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Crescimento e Desenvolvimento Aplicados à Educação Física Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Eric Leal Avigo Revisão Textual: Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância • Crescimento e desenvolvimento pós-natal • Primeira Infância • Infância • Atuação do professor nos anos iniciais · Conhecer as principais mudanças decorrentes do crescimento e do desenvolvimento do ser na primeira infância e no início da infância, bem como compreender a importância da prática de atividade física nessas faixas etárias, relacionando-a a uma possível intervenção profissional. OBJETIVO DE APRENDIZADO Seja bem-vindo(a) às nossas discussões sobre Crescimento e Desenvolvimento Humano Aplicados à Educação Física! Saiba que esta Disciplina tem como propósito o estudo das alterações das estruturas e das funções dos sistemas orgânicos, decorrentes do crescimento e das alterações do processo de maturação biológica, bem como os efeitos e a importância da atividade física para promoção destas alterações nas várias faixas etárias ao longo do ciclo vital, e isso lhe oferecendo contato com as discussões mais recentes dessa área; além de lhe proporcionar momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão sobre os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional. ORIENTAÇÕES Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância Contextualização Você já parou para pensar como os hábitos de vida das crianças mudaram? Soltar pipa, jogar pião, pular corda, o que são essas coisas mesmo? A linguagem das crianças de hoje é celular, tablet, computador, videogames, a TV por si só parece já estar ultrapassada. Será que isso é bom ou ruim para as crianças? Convido você a escolher um dos dois vídeos abaixo para assistir (ou assistir aos dois se preferir), e refletir acerca dessa temática antes mesmo de iniciar os estudos da unidade. Tema: Criança em forma – entrevista ao professor doutor em Educação Física Luciano Basso no programa “Como será?” . Disponível em: http://goo.gl/aFDAqP Tema: Tecnologia e infância – entrevista ao psicólogo especializado no atendimento infantil Tiago Tamborini no programa “Todo seu?”. Disponível em: http://goo.gl/KOjlvv Ex pl or 6 7 Crescimento e desenvolvimento pós-natal Se a vida pré-natalidade engloba as cerca de 40 semanas de formação do bebê dentro da barriga da mãe, ou seja, da concepção ao nascimento, a vida pós- natalidade ou, porque não logo dizer, a vida pós-nascimento, leva em conta todo decorrer da vida do ser até sua morte. É bem verdade que as maiores mudanças em crescimento e em desenvolvimento ocorrem, principalmente, até a segunda década de vida. Não que após isso mudanças não mais ocorram, pelo contrário, o ser humano está em constante processo de mudança desde sua concepção até a morte. Para desenvolvimento, tal processo fica mais evidente, afinal, mesmo na vida adulta, continuamos modificar nosso repertório motor, acrescendo e refinando comportamentos referentes ao domínio motor, isso é claro, em menos quantidade se comparado à vida na infância e na adolescência. E em termos de crescimento, não paramos de crescer após a segunda década de vida? Então, após essa idade não há mais mudanças nesses aspectos? A resposta para essa pergunta pode ser vista tanto como não, tanto como sim. Pensando nas mudanças, no tamanho do corpo como um todo ou em partes específicas (definição de crescimento), ao atingir a maturidade, alguns processos biológicos são encerrados, e assim, paramos de crescer. Mas será que ao longo da vida mudanças de tamanho do corpo não mais ocorrem? Será que todos os processos de crescimento realmente se encerram? Os processos relacionados à maturação, sim, esses se encerram, mas outros processos fisiológicos são iniciados com base nos comportamentos do ser no ambiente em que está inserido. Por exemplo, a prática de atividade física desencadeia uma série de mudanças nas estruturas corporais, e apesar de não mais aumentarmos em estatura, nosso peso corporal está sujeito à constante mudança, não só pelo hábito da prática, como também pelo que ingerimos em nossa alimentação. Não podemos esquecer-nos de destacar algo que modifica continuamente as estruturas corporais, bem como o funcionamento dos diversos sistemas: o processo natural de envelhecimento. Para alguns pesquisadores, o processo natural de envelhecimento é iniciado imediatamente após o encerramento do processo natural de crescimento. Sendo assim, se paramos de crescer, começamos a envelhecer. Perceba então que a vida pós-natal é composta por mudanças biológicas e comportamentais do início ao fim, com maior ênfase em alguns períodos de idades específicos. Dificilmente conseguiríamos abordar todas as mudanças que ocorrem na vida pós-natal. Seriam necessários muito mais tempo e páginas do que temos disponíveis para discutir em nosso curso, não sendo também esse o nosso foco com essa disciplina. A ideia dessa, e das próximas unidades é mapear as mudanças mais relevantes em crescimento e em desenvolvimento para uma futura atuação profissional em educação física. Para tanto, utilizaremos da classificação da idade cronológica, já apresentada em unidade anterior, para agrupar dentre cada um dos períodos de idade, quais aspectos são mais relevantes. A seguir, a classificação 7 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância adaptada de Gallahue e Ozmun (2003), é novamente apresentada. Lembrando que a idade cronológica nos fornece apenas uma estimativa aproximada do nível de crescimento e de desenvolvimento de um indivíduo, pois são períodos ou faixas de idade nas quais algumas mudanças são comuns e esperadas de acontecerem. Tabela 1: Classificação da idade cronológica Período Idade Aproximada Vida pré-natal Concepção ao nascimento Primeira infância Nascimento aos 24 meses Infância 2-10 anos Adolescência 10-20 anos Idade adulta jovem 20-40 anos Meia-idade 40-60 anos Terceira idade Acima de 60 anos Adaptada do Livro: Compreendendo o Desenvolvimento Motor: Bebês, Crianças, Adolescentes e Adultos. 2. ed. São Paulo: Phorte, 2003. Nessa unidade abordaremos, sucintamente, as mudanças que acontecem nos períodos da primeira infância e parte do período da infância. Para facilitar o entendimento das mudanças relacionadas ao desenvolvimento motor, utilizaremos o modelo desenvolvimental de Avigo e Barela (2015), apresentada em unidade anterior. A seguir, a torre desenvolvimental novamente é apresentada. Figura 1: Modelo de desenvolvimento motor de Avigo e Barela (2015) Fonte: Avigo e Barela, 2015 8 9 Dentro da primeira infância e de parte da infância, nos ateremos às fases ou aos períodos desenvolvimentais denominados como Período Reflexivo, Período Pré- adaptativo e Período das Habilidades Motoras Fundamentais, que juntos englobam do nascimento até por volta dos sete anos de idade, e formam a base da torre desenvolvimental. Feitas essas considerações iniciais, podemos então dar início ao estudo dos períodos de idade, separadamente. Primeira Infância De acordo com nosso referencial, a primeira infância é classificada como do nascimento até os 24 meses de idade. Importante! A primeira infância é considerada como uma fase de rápido crescimento na maioria dos sistemas e consequente aumento das dimensões corporais, bem como de rápido desenvolvimento do sistema neuromuscular. Importante! Proporcionalmente, pensando no tamanho do bebê no nascimento e comparando após dois anos de vida, pode dizer que é o período de idade onde o ser humano mais cresce. Em termos de desenvolvimento motor, a maioria das mudanças que ocorrem decorrem, principalmente, de uma forte influência do organismo que está maturando. Para melhor compreensão das mudanças que ocorrem nesses dois anos de vida, abordaremos, primeiramente,mudanças de crescimento e maturação, e em um segundo momento, mudanças no desenvolvimento. Crescimento e maturação na Primeira Infância A taxa de crescimento (percentual de mudanças no tamanho pelo fator tempo) é acelerada e quase que constante na primeira infância. Esse período é considerado como um período de alterações dramáticas no crescimento físico. Parece que, de alguma forma, o organismo do ser trabalha fortemente no intuito de preparar o indivíduo em crescimento para melhor se relacionar com o ambiente no qual está inserido. Se na barriga da mãe, o bebê era totalmente dependente de sua progenitora para sua subsistência, agora, o organismo do bebê trabalha de forma acelerada para lhe dar condições de melhor interagir com o ambiente e o poder, aos poucos, adquirir certa independência. 9 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância Nos primeiros meses de vida há um ganho rápido de massa corporal pelos bebês. Com cinco meses, o peso corporal praticamente dobra, e aos 24 meses chega a triplicar. Esse é o período de maior aumento de peso de toda a vida, isso claro, impulsionado por mudanças naturais inerentes ao componente biológico do ser, e não por uma alimentação desenfreada que aumente substancialmente o peso corporal de uma pessoa, algo que pode acontecer em qualquer período da vida. Para estatura, também se observa um rápido ganho ao longo dos primeiros meses. Se no nascimento, o bebê mede cerca de 48 a 53 cm de altura, com 2 anos esse valor quase dobra, ficando em torno dos 88 cm (podendo variar entre 81 a 94 cm). Para mais informações sobre as alterações de massa corporal e estatura, seja nesse ou em outros períodos de idade, acesse as tabelas pôndero-estaturais. Ex pl or A velocidade de aumento do corpo em comprimento ocorre de forma variada entre as partes do mesmo. Por exemplo, a cabeça, razoavelmente grande desde o nascimento (se comparada proporcionalmente ao seu tamanho na vida adulta com o resto do corpo), desacelera em seu crescimento ao longo dos primeiros meses, tendo um crescimento lento, a partir do segundo ano de vida. Já o tronco tem um crescimento moderado, principalmente, a partir do segundo ano de vida. Em contrapartida, os membros, tais como os braços, as pernas, as mãos e os pés, aumenta gradualmente sua taxa de crescimento, tendo um ganho razoavelmente rápido ao redor dos 2 anos de idade. Conforme já discutido em nossa primeira unidade de estudos, é evidente o aumento no tamanho do corpo como um todo, e também em partes específicas, tais como os órgãos e/ou tecidos (e.g. tecido muscular, adiposo, ósseo, etc.), apesar de não serem diretamente visíveis a olho nu. A figura 2 exemplifica o aumento dos segmentos em proporção diferente. Perceba como a cabeça, que proporcionalmente no nascimento corresponde a quase um terço do tamanho do nosso corpo, já aos 2 anos de idade, diminui proporcionalmente ao resto do corpo, sendo que ao longo dos anos essa proporção vai diminuindo ainda mais, chegando na fase adulta com a cabeça possuindo apenas um décimo do tamanho total do corpo. Essas proporções nos ajuda a entender a dificuldade das crianças pequenas de equilibrar as partes de seu corpo (até pelo tamanho da cabeça) para realização de habilidades motoras, por exemplo, andar, correr, saltar, etc. Esse assunto será retomado no próximo tópico. Figura 2: Proporções de crescimento dos segmentos corporais ao logo da vida Fonte: revistadepediatriasoperj.org.br 10 11 Nos primeiros dois anos de vida, mudanças maturacionais já podem ser observadas. Um bebê que mal conseguia segurar um pequeno objeto com as mãos, aos dois anos de idade já com uma melhora em seus níveis de força muscular e seu funcionamento neuromuscular, por conta da maturação dos sistemas responsáveis (sistema ósseo, muscular e nervoso), além de seus sistemas sensoriais mais evoluídos, consegue caminhar ou até correr com passadas largas e desequilibradas, carregando um brinquedo nas mãos, como um boneco ou um carrinho. O bebê que só se expressava através do choro, quando sentia fome, sono, ou algum tipo de incômodo relacionado ao seu estado de saúde, agora, já se expressa por meio de algumas palavras ou até frases curtas já prontas (geralmente ouvida dos pais). Isso reflete da melhora de suas capacidades cognitivas, decorrente da maturação e do desenvolvimento dos sistemas neurais. Importante! Perceba que para exemplifi car maturação (e até crescimento) muitas vezes falamos do desenvolvimento dos diversos sistemas do organismo e até dos comportamentos que passam a ser incorporados pelo ser. Isso refl ete, justamente, da contínua conexão existente entre crescimento, maturação e desenvolvimento, bem como a relação desses três processos com o ambiente em que está inserido. Sendo assim, cabe sempre certo cuidado ao abordar os diferentes aspectos pertencentes a esses processos de forma separada ou isolada. Trocando ideias... Após essa discussão básica, focando o crescimento e a maturação na primeira infância, podemos iniciar discussões um pouco mais aprofundadas acerca de desenvolvimento e, em especial, desenvolvimento motor. Desenvolvimento na Primeira Infância O desenvolvimento na primeira infância é resultado, predominantemente, da forte influência das restrições do organismo. Obviamente, o ambiente pode interferir, desde que condições drásticas sejam oferecidas aos bebês, tais como desnutrição, obesidade, doenças infectocontagiosas, entre outras anomalias. Em condições normais de sobrevivência, todas as crianças apresentarão os mesmos marcos motores, e na mesma ordem, assim como afirmados nos princípios da universalidade e da intransitividade, respectivamente. Isso não significa que não haja aprendizagem, que os movimentos simplesmente “surgem” no repertório motor das crianças, como afirmava a teoria neuromaturacional. A relação pessoa e ambiente são importantíssimas, por isso, mais uma vez destaca-se, em condições ambientais normais, as crianças adquirirão os movimentos por elas mesmas, aprenderão sozinhas a partir de trocas com o ambiente em que estão inseridas. 11 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância A maioria das mudanças motoras observadas nos anos iniciais de vida decorre das mudanças que ocorrem no organismo do ser em desenvolvimento (maturação e desenvolvimento dos diversos sistemas: musculoesquelético, sensorial, neural, etc.). Com o crescimento do corpo como um todo (aumento do peso corporal, mudanças nas proporções dos segmentos), o aumento de força muscular, melhora dos sistemas sensoriais, funcionamento neuromuscular e das capacidades cognitivas, os bebês passam a interagir cada vez com mais intensidade com o ambiente, realizando movimentos diversos e percebendo a consequência dos seus movimentos, e assim, passam a conseguir, por exemplo, sentar, ficar em pé, andar e etc. Importante! O princípio Encéfalo-caudal explica que existe uma tendência de ganho no controle das ações motoras na direção da cabeça para os pés. Importante! Dois princípios explicam o porquê da ordem e/ou de como as mudanças no desenvolvimento motor são direcionadas pelo organismo do ser. As conexões neurais mais próximas ao encéfalo (cérebro) maturam primeiro e, como consequência, o controle da musculatura ao redor do pescoço também acontece primeiro que o controle do tronco, este, ainda, controlado antes dos membros inferiores, sendo assim, por último, os pés (cauda). Dessa forma, fica evidente porque os bebês primeiro adquirem o controle da cabeça e do pescoço, para só depois conseguirem sentar, engatinhar, ficar em pé, e finalmente andar. Importante! O segundo princípio é denominado de Próximo-distal, pois reflete uma tendência de ganho no controle das ações motoras, a partir do centro do corpo até as extremidades. Importante! Logo, primeiro a criança aprende a controlar seu tronco, na sequência os ombros, os braços, as mãos e, por último, os dedos. Um exemplodesse princípio é uma criança nos anos iniciais de escolarização, quando começa a manipular um lápis tentando desenhar as letras ou pintar um desenho, percebe-se nitidamente um exagero no uso do tronco e no braço enquanto segura o lápis; e maior dificuldade no uso das mãos e dos dedos, por exemplo, para percorrer com precisão sobre linhas desenhadas no papel. Outro exemplo é observado ao se pedir para uma criança pequena arremessar uma bola o mais longe possível, ela, exageradamente, utiliza mais o tronco do que os segmentos mais distais (como braço, antebraço, mãos e dedos), algo não observado em crianças mais velhas, que utilizam muito mais os movimentos do cotovelo, do punho e dos dedos. Isso explica porque primeiro adquirimos coordenação motora grossa (como em arremessar ou agarrar um objeto), e somente depois coordenação motora fina (como ao escrever, desenhar, digitar, etc.). 12 13 Bebês não precisam ser ensinados a alcançar, rolar, sentar, engatinhar, ficar em pé ou até andar, eles aprendem sozinhos por tentativa e erro, ou seja, explorando as possibilidades de movimentos possíveis e selecionando aqueles que satisfaçam às suas intenções e/ou vontades. Resumindo: bebês aprendem se relacionando com o ambiente. E os movimentos reflexos, de ordem surgem? Afinal, se o bebê acabou nascer, como eles já realizam certos movimentos se seus sistemas neurais ainda estão se definindo? Até parece que já nascemos com um “kit nascimento”. Como bebês já pressionam objetos colocados em suas “mãozinhas”, ou até já simulam as passadas do andar, tudo isso quase que imediatamente após o nascimento? A partir de agora, utilizaremos dos períodos e de explicações da torre desenvolvimental para auxiliar no entendimento, tanto dos movimentos que são aprendidos (períodos pré- adaptativo e início do período das habilidades motoras fundamentais) na primeira infância, quanto dos que não são aprendidos (período reflexivo). Período Reflexivo Iniciado após o nascimento e perdurando até as primeiras duas semanas de vida, essa fase é caracterizada de movimentos involuntários, de natureza espontânea ou reflexiva, alguns trazidos ainda de sua gestação. Ao nos atentarmos para a posição desse período na torre desenvolvimental (figura 1), vemos que ele é a base de todos os movimentos. De certa forma, o organismo já vem preparado para responder a estímulos específicos. Essas respostas são reações involuntárias às varias formas de estímulos externos, realizadas sem uma causa conhecida, logo, não sendo inerentes de comando cerebrais, advindos de intenção por parte do bebê. Responder detalhadamente de onde surgem ou como tais movimentos foram programados no organismo não é algo tão simples, e nem faz parte do nosso foco de estudo. Os movimentos reflexos podem ser agrupados em primitivos e posturais. A seguir, alguns exemplos desses movimentos são apresentados. · Refl exo primitivo de Sucção: Suga tudo que é colocado na boca Figura 3: Refl exo de sucção Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images 13 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância · Reflexo primitivo de Moro ou Susto: quando perde sustentação, estendem-se as pernas, braços, dedos, e a cabeça é jogada para trás; Figura 4: Reflexo de Moro Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images · Reflexo primitivo de Preensão palmar e plantar: flexiona os dedos mediante a qualquer objeto que faça contato na palma da mão e na planta do pé; Figura 5: Reflexo de preensão Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images · Reflexo postural do andar: simula o andar quando os pés tocam o chão; Figura 6: Reflexo do andar Fonte: iStock/Getty Images Importante! Todo ser nasce com uma espécie de “kit nascimento” que, dentre outros aspectos, possui duas principais funções: (1) Sobrevivência – prepara o bebê para realizar as funções básicas de alimentação e proteção; (2) Diálogo com o ambiente – início do processo de adaptação onde o bebê poderá aprender o que pode fazer no ambiente em que está inserido. Importante! 14 15 Um exemplo clássico de movimento realizado pelo bebê para sua sobrevivência é o reflexo de sucção que é desencadeado a partir do contato de sua boca com a mama da mãe. Já o movimento de agarrar, realizado pelo bebê ao ter o contato com o dedo de outra pessoa, exemplifica um diálogo com o ambiente. Esses movimentos permitem ao recém-nascido colher informações sensoriais decorrentes de suas ações motoras e, dessa forma, o mesmo comece a se adaptar ao ambiente diferente daquele ao qual estava acostumado na barriga da mãe. Como o sistema nervoso central gradativamente amadurece na primeira infância e no início da infância, as funções inibidoras do córtex cerebral começam a operar e aos poucos os movimentos reflexos diminuem e/ou desaparecem, a maioria ainda no primeiro ano de vida. O controle voluntário do cérebro já pode ser iniciado a partir da segunda semana de vida, obviamente, de forma ainda bem restrita, mas já suficiente para o bebê começar a realizar movimentos inerentes de sua vontade e/ ou de intenção, dando início assim ao período pré-adaptativo. Período Pré-adaptativo A partir de agora trataremos, rapidamente, das mudanças no desenvolvimento que ocorrem no intervalo entre a segunda semana e o primeiro ano de vida, período o qual foi denominado como pré-adaptativo. Tal denominação foi feita, devido à pré-disposição que o organismo tem para realizar determinadas ações. Importante! De certa forma, “parece” que o organismo do ser humano foi preparado ou pré- adaptado para realizar mais facilmente alguns movimentos do que outros. Importante! Por exemplo, já parou para pensar por nos que locomovemos preferencialmente andando e não saltando, rastejando, ou com quatro apoios como alguns animais? Parece um pouco absurdo tal questionamento, porque somos acostumados com isso e seria ainda mais absurdo ver um ser humano se locomovendo dessas formas citadas. Serão necessárias mais algumas considerações para responder apropriadamente a questão proposta. Por que a maioria das pessoas, quando bebês, realiza os mesmos marcos motores, como em especial, o engatinhar? A resposta pode parecer um pouco óbvia: porque estruturalmente ainda não era possível, os diversos sistemas do corpo humano não estavam maturados o suficiente, de forma que fosse possível andar, ou seja, quando bebê fazíamos o que conseguíamos no momento com a estrutura física que tínhamos à disposição. Bem, isso já é suficiente para responder o questionamento inicial: locomovemos-nos andando porque é a forma mais confortável que temos para utilizar, dentro do potencial que nossa estrutura física nos permite. Até conseguiríamos realizar alguns saltos em sequência, mas se locomover dessa forma exigiria certa estrutura física que não estamos pré-dispostos a ter naturalmente. Somos pré-dispostos para andar! 15 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância No período pré-adaptativo realizamos movimentos até de certa forma desorganizados ritmicamente, mas que dentro de nossas limitações físicas, são os melhores movimentos que poderíamos fazer para atender nossos objetivos. Por exemplo, suponha que um brinquedo, algo colorido ou um objeto qualquer diferente e barulhento (como um molho de chaves) chame a atenção de um bebê. Seja tentando alcançar, rolando, se necessário for sentar, engatinhar, ou até ficar em pé apoiando na parede, esse bebê fará tudo que puder, de acordo com seu potencial, para chegar até a esse algo qualquer que lhe pareceu interessante. Esse potencial, conforme já previamente discutido, reflete do que se consegue ou não fazer, o que sua estrutura física lhe permite realizar (como força muscular suficiente para se colocar em pé). Observe na figura 7, o seguinte quadro: você, quando bebê, era até que de certa forma “desajeitado”, se mantinha predominantemente deitado, rolando de um lado para o outro e fazendo movimentos “estranhos”, e com o tempo, após seus sistemas maturareme um incessante diálogo com o ambiente, tentando e tentando, você passa a conseguir se sentar, engatinhar, ficar em pé e até a dar alguns passinhos se apoiando em algo, depois de um tempo ficar em pé sem apoio e, finalmente, andar de forma independente. Figura 7: Desenvolvimento dos marcos motores no primeiro ano de vida Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images É importante que se entenda que pré-adaptativo é diferente de pré-determinado. A teoria neuromaturacional utilizava-se dos princípios da universalidade e da intransitividade para explicar, indiretamente, que independente das condições ambientais que estamos inseridos, realizaremos os principais marcos motores e na mesma ordem. Sim, realizaremos os mesmos e na mesma sequência, entretanto, a aquisição destes marcos motores não é determinada, podemos adquirir se as condições do organismo e do ambiente assim permitirem, se as condições forem alteradas drasticamente, os marcos motores poderão não ocorrer. Somos pré- adaptados para alguns movimentos, os quais serão manifestados à medida que interagimos com o ambiente, ou seja, aprendemos esses movimentos desde que exploremos o que podemos fazer (descoberta) em nosso ambiente natural. Com a aquisição do andar independente, por volta dos 12 meses de idade, esse diálogo com ambiente é ainda mais intensificado, iniciando-se assim o período das habilidades motoras fundamentais. 16 17 Período das Habilidades Motoras Fundamentais (Início) A partir da aquisição do andar independente, o qual geralmente ocorre ao se completar o primeiro ano de vida, inicia-se uma nova fase de desenvolvimento denominada de período das habilidades motoras fundamentais. Conforme pode ser observado na torre desenvolvimental (figura 2) esse período é estabelecido cronologicamente do 1 aos 7 anos de idade. Uma habilidade motora fundamental é definida por uma série de movimentos organizados, envolvendo a combinação de padrões de movimento de dois ou mais segmentos corporais. Importante! Parece ser um consenso entre pesquisadores da área de desenvolvimento a importân- cia da aquisição e desenvolvimento dessas habilidades por parte das crianças. Também conhecidas como habilidades motoras básicas, essas habilidades formarão a base para a aquisição de formas mais complexas e especializadas de movimento a serem adquiridas nos períodos posteriores. Importante! O nome “fundamental” não foi definido por acaso. Essa gama de habilidades motoras são consideradas como alicerce para a realização de habilidades mais avançadas e específicas, por exemplo, habilidades esportivas. Em qualquer lugar do mundo, em que se utilizar o termo habilidades motoras fundamentais, ou, ainda, habilidades motoras básicas, se saberá a que habilidades estão se referindo. Correr, saltar, chutar, arremessar são todos exemplos dessas habilidades, pode até haver variações na aplicação de qualquer uma delas, por exemplo, na aplicação do chutar no futebol praticado no Brasil e no futebol americano (se tornando uma habilidade específica), entretanto, os movimentos básicos do chutar são os mesmos. O Período das habilidades motoras fundamentais é caracterizado pela aquisição das formas básicas de movimento que envolve a estabilização (equilíbrio) e a locomoção do corpo, bem como o controle de objetos no ambiente. Neste período a criança explora e adquire diversas formas de manter sua configuração corporal, desde ações motoras mais simples como orientar-se posturalmente ao ficar em diferentes bases de apoio até deslocar o corpo de uma localização a outra, ou, ainda, ações que obriguem a criança a configurar seus membros e tronco de forma específica ao manipular diferentes objetos no ambiente. Sendo assim, é quando ocorre a aquisição de habilidades motoras relacionadas às ações de três classes ou de categorias de movimentos: ações de equilíbrio, de locomoção e de manipulação e/ou de controle de objetos. As habilidades motoras de equilíbrio, também conhecidas como estabilizadoras, estão relacionadas à capacidade de manutenção do equilíbrio em determinada posição corporal - na qual o corpo permanece no lugar, movendo-se apenas ao redor 17 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância de seu eixo horizontal ou vertical - em relação à atuação da força de gravidade e às demais forças que sobre o corpo atuam. Podendo ser dividias em equilíbrio estático (corpo parado) e equilíbrio dinâmico (corpo em movimento); essas habilidades são aquelas utilizadas para que o corpo seja mantido ou mudado para uma determinada posição. Essa categoria de movimentos constitui a base para todos outros tipos de habilidades motoras. Por exemplo, um bebê que já possui força nos músculos do pescoço, tronco e membros inferiores, aprende a equilibrar o peso da cabeça e dos outros segmentos se colocando na posição em pé, nesse caso está realizando uma habilidade motora de equilíbrio. Ao se aprender a andar, que é uma habilidade motora de locomoção, ele precisa continuar mantendo a cabeça, o tronco e os demais segmentos em equilíbrio, ou seja, sem aprender a ficar em pé, obviamente não aprenderia a andar. As habilidades motoras de locomoção são aquelas nas quais o corpo é transportado (podendo ser de diferentes formas), na direção vertical ou horizontal de um ponto a outro no ambiente. Constituídas de movimentos que permitem nossa movimentação no ambiente, essas habilidades garantem nossa independência de interagir com locais que poderiam estar fora do nosso alcance. Já as habilidades motoras de manipulação estão relacionadas à capacidade de manusear e/ou controlar objetos e ferramentas disponíveis no ambiente. Neste caso, estes movimentos podem ser ainda subdivididos em movimentos manipulativos finos e grossos, conforme as características do objeto e dos grupos musculares envolvidos na realização da ação. As habilidades manipulativas finas envolvem o uso de pequenos grupos musculares, como os do antebraço, mão e dedos ao escrever, digitar, apertar botões e etc.; são compostas de movimentos que requerem mais precisão e exatidão na execução. Em contrapartida, as habilidades manipulativas grossas requerem o uso dos grandes grupos musculares, pois envolvem movimentos com troca de força, como ao chutar ou rebater uma bola. Conforme expõe o princípio próximo-distal, as habilidades motoras grossas são adquiridas antes das finas. Na figura 8 são apresentados alguns exemplos de habilidades motoras fundamentais dentro dessas três categorias de movimentos. Habilidades Motoras Fundamentais ESTABILIZADORAS - Sentar - Ficar me pé - Curvar - Virar - Esquivar - Equilibrar - Apoio invertido - Cair/parar LOCOMOTORAS - Andar - Correr - Saltar - Pular num pé só - Galopar - Escorregar - Deslizar - Escalar MANIPULATIVAS - Lançar - Chutar - Receber - Rebater - Driblar - Rolar uma bola - Interceptar - Cabecear Figura 8: Exemplos das habilidades motoras fundamentais distribuídas nas três categorias: habilidades estabilizadoras (de equilíbrio), locomotoras e manipulativas. 18 19 Dados os muitos segmentos corporais e músculos que podem ser ativados na realização das habilidades motoras fundamentais, a execução das habilidades motoras fundamentais podem se distinguir quanto ao seu estágio (nível) de desenvolvimento. Os pesquisadores Gallahue e Ozmun (2003) classificam a execução das habilidades motoras fundamentais em três estágios: inicial, elementar e maduro. A execução de uma habilidade motora fundamental, caracterizada no estágio inicial, apresenta movimentos dos segmentos corporais de forma não ritmicamente coordenados e é caracterizada por movimentos desordenados e grosseiramente exagerados. A transição da execução de uma habilidade motora fundamental de um estágio inicial para um estágio maduro, caracterizado por uma execução refinada (proficiente) de movimento, perpassa pelo estágio elementar de movimento. No estágio elementar, a habilidade motora fundamental é executada de forma maiscoordenada e rítmica dos segmentos envolvidos, entretanto, percebe-se nitidamente que tal execução ainda não apresenta a eficiência na realização do movimento que caracteriza a execução da habilidade no estágio maduro de movimento. Já o estágio maduro de uma habilidade motora fundamental é caracterizado por segmentos sendo bem coordenados, realizados de forma considerada biomecanicamente correta. A seguir são exemplificados esses três estágios de execução (inicial, elementar e maduro) nas habilidades motoras fundamentais como correr, saltar e arremessar. Figura 9: Estágios de desenvolvimento do correr Fonte: Adaptado de GALLAHUE, 2003 19 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância Figura 10: Estágios de desenvolvimento do saltar Fonte: Adaptado de GALLAHUE, 2003 Figura 11: Estágios de desenvolvimento do arremessar Fonte: Adaptado de GALLAHUE, 2003 20 21 Até por volta dos dois anos de idade, nem todas as habilidades motoras fundamentais foram adquiridas, e das que foram, a maioria ainda são executadas em estágio inicial de desenvolvimento. A aquisição dos próximos níveis requer maior quantidade de prática dos movimentos fundamentais. Especificamente, para se alcançar um padrão maduro de desenvolvimento, não basta somente qualquer prática, é preciso a participação em um pratica estruturada e organizada para esse fim, inclusive, acompanhada de instrução apropriada acerca dos movimentos a serem realizados. Essas discussões serão retomadas mais adiante nessa unidade. Feitas as considerações mais relevantes a respeito de crescimento, maturação e desenvolvimento ao longo da primeira infância, pode-se dar início às discussões mais importantes da próxima etapa da vida do ser, a infância. Infância A partir do referencial proposto, a infância é classificada como dos 2 aos 10 anos de idade. Diferente da primeira infância que é marcada pelo rápido crescimento, na infância o crescimento desacelera razoavelmente, se tornando aos poucos predominantemente gradual, algo que se alterará drasticamente somente com o estirão de crescimento na adolescência. Já em termos de desenvolvimento motor, essa é uma das fases mais importantes para aquisição e refinamento de habilidades motoras. O desenvolvimento motor alcançado nesse período de idade pode refletir de forma decisiva na oportunidade e no interesse de prática de atividade física, ao longo de toda a vida. Justamente por se tratar de uma fase da vida muito importante (inclusive de ser estudada), o estudo da infância será divido em duas partes: uma levando em conta dos 2 aos 7 anos de idade, que será abordada ainda nessa unidade; e a outra parte dos 7 aos 10 anos de idade, a qual será estudada em outra unidade. Mais uma vez, buscando uma melhor compreensão das mudanças que ocorrem nesse período de cinco anos de vida, primeiramente, discutiremos algumas das mudanças de crescimento e de maturação, e, em um segundo momento, mudanças no desenvolvimento. Crescimento e maturação na Infância Acerca do crescimento, pouco aqui poderá ser tratado, uma vez que outros aspectos mais importantes merecem ser destacados. Apesar desse período de idade, dos 2 aos 7 anos idade, ainda ser marcado por um crescimento razoavelmente rápido, como já destacado, se comparado à primeira infância, percebe-se que proporcionalmente crescimento é mais lento nessa fase da vida. Nessa faixa de idade, a massa corporal das crianças varia em torno de 12 a 25 kg, a estatura fica por volta de 84 a 125 cm. Algo importante que merece ser destacado, é que meninos e meninas apresentam estrutura corporal muito semelhante. Meninos são 21 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância apenas ligeiramente mais pesados e mais altos do que meninas. Se você obsevar, a partir de certa distância, uma criança nessa faixa de idade correndo com a toca do agasalho na cabeça (sem que haja um cabelo mais longo característico das meninas aparecendo) você pode não conseguir identificar se está vendo um menino ou uma menina correndo. Em termos de crescimento, maturação, e também porque não já aproveitar para dizer, em termos de desenvolvimento, meninos e meninas são muito parecidos nesse período de idade. A maturação dos sistemas nervoso, musculoesquelético, e cardiovascular (dentre outros sistemas importantes) avança até que rapidamente nessa primeira metade da infância. Junto com isso muitas mudanças são facilmente percebidas, podendo- se destacar: • Aumento da força e da resistência muscular: crianças já conseguem carregar objetos um pouco mais pesados; • Aumento da capacidade cardiopulmonar: crianças brincam com mais intensidade, demoram mais para se cansarem; • Desenvolvimento da fala: crianças progridem de falas repetitivas e sem sentido, para já uma formação limitada de frases e expressões próprias; • Aquisição de certa independência: algumas crianças já comem, se vestem, tomam banho e realizam algumas outras tarefas diárias, até certo ponto, por conta própria. Muitos outros aspectos decorrentes do crescimento e da maturação dos diversos sistemas poderiam ser destacados. Entretanto pode-se resumir, que essa fase de idade reflete a saída da quase total dependência dos pais, para um hábito de vida de maior independência por parte da criança, com vontades próprias, personalidades peculiares, não é a toa que aos 6 anos de idade já possam ingressar no ensino formal, pois já possuem potencial para diferentes aprendizagens. Perceba, mais uma vez para falar de crescimento e de maturação, citamos desenvolvimento. Chega o momento de conversarmos um pouco mais a cerca desse fenômeno, o desenvolvimento, mais uma vez, com destaque maior sendo dado às mudanças no comportamento motor. Desenvolvimento na Infância Até os períodos de idades anteriores, fatores externos (ambientais) não eram tão importantes se comparado às influências internas inerentes do organismo do ser em desenvolvimento. O ambiente parecia sempre estar em segundo plano, o componente biológico era tido como principal fator a impulsionar mudanças no comportamento humano, por exemplo, a aquisição de algumas habilidades motoras. Entretanto, a partir de agora, esse quadro começará a se inverter. As restrições do organismo do ser continuam sendo importantes, contudo, o grande 22 23 propulsor desenvolvimental passará a ser o diálogo com o meio e/ou o contexto de inserção da criança; o desenvolvimento passa a ser impulsionado principalmente pelas influências externas, já denominadas anteriormente de restrições do ambiente e da tarefa. Conforme já discutido, a partir da aquisição do andar independente, por volta do primeiro ano de idade, inicia-se o período das habilidades motoras fundamentais. A infância se inicia aos 2 anos de idade, podendo ser considerada um marco para que a quantidade de influência do organismo e do ambiente comece a ser equiparada. Conforme pode ser observado na construção da torre desenvolvimental (figura 2), feita por tijolos coloridos que representam essas influências no desenvolvimento, por volta dos 3, 4 ou 5 anos de idade, o ambiente passa a sobressair, se mantendo como principal a impulsionar desenvolvimento por quase toda a vida. Uma vez que as principais definições e características das habilidades motoras fundamentais já foram discutidas anteriormente, a partir de agora serão enfatizadas algumas especificidades que ocorrem ao longo desse período desenvolvimental que vai até por volta dos 7 anos de idade. A infância é considerada um período propício para se adquirir coordenação nas habilidades motoras fundamentais. Essas habilidades servirão de base para os períodos subsequentes, como uma torre construída com tijolos sobre tijolos, algo que não poderia ocorrer sem um alicerce ou uma fundação sólida. Algumas vezes citamos coordenação motora, algo que todos parecem saber, até que um dia seja questionado: O que vem a ser coordenação motora? Essa pergunta parece fazer com que os profissionaisque trabalhem com o movimento se atrapalhem, ao ponto que muitos, infelizmente, não conseguem responder. Importante! Coordenação motora pode ser entendida como a interação entre o sistema nervoso e o sistema musculoesquelético. Simplifi cadamente refere-se a como os diversos segmentos corporais são organizados para realização de um determinado conjunto de movimentos ou de determinada habilidade motora. Importante! A infância como um todo é tida como um período ideal para aquisição de coordenação motora básica, entretanto, por volta dos 6 ou 7 anos de idade, crianças já possuem potencial para realizar as habilidades motoras fundamentais com proficiência. Como citado anteriormente, para que um estágio de execução em um nível considerado maduro, nessas habilidades motoras fundamentais, possa ser alcançado, exige-se dedicação por parte do executante combinada à oportunidade de prática estruturada. Vale ressaltar que o estágio maduro não é alcançado pela maioria da população, sendo que até mesmo adultos realizam essas habilidades 23 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância motoras em um estágio elementar. Isso expressa uma característica importante do período das habilidades motoras fundamentais, pois embora a aquisição da maior parte das habilidades desse período ocorra naturalmente, ou seja, a partir delas brincando por elas mesmas, o refinamento dessas habilidades motoras depende de uma interação mais específica das crianças com o ambiente. Sendo assim, para se alcançar proficiência não basta qualquer prática, crianças precisam vivenciar práticas desafiadoras, organizadas, inclusive acompanhadas de instrução apropriada acerca de como realizar os movimentos, para que consigam assim, executarem as habilidades motoras fundamentais de forma refinada. Atuação do professor nos anos iniciais Muito já se falou a respeito da importância da prática para o desenvolvimento motor. Vimos que apesar do organismo ser o mais importante nos anos iniciais, o ambiente sempre estará presente, podendo maximizar ou até mesmo prejudicar o desenvolvimento do ser. Mesmo em idade mais tenras, estímulos ambientais específicos podem impulsionar as crianças a alcançarem seus potenciais, prosseguindo com o desenvolvimento esperado para suas idades. A atuação de profissionais que atuam com crianças na primeira infância e infância propondo práticas que envolvam os movimentos fundamentais pode ser decisiva para formação de uma criança ativa, tanto na infância, na adolescência, como ao longo de toda vida adulta. Vivenciamos na atualidade uma alteração do que seria antigamente considerado como um ambiente natural, crianças quase não brincam mais em atividades que envolvam a realização de habilidades motoras grossas, vivemos em uma era tecnológica dos movimentos finos e precisos. Os hábitos decorrentes de uma “vida moderna” em muito têm alterado as nossas experiências motoras. Não muito tempo atrás, brincávamos na rua, com nossos vizinhos, no campinho de futebol, nos grandes quintais de casa. Essas formas de movimentos e de brincadeiras que tínhamos, em muito, se perderam e não mais fazem parte das atividades de nossas crianças. Nos dias atuais, as crianças brincam utilizando muito mais os dedos e as mãos, seja para pegar o controle remoto da televisão, pelo jogar no computador, videogames, tablets, celular, etc. Um resultado relacionado às mudanças nos tipos de movimentos que estão mais presentes nas nossas ações motoras é o que temos observado (até que passivamente), como o aumento do índice de obesidade e sobrepeso, sendo que segundo o IBGE, metade dos brasileiros está acima do peso. Essa situação é ainda mais grave se observarmos que uma em cada três crianças de 5 a 9 anos de idade já apresenta excesso de peso e, provavelmente, apresentarão problemas de saúde graves ao longo da vida. 24 25 Importante! Em uma ambiente não mais tão “natural” como estávamos acostumados, a atuação do professor de educação física é essencial. Em alguns casos, as únicas atividades que envolvem habilidades motoras fundamentais realizadas pelas crianças, ocorrem no período em que estão nas aulas de educação física na escola. Importante! Escola que hoje, cada vez inicia mais cedo para algumas crianças, que desde pequeninas já frequentam creches e depois o ensino infantil, para que com 6 anos (em alguns casos cinco anos e meio), algo que antigamente só ocorria aos 7, já ingressarem no ensino formal. Um dos motivos é a vida dos “pais de hoje”, antigamente na maioria das famílias somente o pai trabalhava, a mãe ficava com os filhos, as crianças se relacionavam mais com a mãe com brincadeiras que envolviam movimentos como correr, saltar, rolar; mesmo com os pais trabalhando, nos fins de semana tinham mais tempo para brincar com seus filhos, seja nos parques, nas praças ou mesmo em casa. Atualmente, com os pais mais fora de casa, trabalhando mais, muitas crianças ficam presas em seus apartamentos, passam seus dias em frente à TV, ou com videogames, celulares, comendo desregradamente, não se lembram da existência dos movimentos fundamentais, a lembrança parece só vir no momento das aulas de educação física. Diante do exposto, e baseado em uma visão dinâmica de restrições, cabe ao professor (dentre outros profissionais importante nesse processo) desempenhar um papel de manipulador de restrições, especificamente, as restrições do ambiente e da tarefa. Mesmo ainda na primeira infância, ele pode ser o profissional a propiciar condições de movimentos variados às suas crianças, criando ambientes com estímulos variados e abundantes que permitam as crianças vivenciarem as muitas possibilidades dos movimentos fundamentais, por elas mesmas. Esse profissional deve criar atividades para que as crianças explorem e selecionem movimentos em diálogo constante com o ambiente, e que esse processo ocorra naturalmente, ou seja, por meio da tentativa e do erro descubram seu potencial brincando. Portanto, um dos objetivos mais importante para quem trabalha com crianças de até por volta os 6 anos de idade, deveria ser: • Adquirir as habilidades motoras fundamentais (estabilizadoras, locomotoras e manipulativas), realizando-as nas mais variadas condições possíveis. Importante! Conforme já enfatizado anteriormente, entre 6 e 7 anos de idade tem-se como um período crítico e/ou sensível para que crianças se tornem profi cientes na realização das habilidades motoras fundamentais. Importante! 25 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância Sabe-se que as crianças até conseguem, a partir de vivências próprias, alcançar um nível elementar de desenvolvimento na realização dessas habilidades. Entretanto, somente com um ambiente estruturado que lhes ofereça oportunidades de aprendizagem dos movimentos que compõem essas habilidades, que se torna possível atingirem um desenvolvimento considerado maduro. Aulas de educação física, ainda nos primeiros anos de escolarização, podem ser a solução de um ambiente estruturado para a aprendizagem por parte das crianças. Para isso, cabe ao professor de educação física a responsabilidade, nas aulas, em proporcionar atividades estruturadas e organizadas, além de fornecer instrução apropriada aos seus alunos, corrigindo e motivando-os quando necessário, para que por volta dos sete anos de idade, as crianças possam ser competentes em realizar as habilidades motoras fundamentais consistentemente e de forma proficiente. Portanto, um dos objetivos gerais mais importantes da educação física no primeiro ano do ensino fundamental (6 aos 7 anos de idade), deveria ser: • Refinar as habilidades motoras fundamentais, tornando os alunos proficientes na execução de habilidades estabilizadoras, locomotoras e manipulativas. Caso as crianças não refinem as habilidades motoras fundamentais, elas podem ter seu desenvolvimento prejudicado, principalmente pela dificuldade que encontrarão para adquirir novase futuras habilidades. Mais discussões acerca disso e da importância da atuação do professor de Educação Física nesse processo serão trabalhadas ao longo das próximas unidades. 26 27 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos PhD. David Gallahue na FSG - FSG Comunica 39ª Edição Entrevista ao professor doutor David Lee Gallahue, um dos mais importantes pesquisadores sobre desenvolvimento motor no 3º Congresso Internacional de Motricidade da Serra Gaúcha. http://goo.gl/ZiNzqc O tema é criança em forma Entrevista ao professor doutor em Educação Física Luciano Basso no programa “Como será?”. http://goo.gl/fYR8W1 Todo Seu - Tecnologia e Infância Entrevista ao psicólogo especializado no atendimento infantil Tiago Tamborini no programa “Todo seu?”. http://goo.gl/JXW5b2 Leitura Revista Por Escrito: corpo em movimento AVIGO, E. L. & BARELA, J. A. Movimento na infância: combustível para o desenvolvimento. Revista Por Escrito: corpo em movimento. Fundação Arcor: Instituto Arcor Brasil, 2015, v.10, p. 48-53. http://goo.gl/4PUkal Desenvolvimento motor e crescimento somático de crianças com diferentes contextos no ensino infantil RODRIGUES D, AVIGO EL, LEITE MMV, BUSSOLIN RA, BARELA JA. Desenvolvimento motor e crescimento somático de crianças com diferentes contextos no ensino infantil. Motriz. 2013;19 (3). http://goo.gl/6Bhv6J 27 UNIDADE Crescimento e Desenvolvimento: Primeira Infância e Infância Referências BARELA, J. Aquisição de habilidades motoras: do inexperiente ao habilidoso. Rio Claro, v. 5, n. 1, p. 53, 1999. GALLAHUE, D. L. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: Bebês, Crianças, Adolescentes e Adultos. 2. ed. São Paulo: Phorte, 2003. GALLAHUE, D. L & Donnelly, F. Educação Física Desenvolvimentista para Todas as Crianças. 4. ed. São Paulo: Phorte, 2008. MALINA, R. M.; BOUCHARD, C. Growth, Maturation and Physical Activity. 2. ed. Champaign: Human Kinetics, 2004. 28
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