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PLANTAS DANINHAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Explicar os conceitos básicos ligados à resistência em plantas daninhas. > Identificar os principais mecanismos que conferem resistência às plantas daninhas. > Reconhecer estratégias usadas contra a resistência de plantas daninhas a herbicidas. Introdução A agricultura mundial vem buscando cada vez mais métodos de manejo de plantas daninhas eficazes e de baixo impacto ambiental. Entretanto, ainda é grande a depen- dência em relação ao uso de herbicidas. Isso ocorre por diferentes motivos, dentre os quais destacam-se o aumento da área produtiva, a maior utilização do sistema de plantio direto, dificuldade em conseguir mão-de-obra e a grande disponibilidade e eficácia desses produtos químicos. Portanto, o controle químico por meio de herbicidas é uma ferramenta importante dentro do sistema de produção agrícola. Como consequência da intensa utilização de herbicidas, ganha importância a resistência de plantas daninhas a esses produtos químicos. Essas plantas repre- sentam grande impacto financeiro negativo nas culturas agrícolas. Tal impacto decorre da necessidade de mais aplicações e emprego de diferentes herbicidas, com distintos mecanismos de ação. Atualmente, são registrados 1.105 casos de plantas daninhas resistentes a pelo menos um mecanismo de ação no mundo. O Brasil é o quinto país em número de registros, com 51 (HEAP, 2020). Esses dados indicam a importância e necessidade de conhecimento sobre esse assunto. Resistência de plantas daninhas a herbicidas Neste capítulo, você vai aprender os principais conceitos relacionados à re- sistência de plantas daninhas e quais mecanismos favorecem a evolução dessa resistência. Além disso, estudará quais as estratégias devem ser utilizadas para retardar o aparecimento de plantas resistentes em áreas agrícolas. Conceitos relacionados à resistência de plantas daninhas Devido à sua importância, é de grande valia o correto diagnóstico de resis- tência a herbicidas por parte de plantas daninhas. Desse modo, precisamos conhecer os conceitos relacionados a esse tema. Na Figura 1, é apresentado um esquema ilustrativo para melhor compreensão de cada um dos conceitos apresentados a seguir. Figura 1. Ilustração dos principais conceitos relacionados à possível resposta de uma planta daninha à aplicação de um herbicida. A aplicação de um herbicida tem como objetivo o controle (morte) da planta daninha ou a diminuição de seu desenvolvimento, de maneira a não interferir na cultura agrícola. Apesar de indivíduos pertencentes à mesma espécie serem geneticamente semelhantes, existe certa variabilidade de biótipo dentro da mesma espécie. Esses biótipos podem apresentar resposta diferenciada dos demais após a aplicação do herbicida. As plantas que são Resistência de plantas daninhas a herbicidas2 controladas após a aplicação da dose recomendada do produto químico e morrem ou cessam seu desenvolvimento são chamadas de biótipos (ou plantas) suscetíveis. Entretanto, há aquelas plantas que são expostas aos herbicidas, mas conseguem continuar seu desenvolvimento, mesmo sofrendo algum tipo de injúria, devido a características próprias. Esses biótipos são chamados de tolerantes (CHRISTOFFOLETI; VICTORIA FILHO; SILVA, 1994). O conceito de biótipo resistente inclui a necessidade de um agente se- lecionador da resistência (produto químico) e a capacidade da planta em passar para seus descendentes as características genéticas que permitem a ela sobreviver ao tratamento por um herbicida que, em condições normais, seria eficiente no controle dessas plantas (CHRISTOFFOLETI; VICTORIA FILHO; SILVA, 1994). Portanto, a planta resistente sofre uma seleção genética que a possibilita resistir ao herbicida, transmitindo essa característica a seus descendentes. A evolução da resistência em uma população de plantas daninhas inicia-se a partir do mau uso de um herbicida. Normalmente presentes em baixíssima frequência genética na população, existem alelos que podem ocasionar mudanças na morfologia ou fisiologia da planta, fazendo com que não seja suscetível ao herbicida, ao contrário da maioria dos demais exemplares da população. A aplicação constante do herbicida gera uma pressão de seleção daquele genótipo resistente, ou seja, apenas as plantas com material genético favorável à resistência sobrevivem e transmitem essa característica genética à próxima geração. Desse modo, ao longo do tempo, se nada for feito para quebrar esse ciclo, somente existirão biótipos resistentes naquela população Entre as plantas resistentes, muitas vezes ocorre a seleção de uma mu- dança que as torna resistente a um mecanismo de ação, de tal maneira que mesmo utilizando produtos distintos, tais plantas ainda resistem caso o mecanismo seja o mesmo. Nesses casos, tem-se a chamada resistência cru- zada. Em casos mais extremos, a mesma planta pode apresentar resistência a dois ou mais mecanismos de ação, apresentando a chamada resistência múltipla (CHRISTOFFOLETI; LÓPEZ-OVEJERO, 2003). No Brasil, estão registradas atualmente 29 espécies diferentes de plantas daninhas resistentes a herbicidas. Dentre essas, 14 espécies apresentam resistência múltipla a dois mecanismos de ação, duas espécies a três meca- nismos e, no caso mais grave atualmente, uma espécie, Conyza sumatrensis, popularmente chamada de buva, apresenta resistência múltipla a cinco mecanismos de ação distintos (HEAP, 2020, tradução nossa). Resistência de plantas daninhas a herbicidas 3 A diferença entre uma planta ser tolerante ou resistente a um her- bicida está na maneira como essa característica se apresenta na planta. No caso daquelas tolerantes, alguma característica genética heredi- tária estava presente na planta antes da exposição ao produto químico, como alguma característica fisiológica ou morfológica que impeça o mecanismo de ação atingir seu alvo ou ser ativado. Já as plantas resistentes são selecionadas dentro da população em consequência da exposição ao herbicida. Desse modo, é a presença do produto químico que a faz ser resistente. Fatores relacionados ao herbicida e à planta que favorecem a seleção para resistência Uma vez que a resistência depende da pressão de seleção (herbicida) e de características genéticas da planta, precisamos entender como esses dois fa- tores podem favorecer a seleção das espécies de plantas daninhas resistentes. Fatores relacionados ao herbicida O principal fator é a pressão de seleção exercida com a aplicação excessiva ou errada de um herbicida. A utilização constante de um mecanismo de ação para o controle de uma planta daninha acelera a seleção daquelas plantas com alelos para resistência. A frequência inicial do alelo que confere resis- tência, normalmente muito baixa, aumenta depressa quanto mais específico for o mecanismo de ação do herbicida na planta. A pressão de seleção de um herbicida é maior quanto mais eficiente for seu controle, ou seja, um herbicida com 99,9% de efetividade apresenta altíssima pressão de seleção. Portanto, é de extrema importância a correta utilização e manejo dos produtos quí- micos a serem utilizados no controle de plantas daninhas a fim de retardar a evolução da resistência (INOUE; OLIVEIRA JÚNIOR, 2011). O mau uso do herbicida não está relacionado apenas à não observação da dosagem recomendada pelo fabricante na bula do produto comercial. A tecnologia de aplicação é outro fator importante. É necessário que o produto chegue ao alvo na quantidade adequada e no estádio fenológico correto. Desse modo, o equipamento deve estar regulado de acordo com as necessidades do produto e da planta-alvo, e a aplicação deve ocorrer no período em que a planta está suscetível ao mecanismo de ação. Caso não sejam seguidas essas recomendações técnicas, falhas ocorrerão na aplicação, sugerindo a presença de plantas resistentes quando não o são, e a dose do produto que Resistência de plantas daninhas a herbicidas4 atinge a planta pode sermenor ou maior do que a correta, mesmo que tenha sido feita a dosagem recomendada (SILVA et al., 2014). Dentre os mecanismos de ação dos herbicidas, existem aqueles com maior probabilidade de desenvolvimento de resistência pelas plantas daninhas. Os inibidores da acetil carboxilase (ACCase) e da acetolactato sintase (ALS), por exemplo, apresentam alto risco de resistência quando aplicados isola- damente, enquanto aqueles que inibem a enol-piruvil-shiquimato-fosfato (EPSP) sintase apresentam risco moderado. Essa diferença ocorre devido ao local de ação do produto, que os torna mais propensos a sofrer ação de algum dos mecanismos que conferem resistência às plantas daninhas (FERREIRA; SILVA; VARGAS, 2014). Quanto mais específico for o local de ação na planta, como no caso de produtos que atuam inibindo o fotossistema II, menor é o risco de resistên- cia, pois esse local é altamente conservado na planta, sendo muito difícil a ocorrência de mudanças que o modifiquem. Mecanismos de ação que atuam em processos de menor especificidade, como na expressão de proteínas, apresentam maiores riscos, pois esses locais são menos conservados, signi- ficando que pode ocorrer mudanças estruturais sem que a função na planta seja perdida; porém, haverá inibição da ligação da molécula herbicida (DÉLYE; JASIENIUK; LE CORRE, 2013, tradução nossa). O poder residual dos herbicidas também pode influenciar, teoricamente, a evolução da resistência, pois aqueles que permanecem por maior tempo agindo mantêm a pressão de seleção por um período maior sobre as plantas (FERREIRA; SILVA; VARGAS, 2014). Fatores relacionados a planta daninha A biologia da planta daninha apresenta grande importância na resposta que apresentará ao ser exposta a um herbicida. Plantas de ciclo anual, por exemplo, evoluem para resistência muito mais frequentemente do que espé- cies bienais ou perenes, pois essas espécies anuais apresentam reprodução sexuada e ciclo mais curto. Isso resulta em maior variabilidade genética e evolução mais rápida para resistência, pois mais gerações da planta são expostas ao herbicida em um mesmo ano agrícola (FERREIRA; SILVA; VARGAS, 2014; SILVA et al., 2014). Adicionalmente, a genética vegetal é importante, uma vez que espécies com maior variabilidade genética tendem a apresentarem maior potencial de resistência do que espécies com menor diversidade genética. Ao serem expostas ao herbicida, há uma maior probabilidade nessas espécies de que Resistência de plantas daninhas a herbicidas 5 exista alelos que confiram resistência ao mecanismo de ação simplesmente pela maior variabilidade genética da espécie (FRAGA et al., 2016). O tipo de reprodução da planta daninha também influencia a evolução de sua resistência. Plantas com reprodução sexuada, em que a dispersão ocorre pelo pólen ou sementes aladas, possuem grande capacidade de dispersão de seu propágulo. Com o cruzamento com outras espécies, o alelo que confere resistência pode ser passado para outra população em que não houve seleção (MOSS; ULBER; HOED, 2019, tradução nossa). Entretanto, o banco de sementes da planta daninha no solo é considerado um ponto-chave no seu sucesso para desenvolverem resistência. Existe grande variação na quantidade de sementes produzidas por cada espécie, sendo algumas capazes de produzir dezenas de milhares. No caso em que ocorre seleção para resistência de uma planta com característica como essa, a evolução pode ser muito rápida, pois mesmo em baixa frequência o alelo de resistência estará presente, devido à grande quantidade de sementes, aumentando a probabilidade de ser transmitido para as próximas gerações (BRACCINI, 2011). Algumas espécies de plantas daninhas apresentam ainda capacidade de dormência das sementes no solo, fazendo com que possam permanecer na área por mais tempo. Alguns exemplos de plantas com essa característica incluem espécies do gênero Urochloa (braquiárias) e Amaranthus (caruru) (BRACCINI, 2011). Vale ressaltar que aplicação do herbicida em si não causa mutações na planta daninha que a fazem desenvolver resistência. Somente ocorre a seleção daquelas plantas que já possuem alguma característica ge- nética que confere tal resistência. O herbicida apenas seleciona esses biótipos resistentes. Como plantas daninhas são capazes de resistir a herbicidas? Uma vez aplicado, o herbicida tem de percorrer alguns caminhos na planta até chegar ao seu local de ação. Primeiramente, é precisa ser absorvido pela planta, seja por folhas ou raízes. Uma vez dentro da planta, é necessário que haja translocação do local de absorção até o local (ou sítio) de ação dentro da célula vegetal, iniciando o acúmulo do princípio ativo neste local e sua ligação Resistência de plantas daninhas a herbicidas6 com o respectivo alvo. A partir dessa ligação, inicia-se o processo que levará a planta a morte, tal como pela inibição de alguma via metabólica ou pela desestruturação da célula. Desse modo, são muitas as etapas que precisam ser vencidas para que haja o controle, fazendo com que seja possível que a planta desenvolva, ou já possua, mecanismos capazes de interferir em um ou mais dessas etapas. Atualmente, são conhecidos ao menos cinco mecanismos diferentes pelos quais as plantas daninhas tornam-se resistentes a um herbicida, ilustrados na Figura 2 e descritos caso a caso a seguir. Figura 2. Ilustração do modo de ação dos herbicidas em plantas daninhas (painel superior) e respectivos mecanismos que conferem resistência às plantas daninhas (painel inferior). Dentre os mecanismos de resistência, 1 a 3 referem-se aos não específicos ou metabólicos e 4 a 5 (sublinhados) referem-se aos específicos, ou seja, aqueles em que ocorrem modificações no alvo de ação do herbicida na planta. Fonte: Adaptada de Délye, Jasieniuk e Le Corre (2013, tradução nossa). Mecanismos que conferem às plantas daninhas resistência a herbicidas Os mecanismos de resistência existentes são divididos em dois grupos: os chamados mecanismos de resistência não específica ou metabólica (NTSR, na sigla em inglês), e os mecanismos de resistência específicos (TSR, na sigla em inglês). Como o nome sugere, NTSR são defesas da planta ao estresse Resistência de plantas daninhas a herbicidas 7 causado pelo contato com o herbicida, levando a mudanças no metabolismo da planta, principalmente secundário, que a levam a ser resistente ao produto. Os mecanismos TSR dizem respeito a mudanças específicas no local de ação do herbicida, normalmente necessitando de mudanças genéticas para ocorrerem. Na lista a seguir, seguindo a numeração da Figura 2, os mecanismos NTSR estão enumerados de 1 a 3, enquanto os específicos correspondem a 4 e 5. Na lista a seguir, manteremos a mesma ordenação para facilitar o aprendizado (BORGATO; NETTO, 2016; INOUE; OLIVEIRA JÚNIOR, 2011; VARGAS; ROMAN, 2006). 1. Absorção reduzida do herbicida — esse mecanismo atua logo no início do modo de ação do herbicida, fazendo com que sua absorção pela planta seja reduzida. A morfologia da folha, por exemplo, dificulta a entrada do produto químico ou a presença de cera sobre as folhas. A resistência ocorre porque somente uma pequena quantidade do pro- duto químico atinge o alvo, não causando danos significativos à planta. 2. Alteração na translocação ou sequestro do produto químico — mediante mudanças fisiológicas, ao perceber a entrada do produto químico, a planta inicia um processo de alteração na translocação do herbicida, normalmente diminuindo sua movimentação. O sequestro ocorre quando o produto é sequestrado por alguma organela da célula, como o vacúolo, não permitindo que atinja o local de ação. Dessa maneira, a resistência também ocorre devido à baixa concentração de herbicida que atinge o alvo. 3. Aumento do metabolismo do herbicida — ao entrar em contato com o produto químico, a planta inicia a liberação de moléculas capazes de degradá-lo. Em plantas daninhas que apresentam esse mecanismo de resistência,ocorre aumento significativo dessas moléculas, de tal modo que o produto é fortemente metabolizado, levando à desintoxicação da planta. As enzimas mais comumente responsáveis por esse tipo de metabolismo são as monoxigenases do citocromo P450 e glutationa, responsáveis por reações de oxidação e conjugação do herbicida. 4. Superprodução do alvo — nesse tipo de mecanismo, descoberto recen- temente (GAINES, 2010), ocorre a amplificação gênica da sequência do DNA que codifica o alvo de ação do herbicida. A superprodução desse material genético leva a uma grande quantidade do alvo na planta, maior do que o herbicida é capaz de inibir, fazendo com que a planta não seja afetada significativamente pelo produto químico. Resistência de plantas daninhas a herbicidas8 5. Alteração no local de ação — esse é o mecanismo mais comum de resistência. Ocorre quando há a substituição de uma base nitroge- nada por outra na estrutura do alvo, fazendo com que sua forma seja modificada, não havendo mais afinidade entre a molécula herbicida e o local de ação. Como consequência, o produto herbicida não se liga, impossibilitando sua ação no alvo, deixando de causar danos à planta daninha. No Quadro 1 são apresentados alguns exemplos de espécies daninhas re- sistentes para cada um dos mecanismos apresentados, identificando aqueles TSR e NTSR, além do grupo ao qual o herbicida pertence. Apesar de se conhecer a resistência há muitos anos, ainda não foram identificados os mecanismos pelos quais cada planta daninha resiste ao herbicida. Adicionalmente, pode ocorrer que mais de um mecanismo atue na mesma planta. Quadro 1. Mecanismos de resistência associados a cada grupo de herbicidas e espécies de plantas daninhas Mecanismo de resistência Grupo herbicida Espécies de plantas daninhas TSR Alteração no local (sítio) de ação do herbicida Grupo A (inibidores de ACCase) Urochloa plantaginea (brachiária) Eleusine indica (capim pé-de-galinha) Grupo B (inibidores de ALS) Bidens pilosa (picão-preto) Bidens subalternans (picão-preto) Euphorbia heterophylla (leiteira) Amplificação gênica Grupo G (inibidores da EPSP sintase) Amaranthus palmeri (caruru) Amaranthus tuberculatus (cânhamo) Lolium perene (spp. multiflorum) (azevém) Kochia scoparia (Continua) Resistência de plantas daninhas a herbicidas 9 Mecanismo de resistência Grupo herbicida Espécies de plantas daninhas NTSR Metabolização ou desintoxicação do herbicida Grupo A (inibidores de ACCase) e Grupo B (inibidores de ALS) Lolium rigidum (azevém) Absorção foliar e/ou translocação diferencial do herbicida Grupo G (inibidores da EPSP sintase) Chloris elata (capim branco) Conyza bonariensis (buva) Lolium rigidum (azevém) Lolium perenne (azevém) Grupo O (auxinas sintéticas) Raphanus raphanistrum (nabo bravo) Sequestro ou compartimentalização do herbicida Grupo G (inibidores da EPSP sintase) Conyza spp. (buva) Grupo D (inibidores do fotossistema I) Hordeum glaucum Lolium rigidum (azevém) Fonte: Adaptado de Borgato e Netto (2016). Estratégias de manejo das plantas contra resistência A resistência de plantas daninhas a herbicidas é um processo desencadeado pela aplicação do produto. Se a utilização dos herbicidas não pode ser excluída de um sistema de produção agrícola, como evitar esse problema? Devido ao sistema de produção agrícola atual no país, ao clima local e às características biológicas das plantas daninhas, a resposta não é simples. Entretanto, ela existe, desde que baseada no conhecimento da evolução da resistência e integrando diferentes métodos de controle. O manejo adequado das plantas daninhas resistentes pode variar depen- dendo das características biológicas de cada cultura. No caso da soja e do milho, por exemplo, o controle pode seguir manejo semelhante, pois essas (Continuação) Resistência de plantas daninhas a herbicidas10 culturas possuem biologia mais próxima quando comparadas ao algodão, que é uma espécie de desenvolvimento mais longo, com biologia distinta (CAVENAGHI; ANDERSON JUNIOR; GUIMARÃES, 2016; NICOLAI; CHRISTOFFOLETI, 2016). Entretanto, há as estratégias que são válidas para todos as culturas, as quais serão apresentadas a seguir. Estratégias preventivas e culturais Evitar a entrada e disseminação das plantas daninhas na área agrícola é a melhor estratégia para diminuir a presença de biótipos resistentes. Por isso, o manejo preventivo é de grande importância, assim como o acompanhamento da vegetação na área. A prevenção inicia-se com a utilização de sementes certificadas, de alta qualidade e com procedência, para evitar contamina- ção por sementes de plantas daninhas. O equipamento a ser utilizado para semeadura deve estar limpo, seguindo as recomendações descritas na bula, diminuindo as chances de introdução de plantas daninhas resistentes da área anteriormente usada. Do mesmo modo, após a colheita as máquinas devem ser limpas, principalmente colhedeiras a serem utilizadas em outras áreas de produção (VARGAS; ROMAN, 2006). A rotação de culturas é uma estratégia eficiente para evitar ou retardar o desenvolvimento das plantas daninhas resistentes. Devido às diferenças biológicas existentes entre as plantas, como entre a soja e o algodão, ou entre algodão e forrageiras ou milho, as plantas daninhas que se desenvolvem sob uma cultura não necessariamente são capazes de completar seu ciclo na seguinte. Fatores como competição por nutrientes e luz são fatores deter- minantes nesses casos. Na cultura da soja, por exemplo, o fechamento das plantas é mais rápido do que na do algodão. Desse modo, plantas daninhas que se beneficiam do ciclo mais longo do algodão não encontrarão condições adequadas na cultura da soja (MOSS; ULBER; HOED, 2019, tradução nossa). O acompanhamento da flora associada a cada cultivo pelo responsável técnico constitui outra medida preventiva no controle de plantas daninhas resistentes. Em áreas sem a presença de biótipos resistentes, espera-se observar um maior número de espécies distintas de plantas daninhas asso- ciadas à cultura. Mudanças nessa comunidade que tendam para homogenei- zação — ou seja, poucas espécies muito abundantes — podem ser um sinal de que está havendo resistência pelas plantas, sendo somente o biótipo resistente presente na área. Portanto, ao acompanhar continuamente a flora de daninhas, é possível observar o início da dominância de uma espécie e aplicar o manejo adequado, evitando a propagação do biótipo resistente na Resistência de plantas daninhas a herbicidas 11 área (VARGAS; ROMAN, 2006; FERREIRA; SILVA; VARGAS, 2014). Nesse mesmo sentindo, práticas culturais que promovem o rápido crescimento da planta cultivada, como nutrição correta e sombreamento, com menor espaçamento entre plantas, inibem o desenvolvimento das plantas daninhas, já que a cultura em si será competitivamente superior às daninhas (CHRISTOFFOLETI; LÓPEZ-OVEJERO, 2003; VARGAS; ROMAN, 2006). A diversificação das práticas de preparo do solo, dentre aquelas ade- quadas ao sistema de produção praticado na propriedade, pode ter impacto significativo na prevenção do estabelecimento e disseminação das plantas daninhas (CHRISTOFFOLETI; LÓPEZ-OVEJERO, 2003). As plântulas de Euphorbia heterophylla (leiteiro), por exemplo, não emergem de sementes presentes em profundidade maior que 22,5 cm, podendo ser usado o revolvimento do solo para que haja o aprofundamento das sementes em áreas de cultivo convencional (VARGAS; ROMAN, 2006). Por fim, o emprego de diferentes métodos de controle de plantas daninhas é de extrema importância, por evitar que haja uma pressão de seleção elevada em relação aos herbicidas. Há muitos métodos atualmente bem estudados e com grande potencial, como controle biológico com fungos patogênicos, uso de herbicidas naturais, uso de roçadeiras, até métodos que utilizam altas temperaturas (flamejamento) e descargas elétricas (eletrocussão), que podem ser empregados em detrimento de herbicidas.A adoção dessas técnicas, é claro, depende das características da cultura e do sistema de produção (OLIVEIRA; BRIGHENTI, 2018). Devido às características das plantas, como dispersão pelo vento, animais, entre outras, e às características dos sistemas de produção, como grande movimentação de máquinas entre diferentes locais e grandes áreas de pro- dução, mesmo seguindo todas as recomendações para evitar a presença das plantas daninhas resistentes, elas ainda poderão ocorrer na área. Portanto, o uso de herbicidas é necessário e faz parte de um programa integrado de manejo, exigindo-se conhecimento das estratégias de utilização desses produtos para que seja retardada a seleção dos biótipos resistentes. Estratégias relacionadas ao herbicida para retardar ou superar a resistência da planta daninha As primeiras ações a serem tomadas estão relacionadas com o manejo apro- priado dos herbicidas, pois são os agentes de seleção dos biótipos resistentes. Ao serem observadas plantas daninhas resistentes a um herbicida em área de aplicação, o produto químico não deve ser mais aplicado, retirando a Resistência de plantas daninhas a herbicidas12 pressão de seleção sobre a população (CHRISTOFFOLETI; LÓPEZ-OVEJERO, 2003; VARGAS; ROMAN, 2006; FERREIRA; SILVA; VARGAS, 2014). Nesse contexto, deve-se sempre buscar maior diversidade de produtos, aplicando herbicidas com mecanismos de ação distintos e rotacionando o posicionamento (momento da aplicação) entre os produtos. Essa rotação de mecanismos de ação retarda a evolução da resistência nas plantas. Misturas de herbicidas vendidas comercialmente, ou misturas de tanque registraas, são preferíveis à adoção de um único produto, pois apresentam risco baixo de seleção para resistência, se comparadas a herbicidas com apenas um mecanismo de ação (HEAP, 2020, tradução nossa; MOSS; ULBER; HOED, 2019, tradução nossa). Outra medida importante está relacionada ao uso de herbicidas especí- ficos, normalmente com alta eficiência de controle. Estes devem ter seu uso minimizado, e sempre rotacionados com outros mecanismos de ação, pois a evolução da resistência tende a ser mais rápida quanto mais específico e eficaz for o produto, devido à alta pressão de seleção nesses casos (CHRIS- TOFFOLETI; LÓPEZ-OVEJERO, 2003; MOSS; ULBER; HOED, 2019, tradução nossa). A aplicação do herbicida deve sempre seguir a recomendação técnica especificada na bula, principalmente no que diz respeito à dose e à época de aplicação. A dose a ser aplicada é determinada de maneira que plantas suscetíveis ou de baixa resistência sejam controladas. Em caso de dose abaixo do recomendado, pode ocorrer seleção dos biótipos com baixa resistência. Já doses acima do recomendado podem aumentar a pressão de seleção, acele- rando a evolução da resistência pela planta daninha (MINGUELA; CUNHA, 2010). Escolher o produto adequado e seguir as recomendações técnicas não são estratégias suficientes se a tecnologia selecionada não for aplicada cor- retamente. Todas as etapas relacionadas à aplicação devem ser seguidas de acordo com o produto e a cultura, desde a máquina a ser utilizada, a pressão de aplicação, o bico adequado, além de se avaliar as condições climáticas ade- quadas, como umidade relativa do ar e temperatura e probabilidade de chuva durante e após a aplicação, para que o produto não seja lavado (MINGUELA; CUNHA, 2010). A regulagem correta e o uso do bico adequado, definidos em função da planta daninha, são de extrema importância para garantir que o herbicida atinja toda a planta na dose recomendada (MINGUELA; CUNHA, 2010). A eficiência de métodos culturais no controle de plantas daninhas resistentes a herbicidas possui comprovação científica em vários casos. Raimondi et al. (2020) mostraram que roçagem seguida de aplicação de Resistência de plantas daninhas a herbicidas 13 glifosato foi eficiente no controle do biótipo resistente de capim-amargoso. Houve alta eficiência de controle em todas as alturas, mas um pouco maiores quanto mais próxima do solo. Além disso, por si só a roçagem foi tão ou mais eficiente do que apenas uso de herbicidas, independentemente da época de utilização, antes ou após a semeadura da cultura. Isso levou os autores a concluírem que a roçagem pode substituir a aplicação de glifosato para o controle do capim-amargoso resistente. Isso mostra como a combinação de mais de uma estratégia de controle — um método cultural (roçagem) e um químico (herbicida) — possui alta eficácia para retardar a seleção de plantas resistentes, além de promover um sistema em que há diminuição na aplicação do herbicida. Referências BRACCINI, A. L. Banco de sementes e mecanismos de dormência em sementes de plan- tas daninhas. In: OLIVEIRA JÚNIOR, R. 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