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1 TRANSTORNOS ALIMENTARES E OBESIDADE 1 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 2 2. ALGUMAS ESTRATÉGIAS DA TCC PARA O TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES ...................................................................... 5 3. TRANSTORNOS ALIMENTARES E TCC: INVESTIGAÇÕES ATUAIS .... 8 4. CONCEITO DE OBESIDADE .................................................................... 9 5. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E OBESIDADE ............... 13 6. BULIMIA NERVOSA (BN) ........................................................................ 18 7. ANOREXIA NERVOSA (AN) ................................................................... 21 8. A APLICABILIDADE DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA OBESIDADE, DA BULIMIA E DA ANOREXIA ........... 23 9. RELAÇÃO OBESIDADE E PERTURBAÇÃO DA ANSIEDADE ............... 28 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 33 2 1. INTRODUÇÃO Os transtornos alimentares são quadros caracterizados por aspectos como o medo mórbido de engordar, redução voluntária do consumo nutricional, ingestão maciça de alimentos seguida de vômitos e uso abusivo de laxantes e/ou diuréticos. São patologias graves e de prognóstico reservado (American Psychiatric Association, 2003), que trazem aos pacientes grandes prejuízos biopsicossociais e elevados índices de letalidade (Cordás, 2004). A anorexia nervosa é uma patologia do comportamento alimentar caracterizada por limitações dietéticas autoimpostas, padrões bizarros de alimentação com acentuada perda de peso autoinduzida e mantida pelo paciente associada a um temor intenso de ganhar peso. É um distúrbio grave que leva a limitações físicas, emocionais e sociais (Abreu, 2002). Já a bulimia nervosa é caracterizada por grande ingestão de alimentos de forma rápida e com a sensação de perda de controle - os chamados episódios bulímicos ou binge eating. Estes são acompanhados de métodos compensatórios inadequados para o controle de peso, como: vômitos autoinduzidos, medicamentos (diuréticos, laxantes e inibidores de apetite) usados para a perda de peso, dietas, exercícios físicos e/ou abuso de drogas (Espíndola & Blay, 2006). Estudos mostram um aumento da incidência desses transtornos nas últimas duas décadas (Doyle & Briant-Waugh, 2000), principalmente entre adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, com maior incidência entre os 13 e 20 anos de idade (cerca de 1% nessa população) (American Psychiatric Association,2003). Além disso, a prevalência de indivíduos que não preenchem todos os critérios diagnósticos, mas que têm traços anoréxicos, bulímicos ou distúrbios não especificados é bem mais alta. São as chamadas síndromes parciais, e estão presentes em 5% a 10% da população (Abreu & Cangelli Filho, 2005). Ainda hoje a etiologia dessas enfermidades não é totalmente conhecida, e a maioria dos especialistas trabalha com um modelo multidimensional de tratamento, que reconhece fatores individuais, genéticos, sociais e familiares (Abreu & Cangelli Filho, 2005). Mas a clínica dos transtornos alimentares passou 3 por muitas mudanças durante as últimas décadas. Inicialmente, o repouso acamado, a alimentação nasogástrica e uma variedade de farmacoterapias eram as principais intervenções, dirigidas principalmente para a recuperação do peso. A psicanálise passou a dominar o entendimento e tratamento a partir dos anos 40 (Oliveira, 2004), e, nas décadas seguintes, um regime baseado no reforço para o ganho de peso tornou-se popular com o aparecimento dos programas de tratamento comportamental (Bachrach, 1975) e versões mais ou menos formais deste permanecem em uso para pacientes com peso muito abaixo do normal (Agras,1987). A maioria dos regimes de ganho de massa corporal é razoavelmente efetiva em curto prazo, mas a taxa de recaída é alta, e, mesmo se o peso é restabelecido, muitos pacientes continuam mostrando disfunções em suas atitudes relativas à alimentação e à forma física (Morgan & Russell 1975). Isto levou ao desenvolvimento de terapêuticas dirigidas às perturbações cognitivas e comportamentais específicas que caracterizam estes pacientes (Cooper & Fairburn, 1984). Embora sua história seja recente, os procedimentos de tratamento amplamente baseados no enfoque cognitivo-comportamental provam ser populares e aceitáveis aos pacientes e têm aberto novos caminhos para essas difíceis doenças (Fairburn, Phil & Beglin,1990). Assim, a TCC tornou-se aceita como uma das principais abordagens para o tratamento dos transtornos alimentares (Duchesne & Almeida, 2002). Mas mesmo amplamente utilizada atualmente, esse ainda é um referencial relativamente novo, especialmente no Brasil (Rangé, Falcone e Sardinha, 2007). A TCC é uma abordagem de intervenção semiestruturada, objetiva, que busca identificar e corrigir as condições que favorecem o desenvolvimento e manutenção das alterações cognitivas e comportamentais. Para este referencial, o sistema de crenças de um indivíduo exerce papel determinante em seus sentimentos e comportamentos (Duchesne & Almeida, 2002). Para os transtornos alimentares, os programas de tratamento da TCC baseiam-se principalmente nas técnicas para a redução da ansiedade, automanejo do comportamento e modificação de cognições desadaptadas. Comparados com a terapia para alguns transtornos - por exemplo, a depressão - os componentes comportamentais dos transtornos alimentares recebem maior ênfase no tratamento. Isto ocorre porque as perturbações comportamentais 4 (como jejuns ou vômitos) são fatores centrais dessas doenças que devem ser controlados (Channon & Wardle, 1994). Um dos principais representantes do modelo cognitivo-comportamental para os transtornos alimentares é Fairburn (1991). Sua abordagem relaciona pensamento, emoção e comportamento manifesto, e o tratamento tem como objetivo fazer com que o paciente examine a validade de suas crenças no presente e mude comportamentos disfuncionais. Os processos cognitivos mais frequentes nestes quadros (abstração seletiva, supergeneralização, magnificação, pensamento dicotômico, personalização e pensamento supersticioso) são definidos e examinados cuidadosamente, a fim de modificar os pensamentos e pressupostos automáticos. Por exemplo, esses pacientes tendem a pensar em termos incondicionais e extremos (pensamento dicotômico). Assim, adotam regras dietéticas rígidas e inflexíveis, nas quais pequenos desvios são percebidos como evidência de fracasso e autocontrole pobre e podem ser seguidos de um abandono temporário do domínio sobre a alimentação. Não é raro que eles pensem: "se não estou completamente com o controle, isso significa que perdi todo o controle, que está tudo perdido e que posso então me fartar". Em geral, em vez de perceber que são as regras que estão distorcidas e considerar outras situações em que demonstram bom autocontrole, atribuem as falhas de autocontrole a deficiências pessoais, reforçando, então, a baixa autoestima (Fairburn, 1991). Essa panóplia de crenças é perpetuada por várias tendências disfuncionais de raciocínio. Uma das tendências frequentemente encontradas nos pacientes é a de atentar seletivamente para os subsídios que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo as que se contrapõem a elas. Tal tendência é uma das responsáveis pela manutenção do sistema de crenças, pois os dados que poderiam questioná-las são desconsiderados. Esta situação pode ser agravada pelo fato de que, à medida que o transtorno alimentar se desenvolve, os pacientes podem se tornar progressivamente isolados do convívio social. Ademais, na TCC dos transtornos alimentares, as alterações na cognição - que levam a sentimentos de angústia e resultam em comportamentos disfuncionais - são consideradas essenciais para o tratamento. A perda de peso pode ser vista como alívio para a angústia e inquietação, e assim, obter uma 5 tentativa de controle sobre os outros e sobre si mesmo (White & Freeman, 2003). Outro esquema central de raciocínio para o desenvolvimento e a manutenção dessas enfermidades é o que inflige valor pessoal ao peso e a forma corporal, ignorando outros parâmetros. A magreza para esses pacientes está associada ao autocontrole, competência e superioridade, tornando-se assim intrinsecamente associada à autoestima. Inicialmente, o comportamento de fazer dieta é aprovado pelas pessoas próximas e pela própria sociedade. Posteriormente, a experiência de exercer controle sobre o corpo e sobre a alimentação é positivamente reforçada por um sentimento de conquista, de sucesso e de controle, tornando-se um reforçador por si próprio (Fairburn et al., 1997). Destaca-se também o esquema cognitivo da "magreza", que na visão dos pacientes é fundamental para que seus problemas sejam solucionados. As pessoas magras seriam bem-sucedidas e as gordas, infelizes e malsucedidas. Com esta significação atribuída à esbeltez, fica fácil entender o humor deprimido e o sentimento de vergonha e fracasso associados aos episódios de comer compulsivo (Fairburn et al., 1997). 2. ALGUMAS ESTRATÉGIAS DA TCC PARA O TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES Atualmente, as estratégias sugeridas pela TCC para o tratamento dos transtornos alimentares têm como objetivo a diminuição da restrição alimentar, da compulsão alimentar, dos episódios bulímicos e da frequência de atividade física, a diminuição do distúrbio da imagem corporal, a modificação do sistema disfuncional de crenças associadas à aparência, peso e alimentação e o aumento da autoestima (Duchesne & Almeida, 2002). O processo é desenvolvido ao longo de três etapas, cada uma com oito entrevistas realizadas duas vezes por semana. O compromisso do paciente com a terapia é o objetivo principal no começo do tratamento e pode ser dividido sinteticamente nos seguintes objetivos: expectativas, intenções e esperança. 6 Salienta-se a importância de construir as expectativas positivas sobre a terapia, tanto sobre o papel (o que é esperado do terapeuta e do paciente) como sobre os resultados (Gilbert & Leahy, 2007). Outro objetivo desta primeira fase consiste no controle da ingestão. Para evitar que o paciente faça o "movimento pendular" de passar de uma dieta restritiva que lhe provoque fome para um episódio bulímico, é indicado um programa alimentar fixo, com técnicas comportamentais, como evitar as situações de estresse, contextos de hábito ou de tentação, geralmente precipitadores dos empanturramentos (Fairburn, 1991). A segunda fase é voltada para a reestruturação cognitiva, e consiste em procurar modificar as crenças irracionais que mantêm e reforçam os padrões disfuncionais. Exploram-se então métodos alternativos de solução de problemas. Segundo Fairburn (1991), para estas pessoas os valores e crenças não são apenas sintomáticos, mas essenciais para a manutenção deste transtorno. Dessa forma, modificá-los é pré-requisito para a evolução e recuperação do paciente (Hercovici & Bay, 1997). Também é fundamental que os pacientes entendam a interação entre seus pensamentos, sentimentos e disfunções de comportamentos. Devem compreender que o peso não é o problema real, mas que outros problemas mais importantes estão dirigindo e mantendo o transtorno alimentar (White & Freeman, 2003). Por fim, a terceira etapa se preocupa em manter as conquistas das fases anteriores e fazer um plano de prevenção de recaídas, por meio de antecipação e preparação para o enfrentamento de situações de estresse que anteriormente ativavam os padrões disfuncionais (Hercovici & Bay, 1997). Mas além do seguimento adequado de um plano de tratamento, a TCC considera a qualidade da relação terapêutica, ou seja, o vínculo entre paciente e terapeuta, como fundamental. Já em um primeiro momento é importante deixar claro para o doente que há um interesse autêntico em ajudá-lo, que não se vão enganá-lo e que os sintomas podem ser manejados (Fairburn & Cooper, 1991). Katzow e Safran (2007) sugerem que os terapeutas devem ser empáticos para que estabeleçam um bom vínculo com quem os procura, para que consigam desenvolver objetivos e tarefas para casa. Enfatiza-se a importância da demonstração de entendimento e empatia pelos sentimentos do paciente, principalmente em relação ao terror deste de vir a perder o controle sobre seu 7 peso. Aceitar as crenças como genuínas para o doente também é fundamental para o bom relacionamento (Fairburn, 1991). Ainda neste ponto, a TCC tem defendido a importância de estabelecer uma forte relação colaborativa entre as duas partes, onde o profissional tem um papel ativo. Entretanto, essa não é uma tarefa simples. A insatisfação com o vínculo é o motivo mais frequente pelo abandono da relação e para uma não- conformidade (Gilbert & Leahy, 2007). Diversos autores identificaram as dificuldades do trabalho de um terapeuta com pacientes com transtorno alimentar. Os pesquisadores sugerem que estes indivíduos tendem a produzir reações emocionais fortes no terapeuta que podem levar a dificuldades importantes durante o processo terapêutico. Essas reações podem assumir diversas formas. Uma recusa teimosa em comer frente a um emagrecimento ameaçador à vida pode ser vista pelo terapeuta como um insulto pessoal. É importante, nessa situação, sentir empatia pelo grau de terror que o paciente pode estar experienciando diante do prospecto de uma mudança, assim como suas dificuldades na aceitação de auxílio ou de pessoas confiáveis (Channon & Wardle, 1994). Em relação ao papel da família no tratamento, a participação desta pode ajudar a criar uma estrutura de colaboração em que os pais/cônjuges tornem o meio facilitador de mudanças. Discutir a função que a enfermidade desempenha no sistema familiar colabora para as mudanças no padrão de interação dos membros. Tanto na anorexia nervosa quanto na bulimia nervosa, o objetivo terapêutico é de aumentar a capacidade de comunicação entre os membros, corrigir suas percepções distorcidas, melhorar as estratégias de solução de conflitos (o ensaio comportamental pode ajudar) e fazê-los estabelecer juntos novos limites com a aceitação das diferenças individuais e busca da autonomia (Hodes, Eisler e Dare, 1991, Sargent, Liebman e Silver, 1985). Ainda na mesma linha, outro objetivo é o restabelecimento de uma hierarquia familiar adequada, com os pais no papel de autoridade e possibilitadores de diálogo. Portanto, deve-se ajudar o paciente a gradualmente alcançar a liberdade, de acordo com a idade e capacidades (Fagan & Andersen, 1992). Todavia, em muitos casos a família é rígida e resistente a mudanças, com dificuldades para se ajustar às demandas maturacionais de seus membros. 8 Quando acontece de os familiares se recusarem a participar do tratamento, o paciente deve aumentar seu entendimento desse funcionamento grupal e modificar suas expectativas em relação ao mesmo, aprendendo a funcionar de maneira mais independente (Duchesne & Appolinário, 2001). Mas o tratamento dos transtornos alimentares não deve se dar somente através da TCC. Nessas doenças a equipe interdisciplinar é fundamental devido à possível necessidade de hospitalização, ganho urgente de peso, problemas físicos causados tanto pela restrição como pelas orgias alimentares e purgações. Hoje se sabe que os melhores resultados são alcançados através das equipes multiprofissionais (Whisenant & Smith, 1995). É ideal que participem desta equipe: educadores físicos, enfermeiros, dentistas, médicos clínicos, nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, entre outros. 3. TRANSTORNOS ALIMENTARES E TCC: INVESTIGAÇÕES ATUAIS O reconhecimento da eficácia da TCC tem aumentado a sua popularidade na área da psicologia clínica (Dobson & Scherrer, 2004). Tal eficácia é confirmada por vários estudos empíricos atuais (Barreto & Elkis, 2004, Butler, Chapman, Forman & Beck, 2006, Juruena, 2004). As pesquisas têm demonstrado que a abordagem cognitivo- comportamental é a que obteve maior popularidade nos últimos vinte anos (Robins, Gosling & Craik, 1999) e a mais importante e melhor validada entre as demais abordagens (Cottraux & Matos, 2007; Salkovskis, 2005). Séries não controladas de casos e estudos cruzados comparando dois tratamentos constituem as principais evidências para a eficácia dessas técnicas (Cooper & Fairburn, 1984). Além disso, alguns estudos controlados sobre bulimia nervosa encontraram boas evidências da sua eficácia e consideram a TCC um tratamento promissor. Neste transtorno, a abordagem se mostrava eficaz pela remissão de episódios de compulsão alimentar e métodos purgativos; redução da restrição dietética; diminuição da preocupação com o peso e o formato corporal; melhora 9 da autoestima e do funcionamento social e redução de sintomas psiquiátricos em geral. Já a eficácia no tratamento da anorexia nervosa precisa ser melhor investigada, embora tenham se observado vários benefícios como: diminuição da restrição alimentar; aumento do peso; redução de pensamentos disfuncionais acerca do peso e da comida; melhora do funcionamento sexual; melhora de sintomas depressivos; aumento da adesão ao tratamento nutricional e clínico e redução da recaída (Duchesne, 2007). Porém, existem relativamente poucos estudos controlados determinando o resultado do tratamento com a TCC. Incontestavelmente, necessita-se de mais trabalhos para a identificação dos ingredientes críticos dos programas de atendimento, com o objetivo de melhorar o impacto terapêutico e a possível identificação das características individuais associadas a um resultado eficaz (Channon & Wardle, 1994). Neste contexto, visando a contribuir com o desenvolvimento da área, o objetivo do presente estudo foi investigar a visão de psicoterapeutas cognitivo-comportamentais sobre a utilização deste referencial no tratamento dos transtornos alimentares. 4. CONCEITO DE OBESIDADE Atualmente, a obesidade é considerada uma doença crônica e corresponde, atualmente, a uma epidemia global. No Brasil, estudos demonstram um aumento na velocidade de crescimento da obesidade, determinando grande impacto na saúde pública. Segundo Halpern (2006), a obesidade é definida como um excesso de tecido adiposo no organismo. Tal excesso dá-se, segundo conceito generalizado, por uma ingestão calórica que sobrepassa o gasto calórico. De acordo com Malheiros e Freitas Júnior (2006), o sobrepeso e a obesidade vêm com uma tendência de aumento em países ricos e em desenvolvimento. No Brasil, a prevalência de obesidade aumentou muito na última década, em especial para o sexo feminino, chegando a 13,3%; a taxa de ascensão da obesidade no Brasil é de 0,36 pontos percentuais ao ano para a população feminina e de 0,20 pontos percentuais ao ano para a população masculina. 10 Segundo Mancini (2003), a obesidade acarreta um risco aumentado de inúmeras doenças crônicas, tais como: diabete melito, dislipidemia, doenças cardio e cerebrovascular, alterações da coagulação, doenças articulares degenerativas, neoplasias estrogênio-dependentes, neoplasia de vesícula biliar, esteatose hepática com ou sem cirrose, apnéia do sono, etc. Pacientes com obesidade mórbida têm esse risco magnificado, com aumento expressivo da mortalidade (250% em relação a pacientes não obesos). Segundo Dalgalarrondo (2008), o obeso é um indivíduo que recorre à comida como forma de compensação do afeto que carece e que sente que nunca o recebe de forma adequada. Outro aspecto seria a utilização da obesidade como defesa contra a depressão, ou como busca mágica de força e potência, ou como forma de distanciar-se dos outros. Deve ser, entretanto, enfatizado que tais mecanismos, embora encontrados em alguns indivíduos obesos, não podem ser generalizados. Geralmente, as pessoas obesas comem excessivamente quando se sentem mal emocionalmente. No entanto, é importante salientar que pessoas não-obesas também o fazem. De modo geral, os obesos têm uma auto-estima baixa, tem problemas com auto-imagem e sentem seus corpos feios e acham que as outras pessoas os encaram com desprezo e rejeição. A obesidade continua sendo um grave problema de saúde pública. Fatores como a rápida industrialização e urbanização das últimas décadas aumentaram significativamente a prevalência de obesidade pelo mundo (Zhao et al., 2008). Nos Estados Unidos houve um aumento da prevalência de obesidade desde 1970, e, entre os anos de 1999 e 2008 registrou-se ainda um aumento da obesidade abdominal entre os homens e mulheres (Ford, Li, Zhao & Tsai, 2011). Neste país, mais de dois terços dos adultos são obesos ou tem sobrepeso, sendo que a desde 1980 a prevalência de obesidade dobrou (King, 2013). No Brasil, de acordo com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2009), no período de 2008-2009, 41% da população brasileira apresentava sobrepeso e 10,5 milhões de pessoas estavam obesas. O alto custo econômico com a obesidade e o sobrepeso implicam uma necessidade urgente de desenvolvimento de intervenções para o controle desta epidemia e a consequente prevenção das doenças crônicas associadas a esta condição (Zhao et al., 2008). 11 Uma explicação evolucionista para a epidemia de obesidade é que durante a evolução do ser humano, quando este vivia em um ambiente com quantidade limitada de alimentos altamente nutritivos e períodos de escassez de alimentos, foi adaptativo o circuito de recompensa do cérebro que fazia um indivíduo comer muitos alimentos de alta densidade nutricional (King, 2013). De acordo com este autor, acontece, no entanto, que atualmente nos países industrializados vive-se em ambientes que podem ser chamados de “obesogênicos”, com uma ampla disponibilidade de alimentos calóricos, e este antigo sistema de funcionamento cerebral pode anular os mecanismos fisiológicos inibitórios que se destinam a limitar a quantidade de alimento ingerido e o consequente ganho de peso. A obesidade ou o sobrepeso são fatores de risco para diversas doenças crônicas como diabetes tipo II, hipertensão, dislipidemia, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, doença da vesícula biliar, osteoartrite, problemas respiratórios e certos tipos de câncer (Field et al., 2001). Além destas doenças crônicas, mais de um terço dos indivíduos obesos apresentam também depressão, número este que indica possíveis traços comuns entre estas duas doenças e já implica esta condição como um problema de saúde pública (Pagoto, Bodenlos, Schneider, Olendzki & Spates, 2008). Indivíduos com obesidade e depressão comórbida tem mais problemas de saúde, e,apresentam limitações na vida diária, como por exemplo, maiores chances de trabalharem menos horas por dia e aposentarem-se precocemente (Karakus & Okunada, 2011).Indivíduos com obesidade e doenças mentais enfrentam dificuldades em dobro, considerando que estas são duas características que são discriminadas pela sociedade e que criam barreiras para que consigam empregos, dificuldades com moradia e relacionamentos interpessoais (Mizock, 2012). A etiologia da obesidade é extremamente complexa envolvendo a interação de fatores biológicos e psicológicos com questões culturais e ambientais (Barlow & Durand, 2011). Desta forma, a obesidade é uma doença que exige tratamento transdisciplinar. Além da abordagem médica, nutricional e fisioterapêutica, a abordagem das questões emocionais e comportamentais é necessária no tratamento de pessoas nesta condição. 12 A pesquisa sobre aspectos psicológicos da obesidade acelerou-se e desenvolveu-se desde 1950 e atualmente sabe-se que estes incluem forças internas e externas, assim como, processos aditivos, sociais, culturais, desenvolvimentais e psicopatológicos (Swencionis & Rendell, 2012). Formas de enfrentamento dos problemas como descarga emocional estão associadas a comportamentos alimentares inadequados (Tomaz & Zanini, 2009). De acordo com estes autores indivíduos inseguros, com labilidade emocional, irritadiços, nervosos ou com dificuldade para lidar com situações estressantes, ao enfrentarem problemas, ao invés de utilizarem atitudes de resolução de problemas tendem a descarregar emocionalmente seus sentimentos para diminuir a sua ansiedade, desenvolvendo transtornos alimentares e/ou obesidade. Uma avaliação da personalidade especificamente de mulheres obesas realizada por Rabelo e Leal (2007) indicou sentimentos de inadequação, baixa tolerância a frustração, características de dominância nas relações sociais, comportamentos altruístas e ingestão de ordem emocional. Os resultados obtidos nesta pesquisa indicaram diferenças significativas das mulheres obesas em comparação com a população normativa nas facetas impulsividade, assertividade, fantasia, sentimentos, ideias, valores, altruísmo, competência e deliberação. Contrariamente a esses resultados, Silva e Maia (2011) não encontraram mais psicopatologia em pessoas com obesidade. No entanto, estes apresentaram mais queixas, problemas de saúde e relataram com frequência experiências de abuso emocional e negligência. É importante considerar, no entanto, que nesta pesquisa não foram avaliadas a presença de diagnósticos psiquiátricos nem especificamente a presença de transtornos alimentares que costumam ser prevalentes na população obesa, como afirmam Dobrow, Kamenetz e Devlin (2002). Obesos em tratamento costumam valorizar a oportunidade de pensar sobre alimentação e peso em uma perspectiva psicológica (Yilmaz, Povey & Dalgliesh, 2011). O entendimento dos seus padrões alimentares e das suas dificuldades para a manutenção de um peso saudável fornece importantes insights e diferentes formas de abordar as questões relativas à perda de peso. Este tipo de abordagem resulta em melhoras também na qualidade das 13 suas relações interpessoais, na autoestima, assim como a conclusão de que não existe uma solução mágica para o problema da obesidade. A melhor forma de tratar a obesidade deve envolver mudanças sustentáveis a longo prazo. Desta forma, trabalhar com os fatores psicológicos associados a alimentação e peso é uma importante contribuição no tratamento da obesidade (Yilmaz, Povey & Dalgliesh, 2011). 5. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E OBESIDADE A TCC têm características específicas como a estrutura, brevidade, orientação para o presente, direcionamento para resolução de problemas e modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais (Beck, 1964). Existem diversas aplicações e derivações da terapia cognitiva originadas a partir do modelo Beck. Estes tratamentos baseiam-se tanto em uma formulação cognitiva de um transtorno específico como em uma conceituação e ou entendimento do paciente de forma individual (Beck, 1997). Nesta abordagem, intervenções cognitivas tem o objetivo de reestruturar pensamentos disfuncionais e intervenções comportamentais são usadas para mudar comportamentos inadequados. As intervenções comportamentais também são úteis para identificar cognições associadas a comportamentos específicos (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Especificamente em relação à TCC para o emagrecimento, parte- se do pressuposto que modificando o pensamento, o comportamento alimentar também será alterado e desta forma se dará a perda de peso (Beck, 2011). A dificuldade de manter-se em uma dieta saudável pode estar associada a um conflito de objetivos. Esses objetivos seriam o prazer de comer e o controle do peso. De acordo com este modelo proposto por Stroebe, Van Koningsbruggen, Papies e Aarts (2013), a maioria das pessoas que tentam manter uma dieta saudável falha quando se encontram em ambientes com ampla disponibilidade de alimentos calóricos e atraentes porque acabam colocando o objetivo de ter prazer através da alimentação antes do objetivo de manter um 14 peso saudável. Desta forma acontece uma inibição cognitiva do objetivo de controle de peso. De qualquer forma existe uma minoria de pessoas que mantêm uma dieta saudável e quando expostas a ambientes com muito estímulo à alimentação inadequada associam esta situação a pensamentos de controle de peso. Estes indivíduos mesmo quando expostos a alimentos inadequados conseguem manter um padrão alimentar adequado. Desta forma, ensinar estratégias que auxiliem as pessoas que tem dificuldade de manter um padrão alimentar saudável a mudar este comportamento é algo que deve ser desenvolvido. Pessoas com sobrepeso e obesidade beneficiam-se de intervenções psicológicas para a diminuição do peso corporal (Shaw, O’Rourke, Del Mar & Kenardy, 2005). Estes autores realizaram uma revisão sistemática das publicações científicas sobre intervenções psicológicas para o tratamento do sobrepeso e obesidade e concluíram que a abordagem cognitivo- comportamental é particularmente indicada para este tipo de tratamento em conjunto com atividade física e reeducação alimentar. Neste estudo, a TCC é indicada devido às evidências que dão suporte ao seu uso no tratamento da obesidade, diferente de outras intervenções psicológicas que são avaliadas com menos rigor para os tratamentos de perda de peso. Dificuldades com alimentação e manutenção de um peso adequado estão relacionadas a distorções cognitivas e ciclos de comportamentos disfuncionais (Wilfley, Kolko & Kass, 2011). Desta forma, a TCC é uma abordagem apropriada para este tipo de problema, sendo utilizada para o ajuste de peso e mudança de hábitos inadequados. Neste tipo de tratamento é necessário considerar que as questões relativas ao controle do peso corporal requerem uma abordagem abrangente, e que as dificuldades com a alimentação permeiam o individuo, sua casa e o seu ambiente social (Wilfley, Kolko & Kass, 2011). Frequentemente pessoas que tem dificuldade para manter um peso adequado acreditam que não emagrecem por terem um metabolismo lento. De acordo com Beck (2011), raramente estes indivíduos tem um problema médico que os impeçam de perder peso, no entanto, apresentam padrões de pensamentos disfuncionais. Depois que estes indivíduos aprendem a mudar a forma de pensar sobre a alimentação, passam a ser mais capazes de comer 15 mais devagar, percebem de fato o que estão comendo, apreciam a comida sem culpa e persistem em uma dieta (Beck, 2011). Protocolos de tratamento cognitivo-comportamental específicos para a obesidade (Cooper, Fairnburn & Hawker, 2009; White & Freeman, 2003) e para redução de peso (Beck, 2011) já foram desenvolvidos. Cooper et al. (2009) desenvolveram um protocolo de TCC para o tratamento da obesidade no qual os participantes podem esperar uma perda de peso de 10% a 15% do seu peso inicial, acontecendo numa intensidade de 0,5Kg a 1Kg por semana, embora existam variações consideráveis de pessoa para pessoa. White e Freeman (2003) concordam com este posicionamento e também propõe um protocolo de TCC para a obesidade com objetivos modestos (perda de peso em média de 10% do peso inicial) e enfatizam os benefícios físicos e psicológicos desta perda. ATCC aplicada em grupos de emagrecimento propicia alem da redução do peso corporal, benefícios clinicamente significativos em aspectos como dificuldades interpessoais, adaptação social, autoestima, níveis de ansiedade, sentimento de bem-estar dos participantes e diminuição da compulsão alimentar (Neufeld, Moreira &Xavier, 2012). A TCC pode ser ainda combinada como o tratamento dietético padrão, fazendo com que os efeitos do tratamento tenham maior duração após a finalização deste (Werrij et al., 2007). Em outras palavras, a combinação do tratamento dietético padrão com a TCC produz menos recaídas em comportamentos alimentares inadequados dos obesos do que quando estes são tratados apenas com orientação nutricional. Além deste feito profilático esta combinação de tratamentos também traz benefícios como a diminuição do IMC, compulsão alimentar, preocupações com a alimentação, depressão, e, produz melhora da imagem corporal e na autoestima (Werrij et al., 2007). Em estudo desenvolvido por Moscatiello et al. (2011) pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica, doença altamente relacionada a obesidade e sobrepeso, foram submetidos a 13 sessões de TCC em grupo com o objetivo de perda de peso e aumento da atividade física e obtiveram melhoras em parâmetros gerais e específicos relacionados ao fígado. Neste estudo a TCC foi associada a uma maior probabilidade de perda de peso e consequente normalização das enzimas do fígado. Os participantes deste estudo mantinham em média menos 5,6% do seu peso inicial em uma avaliação após dois anos de realização da intervenção. De forma convergente no estudo de Ash et al. (2006), 16 indivíduos que se submeteram a TCC com foco de intervenção no estilo de vida obtiveram melhores resultados do que os participantes que receberam apenas folhetos informativos e a TCC foi tão eficaz quanto a intervenção dietética individualizada na perda de peso e melhorias na autoeficácia. Existem algumas críticas à abordagem cognitivo-comportamental padrão no tratamento de pessoas com obesidade. Na pesquisa de Glisenti e Strodl (2012) foi feita uma comparação da TCC com a terapia comportamental dialética (TCD) no tratamento de obesos que apresentam alimentação emocional. Os dois casos tratados com a TCD apresentaram melhoras na aflição emocional, frequência de alimentação emocional ou quantidade de alimentos ingeridos decorrente do estado emocional, enquanto que os dois indivíduos tratados com a TCC não apresentaram nenhuma redução nestas áreas. Os autores da pesquisa sugerem que se deve rever e monitorar o progresso terapêutico especialmente quando os pacientes estão insatisfeitos com algum aspecto do seu tratamento cognitivo-comportamental. Os pesquisadores sugerem que quando os pacientes sentem-se oprimidos pela força das suas emoções eles têm dificuldade em desafiar logicamente as cognições que podem estar relacionadas à sua alimentação emocional. Desta forma, os resultados da pesquisa sugerem que técnicas utilizadas pela TCD como mindfulness, tolerância à aflição e regulação emocional podem ser utilizadas na terapia antes da implementação de técnicas de reestruturação cognitiva. Considerando que a abordagem comportamental no tratamento da obesidade tem sucesso na perda de peso significativa dos pacientes, mas tem encontrado dificuldades com a manutenção deste peso perdido, Cooper e Fairnburn (2001) desenvolveram um tratamento cognitivo-comportamental com o objetivo de minimizar o problema da recuperação do peso perdido. Estes pesquisadores consideram que, além de outros fatores, a negligência dos aspectos cognitivos e a ambiguidade em relação aos objetivos do tratamento tem influenciado a questão da recuperação do peso perdido. Apesar da hipótese de que a abordagem cognitiva com foco na manutenção do peso perdido a longo prazo seria a solução para esta dificuldade dos pacientes, Zafra et al. (2010) testaram este tipo específico de intervenção cognitivo-comportamental em pacientes obesos e não obtiveram resultados 17 satisfatórios. Considerando que nesta pesquisa a maioria dos pacientes recuperou quase que completamente o peso perdido com o tratamento em período de três anos após finalizada a intervenção, a pesquisa conclui que talvez exista uma falha na teoria que da suporte a intervenção ou talvez a TCC não tenha sido suficientemente potente. Os pesquisadores sugerem que devido a dificuldade do tratamento da obesidade a longo prazo, a pesquisa na área talvez precise ter mais foco na prevenção do que no tratamento. Contrariamente Göhner, Schlatterer e Seelig (2012) pesquisaram a intervenção cognitivo-comportamental em grupo para o tratamento da obesidade e verificaram que a intervenção teve efeito sobre a escolha dos alimentos e nível de atividade física. A intervenção cognitivo-comportamental ainda apresentou uma melhora na autoeficácia, maior intenção de alcançar os objetivos e intenções de implementação mais detalhadas nos participantes quando comparados ao grupo controle. A pesquisa indica que o tratamento tem o potencial de provocar mudanças cognitivas duradouras que podem ser responsáveis por fazer indivíduos obesos começaram e manterem a prática de atividade física e melhorarem a qualidade da alimentação, resultando assim na redução do peso corporal. Uma possibilidade para reforçar as mudanças cognitivas e manutenção do peso saudável seria que os programas de reeducação alimentar utilizassem intervenções através da internet como ferramenta auxiliar no tratamento (Becker, Rapps & Zipfel, 2007). Numa revisão sistemática Laederach-Hofmann, Messerly-Burgy e Meyer (2008) pesquisaram ensaios controlados e randomizados sobre os efeitos a longo prazo da terapia não cirúrgica para obesidade e tratamento do risco cardiovascular. Os autores afirmam que estratégias de tratamento compostas por intervenção farmacológica, terapia comportamental, exercícios, dietas e terapias complementares concebidas para reduzir o peso são capazes de promover benefícios significativos sobre os fatores de risco cardiovascular. Estes pesquisadores afirmam que existem poucos estudos controlados e randomizados na área e sugerem que estudos de longo prazo, em um período de 5 a 10 anos, com obesos clinicamente saudáveis precisam ser desenvolvidos. Uma consideração importante é feita por Fabricatore (2007) quando após uma revisão da literatura afirma que as diferenças entre a TCC e a terapia comportamental padrão para obesidade estão mais nas teorias que sustentam 18 estas abordagens do que de fato na sua aplicação. A pesquisa aponta que na prática os dois tratamentos são muito parecidos, os dois incluem recomendações para a diminuição da ingestão de calorias e aumento do gasto energético, e, ainda, existe considerável sobreposição de técnicas utilizadas nas duas abordagens. Fabricatore (2007) afirma que o questionamento de se a mudança cognitiva gera a mudança comportamental, ou o contrário, tem sido objetivo de debate teórico e empírico há décadas. Fabricatore (2007) considera-se que os métodos de pesquisa atuais não possibilitam que se chegue a uma posição definitiva sobre esta questão com estudos experimentais de laboratório e muito menos que se identifique se é a mudança cognitiva ou a comportamental que é a principal na manutenção do peso perdido através da mudança no estilo de vida. Enquanto não são desenvolvidos estudos controlados e randomizados que apresentem resultados mostrando que a TCC para o tratamento da obesidade apresenta resultados iguais ou superiores à terapia comportamental para o controle do peso, a pesquisa indica que os clínicos que querem trabalhar a manutenção do peso perdido com os seus pacientes devem ser encorajados a usar as duas abordagens. 6. BULIMIA NERVOSA (BN) Segundo o DSM-IV (American Psychiatric Association, 2002), a bulimia nervosa (BN) caracteriza-se por: a) Episódios de “Binge-eating” recorrentes; b) Empenho recorrente em comportamentos compensatórios inadequados para prevenir o ganho de peso, tais como: vômitos auto-induzidos; uso inadequado de laxantes, diuréticos, enemas ou outros medicamentos; dieta restritiva, jejum ou exercícios excessivos. c) Os episódios de “Binge-eating” e comportamentos compensatórios inadequados devem ambos ocorrer, em média, pelo menos duas vezes por semana durante três meses; 19 d) A auto-avaliação é inadequadamente influenciada pelo peso e formato corporal; e) O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de Anorexia Nervosa. O episódio de compulsão alimentar é o sintoma principal e costuma surgir no decorrer de uma dieta para emagrecer. No início, pode se achar relacionado à fome, mas posteriormente, quando o ciclo compulsão alimentar-purgação já está instalado, ocorre em todo tipo de situação que gera sentimentos negativos (frustração, tristeza, ansiedade, tédio, solidão). Inclui um aspecto comportamental objetivo que seria comer uma quantidade de comida considerada exagerada se comparada ao que uma pessoa comeria em condições normais; e um componente subjetivo que é a sensação de total falta de controle sobre o seu próprio comportamento. Estes episódios ocorrem às escondidas na grande maioria das vezes e são acompanhados de sentimentos de intensa vergonha, culpa e desejos de autopunição (Apponilário & Claudino, 2000). 20 Figura 1 Os indivíduos bulímicos apresentam episódios durante os quais sentem um desejo excessivo e incontrolável de ingerir alimentos. Nesses episódios, que podem ocorrer várias vezes por dia, podem ser ingeridas até mais do que 10.000 Kcal. Durante estes episódios, os bulímicos relatam um sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar. Sob a ótica do bulímico nem todos os episódios de compulsão alimentar envolvem comer grandes quantidades de alimentos. Neste sentido, pode-se conceituar como um episódio de compulsão alimentar a ingestão de qualquer alimento percebido como muito calórico, mesmo em pequena quantidade. Ao avaliar um episódio de compulsão alimentar, deve-se considerar o contexto em que a alimentação ocorreu, tais como o que seria visto como consumo excessivo em uma refeição típica poderia ser considerado normal durante uma festa (Duchesne e Appolinário, 2008; APA, 2002). O episódio de compulsão alimentar é normalmente desencadeado por estados de humor disfóricos e estados ansiosos. Ele pode proporcionar distração 21 de pensamentos desagradáveis, constituindo-se em uma forma de se dar prazer, mesmo que de curta duração, reduzir sentimentos de tédio e solidão, ou proporcionar alívio do rigor e da monotonia da dieta rígida. Os bulímicos têm preocupação excessiva com o formato corporal, além de a perda de peso não produzir sensação de magreza suficiente. Os episódios de compulsão alimentar aumentam o pavor mórbido de engordar, o que faz com que os bulímicos também coloquem para si mesmas um limiar de peso abaixo do que seria saudável (Duchesne & Appolinário, 2008). De acordo com dados publicados no DSM-IV, (APA, 2002) e no CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1993), a bulimia nervosa ocasiona alterações cardiovasculares, gastrintestinais, hidroeletrolíticas e metabólicas. Os vômitos, por exemplo, podem ocasionar desgaste do esmalte dentário, hipertrofia das glândulas salivares e cicatrizes no dorso da mão. A bulimia nervosa geralmente inicia na adolescência. Há maior prevalência em mulheres (mais de 90%) das classes média e alta, sendo mais freqüente na raça branca. Pessoas com profissões ou atividades que valorizam a magreza, como modelos, bailarinos e atletas, são mais suscetíveis a tais transtornos. Os indivíduos portadores de bulimia nervosa tipicamente envergonham-se de seus problemas alimentares e procuram ocultar seus sintomas. Há um sentimento de falta de controle. O comer compulsivo é um quadro próximo à bulimia, mas dela se diferencia pela ausência dos vômitos e purgações auto-induzidos e por marcante sentimento de culpa ou desconforto após haver comido uma quantidade muito exagerada de alimentos em um curto período de tempo (Dalgalarrondo, 2008). 7. ANOREXIA NERVOSA (AN) A anorexia nervosa é um transtorno alimentar caracterizado pela recusa do indivíduo em manter um peso adequado para a sua estatura, medo intenso de ganhar peso e uma distorção da imagem corporal, além de negação da própria condição patológica (Alves, Vasconcelos, Calvo & Neves, 2008). De acordo com o DSM-IV (APA, 2002), a anorexia nervosa (AN) caracteriza-se por: 22 a) Recusa em manter o peso mínimo normal adequado à idade e à altura ou acima deste; b) Medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gordo, mesmo com peso inferior ao esperado; c) Perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporal. O peso ou formato corporal exercem influência indevida na autoavaliação ou há negação da seriedade do baixo peso corrente; d) Nas mulheres pós-menarca, ocorre amenorréia, isto é, a ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos, quando é esperado ocorrer o contrário. Figura 2 As pessoas com a anorexia nervosa apresentam um medo intenso de engordar, que persiste como uma idéia sobrevalorada, associado a uma preferência pela magreza extrema. Apresentam um distúrbio da imagem corporal que faz com que se percebam como mais gordas do que realmente são. Esse distúrbio ocasiona uma insatisfação da pessoa anoréxica com sua aparência, apesar do emagrecimento, fixando suas metas de peso em níveis cada vez mais baixos (APA, 2002). Dalgalarrondo (2008) destaca que do ponto de vista psicopatológico, o que é característico da anorexia nervosa é a distorção da 23 imagem corporal. Embora esteja magro, o indivíduo anoréxico percebe-se gordo e sente que algumas partes de seu corpo, estão “muito gordas”. O pavor de engordar persiste como uma idéia permanente, mesmo o indivíduo estando com o seu peso bem abaixo do normal. No que se refere à abordagem farmacoterápica, Duchesne e Appolinário (2008) destacam que na AN, a terapêutica medicamentosa tem um papel limitado, sendo utilizada basicamente em função dos quadros psiquiátricos associados ou no tratamento dos episódios de compulsão alimentar que também podem ocorrer na AN. Os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) têm sido os antidepressivos mais estudados no tratamento da AN. Uma melhora da depressão, dos pensamentos obsessivos e da ansiedade são alguns dos sintomas que podem responder aos ISRS (por exemplo, fluoxetina) conforme se avança na recuperação ponderal. Entretanto, a pesquisa sobre a eficácia desses agentes na AN encontra-se ainda em fase embrionária, baseando-se em observações clínicas isoladas, relatos de casos e estudos abertos. 8. A APLICABILIDADE DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA OBESIDADE, DA BULIMIA E DA ANOREXIA A TCC é uma das principais correntes psicoterapêuticas que privilegia um trabalho direto no campo alimentar e sobre as causas que fazem com que o distúrbio permaneça. Na prática é proposto um contrato terapêutico no qual o indivíduo se propõe seguir o programa de tratamento, em grupo restrito ou em terapia individual. Historicamente, o tratamento de pessoas com transtornos alimentares mudou de foco: da supervisão médica de reposição do peso, para a introdução das primeiras variantes de psicoterapia psicodinâmica no século XX e, mais tarde, para o desenvolvimento de técnicas específicas e tratamentos voltados para a redução dos sintomas, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Em paralelo ao desenvolvimento das técnicas psicoterápicas, ocorreu o uso de tratamentos farmacológicos, conforme a disponibilização destes de forma 24 mais ampla na clínica psiquiátrica (Bacaltchuk e Hay, 2004). Nunes e Abuchaim (2008) destacam que a TCC nos transtornos alimentares foi inicialmente proposta por Fairburn em 1981. Inicialmente, o objetivo da técnica é auxiliar a paciente a estabelecer um controle comportamental sobre seu hábito alimentar para então ajudá-la a modificar suas atitudes anormais em relação à alimentação, ao peso e à forma corporal. Posteriormente o foco será a aquisição de habilidades em resolver problemas e a manutenção dos progressos adquiridos ao longo do tratamento. Na literatura há uma variabilidade nos componentes específicos da TCC, entretanto, em geral, o tratamento inicia com ênfase no controle da conduta alimentar alterada, prescrição de um esquema alimentar e a tentativa de utilização de uma lista de comportamentos alternativos. Também é importante, no início do tratamento, informar ao paciente e seus familiares a respeito da doença e de seus riscos. Ao longo do processo, a terapia envolve uma reestruturação cognitiva, por meio da correção das crenças e distorções que os pacientes têm em relação ao peso e à forma corporal (Nunes e Abuchaim, 2008). De acordo com Wright et al. (2008), a TCC tornou-se aceita como um dos métodos principais de tratamento para transtornos alimentares. Estudos controlados de bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar encontraram fortes evidências da sua eficácia. Em vários estudos, descobriu-se que a TCC tem efeitos adicionais quando aplicada em combinação com medicações antidepressivas, mas a efetividade da TCC para anorexia nervosa ainda não foi estabelecida. O modelo de TCC para tratar transtornos alimentares baseia-se na noção de que crenças disfuncionais sobre a magreza e a insatisfação com a forma e o peso corporais norteiam e mantém o comportamento alimentar anormal e as características associadas, como purgação e abuso de laxantes, diuréticos e remédios para emagrecer. Bacaltchuk e Hay (2004) esclarecem que programas de TCC com base em manuais foram desenvolvidos e já foram ou estão sendo avaliados para tratamento da AN e da BN, apresentando os seguintes protocolos: a) Bulimia Nervosa – Na BN, os objetivos da TCC visam tratar os sintomas comportamentais (ataques bulímicos e comportamentos compensatórios), substituir o padrão de restrição alimentar por um padrão mais adequado e modificar os pensamentos disfuncionais e os sentimentos negativos 25 relacionados ao peso e à forma do corpo, o perfeccionismo excessivo e o pensamento dicotômico. O tratamento é conduzido ao longo de 20 sessões (seis meses), em média. O programa tem quatro estágios: o primeiro, psicoeducativo, envolve informações sobre transtornos alimentares com episódios bulímicos, compulsão alimentar, suas conseqüências médicas, pesquisas relevantes e conhecimento atual sobre as hipóteses etiológicas e tratamentos, incluindo uma introdução à visão cognitiva da manutenção da BN. Em geral, isso pode ser feito em uma sessão. O segundo estágio, de monitoramento dos comportamentos alimentares, tem uma duração média de duas sessões. No terceiro, com duração de cerca de seis a oito sessões, ocorre à introdução de estratégias comportamentais para prevenir os episódios de compulsão alimentar e os comportamentos extremos para controle do peso e promover o autocontrole, com treinamento e técnicas para solução de problemas. Finalmente o quarto estágio, de desafio cognitivo e reestruturação das atitudes alimentares disfuncionais, ocorre em geral ao longo de oito sessões. As últimas sessões visam a estabelecer um plano para prevenção de recaídas e manutenção do tratamento (Bacaltchuk & Hay, 2004). b) Anorexia Nervosa - Diferente da BN, a terapia é conduzida ao longo de um a dois anos e freqüentemente inclui um período de reabilitação nutricional em meio hospitalar. Ao contrário da BN, não há, até o momento, evidências suficientes disponíveis sobre a efetividade da TCC para AN. Garnere Garfinkel em 1997 apud Bacaltchuk e Hay (2004) descreveram um programa de TCC de três estágios que, em primeiro lugar, avalia e foca a natureza egossintônica da AN. Isso inclui o aumento da motivação para mudança, a formulação da função psicológica da AN para a pessoa, a prescrição de objetivos de peso e a normalização dos padrões alimentares. A segunda fase envolve o desafio de crenças disfuncionais sobre a comida, as questões relativas ao peso e à forma do corpo, os padrões alimentares e a auto-estima. A fase final identifica sinais e fatores de recaída e estratégias para preveni-las. Bacaltchuk e Hay (2004) propuseram uma abordagem mais específica, focalizando a necessidade extrema de autocontrole por meio do controle do peso, tendo como alvo o uso da comida, da forma e do peso como índices de autovalorização, a necessidade de autocontrole excessivo em geral e 26 o uso de comportamentos alterados para controlar o peso, incluindo checagem constante do corpo e comportamentos semelhantes. De acordo com os autores ora citados, o foco primário da TCC no tratamento da AN é ajudar o paciente a alcançar e manter padrões alimentares e de peso normais. O tratamento da restrição alimentar como uma fobia de comida baseia-se no pressuposto de que o medo de comer é ativado por crenças e pensamentos distorcidos sobre comida e peso. Evitar alimentar-se normalmente reduz o medo de engordar. A restrição alimentar é muito gratificante e tem um efeito positivo sobre a auto-estima. A terapia é estruturada em quatro estágios. O primeiro, de aproximadamente 14 sessões, tem como foco: (a) A avaliação detalhada da fobia de comida, dos sintomas alimentares e da função positiva da anorexia; (b) A formulação do esquema cognitivo abordando as dificuldades interpessoais, as deficiências na resolução de problemas e na identificação de elementos que reforçam a fobia de comida; e (c) A recuperação do peso e/ou a substituição das dietas restritivas por padrões alimentares mais normais. O foco do segundo estágio, também de aproximadamente 14 sessões, é o tratamento das dificuldades interpessoais e o aumento das habilidades para resolver problemas sociais. A ênfase no tratamento da fobia de comida e no medo de ganhar peso continua neste estágio. O terceiro estágio consiste de seis sessões e prepara o paciente para um funcionamento autônomo. São discutidas as técnicas para enfrentar futuras dificuldades e para manter expectativas razoáveis, objetivando a prevenção de recaídas. O quarto e último estágio consiste de sessões mensais em um período de três meses e trata de questões relacionadas ao final do tratamento (Bacalchuk & Hay, 2004). É importante salientar que ao longo do tratamento com a TCC, o paciente deve tornar-se um bom identificador de tendências disfuncionais de raciocínio e das situações em que estas prejudicam sua capacidade de interpretar informações de forma correta. O paciente deve aprender as linhas de questionamento mais eficazes para si e praticá-las, usando suas novas percepções em resposta aos antigos pensamentos disfuncionais. Considerações Finais Ao final deste estudo podem destacar que os objetivos propostos foram alcançados e durante a pesquisa bibliográfica, pôde-se comprovar a hipótese de 27 que as técnicas cognitivas e comportamentais estão sendo utilizadas como estratégias eficazes na melhora dos quadros clínicos da obesidade, da bulimia e da anorexia nervosa. No entanto, faz-se mister salientar que se trata de uma pesquisa inicial, logo, para um adequado aprofundamento do assunto, muitas obras, tanto da área de medicina, como da área da psicologia devem ser consultadas. O presente estudo não pretendeu inferir conclusões definitivas sobre o tema, pois se tem consciência de que a questão da aplicabilidade da Terapia Cognitivo- Comportamental no tratamento dos transtornos do comportamento alimentar é complexa, e que uma monografia de revisão não contempla o assunto em todas as suas particularidades. No contexto do tratamento da obesidade, da bulimia e da anorexia nervosa, somente uma real mudança nos hábitos alimentares, bem como nos comportamentais, pode levar ao sucesso da terapia como a manutenção do peso ideal e, conseqüentemente, a uma melhor qualidade de vida. O tratamento por meio da TCC permite também que os indivíduos obesos, bulímicos e anoréxicos, possam resgatar uma convivência social saudável. A auto-estima após o tratamento eleva-se e para os que a haviam perdido, ela se restaura em decorrência dos benefícios advindos do tratamento. Tanto a obesidade, como a bulimia e a anorexia nervosa, tornaram-se sérios problemas de saúde pública, e seu controle deveria ser prioridade dos órgãos responsáveis, com campanhas de esclarecimento e orientação. Deve-se orientar a população sobre os perigos e o tratamento destes transtornos, levando-se em consideração a experiência transtornos, vária abordagens terapêuticas são utilizadas e existe uma tendência à integração de métodos psicoterápicos e farmacológicos. A abordagem psicoterápica da obesidade, da bulimia e da anorexia nervosa, pode ser individual, em grupo, familiar e costuma incluir uma combinação de técnicas psicoeducacionais, cognitivo-comportamentais e psicodinâmicas. Quaisquer que sejam as abordagens psicoterápicas escolhidas, os pacientes devem ter acompanhamento clínico adequado. Como muito freqüentemente se constata na psicologia, algumas modalidades terapêuticas dão melhores resultados do que outras, sem que os profissionais sejam verdadeiramente capazes de dizer o que nas diferentes perspectivas faz a diferença. No entanto, em matéria do tratamento da 28 obesidade, bulimia e anorexia por meio da TCC, alguns pontos podem ser destacados. Na perspectiva da TCC, as regras de modificação do comportamento alimentar são, sobretudo, um meio para o indivíduo se provar que não está totalmente à mercê dos processos externos, mas que têm influência no seu comportamento. A TCC permite-lhe precisar os seus modos de pensar e as suas emoções com as suas próprias condutas. Para finalizar, pode-se destacar que os estudos sobre a aplicabilidade da TCC no tratamento dos transtornos do comportamento alimentar estão sob contínuos aprimoramentos. Logo, estes estudos, seja em nível de graduação ou especialização, deveriam ser mais explorados e constituem-se em um campo fértil para futuras pesquisas. As instituições de ensino superior, por serem instituições privilegiadas na elaboração e produção do conhecimento, têm responsabilidade e função social frente ao quadro de obesidade, bulimia e anorexia que se apresenta e que requer envolvimento na solução de problemas. 9. RELAÇÃO OBESIDADE E PERTURBAÇÃO DA ANSIEDADE As Perturbações de Ansiedade constituem o conjunto da patologia mental mais prevalente no mundo Ocidental. Para além da elevada prevalências estão geralmente associadas a aumento da morbilidade, mortalidade e têm um impacto negativo na qualidade de vida dos doentes, com significativa repercussão na saúde pública, acarretando custos elevados. Segundo a classificação DSM-IV, as perturbações de ansiedade subclassificam-se em Perturbação da ansiedade generalizada, Perturbação de pânico, Fobia específica, Fobia social e Perturbações obsessivo-compulsivas. Apesar da elevada prevalência das Perturbações da Ansiedade e da obesidade, a relação entre estas patologias ainda se encontra mal estudada. Na literatura, vários estudos apontam resultados contraditórios, apesar de se constatar evidência moderada de uma associação positiva. A disparidade de resultados permite-nos encontrar vários artigos que não identificam qualquer 29 associação entre estas patologias ou encontrar uma associação não estatisticamente significativa. Um estudo, em particular, não revelou qualquer associação entre as Perturbações da Ansiedade e a obesidade apesar de quando se analisou a prevalência de Perturbações do Humor, estas patologias estarem relacionadas com a obesidade. Esta disparidade pode ser explicada pela heterogeneidade das Perturbações de Ansiedade e da população obesa. Uma metanálise de 2010, englobando 16 estudos, encontrou uma associação, estatisticamente significativa entre a obesidade e as Perturbações de Ansiedade. No entanto, foram reveladas inconsistências, estatisticamente significativas, o que sugere uma elevada heterogeneidade dos resultados.5 Este fato pode ser explicado por diversos fatores, tais como, o gênero, a gravidade da obesidade e as subclasses de Perturbações da Ansiedade. Também nas Perturbações da Ansiedade, se verifica uma correlação positiva entre ansiedade e obesidade que é mais significativa em indivíduos do gênero feminino do que do sexo masculino. Nos indivíduos do sexo feminino, quer o excesso de peso, quer a obesidade encontram-se associadas a uma maior probabilidade de Perturbações de Ansiedade, no presente ou no passado. Esta associação parece relacionar-se com a maior discriminação e estigma em relação ao peso que as mulheres sofrem no seu dia-a-dia e parece não atingir, de forma tão significativa, os homens. Geralmente, as mulheres, mesmo que apenas com excesso de peso, estão mais provavelmente descontentes com o seu aspeto físico e são mais provavelmente prejudicadas na sua vida social e profissional devido ao excesso de peso. Este aspeto é tão importante que um estudo que analisou as diferenças entre gêneros na associação entre IMC e as Perturbações da Ansiedade e do Humor, apenas encontrou associação entre a Fobia social e a obesidade em mulheres com excesso de peso ou obesas. Outro fator muito importante que modela a associação obesidade/ansiedade é a severidade da obesidade. Os doentes com obesidade mórbida parecem ter prevalências elevadas de Perturbações da Ansiedade e do Humor em comparação com outros obesos. Em último lugar, a patologia do foro ansioso é muito heterogênea entre si, o que poderá explicar a variabilidade dos resultados dos diferentes estudos que 30 tentam identificar esta associação. Analisando separadamente as diferentes patologias que compõem as Perturbações de Ansiedade e ajustando para fatores confundidores, tais como a idade, a etnia e o grau de educação, foram encontradas associações variáveis. Por exemplo, as Perturbações de Pânico, quer quando associadas ou não a agorafobia, parecem correlacionar-se com o peso. Esta relação é mais significativa em doentes obesos. Os doentes com excesso de peso associam- se, também, a aumento do risco de Perturbações de Pânico, no entanto, esta associação não se mostrou estatisticamente significativa. Os indivíduos do sexo feminino com Perturbações de Pânico parecem ser mais frequentemente obesos, do que os indivíduos do gênero masculino. Em relação às Fobias específicas, a correlação com a obesidade atinge, mais uma vez, mais frequentemente as mulheres. Esta associação é mais significativa em doentes com obesidade mórbida, no entanto, pode ser encontrada em doentes com excesso de peso, de forma estatisticamente significativa. A Fobia social é mais uma patologia em que existe relação positiva com a obesidade. A Perturbação da Ansiedade Generalizada está associada com a obesidade, mais significativamente nos indivíduos do gênero feminino. E, tal como as patologias anteriores, há uma relação positiva em doentes com excesso de peso, obesidade ou obesidade mórbida, sendo mais significativa em função da severidade da obesidade. Não se encontrou associação entre a obesidade e as Perturbações Obsessivas compulsivas Mais difícil do que estabelecer uma associação entre a obesidade e as Perturbações da Ansiedade é identificar uma relação causa-efeito. Um dos fatores que pode ser modelador desta relação é a discriminação que os indivíduos obesos sofrem diariamente, tal como a baixa autoestima. Estes dois sentimentos podem estabelecer a relação, já que a discriminação pode gerar stress e condicionar ansiedade, em situações sociais não amigáveis. Como estes indivíduos se consideram inadequados e desajustados em ambientes hostis, desenvolvem mecanismos psicológicos de forma a evitar estas situações de exposição, gerando-se ansiedade. Para, além disso, estes indivíduos culpam-se por serem obesos, podendo, por vezes, fazer 31 esforços desajustados para tentar emagrecer, que condiciona uma obsessão pelo peso e pela alimentação, levando a mais preocupações e a ansiedade. Desta forma, a obesidade seria a responsável pela ansiedade. Estudos recentes tentaram estabelecer como fator causal da obesidade, as Perturbações de Ansiedade. A ansiedade e o stress parecem promover a obesidade através de vias fisiológicas, em que se incluem a ativação do sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo, hipófise, supra-renal. A ativação crônica destas vias condiciona um aumento do cortisol. Este aumento do cortisol está associado à alteração hormonal do apetite e ao aumento do peso. Adicionalmente, indivíduos sob stress tendem a preferir alimentos ricos em hidratos de carbonos e gorduras, já que o consumo destes alimentos parece resultar em redução da ansiedade através de um mecanismo de feedback no eixo hipotálamo, hipófise, supra-renal. Este feedback condiciona, então, um mecanismo de recompensa, levando ao reforço deste tipo de comportamento em situações de stress. A ansiedade pode também contribuir para o aumento de peso, ao causar alterações no comportamento dos doentes. Essas alterações são a esquiva de determinadas atividades físicas, que podem despertar sintomas semelhantes aos das Perturbações da Ansiedade. As perturbações do sono, tais como a insônia inicial, o sono pouco profundo, o despertar noturno e os sonos desagradáveis, que frequentemente acompanham as perturbações ansiosas, também contribuem para o aumento de peso associado à ansiedade. Não será de excluir um possível fator que possa condicionar predisposição para ansiedade e para a obesidade, tornando, assim, esta relação não uma relação causa consequência, mas sim uma relação com uma causa comum. Este fator poderá ser de base genética, já que ambas as patologias parecem ter algum padrão de hereditariedade. Poder se tratar também da exposição ambiental ou do ambiente familiar durante a infância. Por estas razões, a associação entre obesidade e as Perturbações de Ansiedade pode ser resultado da interação genético-ambiental. Uma vez que ansiedade e obesidade são muitas vezes diretamente vinculadas, estudos apontam que quando as pessoas estão diante de situações novas, ou ameaçadoras, sentem ansiedade e acabam comendo, pois o comer tornaria mais suportável o sentimento de ansiedade. De acordo com estudos não 32 existe traço e estado de ansiedade em pessoas obesas, não sendo possível afirmar a existência de uma relação direta entre a obesidade e a ansiedade. Por outro lado, não se pode afirmar que esta relação não exista, pois sua existência pode não ter sido perceptível pelos instrumentos de pesquisas utilizados, fazendo-se necessária a utilização de outros instrumentos 33 REFERÊNCIAS A Terapia Cognitivo-Comportamental e seus efeitos no tratamento dos transtornos do comportamento alimentar. Thomé Eliziário Tavares Filho, Paula Mitoso da Silva Magalhães, Bruno Mendes Tavares file:///C:/Users/Anielle/Desktop/EDUCARE/APOSTILAS%20EM%20PRODU%C 3%87%C3%83O/25-93-1-PB.pdf OLIVEIRA, Letícia Langlois; DEIRO, Carolina Peixoto. Terapia cognitivo- comportamental para transtornos alimentares: a visão de psicoterapeutas sobre o tratamento. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 15, n. 1, p. 36- 49, abr. 2013 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517- 55452013000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 14 set. 2020. LUZ, Felipe Quinto da; OLIVEIRA, Margareth da Silva. Terapia cognitivo- comportamental da obesidade: uma revisão da literatura. Aletheia, Canoas , n. 40, p. 159-173, abr. 2013 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413- 03942013000100014&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 14 set. 2020. PEREIRA, Cláudia; BRANDAO, Isabel. Uma perspetiva da psicopatologia da obesidade. 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