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02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 1/38 Teoria geral dos direitos reais Filipe Medon false Descrição Análise da evolução histórica e das principais classificações dos direitos reais. Propósito Compreender as principais noções e classificações acerca dos direitos reais é extremamente importante para a formação e, principalmente, na atuação profissional futura, uma vez que essa temática está sendo revisitada sob perspectiva funcionalizante a partir da Constituição e esses conhecimentos têm sido cada vez mais exigidos dos operadores do Direito, independentemente da carreira que o aluno venha a abraçar. Preparação Antes de iniciar o conteúdo, tenha à mão o Código Civil (Lei nº 10.406/2002). 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 2/38 Objetivos Módulo 1 Principais noções gerais Identificar as principais noções gerais envolvendo direitos reais. Módulo 2 Principais classi�cações Reconhecer as principais classificações dos direitos reais. Módulo 3 Obrigações mistas Analisar as obrigações mistas dentro do Direito das Coisas. Neste conteúdo, vamos enfrentar um dos assuntos mais tradicionais no estudo do Direito Civil: o Direito das Coisas, que, em alguns cursos, também é chamado pelo nome geral de Direitos Reais. Trata-se de um tema cujos institutos vêm sendo reproduzidos muitas vezes sem grandes alterações desde o Direito Romano. No entanto, vamos perceber que uma visão mais contemporânea, cujas bases se assentam no Direito Civil Constitucional, nos permite enxergar que esse ramo tão Introdução 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 3/38 1 - Principais noções gerais tradicional também sofreu influências do fenômeno da constitucionalização do Direito, de modo que seus institutos precisam ser relidos. Como veremos em nosso estudo, hoje, não tutelamos mais a propriedade por si mesma: ela precisa cumprir uma função social dentro do ordenamento para receber a sua adequada proteção jurídica. É assim que vamos, em primeiro lugar, esmiuçar história, natureza, constituição e objeto dos Direitos Reais, para, em seguida, aprofundar em algumas de suas classificações. Por fim, vamos analisar três tópicos: Obrigações mistas Direitos reais plenos Direitos reais limitados Os temas serão analisados isoladamente em módulos próprios, mas fica aqui desde já uma questão importante que deve ser objeto de reflexão por todos nós: Qual a importância de uma análise funcionalizante em vez de uma perspectiva meramente estrutural dos direitos reais? 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 4/38 Ao �nal deste módulo, você deverá ser capaz de identi�car as principais noções gerais envolvendo direitos reais. Objeto de estudo Neste momento, iniciamos buscando definir o objeto da nossa análise: o Direito das Coisas. Para isso, recorremos a uma definição clássica, replicada por praticamente todos os manuais e que vem de Clóvis Beviláqua. Para ele, o Direito das Coisas: (...) é o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisa são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio. (BEVILÁQUA, 2003, p. 9) Antes de prosseguirmos, no entanto, é importante delimitar conceitualmente duas noções que, por vezes, são confundidas: Coisas Bens Aqui, não há consenso na doutrina, nem nos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo sobre essa distinção conceitual, já que cada Código Civil adota uma perspectiva distinta. Vejamos, por exemplo, o 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 5/38 Código Civil Português, que acaba designando como coisa aquilo que aqui no Brasil entendemos como bem. Nesse sentido, o artigo 202 do código lusitano dispõe que: 1. Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas. 2. Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual. Atenção No Brasil, o Código de 2002, além de não ter sido claro, é bastante assistemático. A consequência dessa ausência de rigor terminológico é que acaba ficando a cargo da doutrina diferenciar bens e coisas. Nesse sentido, para Gustavo Tepedino e Milena Donato Oliva: “(...) consideram-se coisas todas as entidades do universo, algumas das quais, designadas tecnicamente como bens, são identificadas como ponto de referência objetivo de relação jurídica” (TEPEDINO; OLIVA, 2021, p. 184). Por esse motivo é que a doutrina somente considera como coisas em sentido jurídico “aquelas suscetíveis de se constituir objeto de direito, coincidindo, nesta acepção estreita, com a noção de bem, corretamente adotada pela codificação atual (muito embora mantenha a designação “Direito das Coisas” para seu Livro III)” (TEPEDINO; OLIVA, 2021, p. 184). Nessa direção, vejamos: Bem seria tudo aquilo que possa ser objeto de direito, ou seja, tudo aquilo que, direta ou indiretamente, satisfaça um interesse ou necessidade humana e como tal possa ser tutelado pelo Direito. Deve existir palpavelmente ou ser tangível. Assim, um carro, uma conduta e uma criação são bens. A lua é uma coisa, embora não seja um bem. Por seu turno, a honra e os direitos autorais são bens que não são coisas. Dizemos que: “coisa constitui-se em gênero, que abrange todos os elementos perceptíveis, sendo bem a espécie, a traduzir aquilo que pode consubstanciar objeto de direito, e que pode ser considerado coisa em sentido jurídico” (TEPEDINO; OLIVA, 2021, p. 184). Ou seja, a coisa é algo corpóreo, com 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 6/38 existência física; e os bens, que são espécies de coisas, são tudo aquilo que seja objeto de direito e satisfaça uma necessidade ou interesse humano. Diante disso, sintetiza Carlos Roberto Gonçalves que “o direito das coisas resume- se em regular o poder dos homens, no aspecto jurídico, sobre a natureza física, nas suas variadas manifestações, mais precisamente sobre os bens e os modos de sua utilização econômica” (GONÇALVES, 2016, p. 20). Essa denominação também foi adotada pelos Códigos Civis de Portugal, Alemanha e Áustria. Contudo, a maioria da doutrina e dos Códigos ao redor do mundo prefere “a expressão direitos reais, preconizada por SAVIGNY. Ambas as expressões possuem, todavia, conceito e objetivo idênticos, tratando da mesma matéria” (GONÇALVES, 2016, p. 20). Como foi a evolução histórica da disciplina do Direito das Coisas ou Direitos Reais? É inegável que “[o] direito das coisas constitui o ramo do direito civil mais influenciado pelo direito romano e em relação ao qual, atualmente, se encontra mais homogeneidade no direito comparado do mundo ocidental” (GONÇALVES, 2016, p. 21). Dito diversamente: por beberem da mesma fonte romanista, os ordenamentos ao redor do mundo costumam ser homogêneos nesta disciplina que passou a ter no Estado Moderno uma significativa influência de normas de direito público para regular um espaço que era exclusivamente relegado ao Direito privado (GONÇALVES, 2016, p. 21). Não há dúvidas de que a evolução do tema se encontra diretamente ligada ao desenvolvimento do direito à propriedade privada, cujas estruturas remontam ao Direito Romano, sendo fortemente marcado por uma concepção altamente individualista. Com a Revolução Francesa e a ascensão da burguesia, a liberdade foi alçada a uma posição tão central que se chegou a considerar legítimaaté mesmo “a possibilidade de o proprietário abusar do seu direito de propriedade, colocando, destarte, a propriedade num verdadeiro altar, cujo sacerdote era o proprietário” (GONÇALVES, 2016, p. 22). 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 7/38 Todavia, gradativamente, essa concepção egoística e individualista acabou sendo modificada: (...) passando a ser enfocado com mais frequência o aspecto da função social da propriedade, a partir da Encíclica do Quadragésimo Ano, na qual Pio XI sustenta a necessidade de o Estado reconhecer a propriedade e defendê-la, porém em função do bem comum. O sopro da socialização acabou impregnando o século XX, influenciando a concepção da propriedade e o direito das coisas. Restrições foram impostas à onipotência do proprietário, proclamando-se o predomínio do interesse público sobre o privado. (GONÇALVES, 2016, p. 22) Pouco a pouco foram surgindo variadas leis que impunham algum tipo de restrição aos poderes dos proprietários em razão da necessidade de se atender a algum interesse público. O ápice desse processo é o reconhecimento de que a propriedade deverá atender à sua função social, consagrada no inciso XXIII do artigo 5º da Constituição da República. Nessa mesma direção, o Código Civil de 2002 traz no parágrafo primeiro do seu artigo 1.228 que: O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 8/38 conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. Trata-se, portanto, de uma perspectiva funcionalizada. Não mais se tutela a propriedade por si mesma: é preciso que ela concretize alguma função relevante para a sociedade. O não cumprimento desse comando implica uma série de consequências gravosas para os proprietários previstas no ordenamento, culminando até mesmo na perda da propriedade em situações mais limítrofes. Do ponto de vista normativo, o Direito das Coisas possui no Código Civil Brasileiro uma seção especialmente a ele dedicada: trata-se do Livro III de sua Parte Especial. Importante ressalvarmos, contudo, que a disciplina do Direito das Coisas não se encerra no Código, havendo diversas outras leis igualmente importantes. Exemplo Podemos pensar na Lei nº 13.465/2017 que, dentre outras matérias, dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana. Foi essa lei, inclusive, que instituiu no Direito Brasileiro o chamado direito real de laje, que acabou sendo por ela incluído no Código Civil, tornando-se um dos direitos reais do ordenamento pátrio. De�nição e distinção em relação aos direitos pessoais ou de crédito Direitos reais No vídeo a seguir, o professor Filipe Medon define os direitos reais e trata das suas principais características, as quais os diferenciam dos diretos de crédito. Vamos assistir! 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 9/38 Esclarecidas essas questões históricas e terminológicas, torna-se imprescindível passar à definição de direitos reais, agora com letras minúsculas. Ou seja: não se trata mais de compreender o alcance da disciplina, mas de delimitar o seu principal objeto de estudo, uma vez que os direitos reais são apenas uma parte do nosso estudo, que inclui, por exemplo, a análise da posse. Nesse sentido, vejamos: Uma definição clássica, de Lafayette Rodrigues Pereira, é a de que “[o] direito real é o que afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos, e a segue em poder de quem quer que a detenha” (PEREIRA, 2004, p. 21). Os direitos reais têm “como elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito sobre a coisa, chamado domínio” (GONÇALVES, 2016, p. 26). Ao direito real, costumamos contrapor o chamado direito pessoal ou de crédito, que “consiste numa relação jurídica pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito ativo, o sujeito passivo e a prestação” (GONÇALVES, 2016, p. 26). Para percebermos a diferença, pensemos no seguinte exemplo: Direito real Direito pessoal 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 10/38 Uma importante consequência é que o objeto de um direito real é uma coisa, enquanto nos direitos pessoais é uma prestação. Além disso, “o objeto do direito real há de ser, necessariamente, uma coisa determinada, enquanto a prestação do devedor, objeto da obrigação que contraiu, pode ter por objeto coisa genérica, bastando que seja determinável” (GONÇALVES, 2016, p. 30). É assim que Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto sintetizam as três principais distinções entre os direitos reais e os direitos pessoais, a que esses autores designam como “direitos obrigacionais”: a) quanto à eficácia: erga omnes nos direitos reais e relativa nos direitos obrigacionais. A e B celebram um contrato de compra e venda por meio do qual pactuam a transferência da propriedade de um veículo de A em troca de uma contraprestação pecuniária a ser efetuada por B. No momento inicial, A possui um direito real de propriedade sobre o veículo: o chamado ius in re (“direito na coisa”). Após a celebração do contrato e antes da entrega da coisa, B, que já efetuou o pagamento, possui apenas um direito pessoal/de crédito, que consiste no poder de exigir que A cumpra a sua obrigação de entregar o carro. Tem, portanto, o chamado ius ad rem (“direito à coisa”). No entanto, após a tradição do veículo, B passará a ter, em lugar de A, um direito real de propriedade, um ius in re. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 11/38 b) quanto ao objeto: a coisa nos direitos reais e a prestação nos direitos obrigacionais. O direito real requer a existência atual da coisa. Em contrapartida, a prestação é bem incorpóreo, que existe apenas em abstrato, e como conduta humana virtual só terá consistência no mundo fático ao tempo de seu cumprimento. c) quanto ao exercício: nos direitos reais, o titular age direta e imediatamente sobre o bem, satisfazendo as suas necessidades econômicas sem o auxílio ou intervenção de terceiros. Há um direito sobre a coisa (jus in re); Já nas obrigações, o titular do crédito necessariamente dependerá da colaboração do devedor para a sua satisfação. O credor tem direito a uma coisa (jus ad rem), que só será obtida pela atividade do devedor. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 969-970) Em relação à primeira distinção, é relevante comentar que essa eficácia erga omnes, isto é, contra todos, decorre de um atributo dos direitos reais, qual seja, o absolutismo: tais direitos se exercem contra todos, que deverão se abster de perturbar o titular. É daí que surge, inclusive, o chamado direito de sequela, ou seja, o direito “de perseguir a coisa e de reivindicá-la em poder de quem quer que esteja (ação real), bem como o jus preferendi ou direito de preferência” (GONÇALVES, 2016, p. 31). No que diz respeito à terceira distinção, é importante fazermos menção ao chamado princípio da aderência, especialização ou inerência, que estabelece entre o titular do direito e a coisa uma relação direta e imediata, isto é: tamanha é a relação de senhoria entre titular e coisa que não se torna necessária a intermediação ou colaboração de ninguém para que o direito seja exercido. Isso não ocorre, porém, com os direitos pessoais, pois, nesses, o vínculo obrigacional que se forma entre credore devedor só confere ao primeiro o direito de exigir, eventualmente em juízo, a prestação prometida pelo segundo (GONÇALVES, 2016, p. 31-32). 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 12/38 É assim que, embora o titular de um direito real de propriedade possa exercê-lo imediata e diretamente, para que um comodatário, que tem um direito pessoal, “possa utilizar a coisa locada precisa que, mediante o contrato de comodato, o proprietário da coisa lhe entregue, assegurando-lhe o direito de usá-la com a obrigação de restituí-la após o decurso de certo tempo” (GONÇALVES, 2016, p. 31). Nada obstante, hoje, tem tido cada vez menos espaço essa distinção entre direitos reais e pessoais. Basta pensar que, apesar de estes últimos, em princípio, serem eficazes apenas entre as partes (relatividade), não se pode negar a projeção de efeitos também para sujeitos que não integram aquela relação jurídica. No Direito dos Contratos, por exemplo, chega-se a falar na chamada tutela externa do crédito. É por isso que se afirma que: No estágio atual da ciência do Direito, contudo, não se pode mais enaltecer a dicotomia entre direitos reais e obrigacionais. Há uma necessária mitigação da eficácia entre os dois grandes direitos subjetivos patrimoniais, a ponto de se afirmar o caráter unitário da relação patrimonial, com base no princípio constitucional da solidariedade, que demanda o respeito por parte de todos às situações jurídicas regularmente estabelecidas, sejam elas reais ou obrigacionais. Haverá, em qualquer situação, um especial cuidado em relação às situações jurídicas existenciais. A flexibilização do princípio da relatividade das obrigações e a consideração da possibilidade de oposição do direito de crédito em face de quem não foi parte da relação obrigacional – a ponto de lhe impor um dever de abstenção – demonstram a necessidade de um reexame do ordenamento sob uma perspectiva relacional. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 970) Finalmente, antes de passarmos ao próximo módulo e nos ocuparmos das diferentes classificações dos direitos reais, cabe-nos analisar o modo de constituição desses direitos. Para isso, é preciso compreender o chamado sistema do numerus clausus, que se exprimiria de dois modos: significaria, em primeiro lugar, a 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 13/38 taxatividade das figuras típicas, quando for “examinado do ponto de vista da reserva legal para a criação dos direitos subjetivos. Traduz-se, ao revés, no princípio da tipicidade propriamente dito, quando analisado sob o ângulo de seu conteúdo, significando que a estrutura do direito subjetivo responde à previsão legislativa típica” (TEPEDINO; MONTEIRO FILHO; RENTERIA, 2020, p. 11-12). Dito de outra forma, ao criar os direitos reais, “[a] lei os enumera de forma taxativa, não ensejando, assim, aplicação analógica da lei. O número dos direitos reais é, pois, limitado, taxativo, sendo assim considerados somente os elencados na lei (numerus clausus)” (GONÇALVES, 2016, p. 32). Isso não significa, contudo, que a taxatividade seja restrita ao Código Civil: é possível que direitos reais sejam previstos fora do rol do artigo 1.225, que previu os seguintes em seus incisos: Propriedade Superfície Servidões Usufruto Uso Habitação Direito do promitente comprador do imóvel Penhor Hipoteca Anticrese Concessão de uso especial para fins de moradia Concessão de direito real de uso Laje Para alguns autores, como Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto, os direitos reais não se submeteriam à tipicidade, que delimitaria o conteúdo de cada tipo de direito real. Segundo esses autores: Se houvesse tipicidade, não existiria qualquer espaço para a autonomia privada inovar dentro dos direitos reais forjados pela norma. O fato de existirem direitos típicos no rol do art. 1.225 impede a criação de novos direitos reais, mas não elimina a possibilidade de modelação expansiva dos direitos reais já existentes. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 14/38 (2021, p. 971) Diante disso, a constituição dos direitos reais parece estar condicionada ao monopólio da legislação: somente uma lei poderia dizer que um direito é real e atribuir a ele todas as consequências que essa definição implica. Atenção É preciso ressaltar a existência de vozes esparsas na doutrina as quais advogam que, eventualmente, a autonomia privada poderia criar novos direitos reais. Essa era, por exemplo, a discussão quanto ao chamado direito de laje, que, para alguns, já seria um direito real antes mesmo da positivação em 2017. Todavia, essa posição é extremamente minoritária e não conta com ampla adesão na doutrina e muito menos na jurisprudência. Isso porque essa reserva legal é compreendida como um princípio de ordem pública, sendo inderrogável, portanto, apesar de “que, no âmbito do conteúdo de cada tipo real, há um vasto território em que atua a autonomia privada e que carece de controle quanto aos limites (de ordem pública) permitidos para esta atuação” (TEPEDINO; MONTEIRO FILHO; RENTERIA, 2020, p. 15). Orlando Gomes, em página clássica, ainda complementa que: Os direitos reais adquirem-se por efeito de fatos jurídicos lato sensu, que lhes servem de causa, como característicos de sua finalidade econômica. Esses fatos são denominados, na doutrina alemã, relação causal ou básica. Na aquisição da propriedade pela compra e venda, este contrato é a relação jurídica básica ou a causa do direito de propriedade adquirido sobre a coisa 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 15/38 vendida. Na aquisição do usufruto por testamento, este negócio jurídico é a relação causal daquele direito real limitado. Assim, a constituição de um direito real vincula-se ao fato jurídico que informa sua destinação econômica. (GOMES, 2012, p. 24) Concluído este módulo introdutório, passemos, então, ao estudo das diversas classificações dos direitos reais. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Estudamos neste módulo noções introdutórias sobre direitos reais. A esse respeito é correto afirmar que: A A sua constituição não se submete à reserva legal. B São direitos reais apenas aqueles previstos no Código Civil. C São sinônimos de direitos pessoais. D Não obedecem ao sistema do numerus clausus. E São características o direito de sequela e preferência. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 16/38 Parabéns! A alternativa E está correta. Trata-se de duas das principais características dos direitos reais. Questão 2 O princípio da inerência significa que: Parabéns! A alternativa C está correta. O princípio da aderência, especialização ou inerência estabelece entre o titular do direito e a coisa uma relação direta e imediata, isto é: tamanha é a relação de senhoria entre titular e coisa que não se torna necessária a intermediação ou colaboração de ninguém para que o direito seja exercido. Isso não ocorre, porém, com os direitos pessoais, pois nesses o vínculo obrigacional que se forma entre credor e devedor só confere ao primeiro o direito de exigir, eventualmente em juízo, a prestação prometida pelo segundo. A A propriedade é inerente ao homem. B Direitos pessoais e reais são inerentes. C Há uma relação direta e imediata entre o titular do direito e a coisa. D O proprietário pode reaver a coisa de quem a possua injustamente. E Direitos reais são inerentes ao homem. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 17/38 2 - Principais classi�caçõesAo �nal deste módulo, você deverá ser capaz de reconhecer as principais classi�cações dos direitos reais. Classi�cações dos direitos reais Panorama No vídeo a seguir, o professor Filipe Medon faz um panorama das classificações dos direitos reais. Vamos assistir! 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 18/38 Atenção Antes de adentrarmos propriamente no estudo das diversas classificações dos direitos reais, precisamos fazer um alerta inicial: não há unanimidade na doutrina quanto a essas classificações. O que existe é um consenso mínimo, que procuraremos reproduzir didaticamente neste módulo, apesar de a nomenclatura variar entre os autores. Essencialmente, separamos os direitos reais em dois grandes grupos: Também chamados de ius in re propria. Também chamados de ius in re aliena. Podem ser subdivididos em mais três espécies: Direitos de gozo ou fruição; Direitos de garantia; Direito à coisa, também chamado por alguns de direito real à aquisição. A chave para compreender essas classificações é o direito real de propriedade. Isso porque é a partir do desdobramento dos poderes dominiais (usar, dispor e fruir/gozar) que se originam os direitos de fruição, garantia e aquisição. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 972) Nessa direção, precisamos inicialmente verificar o conteúdo do direito de propriedade. Para isso, recorremos ao caput do artigo 1.228 do Código Civil, que assim dispõe: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Exemplo Direitos reais na coisa própria Direitos reais na coisa alheia ou direitos limitados 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 19/38 O proprietário de um imóvel pode, dentre outras coisas, habitá-lo (uso), locá-lo e fruir dos alugueres (gozo ou fruição), aliená-lo (dispor), bem como reaver o imóvel caso alguém o possua de forma injusta (por exemplo, locou o imóvel para alguém e o locatário, após o término do contrato, decide não sair do imóvel). Agora vamos aprender um pouco mais a respeito dos direitos reais na coisa própria e na coisa alheia: Os chamados direitos reais na coisa própria (ius in re propria) se confundem, por isso, com a própria noção de propriedade, uma vez que ela: “É o único direito real originário, de manifestação obrigatória em nosso sistema jurídico. É a expressão primária e fundamental dos direitos reais, detendo um caráter complexo em que os atributos de uso, gozo, disposição e reivindicação reúnem-se. Em contrapartida, os direitos reais em coisa alheia somente se manifestam quando do desdobramento eventual das faculdades contidas no domínio.” (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 972) Os direitos na coisa alheia (ius in re aliena): “São manifestações facultativas e derivadas dos direitos reais, pois resultam da decomposição dos diversos poderes jurídicos contidos na esfera dominial. Assim, sua existência jamais será exclusiva, eis que na sua vigência convivem com o direito de propriedade, mesmo estando ele fragmentado. Exemplificando: no usufruto, o nu-proprietário vê-se despido dos poderes de uso e gozo da coisa, porém mantém a faculdade de disposição, a despeito dos atributos dominiais concedidos ao usufrutuário.” Direitos reais na coisa própria Direitos reais na coisa alheia 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 20/38 (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 972) O que isso significa na prática? Significa dizer que o direito de propriedade pode comportar uma restrição dessas faculdades ou poderes dominiais de usar, gozar e dispor: o proprietário pode ceder temporariamente uma ou mais dessas prerrogativas e isso só é possível devido à característica da elasticidade do direito de propriedade. Tal elasticidade permite que o direito seja comprimido temporariamente para depois retornar ao seu estado normal, tal como uma mola. Durante o período de compressão, a faculdade dominial ainda está presente, só não pode ser exercida. Findo esse prazo, a “mola” retorna ao seu estado natural de plenitude, reunindo mais uma vez na figura do proprietário os poderes dominiais. O exemplo mais comum dessa situação é o do usufruto: a partir da sua constituição, o titular do direito de propriedade, a que designamos nu-proprietário, cede temporariamente o uso e o gozo do objeto do seu direito a um sujeito designado usufrutuário, que poderá, pelo tempo de duração do usufruto, exercer livremente e sem quaisquer ingerências do proprietário original essas faculdades dominiais que lhe foram cedidas de forma temporária. Como a própria nomenclatura “nu-proprietário” permite intuir, esse se despe de seus poderes para vestir um terceiro. Dispõe o artigo 1.390 do Código Civil: “O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”. Como aprofundam Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2021, p. 972): O domínio é suscetível de desmembramento em diversos direitos fragmentados, que se manifestam conforme as variadas atividades desenvolvidas pelo homem sobre as coisas. Cada poder do domínio que é desmembrado culmina por constituir um novo direito real. Assim, apesar de no direito brasileiro não se admitir pluralidade de domínios, pode ele se desdobrar em várias parcelas, em prol de outras pessoas. Nada impede que o titular de propriedade fracione os poderes do domínio em favor de um credor hipotecário e de um usufrutuário, simultaneamente. Os direitos reais em coisa alheia são 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 21/38 de duração temporária, pois a lei não permite que a propriedade mantenha-se fracionada por períodos indefinidos. Daí a vitaliciedade como termo máximo do usufruto (art. 1.410, II, do CC) e o prazo fatal de 30 anos de duração da hipoteca. (art. 1.485, do CC, com redação dada pela Lei nº 10.931/04) Ou seja, os direitos na coisa alheia ou direitos limitados, em princípio, são direitos em coisa de propriedade de outrem. Logo, suas subespécies estão relacionadas em algum grau a esse desmembramento do domínio de que é suscetível o direito de propriedade. São subespécies, portanto: Direitos reais de garantia Penhor, anticrese e hipoteca. Direitos reais de gozo ou fruição Todos os demais, com exceção da propriedade. Ou seja: superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, concessão de uso especial para moradia, concessão de direito real de uso e laje. Direito real à aquisição Também chamado por alguns de direito à coisa, tem como exemplo a promessa de compra e venda. Duas observações precisam ser registradas desde logo: 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 22/38 Embora não pareça ser um entendimento majoritário na doutrina especializada, há quem aponte que o direito real de laje seria um direito real sobre coisa própria, pois, para quem sustenta esta noção, a laje seria uma manifestação do direito de propriedade. Diz respeito à figura da enfiteuse ou aforamento, que, embora prevista no Código Civil de 1916, não foi reproduzida pelo Código atual. Nada obstante, ela seria uma espécie de direito real limitado ou em coisa alheia e, por questões de direito intertemporal, ainda pode existir na prática, como explica didaticamente Anderson Schreiber: “A enfiteuse, também chamada aforamento, é definida como o direito real limitado que confere ao seu titular, perpetuamente, os poderes inerentes ao domínio de bem imóvel, com a obrigação de pagar ao dono da coisa uma renda anual denominadaforo ou cânon. Na enfiteuse, o proprietário da coisa, chamado senhorio direto, transfere ao enfiteuta ou foreiro todas as faculdades inerentes ao domínio. O enfiteuta tem assim o jus utendi, fruendi e disponendi. Daí se dizer, na esteira da construção medieval, que o senhorio direito é o titular do domínio eminente ou direto, enquanto o enfiteuta ou foreiro possui o domínio útil. Toda a utilidade econômica da coisa é, em outras palavras, transferida ao enfiteuta. Por isso se diz que é o mais amplo dos direitos reais sobre coisa alheia. O Código Civil de 2002 proibiu, no art. 2.038, a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses. Seu conhecimento na atualidade conserva utilidade por apenas duas razões. Primeiro, a existência de regra de direito intertemporal, que, contida no mesmo dispositivo, ordena a aplicação da disciplina do Código Civil de 1916 às enfiteuses já existentes ao tempo da promulgação da nova codificação. Segundo, o comando constitucional do art. 49, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias impôs a aplicação da enfiteuse a terrenos de marinha e seus acrescidos.” (SCHREIBER, 2020, p. 1152) A doutrina alude, ainda, a uma outra subdivisão dos direitos reais na coisa alheia: Direitos principais Observação 1 Observação 2 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 23/38 A enfiteuse ou aforamento, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação e a promessa de compra e venda (GOMES, 2012, p. 18). Direitos acessórios O penhor, a hipoteca e a anticrese. Orlando Gomes traz, finalmente, uma classificação dos direitos reais quanto ao seu objeto. (...) dividem-se os direitos reais em mobiliários e imobiliários, e recaem, respectivamente, em coisas móveis ou imóveis. A distinção é importante, porque os direitos reais imobiliários estão sujeitos a registro público. Somente propriedade, o usufruto e o penhor podem ter por objeto bens móveis, sendo que este último direito real só em casos especiais incide em imóveis. Todos os outros direitos reais são essencialmente imobiliários. (2012, p. 18-19) Como podemos notar, são diversas as possibilidades de arranjos classificatórios dos direitos reais, embora nem todos possuam relevância prática para o estudo e aplicação do Direito. Em função disso, optamos por selecionar apenas aqueles que tenham alguma utilidade, seja didática, seja do ponto de vista dos distintos efeitos. Analisadas, portanto, as principais classificações, passamos no módulo seguinte a nos debruçarmos sobre o estudo de: Obrigações mistas Direitos reais plenos 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 24/38 Direitos reais limitados Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Estudamos neste módulo as classificações dos direitos reais. A esse respeito, é correto afirmar que é direito real de fruição: Parabéns! A alternativa D está correta. A Anticrese B Penhor C Hipoteca D Superfície E Posse 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 25/38 As demais alternativas são direitos reais de garantia (a, b, c) e a posse não é um direito real. Questão 2 Acerca da classificação dos direitos reais, é um direito acessório: Parabéns! A alternativa E está correta. O penhor, na classificação de Orlando Gomes, é um direito real acessório. Os demais são direitos principais. A Aforamento B Enfiteuse C Servidão D Usufruto E Penhor 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 26/38 3 - Obrigações mistas Ao �nal deste módulo, você deverá ser capaz de analisar as obrigações mistas dentro do Direito das Coisas. Obrigações mistas, direitos reais plenos e direitos reais limitados No primeiro módulo, tratamos da parte introdutória do estudo do Direito das Coisas ou Direitos Reais. Vimos a evolução histórica da disciplina e analisamos, brevemente, as principais distinções dos direitos reais em relação aos chamados direitos de crédito, também chamados de pessoais ou obrigacionais. No segundo módulo, analisamos as principais chaves classificatórias que são apresentadas pela doutrina para a organização didática do tema. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 27/38 Obrigações mistas No vídeo a seguir, o professor Filipe Medon define as obrigações mistas, as exemplifica e as diferencia dos Direitos Reais plenos e dos limitados. Vamos assistir! Começamos, então, por essas obrigações mistas, que estariam no meio do caminho entre direitos pessoais/obrigacionais/de crédito e direitos reais. Todavia, um esclarecimento prévio se mostra necessário: a terminologia adotada aqui varia entre os autores. Explica-nos Carlos Roberto Gonçalves a esse respeito que: A doutrina menciona, com efeito, a existência de algumas figuras híbridas ou intermédias, que se situam entre o direito pessoal e o direito real. Constituem elas, aparentemente, um misto de obrigação e de direito real e provocam alguma perplexidade nos juristas, que chegam a dar-lhes, impropriamente, o nome de obrigação real. Outros preferem a expressão obrigação mista. Os Finalmente, neste módulo, vamos aprofundar as classificações vistas no item anterior, apresentando, ainda, a figura das obrigações mistas, cuja relevância prática é inegável. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 28/38 jurisconsultos romanos as denominavam, com mais propriedade, obligationes ob rem ou propter rem. Os ônus reais, uma das figuras híbridas, tem mais afinidade com os direitos reais de garantia. (2016, p. 39) Feita essa ressalva de cunho terminológico, podemos ingressar no estudo das chamadas obrigações propter rem, denominadas por alguns de obrigações ambulatórias. Esse tipo de obrigação é aquela “que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa” (GONÇALVES, 2016, p. 39). Qualificam-se como propter rem, por exemplo, as obrigações que os condôminos têm “de contribuir para a conservação da coisa comum e adimplir os impostos alusivos à propriedade, bem como todos os direitos de vizinhança, referenciados no Código Civil” (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 972). Além disso, alude-se à obrigação constante do artigo 1.297 do Código Civil, referente ao dever de o proprietário contribuir para as despesas de construção e conservação de tapumes divisórios. Nada obstante, não há consenso na doutrina quanto à natureza jurídica desse tipo de obrigação. Há, pelo menos, três correntes doutrinárias, que entendem ser: De natureza real Uma �gura obrigacional De natureza mista 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 29/38 Mais importante que definir a sua natureza jurídica é delimitar conceitualmente as principais características das obrigações ambulatoriais, quais sejam: “(i) origina-se necessariamente de um direito real, (ii) incorporando-se imediatamente à esfera patrimonial do seu titular, como verdadeira e própria obrigação; e (iii) transmitem-se com o direito real, obrigando quem quer que seja o seu titular” (TEPEDINO; SCHREIBER, 2021, p. 26). É precisamente por tais características que se afirma que elas estão entre as relações obrigacionais e as reais. Nessa direção, “[a] obrigação propter rem existe em função da res, impondo-se, tal qual vínculo obrigacional, ao titular de direito real em virtude justamente desta titularidade, e é acessória à coisa” (TEPEDINO; SCHREIBER, 2021, p. 27).Vejamos um exemplo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem. A matéria foi pacificada e deu origem à Súmula 623, que assim dispõe: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”. Recente decisão da Corte repetiu este entendimento, que foi assim ementado: AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DE DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. RE 654.833/AC - REPERCUSSÃO GERAL. NATUREZA "PROPTER REM" DA OBRIGAÇÃO. LEGITIMIDADE DOS ATUAIS PROPRIETÁRIOS. SÚMULA 623/STJ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DE EVENTUAIS CORRESPONSÁVEIS. CARÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 1 "É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental" (RE 654.833/AC, rel. Ministro Alexandre de Moraes). 2 As obrigações ambientais possuem natureza "propter rem", sendo admissível cobrá-las tanto do proprietário ou do possuidor atual, quanto dos anteriores, à escolha do credor. Inteligência da Súmula 623/STJ. 3 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 30/38 Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salvaguardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem, ainda mais quando inexistente a prévia oposição de embargos declaratórios. Súmulas 282 e 356, do Supremo Tribunal Federal. 4 Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. (AREsp 1791545/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2021, DJe 24/05/2021) Como esclarece a doutrina: Na vertente contemporânea da função social da propriedade, o adquirente de bem imóvel também será responsabilizado pelo cumprimento de obrigações oriundas de normas ambientais, sobremaneira quando a propriedade adquirida por ele esteja devastada. De acordo com o Código Florestal (Lei nº 12.651/12), além da responsabilidade civil objetiva e solidária do agente por danos ecológicos, pesará sobre o seu sucessor (novo proprietário) o dever de indenizar os danos já causados ao meio ambiente, com direito de regresso em face do alienante. O adquirente será responsável pelo passivo ambiental independentemente de ser ou não o autor da degradação. Nesse sentido caminha a Súmula 623 do STJ. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2021, p. 973) Outra recente decisão da Corte também reafirmou o entendimento em relação às obrigações tributárias relativas à cobrança de IPTU, como podemos observar da ementa que abaixo reproduzimos: TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IPTU. ADJUDICAÇÃO. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROPTER REM. EXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 31/38 Esses dois são apenas alguns dos exemplos que ressaltam a importância prática da qualificação jurídica de determinada obrigação como ambulatória, pois isso irá afetar decisivamente os sujeitos que podem vir a ser cobrados por elas. Outra figura que está nessa zona cinzenta entre os direitos reais e os direitos obrigacionais são os chamados ônus reais, que, embora se assemelhem em alguma medida às obrigações propter rem, com elas não se confundem. Como explicam Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber: Os ônus reais são também obrigações que acompanham o direito real sobre certa coisa, mas o vínculo com o direito real é mais intenso que nas obrigações propter rem. O ônus real recai sobre a coisa como um peso (um ônus) e com tal intensidade que, na esteira das fontes romanas, alguns autores chegaram a afirmar que, nos ônus reais, quem deve é a coisa e não o obrigado. Desta maior intensidade do vínculo com o direito real resulta importante diferença prática: enquanto nas obrigações reais o titular do direito real só está obrigado a cumprir as prestações constituídas na vigência do seu direito, nos ônus reais, o titular do direito real fica obrigado até mesmo com relação às prestações anteriores, já que sucede o seu antecessor na titularidade de coisa a que está visceralmente unida a obrigação. O ônus real é dever que surge do direito real e Em se tratando de adjudicação de bens a jurisprudência do STJ, firmada pela Primeira Seção, em 25.11.2009, no julgamento do REsp nº 1.073.846/SP, de relatoria do Ministro Luiz Fux, submetido ao regime previsto no art. 543-C do CPC/1973, restou pacificada no sentido de que a obrigação tributária, quanto ao IPTU, acompanha o imóvel em todas as suas mutações subjetivas, ainda que se refira a fatos imponíveis anteriores à alteração da titularidade do imóvel, exegese que encontra reforço na hipótese de responsabilidade tributária por sucessão prevista nos artigos 130 e 131, I, do CTN. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1898562/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2021, DJe 26/05/2021) 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 32/38 com este permanece, sem adquirir autonomia como vínculo obrigacional na esfera patrimonial do respectivo titular. Exemplos de ônus reais no direito brasileiro são o seguro obrigatório, o imposto territorial urbano e rural, o imposto sobre veículos automotores, o foro e outras prestações que são consideradas essenciais ao direito real sobre a coisa. (2021, p. 28-29) Resta-nos, ainda, comentar brevemente o ponto relativo aos direitos reais plenos e direitos reais limitados. Direitos reais plenos e direitos reais limitados A ideia aqui, como vimos no módulo anterior, é de que, em princípio, a propriedade é plena em relação ao titular desse direito real, que, dentro de suas faculdades dominiais, é livre, desde que obedecidos o princípio da função social da propriedade e as diversas limitações impostas pelo ordenamento. Um exemplo são os direitos de vizinhança, que impedem o uso anormal da propriedade. É nessa direção que dispõe o artigo 1.277 do Código Civil e seu parágrafo único: O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 33/38 (Artigo 1.277 do Código Civil) Isso significa, em outras palavras, que um proprietário não pode abusar de seu imóvel como bem entender, pois seu direito encontra limitações impostas pelos direitos de outros proprietários. Exemplo Um caso clássico é aquele relativo ao sossego: por mais que um proprietário possa realizar uma festa dentro de sua casa, o som deverá obedecer ao limite de horários e volume estipulado tanto na convenção de eventual condomínio como em normas municipais. Ainda que não houvesse norma municipal, a análise do caso concreto poderia limitar a exploração da propriedade de uma pessoa que, com sua atuação, perturbasse de forma anormal o sossego, a saúde e a segurança dos proprietários vizinhos. Vejamos o que previa o Código Civil de 1916 e o que consta no Código Civil atual a esse respeito: O Código Civil atual prevê em seu artigo 1.231, nesse sentido, uma presunção de plenitude da propriedade: “A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”. O Código Civil de 1916 trazia em seu artigo 525 que: “É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos nodo proprietário; limitada, quando tem ônus real, ou é resolúvel”. A norma não foi repetida pelo Código atual, que não possui equivalente. Como pontua Arnaldo Rizzardo, “é desnecessária a previsão, já que ressalta a obviedade da limitação se incidem encargos, ou se prevista a possibilidade de resolução, como no usufruto e na compra e venda com Código Civil atual Código Civil de 1916 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 34/38 pacto de retrovenda. Depreende-se que a propriedade limitada decorre da atribuição a terceiros de alguns poderes incidentes sobre a coisa. Esta espécie se enquadra no jus in re aliena” (2012, p. 14). O direito real tem duas manifestações, uma necessária, e a outra possível; ou o exercemos sobre nossas próprias coisas - jus in re propria, ou sobre coisas de outros - jus in re aliena. Jus in re propria é a propriedade com todos os seus direitos elementares. Jus in re aliena, o direito real que tem por objeto a propriedade limitada. Assim, de acordo com esse ensinamento, a propriedade é a soma de todos os direitos possíveis que pertencem ao proprietário sobre a sua coisa, quais os da posse, uso, gozo e livre disposição; os outros direitos reais são parcelas daquela soma, são os próprios direitos constitutivos do domínio, são poderes que sobre a coisa se atribuem a outras pessoas. Os direitos reais na coisa alheia seriam o resultado da decomposição dos diversos poderes jurídicos contidos no direito de propriedade. O proprietário desmembraria um desses poderes e o atribuiria a outra pessoa. Os direitos elementares do domínio ou poderes jurídicos do proprietário são os direitos de usar, gozar e dispor da coisa (jus utendi, fruendi et abutendi). Destacando algum ou mais de um desses direitos elementares, o proprietário constitui um direito real limitado. (GOMES, 2012, p. 26) Resumindo Em razão do desmembramento ou decomposição dos poderes relativos ao domínio, limita-se a propriedade, que deixa de ser plena e estará condicionada à extensão das faculdades disponíveis. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 35/38 Questão 1 São obrigações ambulatórias: Parabéns! A alternativa D está correta. Trata-se precisamente da definição do instituto. Questão 2 Quanto à sua natureza, as obrigações ambientais são tidas como: A Aquelas constituídas em relações com instituições nosocomiais. B Espécies de obrigações naturais. C Sinônimo de ônus reais. D Aquelas que recaem sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. E Espécies de obrigações ilícitas. A Obrigações naturais B Obrigações pessoais C Obrigações decorrentes de direitos da vizinhança 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 36/38 Parabéns! A alternativa E está correta. A correta qualificação das obrigações ambientais quanto à sua natureza é de propter rem ou ambulatoriais. Considerações �nais Como vimos, o estudo do Direito das Coisas ou Direitos Reais nos acompanha dogmaticamente desde o Direito Romano. No entanto, ele vem atravessando significativas mudanças, que acabam impondo um olhar mais consentâneo com os valores da Constituição da República. Observamos isso, por exemplo, quando falamos sobre as limitações ao direito de propriedade, que não pode mais ser exercitado de modo abusivo: deve, antes, cumprir uma função social desenhada pelo constituinte. Exploramos, também, as diversas peculiaridades dos direitos reais que os apartam dos direitos pessoais/obrigacionais/de crédito, além de desbravar as principais chaves classificatórias formuladas pela doutrina. Podcast Agora com a palavra o professor Filipe Medon, relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir! D Obrigações mistas E Obrigações propter rem 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 37/38 Explore + Para saber mais sobre os assuntos explorados neste conteúdo: Veja a entrevista Prof. Maurício Bunazar - A obrigação "propter rem" e o direito imobiliário, disponível no canal Blog do Direito Civil e Imobiliário no YouTube. Referências BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe. Manual de Direito Civil: volume único. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2021. GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualizado por Luiz Edson Fachin. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal, 2004. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 3. ed. (versão digital). São Paulo: Saraiva Educação, 2020. TEPEDINO, Gustavo; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil: vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 02/06/2023, 16:08 Teoria geral dos direitos reais https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/02820/index.html#imprimir 38/38 TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Fundamentos do Direito Civil: vol. 1. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Fundamentos do Direito Civil: vol. 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 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