecto lógico; outra
é o aspecto emocional mais profundo. Como sabemos, o
intelecto é chamado de buddhi. A dimensão mais profunda da
mente é convencionalmente conhecida como o coração. Mas
no yoga essa mente emocional mais profunda é conhecida
como manas – uma amálgama de memória que molda as
emoções de um modo particular. Então, tanto a maneira
como você se sente quanto a maneira como você pensa são
atividades da mente.
É bem simples. Se acho que você é uma pessoa
maravilhosa, terei sentimentos agradáveis em relação a
você. Se acho que você é uma pessoa horrível, nutrirei
sentimentos desagradáveis em relação a você. Se você faz de
alguém seu inimigo e depois tenta amá-lo, é um trabalho
árduo. Não façamos um trabalho árduo dos aspectos simples
da vida.
A forma como você pensa é a forma como você se sente,
mas pensamento e sentimento parecem ser diferentes em
sua experiência. Por quê? Porque o pensamento tem certa
clareza, certa agilidade. A emoção é mais lenta. Hoje, você
acha que uma pessoa é maravilhosa e tem sentimentos
calorosos em relação a ela. De repente, ela faz algo de que
você não gosta, e você a acha horrível. Seu pensamento lhe
diz que ela é horrível, mas seu sentimento não consegue
mudar imediatamente. Ele luta. Se é terno agora, não pode
se tornar amargo no momento seguinte. Leva tempo para
mudar. Tem um processo mais longo. Dependendo da força
de seu sentimento, talvez demore três dias, três meses ou
três anos, mas, depois de algum tempo, a situação mudará.
Não é útil criar esse conflito entre cabeça e coração. A
emoção é apenas a parte mais suculenta do pensamento.
Você pode desfrutar de sua doçura, mas é em grande parte o
pensamento que leva à emoção, quer você reconheça ou não.
A emoção não é totalmente estável. Sua emoção também
vibra, segue esse e aquele caminho, mas é menos ágil que o
pensamento. Como leva mais tempo para mudar, e sua
intensidade é em geral substancialmente maior do que a do
pensamento, muitas vezes parece que o pensamento e a
emoção, como foi usado até aqui são diferentes. Mas não são
mais separados do que a cana e seu caldo.
O pensamento não é tão intenso quanto a emoção na
experiência da maioria das pessoas. (Por exemplo, você
normalmente não pensa com tanta intensidade quando fica
zangado.) Mas se gerar um pensamento intenso o bastante,
ele também pode sobrecarregá-lo. Somente 5% a 10% da
população é capaz de gerar o tipo de pensamento que é tão
intenso que não há necessidade de emoção. Noventa por
cento da população só pode gerar emoções intensas, porque
nunca fez o trabalho necessário na outra direção. Mas há
pessoas cujo pensamento é muito profundo. Elas não têm
muita emoção, mas são pensadoras muito profundas.
É melhor não criar polaridades dentro de si mesmo. Isso
dá em guerra civil e esquizofrenia. Pensamento e sentimento
não são diferentes. Um é seco. O outro é suculento. Aproveite
os dois.
Conhecimento e devoção
Na cultura yogi, há duas facetas para a palavra shi-va. A
palavra significa literalmente “aquilo que não é”. Tudo que é
veio daquilo “que não é”. Se você olhar para o céu, verá
muitas estrelas e objetos celestes, mas ainda assim a maior
presença lá em cima é um vasto vazio. É nesse nada que a
dança da criação está acontecendo. Esse vazio, que é a base
da criação, é chamado shi-va.
Outra dimensão de Shiva é Adiyogi, o primeiro yogi, que
passou a incrível ciência do yoga para a humanidade. A
cultura yogi move-se ininterruptamente da invocação de
shi-va como base da criação para a invocação de Shiva como
o primeiro yogi. Assim, shi-va personifica-se em Shiva.
É contraditório?
De modo algum. Porque uma vez que o yoga, ou a união
suprema, aconteceu, já não há uma distinção entre a
realidade suprema e aquela que a experimentou. De acordo
com essa lógica, a cultura yogi oferece dois caminhos para
alcançar o estado supremo: tornar-se tudo ou tornar-se
nada; o caminho de gnana, conhecimento, ou o caminho de
bhakti, devoção.
Se você quer experimentar o shi-va, ou a dimensão além
do físico, ou você chega a um acordo com as leis que
governam o reino não físico ou se dissolve nessa dimensão,
porque ela significa liberdade das leis que governam o reino
físico. Se quer experimentar o pico de uma montanha, você
se eleva a esse nível ou simplesmente olha para cima. Essas
são as duas formas fundamentais. Caso contrário, nenhuma
reunião é possível. Pelo conhecimento, você aspira a se
encontrar frente a frente com “aquilo que não é”. E pela
devoção, você se esforça para remover sua personalidade
limitada e rígida e se move em direção a um estado mais
flexível, do qual você aborda a dimensão além da estrutura
de seus gostos e desgostos. Esses gostos e desgostos são a
base da sua personalidade. A natureza infinita do desejo
humano é uma expressão de anseio por natureza infinita ou
vida além da existência física. Infinito e zero são apenas
expressões positivas e negativas da mesma realidade.
Devoção significa abandonar as dualidades de gostar e
desgostar, apego e aversão. Significa que “o que está bem” e
“o que não está bem” não existem mais para você; tudo está
bem. Quando um devoto diz: “Deus está em toda parte” ou
“Tudo é Deus”, está essencialmente dizendo: “Tudo está
bem”. Acreditando que Deus está em toda parte, Ele ou Ela
chegam a um estado profundo de aceitação que é
transformador e libertador. Bhakti é universal e abrangente;
não discrimina. É também a natureza da realidade suprema.
Desde os tempos antigos, a devoção é vista como o
caminho espiritual mais importante, porque é o mais rápido.
Mas ele tem as próprias armadilhas. Por um lado, o caminho
da sabedoria é mais difícil, mas é um caminho de “olhos
abertos”. Por outro lado, a devoção é um caminho de “olhos
fechados”. Com a sabedoria, a cada passo que você dá, para a
frente ou para trás, você sabe para onde está indo. Com a
devoção, se você está caminhando para a sua libertação ou se
caiu em um buraco, você deixa de saber.
Geralmente, para a maioria das pessoas, a emoção é mais
intensa do que o pensamento. É por isso que a devoção foi
glorificada acima de todos os outros caminhos. Mas, sem o
entendimento e a sabedoria corretos, percorrer o caminho da
devoção pode levar a todos os tipos de ilusão. A devoção é
uma ferramenta para transcender a dualidade da natureza da
lógica. Mas, em vez de transcender a lógica, pode-se acabar
negando-a totalmente. Então, é importante ficar em uma
plataforma estável da lógica antes de entrar no estado fluido
da devoção.
Muitas pessoas acreditam que a devoção não tem lugar no
reino da lógica. Isso não é verdade. A lógica é essencialmente
uma ferramenta de corte, um instrumento de discernimento.
Se a sua lógica é como um machete, quando você ponderar
alguma coisa, ela se partirá em dois pedaços. Mas, se o
bisturi de lógica que você usa for muito bem afiado, você
poderá cortar algo e ainda parecer deixá-lo inteiro. Quando
um exímio espadachim usa a espada para cortar uma árvore,
dizem que nem a árvore percebe; ainda permanece como
uma. Se o seu intelecto se tornar tão refinado assim, você
descobrirá que a devoção encaixa-se perfeitamenteem sua
lógica.
A devoção pode ser muito bonita, alegre, extática, mas,
sem a clareza do conhecimento, pode levar à estagnação. No
entanto, sem emoção, as práticas espirituais podem se
tornar estéreis, secas e sem vida. Sem bhakti, gnana torna-se
simplesmente um minucioso exercício.
Como falei anteriormente, se você quer experimentar
estar no pico de uma montanha, você se eleva a esse nível,
ou simplesmente olha para cima. O devoto sabe que, se você
conseguir subir para alcançar o pico, ainda estará ao lado do
pico. Mas, se você se tornar o vale, carrega a montanha
inteira no colo.
YOGA E INTOXICAÇÃO
Segundo a lenda, Adiyogi bebeu somarasa, o suco inebriante da
Lua. Ele simplesmente absorveu a essência destilada dos raios
lunares e foi descrito como constantemente bêbado.
Os yogis não são contra o prazer. Só não estão dispostos a se
contentar com pequenos prazeres! Sabem que, se você beber
uma taça de vinho, isso lhe dará um entusiasmo, mas na manhã
seguinte você ficará com dor de cabeça e muito mais. Os yogis
não estão dispostos a se contentar com isso. Para desfrutar da
intoxicação, você deve estar totalmente bêbado, mas plenamente
alerta. Nunca toquei em qualquer substância, mas, se olhar nos
meus olhos, verá que estou sempre chapado. Estou totalmente
bêbado e plenamente consciente. Esse é um dos prazeres que a
ciência do yoga oferece.
O objetivo final não é só intoxicação. Esse estado de felicidade
suprema elimina o medo do sofrimento. Nesse indescritível
estado de êxtase, não há preocupações sobre autopreservação.
Isso é o que faz um ser humano capaz de ser e agir de uma forma
que às vezes pode parecer sobre-humana aos outros.
Somente quando a aflitiva ansiedade da autopreservação for
completamente eliminada de sua mente você ousará explorar a
vida. Caso contrário, você só quer protegê-la. Uma vez que o
medo do sofrimento é abandonado, você pode mergulhar em
qualquer situação sem hesitação. Mesmo que você esteja
condenado ao inferno eterno, irá alegremente para lá, porque
não tem medo de sofrer!
Quando todos estavam falando sobre ir para o céu, Gautama,
o Buda, disse: “Você diz que tudo está bem no céu, então o que
farei lá? Deixe-me ir ao inferno e fazer algo para ajudar os outros,
porque de qualquer forma não posso sofrer”.
Enquanto o medo do sofrimento persistir, você não ousará
explorar as dimensões mais profundas da vida. Só esse corpo
precisa ser protegido; nada mais dentro de você precisa de
proteção. Se estiver disposto a abandonar as ideias, filosofias e
sistemas de crenças aos quais está atualmente ligado, poderá
recriar toda a sua vida no momento seguinte. ■
Mantra do amor
E quanto ao amor? Existe amor incondicional? Isso pode
verdadeiramente existir entre dois seres humanos? Estas são
perguntas frequentes.
Um dia, Shankaran Pillai foi a um parque e avistou uma
mulher atraente sentada em um banco de pedra. Ele se
acomodou no mesmo banco. Depois de alguns minutos, ele
se aproximou um pouco. Ela se afastou. Ele esperou alguns
minutos, então se aproximou mais um pouco; ela se afastou.
Quando ele voltou a se aproximar, ela se mudou para a
extremidade do banco. Ele chegou bem perto e pôs o braço
em torno dela. Ela o empurrou. Então ele se ajoelhou,
arrancou uma flor, entregou a ela e disse: “Eu te amo como
nunca amei ninguém em minha vida”.
O Sol estava se pondo. Ele tinha uma flor na mão. Olhou
para ela com um olhar derretido. Acima de tudo, era a
atmosfera certa. Ela se derreteu. A natureza assumiu o
controle e eles tiveram o que desejavam um com o outro. O
cair da noite se intensificou. Shankaran Pillai levantou-se de
repente e disse: “São 20h. Preciso ir.”
Ela disse: “O quê? Agora? Você acabou de dizer que me
amava mais do que qualquer outra pessoa!”.
“Sim, sim, é claro, mas minha esposa está esperando.”
Geralmente, estabelecemos relacionamentos dentro de
estruturas que são confortáveis e lucrativas para nós. As
pessoas têm necessidades físicas, psicológicas, emocionais,
financeiras e sociais a satisfazer. Para satisfazê-las, uma das
melhores formas é dizer a alguém: “Eu te amo”. Esse
suposto amor se tornou um tipo de mantra “abre-te,
Sésamo”. Você pode conseguir o que quer ao dizê-lo.
O amor é uma qualidade, não algo a ver com outra pessoa.
Cada ação que fazemos é, de alguma forma, para satisfazer a
certas necessidades. Se você vê isso, então existe a
possibilidade de conseguir se transformar em amor como
sua qualidade natural. Mas você pode continuar se
enganando ao acreditar que os relacionamentos que criou
para conveniência, conforto e bem-estar são na verdade
relações de amor. Não estou dizendo que não há experiência
de amor nessas associações, mas ela ocorre dentro de certas
limitações. Não importa quantas vezes o amor verdadeiro
tenha sido proclamado; se algumas expectativas e exigências
não forem satisfeitas, as coisas desmoronam. É
essencialmente um esquema de benefício mútuo.
Na verdade, não existe amor condicional e amor
incondicional. Há condições e há amor. Quando você fala de
amor, tem que ser incondicional. Quando há uma condição,
equivale apenas a uma transação. Talvez uma transação
conveniente, talvez um bom arranjo, mas que não vai
satisfazê-lo ou transportá-lo para outra dimensão. É apenas
conveniente. O amor não precisa necessariamente ser
conveniente; na maioria das vezes não é. Ele toma vida. Você
tem que entregar a si mesmo.
Se você tem que estar apaixonado, não deveria estar. A
expressão “cair de amores” é muito significativa. Você não
escala o amor, não se ergue no amor, não voa no amor, você
cai de amores. Algo de você deve cair ou se dissolver para
acomodar o outro. Há uma distinção entre um compromisso
e um caso de amor. Um caso de amor não precisa ser com
uma pessoa em particular; você poderia estar tendo um
grandioso caso de amor com a própria vida.
O que você faz ou não faz está de acordo com as
circunstâncias em que você está. Nossas ações são sempre
moldadas pelas exigências de situações externas. Mas o
amor é um estado interior, e como você está dentro de si
mesmo pode definitivamente ser incondicional. Atos de
amor podem se tornar entediantes e estressantes ao longo
de um tempo. Você percebe que amor não é algo que você
faz; amor é como você é.
Sadhana
O amor nunca acontece entre duas pessoas. Acontece dentro
de você, e sua interioridade não precisa ser escravizada por
alguém ou por alguma outra coisa. Tente por quinze minutos
ou mais: vá se sentar com algo que não signifique nada para
você agora – talvez uma árvore, uma pedra, um verme ou um
inseto. Faça isso por alguns dias seguidos. Depois de um
tempo, descobrirá que pode enxergá-lo com tanto amor
quanto sua esposa ou marido, mãe ou filho. Talvez o verme
não saiba disso. Não importa. Se puder olhar para tudo com
amor, o mundo inteiro se tornará belo em sua experiência.
Devoção: uma mudança dimensional
A maioria das pessoas vive com cautela, medindo seu amor e
alegria em parcas doses com medo de que se acabem. A
forma mais generosa de viver é dar o exemplo ao resto do
mundo vivendo a vida a todo vapor e além de todas as
limitações. Se você é tão mesquinho que não pode amar, rir
ou viver totalmente, é o que na Índia chamamos de kanjoos
– um avarento – em todos os níveis! Devoção significa
que você não é um kanjoos – você está cheio de energia! Um
devoto é alguém que busca explorar e experimentar a vida da
forma mais completa possível.
A devoção não é uma dissecação da vida, mas uma
aceitação completa. Não é um caso de amor, mas uma coisa
louca. O amor em si é louco, mas há fragmentos de sanidade
a ele associados; você ainda pode se recuperar. Na devoção,
não há fragmento de sanidade; não há recuperação. Os
devotos têm a experiência mais doce da vida. Todos podem
pensar que são idiotas, mas estão tendo a melhor vida no
planeta. Você decide quem é o idiota!
Quando digo “devoção”, não estou falando de fé ou
crença. A crença é como a moralidade.As pessoas que
acreditam em algo muitas vezes acham que são superiores
aos outros. Tudo que acontece quando você acredita em algo
é que sua estupidez adquire confiança. Confiança e estupidez
são uma combinação muito perigosa, mas geralmente
andam juntas. Se você começasse a olhar para o mundo ao
seu redor, entenderia claramente que o que você sabe é tão
minúsculo que não há como agir com confiança. Um sistema
de crenças afasta esse problema; ele lhe dá uma enorme
confiança, mas não cura a sua estupidez.
A devoção não é um ato; não é dirigido a uma coisa ou
outra; o objeto de devoção é imaterial. O que acontece é que,
com a devoção, você dissolve toda a sua resistência para que
o divino transcorra tão facilmente quanto a respiração. O
divino não é uma entidade sentada lá em cima; é uma força
viva em todos os momentos da sua vida. A devoção o faz
ciente.
Uma vez, em um tradicional jantar em uma família
católica, o homem da casa chegou à mesa, olhou para a
comida e, como de costume, resmungou e amaldiçoou a
esposa e tudo ao seu redor. Depois que a reclamação
terminou e todos se acalmaram, ele se sentou e proferiu sua
oração: “Querido Deus, obrigado pelo pão de cada dia e por
todas as coisas maravilhosas sobre a mesa”.
Sua filha de 5 anos se sentou docilmente à mesa. Você
sabe, essas crianças de 5 anos… Travesseiros extras e
pequenas almofadas sempre são mantidas para elas, mas
ainda assim nunca conseguem realmente alcançar o prato.
Então, essa menina de 5 anos, com a mesa à altura do
pescoço, soltou: “Papai, Deus ouve todas as nossas
orações?”.
Imediatamente, o cristão nele despertou e ele respondeu:
“Sim, é claro. Sempre ouve cada oração que pronunciamos”.
Então a menina afundou um pouco mais na cadeira,
porque afundou nos próprios pensamentos. Depois de um
tempo, perguntou: “Mas, papai, Ele também ouve todas as
outras coisas que dizemos?”.
“Sim, a cada momento de nossa vida, Deus está ouvindo
tudo o que dizemos e fazemos.”
Então ela afundou mais um pouco e disse: “Papai, então
em que Ele acredita?”.
Diga-me, em que Deus deveria acreditar – em suas
orações ou em suas maldições? Ele deve estar totalmente
confuso! Deve ter desistido. Como sistematizamos ou
institucionalizamos as partes mais sutis da vida, de repente
tudo perde sua vitalidade e se torna sem vida. As mesmas
palavras estão sendo pronunciadas, como se fossemos
papagaios, por todos, mas não significam mais nada.
Quando dizemos algo que realmente não significa nada para
nós, isso não queima dentro de nós, é equivalente a mentir.
Na verdade, é melhor calar a boca.
Estamos sempre tentando imitar aqueles que
consideramos nossos mentores e modelos. Quando alguém
disse algo parecido dois mil anos atrás, funcionou para ele –
por causa do fogo em seu coração, por causa da verdade que
estava queimando dentro dele, não por causa das palavras
que ele proferiu.
Não há nada de manso ou tépido na devoção. Não é para
os covardes. É quente. A devoção queima.
AKKA MAHADEVI
Cerca de novecentos anos atrás, uma mística chamada Akka
Mahadevi vivia no sul da Índia. Akka era devota de Shiva. Desde a
infância, considerava Shiva o seu amado, seu marido. Não era só
uma crença; para ela, era uma realidade.
O rei viu essa bela jovem um dia e decidiu que a queria como
esposa. Ela o recusou. Mas o rei foi inflexível e ameaçou seus pais,
então ela cedeu.
Ela se casou com o homem, mas o manteve à distância física.
Ele tentou cortejá-la, mas seu lema constante era: “Shiva é meu
marido”. O tempo passou e a paciência do rei acabou. Enfurecido,
ele tentou colocar as mãos nela. Ela recusou. “Eu tenho outro
marido. Seu nome é Shiva. Ele me visita, e estou com ele. Não
posso estar com você.”
Como alegou ter outro marido, foi levada ao tribunal para ser
processada. Dizem que Akka anunciou a todos os presentes: “Ser
rainha não significa nada para mim. Eu vou partir”.
Quando o rei viu com que facilidade ela estava se afastando
de tudo, fez um último esforço inútil para salvar sua dignidade.
Ele disse: “Tudo em sua pessoa – suas joias, suas vestimentas –
pertence a mim. Deixe tudo aqui e vá”.
Então, na assembleia cheia, Akka simplesmente deixou
caírem as joias, todas as roupas, e foi embora nua. Daquele dia
em diante, ela se recusou a usar roupas, embora muitos
tentassem convencê-la do contrário. Era inacreditável que uma
mulher andasse nua pelas ruas da Índia na época – e essa era
uma bela jovem. Ela viveu a vida como uma mendicante errante e
compôs uma primorosa poesia que se perpetuou.
A. K. Ramanujan, poeta indiano, estudioso da literatura
indiana, traduziu o seguinte poema de Akka:
Pessoas,
homem e mulher,
coram quando um pano que cobre sua vergonha
se solta.
Quando o senhor das vidas
vive afogado sem um rosto
no mundo, como você pode ser modesto?
Quando todo o mundo é o olho do Senhor,
observando em todos os lugares, o que você pode
cobrir e esconder?
Devotos desse tipo podem estar neste mundo, mas não são
deste mundo. O poder e a paixão com que viveram a vida os
tornam inspirações para gerações da humanidade. Akka continua
a ser uma presença viva na consciência coletiva indiana, e seus
poemas líricos permanecem entre as obras mais valorizadas da
literatura do sul da Índia até hoje. ■
Aceitando o mistério
Só uma inteligência juvenil analisa as coisas e chega a uma
conclusão. Se a sua inteligência está suficientemente
evoluída e madura, você percebe que, quanto mais analisa,
mais longe está de qualquer conclusão.
Se você se aprofundar em qualquer aspecto da vida, se
afastará cada vez mais de qualquer conclusão. A vida torna-
se mais misteriosa do que nunca. Quanto mais investiga a
vida, mais vê que é um processo infinito e insondável. Você
não consegue entendê-la porque você é a vida. Quando
percebe experimentalmente que cada átomo, cada grão de
areia, cada seixo, cada pedaço da vida, do menor ao maior, é
insondável, naturalmente se curva na maior devoção a tudo.
Se você simplesmente se sentar aqui e respirar, conhecerá a
vida melhor do que através de qualquer análise profunda.
Quando dissecamos tudo, querendo escavar a verdade da
natureza física, entramos nas minúsculas dimensões da
ciência das partículas. De prótons, nêutrons e elétrons a
neutrinos, bósons e partículas supersimétricas, parece que
estamos nos aprofundando cada vez mais. Mas tudo isso
ainda está apenas no reino da natureza física. Segundo nos
dizem, a matéria escura engloba mais do Universo do que a
matéria – e essa matéria escura não é composta de átomos,
mas de partículas de um tipo ainda desconhecido.
Pegue um copo de água e dê uma olhada nele. O que você
realmente sabe sobre ele? Por exemplo, por que hidrogênio e
oxigênio se combinam para se tornar água? Ou pegue uma
pedra e olhe para ela demorada e fixamente. Por que ela tem
essa forma, tamanho, granulação e textura em particular?
Ou apenas olhe para si mesmo: por que você é do jeito que é?
Muitos responderiam: “Ah, meu pai, minha mãe… e aqui
estou”. Mas por que você é assim? Qual é a base dessa
forma, desse corpo, dessa individualidade?
Tradicionalmente, na Índia, dizia-se que uma pessoa
deveria reverenciar tudo que encontrasse. Não importava se
fosse uma árvore, uma vaca, uma cobra ou uma nuvem –
você apenas se curvava àquilo. Quando você se curva para
tudo, pode ser que você seja um tolo, ou que tenha olhado
para a vida em sua maior profundidade. A diferença entre
um idiota e um ser iluminado é tênue. Os dois muitas vezes
se parecem, mas na verdade são mundos distintos. Um idiota
é incapaz de tirar conclusões. Um místico não está disposto a
tirar conclusões. Os outros glorificaram suas conclusões
como conhecimento. O idiota desfruta apenas do pouco que
sabe, e aquele que viu a vida em sua profundidade máxima
desfruta disso absolutamente. Os outros são aqueles que
constantemente lutam e sofrem.
Certa manhã, um homem entrou em seu escritório e disse
ao chefe: “Chefe, quero que você saiba,três grandes
empresas estão atrás de mim. Você deve me dar um aumento
de salário”.
O chefe disse: “O quê? Quais empresas? Quem quer
você?”.
Ele disse: “A companhia elétrica, a companhia telefônica
e a companhia de gás”.
Algo está sempre por trás das supostas pessoas
inteligentes, aquelas com conclusões confirmadas sobre a
vida! Ou então, estão sempre ocupadas em perseguir alguma
coisa. Um idiota pode se sentar aqui em silêncio. Um místico
pode se sentar aqui em silêncio. Os outros não podem.
A devoção é um método simples de dissolver todos os
obstáculos do caminho. Se aqueles que estão lutando para
conter a tagarelice da “mente de macaco” se tornarem
devotos, a tagarelice simplesmente evaporará.
Se você aprende a se curvar, a manter tudo mais alto do
que você, isso não parece bom para a sua autoestima. Mas se
tornar um devoto não significa ser um fraco. Aquilo que sabe
se dobrar não vai quebrar. (É por isso que você é encorajado
a fazer seu hatha yoga todas as manhãs – essencialmente
para que seu corpo não quebre!) É assim com tudo dentro de
você.
É lamentável, mas atualmente até os supostos líderes
espirituais estão falando de autoestima. “Eu” (auto) e
“estima” são um problema. São entidades muito limitadas,
frágeis; ambas sempre serão inseguras. Se você não tem
estima, muito bom. Se não tem eu, fabuloso!
Sadhana
Quando você experimenta algo muito maior do que você
mesmo, a reverência lhe ocorre naturalmente. Se quer se
tornar um devoto, pelo menos uma vez por hora em todos os
momentos da sua vida, junte as mãos e se curve a algo. Não
importa quem ou o quê. Não escolha. Seja o que for que
você veja, apenas curve a cabeça – seja uma árvore, uma
montanha, um cachorro, um gato ou qualquer coisa. Não
precisa ser um ato físico; pode ser uma ação interna. Basta
fazê-lo ao longo do dia, uma vez por hora. Veja se pode
praticar uma vez por minuto. Quando se torna uma vez por
minuto, não há necessidade de usar as mãos e o corpo;
simplesmente faça dentro de você. Uma vez que isso se
torna o seu jeito de ser, você é um devoto.
Mesmo que gaste uma vida inteira, você ainda não
entenderá uma folha, um elefante, uma formiga ou um
átomo. Você é incapaz de imaginar até mesmo uma
molécula de DNA. Tudo que você não consegue entender
está em um estado superior ao seu de inteligência
existencial. Quando vê isso – realmente vê –, você é um
devoto.
Um devoto é alguém disposto a se dissolver no objeto de
devoção. Se é um devoto da vida, vai se tornar um com ela.
Não seja um estranho ao processo da vida. Torne-se um
devoto. Dissolva-se.
Energia
Seguindo a trilha prânica
Atualmente, os seres humanos identificam-se com o corpo e
a mente de várias formas. No entanto, fundamentalmente, o
que você chama de “eu” é apenas uma quantidade de
energia. A ciência moderna provou, sem sombra de dúvida,
que toda a existência é composta da mesma energia,
manifestando-se em milhões de maneiras
desconcertantemente diferentes. Quando Einstein nos dá a
fórmula E = mc2, ele está simplesmente dizendo que tudo no
Universo pode ser visto como apenas uma energia. As
religiões em todo o mundo proclamam a mesma coisa
usando uma terminologia um pouco diferente quando
afirmam que “Deus está em todos os lugares”.
A ciência moderna chegou às suas conclusões pela
dedução matemática. A religião chegou às suas conclusões
pela crença. Mas o yogi é um cabeça-dura que não se
contenta com dedução ou crença. Ele busca experimentar o
supremo mediante aprimoramento da percepção individual.
Consequentemente, a tradição yogi não menciona Deus, e
também não o nega.
O anseio humano de se expandir, na verdade, é só uma
expressão da inteligência suprema sem forma, que é a
própria fonte de quem somos. Em vez de tentar encontrar a
fonte do nosso anseio, tentamos expressá-lo no mundo
exterior. Por causa da natureza de nossos sentidos ligados ao
exterior, somos levados enganosamente a acreditar que a
expressão exterior de alguma forma trará satisfação. Quando
você interpreta erroneamente a expressão como a causa, ela
traz apenas obstáculos, não liberdade.
O único objetivo das energias vitais de cada indivíduo é
tocar o infinito – o cerne de nossa criação. Elas não
conhecem outro objetivo. Sua mente pode estar pensando
em dinheiro ou em uma nova casa, e seu corpo pode estar
ansioso por comida ou por dormir, mas suas energias vitais
estão sempre desejando romper os limites estabelecidos por
suas estruturas físicas e mentais. Lentamente, no processo
de viver, muitas pessoas pararam de seguir a trajetória de
suas energias vitais. O resultado é que começam a acreditar
que são entidades separadas ou autônomas.
Contudo, a separação é um mito. Tanto o conteúdo do seu
corpo físico quanto o do seu corpo mental foram coletados
do exterior. Eles pertencem a você, mas não são você. Se
você quer seguir o caminho do seu corpo atualmente, deve
saber que ele está indo direto para o túmulo. Da mesma
forma, o que você conhece como a mente é uma confusão
complexa de todas as coisas que ela vem acumulando. Os
objetivos da mente são inteiramente autogerados. Podem
parecer bons agora, mas em geral o afastam completamente
do processo da vida. Então, se você segue o caminho da sua
mente, deve saber que está indo em direção a uma criação
psicológica alternativa; pode ser fascinante, estimulante ou
mesmo reconfortante por um tempo, mas não tem qualquer
relação com a realidade existencial.
Todo o processo yogi visa a alinhar-se com o anseio
natural da vida de se expandir de forma ilimitada. Ele dá
expressão consciente a essa necessidade humana básica. As
várias práticas espirituais nas ciências do yoga destinam-se
a auxiliar esse anseio em três níveis: o corpo físico, o corpo
mental e o terceiro revestimento, ou camada, do mecanismo
humano, o pranamayakosha, ou corpo energético.
O yoga significa experimentar o processo mental e físico
distintamente, não como base de si mesmo, mas como aquilo
que é causado por você. Se gerenciar esses dois instrumentos
de corpo e mente conscientemente, então sua experiência de
vida será 100% sua criação. Tudo que você precisa fazer é
criar uma distância entre si e tudo que acumulou do exterior.
Tudo que você reuniu nesta vida o acompanha aonde quer
que você vá. Está profundamente ligado a você, e você, por
sua vez, está profundamente ligado a isso, em algum nível
inconsciente. Ele se torna um estorvo, porque você não sabe
quando deixá-lo e quando pegá-lo. É como um saco que
você carrega nos ombros o tempo todo.
Mas é possível para você largá-lo. Ele ainda será seu
companheiro, mas pelo menos não será tão pesado! É
definitivamente possível criar alguma distância entre você e
o que você recolheu. Você pode usar esses elementos quando
quiser, mas não precisa se identificar com eles. Se não puder
manter essa distância, toda a sua visão da vida ficará
obscurecida. Sua memória e sua imaginação – que inclui
todas as suas ideias, crenças e emoções – pertencem ao
âmbito psicológico. A vida só pode ser degustada e transcendida
quando há uma distinção entre o psicológico e o existencial.
O processo espiritual significa um retorno à vida.
Significa seguir a profunda inteligência de suas energias
vitais. Há muitas formas de reconhecer de que maneira suas
energias de vida querem seguir. Se você se desidentificar
com processos fisiológicos e psicológicos, verá isso com
clareza. É somente quando conscientemente se dirige em
direção a suas energias vitais que você encontra
equanimidade e harmonia. É apenas em um estado tão
estável que você ousaria explorar os mais altos níveis de
exuberância e se aventurar nos mais profundos mistérios da
vida.
DOR SEM SOFRIMENTO
Nos meus dias de moto, costumava andar por todo o país. Um
dia, quando eu estava em uma área remota, um estranho
acidente ocorreu, e o músculo da minha panturrilha foi cortado
até o osso. Então fui a uma clínica local e pedi ao médico para
cuidar da minha perna.O médico examinou a ferida e disse que
não havia como fazê-lo, porque não tinha equipamento
anestésico. Ele sugeriu que eu corresse para um hospital maior e
buscasse atendimento médico imediato. Falei que não tinha
tempo, que tinha que continuar minha jornada porque tinha uma
agenda a cumprir. Falei que ele tinha que cuidar. Ele se recusou.
Eu estava sangrando muito. Depois de muita discussão, ele
cedeu, porque uma poça de sangue se acumulava onde eu
estava. Então, sem qualquer anestesia, começou a costurar meu
músculo, o que somou 52 suturas em três níveis diferentes.
Durante todo o processo, eu conversei com ele. Ele estava suando
e esbaforido. Depois que terminou, ele me perguntou, incrédulo:
“Você não está com dor na perna?”.
Estava com dor. Uma dor terrível e insuportável. Mas a dor é
um fenômeno natural, e é bom. Sem ela você não saberia que sua
perna foi cortada. Mas sofrimento é outra questão. A dor é ruim o
bastante; por que piorar com o sofrimento? O sofrimento é
inteiramente autogerado. E todo ser humano tem a escolha:
sofrer ou não sofrer. Não é preciso muita inteligência para
escolher o último. ■
O enigma kármico
Uma vez aconteceu que Shankaran Pillai estava sentado em
um bar com os amigos. De repente, o relógio bateu 8h da
noite. Shankaran Pillai largou o copo, levantou-se e
começou a andar em direção à porta.
Seus amigos disseram: “Ei, qual é o problema? Aonde
você vai? Por que não termina sua bebida?”. Mas Shankaran
Pillai continuou andando sem dizer nada, como um zumbi,
em direção à porta.
Os amigos riram e disseram: “Tudo bem, agora sabemos!
São 8h da noite e você tem que estar em casa. Você tem
medo da sua esposa, não é? O que você é, um homem ou um
rato?”.
Shankaran Pillai parou, virou-se e disse: “Eu sou o
homem da casa. Se eu fosse um rato, minha esposa teria
medo de mim!”.
Ele caminhou lentamente para casa. A regra de sua
esposa era que ele deveria chegar em casa às 8h da noite.
Naquele dia, a discussão homem-rato e seu passo lento e
inebriado o atrasaram. Sua esposa estava sentada na
varanda, o rolo de massa na mão. Ela olhou furiosa para ele
e disse: “Seu tolo, bebendo de novo? Venha aqui que vou lhe
mostrar”.
Shankaran Pillai era um homem frágil, mas ágil. Ele
caminhou na direção dela humildemente, e de repente saltou
sobre ela e correu para dentro de casa. Ela se levantou e foi
desajeitadamente atrás dele. Ele a fez correr por toda a casa,
confiante de que ela nunca seria capaz de pegá-lo. Depois de
correr muito, ele disparou para o quarto e mergulhou
embaixo da cama. Ela correu atrás dele. Era uma mulher
grande e não podia deslizar para debaixo da cama. Ele ficou
ali, seguro, enquanto ela gritava: “Seu covarde! O que está
fazendo debaixo da cama? Saia daí! Você é um homem ou um
rato?”.
Shankaran Pillai respondeu: “Eu sou o homem desta casa.
Tenho a liberdade de me deitar onde quiser”.
Era o único lugar em que poderia ficar naquele momento,
mas ele precisava afirmar que era sua liberdade!
Infelizmente, a maioria dos seres humanos está fazendo a
mesma coisa: rotulando suas compulsões e limitações como
suas escolhas. Se você puder alegremente fazer o que quer
que seja necessário em uma situação, isso é liberdade. Mas
se limitar a fazer apenas o que você gosta é uma maneira
horrivelmente compulsiva de viver. Essa compulsão é o
truque do karma – aquela palavra antiga que foi deformada
pelo uso popular em todo o mundo.
O que exatamente é karma?
Karma significa literalmente “ação”. A ação pode ser de
três tipos: em termos de corpo, mente ou energia. Tudo que
você faz com seu corpo, sua mente ou sua energia deixa um
resíduo. Esse resíduo forma um padrão próprio, e esses
padrões resultantes permanecem com você. Quando você
reúne um grande volume de impressões, elas lentamente se
moldam em tendências, e você fica como um brinquedo
automático, um escravo de seus padrões, um fantoche de seu
passado.
O karma é como um software antigo que você escreveu,
inconscientemente, para si mesmo. Dependendo do tipo de
ação que executa, você escreve seu software. Depois de
escrever certo tipo de software, todo o seu sistema funciona
de acordo. Com base nas informações do passado, certos
padrões de memória são formados e se mantêm recorrentes.
Então, a vida é apenas cíclica.
É por isso que os mesmos padrões continuam retornando
em sua vida. Há algumas variações, mas eles permanecem
essencialmente os mesmos, repetindo-se através das
gerações. Depois de um tempo, essa repetição pode ser
mortal. É importante ver que esses padrões o governam de
dentro, não de fora. Ninguém tem que exercer nenhum
controle externo sobre você. Seu autocrata interno o governa
o tempo todo. Você pode pensar que é um novo dia. As
circunstâncias podem mudar, mas internamente você está
experimentando a mesma coisa repetidas vezes. E, assim,
quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as
mesmas – não fisicamente, mas de modo experiencial! Você
está preso de forma impotente na rotina cármica.
A liberdade é, então, uma palavra vazia, porque a maneira
como você pensa, sente e entende a vida – até mesmo a
forma como se senta, fica em pé e se movimenta – é
condicionada por suas impressões passadas. Desde o
momento em que você nasceu, seus pais, sua família, sua
educação, seus amigos, onde você morou e para onde viajou
– todas essas coisas decidiram tudo sobre você. O karma é
criptografado sobre todos os aspectos da vida. Está impresso
em sua memória mental, nos fundamentos do seu corpo, na
sua química, na sua própria energia. Esses são todos
sistemas de backup. Mesmo que você perca seu corpo ou sua
mente, não perderá seu karma! Os sistemas de backup são
muito eficientes.
O que você considera sua personalidade – conjunto de
traços e tendências – é consequência de informações que
recolheu inconscientemente. Essas tendências são
tradicionalmente descritas como vasanas. A palavra vasana
significa literalmente “cheiro”. Dependendo do tipo de lixo
que está na lixeira hoje, esse será o tipo de cheiro que
emanará dela. Dependendo do tipo de cheiro que você emite,
você atrai certos tipos de situações da vida para si mesmo.
Suponha que hoje haja peixe podre na lixeira. Pode
cheirar mal para você, mas muitas outras criaturas são
atraídas por ele. Amanhã, se houver flores, o cheiro será
diferente e outras criaturas serão atraídas por elas.
Quando fui pela primeira vez ao sul, à cidade de
Coimbatore, quase trinta anos atrás, me hospedei na casa de
um médico. Ele era um homem sociável e me contou sobre
um incidente que aconteceu em sua família. Eles eram de
uma região costeira da Índia, e sua filha mais velha gostava
particularmente de peixe. Ela estava estudando no norte, nas
colinas de Dehradun, e lá não havia peixe para comer; então,
sempre que voltava para casa nas férias, queria comê-lo
todos os dias. Sua esposa era vegetariana e, apesar de não
comer, cozinhava o peixe.
Há um pequeno peixe seco específico que você conheceria
se fosse daquela parte do país. Ele tem um fedor incrível. Se
estiver sendo transportado em um caminhão, você desejaria
dirigir a 3 km de distância do caminhão ou prender a
respiração enquanto passa por ele. Cozinhá-lo em casa é
uma boa estratégia para expulsar os vizinhos! A garota
queria que aquele peixe em particular fosse preparado.
Então, enquanto estavam fritando esse peixe seco, era
como se toda a casa estivesse sendo defumada. Aquele odor
poderia ressuscitar os mortos! A mãe foi até a cozinha para
dizer às cozinheiras como prepará-lo, mas quando o fedor
começou a emanar da frigideira, ela saiu correndo, porque
não conseguiu aguentar. Enquanto isso, a garota, que estava
no quarto, também sentiu o cheiro e saiu correndo, seguindo
o odor. Mãe e filha bateram de cabeça uma na outra – e a
mãe acabou com o nariz quebrado!
Menciono esse incidente não como uma ilustração de
recompensa e punição, mas como ilustração das possíveis
consequências de forte apegoe aversão. Quando dominam
sua vida, algum tipo de colisão é inevitável. Vasanas, ou
tendências, são geradas por um vasto acúmulo de
impressões causadas por suas ações físicas, mentais e
energéticas. O que você chama de sua personalidade é
apenas uma expressão dessas tendências.
Então, hoje, se você está fazendo algo de um jeito
específico e alguém pergunta por que não pode fazê-lo de
modo diferente, você costuma declarar: “Essa é a minha
natureza. Não posso fazer o que eu quero?”. Essa não é sua
natureza. Você não está fazendo o que quer. Essas tendências
se tornaram compulsivas. Essa é a sua escravidão, um tipo
de software que você está escrevendo inconscientemente
para si mesmo. Quando seu software é fixado, é como se
houvesse apenas um caminho que você pudesse seguir na
vida. Como se seu destino fosse predeterminado. No entanto,
um processo espiritual significa que decidimos reescrever
conscientemente o nosso software.
Na Índia, karma é uma palavra comum. Se as pessoas
exibem qualquer tipo de comportamento compulsivo, outras
pessoas dizem imediatamente: “Ah, esse é o seu karma”.
Isso significa que ele é criação delas. A amargura ou doçura
de qualquer experiência não está no evento em si, mas em
como você o percebe e responde a ele. O que é uma
experiência muito amarga para uma pessoa pode ser uma
bênção para outra.
Certa vez, um homem aflito sentou-se ao lado de uma
lápide, chorando amargamente e batendo com a cabeça nela.
“Minha vida! Ah, como é sem sentido. Meu corpo é uma
carcaça inútil agora que você foi embora. Se você tivesse
vivido! Se o destino não tivesse sido tão cruel! Se você não
tivesse ido embora, como minha vida teria sido diferente!”
Um clérigo que estava próximo o ouviu e disse: “Suponho
que a pessoa que jaz sob este monte de terra era alguém de
grande importância para você”.
“Importância? Sim, sem dúvida!”, chorou o homem,
lamentando ainda mais alto. “Era o primeiro marido da
minha esposa!”
Assim, a qualidade de sua vida é sempre decidida pela
forma como você experimenta a vida, não pelo que a vida lhe
oferece.
É importante lembrar que a palavra karma não tem um
sentido negativo. Karma é o que dá estabilidade e estrutura à
sua vida. A cada momento, as impressões estão jorrando em
seu sistema por meio dos cinco órgãos dos sentidos, e cada
uma delas está sendo registrada. Não há nada de errado com
essa informação armazenada. É muito útil para sua
sobrevivência. Se você apagasse tudo isso, não saberia como
lidar com os aspectos mais simples da vida. O processo
espiritual não busca demolir esse armazém de impressões
kármicas, mas o ajuda a se tornar mais consciente dele e a
estabelecer um pouco de espaço, o que lhe permite ficar fora
dele.
Portanto, seu software não é o problema em si. Só se
tornará um problema se ele se tornar o fator dominante em
sua vida. Falar de karma bom e karma ruim é como falar de
escravidão boa e de escravidão ruim. Isso não existe. O
karma é sua própria criação. Não é bom nem ruim. É um
software que pode ser útil se você tiver alguma liberdade em
relação a ele. Isso é tudo a que o processo espiritual visa:
afrouxar o aperto do karma sobre você. Qualquer que seja a
natureza do seu karma passado, há bastante consciência em
um ser humano para assumir completamente o controle do
karma do momento presente.
Se você quer qualquer tipo de transformação, qualquer
tipo de movimento para a frente em sua vida, isso só pode
acontecer se quebrar os padrões cíclicos do karma. Qualquer
coisa que seja cíclica sugere movimento constante, mas não
vai realmente a lugar algum. Se você é sensível à vida, logo
percebe. Se é menos sensível, percebe à medida que
envelhece. Tudo pode parecer estar indo em sua direção: sua
vida profissional pode estar florescendo, seu capital pode
estar aumentando, sua família pode estar prosperando, mas
você não está realmente chegando a lugar algum. Quanto
mais rápido você alcança seu sucesso, mais rápido percebe
isso. Quando você se encontra em um estado de
insuficiência, fica pensando que tudo se normalizará quando
seus sonhos se realizarem. Mas se todas as coisas com as
quais você sonhou acontecem muito rapidamente, de
repente você percebe que, embora tudo esteja acontecendo
como você achava que deveria, a vida ainda não está
realizada e seus anseios persistem.
Até você quebrar esse ciclo, não há escolha real em sua
vida. Às vezes, você pode ter sentido que experimentou um
progresso. As coisas parecem ter mudado, e tudo parece
ótimo pelos os próximos três dias, mas no quarto você cai na
mesma rotina. Isso já não aconteceu várias vezes? É porque
não há liberdade de pensamento, emoção, ação e, acima de
tudo, liberdade de experiência enquanto você estiver sob
controle cármico.
Ao mesmo tempo, evitar o karma também não é a
resposta. Evitá-lo pode lhe dar algum equilíbrio e
estabilidade na vida cotidiana, mas aos poucos lhe tira a vida
e a alegria. Esse é um karma muito negativo em si. Negar,
suprimir ou evitar a vida traz mais escravidão do que
liberdade. O desejo Eu não quero karma é em si um grande
karma!
O próprio processo de viver, em si, é uma dissolução do
karma. Se você vive plenamente cada momento de sua vida,
dissolve enormes quantidades de karma. Quando
experimenta tudo o que acontece em seu caminho, quando
experimenta cada respiração da vida com a maior
intensidade, sem as distrações do pensamento e da emoção,
desprovido de qualquer drama psicológico, você é libertado
do próprio processo de nascimento e morte. Não é só mais
vivo; você é a própria vida.
O yoga oferece uma forma de se distanciar não apenas do
seu karma, mas da própria fonte do karma, que é o intelecto
discriminatório. A cada momento de sua existência, ela lhe
oferece a escolha entre ser uma vítima ou um espectador ou
o próprio mestre de sua vida. Com certo esforço e prática,
todos nós podemos escrever um software de alegria e bem-
estar para nós mesmos.
Sadhana
Quando você percebe que todas as suas aquisições
materiais são valiosas apenas em comparação com aqueles
que não as têm, isso é alegria que brota da privação de outra
pessoa. Você pode realmente chamar isso de alegria? Não é
na verdade um tipo de doença? É hora de todos abordarem
isso. Se estivesse sozinho neste planeta, o que você gostaria
de ter? Faça a si mesmo essa pergunta e veja aonde ela o
leva.
Tente isso. Sente-se sozinho por cinco minutos e veja
como seria sua vida se você estivesse absolutamente
sozinho neste mundo. Se não houvesse ninguém ou nada a
que se comparar, o que você verdadeiramente desejaria? O
que realmente importaria para você se não houvesse
apreciação ou crítica externa? Se fizer isso todos os dias,
você estará alinhado com os anseios da vida que você é, e
não com a bagunça cármica acumulada que acredita ser.
A mecânica da vida
Fundamentalmente, kriya significa “ação interna”. Uma ação
interna é aquela que não envolve o corpo, nem a mente, nem
as dimensões físicas da energia. Como já explicamos, o corpo
e a mente são seus, mas ainda externos a você. Você os
reuniu valendo-se do exterior: o corpo é um acúmulo de
comida e a mente, um acúmulo de ideias. Até as impressões
no corpo energético são um acúmulo das impressões dos
cinco sentidos. Quando você tem a habilidade de realizar
ação com o aspecto não físico da sua energia, então isso é
chamado de kriya. Tudo isso pode soar meio esotérico, mas
somente será possível praticar um kriya se você for
conduzido por alguém que tenha domínio sobre os reinos da
energia.
Se suas ações encontram expressão externa, envolvendo
corpo, mente e as dimensões físicas da energia, isso é
karma. Mas se você se voltar para dentro e executar uma
ação além de todas as dimensões da fisicalidade, isso é kriya.
Karma é o processo de amarrá-lo. Kriya é o processo de
libertá-lo. O aspecto mais significativo do yoga é sempre
realizar uma ação além das dimensões físicas de energia.
Entre as quatro dimensões dafisicalidade, você está mais
consciente das ações corporais, e menos das mentais, muito
menos das emocionais, e insignificantemente das
energéticas. Quando aprende a executar ações com o aspecto
não físico de sua energia vital, você subitamente se move
para um novo nível de liberdade dentro e fora de si mesmo.
Como você acessa o aspecto não físico de sua energia
vital? As práticas yogis, que envolvem posturas, respiração,
atitudes da mente e ativação de energia, são essencialmente
orientadas para o alinhamento das três primeiras camadas
do corpo: o corpo físico, o mental e o energético. É apenas ao
alinhá-los que você encontra acesso a dimensões além do
físico – à própria energia vital fundamental.
Tenho visto inúmeras pessoas que começam a fazer um
simples kriya e, de repente, tornam-se tão criativas que
conseguem realizar coisas que nunca imaginaram ser
possíveis na vida delas. Isso acontece simplesmente porque
elas afrouxaram um pouco suas fundações kármicas.
Sacudiram suas energias vitais por uma mudança, em vez de
se enredarem com os processos físicos de corpo, mente e
energia. Isso é algo que todo ser humano pode aprender a
fazer.
O kriya yoga é uma forma muito poderosa de percorrer o
caminho espiritual, mas ao mesmo tempo é extremamente
exigente. Para muitas pessoas urbanas e modernas que não
estão acostumadas a usar o corpo em sua total versatilidade,
o kriya yoga pode parecer árdua e desumana. Isso acontece
porque os kriyas são elaborados e envolvem muita disciplina,
foco e exatidão. A maioria das pessoas não tem corpo,
atitude ou estabilidade emocional para esse caminho do
yoga, principalmente porque está acostumada a viver desde
a infância em um estado perpétuo de conforto. Estar
acostumado a um nível de conforto físico não é problema,
mas estar em constante busca de conforto é um grande
problema. Esse tipo de atitude e emoção é inadequado ao
caminho do kriya yoga.
Além disso, o kriya yoga não pode ser realizada com
pessoas que falam de “liberdade” o tempo todo. Não é para
pessoas que ficam perguntando: “Por que não sou livre para
comer meu sorvete? Por que não consigo acordar na hora
que gostaria? Por que não posso comer, beber ou fazer sexo
com o que quer que seja, quem quer que seja, sempre que
tenho vontade?”. Se você seguir o caminho do kriya yoga,
uma disciplina fundamental deve ser introduzida em todos
os processos físicos, psicológicos e emocionais. Se quer
atingir o pico de sua consciência, essa disciplina é essencial.
Você não pode festejar até de madrugada e tentar escalar o
monte Everest no dia seguinte! A mesma lógica é verdadeira
aqui.
Quando você recebe um regime do kriya yoga, precisa
segui-lo. Você consegue entender a necessidade da
disciplina à medida que avança, mas ela nunca pode ser
totalmente explicada. E se tiver que ser explicada, a essência
do kriya será perdida. Isso ocorre porque o kriya é uma
ferramenta para transcender a estrutura da lógica e da
experiência, a fim de acessar aquelas dimensões não físicas
consideradas espirituais ou místicas.
Se eu quisesse lhe ensinar kriyas apenas como práticas,
seria simples colocá-los em um livro no qual você pudesse
aprender e memorizá-los. Mas, para o kriya ser um processo
vivo, para ser impresso em seu sistema de uma forma
específica, ele precisa de certa disciplina, dedicação e
receptividade. Quando você caminha por um terreno
completamente novo, se não há confiança em quem o guia, a
jornada torna-se desnecessariamente longa e difícil.
Geralmente, no caminho do kriya, a maioria dos gurus faz
com que os discípulos esperem. Tradicionalmente, quando
alunos vão a um guru para aprender kriya yoga, podem ser
orientados a varrer o chão durante um ano e a lavar pratos
durante o outro! Se a confiança deles ainda não vacilou,
então o guru pode considerar iniciá-los nos kriyas. Há uma
razão para isso. Uma vez que você capacita pessoas de uma
maneira específica que torna seu sistema vibrante além dos
padrões normais, elas podem causar grandes danos a si
mesmas se suas atitudes e emoções não forem como
deveriam ser. Mas, no mundo de hoje, conseguir esse tempo
com as pessoas, chegar a esse tipo de confiança e depois
imprimir esses kriyas é difícil. Não é impossível, mas as
chances são remotas.
Passei vinte e um anos da minha vida transformando um
poderoso kriya, o Shambhavi Mahamudra, para que pudesse
ser ensinado a inúmeras pessoas no mundo de hoje.
Aspectos que possibilitariam às pessoas prejudicarem a si
mesmas ou aos outros, ou influenciarem os elementos ao
seu redor, foram barrados, de modo que apenas os benefícios
físicos, psicológicos e espirituais permanecessem. Durante
essas duas décadas, deliberadamente me afastei de todas as
formas de divulgação pública, porque todo o meu foco estava
principalmente em reconstruir o kriya para assegurar que
pudesse ser amplamente transmitido sem quaisquer efeitos
adversos.
O kriya yoga como um caminho completo é importante
somente para aqueles interessados em explorar as
dimensões místicas. Se a sua preocupação é só com o bem-
estar ou se está apenas buscando a realização, os kriyas
podem ser usados em pequena escala. Mas o kriya yoga como
um caminho exclusivo não é necessária, pois requer muita
dedicação.
Se você seguir o caminho do kriya yoga muito
intensamente sem orientação, ele pode demorar uma vida
para dar frutos. Se você tem alguém para guiar ativamente o
processo, o kriya pode ser uma maneira mais poderosa e
magnífica de explorar a natureza interior e os fenômenos
místicos. Caso contrário, o kriya é uma rota meio tortuosa. O
que você está buscando nesse caminho não é só bem-estar,
bem-aventurança ou realização. Em vez disso, você quer
conhecer a própria mecânica da criação da vida; quer
conhecer a engenharia da vida. É por isso que é um processo
muito mais longo.
As pessoas no caminho do kriya têm um tipo de presença
completamente diferente por causa do domínio sobre suas
energias. Elas podem desmantelar a vida e reuni-la. Se você
está seguindo o caminho da gnana, por exemplo, seu
intelecto pode se tornar afiado como uma navalha, mas
ainda há muito pouco que você possa fazer com suas
energias. Do mesmo modo, no caminho da bhakti, ou
devoção, também não há muito que você possa fazer com
suas energias. (Mas você não liga, porque a doçura intensa
de suas emoções é tudo o que importa; você só quer se
dissolver no objeto de sua devoção.) Se você está no caminho
do karma, pode fazer muitas coisas no mundo externo, mas
não pode fazer nada consigo mesmo. No entanto, os kriya
yogis podem fazer o que quiserem com seu mundo interior,
e também conseguir muito no mundo exterior.
Sadhana
O modo como a estrutura cármica funciona em cada ser
humano é essencialmente cíclico. Se você observar
atentamente, em um dia os mesmos ciclos acontecem
muitas vezes. Se você é muito observador, verá que, a cada
quarenta minutos, você está passando por um ciclo
fisiológico. Uma vez que percebe isso, com a atenção e a
consciência necessárias você pode percorrer o ciclo e
avançar em direção à transcendência partindo das
limitações que esses ciclos estabelecem. Assim, a cada
quarenta minutos, a vida lhe apresenta uma oportunidade –
a oportunidade de se tornar consciente.
Há também, de quarenta a quarenta e oito minutos, uma
mudança de dominância na forma como a respiração se
move pelas narinas direita e esquerda. É dominante na
narina direita por um tempo, depois na esquerda.
Conscientize-se disso para que saiba que pelo menos
alguma coisa sobre você está mudando. Essa consciência
pode ser aumentada para consciência das influências
solares e lunares sobre o corpo. Se colocar seu sistema físico
em sincronia com os ciclos lunar e solar, sua saúde física e
psicológica estará garantida.
O labirinto energético
O sistema yogi nos oferece uma visão abrangente e
elaborada da anatomia do corpo energético humano. Ele
mapeou 72 mil canais (ou nadis, como são chamados)no
sistema energético. O prana, ou energia, move-se através
desses canais. Esses 72 mil canais surgem, por sua vez, de
três canais básicos. O canal à direita é conhecido como
pingala, aquele à esquerda é conhecido como ida, e o central
é conhecido como sushumna.
Esses três canais são a base do sistema energético.
Pingala é simbolizado como o masculino, e ida, como o
feminino. “Masculino” e “feminino” não se referem aqui a
diferenças biológicas, mas a certas qualidades da natureza
que foram identificadas como tais. Essas qualidades são
representadas por esses dois canais.
Se o pingala de uma pessoa é muito pronunciado, então as
qualidades exploratórias extrovertidas serão dominantes. Se
a ida for mais pronunciada, as qualidades receptivas e
introspectivas serão dominantes. Não tem nada a ver com o
fato de alguém ser homem ou mulher. Pode ser um homem,
mas ter a ida mais dominante; pode ser uma mulher, mas ter
o pingala mais dominante.
O pingala e a ida também são simbolizados como o Sol e a
Lua – o Sol representando o masculino e a Lua, o feminino.
O Sol é agressivo e extrovertido; a Lua é receptiva e reflexiva.
Os ciclos da Lua também estão profundamente ligados ao
corpo feminino. No nível de sua mente, o pingala representa
a dimensão lógica, e a ida representa a dimensão intuitiva.
Essas duas dualidades são os fundamentos da esfera física
da vida. Um ser humano é completo apenas quando o
masculino e o feminino funcionam com força total e estão
em equilíbrio adequado.
Sushumna, o nadi central, é o aspecto mais significativo de
sua fisiologia, e geralmente não é explorado. É independente
dos 72 mil nadis, mas é o sustentáculo de todo o sistema.
Quando as energias entram em seu sushumna,
independentemente do que esteja acontecendo ao seu redor,
você tem certo equilíbrio. Neste momento, você pode estar
razoavelmente equilibrado, mas, se a situação externa for
desafiadora, você também será perturbado. No entanto, uma
vez que as energias entram na sushumna, seu modo interior
de ser se torna independente do exterior, porque é
independente dos 72 mil nadis.
Atualmente fala-se muito sobre chakra. Chakra quer
dizer “roda”, e tem significado e importância muito
específicos no sistema yogi. Hoje há “centros de
alinhamento de rodas” que pretendem equilibrar seus
chakras, limpar seus bloqueios e curá-lo de doenças do
passado, do presente e do futuro. Muitas pessoas estão
“fazendo” os chakras nos dias de hoje. Tornou-se um
grande modismo, mas pode ser perigoso. É hora de abordar
esse tema muito sutil com cuidado e precisão.
Os nadis não têm manifestação física. Se você cortar o
corpo e olhar para dentro, não os encontrará. Mas, à medida
que se tornar mais consciente, notará que a energia não está
se movendo aleatoriamente, mas em caminhos
estabelecidos.
Os chakras são centros poderosos na fisiologia nos quais
os nadis se encontram de um modo específico para criar um
vórtice de energia. Como os nadis, os chakras são de
natureza sutil e não têm existência física. Sempre se
encontram na forma de um triângulo (não um círculo, como
a palavra chakra sugere). A parte móvel em uma máquina é
sempre um círculo, porque um círculo é capaz de movimento
com menor resistência. Esses centros energéticos são assim
chamados porque a roda sugere movimento ou dinamismo.
Há 114 chakras no corpo. Dois estão fora do corpo e 112
estão dentro. Entre esses 112, há sete chakras principais. Na
maioria das pessoas, três deles são ativos; o restante fica
dormente ou levemente ativo. Não é necessário ativar os 114
chakras para viver uma vida física. Pode-se viver uma vida
completa com apenas alguns deles. Se você ativasse os 114
chakras, não teria qualquer sensação corporal. O propósito
do yoga é ativar seu sistema energético de modo que sua
consciência corporal seja constantemente reduzida, para que
você possa estar no corpo, mas que já não seja o corpo.
No sul da Índia, havia um lendário yogi chamado
Sadashiva Brahmendra. Ele era um nirkaya, que literalmente
significa “yogi sem corpo”. Ele não tinha sensação corporal.
Nem mesmo ocorre a uma pessoa nessa condição vestir
roupas. Ele só andava nu. Nesse estado, também não há
senso de casa, propriedade ou limite físico.
Um dia, ele entrou no jardim do rei às margens do rio
Kaveri. O rei estava sentado ali, relaxando com suas rainhas.
Sadashiva Brahmendra perambulou pelo jardim sem
perceber a própria nudez. O rei ficou furioso. Quem é esse tolo
que ousa andar nu diante de minhas mulheres?
Ele enviou os soldados atrás dele. Os soldados correram
atrás de Sadashiva Brahmendra, chamando por ele, que não
se virou, continuou a andar. Enraivecido, um dos soldados
pegou a espada e o golpeou, cortando seu braço direito.
Sadashiva Brahmendra nem mesmo diminuiu o ritmo.
Continuou andando.
Vendo isso, os soldados ficaram maravilhados e
aterrorizados. Perceberam que não era um homem comum.
O rei e os soldados correram atrás dele, prostraram-se,
imploraram perdão e o levaram de volta ao jardim. Ele viveu
naquele jardim pelo resto da vida e por fim deixou seu corpo
ali.
Há inúmeros exemplos como esse na tradição yogi.
Quando suas energias estão em uma condição aumentada, a
sensação do físico é tão diminuída que é possível até passar
dias a fio sem alimentação externa.
Qual é exatamente o papel dos chakras dentro do
sistema?
Há sete chakras fundamentais: o muladhara, localizado no
períneo, o espaço entre a saída anal e o órgão genital; o
swadhishthana, logo acima do órgão genital; o manipuraka,
que fica cerca de meio centímetro abaixo do umbigo; o
anahata, abaixo do ponto em que a caixa torácica se encontra
com o diafragma; o vishuddhi, no fundo da garganta; o agna,
entre as sobrancelhas; e o sahasrara, também conhecido
como brahmarandra, que fica na fontanela – região que
corresponde à moleira nos recém-nascidos –, no topo da
cabeça.
Os chakras são as sete diferentes dimensões por meio das
quais suas energias encontram expressão. As experiências
que acontecem dentro de você – raiva, miséria, paz, alegria e
êxtase – são diferentes níveis de expressão de suas energias
vitais. Se suas energias são dominantes no muladhara, então
a comida e o sono serão os fatores mais dominantes em sua
vida. Se suas energias são dominantes no swadhishthana, o
prazer será o mais dominante em sua vida – o que significa
que você desfruta de sua realidade física de várias formas. Se
suas energias são dominantes no manipuraka, você é um
fazedor; pode realizar muitas coisas no mundo. Se suas
energias são dominantes no anahata, você é uma pessoa
muito criativa. Se suas energias são dominantes no
vishuddhi, você desenvolverá uma presença poderosa. Se suas
energias são dominantes no agna, então você é
intelectualmente realizado. A realização intelectual pode
levá-lo a um estado de paz e estabilidade interior, não
importa o que aconteça no exterior.
Esses são apenas diferentes níveis de intensidade. Um
buscador de prazer vive com mais intensidade do que
alguém cuja vida é apenas comer e dormir. O homem que
quer iniciar algo no mundo tem muito mais intensidade do
que um buscador de prazer. Um artista ou uma pessoa
criativa vive a vida mais intensamente em comparação com
essas três pessoas. Já o vishuddhi é uma dimensão
completamente diferente de intensidade, e o agna, uma mais
elevada ainda. Se você atingir seu sahasrara, explodirá em
êxtases inexplicáveis. Sem qualquer estímulo ou razão
externa, você estará simplesmente em êxtase porque suas
energias alcançaram um pico.
É errado falar de chakras inferiores e superiores. É como
comparar a fundação do edifício ao teto. O teto não é
superior; a fundação não é inferior. A qualidade, o tempo de
vida, a estabilidade e a segurança de um edifício dependem,
em grande parte, mais da fundação do que do teto. Por
exemplo, no corpo físico, suas energias precisam estar em
parte no chakra muladhara. Mula significa “raiz ou fonte”, e
adhara significa“fundação”. Na engenharia do corpo, essa é
a base. Se você deseja crescer, precisa cultivá-la.
Ao mesmo tempo, os chakras têm uma dimensão
espiritual, não apenas física. Se você levar a ele a quantidade
certa de consciência, o mesmo muladhara pode ser
transformado em um ponto em que você se torna
absolutamente livre da necessidade compulsiva de comida e
sono.
Os chakras reacomodam-se em uma de duas dimensões
diferentes: o muladhara, o swadhishthana, o manipuraka e os
chakras relacionados referem-se mais a manter o corpo
estável e enraizado. Essas são qualidades associadas à terra,
à autopreservação. Quando suas energias são dominantes
nesses chakras, suas qualidades são terrenas e você está
mais preso à natureza. Os chakras da parte de cima – o
vishuddhi, o agna, o sahasrara e os chakras relacionados –
são centros que o afastam da força da terra. Estão
relacionados com o anseio pelo infinito. Eles o fazem
receptivo a uma força que por hábito chamamos de graça.
O chakra do meio, anahata, é um equilíbrio entre os dois.
É como uma transição entre os chakras de baixo e os de
cima, entre os instintos de sobrevivência e o instinto de
libertação. É simbolizado por dois triângulos interligados,
um apontando para baixo e o outro para cima, formando
uma estrela de seis pontas. Muitas tradições religiosas
usaram a estrela como um símbolo sagrado, porque alguns
seres iluminados nessas culturas perceberam sua natureza
original pelo anahata e descobriram os triângulos
interligados desse chakra dentro de si mesmos.
O chakra vishuddhi, localizado no fundo da garganta,
significa literalmente “filtrar”. Se o seu vishuddhi se torna
poderoso, você tem a capacidade de filtrar tudo que entra em
você. Ou, em outras palavras, uma vez que seu vishuddhi é
muito ativo, você se torna tão poderoso que a natureza
externa não o influencia. A iconografia indiana retrata
Adiyogi, ou Shiva, com uma garganta azul, porque ele é
capaz de filtrar todos os venenos do mundo exterior e
impedir que entrem em seu sistema, prendendo-os em sua
garganta.
Se suas energias se movem para o chakra agna, localizado
entre as sobrancelhas, você é intelectualmente iluminado,
mas ainda não está liberado em termos experienciais. O
grande filósofo místico da Índia do século VIII Adi Shankara
caminhou por todo o país, derrotando legiões de estudiosos
em debates metafísicos. Sua lógica era imbatível, porque a
união experimentada no agna confere à pessoa um
extraordinário nível de compreensão e percepção intelectual.
O sétimo chakra, sahasrara, está localizado fora do corpo.
Na maioria das pessoas, está dormente. Com a prática
espiritual ou um estilo de vida muito intenso, você pode
ativá-lo. Se você atinge seu sahasrara, sua experiência não é
mais intelectual; é experiencial. Você, então, explode em
êxtases inexplicáveis e os reinos místicos mais profundos
começam a se abrir. Se não houver prática espiritual
suficiente para criar o equilíbrio fisiológico e psicológico
necessário, você pode chegar a atingir êxtases que podem se
tornar incontroláveis. Na tradição indiana, esses místicos
extáticos eram denominados avadhutas. Encontravam-se em
tais estados alterados de consciência que muitas vezes
tinham que ser alimentados e cuidados pelas pessoas ao seu
redor, pois eram incapazes de lidar com os aspectos
mundanos da vida por conta própria.
Fundamentalmente, qualquer caminho espiritual pode ser
descrito como a jornada do muladhara para o sahasrara, uma
evolução de uma dimensão para outra. Há um amplo
espectro de práticas espirituais no sistema yogi que
possibilita mover as energias de um chakra para outro. No
entanto, do agna ao sahasrara não há caminho. Você tem que
saltar ou cair dentro dele.
Esta é uma das razões para a enorme ênfase sobre o guru
na tradição espiritual indiana. Saltar de agna para sahasrara
exige uma confiança imensa. Suponha que você fosse
confrontado por um abismo insondável e alguém lhe pedisse
para mergulhar nele. Ou você teria que ser completamente
louco, extraordinariamente corajoso, ou absolutamente
confiante em fazê-lo. Quase ninguém tem o tipo necessário
de coragem. Muito poucos são loucos o bastante para viver a
vida em total abandono; a maioria das pessoas vive com
cautela e com a necessidade primordial de proteger seus
limites. Então, para 99,9% das pessoas, o que é necessário é
confiança. Sem confiança, elas nunca darão o salto.
No entanto, o abismo não precisa conjurar imagens
escuras de um poço aterrorizante. Em vez disso, significa
um espaço livre de todas as possibilidades de mágoa e
sofrimento, uma nova dimensão que é impecavelmente não
repetitiva, uma dimensão além da comparação e do contexto
que o deixa não como um indivíduo, mas como natureza
infinita e abrangente, em uma quietude além da bem-
aventurança.
E, assim, o salto vale a pena. O salto é tudo. Com o salto,
o abismo insondável torna-se liberdade ilimitada.
Sadhana
Concentrando-se em um ponto entre 6 cm e 9 cm de
distância da região entre as sobrancelhas por doze a
quarenta e oito minutos, com os olhos abertos, você pode
perceber a natureza e a estrutura de seus chakras individuais
(dependendo da duração e do seu nível de foco). Essa
percepção pode ajudar a estabilizar o movimento aleatório
dos chakras na fisiologia humana, decorrente de situações
externas estressantes. Esse é apenas um aspecto de uma
forma muito sofisticada do kriya yoga que permite o acesso
à sua dimensão akashic, ou etérea, interior.
CAMINHO INEXPLORADO
A sexta ramificação do yoga é chamada de dhyana, ou dhyan, que
é essencialmente sobre a pessoa transcender os seus limites de
estrutura física e mental. O dhyan foi com os monges budistas da
Índia para a China, e lá foi chamado de Ch’an. Esse yoga viajou
pelos países do Sudeste Asiático para o Japão e se tornou Zen, e
encontrou expressão como um sistema completo de
compreensão direta, sem ênfase na doutrina. O Zen é um
caminho espiritual que não tem escrituras, livros, regras ou
práticas rígidas; é um caminho inexplorado.
O primeiro uso registrado do método que agora chamamos de
Zen aconteceu há quase oito mil anos, bem antes do tempo de
Gautama, o Buda. O rei Janaka era um homem brilhante e um
seeker entusiasmado, ardendo com o anseio de saber. Ele havia
consumido exaustivamente todo o conhecimento dos mestres
espirituais do reino. Nenhum deles poderia ajudá-lo, pois todos
partiam da teoria. Ele tinha que encontrar alguém que tivesse
passado por uma experiência interior.
Um dia, o rei saiu em uma viagem de caça. Adentrando os
confins da selva, ele avistou um yogi… e parou. Sentado do lado
de fora de um pequeno eremitério estava Ashtavakra, um dos
mais completos yogis e mestres espirituais de todos os tempos.
Janaka preparou-se para descer do cavalo e cumprimentá-lo.
Passou a perna sobre a sela e estava prestes a desmontar quando
Ashtavakra disse: “Pare!”.
Então, Janaka parou ali, uma perna ainda no estribo e a outra
no ar. Era uma posição dolorosa, mas Janaka permaneceu
paralisado, olhando para Ashtavakra. Não sabemos por quanto
tempo o guru o manteve assim, mas, de repente, naquele estado
constrangedor, Janaka tornou-se totalmente iluminado. O
método empregado por Ashtavakra é semelhante ao que
geralmente é conhecido no mundo de hoje como Zen.
Certa vez, havia um mestre Zen a quem todos respeitavam,
mas que não tinha ensinamento para transmitir. Ele sempre
carregava um enorme saco nos ombros; aquilo continha muitos
itens, e alguns deles eram doces. Em todas as cidades e vilarejos
que visitava, as crianças reuniam-se em torno dele, e ele
distribuía doces e ia embora. As pessoas pediam ensinamentos,
mas ele apenas sorria e seguia seu caminho.
Um dia, um homem que era conhecido por ser um mestre Zen
de grande reputação foi ao seu encontro. Ele queria verificar se
aquele homem com o saco era realmente Zen ou não. Então
perguntou: “O que é Zen?”. Imediatamente, o homem largou o
saco e selevantou.
Então ele perguntou: “Qual é o objetivo do Zen?”. O homem
ficou em pé, pegou o saco, pendurou-o sobre os ombros e foi
embora.
Isto é o que o yoga também é. É do que trata toda prática
espiritual. Quando você quer alcançar o yoga ou o Zen, tem que
largar sua carga, descartar tudo no caminho, permanecer livre,
manter-se ereto. É importante. Com sua carga, você nunca
poderá fazer isso. E qual é o objetivo do yoga? Conscientemente,
pegue toda a carga novamente. E agora já não parece uma carga!
■
Ciência sagrada
O que significa santificar ou consagrar um espaço?
A palavra consagração é frequentemente usada de forma
um tanto vaga. Para a maioria das pessoas, denota uma série
de rituais que oferecem, na melhor das hipóteses, beleza e
poesia à vida delas, mas que não desempenham nenhuma
função útil de verdade. Muitos acreditam que é besteira
destinada a ofuscar o processo espiritual e explorar a
maioria temerosa e ingênua. É hora de descartar esse
entendimento superficial e olhar mais fundo.
Se você transforma terra em comida, chamamos de
agricultura. Se transforma comida em carne e osso,
chamamos de digestão. Se transforma carne em terra,
chamamos de cremação. Se transforma essa carne, ou
mesmo uma pedra ou espaço vazio, em uma possibilidade
maior, isso é consagração.
Consagração é um processo vivo. A palavra em sânscrito
para isso é pratishtha. Como já discutimos anteriormente, a
ciência moderna nos diz hoje que tudo é a mesma energia
que se manifesta de 1 milhão de maneiras diferentes. Se é
assim, o que você chama de divino, o que chama de pedra, o
que chama de homem ou mulher, ou demônio, tem a mesma
energia funcionando de formas diferentes. Se tiver a técnica
necessária, você poderá transformar o espaço à sua volta em
uma exuberância divina. Pode simplesmente pegar um
pedaço de rocha e transformá-lo em um deus ou uma deusa.
Esse é o fenômeno da consagração.
Uma enorme quantidade de conhecimento sobre a
consagração foi perpetuada através das gerações desde os
tempos antigos, particularmente na Índia. Isso ocorre
porque, independentemente de quanto sua vida seja boa, ou
de quanto tempo você viva, em algum momento o desejo
humano fundamental de entrar em contato com a fonte da
criação com certeza se afirmará. Se a possibilidade de
acessar essas dimensões mais profundas não for criada e
disponibilizada a todos os indivíduos que a buscam, então a
sociedade falhou em fornecer um autêntico bem-estar a seus
cidadãos.
É por causa dessa consciência que a cultura indiana
construiu inúmeros templos em todas as ruas. A ideia não
era criar templos que competissem entre si, mas
simplesmente que ninguém deveria viver em um espaço que
não fosse consagrado.
É uma grande sorte para um ser humano viver em um
espaço consagrado. Quando isso acontece, a maneira como
vive se torna distintamente diferente. Você pode perguntar:
“Não posso viver sem isso?”. Pode. Se sabe como
transformar seu próprio corpo em um templo, ir ao templo
não é tão significativo. Sim, você pode consagrar seu próprio
corpo. Mas a questão é: você consegue mantê-lo assim?
Todas as iniciações espirituais foram destinadas a
consagrar essa própria carne em um espaço semelhante ao
templo. Depois disso, tudo o que é necessário é a
manutenção. Realizar uma prática espiritual todos os dias é
uma forma de tentar manter o sistema humano em um
estado elevado de vibração após uma iniciação. Dei
poderosas consagrações às pessoas em vários momentos,
tanto formal quanto informalmente. Consagrar um objeto
inanimado – uma rocha, por exemplo – custa uma enorme
quantidade de vida. Transformar seres humanos em templos
vivos é muito menos custoso e mais ecológico – além disso,
eles se deslocam! Há muitas vantagens, mas o problema é
que os seres humanos têm que dedicar certo tempo, energia
e foco à manutenção, caso contrário não funcionará.
Quando as pessoas no mundo estão muito distraídas e
não estão dispostas a se tornarem templos vivos, construir
templos de pedra se torna uma necessidade. O objetivo
básico de construir um templo é beneficiar a maioria das
pessoas que não têm, na vida, prática espiritual. Se você
pode fazer alguma prática espiritual em um espaço tão
consagrado, é duplamente benéfico. Em particular para
aqueles que não sabem como transformar o próprio corpo
em um templo, o templo externo é inestimável.
A consagração, ou pratishtha, é feita de várias maneiras,
mas geralmente usando rituais, mantras, sons, formas e
vários outros ingredientes. A manutenção constante é
necessária. Os rituais nos templos não são para você; são
para manter a divindade ou forma de energia viva. O que é
uma divindade? Uma divindade é uma ferramenta para um
propósito específico: alcançar a realização em diferentes
aspectos da vida. De fato, a palavra tradicional para
divindade é yantra, que literalmente se traduz como máquina
ou uma forma de energia de trabalho. A sabedoria
tradicional sempre aconselhou as pessoas a não guardarem
ídolos de pedra em casa. Se você os mantiver, deve realizar
todos os dias os tipos certos de processos. Se uma divindade
é consagrada por meio de mantras, e se a manutenção
necessária não acontece diariamente, a divindade torna-se
uma energia retraída que pode causar um dano imenso às
pessoas que vivem nas redondezas. Infelizmente, muitos
templos acabaram assim como consequência da manutenção
inadequada por pessoas que não sabiam como mantê-los
vivos.
Prana pratishtha é diferente na medida em que usa as
próprias energias vitais para consagrar algo. Quando você
consagra uma forma desse jeito, ela não precisa de
manutenção. É literalmente para sempre. Quando cumpri
minha missão de vida, que foi a consagração do Dhyanalinga
(uma forma de energia sutil com todos os chakras operando
em sua capacidade máxima, no Centro do Yoga Isha em
Coimbatore, no sul da Índia, em 1999), foi por meio do prana
pratishtha. É por isso que não há rituais nesse santuário. Não
é necessário. O Dhyanalinga não precisa de manutenção
porque sua vibração nunca oscilará. Mesmo que você retire a
parte de pedra da estrutura, ela permanecerá a mesma.
Independentemente das mudanças físicas que possam
acontecer ao longo do tempo, a forma de energia não
perecerá! Isso ocorre porque a forma real é feita de uma
dimensão não física. É indestrutível.
Os templos indianos nunca foram lugares de oração. A
tradição era que você tomava banho de manhã cedo e ia
diretamente ao templo, sentava-se ali por um tempo e só
então começava o dia. O templo era como um espaço público
de carregamento de bateria. Atualmente a maioria das
pessoas se esqueceu disso. Elas apenas vão aos templos,
pedem algo, saltam no chão do templo e depois vão embora.
É completamente inútil. A ideia é sentar e absorver as
energias do lugar.
No templo de Yoga Dhyanalinga, em Coimbatore, você
não tem que “acreditar” em nada para colher seus
benefícios. Não tem que orar ou fazer qualquer oferenda
ritual. É apenas encorajado a fechar os olhos e estar no
espaço por algum tempo. Se fosse tentar por si mesmo,
descobriria que é uma enorme experiência. O Dhyanalinga
está no mais alto nível de intensidade em que qualquer
forma pode estar. Mesmo que aqueles que não sabem nada
sobre meditação apareçam e fiquem sentados ali, tornam-se
meditativos por sua própria natureza. Ele é esse tipo de
ferramenta notável.
Se eu tivesse o apoio e a oportunidade necessários,
gostaria de consagrar todo o planeta! É nisso que sou bom:
transformar o nada em um espaço vibrante muito poderoso,
transformando um pedaço de metal ou pedra em uma
reverberação divina. É meu sonho que algum dia toda a
humanidade viva em um ambiente consagrado. Sua casa
deve ser consagrada; sua rua deve ser consagrada; seu
escritório deve ser consagrado. Todos os lugares em que
você passa seu tempo devem ser consagrados. Quando você
vive em um espaço assim, sua evolução não precisa se ater à
escala darwiniana; você podesimplesmente saltar para um
estado de bem-estar e liberdade.
Na Índia, a maioria dos templos antigos foi construída
para Shiva, ou “aquilo que não é”. Há milhares de templos
de Shiva no país, e a maioria não tem qualquer ídolo como
tal. Geralmente eles têm uma forma representativa, um
linga.
A palavra linga significa “a forma”. Quando a criação
começou a acontecer, ou quando o não manifesto se tornou
manifesto, a primeira forma que ele assumiu foi a de um
elipsoide, ou uma elipse tridimensional, que é o que
chamamos de linga. Começou como um elipsoide e assumiu
muitas outras condições e formas. Se entrar em estados
profundos de meditação, você descobrirá que, antes de um
ponto de dissolução absoluta, mais uma vez a energia
assume a forma de um linga. Os cosmólogos modernos
identificaram que o núcleo de cada galáxia é sempre um
elipsoide.
Então, geralmente, no yoga, o linga é considerado a forma
perfeita e fundamental na existência. É a forma inicial e a
forma final. No espaço entre os dois, a criação acontece. O
que está além é “aquilo que não é”, ou shi-va. Então, a
forma de linga é, na verdade, uma abertura na estrutura da
criação. Para a criação física, a porta da frente é um linga e a
porta dos fundos é um linga! Isso faz do templo uma
abertura na estrutura do físico. Você pode passar por ele e ir
além: é isso que o torna uma enorme possibilidade.
Curiosamente, os lingas são encontrados em todo o
mundo. Na África, há lingas de terracota, amplamente
usados para fins ocultos. Em Delfos, na Grécia, há um linga
abaixo do solo, conhecido como o “umbigo da terra”. É
puramente um manipura linga, destinado a promover a
prosperidade e o bem-estar material. Quando me mostraram
uma foto, soube imediatamente que tipo de pessoa o havia
consagrado. Definitivamente, yogis indianos há milhares de
anos; não há dúvida quanto a isso.
Quando eu consagrei Adi yogi, a Morada do Yoga no
Tennessee, em 2015, foi um evento de considerável
importância espiritual – na verdade, um marco para o yoga
clássica no mundo ocidental. Tendo visto vários locais
antigos de interesse, estou bem certo de que nada desse tipo
de significiência energética aconteceu na América do Norte,
ou mesmo no hemisfério ocidental, nos últimos três mil
anos. Consagrado por meio do processo de prana pratishtha, o
espaço é uma homenagem a Adiyogi, o primeiro yogi do
mundo. Exclusivamente dedicado à busca e à prática do
yoga, o espaço representa um repositório vivo do mais
elevado nível de vitalidade e exuberância energética e
oferece uma possibilidade espiritual única para os seekers no
Ocidente.
A maioria dos lingas na Índia agora representa no
máximo um ou dois chakras. São invariavelmente
consagrados ao bem-estar material. Há alguns anahata lingas
consagrados a promover a paz e a alegria também. A
singularidade do Dhyanalinga é que ele tem os sete chakras
energizados em seu máximo. Criar sete lingas separados para
sete chakras teria sido muito mais fácil, mas o impacto não
teria sido o mesmo. Assim, o Dhyanalinga é como o corpo
energético do ser mais evoluído, na cultura yogi chamado de
“Shiva”, eternamente disponível para todos. É a mais
elevada manifestação possível.
Se você impulsiona a energia para níveis muito elevados
de intensidade, ela pode se manter até certo ponto. Além
disso, torna-se sem forma, e as pessoas são em grande parte
incapazes de experimentá-la. O Dhyanalinga foi consagrado
de uma forma que a energia foi cristalizada no ponto mais
elevado, além do qual não pode haver forma. Foi criado para
que a intimidade de se reunir com um guru vivo esteja
disponível para cada seeker que anseia por isso.
Acima de tudo, o que torna o Dhyanalinga uma
possibilidade espiritual imensa e sem precedentes é o fato de
representar a oportunidade de experimentar a vida em sua
completa profundidade e totalidade. Aquele que entra em
sua esfera é influenciado no nível do corpo akashic, ou
etéreo, ou do vignanamayakosha. Se você produz certa
transformação por meio do corpo físico, mental ou
energético, ela pode se perder no curso da vida. Mas quando
você é tocado no nível do corpo etéreo, é para sempre.
Mesmo que você passe por muitas vidas, essa semente de
libertação esperará pela oportunidade certa para brotar e
florescer.
Levei três anos e meio em um processo muito intenso de
consagração para completar o Dhyanalinga. Muitos yogis e
adeptos tentaram criar um linga assim, mas, por várias
razões, os ingredientes necessários nunca se reuniram. Essa
não foi a minha vontade; foi a do meu guru. Embora o
contato com meu mestre tenha sido rápido, foi importante
em todos os sentidos. Ele dirigiu todos os passos da minha
vida, inclusive meu próprio nascimento. O Dhyanalinga foi
finalmente realizado, com a graça dele e com o amor, o
apoio e a compreensão de muitas pessoas que se doaram,
intencionalmente ou não, voluntária ou involuntariamente,
consciente ou inconscientemente. Sou grato a todos.
Sadhana
Se você aprender a usar os cinco elementos em uma
formação geométrica simples, poderá criar um espaço de
energia altamente benéfico para si mesmo. Eis um exercício
simples que você pode experimentar.
Desenhe uma figura como a que segue, com farinha de
arroz ou algum tipo de grão. Coloque uma pequena vela de
ghee, ou manteiga clarificada, no meio de um prato cheio de
água. Coloque uma flor na água. Você criou uma forma
geométrica usando água, fogo e ar. A flor na água representa
a terra. É claro que Akash, ou éter, está sempre presente.
Experimente esse processo simples todas as noites. Você
descobrirá a energia do seu quarto alterada de forma sutil,
mas poderosa. Dessa forma, pode empoderar singularmente
sua casa ou seu escritório todos os dias.
Montanhas de graça
Para a maioria dos yogis e místicos, o problema é que nunca
puderam compartilhar os frutos de sua realização com as
pessoas ao redor. Encontrar outra pessoa capaz de receber o
que você sabe não é fácil. Se encontrar até mesmo uma
pessoa, você é afortunado.
Assim, a maioria dos mestres espirituais fez o download
de seu conhecimento em lugares remotos, mas não
totalmente inacessíveis. Frequentemente escolhiam os picos
das montanhas porque há menos tráfego humano e
perturbações nesses lugares. Há muitos lugares
maravilhosos assim na Índia. O monte Kailash (o pico da
montanha no Tibete ocidental, considerado um local sagrado
de poder e antiguidade incomensuráveis) é o local onde o
máximo de conhecimento foi armazenado por um longo
tempo em forma de energia.
O Kailash é a maior biblioteca mística do planeta. Quase
todas as religiões do Oriente o consideram altamente
sagrado. Entre os hindus, é tradicionalmente considerado a
morada do grande deus Shiva e de sua consorte, Parvati. Os
budistas o consideram sagrado porque acreditam que três de
seus grandes Budas estejam morando ali. Os jainistas
acreditam que seu primeiro grande mestre, ou tirthankara,
alcançou a libertação ali. A religião bon, que é a religião
original do Tibete, também o considera profundamente
sagrado.
Tenho levado peregrinos ao Kailash nos últimos onze
anos. Quando fui até lá em 2007, minha saúde estava
particularmente ruim. Eu havia viajado semanas sem parar,
durante as quais médicos desorientados em diferentes partes
do mundo me diagnosticaram com uma variedade de
doenças, incluindo malária, dengue, febre tifoide e até
câncer. Os médicos confusos chamaram meus exames de
sangue de “esotéricos”! Finalmente, decidi olhar para
dentro e trabalhar em mim mesmo. Alguns dias depois, fui
ao Kailash. Naquele momento, eu estava melhor, mas ainda
muito fraco. Quando olhei para a montanha, vi que havia
muito conhecimento místico esperando para ser acessado.
Então, peguei um fio de energia da montanha e o conectei de
um certo modo ao meu sistema energético. Assim que o fiz,
houve um súbito ressurgimento de vitalidade e meu
esgotado corpo energético (devastado por quase oito
semanas de febre)se recuperou. Eu parecia mais jovem, me
sentia mais jovem e até minha voz tinha mudado – cerca de
apenas uma hora depois! Os resultados foram visíveis. Havia
quase 200 pessoas ao meu redor que testemunharam isso.
Há outros lugares de enorme energia vibracional em que
os místicos deixaram os frutos de sua prática espiritual. São
inúmeros no Himalaia. Uma variedade de místicos e yogis
escolheu essas montanhas como sua morada. Quando viviam
lá, naturalmente deixavam para trás certa dimensão de
energia e, como resultado, o Himalaia reuniu uma espécie de
aura.
Por exemplo, Kedarnath é apenas um pequeno templo no
Himalaia. Não há divindade ali; é apenas um afloramento de
uma rocha. Mas é um dos lugares mais poderosos do mundo!
Se você se esforçar para melhorar sua receptividade e depois
visitar um lugar como esse, ele o sobrecarregará. Há muitos
lugares como esse no Oriente, mas o Himalaia atrai a
maioria das pessoas.
Há outro lugar no estado de Karnataka, no sul da Índia,
chamado Kumara Parvat. Parvat significa “montanha”.
Kumara refere-se a Kartikeya, filho de Shiva. Ele lutou
muitas batalhas, tentando transformar o mundo, mas,
quando percebeu a futilidade disso, dirigiu-se para aquela
região e ali lavou o sangue de sua espada pela última vez.
Concluiu que, mesmo que lutasse por mil anos, nunca
mudaria o mundo; que uma solução violenta criaria outros
dez problemas. Então subiu a montanha e ficou no cume.
Normalmente, quando um yogi quer sair do corpo, ele se
senta ou se deita. Mas, por ser um guerreiro, Kartikeya
levantou-se e saiu de seu corpo de pé.
Se alguém pode sair da forma física voluntariamente sem
danificá-la, é uma indicação de domínio absoluto sobre o
processo da vida. Na tradição indiana é geralmente chamado
de mahasamadhi, ou “gloriosa equanimidade”.
Quando fui a Kumara Parvat muitos anos atrás, uma
pequena tenda foi montada para mim. Eu queria dormir
nela, mas quando entrei e tentei me deitar, meu corpo
involuntariamente passou para uma postura de pé,
desmontando a tenda. Durante toda a noite não consegui me
sentar; meu corpo só ficava de pé. Foi quando comecei a ver
o que significava a vida de Kartikeya. Embora ele tenha
vivido há milhares de anos, o que deixou para trás ainda está
vibrantemente vivo.
Esse tipo de trabalho nunca pode ser eliminado. Onde
quer que uma pessoa faça algo com suas energias vitais, ela
cria uma possibilidade que não pode ser apagada por
nenhum evento. O trabalho e a presença de qualquer um que
experimentou um pouco as dimensões internas nunca
podem ser destruídos.
Por exemplo, Gautama, o Buda, deve ter vivido dois mil e
quinhentos anos atrás, e Jesus supostamente viveu há dois
mil anos, mas, no que me diz respeito, ambos são uma
realidade. Quando se cria certo volume de trabalho com suas
energias vitais, ele é permanente para todos os propósitos
práticos, e o tempo não o destrói. Se você trabalha com o
corpo físico de carne e osso, isso tem uma vida útil limitada.
Se usa sua mente, a vida útil desse trabalho é muito maior.
Mas se trabalha com suas energias vitais fundamentais,
então o resultado é atemporal.
OS PICOS DE PRATA
Desde a minha infância, sempre houve um pico de montanha no
fundo dos meus olhos. Só aos 16 anos, enquanto conversava com
meus amigos (que disseram: “Você é louco! Onde estão as
montanhas?”), percebi que ninguém mais tinha montanhas nos
olhos! Por algum tempo achei que deveria localizar aquele pico,
mas acabei deixando a ideia de lado.
Suponha que houvesse uma mancha em seus óculos. Você se
acostumaria depois de um tempo. E assim aconteceu com o pico
da montanha. Só muito mais tarde, quando uma enxurrada de
lembranças retornou a mim, e eu buscava um lugar para
estabelecer o Dhyanalinga, comecei a procurar o pico que havia
dominado a minha visão.
Viajei por todos os lugares. Fiz a jornada de mais de 1.200 km
de Goa até Kanyakumari, no extremo sul da Índia, cerca de 11
vezes. Ao longo de cada estrada e trilha de lama, rodei milhares
de quilômetros.
Então, um dia, por acaso, muitos anos depois, cheguei a um
vilarejo nos arredores de Coimbatore. Enquanto fazia uma curva,
vi a Sétima Colina das montanhas Velliangiri. Ali estava: a
montanha que eu via desde a infância. Quando pus os olhos
naquele pico – que viveu dentro de mim durante toda a vida –, ele
desapareceu da minha visão interior e se tornou real. De repente,
soube que aquele seria o espaço mais propício para o trabalho da
minha vida.
Se você me perguntar: “Qual é a maior montanha do
planeta?”, sempre responderei: “Velliangiri”. Nasci com um
registro daquelas montanhas nos olhos, e elas me assombraram
desde então. Viviam dentro de mim e eram meu próprio sistema
de navegação, meu radar interno. Essas montanhas não são
apenas uma questão de geografia para mim. São um reservatório
de tudo que eu precisava saber para criar o Dhyanalinga.
A palavra Velliangiri significa literalmente “montanha de
prata”, e essa cadeia é assim chamada porque essas montanhas
ficam cobertas por nuvens durante grande parte do ano. Também
são conhecidas como o “Kailash do Sul”, porque Adiyogi, ou o
próprio Shiva, passou pouco mais de três meses sobre aqueles
picos. Quando chegou ali, não estava em seu estado de espírito
habitualmente alegre. (Segundo a lenda, estava zangado consigo
mesmo porque não havia cumprido sua palavra com uma de suas
mais fervorosas devotas.) Estava intenso e desesperançado, e
essa energia ainda hoje é evidente; produziu uma série de yogis
através da tradição que eram do tipo irritadiço. Eles fizeram sua
prática espiritual ali e adquiriram essa qualidade. Não estavam
zangados com nada específico; estavam simplesmente em certo
estado de intensidade.
Acima de tudo, essa montanha é muito importante para mim
porque é o local onde meu guru deixou seu corpo. Essa montanha
é como um templo, um santuário vivo, para nós nesta tradição
yogi – uma torrente de divindade, uma cascata de graça. ■
O caminho do místico
Há uma grande curiosidade em certos círculos sobre
experiências místicas. Muitos afirmam ter tido experiências
paranormais extraordinárias que citam como prova de sua
evolução espiritual.
Uma palavra comum nos dicionários espirituais das
pessoas atualmente é samadhi, que é visto como um
certificado de realização mística.
O que é samadhi?
É um estado de equanimidade em que o intelecto vai além
de sua função normal de discriminação. Por sua vez, isso
relaxa seu corpo físico de tal forma que há um espaço entre
você e ele.
Há vários tipos de samadhi, os quais, por uma questão de
compreensão, foram classificados em oito. Entre esses oito
há duas extensas categorias: savikalpa (samadhis com
atributos ou qualidades muito agradáveis, felizes e
extáticos); e nirvikalpa (samadhis que são além de agradáveis
e desagradáveis, sem atributos ou qualidades). No caso do
nirvikalpa samadhi, há apenas um ponto de contato com o
corpo. O resto da energia é livre e não está ligado ao físico.
Esses estados são mantidos por certos períodos de tempo
para auxiliar os praticantes a estabelecer a distinção entre
eles mesmos e seus corpos.
O samadhi é um passo significativo na evolução espiritual,
mas ainda não é o supremo. Experimentar um tipo de
samadhi não significa estar livre dos ciclos da existência. É
apenas um novo nível de experiência. Quando era criança,
você experimentou a vida de uma forma particular. Quando
entra na vida adulta, você tem outro nível de experiência.
Experimenta as mesmas coisas de forma totalmente
diferente em diferentes pontos da vida. Samadhis são assim.
Algumas pessoas podem entrar em certo nível de samadhi
e ficar nele por anos, porque é agradável. Nessa condição,
não há espaço, tempo ou problemas corporais, pois as
barreiras físicas e psicológicas foram quebradas em alguma
medida. Mas isso é apenas temporário. No momento em que
saem desse estado, todas as necessidades corporais e hábitos
mentais retornam.
Comparada a uma pessoasóbria, uma pessoa
ligeiramente bêbada tem, em geral, um nível diferente de
experiência e exuberância. Mas todos têm que voltar ao
normal em algum momento. Todos os samadhis são uma
maneira de ficar chapado sem quaisquer substâncias
químicas externas. Se você entrar nesses estados, uma nova
dimensão se abrirá para você. O crucial, porém, é que isso
não o deixa permanentemente transformado. Você não se
mudou para outra realidade. Seu nível de experiência se
aprofundou, mas você não se tornou livre, em um sentido
supremo.
A maioria dos seres iluminados nunca ficava nos estados
de samadhi. Gautama Buda nunca se sentou e meditou por
anos a fio após sua iluminação. Muitos de seus discípulos
passaram por longas meditações durante anos. Mas o
próprio Gautama nunca fez isso, porque deve ter visto que
não precisava. Ele praticou e experimentou os oito tipos de
samadhis antes da iluminação, e os descartou. Ele disse:
“Não é isso”. Sabia que isso não o levaria à realização. O
samadhi é só um nível aumentado de experiência, um tipo de
LSD interior sem qualquer contribuição externa, o que
provoca níveis alterados de percepção. O risco é de que você
possa ser pego por ele, porque é muito mais bonito do que a
realidade atual, mas até mesmo as experiências mais belas,
como sabemos, podem se tornar um empecilho com o
tempo.
Se você fez da autorrealização a prioridade máxima em
sua vida, então qualquer coisa que não o leve um passo mais
perto de sua liberdade suprema não tem sentido. Digamos
que esteja escalando o monte Everest: você não vai dar um
passo para o lado, pois cada gota de energia é necessária
para atingir o pico. Agora, se tiver que atingir o pico de sua
consciência, precisa de toda a energia que puder reunir. E
ainda não é o bastante! Portanto, você não desejaria realizar
qualquer ação que o distraísse do objetivo principal.
“O que é essa autorrealização?”, você pode se perguntar.
Afinal, tudo o que a maioria das pessoas está buscando é
saúde, bem-estar, riqueza, amor e sucesso. Você realmente
precisa de autorrealização?
Vejamos da maneira mais simples possível. Não é verdade
que, quanto mais você sabe sobre o seu computador, melhor
você pode usá-lo? Não é verdade que sua capacidade de usar
um dispositivo ou instrumento é diretamente proporcional
ao seu conhecimento sobre ele? Não é verdade que alguém
com um alto nível de destreza e experiência pode usar até
mesmo um instrumento simples de uma forma
aparentemente mágica? Já viu algumas pessoas em um
pedaço de plástico que chamam de prancha de surfe fazendo
coisas incríveis? Apenas um pedaço de plástico, e como são
incríveis os feitos de agilidade e graça que elas podem
realizar!
Da mesma forma, quanto mais profunda sua
compreensão do mecanismo humano, mais mágica sua vida
será. Em todas as culturas, houve algumas pessoas que
realizaram certas ações que fizeram os outros acreditarem
em milagres. Todas essas ações conhecidas como milagres
nascem de um acesso mais profundo à vida de que alguns
desfrutaram. Como já disse várias vezes, esse acesso está
disponível para todos que se preocuparem em olhar mais
fundo.
Tantra: uma tecnologia para a
transformação
Atualmente há muitas práticas associadas às ciências ocultas
disfarçadas de processos espirituais.
Digamos que eu esteja na Índia e você, nos Estados
Unidos. Quero lhe enviar uma flor, mas não estou disposto a
fazer a jornada que Colombo fez. Se eu conseguir fazer com
que esta flor de repente pouse em seu colo, isso é oculto. Não
há nada de espiritual nisso; é apenas outra forma de lidar
com a dimensão física da vida.
Na Índia, temos muitos processos ocultos sofisticados. Há
pessoas que podem apenas olhar para uma fotografia e
construir ou destruir a vida de uma pessoa. Podem garantir
que a pessoa contraia uma doença que o corpo não poderia
ter adquirido em um curto espaço de tempo. Esses
praticantes ocultistas também podem criar saúde, mas
infelizmente muitos deles usam sua habilidade de outras
maneiras, já que parece haver um mercado melhor para
esses talentos negativos. Em todo caso, quer seja usado para
problemas de saúde ou boa saúde, é irrelevante. O uso do
oculto para qualquer objetivo auto-orientado é
desaconselhável.
A tradição yogi está repleta de histórias do grande yogi
Gorakhnath. Alguns dizem que ele viveu no século XI, mas
há muitos relatos que o estabelecem muito antes. Ele era um
discípulo de Matsyendranath, um ilustre yogi por mérito
próprio. Tamanho era seu nível de realização que
Matsyendranath era frequentemente venerado como uma
reencarnação de Shiva, ou Adiyogi. A tradição nos diz que
Matsyendranath viveu por cerca de seiscentos anos. Isso não
precisa ser literalmente aceito ou descartado como
hagiografia. Em essência, indica um tempo de vida
excepcionalmente longo e o enorme fascínio que essa figura
icônica gerava.
Gorakhnath tornou-se seu discípulo e venerou e adorou
seu mestre. Gorakhnath era fogo e intensidade.
Matsyendranath viu muito fogo nele, e sem contenção
suficiente. O fogo queima muitas coisas, então Gorakhnath
começou a queimar as paredes da ignorância, e de repente
teve um enorme poder. Matsyendranath viu que ele estava
correndo um pouco à sua frente, então disse: “Afaste-se por
catorze anos. Não fique perto de mim. Você está absorvendo
muito de mim”.
Essa era a coisa mais difícil para Gorakhnath. Se
Matsyendranath tivesse dito: “Desista de sua vida”, ele o
teria feito imediatamente. “Afaste-se” era algo que não
podia suportar. Mas, como seu amado mestre o exigiu, ele
partiu.
Durante catorze anos, contou as horas e os dias,
aguardando pelo momento em que poderia voltar. Quando o
período terminou, ele retornou depressa. Ao chegar,
encontrou um discípulo guardando a caverna em que
Matsyendranath vivia. Gorakhnath disse: “Quero ver meu
mestre!”.
O yogi que guardava a caverna avisou: “Não tenho essas
instruções, então é melhor você esperar”.
Gorakhnath exaltou-se. E falou: “Esperei por catorze
anos, seu tolo! Não sei quando você chegou aqui. Talvez
tenha chegado anteontem. Como ousa me impedir?”.
Ele o empurrou e entrou na caverna. Matsyendranath não
estava lá. Gorakhnath voltou, sacudiu o discípulo e
perguntou: “Onde ele está? Quero ver meu mestre agora!”.
O discípulo respondeu: “Não tenho instruções para lhe
dizer onde ele está”.
Gorakhnath não conseguiu se conter. Usou seus poderes
ocultos, examinou a mente do discípulo e descobriu onde
Matsyendranath estava. Então seguiu naquela direção. O
guru esperava por ele no meio do caminho.
Matsyendranath disse: “Eu mandei que se afastasse por
catorze anos porque você estava começando a se guiar pelo
ocultismo. Estava perdendo de vista o processo espiritual e
começando a desfrutar do poder que ele lhe forneceu.
Quando você volta, a primeira coisa que faz é usar o oculto
para abrir a mente do seu irmão discípulo. Mais catorze anos
para você”.
E, assim, o mandou embora novamente.
Há muitas histórias sobre Gorakhnath fazendo incursões
nesse reino proibido, e Matsyendranath o punindo de
repetidas vezes. Ao mesmo tempo, Gorakhnath evoluiu
finalmente para o maior discípulo que Matsyendranath
produziu.
É assim que a prática do ocultismo sempre foi tratada na
cultura yogi. Nunca foi tratada com respeito. Foi vista como
uma forma de abusar da vida, de invadir áreas que não
deveria, e praticada apenas por certos tipos de pessoas
obcecadas por poder ou dinheiro.
Ao mesmo tempo, o ocultismo nem sempre é negativo.
Obteve essa reputação por conta do uso indevido. O
ocultismo é essencialmente uma técnica. Nenhuma ciência
ou técnica é intrinsecamente negativa. Se começarmos a
usar a técnica para matar ou torturar as pessoas, depois de
algum tempo pensamos: Chega dessa maldita técnica! Foi o
que aconteceu ao ocultismo. Muitas pessoas abusaram dele
para benefício pessoal. Então, no caminho espiritual, ele é
geralmente evitado.
O que muitas vezes é chamado de ocultismo é
amplamente

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