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Copyright © Equinox One, 2016 Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2019 Todos os direitos reservados. Título original: Inner Engineering Este livro foi publicado em acordo com a Spiegel and Grau, um selo da Random House, uma divisão da Penguin Random House LLC. Preparação: Sandra Lia Farah Revisão: Marina Castro e Diego Franco Gonçales Diagramação: Triall Editorial Ltda Capa: Greg Mollica Ilustração de capa: Cortesia de Isha Yoga Center, Coimbatore, Índia Adaptação para eBook: Hondana Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Vasudev, Jaggi, Sadhguru Engenharia anterior: o guia de um Yogi para a alegria / Sadhguru; tradução de Fernanda Mello. – São Paulo: Planeta, 2019. 272 p. ISBN: 978-85-422-1728-5 Título original: Inner engineering 1. Autoajuda 2. Ioga 3. Felicidade 4. Alegria 5. Vida espiritual I. Título II. Mello, Fernanda 19-1290 CDD 204.36 http://www.hondana.com.br/ Índices para catálogo sistemático: 1. autoajuda 2. Ioga: Vida espiritual 2019 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA. Rua Bela Cintra 986, 4o andar – Consolação São Paulo – SP CEP 01415-002 www.planetadelivros.com.br faleconosco@editoraplaneta.com.br http://www.planetadelivros.com.br/ mailto:faleconosco@editoraplaneta.com.br Sumário A PALAVRA DE QUATRO LETRAS PARTE I UMA NOTA AO LEITOR QUANDO PERDI OS SENTIDOS A SAÍDA ESTÁ DENTRO PROJETE SEU DESTINO SEM LIMITE, SEM FARDO “… E AGORA, YOGA” PARTE II UMA NOTA AO LEITOR CORPO MENTE ENERGIA ALEGRIA GLOSSÁRIO A “magia” de um homem é a engenharia de outro homem. ROBERT A. HEINLEIN A palavra de quatro letras Uma vez, ao entrar na farmácia de Shankaran Pillai, um cliente viu, do lado de fora, um homem abraçado a um poste de luz, com os olhos revirando-se loucamente. Lá dentro ele perguntou: “Quem é aquele homem? O que há de errado com ele?”. Impassível, Shankaran Pillai respondeu: “Ah, aquele cara. Ele é um de meus clientes”. “Mas o que há com ele?” “Ele queria alguma coisa para tosse, ela estava muito forte. Eu lhe dei o remédio adequado.” “E o que você lhe deu?” “Uma caixa de laxantes. E o fiz tomar aqui mesmo.” “Laxantes para tosse! Por que você lhe daria isso?” “Ah, por favor, você o viu. Acha que ele vai se atrever a voltar a tossir?” A caixa de laxantes de Shankaran Pillai é um símbolo do tipo de solução propagada em todo o mundo atualmente para quem busca o bem-estar. É a principal razão pela qual o termo guru tornou-se uma palavra de quatro letras. Infelizmente, esquecemos o verdadeiro sentido da palavra. Guru significa, literalmente, “dissipador da escuridão”. Ao contrário da crença popular, a função do guru não é ensinar, doutrinar ou converter, mas lançar luz sobre dimensões além de suas percepções sensoriais e de seu drama psicológico, dimensões que hoje você é incapaz de perceber. O guru está aqui, fundamentalmente, para lançar luz sobre a própria natureza de sua existência. Atualmente, estão em voga muitos ensinamentos espúrios e perigosamente enganosos. Como exemplo podemos citar o “Viva o momento”, que leva à suposição de que você poderia estar em algum outro tempo, se quisesse. E isso seria possível? O presente é o único lugar em que você pode estar. Se você vive, vive neste momento. Se morrer, morrerá neste momento. Este momento é a eternidade. Como você escapará dele, mesmo se tentar? O seu problema é que você sofre pelo que aconteceu há dez anos e pelo que pode acontecer depois de amanhã. As duas situações não são reais, mas simplesmente um jogo de sua memória e imaginação. Isso significa então que, para encontrar a paz, você deve aniquilar sua mente? De forma alguma. Significa apenas que você precisa assumir o comando. Sua mente carrega enormes reservas de memória e incríveis possibilidades de imaginação que são o resultado de um processo evolutivo de milhões de anos. Se você conseguir usá-las quando quiser e deixá-las de lado quando não as quiser, a mente pode ser uma ferramenta fantástica. Fugir do passado e negligenciar o futuro é banalizar essa maravilhosa capacidade. Portanto, “viver o momento” torna-se uma restrição psicológica incapacitante – nega nossa realidade existencial. Outro lema popular de autoajuda é o “Faça apenas uma coisa de cada vez”. E por qual motivo você faria apenas uma coisa se a mente – fenomenal máquina multidimensional – é capaz de lidar simultaneamente com vários níveis de atividade? Em vez de aproveitar e aprender a direcionar a mente, por que ia querer suprimir isso? Se você pode conhecer a estimulante alegria da ação mental, por que optaria por uma lobotomia, por voluntariamente vegetar? A outra expressão que se fortaleceu como clichê pelo uso excessivo é “pensamento positivo”. Quando é simplificado demais e usado como um mantra de solução rápida, o pensamento positivo torna-se uma forma de camuflar ou suavizar a realidade. Quando você não consegue processar informações em tempo real e controlar seu drama psicológico, agarra-se ao “pensamento positivo” como algo tranquilizante. Inicialmente, ele pode parecer impregnar sua vida com confiança renovada e otimismo, mas é essencialmente limitado. Em longo prazo, se você negar ou eliminar uma parte da realidade, isso lhe dará uma perspectiva desequilibrada da vida. Além disso, há a tradicional questão de exportar o bem- estar humano aos céus e afirmar que o núcleo do Universo é o amor. O amor é uma possibilidade humana. Se você precisar de um curso de atualização, pode ter aulas com seu cachorro. Ele é cheio de amor! Não precisa ir ao espaço sideral para conhecer esse sentimento. Todas essas filosofias pueris vêm do pressuposto de que a existência é centrada no ser humano. Essa simples ideia nos roubou os sentidos e nos fez cometer alguns dos crimes mais desumanos e hediondos ao longo da história. E eles continuam a se perpetuar até hoje. Como guru, não tenho doutrina para ensinar, nem filosofia para transmitir, nem crença para propagar. E isso porque a única solução para todos os males que afligem a humanidade é a autotransformação. Autotransformação não é crescimento pessoal gradual. A autotransformação não é alcançada pela moral, ou pela ética, ou por mudanças comportamentais ou de atitude, mas pela experimentação da natureza ilimitada de quem somos. A autotransformação significa que nada do que é velho permanece. É uma mudança dimensional na forma como você percebe e experimenta a vida. Entender isso é yoga. Quem incorpora isso é um yogi. Quem o guia nessa direção é um guru. Meu objetivo neste livro é ajudar a tornar a alegria sua companheira constante. Para que isso aconteça, este livro não oferece um sermão, mas uma ciência; não oferece um ensinamento, mas uma técnica; não oferece um preceito, mas um caminho. Agora é hora de começar a explorar essa ciência, trabalhando a técnica e percorrendo o caminho. Nesta jornada, o guru não é o destino, mas o roteiro. A dimensão interior é um terreno inexplorado. Se estiver explorando um terreno que é desconhecido para você, não é melhor ter placas de sinalização? Você poderia encontrar seu próprio caminho, mas, de repente, isso poderia demorar vidas. Quando se está em um terreno desconhecido, é sensato receber instruções. De certa forma, isso é tudo que um guru é – um roteiro ao vivo. GPS: Guru Pathfinding System (Sistema de localização Guru)! E é por isso que existe essa infame palavra de quatro letras. Para tornar as coisas duplamente fáceis para você, pensei em transformá-la em uma de oito… … Sadhguru PARTE I Uma nota ao leitor Há muitas formas de usufruir um livro deste tipo. Uma delas seria lançar-se diretamente na prática, mergulhar de cabeça no modo “faça você mesmo”. Mas este livro não pretende ser um manual de autoajuda. Embora tenha uma forte orientação prática, há mais do que isso. Outra forma seria tornar-se teórico. Mas este livro também não é um exercício acadêmico. Nunca li nenhumdos tratados do yoga em sua totalidade. Nunca precisei. Minha experiência é interior. Foi só mais tarde, quando dei uma lida em Os yoga sutras de Patanjali, importante texto yogi que percebi que tinha algum acesso ao âmago deles. Isso porque eu os abordo experimentalmente, em vez de teoricamente. Reduzir uma ciência sofisticada como o yoga à mera doutrina é simplesmente tão trágico quanto transformá-la em um exercício cardiovascular. Então, este livro foi finalmente dividido em duas seções. A primeira mapeia o terreno; a segunda lhe oferece uma forma de navegá-lo. O que você está prestes a ler nesta seção não é uma demonstração de expertise acadêmica. Em vez disso, esta seção procura oferecer uma série de insights fundamentais – insights que estabelecem a base ou alicerce sobre o qual a arquitetura da segunda seção, mais voltada para a prática, é construída. Esses insights não são princípios ou ensinamentos. E definitivamente não são conclusões. São mais como placas de sinalização em uma jornada que não pode ser feita por ninguém além de você. São perspectivas centrais que emergiram como uma consequência do estado de consciência aumentada que adquiri em uma experiência transformadora há trinta e três anos. A seção começa com uma nota autobiográfica, para que você saiba algo sobre a companhia autoral que terá – se decidir ler o resto do livro! Ela então se desdobra em uma avaliação de certas ideias básicas, explorando ao longo do caminho alguns termos muito usados (e mal usados), como destino, responsabilidade, bem-estar e, mais fundamentalmente, yoga. Um dos capítulos desta seção termina com um sadhana. A palavra sadhana em sânscrito significa um dispositivo ou uma ferramenta. Essas ferramentas de exploração lhe oferecem uma oportunidade, como leitor, de colocar as ideias discutidas nestas páginas em ação e de ver se os insights funcionam para você. (Esses sadhanas retornarão com muito mais frequência na segunda seção.) Muitas vezes as pessoas me dizem que pareço ser um guru “moderno”. Minha resposta a essa observação é que não sou moderno nem antigo, nem da Nova Era nem da antiga era. Sou contemporâneo, e é isso que todo guru sempre foi. Somente estudiosos, especialistas e teólogos podem ser antigos ou modernos. Uma filosofia ou um sistema de crenças podem ser antigos ou novos. No entanto, os gurus são sempre contemporâneos. Como já disse, um guru é alguém que dissipa a escuridão, que abre a porta para você. Se eu prometer abrir uma porta para você amanhã ou se a abri para outra pessoa ontem, isso não tem relevância. Só tem valor se eu abrir uma porta para você hoje. Então, a verdade é atemporal, mas a tecnologia e a linguagem são sempre contemporâneas. Se não o fossem, mereceriam ser descartadas. Por mais antiga que seja, nenhuma tradição – se deixou de ser relevante – merece se perpetuar como algo além de uma peça de museu. Então, embora eu vá explorar uma tecnologia antiga neste livro, ela é também, impecavelmente, uma tecnologia de última geração. Não estou pessoalmente interessado em oferecer nada de novo. Estou interessado apenas no que é verdade. Espero que a seção a seguir lhe ofereça alguns momentos em que as duas coisas convergem. Porque nesses momentos em que as condições são as certas – quando um insight é articulado valendo-se de um lugar de clareza interior e encontra um leitor no momento certo de receptividade –, uma antiga verdade torna-se explosivamente alquímica. De repente está fresca, viva, radiantemente nova, como se pronunciada e ouvida pela primeira vez na história. Quando perdi os sentidos Então eu era um homem Só subo a Colina Porque tenho tempo a matar Mas matei tudo que era Eu e Meu Sem o Eu e o Meu Perdi toda a minha vontade e capacidade Aqui estou, um recipiente vazio Escravo da Vontade Divina e da capacidade infinita Há uma tradição na cidade de Mysore. Se você tem algo para fazer, suba a colina Chamundi. E se não tem nada para fazer, suba a colina Chamundi. Se você se apaixonar, suba a colina Chamundi. E se você se desapaixonar, precisa subir a colina Chamundi. Uma tarde, eu não tinha nada para fazer, e havia acabado de me desapaixonar, então subi a colina Chamundi. Estacionei minha moto e me sentei em um afloramento de rocha que estava a dois terços caminho até o topo da colina. Essa era minha “rocha de contemplação” havia algum tempo. Uma árvore de baga roxa e uma figueira-de- bengala atrofiada haviam fincado raízes tenazes em uma fissura profunda na superfície da rocha. Uma visão panorâmica da cidade se desdobrava diante de mim. Até aquele momento, em minha experiência, meu corpo e mente eram “eu”, e o mundo estava “lá fora”. Mas, de repente, não sabia o que era eu e o que não era eu. Meus olhos ainda estavam abertos. No entanto, o ar que eu estava respirando, a rocha em que eu estava sentado, a própria atmosfera ao redor, tudo tinha se tornado eu. Eu era tudo que havia. Estava consciente, mas tinha perdido os sentidos. A natureza discriminatória dos sentidos simplesmente não existia mais. Quanto mais eu falar, mais estranho soará, porque o que estava acontecendo era indescritível. O que era eu estava literalmente por toda parte. Tudo estava explodindo além dos limites definidos; tudo estava explodindo em todo o resto. Era uma unidade adimensional de perfeição absoluta. Minha vida é apenas aquele momento, graciosamente duradouro. Quando retomei os sentidos, senti como se apenas dez minutos houvessem passado. Uma olhada no relógio me mostrou que eram 7h30 da noite! Quatro horas e meia haviam se passado. Meus olhos estavam abertos, o Sol se pôs e estava escuro. Eu estava plenamente consciente, mas o que eu considerava ser eu mesmo até aquele momento tinha desaparecido completamente. Nunca fui do tipo chorão. E, no entanto, ali estava eu, aos 25 anos, em uma rocha na colina Chamundi, tão arrebatadoramente louco que as lágrimas escorriam e toda a minha camisa estava molhada! Ser pacífico e bem-aventurado nunca havia sido uma questão para mim. Vivi minha vida do jeito que eu queria. Cresci nos anos 1960, a era dos Beatles e dos jeans, li minha cota de filosofia e literatura europeias – Dostoiévski, Camus, Kafka e afins. Mas ali estava eu explodindo em uma dimensão completamente diferente da existência, da qual não sabia nada, embebido em um sentimento completamente novo – uma exuberância, uma bem- aventurança –, que nunca havia conhecido ou imaginado ser possível. Quando concentrei minha mente cética nisso, a única coisa que ela conseguiu me dizer foi que talvez eu estivesse ficando maluco! Mesmo assim, era tão bonito que eu sabia que não queria perder isso. Nunca consegui descrever o que aconteceu naquela tarde. Talvez a melhor forma de expressar isso seja dizer que subi e não desci. Nunca desci. Nasci em Mysore, uma linda e suntuosa cidade no sul da Índia, anteriormente uma capital, conhecida por seus palácios e jardins. Meu pai era médico e minha mãe, dona de casa. Eu era o mais novo de quatro irmãos. A escola me entediava. Achava impossível tolerar as aulas porque podia perceber que os professores estavam falando sobre algo que não significava nada para a vida deles. Todos os dias, aos 4 anos de idade, eu instruía a empregada, que me acompanhava até a escola de manhã, a me deixar nos portões e a não entrar no prédio. Assim que ela partia, eu corria para o desfiladeiro próximo, que explodia com uma incrível variedade de vida. Comecei a acumular um vasto zoológico pessoal de insetos, girinos e cobras em garrafas obtidas do armário de remédios do meu pai. No entanto, depois de alguns meses, quando meus pais descobriram que eu não estava frequentando a escola, pareceram consideravelmente indiferentes a minhas explorações biológicas. Minhas expedições ao desfiladeiro eram desprezadas como brincadeira de criança. Frustrado, como frequentemente ficava, com o que considerava um mundo adulto monótonoe sem imaginação, apenas voltei a atenção para outro lugar e encontrei outra coisa para fazer. Anos mais tarde preferi passar meus dias vagando pela floresta, capturando cobras, pescando, caminhando e escalando árvores. Eu costumava subir até o galho mais alto de uma grande árvore, com minha lancheira e minha garrafa de água. O movimento oscilante dos galhos me transportava para um estado de transe, em que eu dormia mas, ao mesmo tempo, estava bem desperto. Eu perdia a noção do tempo nessa árvore. Ficava empoleirado ali das 9 horas da manhã às 4h30 da tarde, quando a campainha tocava e as aulas acabavam. Muito depois, percebi que, inconscientemente, estava me tornando meditativo já naquela fase da vida. Mais tarde, quando comecei a ensinar as pessoas a meditar, eram sempre meditações oscilantes. É claro que àquela altura eu nunca tinha ouvido falar da palavra meditação. Gostava apenas da forma como a árvore balançando me levava a um estado além do sono e da vigília. Eu achava a sala de aula monótona, mas estava interessado em todo o resto – na forma como o mundo é feito, na superfície física da terra, na forma como as pessoas vivem. Eu costumava andar de bicicleta pelas estradas de terra, percorrendo um mínimo de 35 km por dia. Quando chegava em casa, estava coberto de camadas de barro e poeira. Gostava especialmente de fazer mapas mentais do terreno em que passeava. Podia apenas fechar os olhos quando estava sozinho e redesenhar toda a paisagem vista naquela tarde – cada rocha, cada afloramento, cada árvore. Era fascinado pelas diferentes estações, pela forma como a terra muda quando é arada, quando as plantações começam a germinar. Foi o que me atraiu no trabalho de Thomas Hardy: suas descrições da paisagem inglesa que se seguem página a página. Mentalmente estava fazendo a mesma coisa com o mundo ao meu redor. Ainda hoje é como um vídeo em minha cabeça. Se eu quiser, consigo rever com clareza toda a paisagem daqueles anos de observação. Eu era um cético inflexível. Mesmo aos 5 anos de idade, quando minha família ia ao templo, eu tinha muitas perguntas: “Quem é Deus? Onde Ele está? Lá em cima? Onde é lá em cima?”. Alguns anos depois, tinha ainda mais perguntas. Na escola, disseram que o planeta era redondo. Mas, se o planeta era redondo, como alguém saberia que direção era para cima? Ninguém conseguia responder a essas perguntas, então eu nunca entrava no templo. Isso significava que eram obrigados a me deixar do lado de fora sob os cuidados do guardador de calçados. O guardador me segurava pelo braço como se fosse um torniquete, apertando e me rebocando junto com ele enquanto fazia seu serviço. Ele sabia que, se olhasse para o lado, eu fugiria! Mais tarde, não pude deixar de notar que as pessoas que saíam de restaurantes sempre tinham expressões mais alegres do que as que saíam dos templos. Isso me intrigou. No entanto, embora eu fosse cético, também nunca me identifiquei com esse rótulo. Tinha muitas perguntas sobre tudo, mas nunca senti necessidade de chegar a conclusões. Percebi muito cedo que eu não sabia nada sobre nada. Por isso acabei prestando muita atenção em tudo ao meu redor. Se alguém me desse um copo de água, eu o encarava sem parar. Se eu pegasse uma folha, também olhava continuamente para ela. Olhava para a escuridão a noite toda. Se olhasse para um pedregulho, a imagem giraria sem parar em minha mente, para que eu conhecesse cada grão, cada ângulo. Também vi que a linguagem não era mais do que uma conspiração criada por seres humanos. Se alguém falasse, percebia que só estavam fazendo sons, e eu estava inventando os significados. Então, parei de inventar significados, e os sons tornaram-se muito divertidos. Eu podia ver padrões jorrando de suas bocas. Se continuasse olhando, a pessoa apenas se desintegraria e se transformaria em uma bolha de energia. Então tudo o que restava eram padrões. Nesse estado de ignorância absoluta e ilimitada, praticamente qualquer coisa poderia prender minha atenção. Meu querido pai, sendo médico, começou a achar que eu precisava de avaliação psiquiátrica. Em suas palavras: “Esse menino está olhando sem piscar para algo o tempo todo. Ele perdeu a cabeça!”. Sempre me pareceu estranho que o mundo não perceba a imensidão de um estado de “eu não sei”. Aqueles que destroem esse estado com crenças e suposições perdem completamente uma enorme possibilidade – a possibilidade de saber. Esquecem que “eu não sei” é a porta – a única porta – para buscar e saber. Minha mãe me instruiu a prestar atenção em meus professores. E prestei. Prestei o tipo de atenção que nunca teriam recebido em qualquer outro lugar! Eu não tinha ideia do que estavam dizendo, mas, nas ocasiões em que assistia às aulas, olhava para eles, de forma inabalável e intensa. Por alguma razão, não acharam essa característica especialmente cativante. Um professor em particular fez todo o possível para extrair uma resposta minha. Mas quando permaneci em silêncio e taciturno, ele me agarrou pelo ombro, me sacudiu com violência e declarou: “Ou você é o divino ou o diabo”. E acrescentou: “E acho que você é a segunda opção!”. Eu não estava especificamente insultado. Até aquele momento, havia me aproximado de tudo ao meu redor – de um grão de areia ao Universo – com um sentimento de admiração. Mas sempre havia uma certeza nessa complexa teia de perguntas, e era “eu”. No entanto, o acesso de raiva do meu professor desencadeou outra linha de investigação: quem eu era? Humano, divino, diabo, o quê? Tentei me olhar para descobrir e não funcionou. Então, fechei os olhos e tentei descobrir. Minutos transformaram-se em horas, e continuei sentado, com os olhos fechados. Quando meus olhos se abriram, tudo me intrigava – uma formiga, uma folha, nuvens, flores, escuridão, praticamente qualquer coisa. Para meu espanto, descobri que com os olhos fechados ainda mais coisas me chamavam atenção – a forma como o corpo pulsa, a forma como os diferentes órgãos funcionam, os vários canais ao longo dos quais a energia interior se move, a forma como a anatomia é alinhada, o fato de as fronteiras limitarem-se ao mundo exterior. Esse exercício abriu toda a mecânica de ser humano diante de mim. Em vez de me levar a uma resposta simplista de que eu era “isso” ou “aquilo”, gradualmente me levou à percepção de que, se eu estivesse disposto, poderia ser tudo. Não era sobre chegar a quaisquer conclusões. Até mesmo a certeza do “eu” desmoronou quando uma sensação mais profunda do que é ser um humano começou a surgir. Ao me conhecer como uma pessoa autônoma, esse exercício me dissolveu. Eu me tornei um ser nebuloso. Apesar de todos os meus modos esquisitos, a única coisa que conseguia fazer de forma estranhamente disciplinada eram meus exercícios do yoga. Começou nas férias de verão quando eu tinha 12 anos. Um monte de primos se encontrava todos os anos na casa ancestral do meu avô. No quintal, havia um poço antigo, com mais de 40 m de profundidade. Enquanto as meninas brincavam de esconde-esconde, a brincadeira normal que nós garotos fazíamos era pular no poço e depois subir de novo. Tanto pular quanto subir era um desafio. Se não fizesse isso corretamente, seu cérebro poderia se tornar uma mancha na parede. Na subida, não havia degraus; você simplesmente tinha que se agarrar à superfície da rocha e se arrastar para cima. As unhas muitas vezes sangravam com a pressão. Só alguns garotos conseguiam fazer isso. Eu era um deles, e era muito bom nisso. Um dia apareceu um homem com mais de 70 anos de idade. Ele nos observou por um tempo. Em silêncio, pulou no poço. Achamos que ia morrer. Mas ele subiu mais rápido do que eu. Deixei de lado o orgulho e lhe fiz apenas uma pergunta: “Como?”. “Venha, aprenda yoga”, disse o velho. Eu o segui como um cachorrinho. E foi assim que me tornei aluno de Malladihalli Swami (como esse velho era conhecido) e entrei no yoga. No passado, me acordar todasas manhãs era um projeto familiar. Minha família tentava me fazer sentar na cama; eu tombava e adormecia novamente. Minha mãe me entregava a escova de dentes; eu a colocava na boca e adormecia. Em desespero, ela me empurrava para o banheiro; eu logo voltava a adormecer. No entanto, três meses depois de começar o yoga, meu corpo passou a acordar às 3h40 todos os dias, sem qualquer estímulo externo, como acontece até hoje. Depois que acordava, meus exercícios simplesmente aconteciam, não importava onde eu estivesse e em que situação, sem um único dia de folga. Esse simples yoga – chamada angamardana (um sistema do yoga físico que fortalece tendões e membros) – me distinguia definitivamente em qualquer grupo de pessoas, física e mentalmente. Mas isso era tudo… ou era nisso que acreditava. Com o tempo, perdi toda a fé na educação estruturada. Não era cinismo; eu tinha bastante entusiasmo e vida em mim para me manter comprometido com tudo. Minha característica dominante, mesmo nessa idade, era a clareza. Eu não estava procurando ativamente por inconsistências ou brechas em qualquer coisa que me era ensinada, apenas as via. Nunca busquei algo na vida, apenas olhava. E é o que estou tentando ensinar às pessoas agora: se você realmente quer conhecer a espiritualidade, não busque. As pessoas acham que a espiritualidade é sobre a busca de Deus ou da verdade ou do supremo. O problema é que você já definiu o que está buscando. Não é o objeto de sua busca que é importante, mas simplesmente a capacidade de olhar sem motivo, e isso está em falta no mundo de hoje. Todo mundo é uma criatura psicológica querendo atribuir significado a tudo. Buscar não é sobre olhar para algo, mas sobre melhorar sua percepção, sua própria capacidade de ver. Depois do ensino médio, embarquei em um programa de autoestudo na Biblioteca da Universidade de Mysore. Eu era a primeira pessoa a entrar ali às 9 horas da manhã e a última a ser expulsa às 8h30 da noite. Entre o café da manhã e o jantar, meu único alimento eram os livros. Embora sempre tenha sido esfomeado, pulei o almoço por um ano inteiro. Li loucamente, de Homero à revista Popular Mechanics, de Kafka a Kalidasa, de Dante a Dennis, o Pimentinha. Saí daquele ano mais instruído, porém com mais perguntas do que nunca. As lágrimas de minha mãe me obrigaram a me matricular, com relutância, na Universidade de Mysore como aluno de literatura inglesa. Mas continuei carregando a nuvem de 1 bilhão de perguntas, como uma auréola escura, o tempo todo ao meu redor. Nem a biblioteca nem os professores puderam dissipá-la. Mais uma vez, passei a maior parte do tempo fora da sala de aula. Descobri que tudo que acontecia na aula era um ditado de anotações, e definitivamente não estava planejando ser um estenógrafo! Certa vez pedi a uma professora que me desse suas anotações para que eu pudesse tirar cópias; isso a livraria do problema do ditado e a mim do problema de comparecer. Finalmente, fiz um acordo com todos os professores (que ficaram mais do que felizes com a minha ausência nas aulas). Todos os dias eles me dariam presença. O comparecimento era registrado no último dia do mês. Naquele dia eu entraria e apenas me certificaria de que estavam mantendo sua parte na barganha! Um grupo de alunos começou a se encontrar sob uma enorme figueira-de-bengala no terreno do campus. Alguém o intitulou Clube da Figueira-de-Bengala, e o nome pegou. O lema do clube era: “Fazemos isso por diversão”. Nós nos reuníamos sob a árvore em nossas motos e conversávamos por horas sobre uma variedade de assuntos – desde como fazer motos Jawa serem mais rápidas a como tornar o mundo um lugar melhor. É claro que nunca saíamos de nossas motos. Isso teria sido um sacrilégio! Quando terminei a universidade, havia percorrido todo o país. Inicialmente, viajei pelo sul da Índia em minha bicicleta; em seguida, atravessei o país inteiro em minha moto. O normal então seria atravessar as fronteiras nacionais. Mas quando cheguei à fronteira entre a Índia e o Nepal, me disseram que o registro da moto e a carteira de habilitação não eram suficientes, precisava de mais documentos. Depois disso, ganhar dinheiro suficiente para viajar pelo mundo de moto se tornou meu sonho. Não era só desejo de viajar, havia uma inquietação. Queria conhecer alguma coisa. Não sabia o que nem aonde precisava ir para conseguir, só sabia que queria mais. Nunca me considerei particularmente impulsivo; a vida me orientava. Eu media as consequências de minhas ações; só que, quanto mais perigosas eram, mais me atraíam. Alguém me disse uma vez que meu anjo da guarda devia ser muito bom, em constantes horas extras! Ansiava por testar limites, atravessar fronteiras. O que e por que nunca foram perguntas para mim. Como era a única questão. Agora, quando olho para trás, percebo que nunca pensei no que queria ser na vida, mas apenas em como queria vivê-la. E sabia que o “como” só poderia ser determinado dentro de mim e por mim. Na época, houve um grande boom na avicultura. Eu precisava ganhar algum dinheiro para financiar meu desejo de viajar sem restrições e sem rumo. Ao entrar no ramo, meu pai disse: “O que vou dizer às pessoas? Que meu filho está criando galinhas?”. Mesmo assim, construí sozinho minha granja, partindo do zero. O negócio fez sucesso, os lucros começaram a surgir. Todas as manhãs eu dedicava quatro horas ao negócio; no restante do dia eu lia, escrevia poesia, nadava, meditava e sonhava acordado em uma enorme figueira-de-bengala. O sucesso me fez aventureiro. Meu pai sempre lamentava que os filhos de todos os seus amigos haviam se tornado engenheiros, industriais, entrado para o serviço público ou ido para os Estados Unidos. As pessoas do meu convívio – amigos, parentes, antigos professores da escola e da faculdade – comentavam: “Ah, achávamos que você faria algo de sua vida, mas só a está desperdiçando”. Encarei como um desafio e, em parceria com um amigo engenheiro civil, entrei no ramo da construção. Em cinco anos, nos tornamos uma grande empresa da área, cotada entre as principais empreiteiras privadas de Mysore, para encanto e espanto de meu pai. Eu era exuberante e seguro, movido a adrenalina e ansioso por um desafio. Quando tudo que você faz é um sucesso, tende a começar a acreditar que os planetas giram em torno de você, não do Sol! E era esse tipo de jovem que eu era quando, naquela fatídica tarde de setembro de 1982, decidi pegar a moto tcheca e subir a colina Chamundi. Eu não tinha ideia de que minha vida jamais seria a mesma. Mais tarde, quando tentei conversar com meus amigos sobre o que aconteceu naquele dia na montanha, tudo que conseguiam perguntar era: “Você bebeu alguma coisa? Você usou alguma droga?”. Eles eram ainda mais desinformados do que eu sobre essa nova dimensão que de repente explodiu em minha vida. Mesmo antes de eu começar a processar o que a experiência significava, ela retornou uma semana depois. Tive a sensação de que havia durado dois minutos, mas na verdade foram sete horas. Eu estava à mesa de jantar com minha família totalmente consciente, exceto que o “eu” que conhecia como eu mesmo não estava mais ali; todo o resto estava. E o tempo voou. Tenho a lembrança de vários membros da família me batendo no ombro, me perguntando o que aconteceu, me dizendo para comer. Simplesmente levantei a mão e lhes pedi que saíssem. Eles me deixaram em paz, já estavam acostumados com meu jeito estranho. Eram quase 4h15 da manhã quando voltei aos meus sentidos “normais”. A experiência começou a acontecer com mais frequência. Quando ocorria, eu não comia nem dormia por horas a fio. Simplesmente ficava sentado, enraizado em um único ponto. Em uma ocasião, isso durou treze dias. Eu estava em uma aldeia quando começou – esse estado de extraordinário e indescritível êxtase e quietude. Os aldeões reuniram-se ao meu redor e começaram a sussurrar entre si: “Ah, ele deve estar emsamadhi” (um estado bem-aventurado além do corpo, bem documentado nas tradições espirituais indianas). Na Índia, sendo o país que é, havia uma compreensão tradicional da espiritualidade da qual eles eram herdeiros e da qual eu, com meu cérebro envolto em jeans, ignorava. Quando saí daquele estado, alguém queria colocar uma guirlanda no meu pescoço, outro queria tocar meus pés, e eu não conseguia acreditar que alguém quereria fazer isso comigo. Em outro dia, quando eu estava almoçando, coloquei um bocado de comida na boca e, de repente, ela explodiu. Naquele momento, pude experimentar a milagrosa alquimia da digestão humana – o processo pelo qual uma substância externa, um pedaço do planeta, estava se tornando parte de mim. Todos nós sabemos disso intelectualmente – que uma parte do planeta nos nutre, e nossos corpos, por sua vez, um dia voltam para nutrir a mesma terra que já nos sustentou –, mas, quando o conhecimento irrompeu como experiência, alterou minha perspectiva fundamental de quem eu era. Minha relação com tudo ao meu redor, incluindo o planeta, passou por uma mudança dimensional. Fiquei consciente dessa extraordinária inteligência que existe dentro de cada um de nós, capaz de transformar um pedaço de pão ou uma maçã no corpo humano em uma única tarde. Não é uma pequena façanha! Quando comecei a tocar conscientemente essa inteligência, que é a fonte da criação, eventos aparentemente inexplicáveis começaram a ocorrer ao meu redor. De uma forma ou de outra, as coisas que tocava eram transformadas. As pessoas olhavam para mim e começavam a chorar. Muitos afirmavam ter se livrado de sofrimento físico e mental apenas olhando para mim. Eu me via curado em questão de horas de problemas dos quais levaria meses para me livrar por meio do tratamento médico normal. No entanto, dei pouca importância a tudo isso. Essa capacidade de transformar minha realidade exterior e interior muito drasticamente continua dentro de mim e ao meu redor até o dia de hoje. Não foi algo que tentei conscientemente alcançar. É só que, uma vez em contato com essa dimensão mais profunda de inteligência, que é a base de nossa existência aqui, a vida torna-se naturalmente milagrosa. Em cerca de seis a oito semanas, essa incrível experiência se tornou uma realidade. Durante esse tempo, tudo sobre mim mudou completamente. Minha aparência física – o formato dos olhos, o modo de andar, a voz, o próprio alinhamento do corpo – começou a se modificar tanto que as pessoas a minha volta também começaram a notar. O processo interno era ainda mais fenomenal. Em seis semanas, um enorme fluxo de memória surgiu – literalmente, uma vida de memória. Eu agora estava consciente de 1 milhão de coisas diferentes acontecendo dentro de mim em um simples momento, como se fosse um caleidoscópio. Minha mente lógica me dizia que nada disso poderia ser verdade. O que eu estava vivenciando era mais claro do que a luz do dia. No entanto, secretamente esperava que fosse falso. Sempre me vi como um jovem inteligente. De repente parecia ser um jovem tolo e ignorante, e essa perplexidade era algo que eu não conseguia aceitar. Mas, para minha decepção, descobri que tudo que minha memória estava dizendo era verdade. Até aquele momento, eu havia me recusado completamente a aceitar qualquer coisa em minha vida que não se adequasse a uma estrutura racional e lógica. Lentamente, comecei a perceber que a vida é a inteligência suprema. O intelecto humano é apenas a sabedoria que garante a sobrevivência. Mas a verdadeira inteligência é apenas a vida e a vida – e aquilo que é a fonte da vida. Nada mais. Foi dito ao mundo que o divino é amor, que o divino é compaixão. Mas, se você prestar atenção à criação, perceberá que o divino, ou o que quer que seja a fonte da criação, é, acima de tudo, a mais alta inteligência que se pode imaginar. Em vez de tentar explorar essa inteligência toda-poderosa que pulsa dentro de cada um de nós, optamos por usar nosso intelecto lógico, que é útil em certas situações, mas essencialmente limitado. Também comecei a experimentar uma sensibilidade aumentada para com os sentimentos dos outros. Às vezes, apenas a visão de uma pessoa desconhecida na rua, em estado de tristeza, podia me fazer chorar. Eu não podia acreditar nos estados de miséria que os seres humanos conseguiam suportar enquanto eu estava ali, simplesmente explodindo em êxtase sem razão alguma. Demorei um pouco para perceber que o que estava acontecendo comigo era algo “espiritual”. Comecei a entender que o que as tradições sagradas e escrituras haviam exaltado como a suprema experiência estava acontecendo comigo; que eu estava experimentando, de fato, a coisa mais linda que pode acontecer a um ser humano. A todo momento, cada célula do meu corpo estava explodindo em êxtases indescritíveis. As pessoas glorificam a infância porque uma criança consegue rir e ser bem- aventurado sem qualquer razão. Mas vi que também é possível ficar em êxtase na idade adulta. É possível para todo ser humano, porque tudo que podemos experimentar acontece dentro de nós. Comecei a perceber que a transformação física em minha aparência era, na verdade, um realinhamento de toda a minha constituição interior. Vinha praticando um conjunto básico de posturas corporais, ou hatha yoga, desde os 12 anos. Aqueles treze anos do yoga deram frutos nesse momento. O yoga é essencialmente uma forma de recriar o corpo para que ele sirva a um propósito maior. O corpo humano pode funcionar como um pedaço de carne e osso ou como a própria fonte da criação. Há toda uma tecnologia para transformar o humano em divino. A espinha humana não é apenas um arranjo ruim dos ossos; é o próprio eixo do Universo. Depende apenas de como você reorganiza seu sistema. No meu caso, por ser uma pessoa fisicamente intensa, aprendi a carregar meu corpo como se ele não estivesse aqui. Minha fisicalidade se tornou muito relaxada. Antes, toda essa intensidade estava em meu corpo. As pessoas podiam sentir que, se eu entrasse em uma sala, isso significava ação. Mas então aprendi a carregar meu corpo de forma diferente. E foi quando percebi que aquela experiência que havia tido era realmente yoga. Essa experiência de união com a existência, de unidade com toda a vida, de infinitude, era yoga. O simples conjunto de posturas do yoga, ou asanas, que eu vinha praticando diariamente era sobre aptidão física, ou assim eu pensava. Após aquela experiência na colina Chamundi, percebi que o que estava fazendo era na verdade um processo que poderia me levar a uma dimensão muito além da física. E é por isso que digo às pessoas: mesmo que você entre no yoga pelas razões erradas, ela ainda funciona! Em cada ser humano, há algo que não gosta de limites, que anseia por se tornar ilimitado. A natureza humana é tal que sempre ansiamos por ser algo mais do que somos agora. Não importa quanto consigamos, ainda queremos ser algo mais. Se apenas olhássemos para isso de perto, perceberíamos que esse desejo não é por mais; esse desejo é por tudo. Todos buscamos nos tornar infinitos. O único problema é que estamos buscando isso à prestação. Imagine que você estava trancado em um cubículo de 1,5 m2. Por mais confortável que fosse, você desejaria estar livre dele. No dia seguinte, se fosse solto em um cubículo maior de 3 m2, você se sentiria bem por um tempo, mas logo o mesmo anseio de romper esse limite voltaria. Não importa quão grande seja o limite que estabelecemos; quando você se torna consciente dele, o desejo de rompê-lo é instintivo. No Oriente, esse anseio foi culturalmente reconhecido como o objetivo mais elevado de todas as atividades e todos os esforços humanos. A liberdade – ou mukti, ou moksha – é vista como o anseio natural e o destino final de todo ser humano. É só por estarmos inconscientes disso que buscamos realizá-lo à prestação, seja pela aquisição de poder, dinheiro, amor ou conhecimento. Ou pormeio desse outro grande passatempo atual – fazer compras! No momento em que percebi que o desejo humano não era por uma coisa em particular, mas apenas por se expandir de forma ilimitada, uma clareza surgiu dentro de mim. Quando vi que todos eram capazes disso, pareceu natural querer compartilhar. Todo o meu objetivo desde então tem sido, de alguma forma, passar essa experiência a outras pessoas, a fim de despertá-las para o fato de que esse estado de alegria, de liberdade, de infinitude não lhes pode ser negado, a menos que elas atrapalhem a efervescência natural da vida. Essa condição de bem-estar extático que tenho desde aquela tarde na colina Chamundi não é uma possibilidade distante nem um sonho impossível. É uma realidade para aqueles que estão dispostos. É o direito inato de todo ser humano. A saída está dentro Tudo o que você realizou na vida até hoje teve como objetivo uma única coisa. Se seguiu uma carreira, começou um negócio, ganhou dinheiro ou construiu uma família, foi sempre por querer uma coisa simples: alegria. Entretanto, em algum lugar ao longo do caminho, a vida ficou complicada. Se você tivesse nascido como qualquer outra criatura neste planeta, teria sido muito simples. Suas necessidades teriam sido apenas físicas. Um estômago cheio seria equivalente a um grande dia. Dê uma olhada em seu cachorro ou seu gato: assim que o estômago deles está cheio, ficam bem calmos. Mas quando você vem a este mundo como um ser humano, as coisas mudam. Um estômago vazio é um problema: fome. E um estômago cheio? Uns cem problemas! Quando nossa sobrevivência está em questão, há um grande problema em nossa vida. No entanto, assim que é resolvido, parece não significar nada. Para um ser humano, a vida de alguma forma não parece acabar com a sobrevivência; a vida começa com a sobrevivência. Como geração, hoje nosso processo de sobrevivência está mais bem organizado do que nunca. Você pode ir a um supermercado e comprar tudo de que precisa para o ano inteiro. Como também pode fazer isso sem sair de casa! Nunca antes na história da humanidade algo assim foi possível. Coisas que mesmo a realeza não podia se dar ao luxo de fazer há cem anos são acessíveis ao cidadão comum. Somos a geração com mais conforto que já viveu neste planeta. O obstáculo é que definitivamente não somos a mais alegre, ou a mais amorosa, ou a mais pacífica. E por que isso ocorre? Tentamos fazer o máximo para consertar o ambiente externo. Se consertarmos mais, não haverá mais planeta! E mesmo assim não somos mais felizes do que nossos ancestrais de mil anos atrás. Se não está funcionando, não é hora de ver o que está errado? Como podemos continuar a fazer algo que não funciona há mil anos? Por quanto tempo viveremos com modelos que claramente não cumpriram sua promessa? É hora de uma mudança de paradigma. Começaremos com uma única pergunta: O que consideramos um estado de bem-estar? De modo muito simples, o bem-estar é apenas uma profunda sensação de satisfação interior. Se o corpo se sente satisfeito, chamamos de saúde. Se isso se torna muito agradável, chamamos de prazer. Se a mente fica satisfeita, chamamos de paz. Se isso se torna muito agradável, chamamos de alegria. Se as emoções se tornarem agradáveis, chamamos de amor. Se elas se tornarem muito agradáveis, chamamos de compaixão. Se as energias vitais se tornarem agradáveis, chamamos de bem-aventurança. Se elas se tornarem muito agradáveis, chamamos de êxtase. Isso é tudo que você busca: satisfação interior e exterior. Quando a satisfação está dentro de você, é chamada de paz, alegria, bem-aventurança. Quando seu entorno se torna agradável, chama-se sucesso. Se você não está interessado em nada disso e quer ir para o céu, o que está buscando? Apenas sucesso espiritual! Então, toda a experiência humana é essencialmente uma questão de satisfação e insatisfação em vários graus. Quantas vezes em sua vida você teve um dia inteiro bem- aventurado – sem um único momento de ansiedade, agitação, irritação ou estresse? Quantas vezes passou vinte e quatro horas em profunda e absoluta satisfação? Quando foi a última vez que isso lhe aconteceu? O mais incrível é que, para a maioria das pessoas neste planeta, nem um único dia se passou exatamente do jeito que elas queriam! É claro que não há ninguém que não tenha experimentado a alegria, a paz, ou mesmo a bem- aventurança, mas são sempre fugazes. As pessoas são incapazes de mantê-las. Conseguem chegar lá, mas continuam deixando-as se dissolverem. E não precisa ocorrer nenhum desastre para que se dissolvam. As coisas mais simples deixam as pessoas desequilibradas, indispostas. É assim. Você sai hoje e lhe dizem que você é a pessoa mais bonita do mundo: você fica nas nuvens. Mas então chega em casa, e seus parentes lhe dizem quem você realmente é: tudo desmorona! Soa familiar? Por que você precisa estar satisfeito por dentro? A resposta é óbvia. Quando seu estado interior é satisfatório, é naturalmente satisfatório para todos e tudo ao seu redor. Nenhuma escritura ou filosofia é necessária para ensiná-lo a ser bom para os outros. É um resultado natural de quando você está se sentindo bem consigo mesmo. Satisfação interior é um seguro infalível para a criação de uma sociedade pacífica e de um mundo alegre. Além disso, seu sucesso no mundo depende essencialmente de como você aproveita as aptidões do corpo e da mente. Então, para alcançar o sucesso, a satisfação tem que ser a condição fundamental dentro de você. Acima de tudo, há substanciais evidências médicas e científicas de que seu corpo e sua mente funcionam melhor quando você está em uma condição de satisfação. Dizem que, se você pode permanecer bem-aventurado por vinte e quatro horas, suas capacidades intelectuais podem ser quase duplicadas. Você pode conseguir isso simplesmente resolvendo a confusão interna e permitindo que a clareza venha à superfície. Ora, a própria energia vital a que você se refere como “eu mesmo” às vezes está muito bem-aventurado, às vezes triste, às vezes pacífica, às vezes tumultuada. A mesma energia vital é capaz de todos esses estados. Então, se lhe dessem escolha sobre o tipo de expressão que suas energias vitais deveriam encontrar, o que você escolheria? Alegria ou tristeza? Satisfação ou insatisfação? A resposta é evidente. As formas podem variar de pessoa para pessoa, mas se você está tentando ganhar dinheiro, enchendo a cara ou se esforçando para chegar ao céu, a satisfação é o único objetivo. Mesmo se disser que não está interessado neste mundo, que sua missão na vida é apenas chegar ao céu, ainda assim está buscando apenas satisfação. Se desde sua infância as pessoas lhe tivessem dito que Deus vive no céu, mas que o céu é um lugar horrível, você ia querer ir para lá? É claro que não! Essencialmente, o nível mais elevado de satisfação é o céu; o de insatisfação é o inferno. Então, alguns acham que está no vinho, outros acham que está no divino, mas satisfação é o que todos estão buscando. A única coisa que se coloca entre você e seu bem-estar é um fato simples: você permitiu que seus pensamentos e emoções recebessem instruções vindas do lado de fora, e não do interior. Um dia, uma senhora foi dormir e teve um sonho. Viu um homem atraente olhando para ela, aproximando-se cada vez mais. Ele estava tão perto que ela podia sentir sua respiração. Ela tremeu – não de medo. Então perguntou: “O que você vai fazer comigo?”. O homem disse: “Bem, senhora, é o seu sonho!”. O que está acontecendo na sua cabeça é o seu sonho. Pelo menos seu sonho deveria acontecer do jeito que você quer, não deveria? Mesmo que o mundo não seja do jeito que você quer, seus pensamentos e emoções devem ser. Neste instante, eles não estão recebendo suas instruções porque você está lidando acidentalmente com todo o mecanismo humano. O mecanismo humano é a forma física mais sofisticada do planeta. Você é a maior peçade tecnologia, o problema é que não sabe onde fica o teclado. É como se estivesse lidando com um supercomputador utilizando uma picareta e uma chave inglesa! Como resultado, o simples processo de vida cobra um preço da humanidade. Só para se sustentar, para se reproduzir, para criar uma família, e, depois, para um dia morrer – que desafio! É incrível como os seres humanos lutam apenas para fazer o que todo verme, inseto, pássaro e animal faz sem muito esforço. Simplificando, nossa ecologia interna é uma bagunça. De alguma forma, achamos que consertar as condições externas fará tudo ficar bem por dentro. Esses últimos cento e cinquenta anos são a prova de que a tecnologia só nos traz conforto e conveniência, não bem-estar. Precisamos entender que, a menos que façamos as coisas certas, as coisas certas não acontecerão conosco: essa é a verdade não apenas do mundo exterior, mas também do interior. Um dia, um touro e um faisão estavam no pasto em um campo. O touro pastava e o faisão catava carrapatos nele – uma parceria perfeita. Olhando para a imensa árvore à beira do campo, o faisão disse: “Puxa, houve um tempo em que eu conseguia voar até o galho mais alto da árvore. Agora não tenho força suficiente em minha asa nem mesmo para chegar ao primeiro galho”. Despreocupadamente, o touro disse: “Coma um pouco do meu estrume todos os dias e observe o que acontece. Em duas semanas, você chegará ao topo”. O faisão disse: “Ah, peraí, isso é lixo. Que bobagem é essa?”. O touro disse: “Experimente e veja. A humanidade inteira faz isso”. Muito hesitante, o faisão começou a bicar. E eis que no primeiro dia chegou ao primeiro ramo. Em quinze dias, alcançou o ramo mais alto. Ele se sentou lá, começando a apreciar a paisagem. O velho fazendeiro, que estava na cadeira de balanço, viu um velho faisão gordo em cima da árvore. Pegou a espingarda e atirou no pássaro. Moral da história: uma bobagem pode levá-lo ao topo, mas nunca o deixa ficar lá! Portanto, você pode fazer bobagem em todos os tipos de estados emocionais, pode de alguma forma se esforçar para aumentar seu bem-estar, mas o problema é: isso não dura. O clima poderia dissolvê-lo. O mercado de ações poderia dissolvê-lo. E mesmo que não se dissolva, viver na expectativa de que isso ocorra já seria ruim o bastante! A possibilidade iminente de que se dissolva um dia é uma tortura – muitas vezes pior do que o desastre real. Assim, enquanto a sua vida interna for escravizada por situações externas, permanecerá em uma condição precária. Esse é o único resultado possível. Então, qual é a solução? A solução é uma mudança muito simples de direção. Você só precisa ver que a fonte e a base de sua experiência estão dentro de você. A experiência humana pode ser estimulada ou catalisada por situações externas, mas a fonte está dentro. Dor ou prazer, alegria ou miséria, agonia ou êxtase acontecem apenas dentro de você. A tolice humana é que as pessoas estão sempre tentando extrair alegria do lado de fora. Você pode usar o exterior como um estímulo ou gatilho, mas o principal sempre vem de dentro. Agora mesmo você está segurando um livro. Onde você vê o livro? Use o dedo e aponte para onde o vê. Você acha que a imagem está fora de você? Pense de novo. Você lembra como isso funciona? A luz está caindo sobre o livro, refletindo, entrando no cristalino de seus olhos e sendo projetada como uma imagem invertida em sua retina – você conhece toda a história. Então, você está realmente vendo o livro dentro de si mesmo. Onde você vê o mundo todo? Mais uma vez, dentro de si mesmo. Tudo que já aconteceu com você, você experimentou bem dentro de você. Luz e escuridão, dor e prazer, agonia e êxtase – tudo aconteceu dentro de você. Se uma pessoa tocar sua mão agora, você pode achar que está experimentando a mão dela, mas o fato é que só está experimentando as sensações em sua própria mão. Toda a experiência está contida nela. Toda experiência humana é integralmente autogerada. Se seu pensamento e sua emoção são de sua criação, você pode moldá-los como quiser. Hoje há provas científicas de que, sem ingerir uma gota de álcool ou qualquer outra substância, você pode ficar totalmente intoxicado por si mesmo. Um químico orgânico israelense, Raphael Mechoulam, e sua equipe de pesquisa iniciaram um projeto que acabou por isolar uma “molécula da bem-aventurança” no sistema humano. Em termos leigos, descobriram que o cérebro humano tem receptores naturais de cannabis. Por que isso ocorre? Descobriram que isso acontece simplesmente porque o corpo é capaz de produzir o próprio narcótico. Pode fabricar a própria bem-aventurança sem qualquer estímulo externo – e sem ressaca também! A razão pela qual certas substâncias químicas, como álcool e drogas recreativas, são perigosas é que podem reduzir sua consciência, arruinar sua saúde, gerar vícios e destruí-lo. Mas aqui está uma bem-aventurança narcótica criada e consumida por seu próprio sistema – que tem um enorme impacto na saúde e no bem-estar! Isso significa que o sistema humano é maravilhosamente completo. Outras substâncias químicas similares também foram descobertas mais recentemente, mas essa substância em particular foi nomeada “anandamida”, baseada na palavra em sânscrito ananda, que significa “alegria”. Podemos inferir disso que a bem-aventurança é apenas um tipo de química; a paz é outro. Na verdade, todo tipo de satisfação que experimentamos – seja paz, alegria ou êxtase – é um tipo de química. O sistema yogi sempre soube disso. Há uma tecnologia para o bem-estar interior – para criar uma base química para uma existência bem-aventurada. Essa é uma dimensão do que chamo de “Engenharia interior”. Se você está ciente, pode ativar seu sistema de tal forma que mesmo respirar seja um enorme prazer. Só é preciso disposição para prestar um pouco de atenção ao mecanismo interno. Essa é a mudança fundamental na compreensão que precisa acontecer. Não procure uma saída para a miséria. Não procure uma saída para o sofrimento. Há apenas um caminho – e está dentro. A maioria das pessoas acha que a paz e a alegria são os objetivos da vida espiritual. Isso é uma falácia. Paz e alegria são os requisitos básicos para uma vida de bem-estar. Se você quer desfrutar de seu jantar hoje à noite, deve estar em paz e bem-aventurado. Se quer desfrutar de sua família, do trabalho que realiza, do mundo em que vive, deve ser pacífico e bem-aventurado. Paz e alegria não são coisas que você alcança no final da vida; são a base de sua vida. Se você considera a paz como o objetivo final, só “descansará em paz”! A palavra espiritualidade é uma das mais corrompidas do planeta. Não trilhe o caminho espiritual pela paz. A maioria das pessoas é tão privada de paz que a considera a aspiração suprema. Há alguns anos, quando estive em Tel Aviv, me disseram que shalom era a forma de saudação mais elevada possível. Perguntei por quê. “Porque significa paz”, me disseram. Retruquei: “Por que a paz seria a mais elevada aspiração, a menos que você estivesse no Oriente Médio?”. Se você estivesse em uma ilha deserta sem comida há dez dias e de repente Deus aparecesse diante de você, você desejaria que Ele aparecesse como uma luz brilhante ou na forma de pão? Na Índia, certas comunidades adoram a comida como Deus, porque foram privadas de comida por muito tempo. Na Califórnia, o amor é Deus! Não importa do que você se sinta privado, isso parecerá a mais alta aspiração. O que deve ser lembrado é que nenhuma dessas coisas será a solução para você de forma duradoura. A vida humana anseia por expansão ilimitada, e essa é a sua única solução para sempre. A busca espiritual não é uma escolha cultivada ou uma busca induzida, mas um desejo natural, que não se revelará, a menos que você lide com ele conscientemente. Quando ser pacífico, bem-aventurado e alegre não é mais um esforço, você naturalmente começa a buscar, quer conhecer a naturezada vida. O misticismo neste planeta evoluiu apenas naqueles lugares em que as pessoas aprenderam a técnica de estar em êxtase por sua própria natureza. Isso ocorre porque somente quando se é bem-aventurado se estará no mais elevado estado de receptividade, e verdadeiramente disposto a explorar todos os aspectos da vida. Caso contrário, você não ousaria, já que se manter satisfeito é um grande desafio, você não consegue assumir outros desafios. Um dia, um homem de 85 anos foi pescar na Louisiana. Quando estava prestes a parar, ele pegou um sapo. Ia soltá- lo no pântano novamente, quando o sapo pediu: “Apenas me beije apaixonadamente, e vou me transformar em uma linda jovem”. O velho examinou o sapo por muito tempo. O sapo fez um beicinho, na expectativa. Então o velho o colocou no saco de peixes. O sapo gritou: “Você não me ouviu? Apenas um beijo e vou me transformar em uma linda jovem!”. O velho disse: “Na minha idade, não há muito que eu possa fazer com uma linda jovem. Se beijar você pudesse me transformar em um belo e jovem príncipe, seria diferente. Mas, por enquanto – um sapo falante! Acredite em mim, posso sentir o cheiro do dinheiro!”. As escolhas que você faz por incapacidade não são soluções para a vida. Uma incapacidade de ser bem- aventurado por sua própria natureza pode fazer com que as questões mais simples da vida pareçam problemas altamente complexos. Neste momento, ser pacífico e alegre é considerado o problema mais significativo da existência humana. Em busca da bem-aventurança humana, estamos destruindo o planeta. A razão pela qual as coisas simples – como ser pacífico, alegre, amoroso – se tornaram aspirações supremas é que as pessoas estão vivendo sem prestar atenção ao processo da vida. Quando a maioria das pessoas diz “vida”, na verdade quer dizer os complementos dela – o trabalho, a família, os relacionamentos, as casas em que vivem, os carros que dirigem, as roupas que vestem ou os deuses aos quais rezam. A única coisa de que sentem falta é a vida – o processo da vida em si, a vida essencial que é você. Quando você comete o erro fundamental de identificar algo que não é você como você, a vida torna-se uma luta desnecessária. Os alicerces da paz e da bem-aventurança não se referem a atender às realidades externas da vida, mas a acessar e organizar a natureza interior de seu ser. Você é capaz de experimentar apenas aquilo que está dentro dos limites de sua sensação. Mas se estender o limite de sua sensação, pode se sentar aqui e experimentar a todos como a si mesmo. Pode esticá-lo ainda mais e experimentar o próprio cosmos como se fosse seu próprio corpo. Quando essa sensação de inclusão aconteceu comigo, entendi que ser amoroso e compassivo não é uma ideia. Viver em empatia não é um princípio esotérico. É dessa forma que um ser humano é feito. Se você não se identifica com nada que tenha acumulado ao longo de um tempo, incluindo seu corpo e sua mente, poderá vivenciar isso. A iluminação não é uma realização ou uma conquista. É uma volta ao lar. Seus sentidos lhe dão a impressão de que você está experimentando o exterior, mas você nunca experimentou o exterior. Quando você percebe que tudo o que experimenta está dentro, essa absoluta volta ao lar é a iluminação. Minha vida é dedicada apenas aos métodos evolutivos, para que as pessoas possam experimentar essa inclusão. Se realmente precisamos criar soluções que sejam relevantes para todos, uma experiência de inclusão absoluta tem que acontecer com a humanidade. E é possível. A razão pela qual todos não são naturalmente iluminados é apenas esta: as pessoas categorizaram o mundo em bom e mau, Deus e Diabo, alto e baixo, sagrado e profano, puro e impuro, céu e inferno. Essas são linhas paralelas que nunca se encontrarão. Depois de fragmentar essa existência dentro de você, não há como alcançar um estado de bem-estar e liberdade duradouro. Disseram-lhe para amar seu inimigo. Se você rotular alguém como seu inimigo e depois tentar amá-lo, será uma tortura! Depois de fragmentar a criação dessa forma, não há como chegar a um estado de inclusão absoluta. O problema é que os seres humanos perderam uma distinção fundamental – entre interior e exterior, entre o modo de ser e o modo como transacionam com o mundo externo. As transações são diferentes, de acordo com a natureza de uma situação ou relacionamento. Por mais remotas ou íntimas que sejam, as transações são sempre regidas por leis ou normas. Mas quando se trata de nossa natureza interior, há somente um princípio governante: unidade ilimitada. Nossos mundos físico e social são regidos por limites. Nosso mundo interno não precisa de nenhum. Para alcançar o êxtase da unidade ilimitada, que é nosso estado natural, tudo que você precisa fazer é viver de acordo com a diretriz de que toda a experiência humana é gerada internamente – com ou sem o apoio de estímulos externos. Isso é tudo. Se estabelecer isso completamente dentro de si mesmo, os efeitos de suas transações não serão mais opressivos. O que queremos dizer com isso? Muitas vezes as pessoas me perguntam: “Talvez isso seja possível para você como um yogi, mas como nós, que vivemos no ‘mundo real’, podemos tornar nossas interações livres de atrito?”. Eu lembro a elas que não moro em uma caverna. Também lidero pessoas. Trabalho ao redor do mundo com mais de 1 milhão de voluntários. Isso significa que geralmente não são treinados para o trabalho que estão fazendo – e que não se pode demiti-los. Sabe como é difícil administrar essa situação? Por implicação, minha vida deveria ser a mais opressiva! Mas você nunca me verá angustiado, porque meu jeito de ser não é de forma alguma escravizado pelo que acontece do lado de fora. Essa não é uma conquista sobrenatural. É possível a todos viver dessa forma. Se você ainda acredita que alguém “lá em cima” o resgatará e resolverá todos os seus problemas, lembre-se de que vive em um planeta redondo – que está girando. Então, sempre que você olha para cima, está obviamente olhando na direção errada! Neste vasto cosmos em constante expansão, o que está em cima e o que está embaixo? Você não tem ideia. Em nenhum lugar no cosmos está marcado “este é o lado de cima”! A única distinção que você conhece hoje é “dentro” e “fora” (embora, para o yogi, até mesmo essa distinção tenha desaparecido). Milhares de anos atrás, um yogi apareceu nos altos do Himalaia. Ele veio a ser conhecido como Adiyogi, o primeiro yogi. E foi ele quem transmitiu a ciência do yoga a sete discípulos, que mais tarde a levaram a todo o mundo. O que ele compartilhou com esses discípulos foi um sistema inimaginavelmente profundo de autoconhecimento e transformação, baseado na premissa radical de que é possível que um ser humano evolua com consciência. Diferentemente da evolução biológica, que acontece sem nossa participação consciente, a evolução espiritual pode acontecer conscientemente. Tudo que é necessário, disse- nos Adiyogi, é boa vontade. Se fôssemos destilar a essência de sua sabedoria em poucas linhas, seria exatamente isso. Para cima e para baixo, bom e mau, sagrado e profano: tudo isso é suposição. Mas dentro e fora: esse é o contexto do qual temos certeza, o contexto com que podemos trabalhar. Essa é a contribuição mais significativa de Adiyogi à humanidade, e é uma contribuição profunda e duradoura: “A única saída está dentro”. Uma vez, alguém chegou procurando o Centro do Yoga Isha, no sul da Índia. A pessoa entrou em um vilarejo próximo e perguntou a um menino local: “Qual a distância até o Centro de Yoga Isha?”. O menino coçou a cabeça e disse: “São 40 mil km”. O homem ficou espantado. “O quê? Tão longe?”. O menino disse: “Sim, na direção em que você está indo. Mas, se você der meia-volta, são apenas 6 km”. Se você se voltar para fora, é uma jornada infinita. Se você se voltar para dentro, é só um momento. Nesse momento, tudo muda. Nesse momento, você nãoestá mais em busca de alegria. Em vez disso, sua vida se torna uma expressão de sua alegria. Projete seu destino Uma vez estive em uma conferência internacional sobre como diminuir a pobreza no planeta. Havia vários participantes eminentes em cargos de responsabilidade pública, incluindo uma generosa pitada de laureados com o prêmio Nobel. A certa altura, um participante perguntou: “Por que estamos tentando resolver esses problemas? Tudo isso não é a vontade divina?”. E eu disse: “Sim, se alguém está morrendo, se alguém está com fome, deve ser a vontade divina. Mas se seu estômago estiver vazio, se seu filho estiver morrendo de fome, você terá seu próprio plano, não terá?”. Sempre que temos que fazer algo em relação a nossa vida, tomamos as rédeas da situação. Sempre que se trata de infortúnios de outras pessoas, temos uma palavra para explicar: destino. E que palavra conveniente. O destino tornou-se um bode expiatório popular, uma forma de lidar com o fracasso, uma artimanha fatalista para nos reconciliarmos com todos os tipos de situações desconfortáveis. Mas se voltar para dentro é o primeiro passo da passividade para a ação – de ser uma vítima para se tornar um mestre de seu próprio destino. Uma variedade de doenças que as pessoas acreditavam ser a “vontade de Deus” até cem anos atrás está em nossas mãos hoje. Isso ocorreu porque nos encarregamos de certas situações. A poliomielite é um exemplo. A própria palavra poliomielite causaria terror nos corações de muitos na história recente. Na infância, vi na escola e no meu bairro algumas pessoas da minha idade afetadas pela doença, condenadas a viverem em cadeiras de rodas. Era uma visão comum, e era um fato reconhecido que nunca poderiam andar. Sua aflição geralmente era vista como um ato de Deus ou do destino. No início do século XX, a poliomielite era a doença mais temida nos países industrializados, paralisando irreversivelmente milhares de crianças. Vacinas eficazes ajudaram a praticamente eliminar a doença nos anos 1950 e 1960. Quando ela foi reconhecida como um grande problema nos países em desenvolvimento, os programas de imunização foram introduzidos. Em 1988, a poliomielite afligiu 350 mil crianças em todo o mundo em um único ano; em 2013, o número caiu para 416. Em 2012, a Índia já não fazia parte da lista de países polioendêmicos. Uma combinação de políticas públicas, parcerias públicas e privadas, vacinas eficazes a preços razoáveis, participação da comunidade e equipes de profissionais de saúde global provou que, apesar de todos os obstáculos, mesmo em um país tão grande e desafiador quanto a Índia, a erradicação era possível. Ser humano significa poder moldar as situações que se vive da forma que se deseja. Mas hoje a maioria das pessoas no mundo é moldada pelas situações em que se encontra. Isso acontece simplesmente porque elas vivem reagindo às situações em que são colocadas. A pergunta inevitável é: “Por que fui colocado nesta situação? Não é meu destino?”. Tudo que não queremos assumir, tudo que não conseguimos entender logicamente, rotulamos de “destino”. É uma palavra reconfortante, mas desempoderadora. Para moldar situações do jeito que quer, você deve primeiro saber quem você é. O cerne da questão é que você ainda não sabe quem é. Você não é a soma de tudo que acumulou. Tudo que você conhece atualmente como “eu” é só um acúmulo. Seu corpo é um acúmulo de comida. Sua mente é um acúmulo de impressões reunidas por meio dos cinco sentidos. O que você acumula pode ser seu, mas nunca poderá ser você. Então quem é você? Isso ainda está por vir em sua experiência. Ainda se encontra em um estado inconsciente. Você está tentando viver sua vida pelo que reuniu, e não pelo que você é. Além disso, não está completamente consciente do que coletou! Você adquiriu certas tendências ao longo dos anos, baseado nas impressões que acumulou. Elas podem ser inteiramente transformadas. Se você fizer uma quantidade de exercícios interiores se implementar algumas técnicas interiores – independentemente de suas tendências atuais, sua experiência passada de vida, sua genética, seu ambiente –, poderá se reconectar completamente em um curto espaço de tempo! Tudo nesta existência acontece naturalmente de acordo com uma lei orgânica. Se você conhece a natureza da vida dentro de você, pode se encarregar completamente do modo como isso acontece, mas dentro dos amplos parâmetros estabelecidos pelas leis da natureza. O que isso significa? Vejamos um exemplo concreto. Apesar de não sermos criaturas aladas, nos últimos cem anos conseguimos voar. Como? Não foi quebrando as leis da natureza, mas por meio de uma compreensão mais profunda dessas leis. Então, a técnica que exploraremos neste livro é uma pequena parte da ciência muito mais profunda que eventualmente permite que um adepto tome as rédeas do próprio processo de vida e morte. Seu destino é escrito inconscientemente por você. Se você tem domínio sobre seu corpo físico, de 15% a 20% de sua vida e de seu destino estarão em suas mãos. Se tem domínio sobre sua mente, de 50% a 60% de sua vida e de seu destino estarão em suas mãos. Se tem domínio sobre suas energias vitais, 100% de sua vida e de seu destino estarão em suas mãos. Mesmo neste momento você está escolhendo sua vida, mas o faz em total inconsciência. No entanto, o que quer que você faça inconscientemente, também pode fazer com consciência. Isso faz muita diferença. É a diferença entre a ignorância e a iluminação. Há insatisfação em você, na forma de raiva, medo, ansiedade e estresse, porque suas faculdades básicas – seu corpo, sua mente e suas energias vitais – estão realizando as próprias coisas. Se mente e corpo existem apenas para servir à vida dentro de você, por que sua vida é atualmente escravizada pela mente e pelo corpo? Não é uma distorção completa da forma como a vida deve funcionar? Tomar as rédeas do destino não significa que tudo acontecerá do seu jeito. O mundo externo nunca correrá totalmente do seu jeito, porque há muitas variáveis envolvidas. Querer que o exterior siga exatamente da forma que você escolhe é o caminho da conquista, da tirania, da ditadura. Uma vez, o farmacêutico Shankaran Pillai foi beber com os amigos. Pensou em um encontro rápido e planejou voltar para casa por volta das 8 horas da noite. Chegando lá, tomou uma bebida rapidamente, e outra, mais uma, depois outra. Olhou para o relógio… 2h30 da manhã. (Beber transforma as pessoas em yogis – atemporais.) Ele se levantou da banqueta. O mundo é tão injusto: espera-se que um homem ande em um planeta redondo que gira. Com grande habilidade e destreza, o farmacêutico equilibrou-se e iniciou a jornada para casa. Pegando um atalho por um parque, caiu de cabeça em uma roseira, ferindo o rosto. Se recompôs e retomou o caminho. Nesse estado, chegou em casa e tentou encontrar o buraco da fechadura. Mas hoje esses malditos buracos são tão pequenos! Levou mais vinte minutos. Por fim, entrou e cambaleou para o quarto. Felizmente, a esposa tinha um sono pesado. Dirigiu-se ao banheiro e se olhou no espelho. O rosto estava um verdadeiro horror. Abriu o armário de remédios, pegou um e uma caixa de curativos e se aprumou da forma que pôde. Então se arrastou silenciosamente para a cama. Na manhã seguinte, a esposa jogou um balde de água fria em seu rosto. Ele acordou ofegante, sentindo que estava se afogando. E perguntou: “Por que, por quê? Hoje é domingo!”. Ela disse: “Seu tolo! Bebendo de novo?”. “Não, querida, prometi a você seis meses atrás. Desde então, não toquei em uma gota.” Ela o segurou pela camisa, o arrastou para o banheiro e lhe mostrou: os curativos estavam por todo o espelho! Quando a dor, a tristeza ou a raiva surgem, é hora de olhar para dentro de você, não ao redor. Para alcançar o bem-estar, o único que precisa ser consertado é você. O que você esquece é que, quando está doente, é você quem precisa demedicação. Quando está com fome, é você quem precisa de comida. O único que precisa ser consertado é você, mas as pessoas levam uma vida apenas para entender esse simples fato! Criar o próprio destino não significa ter que controlar todas as situações do mundo. Criar seu destino é seguir constantemente em direção ao seu bem-estar e à sua natureza suprema, não importa qual seja o conteúdo da vida ao seu redor. Significa simplesmente sentir que, não importam os eventos e situações ao redor, você não será esmagado por eles; você os conduzirá. O processo espiritual não é sobre impor suas ideias à existência; é sobre se construir de forma que a criação e o Criador, e cada átomo nessa existência, não consigam evitar se entregar a você. Quando persegue seus próprios gostos e desgostos, você se sente sozinho nesta vasta existência, constantemente inseguro, instável, psicologicamente desafiado. Mas quando a existência se entrega a você, ela o coloca em um lugar diferente de graça – em que cada pedregulho, cada pedra, cada árvore, cada átomo fala com você em uma língua que você entende. A cada instante há 1 milhão de milagres acontecendo ao seu redor: uma flor desabrochando, um pássaro piando, uma abelha zumbindo, uma gota de chuva caindo, um floco de neve pairando no ar límpido da noite. Há mágica em todos os lugares. Se você aprender a viver, a vida não é nada menos do que um milagre diário. Não importa quem você seja, a vida não funciona para você a menos que faça as coisas certas. Você pode se considerar uma boa pessoa, mas se não regar o seu jardim, ele florescerá? Você precisa fazer as coisas certas se quiser resultados. Julgamentos sobre o bem e o mal são em essência humanos e socialmente condicionados. São bons como normas sociais. Mas a existência não está preocupada com essas conclusões. A existência não é julgadora. Trata a todos nós da mesma forma. Numa manhã de inverno no Michigan, um senhor foi pescar no gelo. Eram 10 horas da manhã. Ele cortou um pequeno buraco no gelo e se sentou com uma caixa de cerveja ao lado. A pesca não é apenas sobre a captura; é um jogo de paciência. Ele sabia disso. Jogou a linha. Uma por uma, as latas de cerveja começaram a esvaziar. A cesta de pesca também permaneceu vazia. O dia passava. Às 4 horas da tarde, a cesta ainda estava vazia. E a caixa de cerveja também. Um garoto se aproximou. Estava carregando uma grande caixa de som que tocava uma ensurdecedora música heavy metal. Ele cortou um buraco no gelo próximo e se sentou para pescar, a música ainda estrondando. O velho olhou para ele com um desprezo mal disfarçado. Estou sentado aqui desde a manhã, em silêncio, sem um único peixe, e o tolo acha que pode pescar com música alta às 4 horas da tarde! Nada mais tolo que um jovem tolo! Para sua surpresa, em dez minutos o garoto pescou uma enorme truta! O velho desprezou esse fato, considerando-o um golpe de sorte, e continuou pescando. Dez minutos depois, o garoto pegou outra grande truta. Agora o velho já não podia ignorar. Ele olhou para o menino, pasmo. E então, para sua total descrença, o menino pescou mais uma enorme truta. O velho deixou o orgulho de lado e caminhou lentamente até o menino. “Qual é o segredo?”, perguntou. “Estou sentado aqui o dia todo e minha cesta está vazia. Você já tem três trutas enormes. O que está acontecendo?” O menino disse: “Ru ra ra ra ru ra rum”. O velho colocou a mão no ouvido e perguntou: “O quê?”. O menino desligou o som e disse: “Ru ra ra ra ru ra rum”. O velho ficou perplexo. “Não entendo uma palavra do que você está dizendo.” O menino cuspiu alguma coisa na mão e disse: “Você tem que manter as minhocas quentes”. As coisas certas não acontecerão, a menos que você faça as coisas certas. Princípios e filosofias só têm consequência social. É hora de acordar para si mesmo como um ser existencial, um ser vivo, em vez de um caso psicológico. Assim seu destino será seu, integralmente seu. Esta não é uma promessa em vão. É uma garantia. Sem limite, sem fardo Em uma noite, houve uma discussão entre marido e mulher. A discussão foi sobre a urgente questão: quem deveria fechar a porta da frente naquele dia? Não é uma pergunta simples. E não é uma questão risível. Estas são questões muito sérias em situações domésticas. Quem deve fechar a porta hoje, quem deve desligar as luzes do jardim esta noite, quem deve levar o cachorro para passear – são questões que podem levar os casais ao divórcio. A discussão ficou cada vez mais acalorada. A esposa decidiu: Todos os dias sou eu quem, no final, aceita a derrota. Hoje não vou desistir. O marido ficou igualmente determinado. Ela me pressiona o tempo todo. Não vou ceder a esta mulher hoje, não importa o que aconteça. Foi uma daquelas grandes brigas. Ora, toda casa tem o próprio sistema de resolução de discussões. Nessa família, quando confrontados por um impasse, ambos, marido e mulher, sentavam-se em silêncio; a pessoa que pronunciava a primeira palavra teria que ir e fechar a porta. Os dois sentaram-se em um silêncio resoluto. Minutos tornaram-se horas. O jantar estava na mesa. Se o marido dissesse que queria comer, teria que fechar a porta. Se a esposa propusesse que jantassem, ela teria que fechar a porta. Meia-noite. Ainda estavam sentados. Alguns vagabundos passavam pela rua. Eles viram as portas da casa abertas, luzes acesas, sem festa, sem nada. Tudo estava quieto. Queriam ver o que estava acontecendo, então olharam para a sala de estar. Viram duas pessoas sentadas ali, firmemente silenciosas. Os vagabundos observaram o casal silencioso. Ficaram um pouco surpresos. Decidiram arriscar. Pegaram alguns objetos de valor na sala de estar. As duas pessoas não disseram nada. Os vagabundos divertiam-se. Encorajados, sentaram-se à mesa e serviram-se do jantar. O casal manteve-se heroicamente sentado em silêncio. Os vagabundos ficaram extremamente animados. O que diabos estava acontecendo ali? Ficaram ainda mais ousados. Um deles beijou a esposa. Ainda assim, o casal não pronunciou uma palavra. Aquele que falasse teria que fechar a porta. As apostas eram muito altas. Nenhum deles poderia arriscar. Então os vagabundos ficaram um pouco assustados. Decidiram que era hora de deixar aquela casa estranha. Mas, antes de partirem, queriam deixar sua marca. Decidiram raspar o bigode do marido. Um deles se aproximou, a navalha na mão. Então o marido finalmente falou. Ele disse: “Tudo bem, droga, vou fechar a porta!”. Talvez os cenários sejam diferentes, mas deve haver situações em sua vida que dependam de uma pergunta semelhante: quem é o responsável? Quem é o responsável? É uma grande questão. Vamos colocá-la de forma mais precisa: quem é o responsável pela forma como você está agora? Seus genes? Seu pai? Sua mãe? Sua esposa? Seu marido? Sua professora? Seu chefe? Sua sogra? Deus? O governo? Todos os anteriores? A condição é difundida. Pergunte a alguém: “Por que você está nessa situação?”. A resposta vem oportunamente: “Você sabe, quando eu era criança, meus pais…”. A mesma velha história, com apenas algumas variações. Há uma antiga ciência de como criar tristeza, e uma em que os seres humanos não precisam de nenhum incentivo. Não há quase ninguém que não seja um especialista. Culpar outra pessoa é o que você faz de 100 formas diferentes todos os dias. Coletivamente, você transformou o antigo jogo da culpa em uma bela arte. A qualidade de nossa vida é determinada por nossa capacidade de responder às variadas situações complexas que encontramos. Se a capacidade de responder com inteligência, competência e sensibilidade é comprometida por uma abordagem compulsiva ou reativa, somos escravizados pela situação. Significa que permitimos que a natureza da nossa experiência de vida seja determinada por nossas circunstâncias, não por nós. Ser totalmente responsável é estar plenamente consciente. O que você considera o seu corpo é o que você reuniupor meio da ingestão. O que considera a sua mente é o que reuniu por meio dos cinco sentidos. O que está além disso – que você não reuniu – é quem você é. Estar vivo é estar consciente. Todos são conscientes até certo ponto, mas, quando você toca a dimensão além do corpo e além da mente, toca aquilo que é a própria fonte da consciência. Você percebe então que o Universo inteiro é consciente. Você habita um cosmos vivo. As dimensões física e psicológica pertencem ao reino das polaridades – dor-prazer, amor-ódio, masculino-feminino, e assim por diante. Se você tem um, o outro está fadado a seguir. Mas quando você entra na dimensão fundamental de quem você é, você está além de todas as polaridades. Você então se torna bem-aventurado por sua própria natureza. Você é o mestre de seu próprio destino. É hora de reivindicar para nós o extraordinário poder transformador dessa única palavra: responsabilidade. Aplique-o à sua vida e observe a magia acontecer. Vamos iniciar estabelecendo o que queremos dizer com a palavra. Responsabilidade é um termo muito mal compreendido. Tem sido usado de forma tão ampla e indiscriminada que perdeu muito do potencial de sua essência. Responsabilidade não significa assumir os fardos do mundo, aceitar a culpa por coisas que você fez ou não fez, viver em um estado de culpa perpétua. Responsabilidade significa simplesmente sua capacidade de responder. Se você decidir “sou responsável”, terá capacidade de responder. Se decidir “não sou responsável”, não terá capacidade de responder. É simples assim. Só exige que você perceba que é responsável por tudo que é e tudo que não é, tudo que pode acontecer com você e tudo que pode não acontecer com você. Isso não é um jogo mental. Não é uma estratégia de autoajuda para uma vida fácil. Não é uma teoria filosófica. É uma realidade. Sua existência física só é possível por causa da ininterrupta capacidade do seu corpo de responder a todo o Universo. Se seu corpo não estivesse respondendo, você não poderia existir nem por um instante. Você percebe isso? O que as árvores ao seu redor estão exalando, você está inalando agora; o que você está exalando, as árvores estão inalando. Esta transação está em andamento. Estando ciente disso ou não, metade de seu sistema pulmonar está ali, pendurado agora mesmo, em uma árvore! Você nunca experimentou essa interdependência; talvez, no máximo, tenha pensado nisso intelectualmente. Mas, se tivesse experimentado essa conexão, alguém teria que lhe dizer: “Plante árvores, proteja as florestas, salve o mundo”? Isso seria mesmo necessário? Assumir a responsabilidade não é uma filosofia conveniente para reconciliá-lo com a forma como as coisas são. É simplesmente acordar para a realidade. Essa capacidade de responder a todo o Universo já é uma realidade física. São apenas seus pensamentos e emoções que precisam se tornar conscientes do fato. Suponha que algo dê errado em seu trabalho. Talvez você ache que foi por causa da inaptidão de um colega em particular. Você poderia chamá-lo à responsabilidade, perder a cabeça, demiti-lo. Sua pressão arterial provavelmente aumentará; a atmosfera do ambiente estará viciada; os efeitos posteriores de sua raiva após o incidente talvez sejam sentidos por você e seus colegas por dias e semanas; pode ser que você tenha que trabalhar especificamente para restaurar a paz e restabelecer uma situação de confiança mútua. Há outra escolha. Você pode simplesmente ver a situação do jeito que está e assumir a responsabilidade por ela. Assumir a responsabilidade não é aceitar a culpa em vez de atribuí-la. Significa simplesmente responder conscientemente à situação. Depois de assumir a responsabilidade, você invariavelmente começará a explorar formas de lidar com a situação. Você procurará soluções. Se estiver frequentemente nesse modo, a capacidade de moldar situações de sua vida continuará se aprimorando. Com essa competência apurada para lidar com a vida e suas múltiplas complexidades, você começa a se elevar a posições de possibilidade e poder. Se assumir absoluta responsabilidade dentro de si mesmo por tudo que está ao seu redor, você se tornará o centro de qualquer situação em casa, no trabalho ou mesmo no Universo. Já que você se torna indispensável a essas situações, não há mais senso de insegurança ou incompletude dentro de você. Somente se perceber que é responsável você terá a liberdade de se moldar do jeito que quer ser, não como uma reação às situações nas quais se encontra. Reatividade é escravidão. Responsabilidade é liberdade. Quando você é capaz de se moldar do jeito que quer, pode moldar sua vida do jeito que quer também. Sua vida exterior pode não estar absolutamente sob seu controle, mas sua vida interior sempre estará. No entanto, a primeira reação – raiva – geralmente provoca uma ação nada inteligente. A raiva é fundamentalmente autodestrutiva. Se olhar sua vida de perto, descobrirá que fez as coisas mais idiotas e negativas quando estava com raiva. Acima de tudo, estava trabalhando contra si mesmo. Se você trabalha contra si mesmo, se sabota seu próprio bem-estar, obviamente está escolhendo a falta de inteligência como um modo de vida. Não estou propondo uma discussão moral aqui. Não estou lhe dizendo que você não deve perder a cabeça porque é eticamente errado. Se a raiva é uma experiência agradável, exploda. Qual é o problema? O problema é que é singularmente desagradável – para você e para os que estão na extremidade receptora. Também é contraproducente e, portanto, ineficiente. Também não estou oferecendo uma estratégia de controle de fúria ou de gerenciamento de raiva. Quando cheguei pela primeira vez aos Estados Unidos, ouvi todos falando sobre “gerenciamento de estresse”. Isso me intrigou. Por que alguém ia querer gerenciar o estresse? Sempre achei que gerenciamos as coisas que são preciosas para nós – nosso dinheiro, nossos negócios, nossa família. Levei tempo para ver que as pessoas assumiram que o estresse é uma parte inevitável da vida delas! Não veem que é inteiramente autogerado e autoinfligido. Uma vez que você cuida de sua vida interior, não há estresse. A questão é que a raiva está enraizada em sua falsa percepção de que você pode mudar a situação perdendo a cabeça com ela. Mas a sua experiência de vida lhe diz várias vezes que o inverso é verdadeiro, que você nunca pode mudar qualquer situação para melhor abandonando sua sensatez e inteligência. Você só estraga as situações ficando com raiva. Depois de ver isso claramente, você dá o primeiro passo para a mudança. Além disso, há evidências médicas e científicas substanciais para provar que, em um estado de raiva, você está literalmente envenenando seu sistema. Isto pode ser verificado com algo tão simples como um exame de sangue. Quando está com raiva, sua química é alterada e seu sistema se torna tóxico. Atividade intensa e sono proporcionam momentos em que essa bagunça química pode se desfazer. Mas se você entrar frequentemente em estados de raiva, estará caminhando para um desastre físico e psicológico. Não há dúvida sobre isso. Há uma crença comum de que a raiva produz resultados, de que nada acontece no mundo sem a adrenalina da raiva. A figura icônica da revolução cubana, Che Guevara, notoriamente falou: “Se você estremece de indignação a cada injustiça, é um companheiro meu”. Talvez isso seja verdade. Mas, na raiva, você se torna um com um grupo; sem raiva, você se torna um com o Universo. Uma vez, um cavalheiro carregando uma criança viajava de Londres para Bristol em um trem. Outro cavalheiro entrou no compartimento, largou as duas malas enormes e se sentou ao lado do primeiro. Os ingleses são reservados e não saem falando logo de cara um com o outro. Então, o primeiro cavalheiro esperou muito educadamente por um tempo. Depois se virou para o segundo passageiro e disse: “Olhando suas malas, suponho que seja vendedor. Eu também sou”.O cavalheiro respondeu: “Sim, sou vendedor”. Outra pausa gentil. Então o primeiro passageiro perguntou: “O que você vende?”. O outro respondeu: “Vendo engrenagens helicoidais”. Outro silêncio decoroso. Então ele perguntou ao primeiro cavalheiro: “E o que você vende?”. Ele disse: “Vendo preservativos”. Chocado, o segundo cavalheiro disse: “Você vende preservativos e está levando seu filho com você em seu negócio? Isso é apropriado?”. “Este não é meu filho”, respondeu o primeiro passageiro. “É uma reclamação de Bristol.” Os seres humanos estão em um perene estado de reclamação. Carregam suas reclamações com eles como um crachá de sua identidade. Há muitos que vivem a vida lamentando que ela lhes tenha sido particularmente injusta. Citam exemplos de todas as coisas terríveis que lhes aconteceram, as chances que nunca tiveram, as muitas injustiças que sofreram. Talvez seja mesmo verdade. O que a maioria das pessoas esquece é que o passado existe dentro de cada um de nós apenas como memória. A memória não tem existência objetiva. Não é existencial; é puramente psicológica. Se você mantiver sua capacidade de responder, sua memória do passado se tornará um processo de fortalecimento. Mas se você está em um ciclo compulsivo de reatividade, a memória distorce sua percepção do presente, e seus pensamentos, emoções e ações tornam-se desproporcionais ao estímulo. A escolha está sempre diante de você: responder conscientemente ao presente ou reagir compulsivamente a ele. Há uma grande diferença entre os dois. E isso pode fazer um mundo de diferença. Se coisas terríveis lhe aconteceram, você deve ter se tornado sábio. Se os piores eventos possíveis lhe aconteceram, você deve ser o mais sábio de todos. No entanto, em vez de crescer, a maioria das pessoas fica ferida. Em um estado de resposta consciente, é possível usar cada situação da vida – ainda que feia – como uma oportunidade de crescimento. Mas se você pensa habitualmente Sou do jeito que sou por causa de outra pessoa, está usando situações da vida meramente como uma oportunidade de autodestruição ou estagnação. Certa vez ouvi um relato comovente de uma mulher que usou uma das situações mais horríveis da vida para se transformar em um lindo ser. No início da Segunda Guerra Mundial, um grupo de soldados nazistas invadiu uma casa na Áustria. Eles levaram os adultos separadamente, e as duas crianças – uma menina de 13 anos e um menino de 8 – foram levadas a uma estação de trem. Enquanto esperavam pelo trem com outras crianças, os meninos começaram um jogo. Alheios ao que lhes estava reservado, começaram a jogar, como as crianças costumam fazer. Um trem de carga chegou, e os soldados começaram a embarcá-los. Assim que entraram, a garotinha notou que o irmão se esquecera de levar os sapatos. Era um inverno austríaco, implacável. Sem sapatos, você pode perder os pés. A garota perdeu a cabeça. Ela sacudiu o irmão mais novo, estapeou suas orelhas e o xingou. “Seu idiota! Não temos problemas suficientes aqui? Não sabemos onde estão nossos pais, não sabemos para onde estamos indo! E agora você vai e perde seus sapatos? O que eu faço com você?” Na estação seguinte, os meninos e as meninas foram separados. E essa foi a última vez que irmão e irmã se viram. Cerca de três anos e meio depois, a menina saiu do campo de concentração. Ela descobriu que era a única sobrevivente da família. Todos os outros tinham desaparecido, inclusive seu irmão. Tudo que restava era a lembrança das palavras duras que ela proferiu na última vez que o viu vivo. Foi quando ela tomou uma decisão que mudou sua vida: Não importa quem eu encontre, nunca falarei com eles de forma que eu me arrependa mais tarde, porque esse encontro pode ser o último. Ela poderia ter passado o resto de seus anos em frustação e remorso, mas tomou essa decisão simples, que transformou sua vida fenomenalmente. Passou a viver uma vida rica e plena. As coisas mais terríveis da vida podem ser uma fonte de sustento se você aceitar: “Sou responsável pelo que sou agora”. É possível transformar a maior adversidade em um ponto de partida para o crescimento pessoal. Se você assumir total responsabilidade pelo que é agora, um amanhã mais brilhante pode surgir, pode acontecer. Mas se você não assume responsabilidade pelo presente – se culpa seus pais, seu amigo, seu marido, sua namorada, seus colegas pelo que é –, você abandonou seu futuro antes mesmo de ele chegar. Você vem a este mundo sem nada e vai embora de mãos vazias. A riqueza da vida reside apenas em como você permitiu que suas experiências o enriquecessem. A sujeira pode se tornar a fragrância de uma flor. O esterco pode se transformar na doçura de uma manga. Nenhuma adversidade é impedimento se você estiver em um estado de resposta consciente. Não importa qual seja a natureza da situação em que você está, ela só pode melhorar sua experiência de vida, se você permitir. Ressentimento, raiva, ciúmes, dor, mágoa e depressão são venenos que você bebe, mas que espera que matem outra pessoa. A vida não funciona assim. A maioria das pessoas leva uma vida para entender essa simples verdade. Agora que estabelecemos o que é responsabilidade, é hora de ver o que não é. Começaremos esclarecendo alguns equívocos fundamentais. Por um lado, muitos acreditam que assumir responsabilidade compromete sua liberdade. Em um nível simplista, isso parece ser logicamente verdadeiro. Em termos existenciais, é completamente errado. Vamos considerar um cenário concreto. Sua caneta cai da mesa. Se você vê que é responsável por isso, tem várias opções a sua frente. Poderia simplesmente se abaixar e pegá-la. Se você é incapaz de fazer isso, poderia pedir a alguém para ajudar. Ou se não está inclinado a agir agora, pode pegá-la mais tarde. Você tem uma variedade de opções. Se, por outro lado, você não se responsabilizar por isso, o que pode fazer? Nada. O que é liberdade? Ter escolhas ou não ter nenhuma? Sua mente lógica lhe diz: “Desista de toda a responsabilidade e você será livre”. Mas, em sua experiência de vida, quanto mais você é capaz de responder a tudo ao seu redor, mais livre você fica! As dimensões lógica e experiencial da vida funcionam de forma diametralmente oposta. A lógica tem seus usos, mas ajuda apenas a lidar com os aspectos materiais da vida. Se você lida com toda a sua vida só com a lógica, acabará em uma confusão. Além disso, as pessoas geralmente confundem responsabilidade com reação. Já demonstramos anteriormente que há um mundo de diferença entre os dois. A primeira nasce no conhecimento; a segunda, no desconhecimento. A primeira nasce na consciência; a segunda, na inconsciência. A primeira é liberdade e a segunda, escravidão. É hora de fazer outra distinção. Responsabilidade não é reação, mas também não é ação. Responsabilidade e ação pertencem a diferentes dimensões. A capacidade de responder lhe dá a liberdade de agir. Também lhe dá a liberdade de não agir. Ela o coloca como condutor de sua vida. Ela o empodera para que você decida a natureza e o volume de ação que deseja realizar. Responsabilidade não é ação compulsiva; oferece a você a opção de ação. Você pode agir sobre tudo no mundo hoje? Não, mas pode responder a tudo. A ação deve ser criteriosamente realizada, dependendo de uma análise cuidadosa de recursos – força, capacidade, energia, idade, situação. Sua capacidade de agir é sempre limitada, mas não há limitações em sua capacidade de responder. Se estiver disposto, pode responder a praticamente qualquer coisa. Só porque você é responsável por seus filhos, é capaz de fazer tudo por eles? Se fizesse, estragaria a vida deles. Seu senso de responsabilidade faz com que você faça algumas coisas por eles e não faça outras. Então, responsabilidade não significa ação desenfreada. Longe disso. Você pode perguntar: “Como você é responsável pela violência e injustiça no mundo? Como você é responsável pela guerra epelo derramamento de sangue, pelas atrocidades contra os marginais e os desprivilegiados em todo o mundo?”. Certamente você não é culpado por nada disso. No entanto, quando se torna consciente de qualquer um desses eventos, você responde – seja com preocupação, amor, cuidado, ódio, raiva, indignação, ou até mesmo com ação. Só que isso é frequentemente uma reação inconsciente em vez de uma resposta consciente. Se você faz dessa capacidade de responder um processo voluntário, isso marca o nascimento de uma enorme nova possibilidade dentro de você. Seu gênio interior começa a florescer. Você pode, então, responder à Lua? Pode. Seu corpo e suas energias de vida certamente podem. Quando as marés dos oceanos sobem em resposta aos ciclos da Lua, você acha que o conteúdo de água em seu próprio sistema também não cresce? Talvez você não seja um astronauta; talvez nunca possa andar na Lua. Mas pode responder a ela. Na verdade, já responde. Pode simplesmente optar por fazer isso – de boa vontade, conscientemente. E isso nos leva a mais um equívoco. Muitos acham que responsabilidade significa capacidade. Errado de novo. Quando se trata de ação, a capacidade pode desempenhar um papel. Mas quando se trata de resposta, é apenas uma questão de disposição. Se você vir alguém morrendo na rua, você é responsável? Se você estiver disposto a responder, explorará várias opções. Se é um médico, tentará uma intervenção direta. Se não é, pode ligar para a emergência. Ou se tudo isso está sendo feito por outra pessoa, você terá pelo menos interesse em seu coração. Mas se você não é responsável, apenas ficará ali, como uma pedra, assistindo a uma pessoa morrer diante de seus olhos. Sua capacidade de responder é como você é. Só sua capacidade de agir está conectada com o mundo exterior. Responsabilidade não é sobre falar, pensar ou fazer. Responsabilidade é sobre ser. É assim que funciona a vida – não uma bolha independente e autônoma, mas um diálogo a todo instante com o Universo. Você não precisa trabalhar para fazer isso dessa forma. Só tem que ver da forma que é. Vamos aprofundar a exploração. Se responsabilidade é “capacidade de resposta”, a capacidade de responder às situações, deixe-me fazer outra pergunta: “A sua capacidade de responder é limitada ou ilimitada?”. Você é capaz de responder a uma planta? É. A um estranho na rua? É. À Lua? É. Ao Sol, às estrelas? É. A todo o Cosmos? É. De fato, como vimos, cada partícula subatômica em seu corpo está respondendo de forma ilimitada à grande dança de energias que é o Cosmos. A única razão pela qual você não está experimentando o processo de vida em toda a sua majestade e profundidade é o seu estado atual de resistência mental. Sua estrutura psicológica é uma parede de pedra. Se estiver disposto, cada momento de sua vida pode ser uma experiência fantástica. Só o ato de inalar e exalar pode ser um grande caso de amor. Por que a mente está resistindo a isso? Porque é prejudicada por sua própria lógica limitada que diz: “Assumir a responsabilidade por apenas duas pessoas já me causa dor de cabeça. Se eu assumir a responsabilidade pelo mundo inteiro, o que acontecerá? Terei um ataque!”. Através de milhões de anos de evolução, a natureza o enjaulou em certos limites – esse é o dilema humano. Mas essa prisão é apenas no nível da biologia. No nível da consciência humana, você é como um pássaro em uma gaiola sem porta. Que trágica ironia! É apenas por causa de longos tempos que você se recusa a voar livremente. A vida deixou tudo em aberto para você. A existência não bloqueou nada para ninguém. Se você estiver disposto, pode acessar todo o Universo. Alguém disse: “Bata e se abrirá”. Você nem precisa bater, porque não há porta, está aberto. Você só tem que atravessar, isso é tudo. Esse é o único propósito do processo espiritual. A vida e a obra de todo guia espiritual, através da história e da cultura, têm sido apenas isto: apontar que a porta da gaiola não existe. Se você voa ou escolhe permanecer nas limitações da gaiola, deixe que essa seja uma escolha consciente. A possibilidade de liberdade suprema pode parecer profundamente ameaçadora para muitos. Sim, é uma ameaça, mas apenas para suas limitações. Você quer viver uma vida de aprisionamento voluntário? Limitar sua responsabilidade é se sufocar em vários níveis: física, intelectual e emocionalmente. Essa asfixia da vida, infelizmente, é entendida pelas pessoas como prevenção, como segurança. Veja o caso de uma semente. Se a semente tenta constantemente se salvar, uma nova vida é impossível. A semente passa pela enorme batalha de perder o que acredita ser sua identidade – perdendo sua segurança e integridade e se tornando vulnerável – a fim de se transformar em uma árvore frondosa de muitas ramificações, abundante em frutos e flores. Mas, sem essa vulnerabilidade, essa abertura voluntária à transformação, a vida não brota. Atualmente, um dos maiores problemas do mundo é a solidão. Isso é incrível. O planeta está repleto com 7 bilhões de pessoas; no entanto, as pessoas estão solitárias! Se alguém gosta de se isolar, não há problema nenhum. Mas a maioria das pessoas está sofrendo por causa disso! Elas estão passando por sérios problemas psicológicos como consequência. Se você está sozinho, é porque escolheu se tornar uma ilha para si mesmo. Não tem que ser assim. “Não sou responsável” faz com que você não esteja disposto a se dar bem com ninguém – até que não se dê bem consigo mesmo. Muitas vezes você chega a um ponto em que acredita que nem mesmo é responsável pelo que está acontecendo dentro de si mesmo! O que a mente esquece é que a capacidade de responder é a base da vida. Se a habilidade é reconhecida de boa vontade, você se torna bem-aventurado. Se acontece sem querer, você se torna miserável. Ser responsável é se apropriar da sua vida. Significa que você deu o primeiro passo radical para se tornar um ser humano completo – totalmente consciente e humano. Ao assumir a responsabilidade e iniciar a jornada rumo à vida consciente, você está pondo um fim aos antigos padrões de atribuição de culpa ao exterior ou ao céu. Você começou a maior aventura que a vida tem a oferecer: a viagem pelo seu interior. Como você deve ter percebido, essa noção de responsabilidade parece nos levar a outra palavra, notavelmente semelhante em suas implicações. Uma palavra que conhecemos bem. Talvez muito bem. Uma palavra de quatro letras muito usada, e muito abusada. Amor. É claro que você conhece os ensinamentos. Em todo o mundo, as pessoas dizem que o amor é o objetivo final, que o amor é supremo, que o amor é divino, que devemos amar nossos vizinhos, e assim por diante. Todos os maravilhosos ensinamentos. Mas, quando você tenta se tornar amoroso, é difícil, e muitas vezes acaba parecendo pretensioso. Você notou? Parece mais fácil não amar nada do que tentar ser amoroso. Ser amoroso é simplesmente isso: uma disposição para responder livre e abertamente. Neste momento, pode estar limitado a uma ou duas pessoas em sua vida. No entanto, é possível estender essa capacidade para envolver o mundo inteiro. Isso significa ir para as ruas e abraçar todos? Não. Isso seria loucura – para não mencionar irresponsável. Como já dissemos, responsabilidade não é sobre ação, mas sobre o jeito de ser. O amor não é algo que você faz; é apenas o jeito que você é. Agora, você deixou uma janela aberta em sua vida – para algumas pessoas. Você fez isso porque em algum lugar entendeu que, se fechasse a janela, enlouqueceria. Suas únicas opções seriam insanidade ou suicídio. Mas há outra abordagem possível. Isso significa abrir outra janela? Ou abrir uma porta? Aqui está uma opção mais eficaz: “por que você simplesmente não derruba a parede?”. O amor não tem nada a ver com outra pessoa. É tudo sobre você. É um jeito de ser. Essencialmente significa que você trouxe doçura à sua emoção. Se um ente queridoviajasse para outro país, você ainda conseguiria amá-lo? Conseguiria. Se um ente querido falecesse, você ainda conseguiria amá-lo? Conseguiria. Mesmo que um ente querido já não esteja fisicamente com você, você ainda consegue ser amoroso. Então, o que é amor? É apenas a sua própria qualidade. Você só está usando a outra pessoa como uma chave para abrir o que já está dentro de você. Por que você está se atrapalhando com chaves quando não há trava, quando não há porta, quando não há parede? Você cria paredes e portas ilusórias e depois cria chaves ilusórias – e então se atrapalha com as chaves! E, uma vez que encontra a chave, fica com muito medo de perdê-la! Para a maioria das pessoas, o amor é inicialmente uma alegria, mas depois de um tempo se torna uma ansiedade. Por quê? Porque essa “chave” tem pernas e vontade própria. Você não pode guardá-la no bolso ou pendurá-la no pescoço. Quando tenta fazer isso, duas vidas estão indo na direção do desastre! Uma vez que sua alegria está em modo autônomo e não mais pegando no tranco, você atualiza sua tecnologia. Não é mais escravizado por uma fonte externa – seja uma pessoa, seja uma situação. Agora é capaz de ser amoroso e bem- aventurado sem fazer nada em particular, apenas sentado aí, não importa como alguém no mundo exterior se comporte. Uma vez que você experimente essa liberdade interior, nunca mais sentirá insegurança na vida. E, de qualquer forma, quando você é um ser humano verdadeiramente bem-aventurado, todos naturalmente querem estar perto de você! Alegria significa que a vida está se desenrolando de forma exuberante, e isso é o que toda vida busca. Então, como a tecnologia interna pode ser atualizada? Veremos isso em detalhes nos próximos capítulos. Mas um passo fundamental seria reconhecer conscientemente apenas isso: “Minha capacidade de responder é ilimitada, mas minha capacidade de agir é limitada. Sou 100% responsável por tudo que sou e tudo que não sou, por minhas capacidades e incapacidades, por minhas alegrias e angústias. Sou aquele que determina a natureza da minha experiência nesta vida e além. Sou o criador da minha vida”. Absolutamente nada é exigido – nenhuma reação, ação, capacidade – além de estar ciente do fato básico de que sua responsabilidade é ilimitada. Você poderia se sentar em algum lugar e estar ciente disso. Você poderia andar na rua e estar ciente disso. Você poderia estar trabalhando, cozinhando ou até mesmo deitado na cama e estar ciente disso. Deixe-me fazer outra pergunta: independentemente de sua religião ou formação cultural, o que exatamente você quer dizer quando usa a palavra “Deus”? As formas, os nomes, as ideias são variados. Mas, essencialmente, quando você diz “Deus”, quer dizer o que é responsável por tudo no Universo. Suponha que Deus disse: “Não serei responsável por você”. Ele definitivamente está demitido! A própria palavra Deus significa “responsabilidade ilimitada”. Então, responsabilidade não é um ensinamento de educação cívica. É a forma mais simples e fácil de você expressar sua própria divindade. Todo o esforço do processo espiritual é para romper os limites que você impôs para si mesmo e experimentar a imensidão que você é. O objetivo é se libertar da identidade limitada que você forjou, como resultado de sua própria ignorância, e viver da forma como o Criador o fez – em total bem-aventurança e infinitamente responsável. Depois da minha experiência na colina Chamundi, uma coisa ficou clara para mim. Na vida, não há “isto” e “aquilo”; há apenas “isto” e “isto”. O que significa que tudo está aqui e agora. O acesso a tudo está aqui e agora. E reside apenas na capacidade de responder – na capacidade de experimentar e expressar o divino. Não há “sim” e “não”. Há apenas “sim” e “sim”! A escolha é sua. Você pode reagir à vida com “sim” e “não”, o que significará uma divisão perpétua dessa existência, que é a base de ciclos repetitivos de conflito e miséria. Ou pode se tornar um grande SIM para a vida. Responsabilidade limitada é uma forma de traçar limites. O que você acha que é de sua responsabilidade estará dentro de seu limite. O que acha que não é de sua responsabilidade estará fora de seu limite. Mas a responsabilidade ilimitada se estende muito além do seu nível atual de compreensão e percepção. Há mais – muito mais – na vida do que você está ciente agora. Quando você escolhe se tornar consciente desse simples fato – minha capacidade de responder é ilimitada –, de repente a vida dentro de você se reorganiza de uma forma completamente diferente. Você entra em níveis cada vez mais elevados de liberdade dentro de si. A vida é então uma jornada maravilhosa e estimulante de autodescoberta. O mundo exterior viu sua parcela de revoluções sangrentas. Eram violentas porque havia algumas pessoas que estavam dispostas a mudar e havia outras que não. Mas, na vida interior, há apenas um tipo de revolução, e é um tipo silencioso. Trata-se de passar da indisposição para a disposição. A questão é: você quer ser humano em período integral ou em meio período? Se restringir sua capacidade de responder, o escopo e a dimensão de sua experiência serão esperados, previsíveis, limitados e estreitos. Agora, ser humano em tempo absolutammente integral é ser uma resposta constante e vigorosa a tudo. Você não tem que fazer nada em particular. Só precisa se tornar um pedaço de vida disposto neste cosmos vivo glorioso. A responsabilidade não é opressiva. Limites são opressivos. Se você traçar um limite para si mesmo, seja de ideologia, casta, credo, raça ou religião, não pode ir além e acaba aprisionado sem nenhum motivo. Esses limites só acabam criando medo, ódio e raiva. Quanto maior o limite, mais pesado se torna. Mas, se sua responsabilidade é ilimitada, onde está o limite? Sem limite, sem fardo. Essa é a reviravolta que precisa ocorrer na consciência humana. Quando ocorre, não é que o cosmos comece a acontecer do seu jeito. Em vez disso, o que você é se torna cósmico. Isto não é transcendência; é uma volta ao lar. Sadhana Não acredite simplesmente no que está lendo. A única forma de descobrir se algo é verdadeiro ou falso é experimentando. Pare o debate interno e simplesmente faça o teste. O caminho do yoga não é um caminho de crença herdada; é o caminho do experimento. Aqui está uma maneira prática de começar. Quando fizer sua próxima refeição, não fale com ninguém a sua volta nos primeiros quinze minutos. Simplesmente esteja em resposta ativa e consciente à comida que você come, o ar que você respira, a água que você bebe. Como eu disse anteriormente, todo o seu sistema está respondendo de qualquer forma. Simplesmente torne-se consciente disso. Essa maçã, essa cenoura, esse pedaço de pão – leve-os a sério. Se você não comer por alguns dias, não pensará em Deus. Pensará apenas em comida. Isso é o que o nutre e faz sua vida agora. Essa é a própria substância do seu corpo. Responda à comida absolutamente, com total atenção. Essa fruta, esse ovo, esse pão, esse vegetal – eles próprios uma parte da vida, mas estão dispostos a se tornarem você. Você estaria disposto a fazer isso por alguém? Você não está disposto a perder sua identidade e se fundir com ninguém. Você nem está disposto a entregar seu dedo mínimo por outra pessoa. Momentaneamente, você se entrega um pouco, geralmente quando precisa de algo. Seus casos de amor são o produto de uma entrega muito calculada. Mas a comida, que é uma vida em si, entrega-se completamente para se tornar uma parte de você. Mais tarde, durante todo o dia, sem sequer proferir a sentença em voz alta, pense na simples ideia: “Minha responsabilidade é ilimitada; se estou disposto, posso responder a tudo”. Tenha consciência disso até o último momento antes de adormecer e lembre-se disso assim que acordar. Se sustentar essa consciência de sua natureza ilimitada por apenas um minuto, você alcançará uma grande transformação. Umminuto pode parecer muito simples, mas você verá que levará certo tempo de dedicação para chegar a isso. Apenas um minuto pode elevá-lo a uma dimensão diferente de experiência e função. Agora, sua consciência é errática: neste momento você está consciente e no momento seguinte não está. Tudo bem. Lembre-se a cada hora. Experimente essa percepção, permita que ela se aprofunde e veja o que acontece. A resposta consciente leva a um profundo e duradouro estado de conexão com a vida – não como uma ideia ou uma emoção, mas a vida como a vida é. Nesse envolvimento ativo e disposto com a vida, você é abraçado por ela, e esse envolvimento o leva à própria fonte da criação. Isso é tudo que é necessário para tocar o Criador – disposição, nada mais. “… E agora, yoga” Os yoga sutras de Patanjali, um dos mais profundos documentos sobre as ciências do yoga, começa com uma frase estranha: “… E agora, yoga”. Um importante documento sobre a vida começa com apenas meia frase! Por quê? Porque você só alcança o yoga quando percebe que seu desejo é essencialmente pelo ilimitado, que absolutamente nenhuma outra coisa o aquietará. Todo ser humano vive em um estado perpétuo de insuficiência. Não importa quem você é ou o que realizou, você ainda quer um pouco mais do que tem agora. Esse é o desejo humano. Mas o anseio fundamental dentro de cada ser humano é por expansão ilimitada. A maioria das pessoas não está ciente da natureza de seu anseio. Quando o anseio encontra expressão inconsciente, chamamos de cobiça, conquista, ambição. Quando o anseio encontra expressão consciente, chamamos do yoga. Se você ainda acredita que tudo ficará bem quando encontrar uma nova namorada ou um novo namorado, conseguir um aumento de salário, comprar uma casa nova ou carro, então ainda não é hora para o yoga. Depois de ter tentado todas essas coisas e mais, e claramente saber que nada disso será suficiente, então você está pronto. E agora, yoga. O que exatamente é yoga? Se você fechasse os olhos e evocasse uma imagem, provavelmente seria uma de corpos retorcidos em posturas impossíveis. Contorcionismo que curva os ossos, entrelaça os músculos e faz ranger os dentes – para muitos, isso é yoga! Até certo ponto, a tendência está mudando hoje, e muitos estúdios do yoga também transmitem técnicas de respiração e processos de meditação. Assim, para algumas pessoas, a imagem do yoga pode ser uma de rostos serenamente sorridentes e corpos perfeitos sentados sem esforço em posição de lótus. Mas nada disso é o que queremos dizer quando falamos de ciência do yoga. O yoga não é uma prática. Não é um exercício. Não é uma técnica. As imagens na consciência popular apontam para uma forma adulterada do yoga que atualmente permeou o mundo. Isso é uma caricatura de uma ciência de extraordinária grandeza e profundidade que se originou no subcontinente indiano. A ciência do yoga é, simplesmente, a ciência de estar em perfeito alinhamento, em absoluta harmonia, em completa sincronia com a existência. As muitas flutuações do mundo exterior têm seu impacto sobre cada um de nós. Mas o yoga é a ciência de criar situações interiores exatamente do jeito que você as quer. Quando você se sintoniza com um ponto em que tudo funciona maravilhosamente dentro de si, suas melhores habilidades fluirão de você de modo natural. Você certamente percebeu que, quando está bem- aventurado, sempre funciona melhor. Parece ter um suprimento infinito de energia. Pode seguir sem parar, mesmo sem comer ou dormir. Apenas um pouco de bem- aventurança o liberta de suas limitações normais de energia e capacidade. Quando seu corpo e sua mente estão em um estado relaxado, você também está livre de várias doenças incômodas. Digamos que você vá e se sente em seu escritório com dor de cabeça. Uma dor de cabeça não é uma doença importante. Mas só esse latejar pode tirar muito de sua capacidade produtiva e de seu entusiasmo pelo trabalho – e talvez pela própria vida. Uma simples dor de cabeça pode transformar o que é mais precioso para você em uma fonte de irritação ou até de miséria. (Isso também funciona de modo inverso. Quando seus entes queridos estão irritados com você, invariavelmente fingem dor de cabeça!) Mas com a prática do yoga seu corpo e sua mente podem ser mantidos no mais alto nível possível de capacidade e eficiência. E, no entanto, o yoga não é apenas uma ferramenta de autoajuda para maior eficiência mental e física – e libertação de dores de cabeça. É tudo isso e muito mais. A ciência moderna nos diz que toda a existência é apenas energia que se manifesta de jeitos e formas diferentes. Isso significa que a mesma energia que pode estar aqui como uma rocha pode estar ali como lama, pode se erguer como uma árvore, pode correr como um cachorro – ou estar aí lendo este livro, como você. Então, você é essencialmente uma migalha de energia que faz parte do sistema energético muito maior do Universo. O Cosmos é apenas um grande organismo. Sua vida não é independente disso. Você não pode viver sem o mundo porque há uma transação muito profunda a todo instante entre vocês dois. Embora tudo no Universo seja a mesma energia, ela funciona em diferentes níveis de capacidade em diferentes formas. A mesma energia funciona em uma planta para criar rosas; em outra planta, para criar jasmim. Com o mesmo material com que as pessoas faziam panelas de barro, agora fabricamos computadores, carros e até naves espaciais! É o mesmo material; simplesmente começamos a usá-lo para possibilidades cada vez maiores. Essencialmente, a evolução natural é um fenômeno similar: do mesmo material deste planeta, que jornada incrível foi feita, de uma ameba a um ser humano! É a mesma coisa com nossas energias interiores. O yoga é a técnica de melhorar, ativar e refinar essas energias para as mais altas possibilidades. De repente, suas capacidades atingem um nível de excelência que você nunca imaginou ser possível. Uma vida acidental e limitada se transforma em quase milagrosa. Mas o yoga desempenha uma função ainda mais profunda do que garantir o bem-estar nos níveis de corpo, mente e energia. Literalmente, yoga significa “união”. Quando você está no yoga, significa que, na sua experiência, tudo se tornou um. Isso é a essência da ciência. Esse também é seu objetivo mais profundo. O que é essa união? O que se une com o quê? Nesse exato momento, você está ciente de alguém chamado “eu” e alguém chamado “outro”. “Eu” e “outro” podem ser estendidos a grupos de pessoas, comunidades e nações, mas, fundamentalmente, “eu” e “outro” são a base do conflito no Universo. O objetivo do yoga é levá-lo a uma experiência em que, se você se senta aqui, não existe “você” e “eu”. É tudo eu – ou tudo você! Qualquer processo que o ajude a alcançar essa união é yoga. Como essa união pode ser alcançada? Há várias maneiras. Mas vamos começar do começo – com nossas ideias sobre o que constitui um indivíduo. Se eu começasse a contar coisas que você não sabia, você teria uma escolha: acreditar ou não em mim. De qualquer forma, você só concretizou suas suposições, positivas ou negativas. Isso só o levará a voos de imaginação fantasiosa. Mas todo o processo do yoga é levá-lo, passo a passo, estágio a estágio, do conhecido ao desconhecido. É uma ciência 100% empírica. Não lhe pede para aceitar nada como verdade. Ela o encoraja a experimentar cada passo do caminho. Então, primeiro vamos ver exatamente o que você entende pela palavra “eu”. Agora, em sua compreensão, esse “você” é constituído por seu corpo, sua mente (que inclui seus pensamentos e emoções) e suas energias. Suas energias podem não estar em sua experiência atualmente, mas você as conhece por inferência: se seu corpo e sua mente funcionam como o fazem, deve haver algum tipo de energia que os capacite. Essas três realidades – corpo, mente, energia – são o que você conhece. Elas são também aquilo com o que você pode trabalhar.O yoga nos diz que, na verdade, somos compostos de cinco “revestimentos”, ou camadas, ou, mais simplesmente, corpos. Assim como há uma fisiologia médica, há também uma yogi. Ela nos conduz dos níveis brutos aos mais sutis da realidade. Você tem que acreditar nisso? Não. Mas é um bom lugar para começar nossa exploração. No entanto, sua área fundamental de trabalho é apenas com as realidades das quais você está ciente. O primeiro revestimento, ou camada, para o qual o yoga nos alerta é o corpo físico – o annamayakosha, ou, mais literalmente, o corpo feito de comida. O que você chama de “corpo” é apenas uma pilha acumulada de comida. É o produto de toda a alimentação que você ingeriu ao longo dos anos. É daí que vem esse nome. A segunda camada é o manomayakosha, ou o corpo mental. Hoje, os médicos falam muito sobre doenças psicossomáticas. Isso significa que o que acontece na mente afeta o que acontece no corpo. Porque o que você chama de “mente” não é apenas o cérebro. Não está localizado em nenhuma parte específica, não está em uma única parte da anatomia humana. Em vez disso, cada célula tem sua própria inteligência, então existe um corpo mental inteiro, uma anatomia completa da mente. O que quer que aconteça no corpo mental acontece no corpo físico, e, por sua vez, o que quer que aconteça no corpo físico acontece no corpo mental. Toda flutuação no nível da mente tem uma reação química, e, então, toda reação química gera uma flutuação no nível da mente. Os corpos físico e mental são como seu hardware e seu software. O hardware e o software não podem fazer nada a menos que você se conecte a uma energia de qualidade. Assim, a terceira camada do eu é o pranamayakosha, ou o corpo energético. Se você mantiver seu corpo energético em perfeito equilíbrio, não haverá doença em seu corpo físico ou mental. Hoje há evidências científicas que mostram que o impacto da memória genética sobre o ser humano não é absoluto. Com exceção dos aspectos fundamentais do DNA, tudo pode ser alterado, incluindo as tendências genéticas de suscetibilidade a doenças. As doenças infecciosas ocorrem por causa de organismos externos, mas as doenças crônicas são fabricadas diariamente pelos seres humanos. Quando seu corpo energético está em plena vibração e equilíbrio adequado, doenças crônicas não podem existir no corpo. Eu poderia apresentá-lo a milhares de pessoas que se livraram de suas doenças físicas e psicológicas apenas fazendo práticas simples do yoga. Essas práticas não são voltadas à doença. São destinadas apenas a levar certa harmonia e vitalidade ao corpo energético. Estas são as três dimensões do eu das quais agora você tem consciência: a física, a mental e a energética. São essencialmente físicas em sua natureza, embora cada uma seja mais sutil do que a anterior. É como uma lâmpada, a eletricidade e a luz – todas são físicas. Você pode segurar uma em sua mão, pode sentir a outra, e a terceira leva um receptor sensível, como o olho, a experimentá-la. Mas são essencialmente físicas, e é por isso que você pode experimentá-las por meio de seus órgãos dos sentidos. No entanto, existe também uma quarta camada chamada vignanamayakosha, ou corpo etéreo. Gnana significa “conhecimento”. Vishesh gnana significa “conhecimento extraordinário” – o que está além das percepções sensoriais. Esse é um estado transitório. Não é físico nem não físico. É como uma ligação entre os dois. Não está em seu nível atual de experiência, porque sua experiência é limitada aos cinco órgãos dos sentidos que não conseguem perceber o não físico. Aqueles que relatam experiências de quase morte são os que poderiam ter deslizado acidentalmente para esse estado. Essa experiência ocorre quando, por alguma razão, os corpos físico, mental e energético das pessoas se tornaram fracos. Se você aprender a encontrar acesso consciente a essa dimensão, haverá um salto quântico em sua capacidade de conhecer o fenômeno cósmico. Há ainda um quinto revestimento, a anandamayakosha, que está além do físico. Ananda significa “êxtase”. Não tem nada a ver com os reinos físicos da vida. Uma dimensão que está além do físico não pode ser descrita ou mesmo definida, então o yoga fala sobre isso apenas em termos de experiência. Quando estamos em contato com esse aspecto além do físico, ficamos extasiados. Não é que uma bolha de bem-aventurança esteja dentro de sua estrutura física. É que quando você acessa essa dimensão indefinível, ela produz uma irresistível experiência de êxtase. Mas o êxtase não é um objetivo em si. Uma vez que você toca nessa dimensão de inexistência, o êxtase é garantido. Nesse estado, você não é mais um problema em sua vida. Quando isso acontece, pode explorar o além sem medo. Quando você toca essa dimensão além da definição, o impacto de tempo e espaço é removido. Isso explica as muitas histórias de yogis que permanecem imóveis por períodos incrivelmente longos. Isso é possível não por causa da resistência física, mas porque, nesses estados, eles não estão disponíveis para a passagem de tempo. Nesse momento, tocaram uma dimensão além de todas as contradições daqui e ali; um ilimitado oceano de vazio em que não há escravidão nem liberdade – uma existência além da existência. O yoga não lhe pede para trabalhar com outra coisa senão com o que você conhece. Simplesmente lhe diz que, se os corpos físico, mental e energético estiverem perfeitamente alinhados, você encontrará acesso ao corpo extático. Como dissemos antes, seu trabalho é apenas com os três primeiros corpos. Quando se trata de realidades exteriores, cada ser humano é diferentemente capaz. O que um faz, o outro pode não ser capaz de fazer. Mas quando se trata de realidades interiores, todos nós somos igualmente capazes. Não há garantia de que você venha a ser capaz de cantar, dançar, escalar uma montanha ou ganhar dinheiro só porque deseja. Porém, todos são capazes de tornar a sua vida interior bem- aventurada. Isso não lhe pode ser negado, se você estiver disposto. Quando você domina algumas técnicas yogis básicas de bem-estar interior, sua jornada pela vida se torna absolutamente natural. Você é capaz de se expressar em todo seu potencial sem qualquer estresse ou tensão. Você pode brincar com a vida do jeito que quiser, mas a vida não pode deixar um único arranhão em você. Assim, para experimentar o bem-estar, tudo que você precisa é de certo domínio sobre essas três dimensões: corpo, mente e energia. Ser bem-sucedido no mundo depende de sua capacidade de aproveitar essas dimensões, segundo as necessidades de suas situações de vida e da atividade que você deseja realizar. Mas o yoga também é a ciência de alinhar essas três dimensões para que você alcance o estado supremo de união extática com a própria vida. Como se alcança essa união suprema? O yoga nos diz que há algumas formas fundamentais. Se você usa seu corpo físico para alcançá-la, chamamos de karma yoga, ou yoga de ação. Se usa sua inteligência, chamamos de gnana yoga, o yoga de inteligência. Se usa suas emoções, chamamos de bhakti yoga, o yoga de devoção. E se você usa suas energias para alcançar a experiência suprema, chamamos de kriya yoga, o yoga das energias transformadoras. Cada ser humano é uma combinação única dos mesmos ingredientes. Todos esses aspectos – karma, gnana, bhakti, kriya – têm que funcionar de maneira integrada, se você quiser chegar a algum lugar. Se essas quatro dimensões – corpo, mente, emoção e energia – não andarem juntas, você será uma grande confusão. Uma vez, quatro homens estavam andando na floresta. O primeiro era um gnana yogi, o segundo era um bhakti yogi, o terceiro era um karma yogi e o quarto era um kriya yogi. Naturalmente, essas quatro pessoas nunca poderiam estar juntas. O gnana yogi desdenha todos os outros tipos do yoga. Seu yoga é do intelecto e, geralmente, um intelectual tem completo desdém por todos os outros, em especial por essestipos devocionais que olham para cima e entoam o nome de Deus o tempo todo. Eles lhe parecem um bando de idiotas. O bhakti yogi, um devoto, acha que tudo isso de gnana, karma e kriya yoga é uma perda de tempo. Ele se compadece dos outros que não veem que tudo que você precisa fazer é saber que Deus existe, segurar sua mão e caminhar em confiança. Toda essa filosofia de estratificação mental, esse yoga que curva os ossos, é absurda para ele. Então, há o karma yogi, o homem de ação. Ele acha que todos os outros tipos são simplesmente preguiçosos, que a vida deles é de pura autoindulgência. Mas o kriya yogi é o mais desdenhoso, e ri de todos. Eles não sabem que a existência é só energia? Se você não transformar sua energia, quer anseie por Deus ou por qualquer outra coisa, nada acontecerá! Não pode haver transformação. Geralmente, essas quatro pessoas não podem se dar bem. Mas hoje estavam andando juntos na floresta. De repente irrompeu uma tempestade, que se avultou. A chuva começou a cair implacavelmente. Encharcados, os quatro yogis começaram a correr, buscando abrigo desesperadamente. O bhakti yogi, o homem de devoção, disse: “Há um antigo templo nessa direção. Vamos lá”. (Como um devoto, estava particularmente familiarizado com a geografia dos templos.) Eles correram naquela direção. Chegaram a um antigo templo; todas as paredes tinham desmoronado havia muito tempo; apenas o telhado e quatro colunas permaneciam. Apressaram-se para dentro – não por amor a Deus, mas apenas para escapar da chuva. Havia uma divindade no centro. Correram em direção a ela. A chuva começou a açoitar de todas as direções. Não havia outro lugar para ir, então se aproximaram cada vez mais. Finalmente, não houve alternativa. Apenas se sentaram e abraçaram o ídolo. No exato momento em que essas quatro pessoas abraçaram o ídolo, Deus apareceu. Em suas mentes, surgiu a mesma pergunta: por que agora? Eles se perguntaram: Expusemos tantas filosofias sutis e arcanas, fizemos adoração em todos os santuários sagrados possíveis, grandes e pequenos, servimos abnegadamente a tantas pessoas, castigamos tanto os nossos corpos e você nunca apareceu. Agora, quando estamos apenas fugindo da chuva, você aparece. Por quê?. Deus respondeu: “Finalmente vocês, quatro idiotas, se reuniram”. O yoga é, simplesmente, a ciência de reunir os quatro idiotas. Neste momento, para a maioria das pessoas, essas quatro dimensões estão alinhadas em diferentes direções. Sua mente está pensando de um jeito; suas emoções o impulsionam de outro jeito; seu corpo físico, de outro; sua energia, de outro jeito ainda. Isso faz de você uma calamidade em potencial, um acidente esperando para acontecer. Você está sendo sequestrado – está sendo fragmentado de quatro formas diferentes. Agora é hora de mergulhar na aventura do autoalinhamento, no extraordinário sistema empírico que é o yoga – que possibilita que você seja tanto alquimista quanto experimento, ao mesmo tempo sujeito e objeto. E, assim, a próxima seção deste livro se torna pragmática. Tendo mapeado o terreno, embarcamos agora em uma jornada real, uma jornada consciente de autodescoberta e autorrecuperação. Exploraremos a natureza e as possibilidades das três primeiras camadas, ou revestimentos, yogis – ou seja, corpo, mente (que inclui pensamento e emoção) e energia. Isso também lhe apresentará estratégias pelas quais você pode transformar cada uma dessas camadas em uma ferramenta de converter, um instrumento de conhecimento. O problema é que fanáticos religiosos de todo o planeta exportaram tudo que é belo em um ser humano para o outro mundo. Se você fala de amor, eles falam de amor divino. Se você fala de bem-aventurança, eles falam de bem- aventurança divina. Se você fala de paz, eles falam de paz divina. Esquecemos que essas são todas qualidades humanas. Um ser humano é plenamente capaz de alegria, amor e paz. Por que você quer exportar essas coisas para o céu? Fala-se tanto de Deus e do céu, principalmente porque os seres humanos não perceberam a imensidão de ser humano. É óbvio que a própria fonte da vida está de alguma forma pulsando dentro de você. A fonte de sua vida também é a fonte de todas as outras vidas e a fonte de toda a criação. Essa dimensão de inteligência ou consciência existe em cada um de nós. A libertação de todo ser humano está em encontrar acesso a essa dimensão onde não há morte. Ser alegre e pacífico dentro de si mesmo em cada momento da vida, ser capaz de perceber a vida além de suas limitações físicas – essas não são qualidades de um super- humano. São possibilidades humanas. O yoga não diz respeito a ser super-humano, mas a perceber que ser humano é super. PARTE II Uma nota ao leitor A próxima parte do livro se torna mais específica, levando-o mais a fundo na exploração dos três revestimentos, ou camadas, fundamentais de identidade de que todo ser humano é consciente. Assim, é dividida em três seções: corpo, mente e energia. Em cada seção, o livro busca estender suas ideias de o que constitui o físico, o psicológico e o prânico (ou energético). No processo, você pode encontrar algumas hipóteses examinadas, alguns clichês desfeitos, alguns termos comumente usados redefinidos e algumas perspectivas incomuns exploradas. Mas é exigido de você que não acredite cegamente em nada que for exposto aqui. Como dissemos antes, o yoga pede que você experimente – e o encoraja a fazê-lo destemidamente. E, assim, esta seção oscila entre informação e prática sugerida e exercícios de auto- observação. Ela concretiza conceitos e sugere formas de implementar ideias. No processo, você pode descobrir por si mesmo se esses conceitos são viáveis ou se são simplesmente conversa fiada. Qual é a melhor forma de usufruiur esta seção? Você pode não se sentir inclinado a implementar todos os exercícios oferecidos nos quadros “Sadhana”. Tudo bem. A razão para lhe oferecer uma variedade de práticas e dicas é para que você possa focar algo que lhe atraia. Esses passos se destinam simplesmente a ajudá-lo a fazer a transição da página para a vida diária, oferecendo-lhe a liberdade de testar todas as hipóteses no laboratório de sua própria vida. Esta seção visa a transformá-lo de um leitor passivo, um yogi de poltrona, em um participante dinâmico na magia de uma vida conscientemente vivida, livremente escolhida. É hora de descartar suas noções preconcebidas e se preparar para uma exploração desinibida da incrível vida que é você. Corpo A máquina suprema A parte mais íntima da criação física para todos nós é nosso próprio corpo. O corpo físico é o primeiro dom de que estamos cientes. É também a máquina suprema. Todas as outras máquinas do planeta surgiram dele. Como já explicado, as ciências yogis não falam da mente ou da alma. Tudo é apenas um corpo – seja um corpo feito de comida, um corpo mental, um corpo energético, um corpo etéreo ou um corpo extático. Há uma profunda sabedoria nessa abordagem, que não nos permite fugir para estados psicológicos ilusórios ou voos de abstração metafísica. Ela nos fixa com firmeza no tangível, ao mesmo tempo que nos conduz a reinos sutis de fisicalidade e, gradualmente, ao além. O corpo físico é projetado e estruturado para funcionar sozinho, sem muita intervenção da sua parte. Você não tem que fazer o coração bater, o fígado realizar toda a sua complexa química nem tentar respirar; tudo que é necessário para sua existência física se manifestar está acontecendo por conta própria. O corpo é um instrumento muito completo e independente. Se você é fascinado por máquinas, não há nenhuma melhor! Esta é a peça mais sofisticada de maquinaria neste planeta – ela incorpora o mais alto nível de mecânica, o mais alto nível de eletrônica, o circuito elétrico mais sofisticado que você pode imaginar. Digamos que você coma uma banana nesta tarde. À noite, essa banana terá se tornado você. De acordo com Charles Darwin,demorou milhões de anos para transformar um macaco em um ser humano, mas em poucas horas você é capaz de transformar uma banana ou um pedaço de pão em um ser humano! Obviamente, a própria fonte da criação está funcionando dentro de você. Há uma inteligência em ação dentro de você, muito além da sua mente lógica, que pode transformar um pouco de alimento na melhor peça de excelência tecnológica. Se você pudesse realizar essa transformação conscientemente (em vez de inconscientemente), se pudesse trazer até mesmo uma gota dessa inteligência para sua vida diária, você viveria de forma mágica, não miserável. Foi por ter experimentado a fonte da criação pulsando dentro dele que o místico indiano Basava, do século XII, chamou o corpo de templo “em movimento”. “Minhas pernas são pilares”, diz ele em um dos conhecidos versos da literatura mística do sul da Índia, “o corpo, o santuário/a cabeça, uma cúpula de ouro…” “Há algo que não gosta neste muro” É necessária certa consciência para uma pessoa ver as limitações dessa maquinaria fantástica. Como uma máquina, o corpo é realmente impecável. O único problema é que não leva você a lugar algum. Apenas brota da terra e cai de volta nela. Não é o suficiente? Se você olhar da perspectiva do corpo, é suficiente. Mas, de alguma forma, uma dimensão além da fisicalidade se infiltrou nesse maravilhoso mecanismo. Essa dimensão é a própria fonte da vida. É essa dimensão que realmente nos torna quem somos. A vida é uma coisa, mas a fonte da vida é outra. Em cada criatura, em cada planta, em cada semente, essa fonte da vida está em ação. Em um ser humano, ela é ainda mais magnificamente óbvia. É por isso que, de repente, depois de um tempo, todos os maravilhosos dons que o corpo oferece parecem se tornar irrelevantes e triviais. É por isso que você e todos os outros seres humanos parecem viver em uma batalha constante entre o físico e a dimensão além do físico. Embora você tenha a compulsão do físico, também tem a consciência de ser mais do que apenas físico. Há duas forças básicas dentro de você. A maioria das pessoas as vê como estando em conflito. Uma é o instinto de autopreservação, que o obriga a construir muros ao seu redor para se proteger. A outra é o constante desejo de se expandir, de se tornar ilimitado. Esses dois anseios – preservar e expandir – não são forças opostas, embora pareçam ser. Estão relacionados a dois aspectos diferentes de sua vida. Uma força o ajuda a se enraizar bem neste planeta; a outra o leva além. A autopreservação precisa ser limitada ao corpo físico. Se você tem a consciência necessária para separar as duas, não há conflito. Mas se está identificado com o físico, então, em vez de trabalhar em colaboração, essas duas forças fundamentais se tornam uma fonte de tensão. Todas as batalhas do “material versus espiritual” da humanidade nascem dessa ignorância. Quando você diz “espiritualidade”, está falando de uma dimensão além da física. O desejo humano de transcender as limitações do físico é completamente natural. Viajar do corpo individual baseado no limite para a fonte ilimitada da criação – essa é a base do processo espiritual. As paredes de autopreservação que você constrói hoje são muros de autoaprisionamento do amanhã. Limites que você estabelece em sua vida como uma proteção para si mesmo hoje serão sentidos como restrições amanhã. Robert Frost captou uma verdade profunda quando escreveu: “Existe alguma coisa que não gosta de muro”. Como seu instinto de autopreservação continua lhe dizendo que “a menos que você tenha paredes, você não está seguro”, inconscientemente você as constrói. Mais tarde, luta contra elas. É um ciclo infinito. Mas a criação até está disposta a abrir para você as portas para o além. Não é contra a falta de vontade da criação que você está lutando. Está lutando contra as paredes de resistência que você construiu em torno de si mesmo. É por isso que o sistema yogi não fala sobre Deus. Ele não fala sobre a alma ou o céu. Essa conversa invariavelmente torna as pessoas alucinadas. O yoga fala apenas sobre as barreiras que você criou, porque essa resistência é tudo que precisa ser tratado. O Criador não busca sua atenção. As cordas que o amarram e as paredes que o bloqueiam são inteiramente de sua fabricação. E isso é tudo que você precisa desatar e desmantelar. Você não tem trabalho com a existência. Só tem trabalho com a existência que você criou. Se eu fosse usar uma analogia, colocaria lado a lado a gravidade e a graça. A gravidade está de uma forma relacionada ao instinto fundamental de autopreservação em um ser humano. Estamos enraizados no planeta agora por causa da gravidade. Temos um corpo hoje só por causa da gravidade. A gravidade está tentando mantê-lo no chão, enquanto a graça é uma força que está tentando erguê-lo. Se você é liberado das forças físicas da existência, então a graça irrompe em sua vida. Como a gravidade está ativa, a graça também está constantemente ativa. Só que você tem que se tornar disponível para ela. Com a gravidade você não tem escolha; você está disponível para a ela de qualquer forma. Se você é fortemente identificado com o físico, a gravidade é tudo que você conhece. Mas com a graça você tem que se tornar receptivo. Não importa o tipo de prática espiritual que exerça, em última análise, você está apenas trabalhando para se tornar disponível para a graça. Quando você está disponível para a graça, de repente parece funcionar como mágica. Suponha que você fosse o único que pudesse andar de bicicleta; você começaria a parecer mágico para todos os outros! É o mesmo com a graça. Outros podem pensar que você é mágica, mas você sabe que está apenas começando a se tornar receptivo a uma nova dimensão de vida. Essa possibilidade está disponível para todos. Sadhana Você pode ter notado isso sobre si mesmo: quando está se sentindo satisfeito, quer se expandir; quando está com medo, quer se contrair. Tente isso. Sente-se por alguns minutos na frente de uma planta ou árvore. Lembre-se de que está inalando o que a árvore está exalando, e exalando o que a árvore está inalando. Mesmo que ainda não esteja ciente disso por experiência, estabeleça uma conexão psicológica com a planta. Você poderia repetir isso várias vezes ao dia. Depois de alguns dias, começará a se conectar com tudo ao seu redor de modo diferente. Não se limitará a uma árvore. Usando esse processo simples, nós do Centro do Yoga Isha desencadeamos uma iniciativa ambiental no estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, sob a qual 21 milhões de árvores foram plantadas desde 2004. Passamos vários anos plantando árvores na mente das pessoas, que é o terreno mais difícil! Agora, transplantá-las para a terra acontece de forma muito mais fácil. Sentido da vida: conhecendo a vida além dos sentidos Como o corpo humano entende o mundo? Qual é a sua fonte de conhecimento? A resposta é óbvia: por meio dos cinco sentidos. Tudo que você sabe do mundo ou de si mesmo são informações que coletou apenas por meio dos cinco órgãos dos sentidos – vendo, ouvindo, cheirando, saboreando e tocando. Se esses órgãos dos sentidos se fechassem, você não conheceria o mundo nem a si mesmo. Todas as noites, quando você dorme, as pessoas ao seu redor desaparecem de repente, o mundo desaparece, e até você desaparece. Você ainda está vivo, todos ao seu redor estão vivos, mas em sua experiência tudo se evapora, porque esses cinco órgãos dos sentidos entraram no modo “desligar”. Os órgãos dos sentidos são limitados. Podem perceber só o que é físico. Se sua percepção é limitada aos cinco sentidos, naturalmente o escopo de sua vida será restrito ao físico. Além disso, os sentidos percebem tudo apenas em relação a alguma outra coisa. Se toco um objeto de metal e sinto frio nos dedos, é apenas porque minha temperatura corporal está mais elevada. Suponha que eu diminua minha temperatura e toque o metal: ele entãopareceria quente para mim. As percepções sensoriais são instrumentos absolutamente maravilhosos para a sobrevivência humana. São ligadas no momento de seu nascimento, porque são essenciais a sua sobrevivência no mundo exterior. Mas se você está buscando algo mais do que sobrevivência, elas não são o bastante. Elas lhe dão uma impressão distorcida da realidade, porque são inteiramente relativas em sua percepção. Se você está realmente interessado em conhecer a vida em toda a sua profundidade e dimensão, é imperativo que olhe para dentro, não para fora. Por quê? Porque a natureza essencial da vida não está na expressão física ou psicológica do corpo e da mente, mas em sua fonte. No entanto, olhar para dentro não é algo que aconteça facilmente. É preciso trabalho, porque você ainda não possui os mecanismos perceptuais para olhar para dentro. O dilema humano é exatamente esse: o cerne de sua experiência está dentro de você, mas sua percepção é inteiramente ligada ao exterior. É por isso que há uma grande desconexão entre o interior e o exterior. Você pode ver o que está fora de você, no entanto, não consegue ver o que está dentro. Mesmo que alguém sussurre, você pode escutar, mas há tanta atividade acontecendo no corpo que está além de sua capacidade de escutar. Você pode sentir imediatamente se uma formiga se arrastar sobre sua pele, mas há tanto sangue fluindo dentro de você que você não pode sentir. Seus órgãos dos sentidos só podem registrar sensações externas de visão, audição, olfato, paladar e tato. Mas a fonte de toda a experiência está dentro de você. Uma experiência pode ser desencadeada por um estímulo externo, mas sua origem é sempre interna – e há momentos em que a mesma experiência pode ser gerada mesmo sem um gatilho externo. O yoga é fundamentalmente destinada a melhorar sua experiência para além dos cinco sentidos. Há uma dimensão além de suas cinco percepções sensoriais. Você pode chamar essa dimensão do que quiser. Pode chamá-la de “eu”, se quiser. Pode chamá-la de “divino”, se quiser. Pode denominá-la “Deus”, se quiser. A terminologia é inteiramente com você. E mesmo que você não esteja em busca do divino ou do eu, aumentar sua percepção pode desempenhar um papel vital na garantia de um nível fundamental de bem-estar. O que quer que você seja – médico, policial, engenheiro, artista, dona de casa ou estudante –, fundamentalmente, é sua qualidade de percepção que determina quanto você é efetivo e bem-sucedido e quanto pode fazer neste planeta. A expansão de sua percepção sensorial além de seus limites atuais pode alcançar resultados fenomenais, trazendo uma dimensão completamente nova e aparentemente mágica a sua vida. As perguntas mais comuns são: “É muito difícil aumentar minha percepção? Tenho que fazer um retiro em uma caverna do Himalaia para me voltar para dentro?”. De modo algum. Essa possibilidade não surge ao se sentar em algum lugar no topo de uma montanha; ela está dentro de você. A única razão pela qual ela tem sido inacessível é você estar ocupado ou preocupado com o que acontece fora ou envolvido demais em seu próprio drama psicológico. Foi apenas uma falta de atenção que tem negado às pessoas a possibilidade de descobrir o que está dentro. Voltar-se para dentro não tem nada a ver com pensamentos, ideias, opiniões ou filosofias. Não tem nada a ver com a atividade psicológica de sua mente. Melhorar sua percepção significa melhorar sua capacidade de receber a vida, exatamente como ela é. Se você estiver disposto a dedicar apenas alguns minutos de sua vida a isso todos os dias, você verá a mudança. O simples processo de prestar um pouco de atenção à sua natureza interior transformará a qualidade de sua vida de forma notável. Sadhana Comece prestando atenção a tudo que você vê em si mesmo antes de dormir: seus pensamentos, suas emoções, seu cabelo, sua pele, suas roupas, sua constituição. Saiba que nada disso é você. Não há necessidade de chegar a qualquer conclusão sobre o que “você” é ou o que é “verdade”. A verdade não é uma conclusão. Se você mantiver as falsas conclusões à distância, a verdade aparecerá. É como sua experiência da noite: o Sol não se foi; é só o planeta que está olhando para o outro lado. Você está pensando, lendo, falando sobre si mesmo, porque está ocupado demais olhando para o outro lado! Você não prestou atenção suficiente para saber o que o eu realmente é. O que é necessário não é uma conclusão, mas uma reviravolta. Se você conseguir pegar no sono com essa consciência, será significativo. Como não há interferência externa no sono, isso se tornará uma experiência poderosa. Com o tempo, você entrará em uma dimensão além de todas as acumulações. Escutando a vida Há vários caminhos para atingir um estado de alegria duradoura e união suprema. Eles são diversos, mas é importante que sejam todos tratados de forma equilibrada e integrada. Não há realmente uma divisão ou hierarquia entre essas variadas abordagens. O yoga é completamente imparcial: usa todos os aspectos de quem você é para levá-lo ao seu destino final. O corpo constitui uma parte muito grande de quem você é em sua compreensão atual. A ciência de usar o corpo para acelerar seu processo evolutivo é o hatha yoga. Ha denota “o Sol” e tha denota “a Lua”. O hatha yoga é a ciência de estabelecer um equilíbrio entre essas duas dimensões dentro do sistema humano. O corpo tem as próprias atitudes, a própria resistência, o próprio temperamento. Digamos que você decida: “A partir de amanhã, acordarei às 5 horas da manhã e sairei para caminhar. Você coloca o alarme. O alarme toca. Você começa a se mexer, mas seu corpo resmunga e diz: “Cale a boca e durma”. Geralmente é assim, não é? Então, hatha yoga é uma forma de trabalhar com o corpo, uma forma de discipliná-lo, purificá-lo e prepará-lo para níveis mais elevados de energia e para maiores possibilidades. O hatha yoga não é exercício. Trata-se, em vez disso, de entender a mecânica do corpo, criar uma atmosfera e, depois, usar posturas físicas para canalizar ou direcionar sua energia em direções específicas. Esse é o objetivo dos vários asanas, ou posturas. Esse tipo de postura que permite acessar sua natureza superior é um yogasana. É a ciência de alinhar sua geometria interna com a geometria cósmica. Para colocar de forma mais simples, só de observar o modo como algumas pessoas se sentam, você pode quase saber o que está acontecendo com elas se conhecê-las há tempo suficiente. Se você se observa, quando está com raiva, você se senta de um jeito; quando está bem-aventurado, se senta de outro jeito; quando está deprimido, se senta de outra forma. Para cada nível diferente de consciência, ou estado psicológico, seu corpo naturalmente tende a assumir certas posturas. O inverso disso é a ciência dos asanas. Se você conscientemente colocar o corpo em diferentes posturas, pode elevar sua consciência. O corpo pode se tornar um meio para seu crescimento espiritual ou uma barreira. Vamos supor que você esteja com dor em alguma parte de seu corpo – por exemplo, uma das mãos, uma perna ou as costas. Quando a dor é aguda, é difícil aspirar a algo maior, porque a dor se torna dominante em sua vida. Neste momento, se você tem uma dor nas costas, o maior problema no Universo são suas costas. Outras pessoas podem não entender, mas, para você, esse é o maior problema. Mesmo que Deus apareça à sua frente, você implorará para que sua dor nas costas desapareça! Não pedirá mais nada, porque o corpo físico tem muito poder sobre você. Quando ele não funciona como deveria, pode roubar da sua vida todas as outras aspirações. Todos os seus anseios simplesmente desaparecem quando o corpo está com dor. Experimentar a dor e ainda olhar além exige uma enorme concentração de força, que a maioria das pessoas não possui. Há inúmeras pessoas que se livraram de problemas na coluna fazendo asanas simples. Os médicos lhes disseramque teriam que se submeter a uma cirurgia, mas elas conseguiram evitá-la completamente. Suas costas podem ser restauradas a uma condição tão excelente que você pode nunca precisar voltar a um quiropraxista. Não é apenas a sua coluna que se torna flexível; você também se torna flexível. Quando você é flexível, está disposto a escutar. Não tem a ver com escutar alguém falar; você se torna disposto a escutar a vida. Aprender a escutar é a essência da vida inteligente. Dedicar certo esforço e tempo para que o corpo não se torne uma barreira é importante. Um corpo dolorido, assim como um corpo compulsivo, pode se tornar um obstáculo. As compulsões simples, seja de gula ou luxúria, podem governá-lo com tanta força que o impedem de olhar além do físico. É fácil esquecer que o corpo físico é apenas uma parte de você; é importante que ele não se torne seu todo. Os asanas ajudam a nivelar o corpo físico ao seu lugar natural. À medida que você entra em dimensões mais profundas de meditação, suas energias aumentarão, abrindo dimensões mais remotas de experiência. Portanto, é muito importante que a tubulação do corpo esteja condutiva. Então, se estiver bloqueada, não funcionará. Preparar o corpo suficientemente antes de entrar em formas mais intensas de meditação é essencial. O hatha yoga garante que o corpo carregue o aumento de energia de forma suave e alegre. Para muitas pessoas, o crescimento espiritual acontece muito dolorosamente, pois não houve a preparação necessária. Infelizmente, a maioria dos seres humanos se permitiu ser moldada por inteiro por situações externas. Está se tornando uma norma no mundo que o crescimento só acontece de forma dolorosa. Mas ele também pode acontecer de forma radiante, desde que o corpo e a mente estejam preparados. Os asanas podem prepará-lo para o crescimento e a transformação, equipando-o com uma base sólida e estável. O hatha yoga que as pessoas estão aprendendo hoje não é a forma clássica em toda a sua profundidade e magnitude. O “yoga de estúdio” que você vê atualmente é, em grande parte, o aspecto físico da ciência. Ensinar apenas o aspecto físico do yoga é como ter um bebê natimorto. Não é apenas ineficiente; é uma tragédia. Se você quer um processo vivo, ele precisa ser transmitido de modo que inclua outras dimensões do yoga. Hatha yoga não significa ficar de ponta-cabeça ou prendendo a respiração. É a forma como é executada que faz toda a diferença. Houve uma época em que eu mesmo ensinei o hatha yoga como um programa de dois dias. As pessoas eram dominadas por uma intensidade nesses programas; lágrimas de êxtase fluíam simplesmente com a prática de asanas. Por que isso não acontece com mais frequência? Simplesmente porque o hatha yoga está sendo transmitida como um fim em si mesmo, e não como um sistema preparatório. Como consequência, enquanto hoje o hatha yoga leva paz a alguns e saúde a outros, é infelizmente um circo doloroso para muitos. Pode ser boa para alguém cuja aspiração seja apenas paz e saúde. Mas se você olha cuidadosamente para o yoga como um meio de se transformar em uma possibilidade receptiva além dos cinco sentidos, o hatha yoga precisa ser abordada em sua forma clássica. Sadhana Olhe ao redor. Entre sua família, colegas de trabalho e amigos, você consegue ver como cada um tem diferentes níveis de percepção? Só observe cuidadosamente. Se você conhece algumas pessoas que parecem ter uma maior clareza de percepção do que outras, observe como elas conduzem seu corpo. Elas geralmente têm certa postura sem prática. No entanto, só um pouco de prática já pode fazer uma enorme diferença. Se você se sentar por apenas algumas horas por dia com a coluna ereta, verá que isso terá um efeito inconfundível em sua vida. Você começará então a entender o que quero dizer com a geometria de sua existência. A forma como posiciona seu corpo determina quase tudo sobre você. Outra maneira de escutar a vida é prestar atenção nela de forma experimental, não intelectual ou emocional. Escolha qualquer coisa em você: sua respiração, seu batimento cardíaco, seu pulso, seu dedo mínimo. Apenas preste atenção nisso por onze minutos de cada vez. Faça-o pelo menos três vezes ao dia. Mantenha sua atenção em qualquer sensação, mas sinta-se à vontade para continuar fazendo o que estiver fazendo. Se desviar a atenção, não importa. Simplesmente volte a prestar atenção. Essa prática lhe permitirá passar do estado de alerta mental para a consciência. Você descobrirá que a qualidade de sua experiência de vida começará a mudar. Fazendo o download do Cosmos Até recentemente na Índia, após cada tempestade, você tinha que subir ao telhado e ajustar a antena de TV. Somente inclinada de certa maneira ela faria o mundo surgir em sua sala de estar. Ou então, enquanto estivesse assistindo a sua novela favorita ou a uma partida de futebol, um monte de chuviscos apareceria de repente em sua tela. O corpo é como essa antena: se você o mantém na posição correta, ele se torna receptivo a tudo que existe. Se o mantiver de outra forma, permanecerá absolutamente ignorante de tudo além dos cinco sentidos. Aqui está outra analogia: seu corpo é como um barômetro. Se você sabe como lê-lo, ele pode dizer tudo sobre você e o mundo ao seu redor. O corpo nunca mente. Assim, no yoga, aprendemos a confiar no corpo. Transformamos o corpo físico de uma série de compulsões de carne, sangue e hormônios em um processo consciente, um poderoso instrumento de percepção e conhecimento. Se você sabe ler o corpo, ele pode lhe dizer seu potencial, suas limitações, e até mesmo seu passado, presente e futuro. É por isso que o yoga fundamental começa com o corpo físico. É tão simples quanto isso: quanto mais você souber sobre seu telefone ou qualquer outro dispositivo, melhor poderá usá-lo. Alguns anos atrás, as empresas de telefonia celular realizaram uma pesquisa e descobriram que 97% das pessoas usavam apenas 7% da capacidade do telefone. E não estou falando aqui do smartphone, estou falando dos aparelhos antes dele. Mesmo com esses dispositivos simples, as pessoas estavam usando apenas 7%. Agora, como já dissemos, esse seu corpo é a máquina suprema, o gadget perfeito e de última geração. Que porcentagem dessa máquina você acredita que está usando? Bem abaixo de 1%! Para conduzir sua vida no mundo material, para garantir sua sobrevivência, você não precisa nem de 1% da capacidade do corpo. Estamos fazendo todo tipo de coisas triviais com ele, porque neste momento toda a nossa percepção da vida é limitada à natureza física da existência. Mas seu corpo é capaz de perceber o Universo inteiro. Se prepará-lo adequadamente, ele pode apreender tudo nesta existência, porque tudo que acontece a esta existência acontece, de alguma forma, a este corpo. Toda criação física é fundamentalmente certa perfeição da geometria. Sem a geometria, nenhuma forma física é possível. Se conseguirmos que a geometria do corpo humano seja correta, ele se tornará capaz de refletir a geometria maior do cosmos interior e de tornar o cósmico disponível para nossa experiência. Em outras palavras, o corpo humano pode fazer o download de todo o Cosmos. Sadhana Sente-se em qualquer postura confortável, com a coluna ereta e, se necessário, apoiada. Permaneça imóvel. Permita que sua atenção aumente lenta e calmamente. Faça isso de cinco a sete minutos por dia. Você notará que sua respiração vai desacelerar. Qual é o significado de desacelerar a respiração humana? São só algumas acrobacias respiratórias yogis? Não, não são. Em geral, um ser humano respira de doze a quinze vezes por minuto. Se a sua respiração se estabilizar em doze, você conhecerá os caminhos da atmosfera terrestre (ou seja, você se tornará meteorologicamente sensível). Se ela se reduzir a nove, você conhecerá a linguagem das outras criaturas deste planeta. Se ela se reduzir a seis, você conhecerá a própria linguagem da Terra. Se elase reduzir a três, você conhecerá a linguagem da fonte da criação. Não se trata de aumentar sua capacidade aeróbica. Também não se trata de se privar vigorosamente de respirar. Uma combinação do hatha yoga e de uma prática yogi avançada chamada kriya aumentará gradualmente sua capacidade pulmonar, mas, acima de tudo, o ajudará a alcançar certo alinhamento, certa tranquilidade, de modo que seu sistema evolua para um estado de estabilidade em que não há estática nem estalidos; em que ele apenas percebe tudo. INTENSIDADE DA INATIVIDADE Pela lógica, alguém que nunca se esforça para nada deve ser o mestre da falta de esforço. Mas não é assim. Se você quer conhecer a falta de esforço, precisa conhecer o esforço. Quando você alcança o pico do esforço, não tem mais como se esforçar. Apenas uma pessoa que sabe o que é trabalhar compreende o descanso. Paradoxalmente, aqueles que estão sempre descansando não sabem o que é descanso; só afundam em apatia e letargia. “É assim que a vida funciona”. Para o bailarino russo Nijinsky, toda a vida foi dança. Houve momentos em que saltou alturas que pareciam humanamente impossíveis. Mesmo que os músculos estejam com desempenho máximo, ainda há um limite para quão alto se pode saltar. Mas em alguns momentos ele parece até mesmo transcender esse limite. As pessoas frequentemente lhe perguntavam: “Como você consegue?”. Ele respondia: “Não há como eu conseguir fazer isso. Só acontece quando o Nijinsky não está ali”. Quando se está sempre dando o máximo, chega-se a um ponto em que se ultrapassam todos os limites e se alcança a total falta de esforço. Não fazer esforço não significa se tornar um sedentário, mas transcender a necessidade de ação física. Você só alcança isso quando consegue se esticar ao máximo e sustentar o pico de esforço. Algumas pessoas hoje declaram que gostariam de optar pelo Zen como um caminho espiritual porque acham que significa não fazer nada! Na verdade, o Zen envolve muita atividade, porque não está de forma alguma separado da vida. Por exemplo, um monge Zen pode levar semanas para simplesmente arrumar seixos num jardim Zen. Ao realizar essa atividade, você alcança um estado de não fazer, em que transcende a experiência de ser um executor. É nesses estados que você tem um gostinho do além. Se você atingir esses estados mediante intensa atividade, como Nijinsky e muitos outros, esses momentos serão sempre valorizados como mágicos. Mas se você chega ao mesmo estado pela intensidade da inatividade, então é uma postura yogi, e pode ser mantido por mais tempo. A essência do dhyana, ou do estado de meditação, é que você se esforça em busca da maior intensidade possível, na qual, depois de algum tempo, já não há esforço. Então a meditação não será um ato, mas uma consequência natural da intensidade que foi alcançada. Você pode simplesmente ser. Nesses estados de existência absolutamente não compulsivos é que a atmosfera necessária é estabelecida para o florescimento de um indivíduo em uma possibilidade cósmica. Se nós, como sociedades e indivíduos, continuarmos a permitir que cada momento passe sem estabelecermos a atmosfera para esse florescimento, teremos desperdiçado uma enorme possibilidade. Só há tanta conversa infantil sobre o céu e seus prazeres porque a imensidão de ser humano não foi explorada. Se sua humanidade transbordar, a divindade o seguirá e o servirá. Não há escolha. ■ Pedacinho de Terra Como o yoga nos lembra, seu corpo físico é annamayakosha, ou um corpo feito de comida, apenas uma pilha do alimento que você ingere. Por sua vez, a comida que você consome é só a Terra. Você é um pequeno afloramento deste planeta andando por aí e reivindicando ser uma entidade autônoma. Mas, como você é uma pequena extensão da Terra, o que quer que aconteça com o planeta também acontece com você – de algumas formas sutis e às vezes não tão sutis. Este planeta é parte de um corpo maior que chamamos de Sistema Solar. O que acontece com esse sistema afeta o planeta. Esse sistema solar é parte de um corpo maior que chamamos de Universo. Neste momento, talvez esteja além de sua percepção, mas, como sua forma física é apenas um fragmento do planeta, tudo que acontece com qualquer parte do Universo de alguma forma também acontece com você! Por incrível que pareça, se mantiver seu corpo físico de determinado jeito, você se tornará consciente de mudanças sutis que ocorrem no planeta e no cosmos. Uma vez que você se torna sensível a isso, todo o seu corpo sente tudo que acontece ao seu redor. Se você gastar mais tempo e prestar atenção aos caminhos da Terra, essa sensibilidade aumentará drasticamente. Morei em uma fazenda por alguns anos. Havia um homem no vilarejo local com dificuldade de audição. Seu nome era Chikkegowda. Como ele mal podia ouvir, não conseguia responder às pessoas, e então achavam que ele era um idiota. Ele foi rejeitado pelo vilarejo e se tornou objeto de escárnio. Eu o empreguei como ajudante na fazenda. Ele era um bom companheiro, porque eu não estava particularmente interessado em falar, e ele não podia falar por não poder ouvir. Então, sem problema! Por ser uma época antes dos tratores, a vida na fazenda girava em torno de bois e arados. De repente, às 4h da manhã de um dia, eu o vi preparando o arado. Perguntei: “O que está acontecendo?”. Ele respondeu: “Estou me preparando para arar, senhor”. Questionei: “Mas o que você vai arar? Não há chuva”. Ele disse: “Vai chover hoje”. Olhei para cima. O céu estava absolutamente claro. Eu disse: “Que absurdo! Onde está a chuva?”. Ele respondeu: “Não, senhor, vai chover”. E choveu. Depois disso, fiquei acordado por dias e noites. Por que não pude sentir o que esse homem sentia? Sentei-me, erguendo a mão em diferentes posições, tentando sentir a umidade, a temperatura, tentando decifrar o céu. Li todos os tipos de livros sobre meteorologia, mas sem respostas. Então, com cuidadosa observação do meu próprio corpo e do que estava ao meu redor, descobri o erro mais fundamental que a maioria de nós comete: o fato de vermos os ingredientes que constituem nosso corpo, como terra, água, ar e comida, como produtos, e não como uma parte orgânica do processo de vida. Depois de perseverar por cerca de dezoito meses, compreendi. E, agora, se eu disser que vai chover, 95% das vezes choverá. Isso não é astrologia ou mágica, mas uma suposição baseada na minuciosa observação de um nível completamente diferente do sistema humano e de sua transação contínua com o planeta, o ar e tudo ao redor. Se for chover hoje, alguma mudança ocorrerá em seu corpo. A maioria dos moradores urbanos não pode sentir, mas muitos habitantes rurais em todo o mundo sentem. A maioria dos insetos, pássaros e animais pode sentir. Uma árvore com certeza sabe disso. Reconhecendo essas pequenas mudanças no sistema planetário, os antigos tentaram utilizá-las não apenas para o próprio bem-estar, mas também para a transcendência. O equador magnético do planeta flui pela Índia. Há alguns milhares de anos, os yogis identificaram a localização exata do equador magnético e construíram uma série de templos ao longo dessa área por razões muito específicas. Um dos templos mais famosos é o templo de Chidambaram, no sul da Índia, criado para aqueles que buscavam a união espiritual suprema. Na época de sua construção, ele se localizava exatamente no equador magnético (que desde então mudou). Muitos buscadores espirituais – pessoas que buscavam a espiritualidade – se reuniram em Chidambaram ao longo dos séculos naqueles momentos em que o planeta estava em determinada posição. Nesse templo, um santuário foi consagrado por Patanjali, o pai do yoga, o shoonya, que literalmente se traduz como “vazio” ou “nada”. Não é mero simbolismo. No equador magnético, não há atração para o norte ou para o sul; há um grau zero de atuação magnética, e isso promove certo equilíbrio e equanimidade na vida de um seeker. Essaequanimidade pode ser um dispositivo poderoso para se libertar literalmente das limitações do mundo físico, o que torna essa região a localização geográfica ideal para um seeker. (É importante lembrar que o equador magnético é diferente do equador geográfico.) A importância adicional de Chidambaram é que ele está localizado a 11° norte de latitude. Quando foi construído, houve uma convergência do equador magnético com essa latitude – uma ocorrência rara e notável. Qual era a importância dessa localização? A inclinação do planeta nessa latitude impele as forças centrífugas em uma direção quase vertical, que, por sua vez, empurra a energia para cima através do sistema fisiológico humano. Isso significa que a ascensão da energia humana – o objetivo da jornada espiritual – é auxiliada pela natureza. Como essa foi uma grande fonte de encorajamento para os seekers, toda a região foi considerada sagrada. (Não é por coincidência que o Centro do Yoga Isha, no sul da Índia, esteja localizado exatamente a 11° norte de latitude.) Esse sistema espiritual descrito utiliza fenômenos naturais para apoiar os esforços humanos no crescimento espiritual. Outro sistema – de meditação, ou introspecção – ignora completamente as mudanças que acontecem na criação e se concentra apenas na jornada interior. Estas são as duas maneiras fundamentais das quais a jornada espiritual pode ser abordada: você pode ir devagar, passo a passo, aceitando todo o auxílio natural que lhe é disponível, ou pode ignorar todos os passos e dar o salto interior. O segundo implica uma retirada de situações externas da vida. No primeiro sistema, o envolvimento é obrigatório. Cada ser humano é livre para escolher o caminho mais adequado ao seu temperamento. Nos tempos em que vivemos, um equilíbrio entre os dois é geralmente melhor. Sadhana O corpo responde ao contato com a terra. É por isso que as pessoas espirituais na Índia andavam descalças e sempre se sentavam no chão em uma postura que permitia a máxima área de contato com o solo. Assim, o corpo recebe um forte lembrete experiencial de que é apenas parte desta terra. Nunca é permitido ao corpo esquecer suas origens. Quando lhe é permitido esquecer, ele muitas vezes começa a fazer exigências fantasiosas; quando é constantemente lembrado, sabe o seu lugar. Esse contato com a terra é uma reconexão vital do corpo com sua fonte física. Isso restaura a estabilidade do sistema e aumenta consideravelmente a capacidade humana de rejuvenescer. Isso explica por que há tantas pessoas que afirmam que a vida foi magicamente transformada apenas adotando uma simples atividade ao ar livre, como jardinagem. Hoje, as muitas maneiras artificiais como nos distanciamos da terra – na forma de pavimentos e estruturas de vários andares, ou mesmo a tendência generalizada de usar salto alto – envolvem uma alienação da parte em relação ao todo e sufocam o processo fundamental da vida. Essa alienação se manifesta em distúrbios autoimunes em larga escala e em condições alérgicas crônicas. Se você tende a ficar doente com facilidade, pode tentar dormir no chão (ou com uma separação mínima dele). Você verá que fará uma grande diferença. E tente também se sentar mais perto do chão. Além disso, se encontrar uma árvore que lhe pareça vívida, em termos de abundância de folhas frescas ou flores, passe algum tempo em torno dela. Se possível, tome seu café da manhã ou almoce sob essa árvore. Ao se sentar sob a árvore, lembre-se: “Esta mesma terra é o meu corpo. Eu tiro este corpo da terra e o devolvo à terra. Conscientemente peço agora à Mãe Terra que me sustente, me segure, me mantenha bem”. Você descobrirá que a capacidade de recuperação do seu corpo é drasticamente aumentada. Ou, se você transformou todas as suas árvores em móveis, reúna um pouco de terra fresca e cubra os pés e as mãos com ela. Fique assim de vinte a trinta minutos. Isso pode ajudar sua recuperação de forma significativa. Em sincronia com o Sol O surya namaskar é uma sequência familiar de posturas para muitos que têm praticado ou que conheceram alguma coisa do yoga. Geralmente, as pessoas entendem o surya namaskar como um exercício físico. Outros o veem, de modo desconfiado, como uma forma de adoração ao Sol. Não é nada disso. Definitivamente fortalece sua coluna e os músculos e muito mais, mas esse não é o objetivo. Então, qual é o significado disso que é quase sempre visto como uma saudação ao Sol? Em primeiro lugar, não é uma saudação. Literalmente, significa organizar as energias solares dentro de você, com base na simples lógica de que toda vida nesta Terra é movida a energia solar. O Sol é a fonte de vida deste planeta. Em tudo que você come, bebe e respira, há um elemento do Sol. Somente se aprender a “digerir” melhor o Sol – internalizá- lo e integrá-lo ao seu sistema –, você realmente se beneficiará desse processo. Aqueles que fazem surya namaskar regularmente descobrem que suas baterias duram mais, com menos necessidade de recarga ou reabastecimento. Além disso, o surya namaskar ajuda no equilíbrio ou na reorganização das energias internas, em termos de direita e esquerda, ou das dimensões lunar e solar. Isso produz um equilíbrio físico e psicológico inato que pode ser uma enorme qualidade na vida cotidiana. Como já mencionei, quando eu era jovem, tinha que ser acordado à força todas as manhãs pela minha mãe. Mas, uma vez que comecei o yoga, meu sistema acordava sem esforço em determinada hora todos os dias. A vida começou a acontecer com muito mais facilidade e equanimidade. O surya namaskar trata essencialmente de construir uma dimensão dentro de você na qual seus ciclos físicos corporais estão em sincronia com os ciclos do Sol, que ocorrem a intervalos de doze anos e três meses, aproximadamente. Não é por acaso, mas de propósito, que ele foi estruturado com doze posturas. Se o seu sistema está em um nível de vibração e prontidão, e em um elevado estado de receptividade, então naturalmente seu ciclo estará em sincronia com o ciclo solar. As mulheres jovens têm uma vantagem porque também estão em sincronia com os ciclos lunares. É uma vantagem, mas muitas a tratam como uma maldição. É uma possibilidade fantástica que seu corpo esteja conectado aos ciclos solares e lunares. A natureza concedeu essa vantagem à mulher porque lhe foi confiada a responsabilidade de propagar a raça humana. Assim, ela recebeu alguns privilégios extras, que infelizmente foram socialmente percebidos como desvantagens. As pessoas não sabem como lidar com a energia extra gerada nesse tempo e, portanto, tratam-na como uma maldição, e até um tipo de loucura. (A palavra lunático deriva, como sabemos, de “lunar”.) O corpo físico é um fantástico trampolim para possibilidades mais elevadas, mas para a maioria das pessoas funciona como uma barreira. As compulsões do corpo não lhes permitem seguir adiante. Praticar surya namaskar mantém o equilíbrio físico e a receptividade, e é um meio de levar o corpo ao limite, de modo que não seja um obstáculo. Entre o ciclo menstrual, que é o mais curto (um ciclo de vinte e oito dias), e o ciclo do Sol, que tem mais de doze anos, há muitos outros tipos de ciclos. A palavra cíclico denota “repetição”. Também significa “andar em círculos” e não chegar a lugar algum. Repetição significa, em algum nível, “compulsão”. Compulsividade implica algo que não é favorável à consciência. Tudo que é físico, do atômico ao cósmico, é cíclico. Ou você anda no ciclo ou é esmagado por ele. A prática yogi é sempre destinada a capacitá-lo a andar no ciclo, para que você tenha o tipo certo de alicerce para a consciência. Deve ser lembrado que a natureza repetitiva dos movimentos ou sistemas cíclicos, a que tradicionalmente nos referimos como samsara, oferece a estabilidade necessária para a construção da vida. Se tudo fosse aleatório, não seria possível abrigar uma máquina de estabilizar a vida. Para o sistemasolar e para o indivíduo, estar enraizado na natureza cíclica dá certa firmeza e estabilidade à vida. A própria natureza do mundo físico é cíclica. No entanto, uma vez que a vida tenha alcançado o nível de evolução que os seres humanos alcançaram, é natural aspirar não apenas à estabilidade, mas à transcendência. Agora, cabe aos seres humanos individuais continuar aprisionados no ciclo ou usar esses ciclos para o bem-estar físico, ou, enfim, ir completamente além do cíclico. Se você for compulsivo, verá que situações, experiências, pensamentos e emoções em sua vida estarão em ciclos. Continuam voltando para você uma vez a cada seis ou dezoito meses, três anos ou seis anos, dependendo do seu grau de compulsão. Se você apenas olhar para trás em sua vida, perceberá. Se eles vêm uma vez a cada doze anos, significa que seu sistema está em um estado elevado de receptividade e equilíbrio. O surya namaskar é um processo importante para possibilitar que isso aconteça. Em um nível rudimentar, é um exercício completo para o sistema físico – uma forma abrangente de exercício sem necessidade de equipamento. Mas, acima de tudo, é uma importante ferramenta que permite aos seres humanos libertar-se dos padrões compulsivos da vida. Há variações dessa prática, dependendo das aspirações de um indivíduo. Alguém que busca preparo muscular pode praticar um processo básico conhecido como surya shakti. Com essa prática, se alguém alcança certo nível de estabilidade e domínio sobre o sistema, pode-se introduzir um processo mais poderoso e espiritualmente significativo chamado surya kriya. Enquanto o surya namaskar trata de equilibrar as duas dimensões do Sol e da Lua (ou masculino e feminino) dentro do sistema humano, o surya kriya trata de conectar essas duas divisões fundamentais para um crescimento espiritual adicional. UM YOGI LENDÁRIO Raghavendra Rao, o professor do yoga que conheci quando menino, levava uma vida que seria considerada sobre-humana pelos padrões convencionais. Era conhecido como Malladihalli Swami, porque veio da aldeia de Malladihalli, no estado de Karnataka, no sudoeste indiano. Ele era conhecido por praticar 1.008 surya namaskars por dia. Mais tarde, depois de completar 90 anos, reduziu o número para 108 (não porque não fosse capaz, mas porque não havia tempo). Essa foi a sua prática espiritual. Além de ser um mestre do yoga, era um maravilhoso médico ayurvédico, um dos poucos nadi vaidyas – médicos tradicionais que diagnosticam sua doença sentindo o seu pulso. Ele não só lhe diria que doença você tinha naquele momento, mas poderia prever qual doença provavelmente o afligiria nos próximos dez a quinze anos, e ensinaria as práticas medicinais necessárias. Um dia por semana, estava disponível em seu ashram como médico ayurvédico. De onde quer que estivesse, viajaria de volta ao ashram no domingo à noite para estar lá na segunda de manhã. Se ele se sentasse às 4 horas da manhã, ficava lá todo o dia até as 7 ou 8 horas da noite. Voluntários apareciam em turnos para ajudá-lo, mas ele mesmo ficava ali durante todo o dia. Para cada paciente que chegava, ele tinha uma piada para contar. As pessoas esqueciam que tinham ido para tratamento. Era mais uma festa do que uma interação médico-paciente! Quando tinha cerca de 83 anos, aconteceu o seguinte: em um domingo, tarde da noite, ele estava em uma estação de trem a cerca de 75 km de seu ashram. Estava com dois companheiros, quando descobriram que havia uma greve ferroviária. Isso significava que não havia trens, e nenhum outro meio de transporte. Seu compromisso com o trabalho era tamanho que ele deixou os dois companheiros na plataforma e correu 75 km durante a noite nos trilhos da ferrovia! Às 4 horas manhã, estava no ashram, pronto para tratar os pacientes. As pessoas no ashram nem perceberam que ele havia corrido. Apenas quando os dois amigos chegaram é que as elas souberam o que Swamiji tinha feito! Foi assim que incrivelmente ele viveu até os 106 anos e ensinou yoga até o dia de sua morte. ■ Erro elementar A vida é um jogo de apenas cinco ingredientes. Até mesmo uma pizza requer mais ingredientes! Mas no yoga, tanto o corpo humano quanto o cosmos são baseados na magia de apenas cinco elementos – terra, água, fogo, ar e éter. Um fenômeno tão incrivelmente complexo e apenas cinco variáveis! Não é de surpreender que, frequentemente, aqueles que alcançaram a autorrealização chamassem a vida de uma piada cósmica. Certa vez, quando dirigia depois da meia-noite, me aproximei de uma montanha. Enquanto seguia em sua direção, vi que quase metade dela estava em chamas! Não sou conhecido por fugir do perigo, então continuei dirigindo, cautelosamente, porque sabia que estava em um carro cheio de combustível inflamável e tinha minha garotinha no banco de trás. Estava enevoado e, quanto mais eu subia a montanha, mais o fogo parecia estar distante. Então percebi que, embora todo o terreno que vi lá de baixo parecesse estar em chamas enquanto eu dirigia, não havia nada. Assim que cheguei ao local real do fogo, vi que um caminhão havia quebrado. O motorista e alguns outros haviam acendido uma pequena fogueira por causa do frio. Quando a névoa atingiu o ponto de orvalho, milhões de gotinhas no ar, cada uma agindo como um prisma, criaram uma ilusão fenomenal de que uma pequena fogueira fosse uma grande conflagração. De baixo, parecia que a montanha inteira estava em chamas! Esse incidente me deixou espantado. A criação é assim, enormemente ampliada. Aqueles que olharam para dentro de si de perto e atentamente perceberam que não havia necessidade de olhar para a versão macro. Todo o Cosmos é só uma projeção ampliada de uma pequena ocorrência acontecendo dentro de você – o jogo dos cinco elementos. É tudo que é necessário para fazer um ser humano vibrante e pleno! Talvez o seu desejo seja individual, ou talvez seja universal. Mas se você quer realizar todo o potencial desse mecanismo humano ou se fundir com o mecanismo cósmico maior, precisa de certo domínio sobre esses cinco elementos. Sem isso você não conhece nem o prazer de ser um indivíduo nem a bem-aventurança de se unir ao cósmico. Se o seu corpo físico é um trampolim ou um obstáculo em seu caminho para o bem-estar, depende essencialmente de como você consegue administrar esses cinco elementos. Se não cooperarem entre si, nada significativo acontecerá com você. Mas, com a cooperação deles, sua vida – dos aspectos básicos aos mais elevados – de repente se torna uma grande possibilidade. O corpo é como uma porta de entrada. Se você está sempre encarando portas fechadas, então para você uma porta significa um impedimento. Se as portas estão sempre se abrindo para você, então para você uma porta significa uma possibilidade. Dizem que um minuto depende essencialmente de qual lado da porta do banheiro você está! Os que estão lá dentro dizem: “Só um minuto, estou indo”. Esse minuto, para a pessoa de fora, é uma eternidade! De alguma forma, toda prática espiritual no mundo está relacionada com a organização desses cinco elementos. A prática mais fundamental no sistema yogi é bhuta shuddhi – a limpeza dos elementos no sistema físico para que trabalhem em harmonia. Todas as práticas do yoga são essencialmente originadas da limpeza desses elementos. A base da existência individual é, na verdade, a memória, que penetra profundamente neles. Limpar os elementos das tendências compulsivas que se infiltram no indivíduo como resultado da memória mental, genética, evolutiva e kármica ajuda a trazer uma sensação de harmonia absoluta entre o indivíduo e o cosmos. (Observaremos o papel da memória com mais abrangência em um capítulo posterior.) Quando você atinge um nível de conhecimento em sua prática do yoga, você aborda o que é chamado de bhuta siddhi, ou domínio sobre os elementos. Com esse domínio, a vida oferece sua dádiva a você. Saúde, bem-estar, clareza, iluminação – nadadisso lhe pode ser negado. Então, se você experimenta a vida como uma grande possibilidade ou uma grande barreira, depende simplesmente de quanto esses cinco elementos cooperam com você. Liberdade e servidão – ambas são determinadas por esses cinco elementos. A própria existência que o aprisiona também o sustenta. Esse é o paradoxo do processo da vida. Amor e ódio, liberdade e aprisionamento, vida e morte são todos encapsulados um no outro. Se fossem separados, não haveria problema; você poderia lidar com eles. O problema é que são inextricáveis. Se você tentar evitar a morte, acabará evitando a vida. Na Índia antiga, havia cortesãs que eram mestras na arte da sedução. Usavam joias elaboradas que pareciam impossíveis de remover. Todo o corpo era coberto de ornamentos. Se você tivesse que tirá-los um a um, levaria muito tempo. O homem, excitado pela luxúria, ia querer despir essa mulher, mas era em vão. Ela continuaria encorajando-o com mais substâncias tóxicas – um pouco mais, um pouco mais e um pouco mais. Quando sua visão ficava embaçada, sua tarefa ficava ainda mais difícil, e ele acabava caindo no sono, roncando. Mas havia apenas um alfinete; bastava puxar esse alfinete e tudo cairia. Desse truque só ela sabia. A vida é um pouco assim. É uma teia complexa, mas há um alfinete simples. E é a sua identidade. O jogo dos cinco elementos é altamente evoluído e complicado, mas a chave para a liberdade é a sua personalidade limitada. Se você puxar o plugue, ela simplesmente se desconecta e você está livre. Se você sabe como se deixar levar, a complexidade da vida sai de cena e tudo se resolve. A simplicidade do alinhamento perfeito com a existência é subitamente sua. Sadhana A coisa mais simples que você pode fazer para mudar a saúde e a estrutura fundamental de seu corpo é tratar os cinco elementos com devoção e respeito. Apenas tente isso. Toda vez que estiver conscientemente em contato com qualquer um dos elementos (você está em todos os momentos de sua vida), faça uma tentativa consciente de se referir a ele nos termos do que você considera ser o ideal supremo ou mais elevado de sua vida, seja Shiva, Rama, Krishna, Deus, Alá (ou até mesmo Marx!). Neste momento, você é um ser psicológico, e sua mente está cheia de hierarquia. Esse processo acabará com a hierarquia. Depois de algum tempo, a palavra pode desaparecer. Mas você logo vê a mudança conforme aumenta a quantidade de momentos verdadeiramente conscientes em sua vida. O ar que você respira, a comida que você come, a água que você bebe, a terra sobre a qual você anda, e o próprio espaço em que você está – cada um deles lhe oferece uma possibilidade divina. REVERENCIANDO OS ELEMENTOS No sul da Índia, cinco grandes templos foram construídos para cada um dos cinco elementos. Esses templos foram criados não para adoração, mas para facilitar um tipo específico de prática espiritual. Para limpar o elemento água, você iria a um templo particular e faria um tipo de prática. Para limpar o elemento ar, você iria a outro. Dessa forma, cinco templos maravilhosos foram criados para cada um dos elementos, infundidos com o tipo de energia que auxiliava um tipo particular de prática espiritual. Tradicionalmente, os buscadores viajavam de um templo para outro, a fim de serem iniciados em práticas que lhes possibilitassem dominar os elementos e alcançar a cura, o bem- estar e até a transcendência. Esses cinco templos foram construídos para funcionar como um só sistema. Era uma técnica fenomenal. Aqueles que conheciam a prática espiritual adequada poderiam utilizá-la. Aqueles que não a conheciam poderiam se beneficiar apenas por viver naquela região. Os templos ainda existem, e mesmo aqueles que não entendem seu significado energético se maravilham com essas magníficas obras de arquitetura. ■ Quando a merda bate no teto Um dia, na corte, aconteceu que o imperador Akbar perguntou: “O que você acha que dá mais prazer a uma pessoa?”. Houve um coro de respostas. Um cortesão respondeu: “Servir a Deus é o maior prazer, Vossa Alteza”. Há sempre muitos bajuladores em torno dos imperadores. Então alguém disse: “Ah, meu senhor, servir-lhe é o maior prazer que posso conceber!”. Um terceiro cortesão falou: “Apenas olhar para o seu rosto é a maior alegria!”. A hipérbole jorrou. Birbal, o sábio, ficou sentado ali, entediado. Akbar perguntou: “Birbal, o que o faz tão silencioso? O que dá a você o maior prazer?”. Birbal disse: “Cagar”. Até aquele momento, Akbar estava se sentindo ótimo com toda a bajulação e adoração. Então ficou bravo. E disse: “Por expressar essa obscenidade na corte, é melhor que o prove. Se não puder provar, sua vida está em risco”. Birbal pediu: “Dê-me quinze dias, Vossa Alteza. E lhe provarei”. Akbar disse: “Tudo bem”. No fim de semana seguinte, Birbal organizou uma viagem de caça para Akbar na floresta e garantiu que todas as mulheres do palácio também viajassem na expedição. Ele montou o acampamento de forma que a tenda de Akbar estivesse no centro. Ao redor, colocou as famílias, mulheres e crianças. Ele disse ao pessosal da cozinha para produzir a melhor comida. Eles produziram as mais seletas iguarias e Akbar comeu bem. Afinal, estava em férias. Na manhã seguinte, quando se levantou e saiu, viu que não havia tenda de banheiro. Voltou à própria tenda e andou de um lado para o outro, mas a pressão estava aumentando. Tentou entrar na floresta, mas Birbal se assegurou de que as mulheres estivessem por todo lugar. A pressão era acumulada a cada minuto. Era quase meio- dia, e Akbar não aguentava mais. Estava prestes a explodir. Birbal, que assistia a toda essa cena, continuava andando por ali, murmurando: “Tenda do banheiro, onde colocá-la, onde colocá-la?”. Ele estava apenas criando confusão e retardando um pouco mais as coisas. O imperador estava cheio de merda, e no último minuto conseguiram montar a tenda do banheiro. Akbar entrou e gemeu de alívio. Então Birbal, que esperava por ele do lado de fora da tenda, perguntou: “Você concorda comigo agora?”. Akbar disse: “É o maior prazer”. Ser aliviado de algo que você não pode manter dentro de si é sempre o maior prazer, não é? Não importa o que seja! Então, o corpo pode se tornar um problema. Um grande problema. Uma barreira entre você e seu desfrutar da vida. Se você quer manter o corpo de determinada maneira, é importante prestar atenção às suas várias atividades, em relação à comida, ao sono e ao sexo. Observaremos cada um deles nas próximas páginas. Sadhana É importante não ficar comendo durante o dia. Se você tem menos de 30 anos, três refeições por dia se encaixam bem em sua vida. Se tem mais de 30 anos, é melhor reduzir para duas refeições por dia. Nosso corpo e nosso cérebro funcionam melhor quando o estômago está vazio. Portanto, esteja consciente de comer de forma que, em duas horas e meia, sua comida saia do estômago, e, de doze a dezoito horas, esteja completamente fora do sistema. Com essa simples consciência, você experimentará muito mais energia, agilidade e atenção. Esses são os ingredientes de uma vida bem-sucedida, independentemente do que você escolher fazer com ela. Alimento como combustível Seu corpo físico é apenas um acúmulo de comida. O yoga presta muita atenção à comida porque o tipo de comida que você coloca no sistema tem um enorme impacto no tipo de corpo que você construiu. Há toda uma ciência do yoga por trás do que comer, como comer e quando comer. O tipo de coisa que você coloca no corpo determina a qualidade de o quanto ele está confortável consigo mesmo. Você está preparando o corpo para correr tão rapidamente quanto um guepardo? Ou para carregar 90 quilos? Ou para que se torne propício a possibilidades meditativas mais elevadas? Você precisa comer o tipo certo de alimento de acordo com sua inclinação e com o que você quer da sua vida. A maneira como você come não só decide sua saúde física, mas a formacomo você pensa, sente e experimenta a vida. Tentar comer de modo inteligente significa entender para que tipo de combustível esse corpo é projetado e, portanto, supri-lo, para que funcione da melhor forma. Digamos que você comprou um carro a gasolina, mas o abasteceu com diesel. Ele ainda pode se mover, mas não funcionará em sua capacidade ideal, e seu tempo de vida também será substancialmente reduzido. Da mesma forma, se não entendermos para que tipo de combustível este corpo é projetado, se simplesmente forçarmos o que vier ao nosso prato em nossos sistemas, ele definitivamente não funcionará em sua capacidade ideal, e sua longevidade poderá ser seriamente comprometida. A compatibilidade do combustível e da máquina é de grande importância se você está buscando certo ajuste de capacidade. Para que tipo de alimento o sistema humano é realmente projetado? Se você come certos alimentos, o corpo fica bem- aventurado. Se comer outros alimentos, o corpo ficará entorpecido e letárgico, e sua cota de sono aumentará. Se você dorme oito horas por dia e vive cem anos, passou um terço da vida dormindo! Outros 30% a 40% são gastos em comida, banheiro e outras abluções. Sobra muito pouco tempo para a vida! Você se alimenta para ter energia, mas, se faz uma grande refeição, sente-se enérgico ou letárgico? Dependendo da qualidade da comida ingerida, primeiro você sente letargia e, lentamente, começa a sentir energia. Por que é assim? Um aspecto é o fato de que seu sistema não pode digerir a comida cozida como ela é; precisa de certas enzimas para isso. As enzimas necessárias ao processo digestivo não estão todas presentes no corpo; a comida que você come também contém essas enzimas. Quando você cozinha a comida, de 80% a 90% das enzimas são destruídas. Então o corpo luta para reconstituir essas enzimas destruídas. As enzimas destruídas no cozimento nunca podem ser totalmente reconstituídas, então, em geral, para a maioria dos seres humanos, cerca de 50% dos alimentos que comem se tornam refugo. Outro aspecto é o estresse sobre o sistema. O corpo tem que processar toda essa comida para obter apenas uma pequena cota de energia para sua atividade diária. Se comêssemos alimentos com as enzimas necessárias, o sistema estaria funcionando em um nível completamente diferente de eficiência e a taxa de conversão de alimento em energia seria muito diferente. Comer alimentos naturais, em seu estado cru, quando as células ainda estiverem vivas, trará uma enorme sensação de saúde e vitalidade ao sistema. Pode-se facilmente fazer uma experiência com isso. Não pergunte ao seu médico, nutricionista ou professor do yoga. Quando se trata de comida, é com o corpo. Pergunte ao corpo com que tipo de comida ele se sente mais confortável, não à língua. O tipo de comida com que seu corpo se sente mais confortável é sempre o alimento ideal para comer. Você deve aprender a escutar seu corpo. À medida que sua consciência corporal evolui, você saberá exatamente o que determinada comida fará a você. Nem mesmo precisa colocá-la na boca. Você pode desenvolver esse tipo de sensibilidade elevada, em que apenas olhar ou tocar a comida será o bastante para que saiba o impacto potencial em seu sistema. Sadhana Você pode experimentar: organize a melhor refeição possível, fique zangado com alguma coisa, amaldiçoe o mundo inteiro, depois coma. Você verá nesse dia como a comida se comporta dentro de você. Na refeição seguinte, aproxime-se de sua comida com a reverência que o material que constrói a vida merece e então coma. Verá agora como ela se comportará dentro de você. (É claro que, se você for sensato, ignorará o primeiro e fará apenas o segundo!) A maioria das pessoas pode reduzir a quantidade de comida para um terço do que come e ter mais energia sem perder peso. É apenas uma questão de quanta receptividade você criou dentro de si. Consequentemente, seu corpo recebe. Se você consegue realizar a mesma quantidade de trabalho, manter todos os processos corporais, com 30% da comida que você come, definitivamente significa que você está conduzindo uma máquina muito mais eficiente. EM UMA CASTANHA O valor prânico de todas as sementes é imenso, porque elas representam a vida concentrada. É muito diferente de seu enorme valor nutricional. O que você denomina de castanha é essencialmente uma semente, e uma semente é uma possibilidade maravilhosa. Uma semente é o futuro da vida de uma planta. Uma única semente é capaz de tornar toda a Terra verde. Consequentemente, consumir qualquer coisa na forma de sementes pode melhorar muito a saúde humana em diversos níveis. Sempre que possível, mergulhe as castanhas que você pretende consumir na água durante seis a oito horas, especialmente se forem castanhas secas. Todas as sementes têm uma proteção química natural. A imersão em água expulsará essas substâncias tóxicas e as levará para a superfície, e elas poderão ser eliminadas ao tirar a pele das castanhas. Além disso, encharcá-las ajuda a reduzir o teor concentrado de proteína, que às vezes as torna difíceis de digerir. ■ Cozinha do inferno Há um debate em andamento entre os defensores do vegetarianismo e do não vegetarianismo. Muitas vezes me perguntam qual é o melhor. Os vegetarianos são muitas vezes inclinados a agir de forma condescendente, enquanto os não vegetarianos frequentemente afirmam que são mais robustos e adequados ao mundo, já que estão dispostos a incluir todas as espécies do planeta em seu cardápio. Grandes filosofias evoluíram com base em escolhas alimentares. No yoga, não há absolutamente nada religioso, filosófico, espiritual ou moral sobre a comida que comemos. É apenas uma questão de saber se a comida é compatível com o tipo de corpo que possuímos. Essa compatibilidade depende de vários fins. Se ser grande é sua maior aspiração, certos tipos de alimentos precisam ser consumidos. Se você quer um corpo que suporte determinado nível de inteligência, ou se quer um corpo com certo nível de vigilância, consciência e agilidade, outros tipos de alimentos devem ser consumidos. Se você não é alguém que se contentará apenas com a saúde e os prazeres da vida, mas quer um corpo perceptivo o bastante para fazer o download do Cosmos, precisará comer de forma muito diferente. Dependendo de sua aspiração, você terá, portanto, que gerenciar sua dieta. Se suas aspirações envolverem todas essas dimensões, você terá que encontrar um equilíbrio adequado. Deixando de lado nossos objetivos e aspirações pessoais, para que tipo de combustível o corpo é projetado? Isso é algo a que todos nós devemos prestar atenção primeiro. As modificações, os ajustes e as adaptações da dieta devem vir depois. Se é simplesmente uma questão de sobrevivência básica, coma o que quiser. No entanto, uma vez que se cuida da sobrevivência e há uma escolha, é importante que você coma conscientemente e seja conduzido não pela compulsão da língua, mas pelo projeto essencial de seu corpo. No reino animal, você pode em grande parte classificar os animais como herbívoros e carnívoros – aqueles que comem matéria vegetal e aqueles que consomem carne ou são predadores de outros animais. Entre essas duas categorias de criaturas, há diferenças fundamentais no projeto e na construção dos sistemas físicos. Como nosso foco é a comida, exploraremos os sistemas digestivos de cada um. Todo o tubo digestivo é um trato digestivo do lábio à saída anal. Se você viajar por esse tubo, encontrará diferenças fundamentais entre herbívoros e carnívoros. Considere algumas diferenças significativas. Para começar, você descobrirá que carnívoros só são capazes de uma ação de corte com as mandíbulas, mas herbívoros são capazes de ações de corte e trituração. Nós, seres humanos, temos ações de corte e trituração. Qual é a razão para essa diferença de projeto? Suponha que pegue um pouco de arroz cru e o coloque na boca por um minuto ou mais; você notará queele fica doce. Essa doçura acontece porque, na sua boca, carboidratos são convertidos em açúcar (uma parte essencial do processo digestivo) por uma enzima chamada ptialina, que está em sua saliva. A ptialina está presente na saliva de todos os herbívoros, mas não nos carnívoros. Assim, os carnívoros só têm que cortar a comida em pedaços menores e engoli-la, enquanto os herbívoros precisam mastigá-la. Mastigação envolve trituração e, em seguida, misturar completamente a comida com a saliva; daí a modificação do projeto na mandíbula. Se a mastigação acontecer corretamente, cerca de 50% do seu processo digestivo estará terminado na boca. Em outras palavras, a região do estômago considera que o alimento parcialmente digerido completará o processo com eficiência. Na vida moderna, temos tanta pressa que engolimos nossos almoços sem que a comida seja adequadamente mastigada. O estômago é sobrecarregado não só com comida não digerida, mas também com comida parcialmente destruída. As cozinhas atuais se tornaram lugares em que a comida é eficientemente destruída. Alimentos nutritivos e cheios de vida são sistematicamente degradados pelo processo de cozimento, que esgota seu valor nutricional e em grande parte elimina seu valor prânico (sua capacidade de ser espiritualmente favorável). Em seguida, se você olhar para o comprimento do tubo digestivo de um herbívoro, verá que ele tem, geralmente, de cinco a seis vezes o comprimento do corpo. Em um carnívoro, varia de duas a três vezes o comprimento do corpo. Para simplificar, carnívoros têm canais alimentares distintamente mais curtos do que herbívoros, e essa diferença indica de modo claro que tipo de alimento cada espécie deve consumir. Se você come carne crua, ela leva entre setenta e setenta e duas horas para passar pelo seu sistema; carne cozida leva de cinquenta a cinquenta e duas horas; vegetais cozidos, de vinte e quatro a trinta horas; legumes crus, de doze a quinze horas; frutas, de uma hora e meia a três horas. Se você mantiver carne crua ao ar livre de setenta a setenta e duas horas, haverá putrefação – um pedacinho de carne pode expulsá-lo de sua casa! A putrefação ocorre muito rapidamente no verão, quando a temperatura e a umidade são favoráveis. Seu estômago é sempre um lugar tropical, e, se a carne fica ali por até setenta e duas horas, o nível de putrefação é muito alto. Essencialmente, significa que há atividade bacteriana excessiva, e seu corpo deve gastar muita energia para conter o nível bacteriano, de modo que não cruze a linha que separa a saúde da doença. Se você visitar um amigo doente no hospital, certamente não lhe levará uma pizza ou um bife. É mais provável que leve frutas. Se estivesse na selva, qual seria a primeira coisa que comeria? Definitivamente, frutas. (Lembre-se de que até mesmo Adão comeu uma maçã, embora saibamos o problema que isso o levou a enfrentar!) Então, viriam raízes, matar um animal, cozinhar e cultivar. A fruta é o alimento mais facilmente digerível, e todos os seres humanos sabem disso instintivamente. A maioria dos animais carnívoros não come todos os dias – definitivamente, não três vezes ao dia! Eles sabem que a comida que comem se move muito lentamente em seus tratos. Dizem que um tigre come uma vez a cada seis ou oito dias. Ele é ágil e ronda quando está com fome, come uma robusta refeição de 25 kg de carne de uma só vez, e então dorme ou anda preguiçosamente de um lado para o outro. Uma cobra come 60% do próprio peso corporal em uma única refeição, e come apenas uma vez a cada doze ou quinze dias. Os pigmeus da região da África Central costumavam caçar elefantes, comer seus órgãos e carne crua e beber o sangue fresco. Dizem que dormiam depois desse tipo de refeição por mais de quarenta horas seguidas. Mas, à medida que os estilos de vida mudam e se tornam mais urbanos e sedentários, fica evidente que os seres humanos não podem manter essas práticas. Você certamente não pode se dar ao luxo desse estilo de vida. Tem que comer todos os dias e descansar em horários específicos, porque seu tubo digestivo é semelhante ao dos herbívoros. O DEBATE DA PROTEÍNA Hoje se coloca muita ênfase na ingestão de proteínas. É importante entender que elas compõem apenas 3% do nosso corpo e que seu consumo em excesso pode causar câncer. A carne é rica em proteínas. Uma porção muito pequena da carne consumida pode satisfazer a exigência de proteína humana. A porção remanescente, que viaja muito lentamente pelo tubo digestivo, leva a uma variedade de problemas, como atividade bacteriana excessiva, aumento da cota de sono, aumento dos níveis de inércia no corpo e diminuição da regeneração celular. Por sua vez, tudo isso se manifesta como uma queda na sensibilidade da percepção. É nesse contexto que a carne tem sido considerada espiritualmente desfavorável, pois o processo espiritual trata essencialmente de melhorar a percepção da pessoa além das limitações do físico. ■ Drama digestivo Outro aspecto da digestão é que, para digerir certo tipo de alimento, o sistema humano produz álcali, e, para digerir outro tipo de alimento, gera ácido. Se você consome uma mistura de alimentos, o estômago fica confuso e produz tanto ácidos quanto álcalis, que se neutralizam e fazem com que os sucos gástricos percam a eficiência. Assim, a comida permanece no estômago por mais tempo do que o necessário e enfraquece nossa capacidade de rejuvenescer no nível celular. Isso também causa o que chamamos de tamas, ou inércia, no sistema energético, que durante algum tempo alterará a própria condição de quem você é e prejudicará a condição de quem você poderia ser. No sul da Índia, as pessoas tradicionalmente tomavam cuidado para nunca misturar certos alimentos. No entanto, hoje, a comida já não tem a ver com o bem-estar do corpo, mas com um tema social. As pessoas comem em bufês, e a variedade e a quantidade de pratos servidos são consideradas mais importantes do que nutrir a saúde e a vida do corpo. A questão não é sobre o que não comer, mas sobre o que e quanto comer. Não é uma questão moral; é uma questão de sentido de vida. Ao batalhar a vida na cidade, você precisa de uma mente ágil e ativa, e de equilíbrio físico e mental. E alguns de vocês até têm aspirações espirituais – mesmo que seja só de vez em quando! Então, todo indivíduo deve chegar ao próprio equilíbrio de dieta, não por ter feito juramentos, mas por observação e consciência. É importante não transformar a comida em uma obsessão. A comida nunca deve se tornar um assunto arrebatador. Cada criatura no planeta sabe o que comer e o que não comer. Então, qual é o problema humano? O problema humano é não ter atenção suficiente, mas muita informação. A ciência do yoga trabalha essencialmente com a interioridade do ser humano. De sua profunda compreensão da ciência do mecanismo humano, essa ciência se ramificou em vários sistemas. Uma das consequências foi o sistema de Ayurveda, que está se tornando cada vez mais popular nos tempos modernos. A palavra ayur, em sânscrito, significa “tempo de vida”, e a palavra veda significa “ciência” ou “conhecimento”. Assim, o Ayurveda é a ciência de estender o tempo de vida humano. É um sistema que utiliza vida vegetal externa e elementos da terra para promover a saúde e corrigir irregularidades sistêmicas. Sistemas de conhecimento como esses foram planejados para ajudar aqueles que são incapazes de fazer a prática necessária do yoga para alcançar os mesmos fins. Sadhana O consumo de uma colher de manteiga clarificada (ghee) diariamente alguns minutos antes de uma refeição faz maravilhas pelo sistema digestivo. Se você come manteiga clarificada com açúcar, como em doces, ela é digerida e se transforma em gordura. Mas a manteiga clarificada sem açúcar pode limpar, curar e lubrificar o tubo digestivo. Além disso, a limpeza do cólon logo se manifestará como brilho e vitalidade em sua pele. Mesmo aqueles quepreferem não consumir produtos lácteos podem experimentar isso, porque a manteiga clarificada passa pelo sistema em grande parte sem ser digerida. CÓDIGO EVOLUTIVO Se você tem que comer comida não vegetariana, o melhor seria peixe. Primeiro, é facilmente digerível com valores nutricionais muito elevados. Segundo, é o que lhe deixa menos marcas. O que isso significa? Nossos corpos – tudo que comemos, excretamos e o que acaba sendo cremado ou enterrado – são apenas terra. O so�ware dentro de seu sistema determina que, se você comer uma fruta, ela será transformada no corpo humano, e não em um macaco ou um rato. A eficiência de seu sistema remove o outro so�ware que transformou a terra em uma fruta e chega a um novo so�ware que transformará uma fruta em uma forma humana. Para criaturas mais evoluídas, particularmente mamíferos, o so�ware é mais distinto e individualizado. Isso torna mais difícil para o seu sistema de quebra de código apagar o so�ware da criatura que você consome e substituí-lo por um novo so�ware. Entre os animais, o peixe, sendo uma das primeiras formas de vida neste planeta, tem o código de so�ware mais fácil para o nosso sistema quebrar e integrar a nós mesmos. Animais com mais inteligência, especialmente aqueles que são capazes de uma variedade de emoções (como vacas ou cachorros), manterão os próprios sistemas de memória. Em outras palavras, somos incapazes de integrar completamente criaturas mais evoluídas, inteligentes e dotadas de emoção em nossos sistemas. Nos tempos antigos, em comunidades que estavam mais em sintonia com a Terra, as pessoas podiam caçar e comer animais e resolver as consequências por meio de um volume enorme de atividade física. No entanto, dada a vida em grande parte sedentária que as pessoas levam hoje, a acidez produzida por essa dieta pode contribuir muito para os inexplicáveis níveis de estresse que estão sendo amplamente experimentados. Além disso, os grandes animais, particularmente as vacas, estão cientes de seu abate iminente bem antes de acontecer. Consequentemente, experimentam altos níveis de estresse, que geram enorme quantidade de conteúdo ácido em seus sistemas. Por sua vez, isso tem seu próprio efeito adverso sobre aqueles que depois consomem a carne. ■ Sentido gastronômico Se você observar o ciclo natural do corpo, descobrirá que há algo chamado mandala. Uma mandala é um ciclo de quarenta a quarenta e oito dias pelo qual o sistema humano passa. Em cada ciclo, haverá três dias em que seu corpo não precisa de comida. Se estiver consciente de como seu corpo funciona, você se tornará consciente de que em determinado dia o corpo não precisa de comida. Sem esforço, você consegue ficar sem comer nesse dia. Até cachorros e gatos têm essa consciência; em determinado dia, muitas vezes preferem não comer. O dia em que o sistema diz “sem comida” é um dia de limpeza. Como a maioria das pessoas não sabe que dia é esse, ele, chamado de Ekadashi, foi fixado no calendário indiano. Ekadashi é o décimo primeiro dia do segmento lunar e ocorre a cada catorze dias. É tradicionalmente considerado como o dia do jejum. Se algumas pessoas não conseguem ficar sem comida porque seus níveis de atividade a exigem, ou se não têm a prática espiritual adequada para apoiá-las, podem optar por fazer uma dieta de frutas. Se você se forçar a jejuar sem preparar suficientemente o corpo e a mente, só causará danos à sua saúde. Mas se seu corpo, sua mente e sua energia estão devidamente preparados com as práticas necessárias, então o jejum pode ser muito benéfico para você. As pessoas que consomem constantemente nicotina e cafeína descobrirão que o jejum pode se tornar muito difícil. Portanto, antes de jejuar, prepare o corpo consumindo o tipo certo de alimento, principalmente alimentos ricos em água, como frutas e legumes. Jejum pode não ser uma coisa boa para todos, mas traz muitos benefícios se for realizado com o devido entendimento. Todo o objetivo e empenho do yoga é abrir o casulo do corpo físico ao corpo sensorial maior, em que você experimenta tudo como uma parte de si. O jejum é uma extensão dessa lógica: uma forma de se nutrir sem qualquer ingestão ativa. Atualmente, pode ser feito como um processo de desintoxicação, mas esse é o argumento interno. É por isso que cada tradição espiritual do mundo fixou um período de jejum para seus adeptos. Na tradição yogi, ele foi fixado segundo o ciclo lunar, pois sua capacidade de assimilar energia da água, do ar e da luz solar é maior em certos dias desse ciclo. Em algumas religiões, o período de jejum foi fixado no auge do verão, quando o consumo de água e sol pelo sistema humano seria naturalmente alto. Minha bisavó, uma senhora maravilhosa, muitas vezes considerada excêntrica por quem não a conhecia bem, distribuía com frequência a sua comida para formigas e pardais. Lágrimas de bem-aventurança escorriam por seu rosto enquanto o fazia. As pessoas ao redor diziam: “Por que você não come, velha?”. Ela simplesmente respondia: “Estou cheia”. Mas todos esses conselheiros morreram muito antes dela. Ela perdurou e morreu na incrível idade de 113 anos! Minha mãe também costumava fazer isso: todos os dias, antes de tomar o café da manhã, pegava um punhado dele e ia procurar formigas para alimentar. Só então comia. Esta é uma tradição entre as mulheres em muitas famílias. Uma formiga é a menor entidade viva que você pode ver ao seu redor, o organismo mais inconsequente em que pode pensar. Então, por essa mesma razão, você a alimenta primeiro. Você faz uma oferenda à menor criatura que conhece, não aos deuses ou a outras criaturas celestes. Este planeta pertence a elas tanto quanto pertence a você. Você compreende que cada criatura neste planeta tem o mesmo direito de viver que você. Essa percepção pode ajudar a criar uma atmosfera favorável, mental e fisicamente, para que a consciência cresça. Um ato simples como esse o liberta de sua identificação com o corpo físico. À medida que você se torna menos corpo, a percepção das outras dimensões de quem você é naturalmente aumenta. Quando você está com muita fome, tudo que seu corpo quer fazer é comer. Espere apenas dois minutos; você descobrirá que fará uma grande diferença. Quando está com muita fome, você é o corpo. Dê um pouco de espaço, e de repente você não é só um corpo. Gautama, o Buda, chegou ao ponto de dizer: “Quando você está precisando muito de comida, se der sua comida a outra pessoa, ficará mais forte”. Não irei tão longe com você; digo apenas: espere alguns minutos! Isso o deixará definitivamente mais forte. Se você é muito compulsivo com comida, é bom deixa passar uma refeição. Tente fazer assim: em um dia em que estiver especialmente faminto e alguns de seus pratos favoritos estiverem sendo preparados, tente pular uma refeição. Isso não é se torturar; é apenas uma forma de se libertar da câmara de tortura que seu corpo pode facilmente se tornar. O tipo de comida que você come, quanto come e como come o transferem de um padrão compulsivo para um processo consciente: essa é a essência do jejum. Sadhana Apenas experimente. Comece hoje com 25% de alimentos naturais, crus ou vivos – frutas ou legumes – e, lentamente, chegue a 100% em cerca de quatro ou cinco dias. Mantenha- se assim por um ou dois dias, e reduza em 10%, e em outros cinco dias você chegará a 50% de comida crua, 50% de comida cozida. Esse é o ideal para a maioria das pessoas que desejam estar ativas de dezesseis a dezoito horas por dia. Se você comer alimentos cozidos, lembre-se de que poderá levar quinze minutos para concluir uma refeição. Se come comida crua, leva um pouco mais de tempo para comer a mesma quantidade de comida, porque tem que mastigar um pouco mais. Mas a natureza do corpo é tal que, depois de quinze minutos, ele lhe dirá que sua refeição acabou. Então as pessoas tendem a comer muito menos e a perder peso. Só é preciso ter um pouco maisde consciência de quanto você está comendo. Da inquietação ao repouso O fato de você dormir à noite faz pouca diferença entre suas manhãs e noites. O que faz a diferença é o nível de relaxamento que o sono traz. Se você conseguisse permanecer relaxado enquanto realiza as atividades diurnas, seria à noite a mesma pessoa, em termos de energia e entusiasmo, que é de manhã. Se você acorda revigorado, é um bom começo, mas ao longo do dia, lentamente, conforme seus níveis de relaxamento se reduzem, você começa a se sentir estressado. O estresse não é por causa do trabalho – é importante lembrar. Todos acham que o trabalho é estressante. Nenhum trabalho é estressante. Há muitos trabalhos que podem apresentar situações desafiadoras. Pode haver chefes desagradáveis, colegas inseguros, reuniões de emergência, prazos impossíveis – ou você pode até estar em meio a uma zona de guerra! Mas essas coisas não são inerentemente estressantes. É nossa reação compulsiva às situações em que somos colocados que causa estresse. O estresse é um nível de atrito interno. Pode-se facilmente lubrificar o mecanismo interno com alguma quantidade de trabalho interno e percepção. Então, é a sua incapacidade de lidar com seu próprio sistema que o estressa. De alguma forma, você não sabe como lidar com seu corpo, sua mente e suas emoções; esse é o problema. Então, como manter seu sistema livre de estresse para que você permaneça, seja de manhã ou à noite, no mesmo nível de entusiasmo, relaxamento e bem-aventurança? O batimento cardíaco de uma pessoa comum com o estômago vazio seria mais ou menos entre 70 e 80 por minuto. Em uma pessoa que faz o tipo certo de prática meditativa, você verá que o batimento varia por volta de 30 a 40. Mesmo depois de um bom almoço, ficaria perto dos 50. Esse é apenas um parâmetro que indica o nível de repouso que seu corpo experimenta a cada momento. O repouso define essencialmente a capacidade de reabastecimento e rejuvenescimento do corpo. Você não pode desacelerar seu sistema ao custo da atividade. É necessário mantê-lo de forma que a atividade não o sobrecarregue. Talvez você fique fisicamente exausto, mas não precisa se estressar. Se você consegue ser vibrantemente ativo e ainda assim relaxado, vale a pena. Se iniciar algumas práticas simples do yoga, em três ou quatro meses sua pulsação diminuirá pelo menos de oito a 20 pontos com muita facilidade. Isso significa que o corpo está funcionando com muito mais eficiência e em um ritmo relaxado. O corpo não precisa do sono, mas de repouso. Se você mantiver o corpo muito relaxado durante o dia, sua cota de sono diminuirá naturalmente. Se trabalhar, dar uma caminhada ou se exercitar também for relaxamento para você, sua cota de sono diminuirá ainda mais. Neste momento, as pessoas querem fazer tudo da forma mais difícil. Vejo pessoas caminhando no parque em um estado de tensão. Se você caminha ou corre, por que não pode fazê-lo com tranquilidade, com alegria? Esse exercício poderá lhe causar mais danos do que bem-estar, porque você está indo para ele como se estivesse indo para a batalha! Não lute contra a vida. Você não é antivida; você é vida. Basta entrar em sintonia com ela e verá que a atravessará facilmente. Manter-se em forma e bem não é uma batalha. Faça alguma atividade de que goste: pratique um esporte, nade, caminhe, corra. Se você não gosta de fazer nada além de comer cheesecake o dia inteiro, então você tem um problema! Caso contrário, não há incompatibilidade entre estar ativo e relaxado ao mesmo tempo. De quanto sono o seu corpo precisa? Depende do nível de atividade física em que você está envolvido. Não há necessidade de fixar a cota de alimentação ou sono. Programar as calorias que você deve consumir e o número de horas que deve dormir é uma maneira tola de lidar com a vida. Deixe o corpo decidir quanto deve comer hoje, não você. Hoje seus níveis de atividade são baixos, então você come menos. Amanhã sua atividade é alta, então come mais. O mesmo acontece com o sono: quando se sente suficientemente relaxado, você acorda. No momento em que o corpo está descansado, ele desperta – seja às 3, 4 ou 8 horas. Quando se trata de comida e sono, seu corpo é o melhor juiz. Se o corpo estiver em certo nível de vigilância e consciência, você verá que, quando estiver bem descansado, ele despertará – ou seja, se estiver ávido por voltar à vida. Se ele de alguma forma estiver tentando usar a cama como túmulo, então é um problema. Mantenha o corpo de forma que ele não deseje fugir da vida ou evitá-la. Mantenha-o de forma que anseie despertar. Sadhana Se você dorme sem travesseiro ou com um travesseiro muito baixo, que não deixa que a coluna fique comprimida, a regeneração neuronal do cérebro e a regeneração celular do sistema neurológico serão muito melhores. Se dorme sem travesseiro, é melhor deitar de costas em posição supina, em vez de ficar de lado. No yoga, deitar nessa posição chama-se shavasana: aumenta a purificação e o rejuvenescimento do corpo, e promove o livre fluxo de movimento no sistema energético, trazendo relaxamento e vitalidade. Mas não há razão para ser dogmático sobre isso. (Pelo menos enquanto dorme, não tome uma posição!) Do carnal ao cósmico A existência é uma dança entre o não manifesto e o manifesto. Quando há uma manifestação, há dualidade: luz e escuridão, masculino e feminino, nascimento e morte, e assim por diante. Embora a unidade seja a estrutura básica da criação, a dualidade traz textura, forma e cor à vida. Todas as muitas manifestações que você vê como vida estão fundamentalmente enraizadas na dualidade. Porque há dois, há muitos. Se houvesse apenas um, não haveria existência. Uma vez que há dois, o jogo da vida começa. Quando a dualidade começa, o sexo começa. O que chamamos de sexo são duas partes dessa dualidade se esforçando para se tornar uma. No processo de encontro dessas dualidades, há também certas funções que a Natureza quer cumprir, como a procriação e a sobrevivência da espécie. Toda dualidade está lutando pela unidade, porque o que um dia foi um se manifestou como dois; então há um desejo perpétuo de se tornar um. Este desejo de se tornar um encontra expressão em muitos caminhos. Quando você é jovem e sua inteligência é sequestrada por seus hormônios, o sexo será o caminho. Quando você está na meia-idade e sua inteligência é sequestrada por suas emoções, o amor é o caminho. Quando você é velho e desprovido de males hormonais, a oração é o caminho. Mas, independentemente da idade, quando transcende tudo isso e busca a mesma união em um nível muito mais elevado de consciência, o yoga é o caminho. Se você está buscando unidade com o corpo, precisa lembrar que os corpos físicos sempre permanecerão dois, não importa o que você faça. Por alguns momentos, uma sensação de unidade acontecerá, e então as pessoas se separarão. Se o divórcio não o fizer, a morte o fará. Está fadado a acontecer. O sexo é apenas dois opostos fazendo uma tentativa de se tornar um. Sua individualidade não significa apenas falsos limites que você estabeleceu em sua estrutura mental na forma de suas preferências e repulsas, gostos e opiniões. Também significa que você está preso dentro dos limites do próprio corpo físico. Você pode não ter consciência, mas a vida dentro de você anseia por romper esses limites. Quando você quer romper seus limites mentais, pode desejar ter uma conversa séria ou ler um livro, beber álcool, usar uma droga ou fazer algo estranho. Para romper seus limites físicos, você pode querer colocar um piercing, fazer uma tatuagem, tingir o cabelo ou seguir o antiquado caminho do sexo. A intenção do sexo é ótima, mas o método é inútil. O prazer está envolvido, e isso leva duas pessoas a se aproximarem; no entanto, a unidade só vem momentaneamente. Então você tenta se encontrar em outras áreas de emoção e intelecto. As pessoas estão sempre tentando encontrarum terreno comum: “Gostamos do mesmo sorvete, somos loiros, jogamos videogames, compartilhamos o mesmo signo do zodíaco e gostamos dos mesmos programas de TV…”. Mas, a menos que entenda que vocês nunca poderão se tornar um, você não aprenderá a desfrutar do oposto. Essas duas energias, que na raça humana chamamos de “masculina” e “feminina”, estão sempre tentando se unir. Ao mesmo tempo, exceto pelo desejo de estarem juntas, são opostas. São amantes e inimigos ao mesmo tempo. Se procurarem semelhanças, parece haver poucas coisas em comum, mas a atração do oposto está sempre presente. Muitas pessoas não conseguem encarar o ato físico básico como ele é, então inventaram todos os tipos de ornamentos para torná-lo bonito. Você sempre adiciona emoção a ele, porque sem emoção parece feio. De alguma forma você está tentando nublar sua visão da realidade com muitos ornamentos. O sexo é natural; está no corpo. A sexualidade é algo que você inventou; é psicológica. Se o sexo está no corpo, é bom, é lindo. Quando entra em sua mente, torna-se uma perversão. Ele não tem nada a ver com sua mente. O sexo é uma pequena expressão sua, mas hoje se tornou enorme. Para muitos, tornou-se a própria vida. Se olharmos para as sociedades modernas, eu diria que provavelmente 90% da energia humana está sendo usada para buscar ou evitar o sexo. O sexo é apenas um truque da natureza para reprodução. Se essa atração de opostos não existisse, a espécie seria extinta. Fizemos essa distinção entre homem e mulher, quase como se fossem duas espécies separadas. Nenhuma outra criatura no planeta tem os problemas com sexo que os humanos têm. Nos animais, o desejo está presente em seus corpos em determinados momentos; em outros, eles estão livres dele. Nos humanos, isso está em mente o tempo todo. Uma razão para que isso tenha acontecido é que, no passado, muitas religiões passaram a negar um simples processo físico a ponto de torná-lo pecaminoso. Por não conseguirmos nem mesmo aceitar a biologia de um ser humano, em vez de olharmos para além das limitações do processo biológico, tentamos negá-la. Se não tivéssemos problema com a biologia, não teríamos feito distinção entre quem era quem. Todos seriam conhecidos pelo que são; se alguém é homem ou mulher seria irrelevante. Toda a exploração das mulheres começa quando você não consegue aceitar as diferenças fundamentais entre um homem e uma mulher. Você não tem que tornar a biologia sagrada nem imunda. É o instrumento da vida. Por causa dela você existe. Se você sabe como vivê-la sem elevá-la ou torná-la feia, ela tem beleza própria. A sensualidade que se experimenta na vida é um convite químico para que algo que não é você se torne uma parte de você. Esta é a forma de a Natureza instigá-lo em direção a uma união ou o yoga. Embora a sensualidade seja comemorativa em sua natureza, também é discriminatória. Quando dois indivíduos estão em um encontro apaixonado, o resto do mundo é excluído, ou até mesmo apagado. Se a celebração tiver que durar, sua sensualidade ou paixão terá que se tornar abrangente. Se você está em um estado de paixão abrangente, chamamos isso de yoga. Então, negação não é a resposta. Expansão é a única resposta. E se você não conheceu a sensualidade da respiração revigorante que está em todos os momentos de sua vida, como pode começar a conhecer qualquer outro tipo? A experimentação da natureza orgástica do processo de respiração é chamada ana pana sati yoga, o yoga da respiração de entrada e saída. Ana pana significa literalmente “dentro” e “fora”. Sati significa “consorte feminino”. Então, a referência aqui é claramente à união orgástica. E, assim, ana pana sati yoga é um processo que inicia você em um envolvimento consciente e profundo com sua respiração, e mostra como a simples respiração de entrada e saída pode se tornar uma indescritível fonte de êxtase. Sadhana As mais elevadas possibilidades de vida estão abrigadas no corpo humano. O corpo físico é uma plataforma para todas as possibilidades, do vulgar ao sagrado. Você pode realizar atos simples como comer, dormir e fazer sexo como atos de vulgaridade ou pode trazer uma dimensão de santidade a todos esses aspectos. Essa santidade pode ser alcançada trazendo pensamento, emoção e intenção mais sutis para esses atos. Acima de tudo, lembre-se de que a vulgaridade e a santidade de alguma coisa são em grande parte decididas por sua indisposição e inconsciência, ou sua disposição e consciência. Cada respiração, cada passo, cada simples ato, pensamento e emoção podem adquirir a perspectiva do sagrado se conduzidos com reconhecimento à santidade do outro envolvido – seja uma pessoa, um alimento ou um objeto que você usa. De todos os atos amorosos de que dois seres humanos são capazes, o simples ato de segurar as mãos pode muitas vezes se tornar o mais íntimo. Por quê? Basicamente, porque a natureza das mãos e dos pés é tal que o sistema energético encontra expressão nessas partes do corpo de forma muito singular. Duas palmas juntas têm muito mais intimidade do que o contato entre outras partes do corpo. Você pode tentar isso consigo mesmo. Nem precisa de um parceiro. Quando une as mãos, as duas dimensões energéticas dentro de você (direita-esquerda, masculino- feminino, solar-lunar, yin-yang etc.) estão ligadas de certa maneira, e você começa a experimentar uma sensação de unidade dentro de si mesmo. Essa é a lógica do tradicional namaskar indiano. É um meio de harmonizar o sistema. Assim, a forma mais simples de experimentar um estado de união é tentar esse simples yoga namaskar. Coloque as mãos juntas e preste amorosa atenção a qualquer objeto que você usar ou consumir, ou a qualquer forma de vida que encontrar. Quando você levar esse senso de consciência para cada simples ato, sua experiência de vida nunca mais será a mesma. Há até a possibilidade de que, se você juntar as mãos, possa unir o mundo! Sequestro hormonal Uma vez me perguntaram: “Não é estranho que as pessoas sejam mais obcecadas por sexo do que por qualquer outra necessidade física?”. Não há nada de estranho nisso. É só o sequestro hormonal de que falamos anteriormente. De todo modo, não é o sexo a necessidade mais poderosa, mas a fome. Na maioria das vezes, pensar em sexo é apenas um comportamento compulsivo. Quando você era criança, não importava que órgãos reprodutivos alguém tinha. Mas, quando os hormônios começaram a atuar, você não conseguia mais pensar em nada no mundo além disso. E você verá que, depois de certa idade, quando a atuação dos hormônios diminui, isso volta a não importar. Você olhará para trás e não acreditará que era obcecado por isso. Não há nada de errado com o corpo; ele é apenas limitado. E não há nada de errado em ser limitado. Se você for pelo caminho do corpo, algum prazer poderá chegar a você. Não é um crime querer ser limitado, mas você viverá uma vida não realizada. Digamos que amanhã eu lhe conceda a dádiva de todas as mulheres ou homens do mundo o desejarem. Ainda assim, você descobrirá que não está satisfeito. Haverá um pouco de prazer e dor, mas você só viverá dentro da esfera do corpo. O corpo só conhece sobrevivência e procriação. E sempre caminha direto para o túmulo, para nenhum outro lugar. Seu corpo é apenas um empréstimo deste planeta. O que você chama de “morte” é apenas a Mãe Terra reivindicando o empréstimo que lhe ofereceu. Toda a vida neste planeta é apenas uma reciclagem da Terra. Você pode achar que está indo para o escritório, para casa ou para a partida de futebol, mas, no que diz respeito ao seu corpo, ele segue, sempre, direto para o túmulo. Neste momento, você pode ter esquecido, mas lentamente, com o passar do tempo, ficará mais evidente que essa é a natureza do corpo. Se tudo que você conhece é o corpo – e de qualquer forma você vai perdê-lo –, a ansiedade e o medo serão seus companheiros constantes. As pessoas estão até começando a acharque o medo é uma parte natural da existência. Não. O medo é resultado da incompletude de sua existência. Se você não explorou a vida em sua magnitude e multidimensionalidade e se limitou ao corpo físico, o medo é uma consequência natural. Já ouviu falar de George Best? Ele foi um dos maiores jogadores de futebol do seu tempo na Inglaterra. Estava determinado a aproveitar a vida ao máximo da melhor forma que sabia. A mídia dizia que estava sempre com uma estrela de cinema ou modelo famosa ao lado. Mas, quando chegou aos 35 anos, era um homem sem um tostão, miserável e frustrado; aos 59 anos, estava morto. A morte não é o problema, a maneira como você vive é. Supostamente, George Best tinha tudo, mas viveu uma vida terrível. Isso ocorre porque o caminho do físico é circunscrito. O corpo tem um limite no papel que desempenha em sua vida. Se tentar estender esse papel para abranger tudo, você sofrerá, pois estará tentando criar uma farsa. A vida tem 1 milhão de maneiras engenhosas de curvá-lo, quebrá-lo, amassá-lo e triturá-lo. Não tem nada de errado com seus hormônios, mas, uma vez que você vive uma vida compulsiva, está vivendo a vida de um escravo. Tudo pode estar indo bem em sua vida – seus negócios, família, relacionamentos –, mas, lentamente, conforme diferentes tipos de compulsões assumem o controle, você fica cada vez mais infeliz. Há algo dentro de você que não está disposto a ser um escravo. Para muitos, a busca de riqueza e bem-estar físico leva a ações cada vez mais desesperadas. Se você olhar sob a superfície da civilização, descobrirá as formas mais abomináveis de abuso. Não poupamos nem nossos próprios filhos. Essas são as consequências de não cuidar de todas as dimensões do ser humano, e de nos limitarmos ao restrito reino do físico. Hoje, na tentativa de fetichizar o corpo, as pessoas estão criando um sofrimento incalculável. Você não pode pensar em melhor combinação material: em termos de assistência à saúde, seguros, carros. Você tem mais conforto e conveniências do que qualquer geração anterior. No entanto, as pessoas estão sofrendo imensamente. Nas sociedades abastadas, quase uma em cada cinco pessoas toma algum tipo de medicação apenas para manter o equilíbrio mental. Quando você tem que tomar um comprimido todos os dias para permanecer saudável, isso não é bem-aventurança. Você está prestes a entrar em colapso porque fez de um pequeno aspecto de sua vida toda a sua vida. MORTALIDADE E PROFUNDIDADE Você só quer saber o que mais há na vida quando reconhece sua natureza mortal. É nesse momento que o processo espiritual se abre. Uma vez aconteceu que dois homens com mais de 80 anos se encontraram. Um reconheceu o outro e disse: “Você lutou na Segunda Guerra Mundial?”. O outro homem respondeu: “Sim”. O primeiro lhe perguntou onde e com qual batalhão. O outro homem lhe disse. O primeiro exclamou: “Ah, meu Deus! Você não me reconhece? Estávamos na mesma trincheira!”. Ah, eles se deram bem! Conversaram muito. Tudo que realmente viram foi cerca de quarenta minutos de uma intensa situação de combate. Mas falaram sobre cada bala que passava, zing, zing, não os atingindo por poucos centímetros. Conversaram por mais de quatro horas sobre aqueles quarenta minutos. Quando haviam esgotado tudo que podiam dizer sobre aquela época, um perguntou ao outro: “O que você tem feito desde a guerra?”. “Ah, nos últimos sessenta anos, acabei sendo vendedor.” Aqueles quarenta minutos surgiram para definir a vida deles porque a mortalidade se balançava diante deles o tempo todo. Na batalha, forjaram um laço profundo. Além dela, a vida desse homem poderia ser resumida em uma única frase: ele foi só um vendedor. Você descobre uma profundidade indescritível em si mesmo quando percebe sua natureza mortal. Se não percebeu sua natureza eterna, deve pelo menos perceber sua natureza mortal. A morte não é o fim da vida. A morte é apenas o fim do corpo. Se você viveu com uma identificação muito profunda com o físico, lutará mais com a morte, porque ela marca o fim do corpo. Só quando você confronta sua mortalidade – o potencial mas inevitável término de sua forma física – o anseio de ir além se torna genuíno. ■ Mente Milagre ou bagunça? Era uma vez um homem que desejava adquirir poderes sobrenaturais. Ele foi de um guru para o outro, desesperado em busca de orientação. Finalmente encontrou o caminho para um eremitério remoto no inóspito Himalaia. O guru do ashram previu o objetivo de sua busca e tentou dissuadi-lo. “O que você fará com esses poderes? E daí se você aprender a caminhar sobre a água? Após três dias, um barco será melhor! Não desperdice sua vida nessas buscas irrelevantes. Em vez disso, me deixe lhe ensinar a meditação.” O mestre fez muitas tentativas para dissuadi-lo, mas o homem era inflexível. O guru finalmente disse: “Bem, se você é tão determinado, dê um mergulho no rio amanhã de manhã às 4 horas e venha até mim. Eu o iniciarei nos segredos do sobrenatural”. O homem ficou animado. Deu um mergulho antes do amanhecer em um rio gelado do Himalaia, ficou meio azulado e se sentou com expectativa diante do mestre. O guru disse: “Veja, é muito simples. Tenho um mantra secreto. Se você o pronunciar três vezes nos próximos quarenta dias, todos os poderes sobrenaturais serão seus”. Ele então revelou o mantra: Asatoma sadgamaya. “Da ignorância, conduza-me à verdade.” O guru disse: “Você tem que repetir esse mantra sagrado três vezes por dia nos próximos quarenta dias, e todo o reino do sobrenatural será seu. Mas, ao proferir o mantra, só não pense em macacos”. O homem estava incrédulo com a simplicidade da prática. “Só isso?”, perguntou alegremente. “Posso ir embora agora?” O guru respondeu: “Com certeza. Por favor, vá e retorne em quarenta dias”. O homem saiu em um estado de grande entusiasmo. O tolo do guru revelou todos os seus segredos para mim sem sequer cobrar por isso!, pensou. E está me dizendo para não pensar em macacos. Por que eu pensaria em macacos? Que ridículo! Então ele desceu a encosta da montanha e alcançou as margens do rio Ganga. Deu um mergulho no rio sagrado e se sentou para começar a prática. Mas assim que pronunciou a palavra asatoma – macacos! Cada vez que um macaco aparecia em sua cabeça, ele dava outro mergulho no rio. Tentou o mantra em várias posturas do yoga. No entanto, cada vez que pronunciava a primeira sílaba, macacos apareciam. Em hordas. Em uma semana de prática intensa, não havia mais necessidade de um mantra. Era um universo cheio de macacos – um pesadelo símio. Atormentado pelos incontáveis macacos, incapaz de fazer qualquer coisa, o homem voltou ao guru e disse: “Eu não quero seus malditos poderes sobrenaturais. Livre-me primeiro destes macacos!”. Se você disser a si mesmo que não quer pensar em uma coisa, essa é precisamente a primeira coisa que sua mente produzirá! Essa é a natureza da mente humana. Recentemente, foram conduzidas muitas pesquisas científicas sobre a atividade cerebral. Se você observar como os neurônios disparam no cérebro, há uma grande coesão nessa atividade. É essa coesão que se traduz no funcionamento eficiente do corpo. Um bilhão de atividades sofisticadas estão sendo realizadas em seu corpo neste momento por causa da dança altamente coordenada e complexa dos neurônios. Mas na maioria das pessoas a mente infelizmente se tornou um circo. Um circo é na verdade uma atividade muito coordenada, deliberadamente realizada para parecer uma bagunça. Até o palhaço do circo é ginasta. Pode atuar como o bufão, mas é extremamente talentoso e hábil no que faz. A metáfora do palhaço resume a experiência da maioria das pessoas quando se trata de sua atividade mental. Como a mente, essa incrível ginasta, tornou-se um palhaço? Como se transformou de uma fonte de magia em uma bagunça? Por que esse milagroso instrumento transformou-se em uma máquina de produzir miséria? Como observado anteriormente, todoser humano está essencialmente buscando satisfação, interna e externamente. Quando se trata do exterior, há um milhão de ingredientes, e ninguém tem completo domínio sobre eles. No entanto, quando se trata da situação interior, há apenas um ingrediente: você. Você pode ser o único arquiteto e criador de sua vida interior. Mas não sabe como. Essa é a dificuldade. Se estivesse no comando, com certeza não produziria miséria para si mesmo. Uma liberdade fundamental que você tem é pensar o que quiser. O que, então, o impede de ter pensamentos agradáveis? O problema é apenas este: o fato de que sua mente não está recebendo suas instruções. Imagine um homem das cavernas do Paleolítico socando um teclado de computador. O que surgirá na tela parecerá uma série de obscenidades! O sistema do yoga é uma tecnologia para criar uma distinção entre você e sua mente. Há um espaço entre você e o que você reuniu em termos de corpo e mente. Tornar-se consciente desse espaço é seu primeiro e único passo para a liberdade. É o conteúdo fisiológico e psicológico acumulado que causa os padrões cíclicos em sua vida, e até mesmo além dela. Se puder estar constantemente consciente dessa distância entre você e o corpo-mente, terá aberto uma dimensão de possibilidade ilimitada. Há apenas duas formas de sofrimento neste mundo: física e mental. Uma vez que essa distância se tornar um fator constante em sua experiência, você chegará ao fim do sofrimento. Com a eliminação do medo do sofrimento, você pode caminhar pela vida a passos largos, sem medo de explorar tudo que ela tem a oferecer. Sua capacidade de usar esse imensamente sofisticado fenômeno corpo-mente pode ser elevada a uma nova dimensão de experiência e de utilidade, na medida em que você esteja fora delas. Soa paradoxal, mas é verdade. Conforme a experiência do espaço cresce, a mente não é mais uma bagunça. É uma ótima sinfonia, uma enorme possibilidade que pode levá-lo às alturas. O yoga é uma jornada em direção a uma realidade em que você experimenta a natureza suprema da existência como unidade ilimitada. Essa experiência só é possível se você mantiver esse espaço entre você e seu corpo-mente. É importante lembrar que essa unidade ilimitada é uma experiência, não uma ideia, uma filosofia ou um conceito. Se você assegura a unicidade do Universo como uma teoria intelectual, isso pode fazê-lo popular em um jantar ou ganhar aplausos em um seminário. Pode até fazê-lo ganhar um prêmio Nobel. Mas não serve para nenhum outro propósito. Agora, a experiência da unidade ilimitada pode levá-lo a outra dimensão – uma dimensão de amor e júbilo, uma dimensão muito além da cerebral. Pode, na verdade, ser prejudicial a um indivíduo ver tudo como um, intelectualmente. Muitas vezes, as pessoas professam todo tipo de teoria filosófica sofisticada sobre se tornar um com o cosmos, sobre amar o mundo inteiro, até que a vida lhes ensine uma boa lição. Quando se trata de dinheiro, o limite entre o eu e o outro é bastante claro. Nesses momentos, não há chance de você e eu sermos um! Uma vez, Shankaran Pillai foi a uma aula de Vedanta (uma escola de metafísica indiana que fala da não dualidade do eu e do divino). O professor, um filósofo erudito, estava em plena atividade: “Você não é apenas isto ou aquilo; você está em todos os lugares. Não há nada ‘seu’ e ‘meu’; tudo é você, tudo é seu. Em essência, tudo é um. O que você vê, ouve, cheira, saboreia, toca não é realidade; é tudo maya, tudo ilusão”. Essa imbatível retórica Vedanta zumbia na cabeça de Shankaran Pillai. Ele foi para casa e dormiu pensando naquilo. De manhã, acordou totalmente desperto. Geralmente adorava dormir, mas, por causa do Vedanta, pulou da cama. Os primeiros pensamentos em sua mente foram: “Não há nada que não seja meu. Tudo é meu; tudo sou eu. Tudo que há neste mundo sou eu e tudo é maya”. Não importa a filosofia, a fome surge em intervalos regulares. Então Shankaran Pillai foi ao seu restaurante favorito, pediu um bom café da manhã e o devorou, dizendo a si mesmo: “A comida sou eu; quem a serve também sou eu; quem a come também sou eu”. Vedanta! Ele terminou o café da manhã. Uma vez que se encontrava em um estado muito elevado de Vedanta, questões mundanas como pagar a conta não lhe ocorriam. Ele se levantou e se dirigiu à saída. Quando tudo é seu, como pode haver uma conta? Ao passar pelo balcão do caixa, o proprietário virou-se para cuidar de alguma outra tarefa. Shankaran Pillai viu uma enorme pilha de dinheiro no caixa. Imediatamente, Vedanta lhe disse: “Tudo é seu; você não pode diferenciar entre isto e aquilo”. Então, como seus bolsos estavam vazios, ele colocou a mão no caixa, pegou um pouco de dinheiro, o enfiou no bolso e saiu do restaurante. Não pretendia roubar ninguém; estava apenas praticando Vedanta. De repente, algumas pessoas do restaurante correram e o seguraram. Shankaran Pillai disse: “Quem você está tentando segurar? Você é aquele que segura e o que é segurado; o que você segura é você; aquele que segura também é você. Quando não há o você e o eu, a quem posso pagar?”. O proprietário estava confuso! Só uma coisa era clara: “Meu dinheiro está no seu bolso”. Mas ali estava Shankaran Pillai dizendo: “Aquele que segura também sou eu, e o que é segurado também sou eu”. O proprietário não sabia como lidar com esse tipo de cliente. Sem saber o que fazer, levou Shankaran Pillai ao tribunal. Lá, Shankaran Pillai continuou seu Vedanta. O juiz tentou fazê-lo entender de várias formas que ele havia cometido um roubo, mas foi em vão. Então desistiu e disse: “Tudo bem, 10 chicotadas no traseiro”. Primeira chicotada… Shankaran Pillai gritou. O juiz disse: “Não se preocupe. De qualquer forma é tudo maya. Não há dor e prazer. Tudo é maya”. Segunda chicotada… Shankaran Pillai berrou: “Chega!”. O juiz falou: “Aquele que chicoteia é você, aquele que é chicoteado também é você”. Terceira chicotada… Shankaran Pillai urrou: “Pare, pare!”. “Não há isso de começar e parar. É tudo maya.” Foi assim até chegar às dez chicotadas. Mas, antes que elas terminassem, o Vedanta havia sido eliminado de Shankaran Pillai. Uma compreensão intelectual que não é apoiada pelo conhecimento experiencial pode levar a jogos mentais e estados enganosos. Mas se a unicidade torna-se uma realidade experiencial, não produzirá uma ação imatura. Produzirá uma enorme experiência de vida que o deixará transformado para sempre. A universalidade não é uma ideia; é uma verdade existencial. A individualidade é que é uma ideia. O yoga é simplesmente chitta vritti nirodha. Significa que, se a atividade de sua mente cessar e você ainda estiver alerta, você está no yoga. Mas não tente parar a atividade mental à força porque você enlouquecerá. Em sua mente, todos os três pedais são aceleradores; não há freio nem embreagem. Já percebeu? Seja qual for o pedal em que pisar, a mente só aumenta a velocidade. Mas se não prestar atenção nisso, os pensamentos diminuirão lentamente, deixando-o em um silêncio rico e vibrante. Sadhana Pelo menos a cada hora, lembre-se de que tudo o que você está carregando – sua bolsa, seu dinheiro, seus relacionamentos, o peso em seu coração e corpo – são coisas que você acumulou durante um tempo. Se você se torna cada vez mais consciente desse fato fundamental, mesmo quando um processo de desidentificação se desenvolve dentro de você – equilibrado por um profundo senso de envolvimento em tudo ao seu redor –, você passará da tristeza e loucura da mente humana à meditação. Pensando-se fora da vida É só porque você existe que pode gerar um pensamento. Mas seu processo de pensamento se tornou tão compulsivo que seu foco mudou do existencial para o psicológico. Isso aconteceu de tal forma que você começou a acreditar que existe porque pensa! As bases da filosofia ocidental repousam, na verdade, no famoso axioma do filósofo francês do século XVII René Descartes: “Penso, logo existo”.É hora de reafirmar um fato fundamental: você é, logo você pode pensar. Isso não tem nada a ver com qualquer filosofia, oriental ou ocidental. É uma simples realidade existencial. Você pode “ser” e ainda optar por pensar ou não. Os momentos mais bonitos da sua vida – que você pode considerar momentos de estado de graça, alegria, êxtase ou profunda paz – foram aqueles em que você não estava pensando em absolutamente nada. Estava apenas sendo. Mesmo sem seus pensamentos, a existência é. O que são realmente os pensamentos? Apenas informações que você coletou e reciclou. Você realmente consegue pensar em algo diferente do que foi acumulado por sua mente? Tudo que a mente humana está fazendo é reciclar dados antigos. Então, eu lhe pergunto: “Você quer ser um ser vivo ou um ser pensante?”. Em 90% do tempo, você está apenas pensando na vida, não a vivendo. Você veio a este mundo para experimentar a vida ou para pensar sobre ela? Seu processo mental é um acontecimento muito pequeno comparado ao processo da vida, mas agora se tornou muito mais importante. É hora de a humanidade voltar a importância para o processo da vida. A necessidade é urgente. Nossa vida depende disso. Uma vez – isso é quase certamente uma história apócrifa, mas não importa; parece verdadeira –, Aristóteles, o pai da lógica moderna, o gigante intelectual da Grécia Antiga, caminhava na praia. Um glorioso pôr do sol estava diante dele, mas ele não tinha tempo para essas ocorrências insignificantes. Estava pensando seriamente sobre algum grande problema existencial. Para a mente intelectual, a existência é sempre um problema, e Aristóteles estava disposto a resolvê-lo. Perdido em solene pensamento, andava de um lado para o outro na areia. Havia outro homem na praia que fazia algo com muita intensidade – com tanta intensidade que, depois de um tempo, até Aristóteles o notou. Aqueles que estão imersos nas próprias realidades psicológicas geralmente acabam ignorando a vida ao redor. Raramente voltam os olhos para observar uma flor, um pôr do sol, uma criança ou um rosto sorridente. E, se é um rosto impassível, não estão propensos a fazê-lo sorrir; não têm esses pequenos deveres ou cuidados secundários com o mundo! Estão muito ocupados decifrando os grandes enigmas da existência. Mas a intensidade desse homem era tamanha que nem mesmo Aristóteles poderia ignorá-lo. Observando atentamente, notou que o homem continuava indo ao mar e voltando, com muita obstinação. Aristóteles fez uma pausa em suas reflexões para perguntar: “O que exatamente você está fazendo?”. O homem respondeu: “Por favor, não me perturbe, estou fazendo algo muito importante”. Ele continuou o trabalho com furiosa intensidade. A curiosidade de Aristóteles foi despertada. Ele perguntou novamente: “Mas o que você está fazendo?”. O homem voltou a dizer: “Não me perturbe. É muito importante”. Aristóteles disse: “O que é essa coisa importante?”. O homem lhe mostrou um buraquinho que havia cavado na areia e disse: “Estou colocando o oceano para dentro deste buraco”. Ele tinha uma colher na mão. Aristóteles olhou para aquilo e riu. Ora, Aristóteles é o tipo de pessoa que pode passar um ano inteiro sem uma única risada. É preciso um coração para rir. O intelecto não consegue rir; só consegue dissecar. Mas mesmo Aristóteles riu e disse: “Isso é ridículo! Você deve estar louco. Sabe quanto esse oceano é vasto? Como pode colocar o oceano neste pequeno buraco? E, além de tudo, com uma colher? Se pelo menos tivesse um balde, poderia ter alguma chance! Por favor, desista. Isso é uma completa loucura”. O homem olhou para Aristóteles, jogou a colher no chão e disse: “Meu trabalho já está feito”. Aristóteles perguntou: “O que você quer dizer? O oceano não está vazio nem o buraco está cheio. Como seu trabalho está feito?”. O homem levantou-se e falou: “Estou tentando colocar o oceano neste buraco com uma colher de sopa. Você está me dizendo que é loucura. Mas o que você está tentando fazer? Sabe quanto essa existência é vasta? Pode conter 1 bilhão de oceanos como este e muito mais, e você está tentando colocá-la no pequeno buraco da sua cabeça – e com o quê? Com colheres chamadas pensamentos! Por favor, desista. É totalmente ridículo”. O homem era Heráclito, outro grande filósofo grego. Num piscar de olhos, ele mostrou a Aristóteles que ele estava conduzindo uma existência mutilada ao tentar estender a lógica a cada aspecto da vida. Se você quer conhecer as dimensões experienciais da vida, nunca as conhecerá com o insignificante processo de pensamento. Mesmo que tenha o cérebro de um Einstein, seu processo de pensamento ainda é ultrapassado, porque o pensamento não pode ser maior do que a vida. O pensamento só pode ser lógico, funcionando entre duas polaridades. Se você quer conhecer a vida em sua imensidão, precisa de algo mais do que o intelecto. Esta é a escolha fundamental que você tem: ou aprende a viver com a criação ou fabrica a própria criação na cabeça. Que opção você quer exercitar? O planeta está girando pontualmente: isso não é um evento pequeno. Todas as galáxias estão bem; todo o Cosmos está indo muito bem. Mas você tem um pequeno pensamento desagradável rastejando em sua cabeça, então é um dia ruim! O problema é que você está vivendo em um espaço psicológico que não tem qualquer conexão com a realidade. E você está inseguro, porque pode entrar em colapso a qualquer momento. Na vastidão e grandeza do espaço cósmico, se você olhar para si mesmo em perspectiva, é menos do que uma partícula de poeira. Mas você acha que seu pensamento – que é menos do que uma partícula dentro de você – deveria determinar a natureza da existência! Você perdeu sua perspectiva de vida: esse é o problema básico. Você já ouviu falar do “Buda”. Seu nome era Sidarta Gautama, e ele se tornou um Buda. Mas Gautama não foi o único Buda. Um ser humano que transcendeu seu intelecto, as dimensões discriminatórias e lógicas de sua vida, é um Buda. Os seres humanos inventaram milhões de formas de sofrer. Para tudo isso, a unidade produtora está apenas em sua mente. Quando você não está mais identificado com a mente, está livre para experimentar a vida além das limitações. Ser um Buda significa que você se tornou uma testemunha do próprio intelecto. A essência do yoga, como dissemos, é exatamente isso – chegar àquele momento em que há um espaço claro entre você e sua mente. Quando isso acontece, uma vida de maior clareza, percepção e liberdade começa. Este é o nascimento da liberdade. LIMITES DA LÓGICA Sem pensamento lógico, você não conseguiria sobreviver neste planeta. Mas, ao mesmo tempo, lógica demais é suicídio. Digamos que você acorde amanhã de manhã e comece a pensar apenas de forma lógica. Não pense no nascer do sol, nos pássaros no céu, no rosto do seu filho, nas flores que desabrocham em seu jardim. Apenas pense logicamente. Agora, você tem que se levantar, ir ao banheiro, escovar os dentes, comer, trabalhar, comer, trabalhar, comer e dormir. No dia seguinte de manhã, faz a mesma coisa. Pelos próximos trinta, quarenta ou cinquenta anos, você terá que fazer a mesma coisa. Se você só pensa de forma lógica, não há razão para estar vivo! Um dia, em Nova York, um homem estava caminhando para casa, voltando tarde do trabalho. De repente teve uma ideia romântica. Foi ao florista, comprou um buquê enorme de rosas vermelhas, foi para casa e bateu na porta. A esposa abriu. Ela olhou para ele e começou a gritar. “Hoje foi um dia horrível. A torneira está vazando, o porão está inundado, as crianças fizeram guerra de comida e tive que limpar tudo, o cachorro ficou doente, minha mãe não está bem, e você tem coragem de voltar para casa bêbado!” Então, se você pensa totalmente de forma lógica, realmente não há possibilidade de vida! Momentos de extrema lógica são momentos de suicídio. Apenas se você souber quando a lógica deve ser usada, e quando é necessário iralém dela sua vida será bela. ■ Sadhana Você poderia tentar esta prática simples. Ajuste sua torneira de forma que apenas de cinco a dez gotas caiam por minuto. Veja se consegue observar cada gota – como se forma, como cai, como borrifa o chão. Faça isso de quinze a vinte minutos por dia. Gradualmente, você se tornará consciente de muitas coisas ao seu redor e dentro de você das quais agora está completamente inconsciente. Esse simples exercício pode iniciar um processo de sensibilização e clareza e realizar muito mais do que você pode imaginar. Nesse simples processo, você está realmente explorando uma ramificação do yoga chamada dharana, que significa “aquilo que flui”. Não é à água que estamos nos referindo aqui. É a sua atenção e, por sua vez, a sua consciência. A tentativa é de fazer com que sua atenção flua e se conecte com seu objeto – nesse caso, a água. Esse não é um exercício de observação ou apreciação. É um exercício de atenção – transformar o que é esporádico e intermitente em um fluxo. (No esquema maior das coisas, a água e você já são um. Sua individualidade é apenas uma ideia sua.) A poeira da identidade O intelecto é como um bisturi. Sua função é fatiar a realidade e possibilitar que você diferencie uma coisa da outra. Se uma faca tiver que cortar alguma coisa sem esforço, é importante que a substância que cortará não grude nela. Uma faca pegajosa é obviamente um instrumento ineficaz. Suponha que hoje você use uma faca para cortar um bolo; amanhã você corta carne e depois de amanhã corta frutas. Se todos esses resíduos ficassem na faca, ela se tornaria um instrumento inútil. Você provavelmente já experimentou isso: se cortar mangas ou maçãs depois de cortar uma cebola, tudo fica com gosto de cebola! Essa faca se torna mais um obstáculo do que uma ajuda. Em outras palavras, quando seu intelecto se identifica com alguma coisa, fica acorrentado às identificações e o deixa com uma experiência completamente distorcida do mundo. Aconteceu uma vez, na infância, por razões políticas, que o grande imperador Akbar foi separado de sua mãe. Outra mulher que havia tido um filho foi levada para alimentá-lo. Essa mulher amamentou Akbar, e mais tarde lhe foi oferecida uma recompensa por seus serviços. O filho dela, que ainda era uma criança, pouco mais velho que Akbar, recebeu algumas aldeias e se tornou um pequeno governante. Muitos anos depois, Akbar foi coroado imperador. Mas esse menino, a quem faltou a inteligência e a capacidade exigidas de um governante, desperdiçou todos os seus recursos, perdeu tudo que lhe foi dado e empobreceu. Um dia, quando tinha cerca de 32 anos, uma grande ideia lhe ocorreu. Ele pensou: Como o imperador e eu tomamos o leite da mesma mãe, somos irmãos. E, como nasci primeiro, sou o irmão mais velho! Com a ideia plantada em sua cabeça, foi até Akbar e contou a história. “Veja, somos irmãos, e sou mais velho do que você. Mas olhe para o meu estado lastimável: sou pobre, você é um imperador! Como você pode me deixar assim?” Akbar ficou profundamente comovido. Ele lhe deu as boas-vindas, o instalou no palácio e o tratou como um rei. O homem não estava acostumado aos hábitos da corte e cometeu muitas gafes idiotas. Mas o generoso Akbar continuava dizendo: “Ele é meu irmão mais velho. Bebemos o leite da mesma mãe”. E o apresentou a todos como seu irmão mais velho. As coisas seguiram assim por algum tempo. Então chegou a hora de o homem retornar à sua aldeia para algum trabalho. Akbar disse: “Meu irmão, você perdeu aquelas aldeias que lhe foram dadas. Eu lhe darei cinco novas aldeias para governar – um pequeno reino seu”. O homem disse: “Mas vejo que você se tornou bem- sucedido porque há muitas pessoas inteligentes ao seu redor. Não tenho ninguém para me aconselhar, e é por isso que estou perdido. Se eu tivesse bons conselheiros e ministros, também teria construído um grande império. Além disso, você tem Birbal! Ele é tão inteligente. Se eu tivesse alguém como ele, também seria um grande imperador”. O generoso Akbar disse: “Se quiser, pode levar Birbal com você”. Ele convocou Birbal e lhe ordenou: “Você deve ir com meu irmão mais velho”. Birbal disse: “Sua Alteza, seu irmão mais velho merece alguém melhor do que eu. Por que não meu irmão mais velho? Eu poderia enviá-lo”. Akbar achou que era uma ótima ideia, porque não lhe agradava a possibilidade de perder Birbal. Animado, falou: “Convoque-o imediatamente”. No dia seguinte, esse homem deveria partir para seu novo reino, e uma grande despedida foi organizada na corte. Houve um clima de expectativa no ar, enquanto todos esperavam que Birbal chegasse com o irmão mais velho. Finalmente, Birbal entrou com um touro a reboque. “O que é isso?”, perguntou Akbar. Birbal disse: “Este é meu irmão mais velho”. Akbar ficou furioso. “Você está tentando insultar a mim e a meu irmão?” “Não, meu senhor”, disse Birbal. “Ele é meu irmão mais velho. Nós dois bebemos o leite da mesma mãe.” Uma vez que seu intelecto – ou buddhi, como é denominado na taxonomia yogi – se identifica com alguma coisa, você funciona dentro do reino dessa identidade. Com o que quer que você se identifique, todos os seus pensamentos e emoções surgem dessa identidade. Neste momento, suponha que se identifique como um homem, todos os seus pensamentos e emoções fluem dessa identificação. Se você se identificar com sua nacionalidade ou religião, eles fluirão dessas identificações. Quaisquer que sejam seus pensamentos e emoções, essas identificações são um nível de preconceito. Na verdade, sua mente em si é um tipo de preconceito. Por quê? Porque funciona com dados limitados e é conduzida por um intelecto essencialmente discriminatório. Assim, sua mente, que deveria ter sido uma escada para o divino, está tropeçando na infinita mediocridade e, em algumas ocasiões, se torna uma escada para o inferno. A identidade em torno da qual o intelecto funciona é chamada ahankara. Para continuar com a analogia anterior da faca, a mão que empunha a faca é a identidade. Ou, em outras palavras, é a sua identidade que gerencia e determina seu intelecto. Quando você usa uma faca, é importante não apenas ter uma lâmina afiada, mas uma mão estável para segurá-la. Sem a mão estável, você pode acabar se cortando 1 milhão de vezes. A maioria dos seres humanos que sofrem não o faz por situações externas. O que lhes é infligido do exterior é mínimo; o resto é tudo autoajuda! Uma vez que você se identifica com algo que não é, a mente se torna um trem expresso que não pode ser parado. Se você a colocar a pleno vapor e quiser pisar nos freios, não funcionará. Mas, se for capaz de se desvencilhar de tudo que não é – se você se desidentificar, digamos assim –, verá que a mente fica em branco e vazia. Quando você quiser usá-la, poderá; em outros momentos, estará simplesmente vazia, destituída de toda a confusão psicológica. É assim que deve ser. Mas, agora, você está se identificando com muitos rótulos e, ao mesmo tempo, tentando parar sua mente: isso simplesmente não funcionará. Independentemente do que você pensa que é, quando a morte o confronta, toda identificação desaparece. Se os seres humanos aprendessem a abandoná-las voluntariamente, a vida seria bem-aventurado. Se não sobrecarregar o seu intelecto com quaisquer identificações – corpo, gênero, família, qualificações, sociedade, raça, casta, credo, comunidade, nação, até mesmo espécie –, você viajará naturalmente em direção a sua natureza suprema. Se sobrecarregar, a morte demolirá tudo de qualquer forma. Não tenha dúvidas quanto a isso! Se você usa sua inteligência e tenta alcançar sua natureza suprema, isso é chamado de gnana yoga, ou yoga do conhecimento. Os yogis do gnana não podem se identificar com nada. Se o fizerem, é o fim de sua jornada. Mas, infelizmente, o que aconteceu ao gnana yoga, pelo menos na Índia, é que seus defensores nutrem várias crenças. “Sou a Alma Universal,o Absoluto, o Ser Supremo” – eles sabem tudo, desde o arranjo do Cosmos até a forma e o tamanho da alma! Leram tudo isso em um livro. Isso não é gnana yoga. Qualquer informação que você tenha sobre o que não é uma experiência viva para você é irrelevante. Talvez seja uma sagrada irrelevância, mas isso não o liberta; só o enreda! Certo dia, um touro pastava em um campo. Ele entrou nas profundezas da floresta e, depois de semanas de pastagem na relva exuberante, ficou belo e gordo. Um leão, que já não estava em seu auge e tinha dificuldade em caçar sua presa, viu o belo touro gordo, lançou-se sobre ele, o matou e o comeu. Seu estômago ficou cheio. Então, com grande satisfação, ele rugiu. Alguns caçadores estavam passando. Ouviram o rugido, rastrearam o leão e o mataram com um tiro. Moral da história: quando estiver se sentindo o melhor, não abra a boca. Muito poucas pessoas têm o intelecto necessário para buscar de modo integral o gnana yoga. A maioria precisa de enorme preparação. Há todo um processo do yoga para tornar seu intelecto tão afiado que não se apega a nada. Mas é muito demorado, pois a mente é um cliente complicado; consegue criar 1 milhão de ilusões. O gnana yoga como parte de sua busca espiritual é uma proposta viável; como um caminho exclusivo, é para poucas e raras pessoas. Sadhana Apenas se sente sozinho por uma hora. Sem leitura, televisão, telefone, comunicação, nada. Basta ver ao longo dessa hora quais pensamentos dominam sua mente – sejam comida, sexo, seu carro, sua mobília, suas joias ou qualquer outra coisa. Se você se pega pensando repetidamente sobre pessoas ou coisas, sua identificação é essencialmente com seu corpo. Se seus pensamentos são sobre o que gostaria de fazer no mundo, sua identificação é essencialmente com sua mente. Todo o resto é só um conjunto complexo de ramificações desses dois aspectos. Isso não é um julgamento de valor. É apenas uma forma de saber em que estágio da vida você está. A rapidez com que você quer evoluir depende de suas próprias escolhas. Mergulhe o intelecto na consciência No sistema de classificação do yoga, a mente tem 16 dimensões que se dividem em quatro categorias. Há a dimensão de discernimento, ou discriminatória, da mente ou do intelecto (buddhi); a dimensão acumulativa da mente, ou memória (manas), que reúne informações; e o que é chamado de consciência (chitta), que está além do intelecto e da memória. A quarta dimensão, ahankara, discutimos anteriormente – o aspecto da mente do qual você obtém seu senso de identidade. A primeira dimensão – o intelecto, buddhi – é crucial para sua sobrevivência. Você consegue discernir uma pessoa de uma árvore apenas porque seu intelecto é funcional. Você sabe que deve passar pela porta, e não através da parede, porque seu intelecto é funcional. Sem essa dimensão de discernimento, você não saberia como sobreviver neste planeta. Em níveis mais complexos e sofisticados, o intelecto contribuiu imensamente para a cultura e a civilização humanas. No entanto, o problema de nossa época é que o intelecto assumiu um papel desproporcionalmente importante. A educação moderna encorajou um desenvolvimento completamente desequilibrado desse aspecto da mente. A essência do intelecto é dividir. Então a humanidade embarcou em uma jornada de divisão, discriminação e dissecação global. Dividimos tudo. Até o átomo invisível foi dividido. Uma vez que você liberta o intelecto, ele divide tudo que encontra; não permite que você esteja com nada em sua integridade. Embora seja um instrumento maravilhoso para a sobrevivência, é também uma terrível barreira que se coloca entre você e sua experiência da unicidade da vida. Como lidamos com esse problema? O yoga nos oferece um caminho. Em nossos tempos, não é apenas uma estratégia útil; talvez seja nossa única oportunidade de reverter uma jornada que parece estar nos levando de cabeça à autodestruição. O intelecto está se tornando uma barreira porque você o mantém constantemente mergulhado na parte acumulativa da mente – sua memória, manas. Examine-a por si mesmo. Você descobrirá que todo pensamento que surge na mente tem suas raízes nos dados que você já acumulou. Os dados podem ser reunidos consciente ou inconscientemente. De qualquer forma, significa basicamente que seu intelecto está de modo perpétuo imerso no passado. Nesse estado, nada de novo é possível agora. Assim, o intelecto perde sua vantagem e se torna uma armadilha. Simplificando, a parte acumulativa da mente é só a lixeira da sociedade. Apenas um monte de impressões que você recolheu de fora. Qualquer pessoa que você encontra enfia algo em sua mente e segue em frente: seus pais, professores, amigos, inimigos, pregadores, o âncora do noticiário da TV, praticamente todo mundo. Você não pode escolher de quem absorver e de quem não absorver. Quando você diz “não gosto dessa pessoa”, muitas vezes acaba absorvendo muito mais dela do que de qualquer outra pessoa! Você tem a capacidade de processar as informações que recebe, mas isso é tudo. O poderoso intelecto foi reduzido à capacidade de simplesmente reciclar o lixo que você pegou. A “ataques-relâmpago” das informações que sua mente recebe diariamente entra em você somente pelos cinco órgãos dos sentidos. Como vimos anteriormente, eles sempre percebem tudo apenas em comparação. E quando há comparação, há dualidade. Suponha que eu lhe mostrasse minha mão. Enquanto você consegue ver um lado, não consegue ver o outro. Se eu fosse mostrar o outro lado, você não conseguiria perceber o primeiro. A percepção humana por meio dos órgãos dos sentidos é sempre fragmentada. Pode lhe dar uma ilusão de completude, mas nunca pode compreender o todo. Quando você mantém o intelecto mergulhado nessa dimensão limitada, fragmentada e acumulativa da mente, tira conclusões completamente distorcidas sobre a vida. Quanto mais as pessoas ficam absortas no pensamento, mais infelizes se tornam. É lamentável. Mas deixe-me ser claro: o pensamento em si não é um problema. As pessoas que pensam com clareza devem ser alegres. Infelizmente há muitas pessoas que, quanto mais pensam, mais incapazes de sorrir se tornam! O problema é que sua faculdade de discernimento foi escravizada pelas limitações de sua percepção sensorial. Mas o mesmo intelecto pode ser aguçado se você permitir que ele mergulhe no outro aspecto de sua mente – sua consciência, chitta. Se quiser alcançar sua natureza suprema por meio da mente, você precisa tornar o intelecto verdadeiramente discriminatório, no sentido extremo. Isso não significa dividir tudo entre bom e ruim, certo e errado, alto e baixo, céu e inferno, sagrado e profano. Em vez disso, tudo que é necessário é aprender a discernir o real do ilusório, o que é existencialmente verdadeiro do que é psicologicamente verdadeiro. Se você mergulhar o intelecto em sua consciência, a dimensão de discernimento da sua mente pode se transformar em uma ferramenta milagrosa de libertação. Pode se tornar afiada como navalha, separar o que é verdadeiro e falso, e entregá-lo a uma dimensão completamente diferente da vida. Aprenda a colocar o intelecto no revestimento de sua consciência, e não no saco de memória e identificação. Quando o fizer, esse fantástico instrumento pode abrir caminho sem esforço em direção ao supremo. Sadhana Se você anda conscientemente em uma corda bamba, não tem escolha a não ser ficar atento. Se seu intelecto está constantemente escolhendo entre o bem e o mal, ele se tornou um intelecto preconceituoso. E enquanto estiver ocupado separando o mundo em bom e mau, definitivamente cairá da corda bamba. Não pense na corda bamba de forma literal. Você poderia simplesmente tentar levar certa precisão aos movimentos físicos do corpo. (Se tiver uma prática do hatha yoga, isso deve acontecer de qualquer forma.) Por exemplo, se você vir uma linha reta no chão, tente caminhar em perfeito alinhamento com ela,mantendo um passo tranquilo. Não se trata de se tornar autoconsciente, mas de se tornar preciso ou exato. Tente isso com seu corpo e veja. Leve precisão a cada movimento, a cada gesto. Esta é uma forma de mergulhar seu intelecto em consciência. Consciência é vivacidade Afinal, o que queremos dizer com a palavra consciência? O que significa? E como podemos acessá-la? Antes de tudo, façamos uma distinção importante: consciência não é vigilância mental. O estado de vigilância mental só aumentará sua capacidade de sobreviver no mundo. É um estado de alerta, como o de um cachorro – útil para autopreservação, mas não para autocrescimento. Consciência não é algo que você faz. Consciência é o que você é. Consciência é vivacidade. A dimensão da mente que as sociedades modernas ignoraram completamente por sua própria conta e risco é a consciência, ou chitta. Essa é a inteligência que não foi maculada pela memória. Essa é a dimensão mais profunda da mente e aquela que conecta você com aquilo que é a própria base da criação. Quando você está em contato com essa dimensão, está em um estado de consciência aumentada, que lhe permite estar plenamente consciente e intoxicado ao mesmo tempo – e sem qualquer estímulo externo! Quando você aprende a acessar a chitta, ser bem- aventurado é inteiramente natural. Sono, vigília, morte – são todos apenas níveis diferentes de consciência. Suponha que você estivesse cochilando e alguém o acordasse sacudindo-o. Boom! O mundo inteiro voltaria em um instante! Isso não é pouco. Você recriaria de forma instantânea toda a existência. O mundo, que foi removido de sua experiência, ressurge. Não em sete dias – em apenas um instante. Como você sabe se o mundo existe ou não? Só por sua experiência. Não há outra prova. Então, a consciência é aquilo que pode criar ou apagar essa existência. Essa é a magia dela. Você pode aumentar sua consciência em diferentes níveis. À medida que avança cada vez mais, dimensões inteiras e novas da existência se abrem em sua experiência. Mundos que ninguém imaginou em seus sonhos mais loucos se tornam realidade para você. Quando você está dormindo, o mundo não existe porque você está em grande parte inconsciente. Mas, mesmo durante o sono, você não está completamente inconsciente. A diferença entre uma pessoa dormindo e uma pessoa morta é a consciência. Da mesma forma, entre uma pessoa acordada e uma pessoa desperta ou iluminada, há uma diferença. Uma pessoa desperta também dorme, mas conseguiu tanta consciência que parte dela permanece acordada. Os órgãos dos sentidos se desligam, o corpo descansa um pouco, mas todo o resto está ligado. Isso ocorre porque a consciência foi alcançada em outro nível. A consciência é um processo de inclusão, uma forma de acolher toda essa existência. Você não consegue fazer isso, mas pode estabelecer as condições certas para que aconteça. Não tente ficar atento. Não funcionará. Se você mantiver o corpo, o pensamento, a emoção e as energias devidamente alinhados, a consciência florescerá. Você se tornará muito mais vivo do que é agora. Quando está racionalmente em contato com sua consciência, você obtém acesso à dimensão mais sutil da fisicalidade, ou akáshica. Como vimos antes, o Universo é só um jogo de cinco elementos – água, fogo, terra, ar e éter. A criação é só uma brincadeira desses cinco. Na terminologia yogi, é ao éter que nos referimos como akash, e cada ser humano tem uma dimensão desse quinto elemento em torno de si. Enquanto os outros elementos estão dentro do corpo, a dimensão akáshica ou etérea envolve o corpo físico – geralmente a uma distância de 45 cm a 53 cm. Como esse elemento ainda é físico, carrega informações. Qualquer coisa que acontece em certo nível de intensidade ou profundidade em sua vida é inscrita neste campo de akash ao seu redor. Quando você obtém acesso consciente à sua consciência, também obtém acesso à dimensão akashic em torno do corpo, e à dimensão akashic em torno do planeta, do sistema solar e de todo o Universo. Sem qualquer instrumento tecnológico moderno, na Índia antiga e em algumas outras partes do mundo pessoas reuniram uma quantidade extraordinária de conhecimento sobre o cosmos. Tudo foi coletado por meio da dimensão chidakash, ou dimensão akashic de nossa inteligência. Quando você está em contato com sua consciência, não precisa tentar realizar nada. Não precisa nem mesmo desejar ou sonhar, porque a melhor coisa possível que pode acontecer com você acontecerá. Na tradição yogi, diz-se que, quando você aprende a acessar essa dimensão, você escravizou o divino! De agora em diante, Deus trabalha para você. O que isso significa exatamente? Significa que, quando você se distancia da compulsão das próprias informações genéticas e kármicas, a vida torna-se mais leve, flexível, incrivelmente natural. É uma dimensão além do intelecto, além da identificação, além da memória, além do julgamento, além do karma, além de divisões de todo tipo. É a inteligência da própria existência, em que a vida acontece sempre exatamente do jeito como deveria, com absoluta e inabalável facilidade. Sadhana Se você está consciente no momento da morte, estará consciente além da morte também. Comece a praticar com o sono. O sono não é nada além de uma morte temporária. Toda noite você é apresentado a uma grande possibilidade – a possibilidade de se tornar consciente da dimensão além da morte. Você pode tentar esta experiência hoje à noite. Quando passar da vigília para o sono, tente ficar consciente. Essa prática pode ser feita na cama. Se estiver consciente no último momento em que faz a transição da vigília para o sono, ficará consciente durante todo o sono. Você verá que é trabalhoso. Então, eis outra coisa que pode fazer: se está acostumado a acordar com um alarme, substitua-o por um som, uma melodia ou um cântico que o lembre de sua consciência. Você pode facilmente se treinar para fazer essa associação. Pode se tornar um alarme para sua consciência. É claro que você não consegue usar um alarme para ir dormir! Mas a questão é que, a menos que se desidentifique completamente do corpo, não é fácil passar conscientemente da vigília para o sono. Assim que acordar, veja se consegue se conscientizar de algo – de sua respiração ou seu corpo, por exemplo. Isso o ajudará mais tarde quando você quiser ir para a cama. Se conseguir acordar com consciência e passar da vigília para o sono com consciência, você será eterno. Significa que, quando se tratar de trocar de corpo, você o fará com plena consciência. Mesmo se aproximar desse momento mudará a forma como o corpo e a mente funcionam e alterará a qualidade de sua vida de modo fenomenal. Sabedoria sem pensamento Você já observou uma colmeia de perto? Não importa se estudou o nível mais avançado de engenharia, ainda há algo a aprender com uma colmeia. É um feito fabuloso de engenharia! É verdadeiramente o melhor prédio de apartamentos que você poderia imaginar, projetado e estruturado com requinte e uma incrível resiliência. Ou você já viu uma colmeia caindo de uma árvore em algum tipo de clima? Embora seja um magnífico trabalho, as abelhas têm planos de engenharia em suas cabeças? Não. Esses planos estão em seus corpos. Elas sabem exatamente o que fazer em razão de um projeto em seus sistemas. O conhecimento espiritual, ou a “sabedoria”, sempre foi transmitido dessa forma – não por pensamento ou palavra, mas do jeito como as abelhas transmitem a compreensão de como construir colmeias através das gerações. Uma vez que essa sabedoria é transmitida, ou tem seu “download” feito, por assim dizer, tudo que você precisa saber está dentro de você. Quando você faz o download de determinado tipo de software em seu computador, não precisa entender como tudo funciona. Não precisa ler cada palavra escrita no software. Você pressiona uma tecla e produz um resultado; outra tecla, outro resultado. De repente, tem umtipo diferente de fenômeno. Faço uma distinção entre conhecimento e sabedoria. Conhecimento é essencialmente informação acumulada. Toda informação é relacionada apenas à natureza física da existência. Sabedoria é uma inteligência viva. Com ou sem você, ainda é. Você está nela ou não está: essa é a única escolha que tem. Há uma inteligência intrínseca a você que, como já vimos, é capaz de transformar um pedaço de pão em um ser humano. A máquina mais sofisticada, incluindo o cérebro, foi criada por essa inteligência intrínseca. Neste momento, você está apenas tentando usar uma seção limitada do cérebro, e acha que é inteligência. Não é. Há algo dentro de você que pode criar um cérebro humano completo em toda a sua magnífica complexidade e capacidade. Esse “algo” funciona de forma totalmente diferente. Por exemplo, não penso com a cabeça, mas com cada célula do meu corpo. Isso faz com que meu pensamento seja um processo orgânico, ininterrupto e integrado. Há um nível de integridade sobre isso, porque envolve a minha inteireza. Não tenho muitos pensamentos na mente, a menos que eu escolha pensar. Nada nunca esteve fora de lugar nesta existência. As coisas só estão fora de lugar nas sociedades humanas. Entre esse pedaço da vida e aquele pedaço da vida, pode haver uma comparação. Mas, para a inteligência que está fazendo toda a vida acontecer, não há contexto, não há comparação, porque não há outro. Você não pode dizer se isso está agora no lugar ou não – está sempre no lugar. Não há outra forma de ser. E a busca do yoga é exatamente esta: passar dessa pequena cabeça cheia de informações para um cosmos de inteligência. Que escolha trágica as pessoas acabam fazendo com tanta frequência – escolhendo a finitude do cérebro humano em detrimento de um universo de sabedoria infinita. Sadhana Trabalhe apenas para remover da mente a ideia de que pensamento é inteligência. Todo o processo de criação, de um único átomo ao cosmos, é uma expressão fantástica de inteligência. Neste momento, dentro do seu próprio corpo, há uma inteligência vibrante que é a própria fonte da criação. Com o intelecto superestimado que tem, você realmente consegue entender a atividade de uma única célula em seu corpo em sua totalidade? O primeiro passo para ir da armadilha do intelecto para a etapa de uma inteligência maior é reconhecer que cada aspecto da vida – de um grão de areia a uma montanha, de uma gota a um oceano, do atômico ao cósmico – é uma manifestação de uma inteligência muito maior do que seu minúsculo intelecto. Se você der um passo, a vida começará a falar com você como nunca falou. Acreditar versus buscar Certo dia, dois irlandeses trabalhavam na rua, em frente a um bordel de Londres. Eles viram um pastor protestante vindo em sua direção. Ele dobrou o colarinho, abaixou a cabeça e entrou sorrateiramente no bordel. Os dois homens entreolharam-se e deram de ombros. Veja, o que mais você pode esperar de um protestante? Eles continuaram a trabalhar. Depois de algum tempo, um rabino apareceu. Ele tinha um cachecol em torno do pescoço, quase cobrindo o rosto. Também se esquivou para o bordel. Os homens ficaram muito magoados e balançaram tristemente a cabeça. “O que aconteceu? Estes tempos vão mal. Um religioso num bordel! Por que isso está acontecendo?” Depois de um tempo, surgiu o bispo local. Ele olhou de um lado para o outro, puxou o manto em torno de si e se enfiou no bordel. Um dos homens se virou para o outro e disse: “Uma das meninas deve estar realmente doente”. No momento em que você se identifica com firmeza, perde sua perspectiva de vida! Ideias de bem e mal e certo e errado são suas construções mentais. Não têm nada a ver com a vida como ela é. O que foi considerado moral há cem anos é intolerável hoje. O que você acha que é muito bom, seus filhos desprezam. Suas ideias de bom e ruim são apenas um nível de preconceito contra a vida. Quando se identifica com suas ideias limitadas de moralidade, você se torna completamente perverso. Seu intelecto funciona em torno dessas identificações de forma que você nunca vê o mundo como ele é. Se você quer que um elemento de espiritualidade entre em sua vida, a primeira coisa que deve fazer é abandonar essas ideias rígidas de virtude e vício e aprender a encarar a vida do jeito que é. Um dos maiores problemas no mundo hoje é que, desde a infância de uma pessoa, um sistema inflexível de moralidade foi imposto à mente. Você naturalmente se identifica com o que quer que considere bom. E naturalmente repele tudo que considera ruim. Essa atração e essa aversão são a base de toda identificação forte. A natureza de sua mente é que tudo a que você é avesso a domina. Moralistas e pregadores pedem há gerações que a humanidade evite “maus pensamentos”. Essa é uma estratégia infalível para alcançar o inverso! Agora, se você tentar resistir a esse suposto “pensamento maligno”, isso se tornará um trabalho em tempo integral. Não haverá mais nada acontecendo em sua cabeça. A ideia de superioridade moral é a fonte de atos desumanos demais para ser ignorada. É difícil conviver com a maioria das pessoas que acreditam ser virtuosas. Além disso, elas passam a maior parte da vida tentando evitar o que consideram “errado” ou “pecaminoso”. Em geral, significa que estão constantemente pensando naquilo. Evitar alguma coisa não é se libertar dela. Essa moralidade é baseada na exclusão. A espiritualidade, no entanto, nasce da inclusão. A natureza essencial de nossa humanidade foi tão suprimida e distorcida que o substituto da “moralidade” foi trazido para dar alguma ordem e sanidade à nossa vida. Isso aconteceu porque não fizemos nada para manter nossa humanidade ativa. Se sua humanidade fosse ativa, não haveria necessidade de moralidade. A moralidade sempre difere de pessoa para pessoa, de acordo com a época, o lugar, a situação – e a conveniência. Mas onde quer que a humanidade tenha encontrado sua expressão, em qualquer época da história ou em qualquer cultura do mundo, sempre foi a mesma e sempre será. Em um nível superficial, em termos de valores, moral e ética, cada um de nós pode ser diferente. Mas se você sabe como desvendar uma pessoa indo fundo o bastante para tocar essa humanidade, cada um de nós é o mesmo. Para impor a moralidade, você não precisa de qualquer envolvimento com as pessoas; só tem que compartilhar os ensinamentos: “Seja bom; fale gentilmente; se você fala com raiva, as consequências serão terríveis”, e assim por diante. Mas se você quer acender a humanidade em uma pessoa, é preciso muito mais envolvimento. Significa doar a si mesmo. A moralidade é conveniente porque ajuda a garantir a ordem social; no entanto, é capaz de causar destruição interior. Como ninguém pode viver de acordo com a moral prescrita pela maioria das religiões, a maior parte da humanidade vive em um estado de culpa perpétua, vergonha e medo. É uma existência tragicamente mutilada. A humanidade também trará ordem social, mas não requer qualquer imposição externa. Faça uma lista de todas as coisas que as principais religiões do mundo chamam de “pecado” e você descobrirá que apenas estar vivo é um pecado. Se você nasce, é um pecado; se você menstrua, é um pecado; se você copula, é um pecado. Esqueça tudo isso: mesmo que você coma apenas um chocolate, pode cometer um pecado. Como o próprio processo da vida é um pecado, você vive em eterna culpa e terror. Se as pessoas não fossem tão devastadas pelo medo e pela culpa, os templos, mesquitas e igrejas do mundo não estariam tão cheios como estão agora. Se fosse naturalmente alegre, você se sentaria na praia ou ouviria o farfalhar das folhas na árvore. Só porque as religiões lhe instilaram essa sensação de medo e vergonha, você se envergonha de sua própria biologia! Então tem que ir a algum lugar que é considerado “sagrado” para limpá-la. As pessoas sempre encontrarão formas de subverter valores, moral e ética.Mas quando você é naturalmente alegre, é naturalmente agradável com o mundo ao redor. Espiritualidade não significa se afastar da vida; significa se tornar vivo para a essência, da maneira mais completa possível. Com a idade, a agilidade física pode diminuir, mas o nível de alegria e vivacidade não precisa. Se o seu nível de alegria e vivacidade estiver diminuindo, você está cometendo suicídio aos poucos. Infelizmente, hoje todos os tipos de sistemas de crença são passados como espiritualidade. O processo espiritual é sempre uma busca. Há uma diferença significativa entre acreditar e buscar. Acreditar significa que você assumiu algo que não conhece; buscar significa que você percebeu que não sabe. Isso traz enorme flexibilidade. Quando você acredita em algo, traz certa rigidez ao próprio processo de vida que você é. Essa rigidez não é apenas em atitude; ela se infiltra em cada aspecto de sua vida e é a causa de uma enorme quantidade de sofrimento no mundo. A sociedade humana reflete a experiência interior dos seres humanos. Criar seres humanos que sejam flexíveis e estejam dispostos a olhar para tudo de uma maneira nova e sem preconceitos, em vez de ficarem presos a crenças e opiniões, definitivamente contribui para um tipo diferente de sociedade. O yoga é um método que tem funcionado maravilhosamente para mim e para milhões de pessoas. É inteiramente científico e não se origina em fé ou crença, mas em uma profunda compreensão do mecanismo humano. Também não vem de algum senso ingênuo de otimismo. A premissa é simples: se você tiver uma boa semente e criar a atmosfera certa, ela germinará. Criar a atmosfera certa do corpo e da mente é o único trabalho. Você não precisa fazer mais nada. Nenhum ensinamento de moralidade, nenhum discurso metafísico é necessário. Se sua humanidade está comovida, você é um belo ser humano. Tudo o que é considerado negativo no mundo, na verdade, brota da limitação. Uma identidade limitada que impomos a nós mesmos é o que nos coloca como “eu” versus “o outro”. É nesse espaço de divisão e separação que todo crime e toda negatividade nascem. Então, aspire pelo infinito é um seguro contra todas as tendências negativas. Como raça, a humanidade precisa libertar a vida, em vez de controlá-la. Da limitação à libertação – esse é o caminho. A árvore dos desejos Sua mente pode estar em cinco estados diferentes. Pode ser inerte, ou seja, não é ativada de forma alguma; encontra-se em um estado rudimentar. Se você energizá-la, ela se torna ativa, mas dispersa. Se energizá-la ainda mais, não está mais dispersa, mas começa a oscilar. Se energizar ainda mais, fica direcionada a um único ponto. Se energizar ainda mais, ela se tornará consciente. E se sua mente está consciente, é mágica; é um milagre; é uma ponte para o além. Mentes inertes não são um problema. Alguém que é muito simplório e cujo intelecto ainda não é efervescente não tem problemas. Ele come bem e dorme bem. Apenas pessoas que pensam demais é que não conseguem comer e dormir adequadamente! Pessoas simplórias desempenham muito melhor todas as atividades do corpo do que os chamados intelectuais do mundo. Há uma paz nelas, porque é necessária alguma inteligência para criar distúrbios e caos. Uma mente inerte está mais próxima da natureza animal do que da humana. Quando você injeta alguma energia, a mente torna-se ativa, mas muitas vezes é dispersa. Quando algumas pessoas iniciam suas práticas espirituais, podem experimentar um novo nível de efervescência com o qual talvez não consigam lidar, a menos que estejam em atmosferas favoráveis. Elas podem interpretar essa efervescência mental, impulsionada por novos níveis de energia no sistema, como distúrbio. Há uma paranoia generalizada entre as pessoas, uma tendência a temer tudo que é novo. Mas, na realidade, tudo que estão fazendo é passar da inércia para um nível mais alto de vivacidade. Quando aqueles que têm a mente muito dispersa começam práticas espirituais, alcançam um lugar no qual a mente torna-se menos difusa. Mas então ela começa a oscilar – um dia, segue dessa maneira; no outro dia, de outra. No entanto, isso é uma enorme melhoria em relação a estar disperso, quando a mente move-se o tempo todo em dez lugares diferentes. Se a mente já estava oscilando e se energizando ainda mais, então lentamente se torna concentrada em um “único ponto”. Isso é muito melhor do que o estado anterior. Mas o estado mais elevado é quando a mente torna-se consciente. Em termos de instrumentos, não são seu computador, carro ou nave espacial os mais milagrosos, mas a mente humana – se você pudesse usá-la conscientemente. A razão pela qual o sucesso surge tão calma e naturalmente para uma pessoa, e é uma batalha para outra pessoa, é essencialmente esta: uma pessoa organizou sua mente para pensar como ela quer, e a outra pensa contra os próprios interesses. Uma mente humana bem estabelecida é chamada de kalpavriksha, ou árvore dos desejos que concede algum benefício. Com essa mente, tudo que você pede se torna realidade. Tudo que você precisa fazer é desenvolvê-la até um ponto em que ela se torna uma árvore dos desejos, e não uma fonte de loucura. Uma mente que pode manifestar tudo o que escolhe é descrita no yoga como estando em estado de samyukti. Essa é uma habilidade que surge da equanimidade. Uma vez que seus pensamentos se organizarem, suas emoções também serão organizadas. Gradualmente, as energias e o corpo também se organizam na mesma direção. No entanto, a ordem em que você aborda essas dimensões pode variar, vai depender de como você se preparou. Considerando as realidades do dia, a maioria das pessoas não está preparada para nenhum sistema, a menos que antes seja intelectualmente convencida disso. Eventualmente, quando seus pensamentos, emoções, corpo e energia são canalizados em uma direção, sua capacidade de criar e manifestar o que quer é incrível. Hoje, a ciência moderna está provando que toda essa existência é apenas uma reverberação de energia, uma vibração infinita. Os pensamentos também são uma reverberação. Se você gerar um pensamento poderoso e deixá-lo sair, ele sempre se manifestará. Para que isso aconteça, é importante que você não o impeça e enfraqueça criando padrões de pensamento negativos e autodestrutivos. Geralmente as pessoas usam a fé como um meio para banir pensamentos negativos. No entanto, quando você se torna um ser humano pensante, as dúvidas invariavelmente surgem. Pela forma como sua mente é feita, se Deus aparecer aqui neste momento, você não se renderá a ele ou ela. Em vez disso, desejará conduzir uma investigação para descobrir se esse ele é genuíno ou não. Há uma alternativa à fé, que é compromisso. Se você simplesmente se compromete a criar aquilo com que se importa, então, mais uma vez, seus pensamentos se organizam de tal forma que não há obstáculos. Fluem livremente para o que você quer, e, quando isso acontece, a manifestação de seu desejo é uma consequência natural. Para criar o que você realmente quer, primeiro seu desejo deve ser bem manifestado em sua mente. É isso que você realmente quer? Pense com cuidado. Quantas vezes em sua vida você pensou: É isso, mas ao chegar lá percebeu que não era nada daquilo? Então, explore primeiro o que realmente quer. Uma vez que isso esteja claro e você esteja comprometido em criá-lo, você gera um processo contínuo de pensamento nessa direção. Quando você mantém um fluxo constante de pensamento sem mudar de direção, ele se manifestará como uma realidade em sua vida. Há processos yogis pelos quais você pode tocar outra dimensão da inteligência, não maculada pela memória, chamada chitta, que mencionamos anteriormente. A percepção do poder da chitta é chamada de chit shakti, um processo simples e poderoso pelo qual você pode acessar a própria fonte da criação dentro de si. O mito da cabeça versus coração É comum ouvir as pessoas dizerem que a cabeçaas conduz em uma direção e o coração em outra. No yoga, a base fundamental que estabelecemos é: você é uma pessoa, um ser único e unificado. Não há separação de cabeça e coração; você é um todo. Vamos primeiro entender o que está sendo chamado de “cabeça” e de “coração”. Você geralmente atribui os pensamentos à cabeça e as emoções ao coração. No entanto, se olhar com cuidado e absoluta sinceridade, perceberá que a forma como você pensa é a forma como você se sente. Mas também é verdade que a forma como você se sente é a forma como você pensa. É por isso que o yoga inclui o pensamento e a emoção como parte do mesmo manomayakosha, ou corpo mental. O que você normalmente pensa como sendo “mente” é o processo de pensamento ou intelecto. Mas, na verdade, a mente tem muitas dimensões: uma é o aspecto lógico; outra é o aspecto emocional mais profundo. Como sabemos, o intelecto é chamado de buddhi. A dimensão mais profunda da mente é convencionalmente conhecida como o coração. Mas no yoga essa mente emocional mais profunda é conhecida como manas – uma amálgama de memória que molda as emoções de um modo particular. Então, tanto a maneira como você se sente quanto a maneira como você pensa são atividades da mente. É bem simples. Se acho que você é uma pessoa maravilhosa, terei sentimentos agradáveis em relação a você. Se acho que você é uma pessoa horrível, nutrirei sentimentos desagradáveis em relação a você. Se você faz de alguém seu inimigo e depois tenta amá-lo, é um trabalho árduo. Não façamos um trabalho árduo dos aspectos simples da vida. A forma como você pensa é a forma como você se sente, mas pensamento e sentimento parecem ser diferentes em sua experiência. Por quê? Porque o pensamento tem certa clareza, certa agilidade. A emoção é mais lenta. Hoje, você acha que uma pessoa é maravilhosa e tem sentimentos calorosos em relação a ela. De repente, ela faz algo de que você não gosta, e você a acha horrível. Seu pensamento lhe diz que ela é horrível, mas seu sentimento não consegue mudar imediatamente. Ele luta. Se é terno agora, não pode se tornar amargo no momento seguinte. Leva tempo para mudar. Tem um processo mais longo. Dependendo da força de seu sentimento, talvez demore três dias, três meses ou três anos, mas, depois de algum tempo, a situação mudará. Não é útil criar esse conflito entre cabeça e coração. A emoção é apenas a parte mais suculenta do pensamento. Você pode desfrutar de sua doçura, mas é em grande parte o pensamento que leva à emoção, quer você reconheça ou não. A emoção não é totalmente estável. Sua emoção também vibra, segue esse e aquele caminho, mas é menos ágil que o pensamento. Como leva mais tempo para mudar, e sua intensidade é em geral substancialmente maior do que a do pensamento, muitas vezes parece que o pensamento e a emoção, como foi usado até aqui são diferentes. Mas não são mais separados do que a cana e seu caldo. O pensamento não é tão intenso quanto a emoção na experiência da maioria das pessoas. (Por exemplo, você normalmente não pensa com tanta intensidade quando fica zangado.) Mas se gerar um pensamento intenso o bastante, ele também pode sobrecarregá-lo. Somente 5% a 10% da população é capaz de gerar o tipo de pensamento que é tão intenso que não há necessidade de emoção. Noventa por cento da população só pode gerar emoções intensas, porque nunca fez o trabalho necessário na outra direção. Mas há pessoas cujo pensamento é muito profundo. Elas não têm muita emoção, mas são pensadoras muito profundas. É melhor não criar polaridades dentro de si mesmo. Isso dá em guerra civil e esquizofrenia. Pensamento e sentimento não são diferentes. Um é seco. O outro é suculento. Aproveite os dois. Conhecimento e devoção Na cultura yogi, há duas facetas para a palavra shi-va. A palavra significa literalmente “aquilo que não é”. Tudo que é veio daquilo “que não é”. Se você olhar para o céu, verá muitas estrelas e objetos celestes, mas ainda assim a maior presença lá em cima é um vasto vazio. É nesse nada que a dança da criação está acontecendo. Esse vazio, que é a base da criação, é chamado shi-va. Outra dimensão de Shiva é Adiyogi, o primeiro yogi, que passou a incrível ciência do yoga para a humanidade. A cultura yogi move-se ininterruptamente da invocação de shi-va como base da criação para a invocação de Shiva como o primeiro yogi. Assim, shi-va personifica-se em Shiva. É contraditório? De modo algum. Porque uma vez que o yoga, ou a união suprema, aconteceu, já não há uma distinção entre a realidade suprema e aquela que a experimentou. De acordo com essa lógica, a cultura yogi oferece dois caminhos para alcançar o estado supremo: tornar-se tudo ou tornar-se nada; o caminho de gnana, conhecimento, ou o caminho de bhakti, devoção. Se você quer experimentar o shi-va, ou a dimensão além do físico, ou você chega a um acordo com as leis que governam o reino não físico ou se dissolve nessa dimensão, porque ela significa liberdade das leis que governam o reino físico. Se quer experimentar o pico de uma montanha, você se eleva a esse nível ou simplesmente olha para cima. Essas são as duas formas fundamentais. Caso contrário, nenhuma reunião é possível. Pelo conhecimento, você aspira a se encontrar frente a frente com “aquilo que não é”. E pela devoção, você se esforça para remover sua personalidade limitada e rígida e se move em direção a um estado mais flexível, do qual você aborda a dimensão além da estrutura de seus gostos e desgostos. Esses gostos e desgostos são a base da sua personalidade. A natureza infinita do desejo humano é uma expressão de anseio por natureza infinita ou vida além da existência física. Infinito e zero são apenas expressões positivas e negativas da mesma realidade. Devoção significa abandonar as dualidades de gostar e desgostar, apego e aversão. Significa que “o que está bem” e “o que não está bem” não existem mais para você; tudo está bem. Quando um devoto diz: “Deus está em toda parte” ou “Tudo é Deus”, está essencialmente dizendo: “Tudo está bem”. Acreditando que Deus está em toda parte, Ele ou Ela chegam a um estado profundo de aceitação que é transformador e libertador. Bhakti é universal e abrangente; não discrimina. É também a natureza da realidade suprema. Desde os tempos antigos, a devoção é vista como o caminho espiritual mais importante, porque é o mais rápido. Mas ele tem as próprias armadilhas. Por um lado, o caminho da sabedoria é mais difícil, mas é um caminho de “olhos abertos”. Por outro lado, a devoção é um caminho de “olhos fechados”. Com a sabedoria, a cada passo que você dá, para a frente ou para trás, você sabe para onde está indo. Com a devoção, se você está caminhando para a sua libertação ou se caiu em um buraco, você deixa de saber. Geralmente, para a maioria das pessoas, a emoção é mais intensa do que o pensamento. É por isso que a devoção foi glorificada acima de todos os outros caminhos. Mas, sem o entendimento e a sabedoria corretos, percorrer o caminho da devoção pode levar a todos os tipos de ilusão. A devoção é uma ferramenta para transcender a dualidade da natureza da lógica. Mas, em vez de transcender a lógica, pode-se acabar negando-a totalmente. Então, é importante ficar em uma plataforma estável da lógica antes de entrar no estado fluido da devoção. Muitas pessoas acreditam que a devoção não tem lugar no reino da lógica. Isso não é verdade. A lógica é essencialmente uma ferramenta de corte, um instrumento de discernimento. Se a sua lógica é como um machete, quando você ponderar alguma coisa, ela se partirá em dois pedaços. Mas, se o bisturi de lógica que você usa for muito bem afiado, você poderá cortar algo e ainda parecer deixá-lo inteiro. Quando um exímio espadachim usa a espada para cortar uma árvore, dizem que nem a árvore percebe; ainda permanece como uma. Se o seu intelecto se tornar tão refinado assim, você descobrirá que a devoção encaixa-se perfeitamenteem sua lógica. A devoção pode ser muito bonita, alegre, extática, mas, sem a clareza do conhecimento, pode levar à estagnação. No entanto, sem emoção, as práticas espirituais podem se tornar estéreis, secas e sem vida. Sem bhakti, gnana torna-se simplesmente um minucioso exercício. Como falei anteriormente, se você quer experimentar estar no pico de uma montanha, você se eleva a esse nível, ou simplesmente olha para cima. O devoto sabe que, se você conseguir subir para alcançar o pico, ainda estará ao lado do pico. Mas, se você se tornar o vale, carrega a montanha inteira no colo. YOGA E INTOXICAÇÃO Segundo a lenda, Adiyogi bebeu somarasa, o suco inebriante da Lua. Ele simplesmente absorveu a essência destilada dos raios lunares e foi descrito como constantemente bêbado. Os yogis não são contra o prazer. Só não estão dispostos a se contentar com pequenos prazeres! Sabem que, se você beber uma taça de vinho, isso lhe dará um entusiasmo, mas na manhã seguinte você ficará com dor de cabeça e muito mais. Os yogis não estão dispostos a se contentar com isso. Para desfrutar da intoxicação, você deve estar totalmente bêbado, mas plenamente alerta. Nunca toquei em qualquer substância, mas, se olhar nos meus olhos, verá que estou sempre chapado. Estou totalmente bêbado e plenamente consciente. Esse é um dos prazeres que a ciência do yoga oferece. O objetivo final não é só intoxicação. Esse estado de felicidade suprema elimina o medo do sofrimento. Nesse indescritível estado de êxtase, não há preocupações sobre autopreservação. Isso é o que faz um ser humano capaz de ser e agir de uma forma que às vezes pode parecer sobre-humana aos outros. Somente quando a aflitiva ansiedade da autopreservação for completamente eliminada de sua mente você ousará explorar a vida. Caso contrário, você só quer protegê-la. Uma vez que o medo do sofrimento é abandonado, você pode mergulhar em qualquer situação sem hesitação. Mesmo que você esteja condenado ao inferno eterno, irá alegremente para lá, porque não tem medo de sofrer! Quando todos estavam falando sobre ir para o céu, Gautama, o Buda, disse: “Você diz que tudo está bem no céu, então o que farei lá? Deixe-me ir ao inferno e fazer algo para ajudar os outros, porque de qualquer forma não posso sofrer”. Enquanto o medo do sofrimento persistir, você não ousará explorar as dimensões mais profundas da vida. Só esse corpo precisa ser protegido; nada mais dentro de você precisa de proteção. Se estiver disposto a abandonar as ideias, filosofias e sistemas de crenças aos quais está atualmente ligado, poderá recriar toda a sua vida no momento seguinte. ■ Mantra do amor E quanto ao amor? Existe amor incondicional? Isso pode verdadeiramente existir entre dois seres humanos? Estas são perguntas frequentes. Um dia, Shankaran Pillai foi a um parque e avistou uma mulher atraente sentada em um banco de pedra. Ele se acomodou no mesmo banco. Depois de alguns minutos, ele se aproximou um pouco. Ela se afastou. Ele esperou alguns minutos, então se aproximou mais um pouco; ela se afastou. Quando ele voltou a se aproximar, ela se mudou para a extremidade do banco. Ele chegou bem perto e pôs o braço em torno dela. Ela o empurrou. Então ele se ajoelhou, arrancou uma flor, entregou a ela e disse: “Eu te amo como nunca amei ninguém em minha vida”. O Sol estava se pondo. Ele tinha uma flor na mão. Olhou para ela com um olhar derretido. Acima de tudo, era a atmosfera certa. Ela se derreteu. A natureza assumiu o controle e eles tiveram o que desejavam um com o outro. O cair da noite se intensificou. Shankaran Pillai levantou-se de repente e disse: “São 20h. Preciso ir.” Ela disse: “O quê? Agora? Você acabou de dizer que me amava mais do que qualquer outra pessoa!”. “Sim, sim, é claro, mas minha esposa está esperando.” Geralmente, estabelecemos relacionamentos dentro de estruturas que são confortáveis e lucrativas para nós. As pessoas têm necessidades físicas, psicológicas, emocionais, financeiras e sociais a satisfazer. Para satisfazê-las, uma das melhores formas é dizer a alguém: “Eu te amo”. Esse suposto amor se tornou um tipo de mantra “abre-te, Sésamo”. Você pode conseguir o que quer ao dizê-lo. O amor é uma qualidade, não algo a ver com outra pessoa. Cada ação que fazemos é, de alguma forma, para satisfazer a certas necessidades. Se você vê isso, então existe a possibilidade de conseguir se transformar em amor como sua qualidade natural. Mas você pode continuar se enganando ao acreditar que os relacionamentos que criou para conveniência, conforto e bem-estar são na verdade relações de amor. Não estou dizendo que não há experiência de amor nessas associações, mas ela ocorre dentro de certas limitações. Não importa quantas vezes o amor verdadeiro tenha sido proclamado; se algumas expectativas e exigências não forem satisfeitas, as coisas desmoronam. É essencialmente um esquema de benefício mútuo. Na verdade, não existe amor condicional e amor incondicional. Há condições e há amor. Quando você fala de amor, tem que ser incondicional. Quando há uma condição, equivale apenas a uma transação. Talvez uma transação conveniente, talvez um bom arranjo, mas que não vai satisfazê-lo ou transportá-lo para outra dimensão. É apenas conveniente. O amor não precisa necessariamente ser conveniente; na maioria das vezes não é. Ele toma vida. Você tem que entregar a si mesmo. Se você tem que estar apaixonado, não deveria estar. A expressão “cair de amores” é muito significativa. Você não escala o amor, não se ergue no amor, não voa no amor, você cai de amores. Algo de você deve cair ou se dissolver para acomodar o outro. Há uma distinção entre um compromisso e um caso de amor. Um caso de amor não precisa ser com uma pessoa em particular; você poderia estar tendo um grandioso caso de amor com a própria vida. O que você faz ou não faz está de acordo com as circunstâncias em que você está. Nossas ações são sempre moldadas pelas exigências de situações externas. Mas o amor é um estado interior, e como você está dentro de si mesmo pode definitivamente ser incondicional. Atos de amor podem se tornar entediantes e estressantes ao longo de um tempo. Você percebe que amor não é algo que você faz; amor é como você é. Sadhana O amor nunca acontece entre duas pessoas. Acontece dentro de você, e sua interioridade não precisa ser escravizada por alguém ou por alguma outra coisa. Tente por quinze minutos ou mais: vá se sentar com algo que não signifique nada para você agora – talvez uma árvore, uma pedra, um verme ou um inseto. Faça isso por alguns dias seguidos. Depois de um tempo, descobrirá que pode enxergá-lo com tanto amor quanto sua esposa ou marido, mãe ou filho. Talvez o verme não saiba disso. Não importa. Se puder olhar para tudo com amor, o mundo inteiro se tornará belo em sua experiência. Devoção: uma mudança dimensional A maioria das pessoas vive com cautela, medindo seu amor e alegria em parcas doses com medo de que se acabem. A forma mais generosa de viver é dar o exemplo ao resto do mundo vivendo a vida a todo vapor e além de todas as limitações. Se você é tão mesquinho que não pode amar, rir ou viver totalmente, é o que na Índia chamamos de kanjoos – um avarento – em todos os níveis! Devoção significa que você não é um kanjoos – você está cheio de energia! Um devoto é alguém que busca explorar e experimentar a vida da forma mais completa possível. A devoção não é uma dissecação da vida, mas uma aceitação completa. Não é um caso de amor, mas uma coisa louca. O amor em si é louco, mas há fragmentos de sanidade a ele associados; você ainda pode se recuperar. Na devoção, não há fragmento de sanidade; não há recuperação. Os devotos têm a experiência mais doce da vida. Todos podem pensar que são idiotas, mas estão tendo a melhor vida no planeta. Você decide quem é o idiota! Quando digo “devoção”, não estou falando de fé ou crença. A crença é como a moralidade.As pessoas que acreditam em algo muitas vezes acham que são superiores aos outros. Tudo que acontece quando você acredita em algo é que sua estupidez adquire confiança. Confiança e estupidez são uma combinação muito perigosa, mas geralmente andam juntas. Se você começasse a olhar para o mundo ao seu redor, entenderia claramente que o que você sabe é tão minúsculo que não há como agir com confiança. Um sistema de crenças afasta esse problema; ele lhe dá uma enorme confiança, mas não cura a sua estupidez. A devoção não é um ato; não é dirigido a uma coisa ou outra; o objeto de devoção é imaterial. O que acontece é que, com a devoção, você dissolve toda a sua resistência para que o divino transcorra tão facilmente quanto a respiração. O divino não é uma entidade sentada lá em cima; é uma força viva em todos os momentos da sua vida. A devoção o faz ciente. Uma vez, em um tradicional jantar em uma família católica, o homem da casa chegou à mesa, olhou para a comida e, como de costume, resmungou e amaldiçoou a esposa e tudo ao seu redor. Depois que a reclamação terminou e todos se acalmaram, ele se sentou e proferiu sua oração: “Querido Deus, obrigado pelo pão de cada dia e por todas as coisas maravilhosas sobre a mesa”. Sua filha de 5 anos se sentou docilmente à mesa. Você sabe, essas crianças de 5 anos… Travesseiros extras e pequenas almofadas sempre são mantidas para elas, mas ainda assim nunca conseguem realmente alcançar o prato. Então, essa menina de 5 anos, com a mesa à altura do pescoço, soltou: “Papai, Deus ouve todas as nossas orações?”. Imediatamente, o cristão nele despertou e ele respondeu: “Sim, é claro. Sempre ouve cada oração que pronunciamos”. Então a menina afundou um pouco mais na cadeira, porque afundou nos próprios pensamentos. Depois de um tempo, perguntou: “Mas, papai, Ele também ouve todas as outras coisas que dizemos?”. “Sim, a cada momento de nossa vida, Deus está ouvindo tudo o que dizemos e fazemos.” Então ela afundou mais um pouco e disse: “Papai, então em que Ele acredita?”. Diga-me, em que Deus deveria acreditar – em suas orações ou em suas maldições? Ele deve estar totalmente confuso! Deve ter desistido. Como sistematizamos ou institucionalizamos as partes mais sutis da vida, de repente tudo perde sua vitalidade e se torna sem vida. As mesmas palavras estão sendo pronunciadas, como se fossemos papagaios, por todos, mas não significam mais nada. Quando dizemos algo que realmente não significa nada para nós, isso não queima dentro de nós, é equivalente a mentir. Na verdade, é melhor calar a boca. Estamos sempre tentando imitar aqueles que consideramos nossos mentores e modelos. Quando alguém disse algo parecido dois mil anos atrás, funcionou para ele – por causa do fogo em seu coração, por causa da verdade que estava queimando dentro dele, não por causa das palavras que ele proferiu. Não há nada de manso ou tépido na devoção. Não é para os covardes. É quente. A devoção queima. AKKA MAHADEVI Cerca de novecentos anos atrás, uma mística chamada Akka Mahadevi vivia no sul da Índia. Akka era devota de Shiva. Desde a infância, considerava Shiva o seu amado, seu marido. Não era só uma crença; para ela, era uma realidade. O rei viu essa bela jovem um dia e decidiu que a queria como esposa. Ela o recusou. Mas o rei foi inflexível e ameaçou seus pais, então ela cedeu. Ela se casou com o homem, mas o manteve à distância física. Ele tentou cortejá-la, mas seu lema constante era: “Shiva é meu marido”. O tempo passou e a paciência do rei acabou. Enfurecido, ele tentou colocar as mãos nela. Ela recusou. “Eu tenho outro marido. Seu nome é Shiva. Ele me visita, e estou com ele. Não posso estar com você.” Como alegou ter outro marido, foi levada ao tribunal para ser processada. Dizem que Akka anunciou a todos os presentes: “Ser rainha não significa nada para mim. Eu vou partir”. Quando o rei viu com que facilidade ela estava se afastando de tudo, fez um último esforço inútil para salvar sua dignidade. Ele disse: “Tudo em sua pessoa – suas joias, suas vestimentas – pertence a mim. Deixe tudo aqui e vá”. Então, na assembleia cheia, Akka simplesmente deixou caírem as joias, todas as roupas, e foi embora nua. Daquele dia em diante, ela se recusou a usar roupas, embora muitos tentassem convencê-la do contrário. Era inacreditável que uma mulher andasse nua pelas ruas da Índia na época – e essa era uma bela jovem. Ela viveu a vida como uma mendicante errante e compôs uma primorosa poesia que se perpetuou. A. K. Ramanujan, poeta indiano, estudioso da literatura indiana, traduziu o seguinte poema de Akka: Pessoas, homem e mulher, coram quando um pano que cobre sua vergonha se solta. Quando o senhor das vidas vive afogado sem um rosto no mundo, como você pode ser modesto? Quando todo o mundo é o olho do Senhor, observando em todos os lugares, o que você pode cobrir e esconder? Devotos desse tipo podem estar neste mundo, mas não são deste mundo. O poder e a paixão com que viveram a vida os tornam inspirações para gerações da humanidade. Akka continua a ser uma presença viva na consciência coletiva indiana, e seus poemas líricos permanecem entre as obras mais valorizadas da literatura do sul da Índia até hoje. ■ Aceitando o mistério Só uma inteligência juvenil analisa as coisas e chega a uma conclusão. Se a sua inteligência está suficientemente evoluída e madura, você percebe que, quanto mais analisa, mais longe está de qualquer conclusão. Se você se aprofundar em qualquer aspecto da vida, se afastará cada vez mais de qualquer conclusão. A vida torna- se mais misteriosa do que nunca. Quanto mais investiga a vida, mais vê que é um processo infinito e insondável. Você não consegue entendê-la porque você é a vida. Quando percebe experimentalmente que cada átomo, cada grão de areia, cada seixo, cada pedaço da vida, do menor ao maior, é insondável, naturalmente se curva na maior devoção a tudo. Se você simplesmente se sentar aqui e respirar, conhecerá a vida melhor do que através de qualquer análise profunda. Quando dissecamos tudo, querendo escavar a verdade da natureza física, entramos nas minúsculas dimensões da ciência das partículas. De prótons, nêutrons e elétrons a neutrinos, bósons e partículas supersimétricas, parece que estamos nos aprofundando cada vez mais. Mas tudo isso ainda está apenas no reino da natureza física. Segundo nos dizem, a matéria escura engloba mais do Universo do que a matéria – e essa matéria escura não é composta de átomos, mas de partículas de um tipo ainda desconhecido. Pegue um copo de água e dê uma olhada nele. O que você realmente sabe sobre ele? Por exemplo, por que hidrogênio e oxigênio se combinam para se tornar água? Ou pegue uma pedra e olhe para ela demorada e fixamente. Por que ela tem essa forma, tamanho, granulação e textura em particular? Ou apenas olhe para si mesmo: por que você é do jeito que é? Muitos responderiam: “Ah, meu pai, minha mãe… e aqui estou”. Mas por que você é assim? Qual é a base dessa forma, desse corpo, dessa individualidade? Tradicionalmente, na Índia, dizia-se que uma pessoa deveria reverenciar tudo que encontrasse. Não importava se fosse uma árvore, uma vaca, uma cobra ou uma nuvem – você apenas se curvava àquilo. Quando você se curva para tudo, pode ser que você seja um tolo, ou que tenha olhado para a vida em sua maior profundidade. A diferença entre um idiota e um ser iluminado é tênue. Os dois muitas vezes se parecem, mas na verdade são mundos distintos. Um idiota é incapaz de tirar conclusões. Um místico não está disposto a tirar conclusões. Os outros glorificaram suas conclusões como conhecimento. O idiota desfruta apenas do pouco que sabe, e aquele que viu a vida em sua profundidade máxima desfruta disso absolutamente. Os outros são aqueles que constantemente lutam e sofrem. Certa manhã, um homem entrou em seu escritório e disse ao chefe: “Chefe, quero que você saiba,três grandes empresas estão atrás de mim. Você deve me dar um aumento de salário”. O chefe disse: “O quê? Quais empresas? Quem quer você?”. Ele disse: “A companhia elétrica, a companhia telefônica e a companhia de gás”. Algo está sempre por trás das supostas pessoas inteligentes, aquelas com conclusões confirmadas sobre a vida! Ou então, estão sempre ocupadas em perseguir alguma coisa. Um idiota pode se sentar aqui em silêncio. Um místico pode se sentar aqui em silêncio. Os outros não podem. A devoção é um método simples de dissolver todos os obstáculos do caminho. Se aqueles que estão lutando para conter a tagarelice da “mente de macaco” se tornarem devotos, a tagarelice simplesmente evaporará. Se você aprende a se curvar, a manter tudo mais alto do que você, isso não parece bom para a sua autoestima. Mas se tornar um devoto não significa ser um fraco. Aquilo que sabe se dobrar não vai quebrar. (É por isso que você é encorajado a fazer seu hatha yoga todas as manhãs – essencialmente para que seu corpo não quebre!) É assim com tudo dentro de você. É lamentável, mas atualmente até os supostos líderes espirituais estão falando de autoestima. “Eu” (auto) e “estima” são um problema. São entidades muito limitadas, frágeis; ambas sempre serão inseguras. Se você não tem estima, muito bom. Se não tem eu, fabuloso! Sadhana Quando você experimenta algo muito maior do que você mesmo, a reverência lhe ocorre naturalmente. Se quer se tornar um devoto, pelo menos uma vez por hora em todos os momentos da sua vida, junte as mãos e se curve a algo. Não importa quem ou o quê. Não escolha. Seja o que for que você veja, apenas curve a cabeça – seja uma árvore, uma montanha, um cachorro, um gato ou qualquer coisa. Não precisa ser um ato físico; pode ser uma ação interna. Basta fazê-lo ao longo do dia, uma vez por hora. Veja se pode praticar uma vez por minuto. Quando se torna uma vez por minuto, não há necessidade de usar as mãos e o corpo; simplesmente faça dentro de você. Uma vez que isso se torna o seu jeito de ser, você é um devoto. Mesmo que gaste uma vida inteira, você ainda não entenderá uma folha, um elefante, uma formiga ou um átomo. Você é incapaz de imaginar até mesmo uma molécula de DNA. Tudo que você não consegue entender está em um estado superior ao seu de inteligência existencial. Quando vê isso – realmente vê –, você é um devoto. Um devoto é alguém disposto a se dissolver no objeto de devoção. Se é um devoto da vida, vai se tornar um com ela. Não seja um estranho ao processo da vida. Torne-se um devoto. Dissolva-se. Energia Seguindo a trilha prânica Atualmente, os seres humanos identificam-se com o corpo e a mente de várias formas. No entanto, fundamentalmente, o que você chama de “eu” é apenas uma quantidade de energia. A ciência moderna provou, sem sombra de dúvida, que toda a existência é composta da mesma energia, manifestando-se em milhões de maneiras desconcertantemente diferentes. Quando Einstein nos dá a fórmula E = mc2, ele está simplesmente dizendo que tudo no Universo pode ser visto como apenas uma energia. As religiões em todo o mundo proclamam a mesma coisa usando uma terminologia um pouco diferente quando afirmam que “Deus está em todos os lugares”. A ciência moderna chegou às suas conclusões pela dedução matemática. A religião chegou às suas conclusões pela crença. Mas o yogi é um cabeça-dura que não se contenta com dedução ou crença. Ele busca experimentar o supremo mediante aprimoramento da percepção individual. Consequentemente, a tradição yogi não menciona Deus, e também não o nega. O anseio humano de se expandir, na verdade, é só uma expressão da inteligência suprema sem forma, que é a própria fonte de quem somos. Em vez de tentar encontrar a fonte do nosso anseio, tentamos expressá-lo no mundo exterior. Por causa da natureza de nossos sentidos ligados ao exterior, somos levados enganosamente a acreditar que a expressão exterior de alguma forma trará satisfação. Quando você interpreta erroneamente a expressão como a causa, ela traz apenas obstáculos, não liberdade. O único objetivo das energias vitais de cada indivíduo é tocar o infinito – o cerne de nossa criação. Elas não conhecem outro objetivo. Sua mente pode estar pensando em dinheiro ou em uma nova casa, e seu corpo pode estar ansioso por comida ou por dormir, mas suas energias vitais estão sempre desejando romper os limites estabelecidos por suas estruturas físicas e mentais. Lentamente, no processo de viver, muitas pessoas pararam de seguir a trajetória de suas energias vitais. O resultado é que começam a acreditar que são entidades separadas ou autônomas. Contudo, a separação é um mito. Tanto o conteúdo do seu corpo físico quanto o do seu corpo mental foram coletados do exterior. Eles pertencem a você, mas não são você. Se você quer seguir o caminho do seu corpo atualmente, deve saber que ele está indo direto para o túmulo. Da mesma forma, o que você conhece como a mente é uma confusão complexa de todas as coisas que ela vem acumulando. Os objetivos da mente são inteiramente autogerados. Podem parecer bons agora, mas em geral o afastam completamente do processo da vida. Então, se você segue o caminho da sua mente, deve saber que está indo em direção a uma criação psicológica alternativa; pode ser fascinante, estimulante ou mesmo reconfortante por um tempo, mas não tem qualquer relação com a realidade existencial. Todo o processo yogi visa a alinhar-se com o anseio natural da vida de se expandir de forma ilimitada. Ele dá expressão consciente a essa necessidade humana básica. As várias práticas espirituais nas ciências do yoga destinam-se a auxiliar esse anseio em três níveis: o corpo físico, o corpo mental e o terceiro revestimento, ou camada, do mecanismo humano, o pranamayakosha, ou corpo energético. O yoga significa experimentar o processo mental e físico distintamente, não como base de si mesmo, mas como aquilo que é causado por você. Se gerenciar esses dois instrumentos de corpo e mente conscientemente, então sua experiência de vida será 100% sua criação. Tudo que você precisa fazer é criar uma distância entre si e tudo que acumulou do exterior. Tudo que você reuniu nesta vida o acompanha aonde quer que você vá. Está profundamente ligado a você, e você, por sua vez, está profundamente ligado a isso, em algum nível inconsciente. Ele se torna um estorvo, porque você não sabe quando deixá-lo e quando pegá-lo. É como um saco que você carrega nos ombros o tempo todo. Mas é possível para você largá-lo. Ele ainda será seu companheiro, mas pelo menos não será tão pesado! É definitivamente possível criar alguma distância entre você e o que você recolheu. Você pode usar esses elementos quando quiser, mas não precisa se identificar com eles. Se não puder manter essa distância, toda a sua visão da vida ficará obscurecida. Sua memória e sua imaginação – que inclui todas as suas ideias, crenças e emoções – pertencem ao âmbito psicológico. A vida só pode ser degustada e transcendida quando há uma distinção entre o psicológico e o existencial. O processo espiritual significa um retorno à vida. Significa seguir a profunda inteligência de suas energias vitais. Há muitas formas de reconhecer de que maneira suas energias de vida querem seguir. Se você se desidentificar com processos fisiológicos e psicológicos, verá isso com clareza. É somente quando conscientemente se dirige em direção a suas energias vitais que você encontra equanimidade e harmonia. É apenas em um estado tão estável que você ousaria explorar os mais altos níveis de exuberância e se aventurar nos mais profundos mistérios da vida. DOR SEM SOFRIMENTO Nos meus dias de moto, costumava andar por todo o país. Um dia, quando eu estava em uma área remota, um estranho acidente ocorreu, e o músculo da minha panturrilha foi cortado até o osso. Então fui a uma clínica local e pedi ao médico para cuidar da minha perna.O médico examinou a ferida e disse que não havia como fazê-lo, porque não tinha equipamento anestésico. Ele sugeriu que eu corresse para um hospital maior e buscasse atendimento médico imediato. Falei que não tinha tempo, que tinha que continuar minha jornada porque tinha uma agenda a cumprir. Falei que ele tinha que cuidar. Ele se recusou. Eu estava sangrando muito. Depois de muita discussão, ele cedeu, porque uma poça de sangue se acumulava onde eu estava. Então, sem qualquer anestesia, começou a costurar meu músculo, o que somou 52 suturas em três níveis diferentes. Durante todo o processo, eu conversei com ele. Ele estava suando e esbaforido. Depois que terminou, ele me perguntou, incrédulo: “Você não está com dor na perna?”. Estava com dor. Uma dor terrível e insuportável. Mas a dor é um fenômeno natural, e é bom. Sem ela você não saberia que sua perna foi cortada. Mas sofrimento é outra questão. A dor é ruim o bastante; por que piorar com o sofrimento? O sofrimento é inteiramente autogerado. E todo ser humano tem a escolha: sofrer ou não sofrer. Não é preciso muita inteligência para escolher o último. ■ O enigma kármico Uma vez aconteceu que Shankaran Pillai estava sentado em um bar com os amigos. De repente, o relógio bateu 8h da noite. Shankaran Pillai largou o copo, levantou-se e começou a andar em direção à porta. Seus amigos disseram: “Ei, qual é o problema? Aonde você vai? Por que não termina sua bebida?”. Mas Shankaran Pillai continuou andando sem dizer nada, como um zumbi, em direção à porta. Os amigos riram e disseram: “Tudo bem, agora sabemos! São 8h da noite e você tem que estar em casa. Você tem medo da sua esposa, não é? O que você é, um homem ou um rato?”. Shankaran Pillai parou, virou-se e disse: “Eu sou o homem da casa. Se eu fosse um rato, minha esposa teria medo de mim!”. Ele caminhou lentamente para casa. A regra de sua esposa era que ele deveria chegar em casa às 8h da noite. Naquele dia, a discussão homem-rato e seu passo lento e inebriado o atrasaram. Sua esposa estava sentada na varanda, o rolo de massa na mão. Ela olhou furiosa para ele e disse: “Seu tolo, bebendo de novo? Venha aqui que vou lhe mostrar”. Shankaran Pillai era um homem frágil, mas ágil. Ele caminhou na direção dela humildemente, e de repente saltou sobre ela e correu para dentro de casa. Ela se levantou e foi desajeitadamente atrás dele. Ele a fez correr por toda a casa, confiante de que ela nunca seria capaz de pegá-lo. Depois de correr muito, ele disparou para o quarto e mergulhou embaixo da cama. Ela correu atrás dele. Era uma mulher grande e não podia deslizar para debaixo da cama. Ele ficou ali, seguro, enquanto ela gritava: “Seu covarde! O que está fazendo debaixo da cama? Saia daí! Você é um homem ou um rato?”. Shankaran Pillai respondeu: “Eu sou o homem desta casa. Tenho a liberdade de me deitar onde quiser”. Era o único lugar em que poderia ficar naquele momento, mas ele precisava afirmar que era sua liberdade! Infelizmente, a maioria dos seres humanos está fazendo a mesma coisa: rotulando suas compulsões e limitações como suas escolhas. Se você puder alegremente fazer o que quer que seja necessário em uma situação, isso é liberdade. Mas se limitar a fazer apenas o que você gosta é uma maneira horrivelmente compulsiva de viver. Essa compulsão é o truque do karma – aquela palavra antiga que foi deformada pelo uso popular em todo o mundo. O que exatamente é karma? Karma significa literalmente “ação”. A ação pode ser de três tipos: em termos de corpo, mente ou energia. Tudo que você faz com seu corpo, sua mente ou sua energia deixa um resíduo. Esse resíduo forma um padrão próprio, e esses padrões resultantes permanecem com você. Quando você reúne um grande volume de impressões, elas lentamente se moldam em tendências, e você fica como um brinquedo automático, um escravo de seus padrões, um fantoche de seu passado. O karma é como um software antigo que você escreveu, inconscientemente, para si mesmo. Dependendo do tipo de ação que executa, você escreve seu software. Depois de escrever certo tipo de software, todo o seu sistema funciona de acordo. Com base nas informações do passado, certos padrões de memória são formados e se mantêm recorrentes. Então, a vida é apenas cíclica. É por isso que os mesmos padrões continuam retornando em sua vida. Há algumas variações, mas eles permanecem essencialmente os mesmos, repetindo-se através das gerações. Depois de um tempo, essa repetição pode ser mortal. É importante ver que esses padrões o governam de dentro, não de fora. Ninguém tem que exercer nenhum controle externo sobre você. Seu autocrata interno o governa o tempo todo. Você pode pensar que é um novo dia. As circunstâncias podem mudar, mas internamente você está experimentando a mesma coisa repetidas vezes. E, assim, quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas – não fisicamente, mas de modo experiencial! Você está preso de forma impotente na rotina cármica. A liberdade é, então, uma palavra vazia, porque a maneira como você pensa, sente e entende a vida – até mesmo a forma como se senta, fica em pé e se movimenta – é condicionada por suas impressões passadas. Desde o momento em que você nasceu, seus pais, sua família, sua educação, seus amigos, onde você morou e para onde viajou – todas essas coisas decidiram tudo sobre você. O karma é criptografado sobre todos os aspectos da vida. Está impresso em sua memória mental, nos fundamentos do seu corpo, na sua química, na sua própria energia. Esses são todos sistemas de backup. Mesmo que você perca seu corpo ou sua mente, não perderá seu karma! Os sistemas de backup são muito eficientes. O que você considera sua personalidade – conjunto de traços e tendências – é consequência de informações que recolheu inconscientemente. Essas tendências são tradicionalmente descritas como vasanas. A palavra vasana significa literalmente “cheiro”. Dependendo do tipo de lixo que está na lixeira hoje, esse será o tipo de cheiro que emanará dela. Dependendo do tipo de cheiro que você emite, você atrai certos tipos de situações da vida para si mesmo. Suponha que hoje haja peixe podre na lixeira. Pode cheirar mal para você, mas muitas outras criaturas são atraídas por ele. Amanhã, se houver flores, o cheiro será diferente e outras criaturas serão atraídas por elas. Quando fui pela primeira vez ao sul, à cidade de Coimbatore, quase trinta anos atrás, me hospedei na casa de um médico. Ele era um homem sociável e me contou sobre um incidente que aconteceu em sua família. Eles eram de uma região costeira da Índia, e sua filha mais velha gostava particularmente de peixe. Ela estava estudando no norte, nas colinas de Dehradun, e lá não havia peixe para comer; então, sempre que voltava para casa nas férias, queria comê-lo todos os dias. Sua esposa era vegetariana e, apesar de não comer, cozinhava o peixe. Há um pequeno peixe seco específico que você conheceria se fosse daquela parte do país. Ele tem um fedor incrível. Se estiver sendo transportado em um caminhão, você desejaria dirigir a 3 km de distância do caminhão ou prender a respiração enquanto passa por ele. Cozinhá-lo em casa é uma boa estratégia para expulsar os vizinhos! A garota queria que aquele peixe em particular fosse preparado. Então, enquanto estavam fritando esse peixe seco, era como se toda a casa estivesse sendo defumada. Aquele odor poderia ressuscitar os mortos! A mãe foi até a cozinha para dizer às cozinheiras como prepará-lo, mas quando o fedor começou a emanar da frigideira, ela saiu correndo, porque não conseguiu aguentar. Enquanto isso, a garota, que estava no quarto, também sentiu o cheiro e saiu correndo, seguindo o odor. Mãe e filha bateram de cabeça uma na outra – e a mãe acabou com o nariz quebrado! Menciono esse incidente não como uma ilustração de recompensa e punição, mas como ilustração das possíveis consequências de forte apegoe aversão. Quando dominam sua vida, algum tipo de colisão é inevitável. Vasanas, ou tendências, são geradas por um vasto acúmulo de impressões causadas por suas ações físicas, mentais e energéticas. O que você chama de sua personalidade é apenas uma expressão dessas tendências. Então, hoje, se você está fazendo algo de um jeito específico e alguém pergunta por que não pode fazê-lo de modo diferente, você costuma declarar: “Essa é a minha natureza. Não posso fazer o que eu quero?”. Essa não é sua natureza. Você não está fazendo o que quer. Essas tendências se tornaram compulsivas. Essa é a sua escravidão, um tipo de software que você está escrevendo inconscientemente para si mesmo. Quando seu software é fixado, é como se houvesse apenas um caminho que você pudesse seguir na vida. Como se seu destino fosse predeterminado. No entanto, um processo espiritual significa que decidimos reescrever conscientemente o nosso software. Na Índia, karma é uma palavra comum. Se as pessoas exibem qualquer tipo de comportamento compulsivo, outras pessoas dizem imediatamente: “Ah, esse é o seu karma”. Isso significa que ele é criação delas. A amargura ou doçura de qualquer experiência não está no evento em si, mas em como você o percebe e responde a ele. O que é uma experiência muito amarga para uma pessoa pode ser uma bênção para outra. Certa vez, um homem aflito sentou-se ao lado de uma lápide, chorando amargamente e batendo com a cabeça nela. “Minha vida! Ah, como é sem sentido. Meu corpo é uma carcaça inútil agora que você foi embora. Se você tivesse vivido! Se o destino não tivesse sido tão cruel! Se você não tivesse ido embora, como minha vida teria sido diferente!” Um clérigo que estava próximo o ouviu e disse: “Suponho que a pessoa que jaz sob este monte de terra era alguém de grande importância para você”. “Importância? Sim, sem dúvida!”, chorou o homem, lamentando ainda mais alto. “Era o primeiro marido da minha esposa!” Assim, a qualidade de sua vida é sempre decidida pela forma como você experimenta a vida, não pelo que a vida lhe oferece. É importante lembrar que a palavra karma não tem um sentido negativo. Karma é o que dá estabilidade e estrutura à sua vida. A cada momento, as impressões estão jorrando em seu sistema por meio dos cinco órgãos dos sentidos, e cada uma delas está sendo registrada. Não há nada de errado com essa informação armazenada. É muito útil para sua sobrevivência. Se você apagasse tudo isso, não saberia como lidar com os aspectos mais simples da vida. O processo espiritual não busca demolir esse armazém de impressões kármicas, mas o ajuda a se tornar mais consciente dele e a estabelecer um pouco de espaço, o que lhe permite ficar fora dele. Portanto, seu software não é o problema em si. Só se tornará um problema se ele se tornar o fator dominante em sua vida. Falar de karma bom e karma ruim é como falar de escravidão boa e de escravidão ruim. Isso não existe. O karma é sua própria criação. Não é bom nem ruim. É um software que pode ser útil se você tiver alguma liberdade em relação a ele. Isso é tudo a que o processo espiritual visa: afrouxar o aperto do karma sobre você. Qualquer que seja a natureza do seu karma passado, há bastante consciência em um ser humano para assumir completamente o controle do karma do momento presente. Se você quer qualquer tipo de transformação, qualquer tipo de movimento para a frente em sua vida, isso só pode acontecer se quebrar os padrões cíclicos do karma. Qualquer coisa que seja cíclica sugere movimento constante, mas não vai realmente a lugar algum. Se você é sensível à vida, logo percebe. Se é menos sensível, percebe à medida que envelhece. Tudo pode parecer estar indo em sua direção: sua vida profissional pode estar florescendo, seu capital pode estar aumentando, sua família pode estar prosperando, mas você não está realmente chegando a lugar algum. Quanto mais rápido você alcança seu sucesso, mais rápido percebe isso. Quando você se encontra em um estado de insuficiência, fica pensando que tudo se normalizará quando seus sonhos se realizarem. Mas se todas as coisas com as quais você sonhou acontecem muito rapidamente, de repente você percebe que, embora tudo esteja acontecendo como você achava que deveria, a vida ainda não está realizada e seus anseios persistem. Até você quebrar esse ciclo, não há escolha real em sua vida. Às vezes, você pode ter sentido que experimentou um progresso. As coisas parecem ter mudado, e tudo parece ótimo pelos os próximos três dias, mas no quarto você cai na mesma rotina. Isso já não aconteceu várias vezes? É porque não há liberdade de pensamento, emoção, ação e, acima de tudo, liberdade de experiência enquanto você estiver sob controle cármico. Ao mesmo tempo, evitar o karma também não é a resposta. Evitá-lo pode lhe dar algum equilíbrio e estabilidade na vida cotidiana, mas aos poucos lhe tira a vida e a alegria. Esse é um karma muito negativo em si. Negar, suprimir ou evitar a vida traz mais escravidão do que liberdade. O desejo Eu não quero karma é em si um grande karma! O próprio processo de viver, em si, é uma dissolução do karma. Se você vive plenamente cada momento de sua vida, dissolve enormes quantidades de karma. Quando experimenta tudo o que acontece em seu caminho, quando experimenta cada respiração da vida com a maior intensidade, sem as distrações do pensamento e da emoção, desprovido de qualquer drama psicológico, você é libertado do próprio processo de nascimento e morte. Não é só mais vivo; você é a própria vida. O yoga oferece uma forma de se distanciar não apenas do seu karma, mas da própria fonte do karma, que é o intelecto discriminatório. A cada momento de sua existência, ela lhe oferece a escolha entre ser uma vítima ou um espectador ou o próprio mestre de sua vida. Com certo esforço e prática, todos nós podemos escrever um software de alegria e bem- estar para nós mesmos. Sadhana Quando você percebe que todas as suas aquisições materiais são valiosas apenas em comparação com aqueles que não as têm, isso é alegria que brota da privação de outra pessoa. Você pode realmente chamar isso de alegria? Não é na verdade um tipo de doença? É hora de todos abordarem isso. Se estivesse sozinho neste planeta, o que você gostaria de ter? Faça a si mesmo essa pergunta e veja aonde ela o leva. Tente isso. Sente-se sozinho por cinco minutos e veja como seria sua vida se você estivesse absolutamente sozinho neste mundo. Se não houvesse ninguém ou nada a que se comparar, o que você verdadeiramente desejaria? O que realmente importaria para você se não houvesse apreciação ou crítica externa? Se fizer isso todos os dias, você estará alinhado com os anseios da vida que você é, e não com a bagunça cármica acumulada que acredita ser. A mecânica da vida Fundamentalmente, kriya significa “ação interna”. Uma ação interna é aquela que não envolve o corpo, nem a mente, nem as dimensões físicas da energia. Como já explicamos, o corpo e a mente são seus, mas ainda externos a você. Você os reuniu valendo-se do exterior: o corpo é um acúmulo de comida e a mente, um acúmulo de ideias. Até as impressões no corpo energético são um acúmulo das impressões dos cinco sentidos. Quando você tem a habilidade de realizar ação com o aspecto não físico da sua energia, então isso é chamado de kriya. Tudo isso pode soar meio esotérico, mas somente será possível praticar um kriya se você for conduzido por alguém que tenha domínio sobre os reinos da energia. Se suas ações encontram expressão externa, envolvendo corpo, mente e as dimensões físicas da energia, isso é karma. Mas se você se voltar para dentro e executar uma ação além de todas as dimensões da fisicalidade, isso é kriya. Karma é o processo de amarrá-lo. Kriya é o processo de libertá-lo. O aspecto mais significativo do yoga é sempre realizar uma ação além das dimensões físicas de energia. Entre as quatro dimensões dafisicalidade, você está mais consciente das ações corporais, e menos das mentais, muito menos das emocionais, e insignificantemente das energéticas. Quando aprende a executar ações com o aspecto não físico de sua energia vital, você subitamente se move para um novo nível de liberdade dentro e fora de si mesmo. Como você acessa o aspecto não físico de sua energia vital? As práticas yogis, que envolvem posturas, respiração, atitudes da mente e ativação de energia, são essencialmente orientadas para o alinhamento das três primeiras camadas do corpo: o corpo físico, o mental e o energético. É apenas ao alinhá-los que você encontra acesso a dimensões além do físico – à própria energia vital fundamental. Tenho visto inúmeras pessoas que começam a fazer um simples kriya e, de repente, tornam-se tão criativas que conseguem realizar coisas que nunca imaginaram ser possíveis na vida delas. Isso acontece simplesmente porque elas afrouxaram um pouco suas fundações kármicas. Sacudiram suas energias vitais por uma mudança, em vez de se enredarem com os processos físicos de corpo, mente e energia. Isso é algo que todo ser humano pode aprender a fazer. O kriya yoga é uma forma muito poderosa de percorrer o caminho espiritual, mas ao mesmo tempo é extremamente exigente. Para muitas pessoas urbanas e modernas que não estão acostumadas a usar o corpo em sua total versatilidade, o kriya yoga pode parecer árdua e desumana. Isso acontece porque os kriyas são elaborados e envolvem muita disciplina, foco e exatidão. A maioria das pessoas não tem corpo, atitude ou estabilidade emocional para esse caminho do yoga, principalmente porque está acostumada a viver desde a infância em um estado perpétuo de conforto. Estar acostumado a um nível de conforto físico não é problema, mas estar em constante busca de conforto é um grande problema. Esse tipo de atitude e emoção é inadequado ao caminho do kriya yoga. Além disso, o kriya yoga não pode ser realizada com pessoas que falam de “liberdade” o tempo todo. Não é para pessoas que ficam perguntando: “Por que não sou livre para comer meu sorvete? Por que não consigo acordar na hora que gostaria? Por que não posso comer, beber ou fazer sexo com o que quer que seja, quem quer que seja, sempre que tenho vontade?”. Se você seguir o caminho do kriya yoga, uma disciplina fundamental deve ser introduzida em todos os processos físicos, psicológicos e emocionais. Se quer atingir o pico de sua consciência, essa disciplina é essencial. Você não pode festejar até de madrugada e tentar escalar o monte Everest no dia seguinte! A mesma lógica é verdadeira aqui. Quando você recebe um regime do kriya yoga, precisa segui-lo. Você consegue entender a necessidade da disciplina à medida que avança, mas ela nunca pode ser totalmente explicada. E se tiver que ser explicada, a essência do kriya será perdida. Isso ocorre porque o kriya é uma ferramenta para transcender a estrutura da lógica e da experiência, a fim de acessar aquelas dimensões não físicas consideradas espirituais ou místicas. Se eu quisesse lhe ensinar kriyas apenas como práticas, seria simples colocá-los em um livro no qual você pudesse aprender e memorizá-los. Mas, para o kriya ser um processo vivo, para ser impresso em seu sistema de uma forma específica, ele precisa de certa disciplina, dedicação e receptividade. Quando você caminha por um terreno completamente novo, se não há confiança em quem o guia, a jornada torna-se desnecessariamente longa e difícil. Geralmente, no caminho do kriya, a maioria dos gurus faz com que os discípulos esperem. Tradicionalmente, quando alunos vão a um guru para aprender kriya yoga, podem ser orientados a varrer o chão durante um ano e a lavar pratos durante o outro! Se a confiança deles ainda não vacilou, então o guru pode considerar iniciá-los nos kriyas. Há uma razão para isso. Uma vez que você capacita pessoas de uma maneira específica que torna seu sistema vibrante além dos padrões normais, elas podem causar grandes danos a si mesmas se suas atitudes e emoções não forem como deveriam ser. Mas, no mundo de hoje, conseguir esse tempo com as pessoas, chegar a esse tipo de confiança e depois imprimir esses kriyas é difícil. Não é impossível, mas as chances são remotas. Passei vinte e um anos da minha vida transformando um poderoso kriya, o Shambhavi Mahamudra, para que pudesse ser ensinado a inúmeras pessoas no mundo de hoje. Aspectos que possibilitariam às pessoas prejudicarem a si mesmas ou aos outros, ou influenciarem os elementos ao seu redor, foram barrados, de modo que apenas os benefícios físicos, psicológicos e espirituais permanecessem. Durante essas duas décadas, deliberadamente me afastei de todas as formas de divulgação pública, porque todo o meu foco estava principalmente em reconstruir o kriya para assegurar que pudesse ser amplamente transmitido sem quaisquer efeitos adversos. O kriya yoga como um caminho completo é importante somente para aqueles interessados em explorar as dimensões místicas. Se a sua preocupação é só com o bem- estar ou se está apenas buscando a realização, os kriyas podem ser usados em pequena escala. Mas o kriya yoga como um caminho exclusivo não é necessária, pois requer muita dedicação. Se você seguir o caminho do kriya yoga muito intensamente sem orientação, ele pode demorar uma vida para dar frutos. Se você tem alguém para guiar ativamente o processo, o kriya pode ser uma maneira mais poderosa e magnífica de explorar a natureza interior e os fenômenos místicos. Caso contrário, o kriya é uma rota meio tortuosa. O que você está buscando nesse caminho não é só bem-estar, bem-aventurança ou realização. Em vez disso, você quer conhecer a própria mecânica da criação da vida; quer conhecer a engenharia da vida. É por isso que é um processo muito mais longo. As pessoas no caminho do kriya têm um tipo de presença completamente diferente por causa do domínio sobre suas energias. Elas podem desmantelar a vida e reuni-la. Se você está seguindo o caminho da gnana, por exemplo, seu intelecto pode se tornar afiado como uma navalha, mas ainda há muito pouco que você possa fazer com suas energias. Do mesmo modo, no caminho da bhakti, ou devoção, também não há muito que você possa fazer com suas energias. (Mas você não liga, porque a doçura intensa de suas emoções é tudo o que importa; você só quer se dissolver no objeto de sua devoção.) Se você está no caminho do karma, pode fazer muitas coisas no mundo externo, mas não pode fazer nada consigo mesmo. No entanto, os kriya yogis podem fazer o que quiserem com seu mundo interior, e também conseguir muito no mundo exterior. Sadhana O modo como a estrutura cármica funciona em cada ser humano é essencialmente cíclico. Se você observar atentamente, em um dia os mesmos ciclos acontecem muitas vezes. Se você é muito observador, verá que, a cada quarenta minutos, você está passando por um ciclo fisiológico. Uma vez que percebe isso, com a atenção e a consciência necessárias você pode percorrer o ciclo e avançar em direção à transcendência partindo das limitações que esses ciclos estabelecem. Assim, a cada quarenta minutos, a vida lhe apresenta uma oportunidade – a oportunidade de se tornar consciente. Há também, de quarenta a quarenta e oito minutos, uma mudança de dominância na forma como a respiração se move pelas narinas direita e esquerda. É dominante na narina direita por um tempo, depois na esquerda. Conscientize-se disso para que saiba que pelo menos alguma coisa sobre você está mudando. Essa consciência pode ser aumentada para consciência das influências solares e lunares sobre o corpo. Se colocar seu sistema físico em sincronia com os ciclos lunar e solar, sua saúde física e psicológica estará garantida. O labirinto energético O sistema yogi nos oferece uma visão abrangente e elaborada da anatomia do corpo energético humano. Ele mapeou 72 mil canais (ou nadis, como são chamados)no sistema energético. O prana, ou energia, move-se através desses canais. Esses 72 mil canais surgem, por sua vez, de três canais básicos. O canal à direita é conhecido como pingala, aquele à esquerda é conhecido como ida, e o central é conhecido como sushumna. Esses três canais são a base do sistema energético. Pingala é simbolizado como o masculino, e ida, como o feminino. “Masculino” e “feminino” não se referem aqui a diferenças biológicas, mas a certas qualidades da natureza que foram identificadas como tais. Essas qualidades são representadas por esses dois canais. Se o pingala de uma pessoa é muito pronunciado, então as qualidades exploratórias extrovertidas serão dominantes. Se a ida for mais pronunciada, as qualidades receptivas e introspectivas serão dominantes. Não tem nada a ver com o fato de alguém ser homem ou mulher. Pode ser um homem, mas ter a ida mais dominante; pode ser uma mulher, mas ter o pingala mais dominante. O pingala e a ida também são simbolizados como o Sol e a Lua – o Sol representando o masculino e a Lua, o feminino. O Sol é agressivo e extrovertido; a Lua é receptiva e reflexiva. Os ciclos da Lua também estão profundamente ligados ao corpo feminino. No nível de sua mente, o pingala representa a dimensão lógica, e a ida representa a dimensão intuitiva. Essas duas dualidades são os fundamentos da esfera física da vida. Um ser humano é completo apenas quando o masculino e o feminino funcionam com força total e estão em equilíbrio adequado. Sushumna, o nadi central, é o aspecto mais significativo de sua fisiologia, e geralmente não é explorado. É independente dos 72 mil nadis, mas é o sustentáculo de todo o sistema. Quando as energias entram em seu sushumna, independentemente do que esteja acontecendo ao seu redor, você tem certo equilíbrio. Neste momento, você pode estar razoavelmente equilibrado, mas, se a situação externa for desafiadora, você também será perturbado. No entanto, uma vez que as energias entram na sushumna, seu modo interior de ser se torna independente do exterior, porque é independente dos 72 mil nadis. Atualmente fala-se muito sobre chakra. Chakra quer dizer “roda”, e tem significado e importância muito específicos no sistema yogi. Hoje há “centros de alinhamento de rodas” que pretendem equilibrar seus chakras, limpar seus bloqueios e curá-lo de doenças do passado, do presente e do futuro. Muitas pessoas estão “fazendo” os chakras nos dias de hoje. Tornou-se um grande modismo, mas pode ser perigoso. É hora de abordar esse tema muito sutil com cuidado e precisão. Os nadis não têm manifestação física. Se você cortar o corpo e olhar para dentro, não os encontrará. Mas, à medida que se tornar mais consciente, notará que a energia não está se movendo aleatoriamente, mas em caminhos estabelecidos. Os chakras são centros poderosos na fisiologia nos quais os nadis se encontram de um modo específico para criar um vórtice de energia. Como os nadis, os chakras são de natureza sutil e não têm existência física. Sempre se encontram na forma de um triângulo (não um círculo, como a palavra chakra sugere). A parte móvel em uma máquina é sempre um círculo, porque um círculo é capaz de movimento com menor resistência. Esses centros energéticos são assim chamados porque a roda sugere movimento ou dinamismo. Há 114 chakras no corpo. Dois estão fora do corpo e 112 estão dentro. Entre esses 112, há sete chakras principais. Na maioria das pessoas, três deles são ativos; o restante fica dormente ou levemente ativo. Não é necessário ativar os 114 chakras para viver uma vida física. Pode-se viver uma vida completa com apenas alguns deles. Se você ativasse os 114 chakras, não teria qualquer sensação corporal. O propósito do yoga é ativar seu sistema energético de modo que sua consciência corporal seja constantemente reduzida, para que você possa estar no corpo, mas que já não seja o corpo. No sul da Índia, havia um lendário yogi chamado Sadashiva Brahmendra. Ele era um nirkaya, que literalmente significa “yogi sem corpo”. Ele não tinha sensação corporal. Nem mesmo ocorre a uma pessoa nessa condição vestir roupas. Ele só andava nu. Nesse estado, também não há senso de casa, propriedade ou limite físico. Um dia, ele entrou no jardim do rei às margens do rio Kaveri. O rei estava sentado ali, relaxando com suas rainhas. Sadashiva Brahmendra perambulou pelo jardim sem perceber a própria nudez. O rei ficou furioso. Quem é esse tolo que ousa andar nu diante de minhas mulheres? Ele enviou os soldados atrás dele. Os soldados correram atrás de Sadashiva Brahmendra, chamando por ele, que não se virou, continuou a andar. Enraivecido, um dos soldados pegou a espada e o golpeou, cortando seu braço direito. Sadashiva Brahmendra nem mesmo diminuiu o ritmo. Continuou andando. Vendo isso, os soldados ficaram maravilhados e aterrorizados. Perceberam que não era um homem comum. O rei e os soldados correram atrás dele, prostraram-se, imploraram perdão e o levaram de volta ao jardim. Ele viveu naquele jardim pelo resto da vida e por fim deixou seu corpo ali. Há inúmeros exemplos como esse na tradição yogi. Quando suas energias estão em uma condição aumentada, a sensação do físico é tão diminuída que é possível até passar dias a fio sem alimentação externa. Qual é exatamente o papel dos chakras dentro do sistema? Há sete chakras fundamentais: o muladhara, localizado no períneo, o espaço entre a saída anal e o órgão genital; o swadhishthana, logo acima do órgão genital; o manipuraka, que fica cerca de meio centímetro abaixo do umbigo; o anahata, abaixo do ponto em que a caixa torácica se encontra com o diafragma; o vishuddhi, no fundo da garganta; o agna, entre as sobrancelhas; e o sahasrara, também conhecido como brahmarandra, que fica na fontanela – região que corresponde à moleira nos recém-nascidos –, no topo da cabeça. Os chakras são as sete diferentes dimensões por meio das quais suas energias encontram expressão. As experiências que acontecem dentro de você – raiva, miséria, paz, alegria e êxtase – são diferentes níveis de expressão de suas energias vitais. Se suas energias são dominantes no muladhara, então a comida e o sono serão os fatores mais dominantes em sua vida. Se suas energias são dominantes no swadhishthana, o prazer será o mais dominante em sua vida – o que significa que você desfruta de sua realidade física de várias formas. Se suas energias são dominantes no manipuraka, você é um fazedor; pode realizar muitas coisas no mundo. Se suas energias são dominantes no anahata, você é uma pessoa muito criativa. Se suas energias são dominantes no vishuddhi, você desenvolverá uma presença poderosa. Se suas energias são dominantes no agna, então você é intelectualmente realizado. A realização intelectual pode levá-lo a um estado de paz e estabilidade interior, não importa o que aconteça no exterior. Esses são apenas diferentes níveis de intensidade. Um buscador de prazer vive com mais intensidade do que alguém cuja vida é apenas comer e dormir. O homem que quer iniciar algo no mundo tem muito mais intensidade do que um buscador de prazer. Um artista ou uma pessoa criativa vive a vida mais intensamente em comparação com essas três pessoas. Já o vishuddhi é uma dimensão completamente diferente de intensidade, e o agna, uma mais elevada ainda. Se você atingir seu sahasrara, explodirá em êxtases inexplicáveis. Sem qualquer estímulo ou razão externa, você estará simplesmente em êxtase porque suas energias alcançaram um pico. É errado falar de chakras inferiores e superiores. É como comparar a fundação do edifício ao teto. O teto não é superior; a fundação não é inferior. A qualidade, o tempo de vida, a estabilidade e a segurança de um edifício dependem, em grande parte, mais da fundação do que do teto. Por exemplo, no corpo físico, suas energias precisam estar em parte no chakra muladhara. Mula significa “raiz ou fonte”, e adhara significa“fundação”. Na engenharia do corpo, essa é a base. Se você deseja crescer, precisa cultivá-la. Ao mesmo tempo, os chakras têm uma dimensão espiritual, não apenas física. Se você levar a ele a quantidade certa de consciência, o mesmo muladhara pode ser transformado em um ponto em que você se torna absolutamente livre da necessidade compulsiva de comida e sono. Os chakras reacomodam-se em uma de duas dimensões diferentes: o muladhara, o swadhishthana, o manipuraka e os chakras relacionados referem-se mais a manter o corpo estável e enraizado. Essas são qualidades associadas à terra, à autopreservação. Quando suas energias são dominantes nesses chakras, suas qualidades são terrenas e você está mais preso à natureza. Os chakras da parte de cima – o vishuddhi, o agna, o sahasrara e os chakras relacionados – são centros que o afastam da força da terra. Estão relacionados com o anseio pelo infinito. Eles o fazem receptivo a uma força que por hábito chamamos de graça. O chakra do meio, anahata, é um equilíbrio entre os dois. É como uma transição entre os chakras de baixo e os de cima, entre os instintos de sobrevivência e o instinto de libertação. É simbolizado por dois triângulos interligados, um apontando para baixo e o outro para cima, formando uma estrela de seis pontas. Muitas tradições religiosas usaram a estrela como um símbolo sagrado, porque alguns seres iluminados nessas culturas perceberam sua natureza original pelo anahata e descobriram os triângulos interligados desse chakra dentro de si mesmos. O chakra vishuddhi, localizado no fundo da garganta, significa literalmente “filtrar”. Se o seu vishuddhi se torna poderoso, você tem a capacidade de filtrar tudo que entra em você. Ou, em outras palavras, uma vez que seu vishuddhi é muito ativo, você se torna tão poderoso que a natureza externa não o influencia. A iconografia indiana retrata Adiyogi, ou Shiva, com uma garganta azul, porque ele é capaz de filtrar todos os venenos do mundo exterior e impedir que entrem em seu sistema, prendendo-os em sua garganta. Se suas energias se movem para o chakra agna, localizado entre as sobrancelhas, você é intelectualmente iluminado, mas ainda não está liberado em termos experienciais. O grande filósofo místico da Índia do século VIII Adi Shankara caminhou por todo o país, derrotando legiões de estudiosos em debates metafísicos. Sua lógica era imbatível, porque a união experimentada no agna confere à pessoa um extraordinário nível de compreensão e percepção intelectual. O sétimo chakra, sahasrara, está localizado fora do corpo. Na maioria das pessoas, está dormente. Com a prática espiritual ou um estilo de vida muito intenso, você pode ativá-lo. Se você atinge seu sahasrara, sua experiência não é mais intelectual; é experiencial. Você, então, explode em êxtases inexplicáveis e os reinos místicos mais profundos começam a se abrir. Se não houver prática espiritual suficiente para criar o equilíbrio fisiológico e psicológico necessário, você pode chegar a atingir êxtases que podem se tornar incontroláveis. Na tradição indiana, esses místicos extáticos eram denominados avadhutas. Encontravam-se em tais estados alterados de consciência que muitas vezes tinham que ser alimentados e cuidados pelas pessoas ao seu redor, pois eram incapazes de lidar com os aspectos mundanos da vida por conta própria. Fundamentalmente, qualquer caminho espiritual pode ser descrito como a jornada do muladhara para o sahasrara, uma evolução de uma dimensão para outra. Há um amplo espectro de práticas espirituais no sistema yogi que possibilita mover as energias de um chakra para outro. No entanto, do agna ao sahasrara não há caminho. Você tem que saltar ou cair dentro dele. Esta é uma das razões para a enorme ênfase sobre o guru na tradição espiritual indiana. Saltar de agna para sahasrara exige uma confiança imensa. Suponha que você fosse confrontado por um abismo insondável e alguém lhe pedisse para mergulhar nele. Ou você teria que ser completamente louco, extraordinariamente corajoso, ou absolutamente confiante em fazê-lo. Quase ninguém tem o tipo necessário de coragem. Muito poucos são loucos o bastante para viver a vida em total abandono; a maioria das pessoas vive com cautela e com a necessidade primordial de proteger seus limites. Então, para 99,9% das pessoas, o que é necessário é confiança. Sem confiança, elas nunca darão o salto. No entanto, o abismo não precisa conjurar imagens escuras de um poço aterrorizante. Em vez disso, significa um espaço livre de todas as possibilidades de mágoa e sofrimento, uma nova dimensão que é impecavelmente não repetitiva, uma dimensão além da comparação e do contexto que o deixa não como um indivíduo, mas como natureza infinita e abrangente, em uma quietude além da bem- aventurança. E, assim, o salto vale a pena. O salto é tudo. Com o salto, o abismo insondável torna-se liberdade ilimitada. Sadhana Concentrando-se em um ponto entre 6 cm e 9 cm de distância da região entre as sobrancelhas por doze a quarenta e oito minutos, com os olhos abertos, você pode perceber a natureza e a estrutura de seus chakras individuais (dependendo da duração e do seu nível de foco). Essa percepção pode ajudar a estabilizar o movimento aleatório dos chakras na fisiologia humana, decorrente de situações externas estressantes. Esse é apenas um aspecto de uma forma muito sofisticada do kriya yoga que permite o acesso à sua dimensão akashic, ou etérea, interior. CAMINHO INEXPLORADO A sexta ramificação do yoga é chamada de dhyana, ou dhyan, que é essencialmente sobre a pessoa transcender os seus limites de estrutura física e mental. O dhyan foi com os monges budistas da Índia para a China, e lá foi chamado de Ch’an. Esse yoga viajou pelos países do Sudeste Asiático para o Japão e se tornou Zen, e encontrou expressão como um sistema completo de compreensão direta, sem ênfase na doutrina. O Zen é um caminho espiritual que não tem escrituras, livros, regras ou práticas rígidas; é um caminho inexplorado. O primeiro uso registrado do método que agora chamamos de Zen aconteceu há quase oito mil anos, bem antes do tempo de Gautama, o Buda. O rei Janaka era um homem brilhante e um seeker entusiasmado, ardendo com o anseio de saber. Ele havia consumido exaustivamente todo o conhecimento dos mestres espirituais do reino. Nenhum deles poderia ajudá-lo, pois todos partiam da teoria. Ele tinha que encontrar alguém que tivesse passado por uma experiência interior. Um dia, o rei saiu em uma viagem de caça. Adentrando os confins da selva, ele avistou um yogi… e parou. Sentado do lado de fora de um pequeno eremitério estava Ashtavakra, um dos mais completos yogis e mestres espirituais de todos os tempos. Janaka preparou-se para descer do cavalo e cumprimentá-lo. Passou a perna sobre a sela e estava prestes a desmontar quando Ashtavakra disse: “Pare!”. Então, Janaka parou ali, uma perna ainda no estribo e a outra no ar. Era uma posição dolorosa, mas Janaka permaneceu paralisado, olhando para Ashtavakra. Não sabemos por quanto tempo o guru o manteve assim, mas, de repente, naquele estado constrangedor, Janaka tornou-se totalmente iluminado. O método empregado por Ashtavakra é semelhante ao que geralmente é conhecido no mundo de hoje como Zen. Certa vez, havia um mestre Zen a quem todos respeitavam, mas que não tinha ensinamento para transmitir. Ele sempre carregava um enorme saco nos ombros; aquilo continha muitos itens, e alguns deles eram doces. Em todas as cidades e vilarejos que visitava, as crianças reuniam-se em torno dele, e ele distribuía doces e ia embora. As pessoas pediam ensinamentos, mas ele apenas sorria e seguia seu caminho. Um dia, um homem que era conhecido por ser um mestre Zen de grande reputação foi ao seu encontro. Ele queria verificar se aquele homem com o saco era realmente Zen ou não. Então perguntou: “O que é Zen?”. Imediatamente, o homem largou o saco e selevantou. Então ele perguntou: “Qual é o objetivo do Zen?”. O homem ficou em pé, pegou o saco, pendurou-o sobre os ombros e foi embora. Isto é o que o yoga também é. É do que trata toda prática espiritual. Quando você quer alcançar o yoga ou o Zen, tem que largar sua carga, descartar tudo no caminho, permanecer livre, manter-se ereto. É importante. Com sua carga, você nunca poderá fazer isso. E qual é o objetivo do yoga? Conscientemente, pegue toda a carga novamente. E agora já não parece uma carga! ■ Ciência sagrada O que significa santificar ou consagrar um espaço? A palavra consagração é frequentemente usada de forma um tanto vaga. Para a maioria das pessoas, denota uma série de rituais que oferecem, na melhor das hipóteses, beleza e poesia à vida delas, mas que não desempenham nenhuma função útil de verdade. Muitos acreditam que é besteira destinada a ofuscar o processo espiritual e explorar a maioria temerosa e ingênua. É hora de descartar esse entendimento superficial e olhar mais fundo. Se você transforma terra em comida, chamamos de agricultura. Se transforma comida em carne e osso, chamamos de digestão. Se transforma carne em terra, chamamos de cremação. Se transforma essa carne, ou mesmo uma pedra ou espaço vazio, em uma possibilidade maior, isso é consagração. Consagração é um processo vivo. A palavra em sânscrito para isso é pratishtha. Como já discutimos anteriormente, a ciência moderna nos diz hoje que tudo é a mesma energia que se manifesta de 1 milhão de maneiras diferentes. Se é assim, o que você chama de divino, o que chama de pedra, o que chama de homem ou mulher, ou demônio, tem a mesma energia funcionando de formas diferentes. Se tiver a técnica necessária, você poderá transformar o espaço à sua volta em uma exuberância divina. Pode simplesmente pegar um pedaço de rocha e transformá-lo em um deus ou uma deusa. Esse é o fenômeno da consagração. Uma enorme quantidade de conhecimento sobre a consagração foi perpetuada através das gerações desde os tempos antigos, particularmente na Índia. Isso ocorre porque, independentemente de quanto sua vida seja boa, ou de quanto tempo você viva, em algum momento o desejo humano fundamental de entrar em contato com a fonte da criação com certeza se afirmará. Se a possibilidade de acessar essas dimensões mais profundas não for criada e disponibilizada a todos os indivíduos que a buscam, então a sociedade falhou em fornecer um autêntico bem-estar a seus cidadãos. É por causa dessa consciência que a cultura indiana construiu inúmeros templos em todas as ruas. A ideia não era criar templos que competissem entre si, mas simplesmente que ninguém deveria viver em um espaço que não fosse consagrado. É uma grande sorte para um ser humano viver em um espaço consagrado. Quando isso acontece, a maneira como vive se torna distintamente diferente. Você pode perguntar: “Não posso viver sem isso?”. Pode. Se sabe como transformar seu próprio corpo em um templo, ir ao templo não é tão significativo. Sim, você pode consagrar seu próprio corpo. Mas a questão é: você consegue mantê-lo assim? Todas as iniciações espirituais foram destinadas a consagrar essa própria carne em um espaço semelhante ao templo. Depois disso, tudo o que é necessário é a manutenção. Realizar uma prática espiritual todos os dias é uma forma de tentar manter o sistema humano em um estado elevado de vibração após uma iniciação. Dei poderosas consagrações às pessoas em vários momentos, tanto formal quanto informalmente. Consagrar um objeto inanimado – uma rocha, por exemplo – custa uma enorme quantidade de vida. Transformar seres humanos em templos vivos é muito menos custoso e mais ecológico – além disso, eles se deslocam! Há muitas vantagens, mas o problema é que os seres humanos têm que dedicar certo tempo, energia e foco à manutenção, caso contrário não funcionará. Quando as pessoas no mundo estão muito distraídas e não estão dispostas a se tornarem templos vivos, construir templos de pedra se torna uma necessidade. O objetivo básico de construir um templo é beneficiar a maioria das pessoas que não têm, na vida, prática espiritual. Se você pode fazer alguma prática espiritual em um espaço tão consagrado, é duplamente benéfico. Em particular para aqueles que não sabem como transformar o próprio corpo em um templo, o templo externo é inestimável. A consagração, ou pratishtha, é feita de várias maneiras, mas geralmente usando rituais, mantras, sons, formas e vários outros ingredientes. A manutenção constante é necessária. Os rituais nos templos não são para você; são para manter a divindade ou forma de energia viva. O que é uma divindade? Uma divindade é uma ferramenta para um propósito específico: alcançar a realização em diferentes aspectos da vida. De fato, a palavra tradicional para divindade é yantra, que literalmente se traduz como máquina ou uma forma de energia de trabalho. A sabedoria tradicional sempre aconselhou as pessoas a não guardarem ídolos de pedra em casa. Se você os mantiver, deve realizar todos os dias os tipos certos de processos. Se uma divindade é consagrada por meio de mantras, e se a manutenção necessária não acontece diariamente, a divindade torna-se uma energia retraída que pode causar um dano imenso às pessoas que vivem nas redondezas. Infelizmente, muitos templos acabaram assim como consequência da manutenção inadequada por pessoas que não sabiam como mantê-los vivos. Prana pratishtha é diferente na medida em que usa as próprias energias vitais para consagrar algo. Quando você consagra uma forma desse jeito, ela não precisa de manutenção. É literalmente para sempre. Quando cumpri minha missão de vida, que foi a consagração do Dhyanalinga (uma forma de energia sutil com todos os chakras operando em sua capacidade máxima, no Centro do Yoga Isha em Coimbatore, no sul da Índia, em 1999), foi por meio do prana pratishtha. É por isso que não há rituais nesse santuário. Não é necessário. O Dhyanalinga não precisa de manutenção porque sua vibração nunca oscilará. Mesmo que você retire a parte de pedra da estrutura, ela permanecerá a mesma. Independentemente das mudanças físicas que possam acontecer ao longo do tempo, a forma de energia não perecerá! Isso ocorre porque a forma real é feita de uma dimensão não física. É indestrutível. Os templos indianos nunca foram lugares de oração. A tradição era que você tomava banho de manhã cedo e ia diretamente ao templo, sentava-se ali por um tempo e só então começava o dia. O templo era como um espaço público de carregamento de bateria. Atualmente a maioria das pessoas se esqueceu disso. Elas apenas vão aos templos, pedem algo, saltam no chão do templo e depois vão embora. É completamente inútil. A ideia é sentar e absorver as energias do lugar. No templo de Yoga Dhyanalinga, em Coimbatore, você não tem que “acreditar” em nada para colher seus benefícios. Não tem que orar ou fazer qualquer oferenda ritual. É apenas encorajado a fechar os olhos e estar no espaço por algum tempo. Se fosse tentar por si mesmo, descobriria que é uma enorme experiência. O Dhyanalinga está no mais alto nível de intensidade em que qualquer forma pode estar. Mesmo que aqueles que não sabem nada sobre meditação apareçam e fiquem sentados ali, tornam-se meditativos por sua própria natureza. Ele é esse tipo de ferramenta notável. Se eu tivesse o apoio e a oportunidade necessários, gostaria de consagrar todo o planeta! É nisso que sou bom: transformar o nada em um espaço vibrante muito poderoso, transformando um pedaço de metal ou pedra em uma reverberação divina. É meu sonho que algum dia toda a humanidade viva em um ambiente consagrado. Sua casa deve ser consagrada; sua rua deve ser consagrada; seu escritório deve ser consagrado. Todos os lugares em que você passa seu tempo devem ser consagrados. Quando você vive em um espaço assim, sua evolução não precisa se ater à escala darwiniana; você podesimplesmente saltar para um estado de bem-estar e liberdade. Na Índia, a maioria dos templos antigos foi construída para Shiva, ou “aquilo que não é”. Há milhares de templos de Shiva no país, e a maioria não tem qualquer ídolo como tal. Geralmente eles têm uma forma representativa, um linga. A palavra linga significa “a forma”. Quando a criação começou a acontecer, ou quando o não manifesto se tornou manifesto, a primeira forma que ele assumiu foi a de um elipsoide, ou uma elipse tridimensional, que é o que chamamos de linga. Começou como um elipsoide e assumiu muitas outras condições e formas. Se entrar em estados profundos de meditação, você descobrirá que, antes de um ponto de dissolução absoluta, mais uma vez a energia assume a forma de um linga. Os cosmólogos modernos identificaram que o núcleo de cada galáxia é sempre um elipsoide. Então, geralmente, no yoga, o linga é considerado a forma perfeita e fundamental na existência. É a forma inicial e a forma final. No espaço entre os dois, a criação acontece. O que está além é “aquilo que não é”, ou shi-va. Então, a forma de linga é, na verdade, uma abertura na estrutura da criação. Para a criação física, a porta da frente é um linga e a porta dos fundos é um linga! Isso faz do templo uma abertura na estrutura do físico. Você pode passar por ele e ir além: é isso que o torna uma enorme possibilidade. Curiosamente, os lingas são encontrados em todo o mundo. Na África, há lingas de terracota, amplamente usados para fins ocultos. Em Delfos, na Grécia, há um linga abaixo do solo, conhecido como o “umbigo da terra”. É puramente um manipura linga, destinado a promover a prosperidade e o bem-estar material. Quando me mostraram uma foto, soube imediatamente que tipo de pessoa o havia consagrado. Definitivamente, yogis indianos há milhares de anos; não há dúvida quanto a isso. Quando eu consagrei Adi yogi, a Morada do Yoga no Tennessee, em 2015, foi um evento de considerável importância espiritual – na verdade, um marco para o yoga clássica no mundo ocidental. Tendo visto vários locais antigos de interesse, estou bem certo de que nada desse tipo de significiência energética aconteceu na América do Norte, ou mesmo no hemisfério ocidental, nos últimos três mil anos. Consagrado por meio do processo de prana pratishtha, o espaço é uma homenagem a Adiyogi, o primeiro yogi do mundo. Exclusivamente dedicado à busca e à prática do yoga, o espaço representa um repositório vivo do mais elevado nível de vitalidade e exuberância energética e oferece uma possibilidade espiritual única para os seekers no Ocidente. A maioria dos lingas na Índia agora representa no máximo um ou dois chakras. São invariavelmente consagrados ao bem-estar material. Há alguns anahata lingas consagrados a promover a paz e a alegria também. A singularidade do Dhyanalinga é que ele tem os sete chakras energizados em seu máximo. Criar sete lingas separados para sete chakras teria sido muito mais fácil, mas o impacto não teria sido o mesmo. Assim, o Dhyanalinga é como o corpo energético do ser mais evoluído, na cultura yogi chamado de “Shiva”, eternamente disponível para todos. É a mais elevada manifestação possível. Se você impulsiona a energia para níveis muito elevados de intensidade, ela pode se manter até certo ponto. Além disso, torna-se sem forma, e as pessoas são em grande parte incapazes de experimentá-la. O Dhyanalinga foi consagrado de uma forma que a energia foi cristalizada no ponto mais elevado, além do qual não pode haver forma. Foi criado para que a intimidade de se reunir com um guru vivo esteja disponível para cada seeker que anseia por isso. Acima de tudo, o que torna o Dhyanalinga uma possibilidade espiritual imensa e sem precedentes é o fato de representar a oportunidade de experimentar a vida em sua completa profundidade e totalidade. Aquele que entra em sua esfera é influenciado no nível do corpo akashic, ou etéreo, ou do vignanamayakosha. Se você produz certa transformação por meio do corpo físico, mental ou energético, ela pode se perder no curso da vida. Mas quando você é tocado no nível do corpo etéreo, é para sempre. Mesmo que você passe por muitas vidas, essa semente de libertação esperará pela oportunidade certa para brotar e florescer. Levei três anos e meio em um processo muito intenso de consagração para completar o Dhyanalinga. Muitos yogis e adeptos tentaram criar um linga assim, mas, por várias razões, os ingredientes necessários nunca se reuniram. Essa não foi a minha vontade; foi a do meu guru. Embora o contato com meu mestre tenha sido rápido, foi importante em todos os sentidos. Ele dirigiu todos os passos da minha vida, inclusive meu próprio nascimento. O Dhyanalinga foi finalmente realizado, com a graça dele e com o amor, o apoio e a compreensão de muitas pessoas que se doaram, intencionalmente ou não, voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconscientemente. Sou grato a todos. Sadhana Se você aprender a usar os cinco elementos em uma formação geométrica simples, poderá criar um espaço de energia altamente benéfico para si mesmo. Eis um exercício simples que você pode experimentar. Desenhe uma figura como a que segue, com farinha de arroz ou algum tipo de grão. Coloque uma pequena vela de ghee, ou manteiga clarificada, no meio de um prato cheio de água. Coloque uma flor na água. Você criou uma forma geométrica usando água, fogo e ar. A flor na água representa a terra. É claro que Akash, ou éter, está sempre presente. Experimente esse processo simples todas as noites. Você descobrirá a energia do seu quarto alterada de forma sutil, mas poderosa. Dessa forma, pode empoderar singularmente sua casa ou seu escritório todos os dias. Montanhas de graça Para a maioria dos yogis e místicos, o problema é que nunca puderam compartilhar os frutos de sua realização com as pessoas ao redor. Encontrar outra pessoa capaz de receber o que você sabe não é fácil. Se encontrar até mesmo uma pessoa, você é afortunado. Assim, a maioria dos mestres espirituais fez o download de seu conhecimento em lugares remotos, mas não totalmente inacessíveis. Frequentemente escolhiam os picos das montanhas porque há menos tráfego humano e perturbações nesses lugares. Há muitos lugares maravilhosos assim na Índia. O monte Kailash (o pico da montanha no Tibete ocidental, considerado um local sagrado de poder e antiguidade incomensuráveis) é o local onde o máximo de conhecimento foi armazenado por um longo tempo em forma de energia. O Kailash é a maior biblioteca mística do planeta. Quase todas as religiões do Oriente o consideram altamente sagrado. Entre os hindus, é tradicionalmente considerado a morada do grande deus Shiva e de sua consorte, Parvati. Os budistas o consideram sagrado porque acreditam que três de seus grandes Budas estejam morando ali. Os jainistas acreditam que seu primeiro grande mestre, ou tirthankara, alcançou a libertação ali. A religião bon, que é a religião original do Tibete, também o considera profundamente sagrado. Tenho levado peregrinos ao Kailash nos últimos onze anos. Quando fui até lá em 2007, minha saúde estava particularmente ruim. Eu havia viajado semanas sem parar, durante as quais médicos desorientados em diferentes partes do mundo me diagnosticaram com uma variedade de doenças, incluindo malária, dengue, febre tifoide e até câncer. Os médicos confusos chamaram meus exames de sangue de “esotéricos”! Finalmente, decidi olhar para dentro e trabalhar em mim mesmo. Alguns dias depois, fui ao Kailash. Naquele momento, eu estava melhor, mas ainda muito fraco. Quando olhei para a montanha, vi que havia muito conhecimento místico esperando para ser acessado. Então, peguei um fio de energia da montanha e o conectei de um certo modo ao meu sistema energético. Assim que o fiz, houve um súbito ressurgimento de vitalidade e meu esgotado corpo energético (devastado por quase oito semanas de febre)se recuperou. Eu parecia mais jovem, me sentia mais jovem e até minha voz tinha mudado – cerca de apenas uma hora depois! Os resultados foram visíveis. Havia quase 200 pessoas ao meu redor que testemunharam isso. Há outros lugares de enorme energia vibracional em que os místicos deixaram os frutos de sua prática espiritual. São inúmeros no Himalaia. Uma variedade de místicos e yogis escolheu essas montanhas como sua morada. Quando viviam lá, naturalmente deixavam para trás certa dimensão de energia e, como resultado, o Himalaia reuniu uma espécie de aura. Por exemplo, Kedarnath é apenas um pequeno templo no Himalaia. Não há divindade ali; é apenas um afloramento de uma rocha. Mas é um dos lugares mais poderosos do mundo! Se você se esforçar para melhorar sua receptividade e depois visitar um lugar como esse, ele o sobrecarregará. Há muitos lugares como esse no Oriente, mas o Himalaia atrai a maioria das pessoas. Há outro lugar no estado de Karnataka, no sul da Índia, chamado Kumara Parvat. Parvat significa “montanha”. Kumara refere-se a Kartikeya, filho de Shiva. Ele lutou muitas batalhas, tentando transformar o mundo, mas, quando percebeu a futilidade disso, dirigiu-se para aquela região e ali lavou o sangue de sua espada pela última vez. Concluiu que, mesmo que lutasse por mil anos, nunca mudaria o mundo; que uma solução violenta criaria outros dez problemas. Então subiu a montanha e ficou no cume. Normalmente, quando um yogi quer sair do corpo, ele se senta ou se deita. Mas, por ser um guerreiro, Kartikeya levantou-se e saiu de seu corpo de pé. Se alguém pode sair da forma física voluntariamente sem danificá-la, é uma indicação de domínio absoluto sobre o processo da vida. Na tradição indiana é geralmente chamado de mahasamadhi, ou “gloriosa equanimidade”. Quando fui a Kumara Parvat muitos anos atrás, uma pequena tenda foi montada para mim. Eu queria dormir nela, mas quando entrei e tentei me deitar, meu corpo involuntariamente passou para uma postura de pé, desmontando a tenda. Durante toda a noite não consegui me sentar; meu corpo só ficava de pé. Foi quando comecei a ver o que significava a vida de Kartikeya. Embora ele tenha vivido há milhares de anos, o que deixou para trás ainda está vibrantemente vivo. Esse tipo de trabalho nunca pode ser eliminado. Onde quer que uma pessoa faça algo com suas energias vitais, ela cria uma possibilidade que não pode ser apagada por nenhum evento. O trabalho e a presença de qualquer um que experimentou um pouco as dimensões internas nunca podem ser destruídos. Por exemplo, Gautama, o Buda, deve ter vivido dois mil e quinhentos anos atrás, e Jesus supostamente viveu há dois mil anos, mas, no que me diz respeito, ambos são uma realidade. Quando se cria certo volume de trabalho com suas energias vitais, ele é permanente para todos os propósitos práticos, e o tempo não o destrói. Se você trabalha com o corpo físico de carne e osso, isso tem uma vida útil limitada. Se usa sua mente, a vida útil desse trabalho é muito maior. Mas se trabalha com suas energias vitais fundamentais, então o resultado é atemporal. OS PICOS DE PRATA Desde a minha infância, sempre houve um pico de montanha no fundo dos meus olhos. Só aos 16 anos, enquanto conversava com meus amigos (que disseram: “Você é louco! Onde estão as montanhas?”), percebi que ninguém mais tinha montanhas nos olhos! Por algum tempo achei que deveria localizar aquele pico, mas acabei deixando a ideia de lado. Suponha que houvesse uma mancha em seus óculos. Você se acostumaria depois de um tempo. E assim aconteceu com o pico da montanha. Só muito mais tarde, quando uma enxurrada de lembranças retornou a mim, e eu buscava um lugar para estabelecer o Dhyanalinga, comecei a procurar o pico que havia dominado a minha visão. Viajei por todos os lugares. Fiz a jornada de mais de 1.200 km de Goa até Kanyakumari, no extremo sul da Índia, cerca de 11 vezes. Ao longo de cada estrada e trilha de lama, rodei milhares de quilômetros. Então, um dia, por acaso, muitos anos depois, cheguei a um vilarejo nos arredores de Coimbatore. Enquanto fazia uma curva, vi a Sétima Colina das montanhas Velliangiri. Ali estava: a montanha que eu via desde a infância. Quando pus os olhos naquele pico – que viveu dentro de mim durante toda a vida –, ele desapareceu da minha visão interior e se tornou real. De repente, soube que aquele seria o espaço mais propício para o trabalho da minha vida. Se você me perguntar: “Qual é a maior montanha do planeta?”, sempre responderei: “Velliangiri”. Nasci com um registro daquelas montanhas nos olhos, e elas me assombraram desde então. Viviam dentro de mim e eram meu próprio sistema de navegação, meu radar interno. Essas montanhas não são apenas uma questão de geografia para mim. São um reservatório de tudo que eu precisava saber para criar o Dhyanalinga. A palavra Velliangiri significa literalmente “montanha de prata”, e essa cadeia é assim chamada porque essas montanhas ficam cobertas por nuvens durante grande parte do ano. Também são conhecidas como o “Kailash do Sul”, porque Adiyogi, ou o próprio Shiva, passou pouco mais de três meses sobre aqueles picos. Quando chegou ali, não estava em seu estado de espírito habitualmente alegre. (Segundo a lenda, estava zangado consigo mesmo porque não havia cumprido sua palavra com uma de suas mais fervorosas devotas.) Estava intenso e desesperançado, e essa energia ainda hoje é evidente; produziu uma série de yogis através da tradição que eram do tipo irritadiço. Eles fizeram sua prática espiritual ali e adquiriram essa qualidade. Não estavam zangados com nada específico; estavam simplesmente em certo estado de intensidade. Acima de tudo, essa montanha é muito importante para mim porque é o local onde meu guru deixou seu corpo. Essa montanha é como um templo, um santuário vivo, para nós nesta tradição yogi – uma torrente de divindade, uma cascata de graça. ■ O caminho do místico Há uma grande curiosidade em certos círculos sobre experiências místicas. Muitos afirmam ter tido experiências paranormais extraordinárias que citam como prova de sua evolução espiritual. Uma palavra comum nos dicionários espirituais das pessoas atualmente é samadhi, que é visto como um certificado de realização mística. O que é samadhi? É um estado de equanimidade em que o intelecto vai além de sua função normal de discriminação. Por sua vez, isso relaxa seu corpo físico de tal forma que há um espaço entre você e ele. Há vários tipos de samadhi, os quais, por uma questão de compreensão, foram classificados em oito. Entre esses oito há duas extensas categorias: savikalpa (samadhis com atributos ou qualidades muito agradáveis, felizes e extáticos); e nirvikalpa (samadhis que são além de agradáveis e desagradáveis, sem atributos ou qualidades). No caso do nirvikalpa samadhi, há apenas um ponto de contato com o corpo. O resto da energia é livre e não está ligado ao físico. Esses estados são mantidos por certos períodos de tempo para auxiliar os praticantes a estabelecer a distinção entre eles mesmos e seus corpos. O samadhi é um passo significativo na evolução espiritual, mas ainda não é o supremo. Experimentar um tipo de samadhi não significa estar livre dos ciclos da existência. É apenas um novo nível de experiência. Quando era criança, você experimentou a vida de uma forma particular. Quando entra na vida adulta, você tem outro nível de experiência. Experimenta as mesmas coisas de forma totalmente diferente em diferentes pontos da vida. Samadhis são assim. Algumas pessoas podem entrar em certo nível de samadhi e ficar nele por anos, porque é agradável. Nessa condição, não há espaço, tempo ou problemas corporais, pois as barreiras físicas e psicológicas foram quebradas em alguma medida. Mas isso é apenas temporário. No momento em que saem desse estado, todas as necessidades corporais e hábitos mentais retornam. Comparada a uma pessoasóbria, uma pessoa ligeiramente bêbada tem, em geral, um nível diferente de experiência e exuberância. Mas todos têm que voltar ao normal em algum momento. Todos os samadhis são uma maneira de ficar chapado sem quaisquer substâncias químicas externas. Se você entrar nesses estados, uma nova dimensão se abrirá para você. O crucial, porém, é que isso não o deixa permanentemente transformado. Você não se mudou para outra realidade. Seu nível de experiência se aprofundou, mas você não se tornou livre, em um sentido supremo. A maioria dos seres iluminados nunca ficava nos estados de samadhi. Gautama Buda nunca se sentou e meditou por anos a fio após sua iluminação. Muitos de seus discípulos passaram por longas meditações durante anos. Mas o próprio Gautama nunca fez isso, porque deve ter visto que não precisava. Ele praticou e experimentou os oito tipos de samadhis antes da iluminação, e os descartou. Ele disse: “Não é isso”. Sabia que isso não o levaria à realização. O samadhi é só um nível aumentado de experiência, um tipo de LSD interior sem qualquer contribuição externa, o que provoca níveis alterados de percepção. O risco é de que você possa ser pego por ele, porque é muito mais bonito do que a realidade atual, mas até mesmo as experiências mais belas, como sabemos, podem se tornar um empecilho com o tempo. Se você fez da autorrealização a prioridade máxima em sua vida, então qualquer coisa que não o leve um passo mais perto de sua liberdade suprema não tem sentido. Digamos que esteja escalando o monte Everest: você não vai dar um passo para o lado, pois cada gota de energia é necessária para atingir o pico. Agora, se tiver que atingir o pico de sua consciência, precisa de toda a energia que puder reunir. E ainda não é o bastante! Portanto, você não desejaria realizar qualquer ação que o distraísse do objetivo principal. “O que é essa autorrealização?”, você pode se perguntar. Afinal, tudo o que a maioria das pessoas está buscando é saúde, bem-estar, riqueza, amor e sucesso. Você realmente precisa de autorrealização? Vejamos da maneira mais simples possível. Não é verdade que, quanto mais você sabe sobre o seu computador, melhor você pode usá-lo? Não é verdade que sua capacidade de usar um dispositivo ou instrumento é diretamente proporcional ao seu conhecimento sobre ele? Não é verdade que alguém com um alto nível de destreza e experiência pode usar até mesmo um instrumento simples de uma forma aparentemente mágica? Já viu algumas pessoas em um pedaço de plástico que chamam de prancha de surfe fazendo coisas incríveis? Apenas um pedaço de plástico, e como são incríveis os feitos de agilidade e graça que elas podem realizar! Da mesma forma, quanto mais profunda sua compreensão do mecanismo humano, mais mágica sua vida será. Em todas as culturas, houve algumas pessoas que realizaram certas ações que fizeram os outros acreditarem em milagres. Todas essas ações conhecidas como milagres nascem de um acesso mais profundo à vida de que alguns desfrutaram. Como já disse várias vezes, esse acesso está disponível para todos que se preocuparem em olhar mais fundo. Tantra: uma tecnologia para a transformação Atualmente há muitas práticas associadas às ciências ocultas disfarçadas de processos espirituais. Digamos que eu esteja na Índia e você, nos Estados Unidos. Quero lhe enviar uma flor, mas não estou disposto a fazer a jornada que Colombo fez. Se eu conseguir fazer com que esta flor de repente pouse em seu colo, isso é oculto. Não há nada de espiritual nisso; é apenas outra forma de lidar com a dimensão física da vida. Na Índia, temos muitos processos ocultos sofisticados. Há pessoas que podem apenas olhar para uma fotografia e construir ou destruir a vida de uma pessoa. Podem garantir que a pessoa contraia uma doença que o corpo não poderia ter adquirido em um curto espaço de tempo. Esses praticantes ocultistas também podem criar saúde, mas infelizmente muitos deles usam sua habilidade de outras maneiras, já que parece haver um mercado melhor para esses talentos negativos. Em todo caso, quer seja usado para problemas de saúde ou boa saúde, é irrelevante. O uso do oculto para qualquer objetivo auto-orientado é desaconselhável. A tradição yogi está repleta de histórias do grande yogi Gorakhnath. Alguns dizem que ele viveu no século XI, mas há muitos relatos que o estabelecem muito antes. Ele era um discípulo de Matsyendranath, um ilustre yogi por mérito próprio. Tamanho era seu nível de realização que Matsyendranath era frequentemente venerado como uma reencarnação de Shiva, ou Adiyogi. A tradição nos diz que Matsyendranath viveu por cerca de seiscentos anos. Isso não precisa ser literalmente aceito ou descartado como hagiografia. Em essência, indica um tempo de vida excepcionalmente longo e o enorme fascínio que essa figura icônica gerava. Gorakhnath tornou-se seu discípulo e venerou e adorou seu mestre. Gorakhnath era fogo e intensidade. Matsyendranath viu muito fogo nele, e sem contenção suficiente. O fogo queima muitas coisas, então Gorakhnath começou a queimar as paredes da ignorância, e de repente teve um enorme poder. Matsyendranath viu que ele estava correndo um pouco à sua frente, então disse: “Afaste-se por catorze anos. Não fique perto de mim. Você está absorvendo muito de mim”. Essa era a coisa mais difícil para Gorakhnath. Se Matsyendranath tivesse dito: “Desista de sua vida”, ele o teria feito imediatamente. “Afaste-se” era algo que não podia suportar. Mas, como seu amado mestre o exigiu, ele partiu. Durante catorze anos, contou as horas e os dias, aguardando pelo momento em que poderia voltar. Quando o período terminou, ele retornou depressa. Ao chegar, encontrou um discípulo guardando a caverna em que Matsyendranath vivia. Gorakhnath disse: “Quero ver meu mestre!”. O yogi que guardava a caverna avisou: “Não tenho essas instruções, então é melhor você esperar”. Gorakhnath exaltou-se. E falou: “Esperei por catorze anos, seu tolo! Não sei quando você chegou aqui. Talvez tenha chegado anteontem. Como ousa me impedir?”. Ele o empurrou e entrou na caverna. Matsyendranath não estava lá. Gorakhnath voltou, sacudiu o discípulo e perguntou: “Onde ele está? Quero ver meu mestre agora!”. O discípulo respondeu: “Não tenho instruções para lhe dizer onde ele está”. Gorakhnath não conseguiu se conter. Usou seus poderes ocultos, examinou a mente do discípulo e descobriu onde Matsyendranath estava. Então seguiu naquela direção. O guru esperava por ele no meio do caminho. Matsyendranath disse: “Eu mandei que se afastasse por catorze anos porque você estava começando a se guiar pelo ocultismo. Estava perdendo de vista o processo espiritual e começando a desfrutar do poder que ele lhe forneceu. Quando você volta, a primeira coisa que faz é usar o oculto para abrir a mente do seu irmão discípulo. Mais catorze anos para você”. E, assim, o mandou embora novamente. Há muitas histórias sobre Gorakhnath fazendo incursões nesse reino proibido, e Matsyendranath o punindo de repetidas vezes. Ao mesmo tempo, Gorakhnath evoluiu finalmente para o maior discípulo que Matsyendranath produziu. É assim que a prática do ocultismo sempre foi tratada na cultura yogi. Nunca foi tratada com respeito. Foi vista como uma forma de abusar da vida, de invadir áreas que não deveria, e praticada apenas por certos tipos de pessoas obcecadas por poder ou dinheiro. Ao mesmo tempo, o ocultismo nem sempre é negativo. Obteve essa reputação por conta do uso indevido. O ocultismo é essencialmente uma técnica. Nenhuma ciência ou técnica é intrinsecamente negativa. Se começarmos a usar a técnica para matar ou torturar as pessoas, depois de algum tempo pensamos: Chega dessa maldita técnica! Foi o que aconteceu ao ocultismo. Muitas pessoas abusaram dele para benefício pessoal. Então, no caminho espiritual, ele é geralmente evitado. O que muitas vezes é chamado de ocultismo é amplamente