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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ No Brasil, de 1960 a 2017, a esperança de vida aumentou 27,9 anos, passando de 48 para 75,9 anos. A previsão do IBGE é de que, no ano 2030, a expectativa de vida ao nascer chegue a 78,6 anos. ↠ Esse processo, caracterizado por redução nas taxas de natalidade e aumento da expectativa de vida, é conhecido como transição demográfica e resulta no envelhecimento populacional. Deve-se acrescentar a estas mudanças demográficas os pacientes centenários, os quais precisam ser estudados em seus aspectos biológicos - anatômicos, fisiológicos, bioquímicos, imunológicos - e psicossociais para serem adequadamente cuidados. Tais conhecimentos serão necessários para interpretar os resultados de exames laboratoriais e de imagem, além de indispensáveis para as propostas terapêuticas, clínicas ou cirúrgicas. ↠ Com o envelhecimento populacional, verifica-se a transição entre as principais causas de morbidade e mortalidade (transição nosológica), de tal modo que as doenças não transmissíveis e as causas externas passam a predominar sobre as doenças transmissíveis, pois, à medida que as pessoas alcançam idades avançadas, aumenta o risco de que elas adquiram doenças crônicas e desenvolvam incapacidades, acarretando importante sobrecarga ao sistema de saúde. A esse fenômeno deu- se o nome de transição epidemiológica. Processo de envelhecimento e conceito de idoso ↠ Envelhecimento: É um termo aparentemente simples, que, a princípio, dispensa definição, uma vez que mesmo uma criança é capaz de diferenciar um jovem de um velho, ou até um velho saudável de outro frágil e doente. Em contrapartida, conceituar envelhecimento não é tarefa simples. É necessário incluir não apenas os aspectos biológicos, mas também os sociais, os psicológicos e os culturais. Do ponto de vista biológico, conceitua-se o envelhecimento como um processo dinâmico e progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por levá-lo à morte. Ninguém envelhece igual a outro da mesma espécie, mesmo que os seus genótipos sejam praticamente idênticos, como os gêmeos monozigóticos. ↠ Idoso: É impossível estabelecer o momento exato em que um indivíduo se torna idoso. Na verdade, o processo de envelhecimento faz parte de um contínuo que se inicia com a concepção e só termina com a morte. ↠ Como é necessário estabelecer limites cronológicos para estudos e planejamentos administrativos, a Organização das Nações Unidas (ONU) e também a Organização Mundial da Saúde (OMS), com base em fatores socioeconômicos, consideram idoso todo indivíduo com 60 anos ou mais. No Brasil, do ponto de vista legal, idoso é toda pessoa maior de 60 anos de idade (Lei n. 8.842, de janeiro de 1994, e Lei no 10.741, de outubro de 2003). ↠ Existem enormes variações individuais, pois o processo de envelhecimento é muito heterogêneo e guarda pouca relação com a idade cronológica, sofrendo influência não só da passagem do tempo como também do estilo de vida e de fatores socioculturais, além dos fatores genéticos, que podem ser decisivos no processo de envelhecimento. Tanto a ONU como a OMS adotam os seguintes limites cronológicos: • Idosos em países de renda média ou baixa: 60 anos ou mais • Idosos em países de renda alta: 65 anos ou mais • Muito idosos: 80 anos ou mais. Modificações anatômicas e funcionais no processo de envelhecimento ↠ Para realizar o exame clínico do paciente idoso, deve- se ter em mente alguns conceitos relacionados com as características anatômicas e fisiológicas do processo de envelhecimento. Uma das principais preocupações sempre foi distinguir quais seriam as modificações estruturais e funcionais provocadas exclusivamente pelo processo do envelhecimento (senescência) daquelas causadas pelas doenças que podem acometer o idoso (senilidade). Na maioria das vezes, essa tarefa é impossível, pois há estreita relação entre esses dois fenômenos, o fisiológico e o patológico. Desse modo, o processo de envelhecimento modifica e é modificado pelas doenças. MODIFICAÇÕES SISTÊMICAS ↠ Dentre as modificações gerais ocasionadas pelo envelhecimento destacam-se as alterações da constituição corporal: • Diminuição da massa óssea; • Diminuição da massa muscular (sarcopenia); • Redução da água intracelular; • Aumento com redistribuição da gordura corporal, que se acumula nos omentos, lóbulos das orelhas, regiões paracardíaca e perirrenais; • Diminuição do tecido celular subcutâneo dos membros e aumento no tronco; HAM IV – SEMIOLOGIA DO IDOSO 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck • Aumento dos diâmetros da caixa torácica e do crânio; • Diminuição da estatura em cerca de 1 cm por década a partir dos 40 anos, em decorrência da acentuação das curvaturas da coluna vertebral e do achatamento dos arcos dos pés e dos discos intervertebrais. ↠ A taxa de metabolismo basal diminui cerca de 10 a 20% no idoso, o que reduz suas necessidades calóricas. Essas modificações devem ser valorizadas principalmente quando se avalia a perda de peso nos pacientes idosos. ↠ Os pacientes idosos apresentam modificações no sistema de regulação da temperatura corporal que são responsáveis tanto pela frequente inexistência de febre ou pela febre mitigada, quando acometidos por doenças infecciosas, como também pelo maior risco de apresentarem hipotermia ou hipertermia em situações de frio ou calor extremo. Para se prescreverem corretamente medicamentos é necessário conhecer as particularidades do metabolismo das pessoas idosas. Assim, substâncias lipossolúveis terão seu volume de distribuição aumentado, o que, associado a alterações renais, ocasionará aumento de sua meia-vida. Os medicamentos hidrossolúveis, por sua vez, terão volume reduzido com consequente aumento da concentração plasmática desses fármacos. Além disso, a albumina sérica pode diminuir em até 0,9 g/dℓ nos indivíduos idosos quando comparados a um jovem, o que deve ser levado em conta na prescrição de fármacos que se ligam às proteínas plasmáticas, os quais terão maior porcentagem de substância livre para exercer sua atividade. ↠ A imunidade celular declina, e ocorrem alterações da imunidade humoral, com aumento na prevalência de neoplasias e infecções e redução da resposta vacinal. Paradoxalmente, há maior predisposição à formação de autoanticorpos, processo conhecido como imunossenescência. PELE, TELA SUBCUTÂNEA E FÂNEROS Pode-se afirmar que é praticamente impossível determinar quais modificações da pele seriam provocadas exclusivamente pelo envelhecimento, sem a influência de fatores externos ao organismo, pois a pele é o órgão de contato do corpo com o ambiente. ↠ Maior exposição aos raios solares antecipa e intensifica o envelhecimento da pele, por meio de um processo conhecido como fotoenvelhecimento, com diminuição da espessura e da elasticidade da epiderme e derme, em decorrência de alterações do colágeno e diminuição das fibras elásticas, de tal modo que, muitas vezes, a rede vascular torna-se mais visível. ↠ Somadas à redução da espessura do tecido subcutâneo, principalmente da face e membros, essas alterações ocasionam as rugas. ↠ A pele torna-se flácida, formando grandes pregas nos braços, coxas e abdome. Em contrapartida, em algumas áreas, é comum ocorrer aumento da espessura da pele com acentuação do seu quadriculado normal, alteração comum na nuca, denominada cútis romboidal. ↠ Em razão da redução da quantidade e da atividade das glândulas sudoríparas e sebáceas, a pele torna-se rugosa e seca. ↠ Os melanócitos diminuem em número e sofrem alterações funcionais, acarretando o aparecimentode manchas hipercrômicas, planas e lisas, principalmente na face e no dorso das mãos. Essas lesões, conhecidas como 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck melanose senil, não oferecem riscos; são apenas uma questão estética. Nos homens‚ à exceção dos pelos do nariz, sobrancelhas e orelhas, os pelos do corpo diminuem. ↠ Nas mulheres, em decorrência da deficiência de estrogênios, há aumento da quantidade e da espessura dos pelos do lábio superior e do mento e diminuição dos pelos das axilas, pernas e púbis. ↠ Com o passar dos anos, a medula dos cabelos se enche de ar e o córtex perde o pigmento. Ocorre, então, a canície, que é o embranquecimento dos cabelos. Dependendo dos hormônios sexuais e da hereditariedade, a quantidade de bulbos capilares diminui no crânio, dando início à calvície. Sistemas osteoarticular e muscular ↠ Nos homens, a partir dos 60 anos, e nas mulheres, imediatamente após a menopausa, começa a perda de tecido ósseo, com diminuição da espessura do osso compacto e redução das lâminas do osso trabecular. Observa-se anquilose das articulações costocondrais, fazendo com que a caixa torácica perca sua elasticidade e mobilidade. A espessura dos discos intervertebrais também diminui; com isso, acentuam-se as curvaturas da coluna vertebral, principalmente a torácica. As cartilagens articulares tornam-se mais delgadas e sofrem rachaduras superficiais. ↠ Uma das mais importantes alterações que acompanham o processo do envelhecimento é a perda de 1 a 2% da massa muscular ao ano após a sexta década de vida. ↠ À diminuição da massa e da força muscular, processo associado ao envelhecimento normal, mas cuja velocidade e intensidade dependem do estilo de vida, convencionou- se chamar de sarcopenia. A sarcopenia difere da atrofia muscular pelo desuso porque nela não ocorre somente redução da massa (tamanho das fibras) mas também do número de fibras musculares, principalmente as de contração rápida, resultando em diminuição progressiva da força muscular com a idade. Sistema nervoso ↠ A velocidade de condução nervosa também diminui e, com isso, há atenuação dos reflexos tendinosos profundos, principalmente os patelares e os aquileus. ↠ Os idosos apresentam redução do tempo total de sono em decorrência da diminuição da duração e da frequência da fase 4 do sono não REM (sono profundo); consequentemente, aumentam-se os despertares noturnos. ENVELHECIMENTO CEREBRAL ALTERAÇÕES ANATÔMICAS, HISTOLÓGICAS E BIOQUÍMICAS ALTERAÇÕES FUNCIONAIS Diminuição do peso e volumes cerebrais; Dificuldades de atenção, especialmente quando é necessário fazer várias tarefas; Diminuição do córtex e do número de neurônios; Diminuição da capacidade de recordar novas informações, principalmente visuais. Redução de neurotransmissores, principalmente acetilcolina e dopamina; Pequeno declínio de certas habilidades cognitivas em muitos, mas não em todos. Microangiopatia nos exames de imagem cerebral. ÓRGÃOS DOS SENTIDOS ↠ Os pavilhões auriculares aumentam com a idade, principalmente os lóbulos, pelo acúmulo de gordura. ↠ A audição diminui com a idade, principalmente para sons agudos, o que caracteriza a presbiacusia. ↠ Observam-se, com frequência, hiperpigmentação e edema das pálpebras inferiores. As superiores podem perder músculo, causando ptose palpebral. Na maioria dos idosos, ocorre opacificação do cristalino, o que ocasiona a catarata, que causa importante dano à qualidade de vida dos idosos, pois pode levar à cegueira. ↠ Os receptores olfatórios diminuem e as papilas gustatórias atrofiam-se, ocasionando diminuição do olfato e do paladar, principalmente para alimentos salgados. Sistema cardiovascular ↠ Em decorrência do aumento do colágeno, diminuição das fibras elásticas e depósitos de cálcio, as artérias, principalmente a aorta, as coronárias, as carótidas e as 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck renais, tornam-se enrijecidas e tortuosas. A aorta dilata-se na sua porção proximal. Ao contrário do que ocorre em outros órgãos, o peso do coração aumenta com a idade. No miocárdio, observa-se acúmulo de gordura nos átrios e no septo interventricular, além de fibrose, aumento do colágeno e diminuição da complacência do ventrículo esquerdo, o que predispõe à insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. O pericárdio e o endocárdio encontram-se espessados e as valvas, principalmente, a aórtica e a mitral, sofrem degeneração com espessamento, fibrose e calcificação. Essas alterações geralmente não causam estenose ou insuficiência valvar, mas podem atingir o feixe de His. Há acentuada redução da quantidade de células do nó sinusal e, ocasionalmente, do nó atrioventricular. A degeneração do sistema de condução predispõe ao aparecimento de arritmias, principalmente a doença do nó sinusal. Em repouso, o idoso não apresenta redução importante do débito cardíaco, mas, em situações de maior demanda, tanto fisiológicas (esforço físico) como patológicas (isquemia miocárdica), os mecanismos para a sua manutenção falham e ele pode apresentar sinais de isquemia dos órgãos. Paralelamente, ocorre aumento da resistência periférica e da pressão sistólica. A maior prevalência de hipertensão sistólica isolada está associada a um risco aumentado para doenças cerebrovasculares. SISTEMA RESPIRATÓRIO ↠ Observam-se enrijecimento e calcificação das cartilagens traqueais e brônquicas. Os bronquíolos perdem a elasticidade por substituição da musculatura lisa por colágeno. No entanto, a elasticidade pulmonar diminui provavelmente por modificações na composição dessas fibras e das fibras conjuntivas. ↠ A diminuição da elasticidade e da complacência pulmonar e a dilatação alveolar ocasionam o aumento do volume residual (VR); como a capacidade pulmonar total (CPT) não sofre modificações com a idade, a capacidade vital (CV) diminui com o aumento do VR. Como consequência, a relação ventilação/perfusão altera-se, e a pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2) diminui. A pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) não se altera com a idade. Os mecanismos de limpeza brônquica, assim como a velocidade dos batimentos ciliares, a produção de muco e a eficácia da tosse, também sofrem alterações com a idade, aumentando o risco de infecções. SISTEMA DIGESTÓRIO ↠ Com o envelhecimento, observa-se perda de dentes, geralmente agravada pela má higiene e pela doença periodontal. ↠ A mucosa oral perde a elasticidade e a resistência, tornando-se mais vulnerável aos traumas e às infecções, principalmente à candidíase. ↠ É comum a queixa de glossodinia, ou queimor na língua, sem que se encontrem alterações que justifiquem esse sintoma. Ocorre diminuição das células secretoras das glândulas digestivas (salivares, mucosa gástrica, pâncreas). A túnica muscular de todo o tubo digestivo também se atrofia por substituição das fibras musculares por colágeno, e isso compromete a motilidade. O enfraquecimento da parede do intestino grosso facilita a formação de divertículos. O epitélio escamoso da parte distal do esôfago é gradualmente substituído por epitélio colunar, provavelmente como consequência da agressão repetida do suco gástrico refluído. ↠ O peso do fígado e o número de hepatócitos diminuem. O volume da secreção biliar diminui e a vesícula tem tendência à discinesia. Em geral, essas alterações não comprometem a absorção de nutrientes, mas podem alterar a farmacocinética dos medicamentos e predispor os idosos aos seus efeitos adversos. SISTEMA URINÁRIO ↠ O processo de envelhecimento provoca redução do tamanho e do peso dos rins. A perda da massa renal é principalmente cortical e está relacionada com as modificações vasculares. Observam-se espessamento da cápsula renal e depósito de tecido adiposo perirrenal. As musculaturas vesical e uretralatrofiam-se, diminuindo a capacidade vesical e a elasticidade uretral. ↠ A partir da quarta década de vida, o fluxo plasmático renal e a filtração glomerular sofrem redução de aproximadamente 10% por década, o que resulta na redução da depuração (clearance) da creatinina de 8 a 10 mλ/min/1,73 m2 por década. Contudo, essa redução, isoladamente, não causa insuficiência renal, mas, nas situações de maior demanda, o idoso facilmente entra em falência renal. A creatinina sérica mantém-se dentro da normalidade, pois ela é produzida pelos músculos, e eles diminuem com o envelhecimento. As alterações tubulares renais somadas à diminuição da síntese de aldosterona e ao aumento do hormônio antidiurético são responsáveis pela diminuição da capacidade de concentração e diluição da urina observada nos idosos em condições de restrição e sobrecarga hídricas, aumentando as chances de hiponatremia, hipernatremia e desidratação. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A complacência da bexiga diminui e, consequentemente, observa-se aumento do volume residual pós-miccional, o que é agravado pela hipertrofia prostática, comum em homens idosos. SISTEMA ENDÓCRINO ↠ Com o aumento da idade, a tireoide, a hipófise, as paratireoides e as suprarrenais apresentam atrofia, substituição do tecido glandular por tecido fibroso e depósito de gordura. Ocorre também tendência à formação de nódulos, principalmente na tireoide. A glândula pineal involui e calcifica-se, e a secreção de melatonina diminui com a idade. ↠ Observam-se, também, resistência à insulina e diminuição da tolerância à glicose, o que dificulta o diagnóstico de diabetes nas faixas etárias mais elevadas. ↠ A secreção do hormônio do crescimento sofre alterações importantes durante todo o ciclo de vida. Em idosos saudáveis, ela reduz cerca de 50%, com diminuição tanto de suas concentrações basais como na resposta a estímulos. Essa redução com o envelhecimento seria um dos fatores responsáveis pelas mudanças da constituição corporal, com aumento da gordura e redução da massa magra tecidual. Sistema genital feminino ↠ Os órgãos genitais femininos, principalmente os ovários, atrofiam-se, e as mulheres tornam-se estéreis após a menopausa, fato que ocorre geralmente a partir dos 50 anos. ↠ As mamas tornam-se flácidas e pendentes, e o tecido glandular é substituído por tecido fibroso. ↠ A vagina diminui em comprimento e largura, a sua mucosa atrofia-se e torna-se ressecada. O útero perde peso, e os ligamentos que o mantêm em posição afrouxam-se, favorecendo a ptose do órgão. Sistema genital masculino ↠ Observa-se diminuição dos testículos, das vesículas seminais e das dimensões do pênis, que perde sua elasticidade. ↠ O volume prostático aumenta na grande maioria dos homens idosos, mas as suas glândulas atrofiam-se. ↠ A capacidade reprodutiva diminui com a idade, mas, geralmente, o homem idoso não é estéril. Exame Clínico ↠ Não se pode desconhecer, contudo, algumas singularidades próprias dessa faixa etária, decorrentes da interação do processo fisiológico do envelhecimento, as doenças e as condições socioculturais do paciente. PRINCÍPIOS BÁSICOS ↠ Ao examinar um paciente idoso, o médico precisa ter em mente os seguintes princípios: • A idade cronológica guarda pouca relação com as condições clínicas e com o prognóstico do paciente. • Quanto maior é a idade, maior é o risco de fragilidade e incapacidade. Contudo, existe uma enorme variabilidade entre os idosos. Indivíduos em idades muito avançadas podem estar em melhores condições que idosos mais jovens. • Existem muitos estereótipos e preconceitos em relação à velhice, chamados no inglês de ageism (sem tradução para o português), tais como o de que os idosos são poliqueixosos, pessimistas, ranzinzas e pouco comunicativos. Na verdade, esses comportamentos são consequência de uma doença de base, orgânica ou psíquica, e não do processo de envelhecimento. • Muitos idosos têm seus próprios preconceitos em relação à sua idade, como o de que seus sintomas são sempre consequência do envelhecimento e não têm tratamento, não havendo, portanto, razão para procurar o médico. • Envelhecer não é tornar-se criança novamente. A tendência de infantilizar o idoso causa graves prejuízos na relação médico-paciente. O idoso deve ser sempre tratado como um indivíduo capaz e dono de suas vontades. O tratamento correto é “senhor” e “senhora”, e não “vô(ó)”, “vozinho(a)”, “tio(a)”. O diminutivo ‘velhinho(a)”, mesmo que usado para demonstrar carinho, deve ser sempre evitado. • Quase sempre o médico é muito mais jovem do que seu paciente, e isso pode dificultar o estabelecimento de uma relação de confiança entre os dois. Uma postura digna e um tratamento respeitoso por parte do médico, desde o início, evitam esse problema. • Os idosos de hoje nasceram em meados do século XX. O médico deve estar sempre ciente de que os valores em que eles foram educados são muito diferentes dos de hoje. • As mudanças sociais e tecnológicas aconteceram com tanta rapidez que muitos idosos estão tendo dificuldades para se adaptar. É preciso pensar nisso antes de chamá- los de reacionários, retrógrados e tentar mudá-los. O médico deve respeitar as opiniões dos seus pacientes, por mais que sejam contrárias às suas. • O processo de envelhecimento caracteriza-se por perda progressiva da reserva funcional e, em consequência, o idoso é mais propenso a ter múltiplas doenças crônicas. • Na maioria das vezes, os sintomas apresentados pelo paciente idoso não são explicados por uma única doença. A possibilidade de diagnósticos múltiplos é maior nesse 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck grupo etário e as manifestações clínicas podem confundir o examinador. • Queixas múltiplas e mal caracterizadas são frequentes nesses pacientes; deixar de levar qualquer uma delas em consideração pode induzir a erros graves, com sérias consequências. • No momento de apresentar o plano terapêutico, o médico deve incluir um familiar ou o cuidador (pessoa que presta auxílio à outra em suas atividades da vida diária, que pode ser um familiar, amigo ou alguém contratado para essa finalidade) na discussão, mas a vontade do paciente deve ser soberana. ANAMNESE ↠ A anamnese é e sempre será a base para o cuidado dos pacientes, principalmente do idoso. Algumas vezes, a entrevista por si só pode ser terapêutica. DIFICULDADES DA ANAMNESE DE PACIENTES IDOSOS O paciente informa pouco sobre sua doença A doença é considerada uma consequência natural do processo de envelhecimento; O paciente nega que esteja doente; Doenças com apresentação atípica Limiar aumentado para dor faz parte do processo de envelhecimento. Apresentação inespecífica das doenças agudas Infecções, insuficiência cardíaca manifestando-se somente com confusão mental ou queda. Barreiras de comunicação Desconforto, problemas de linguagem. História extensa e queixas mal caracterizadas Múltiplas doenças interagindo entre si. ↠ Em primeiro lugar, é preciso assegurar-se da confiabilidade dos dados fornecidos pelo paciente. Muitos idosos são portadores de doenças que comprometem a memória e causam distúrbios de comportamento. Os pacientes com distúrbios mentais graves são facilmente reconhecidos e deve-se requisitar a ajuda do familiar ou cuidador para completar as informações. O problema reside nos casos mais leves, os quais geralmente não são reconhecidos de imediato pelo médico. ↠ Os pacientes idosos geralmente costumam apresentar de múltiplas afecções crônicas e tendem a apresentá-las de maneira atípica. Portanto, o princípio de iniciar a anamnese com uma queixa principal pode não ser de grande valia nesses pacientes. É comum o paciente dizer que tem tantos problemas que não sabe por onde começar. Peça a ele que relate aquilo que maiso incomoda. ↠ Muitas vezes, a queixa principal já é um diagnóstico (exemplos: depressão, reumatismo), por isso é bem mais fácil compreender as condições do paciente começando por elucidar a história médica pregressa imediatamente após perguntar a queixa principal e antes de obter informações mais precisas sobre ela. Em muitas situações, a queixa principal do paciente difere totalmente daquela informada pelos familiares. Na verdade, o que incomoda o idoso pode não ser exatamente o mesmo problema que preocupa os seus familiares ou cuidadores. Nesse caso, é importante valorizar as duas informações, mesmo quando o paciente for portador de distúrbio cognitivo, não sendo, portanto, capaz de compreender o que se passa. Mesmo que a família insista ser o seu maior problema com o paciente idoso a confusão mental, a queixa de dor abdominal do paciente também deve ser valorizada. TESTE DA SACOLA DE REMÉDIOS Os medicamentos que estão sendo usados e aqueles que foram utilizados recentemente pelo paciente merecem atenção especial. Os pacientes devem ser encorajados a levar os medicamentos ou, pelo menos, uma lista por escrito. Deve-se perguntar insistentemente sobre automedicação. ASPECTOS ESPECIAIS DO INTERROGATÓRIO SINTOMATOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO Diminuição da memória Queixa frequente entre as pessoas idosas, muitas vezes erroneamente atribuída ao processo de envelhecimento, embora o normal seja envelhecer lúcido. 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck Pode existir uma diminuição da memória para fatos recentes e da memória visual, mas nunca de intensidade suficiente para perturbar as atividades do paciente e sua relação com os familiares. Quando isso ocorre, a queixa precisa ser valorizada e bem avaliada. As causas vão desde problemas potencialmente reversíveis, como hipotireoidismo e deficiência de algumas vitaminas, até doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, que irá levar o paciente a uma situação de extrema dependência, sobrecarregando os seus familiares. Distúrbios de comportamento e deambulação compulsiva Em consequência das modificações cerebrais e da redução dos neurotransmissores que ocorrem com o envelhecimento, o idoso é propenso a apresentar distúrbios de comportamento, mesmo que não haja doenças neuropsiquiátricas. Alucinações e delírios, assim como agitação psicomotora, podem ocorrer em qualquer paciente idoso na vigência de um problema agudo, como infecções, arritmias cardíacas e efeitos adversos de medicamentos e isso chama-se delirium. A deambulação compulsiva ou perambulação é um sintoma relativamente comum nas demências, principalmente na doença de Alzheimer, mas pode ser decorrente de efeito de medicamentos, principalmente os antipsicóticos. Nesse caso, configura acatisia, palavra derivada do grego que significa impossibilidade de permanecer sentado. Tonturas, alterações da marcha e quedas Nem sempre a tontura (ou tonteira) relatada pelo idoso é vertigem, e o paciente pode estar referindo-se a um quadro de lipotimia, síncope, convulsão, alteração do equilíbrio ou outro mal-estar mal definido. Esses sintomas podem ser causados por doenças neurológicas, cardiovasculares e distúrbios metabólicos, como a descompensação diabética. No entanto, a tendência é sempre os atribuir a uma “labirintite” e iniciar a medicação sem fazer uma investigação clínica criteriosa. Isso pode ser muito deletério, não só porque se deixa de diagnosticar problemas graves, como também porque algumas medicações usadas para tratar a suposta labirintite podem provocar efeitos adversos importantes nos idosos, tais como instabilidade postural e quedas, depressão e parkinsonismo. Perdas sensoriais A surdez é um importante problema entre os idosos, estimando-se que 50% dos pacientes com 80 anos ou mais tenham audição diminuída. A causa mais comum é a presbiacusia, na qual a perda da audição para sons agudos é maior. Outras causas são representadas por infecções, cerume e doenças neurológicas. Quando evolui para graus avançados, pode se tornar extremamente incapacitante, contribuindo para o isolamento, maior risco de quedas, depressão e deficiências cognitivas. A perda visual deve ser sempre inquirida, pois muitos pacientes idosos, por não exercerem atividades que necessitem de acuidade visual apurada, não valorizam a perda, e o diagnóstico de uma doença que pode causar cegueira será tardio. É importante lembrar da catarata, da degeneração macular senil, da retinopatia diabética e do glaucoma, que é insidioso e pode ser agravado por alguns medicamentos. Condições dos dentes e da boca Perguntar sobre os dentes e as condições de mastigação é muito importante, pois muitas vezes a desnutrição de um paciente idoso pode ser corrigida após uma avaliação odontológica e a correção de eventuais problemas. Perda de peso O ser humano ganha peso dos 25 até por volta dos 60 anos; depois disso, o peso corporal tende a reduzir-se por perda de massa óssea e muscular. Sabendo que, normalmente, ocorre perda de peso com o envelhecimento, a maior dificuldade do médico é como valorizar essa queixa. No geral, deve-se ficar atento para emagrecimento acentuado em curto período. O idoso pode perder peso em consequência das mesmas doenças que acometem os jovens (tuberculose, AIDS, neoplasias malignas, hipertireoidismo, diabetes, doenças gastrintestinais). Modificações do sono A insônia e a sonolência são queixas comuns entre os idosos e, frequentemente, são causa de iatrogenia, pois, muitas vezes, sem avaliação adequada, esses pacientes são medicados com hipnóticos que podem causar desde alterações leves da memória até estados confusionais. O uso desses medicamentos é um dos principais fatores que contribuem para quedas nos idosos. O padrão do sono torna-se um pouco desorganizado, com vários despertares; o sono noturno sofre um encurtamento, enquanto aumentam os períodos de sonolência diurna. Ao lado dessas alterações fisiológicas existem problemas sociais e orgânicos, que aumentam a prevalência de insônia na velhice. A ansiedade e a depressão são causas importantes de insônia. Não se deve esquecer de situações que levam ao despertar noturno, tais como dispneia, nictúria, dor, hipoglicemia e a síndrome da apneia do sono. 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck Fadiga É uma queixa comum no idoso e, tal como nos pacientes jovens, pode ser um sintoma de doença orgânica ou psíquica. A depressão é uma das causas mais comuns de fadiga nessa faixa etária e pode ser sua única manifestação. Não é raro que a fadiga seja considerada algo normal nesses pacientes. Incontinência urinária e/ou fecal São problemas complexos, muito comuns nos idosos, extremamente incapacitantes e geralmente de causa multifatorial. Sua avaliação demanda tempo e seu tratamento é complicado, além do que, não raro, são considerados como um fenômeno normal do envelhecimento. Na avaliação da mulher idosa com incontinência urinária, deve- se sempre ter em mente a possibilidade de incontinência de esforço por frouxidão da musculatura pélvica e, no homem idoso, a incontinência por transbordamento na hipertrofia prostática. Há ainda as causas transitórias de incontinência, mais comuns nos idosos por terem uma reserva funcional vesical e uretral menor, como as infecções, uretrite atrófica (deficiência estrogênica da mulher idosa), estados confusionais, medicamentos, imobilidade e impactação fecal (fecaloma). Daí a necessidade de indagar sobre esses problemas na anamnese do paciente idoso incontinente. A incontinência fecal é menos prevalente e geralmente acompanha a urinária. Deve ser sempre pesquisada, pois, se os pacientes tendem a esconder a incontinência urinária, quanto mais a fecal. Sexualidade Sexualidade é a maneira como uma pessoa vivencia e expressa o seu sexo e, frequentemente,é confundida com a relação sexual, que, por sua vez, não está restrita ao ato da penetração, mas engloba também a troca de sons, cheiros, olhares, toques e carícias. Pode-se dizer que existe o mito da velhice assexuada, principalmente na família. Os filhos e os netos são os primeiros a negar a sexualidade dos pais e/ou dos avós. Não raro, interpretam o seu interesse sexual como um desvio ou sinal de demência. A sexualidade deve ser abordada de maneira franca e respeitosa na anamnese do paciente idoso. Problemas que eles não revelam espontaneamente podem ser importantes para o diagnóstico de diversas enfermidades, como a diminuição da libido na depressão, a dispareunia na deficiência estrogênica e a disfunção erétil no diabetes. Ansiedade e/ou depressão A depressão e a ansiedade são os problemas psiquiátricos mais comuns em idosos e, geralmente, apresentam-se de maneira atípica, com deficiência de memória e distúrbios da percepção, incluindo alucinações e delírios. Febre Cumpre lembrar que os idosos podem apresentar infecções sem resposta febril. Com mais frequência, apresentam confusão mental, delírios e alucinações quando têm elevação da temperatura. Dor Com o envelhecimento, o limiar de dor aumenta e, consequentemente, os pacientes idosos podem apresentar problemas graves de saúde sem que a dor seja um sinal de alarme. Exemplos clássicos são os infartos e as doenças abdominais agudas que evoluem sem dor nesses pacientes. Paradoxalmente, quando têm dor, os idosos podem apresentar um nível de tolerância menor e uma reação bem mais acentuada. Muitas vezes, as manifestações dolorosas são atípicas e mal localizadas (p. ex., infarto com dor abdominal ou no dorso é mais frequente nessa faixa etária). Queixas relacionadas com as mudanças no ciclo da vida Não é raro os idosos procurarem assistência médica por apresentarem queixas relacionadas com vários eventos vitais, ou serem levados por seus familiares por temerem que esses eventos sejam a causa ou agravante de doenças. Os eventos e as mudanças no ciclo de vida que comumente podem afetar a saúde e a capacidade funcional dos idosos são menopausa, aposentadoria, doença e morte do cônjuge e/ou de filhos, diagnóstico de uma doença incapacitante ou terminal e síndrome do “ninho vazio”, ou seja, a saída dos filhos da casa dos pais. Como é o caso da depressão desencadeada pelo luto ou do etilismo desencadeado pela incapacidade para preencher o tempo livre após a aposentadoria. Uma situação especial é a do paciente portador de uma doença sem perspectiva de cura e ameaçadora de sua vida, que pode acontecer em qualquer faixa etária, mas é mais comum na velhice. Atualmente, só em situações muito especiais um paciente adulto não é informado sobre o seu diagnóstico e sobre o seu prognóstico, por mais grave que ele seja. Esse paciente passa por estágios de negação, raiva, barganha e introspecção, até a fase final de aceitação. Durante todas essas fases, o paciente tem medo, desespero, angústia, depressão. Lidar com essa situação talvez seja um dos maiores desafios da “arte de cuidar”. Esses pacientes sem perspectivas de cura não podem ter o tratamento de seus sintomas esquecidos ou negligenciados. 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck ANTECEDENTES E HÁBITOS DE VIDA ↠ No que se refere aos antecedentes pessoais do paciente, pode não ter utilidade saber as condições de nascimento e doenças da infância, mas a história de tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis e intervenções cirúrgicas é de extrema importância. Nas mulheres, a época da menarca não é tão relevante quanto a época e as condições da menopausa. ↠ O número de filhos e a história de morte de algum deles devem ser sempre indagados, mesmo para os homens. O luto pela perda de um filho pode ter grandes implicações no estado de saúde de um idoso. ↠ A história familiar pode ser também uma oportunidade para explorar as experiências, expectativas e atitudes do paciente com relação às doenças e à morte. Por exemplo, ele pode dizer “eu tenho medo de ficar ‘esclerosado’ como a minha mãe” ou “eu não gostaria de terminar a minha vida em um asilo como o meu pai”. ↠ As condições e os hábitos de vida são muito importantes e incluem partes da Avaliação Geriátrica Ampla. Devem-se investigar minuciosamente os hábitos alimentares, as condições de trabalho, a prática de atividade física e os vícios, principalmente o consumo de bebidas alcoólicas, que tende a ser ocultado pelo paciente. Outra condição esquecida é o consumo de drogas ilícitas, pois é comum acreditar que nessa faixa etária isso não acontece. CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS ↠ O tipo de habitação, a existência de escadas, a localização dos banheiros são informações importantes, principalmente nos casos de quedas. ↠ Saber se o paciente reside sozinho ou com familiares, conhecer suas condições financeiras e quem administra as finanças é necessário para o planejamento terapêutico. A informação sobre a saúde daqueles que dão apoio aos idosos, principalmente aos dependentes, é essencial. Não é raro descobrir que as pessoas que cuidam de familiares idosos frequentemente não os deixam sozinhos e se dedicam integralmente ao seu cuidado. Isso pode levar a exaustão, depressão, maus-tratos e internação precoce em asilos. EXAME FÍSICO ↠ O exame físico do idoso deve ser completo e minucioso. Contudo, muitas vezes as condições clínicas e a fragilidade do paciente dificultam sua realização e demandam maior paciência e disposição por parte do médico. O exame físico começa a ser realizado no momento em que o paciente entra no consultório, ou o médico entra no ambiente onde ele está (consultório, hospital, domicílio, asilo). ↠ Observam-se postura, fácies, deambulação, gestos, modo de sentar e levantar, como ele se despe e acomoda-se na mesa para exame. Muitas vezes, o médico ou o(s) acompanhante(s), ao perceberem as dificuldades do paciente, apressam-se em ajudá-lo. O médico deve conter o seu ímpeto e simplesmente observar, pois o seu objetivo é estabelecer um diagnóstico preciso dessas dificuldades para poder amenizá-las. No entanto, deve manter-se próximo e vigilante, já que as quedas também podem ocorrer dentro de um hospital ou de um consultório. É importante que o examinador se lembre de elevar a cabeceira da mesa de exame, pois são frequentes, nessa faixa etária, afecções que causam dispneia de decúbito. É necessário dispor de um pequeno travesseiro, porque muitos são portadores de artrose cervical ou de doença de Parkinson, que causam rigidez e dificultam o apoio da cabeça no mesmo plano do dorso. Postura e marcha Algumas alterações na postura podem ser consideradas típicas da velhice, mas variam a época e a velocidade em que essas modificações irão ocorrer e até que ponto elas serão influenciadas por enfermidades, medicamentos e sequelas de doenças. ↠ Devemos lembrar que, com o avançar da idade, a cabeça desloca-se para frente e ocorre diminuição da lordose lombar normal. ↠ Com o envelhecimento, a marcha pode modificar-se, mesmo que não haja qualquer doença. A marcha senil caracteriza-se por aumento da flexão dos cotovelos, cintura e quadril. Diminui também o balanço dos braços, o levantamento dos pés e o comprimento dos passos (marcha de pequenos passos). 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck Antes de rotular a marcha do paciente como marcha senil, é preciso afastar todas as doenças que podem alterá-la. Uma maneira simples e eficiente de avaliar a marcha do paciente idoso é executar o teste de “levantar e andar” (Get up and go test). FÁCIES ↠ Algumas expressões fisionômicas que caracterizam fácies típicas de algumas doenças, como o hipotireoidismo, hipertireoidismo, depressão, e mesmo da síndrome parkinsoniana, podem não ser observadas nos idosos.Peso e altura ↠ O peso nem tanto, mas a altura é um parâmetro quase sempre negligenciado no exame físico do paciente idoso. Quando se determina a estatura, deve-se ter em mente que ela é provavelmente menor do que a que o paciente alcançou ao final de sua fase de crescimento. Isso resulta do encurtamento da coluna vertebral por redução da altura dos corpos vertebrais e dos discos intervertebrais, além do aumento de todas as suas curvaturas. Em algumas doenças, como a osteoporose, esse fenômeno acentua-se ainda mais. ↠ O peso corporal modifica-se ao longo dos anos, em decorrência das alterações constitucionais próprias do envelhecimento. Há aumento ponderal até por volta dos 60 anos e, em seguida, redução lenta e gradual. O idoso deve ser pesado em toda consulta médica e seu índice de massa corporal calculado. HIDRATAÇÃO ↠ As alterações da pele (diminuição do turgor), da mucosa oral e da língua (menos umedecidas por diminuição da produção de saliva) e das conjuntivas (diminuição da secreção lacrimal) que ocorrem com o envelhecimento dificultam a avaliação do estado de hidratação do paciente idoso. No entanto, mesmo com tantas dificuldades, essa avaliação deve ser sempre feita, já que os distúrbios hidreletrolíticos ocorrem com mais frequência e são mais graves nessa faixa etária. Pele ↠ A pele senil apresenta diminuição da elasticidade, do turgor, da espessura, das secreções sudorípara e sebácea pela ação ambiental principalmente dos raios ultravioletas (podem ocorrer zonas de hipo e hiperpigmentação e de hiperqueratinização), além das afecções que frequentemente acometem os idosos (neoplasias, micoses). ↠ Devem-se buscar sinais de carências nutricionais, principalmente vitamínicas, pois elas são mais comuns nos idosos, destacando-se as alterações tegumentares da pelagra e do escorbuto. ↠ Durante o exame da pele, deve-se pesquisar a existência de lesões sugestivas de maus-tratos (equimoses), de úlceras por pressão e as condições de higiene do paciente. PRESSÃO ARTERIAL ↠ A medida da pressão arterial é um dado que não pode ser esquecido durante o exame físico do idoso. Com o envelhecimento, a pressão arterial sistólica eleva-se (hipertensão sistólica isolada do idoso), o que constitui um fator de risco para as doenças cerebrovasculares, além do fato de que, entre esses pacientes, a prevalência da hipertensão arterial essencial também é maior. ↠ O envelhecimento altera os mecanismos de controle da homeostase e pode predispor à hipotensão postural, como sensibilidade dos barorreceptores, capacidade de reter sal, resposta de elevação da frequência cardíaca e enchimento ventricular. É reconhecida quando ocorre uma redução de 20 mmHg ou mais na pressão sistólica e/ou 10 mmHg ou mais na diastólica ao passar- se da posição deitada para a posição de pé. EXAME DA CABEÇA E DO PESCOÇO ↠ Nos pacientes idosos é importante observar alterações no tamanho do crânio, pois ele pode aumentar na doença de Paget dos ossos, que acomete quase exclusivamente indivíduos de faixas etárias mais avançadas. ↠ Devem-se observar as condições dos dentes e das próteses, e estas devem ser retiradas para exame, pois elas podem ocultar lesões, inclusive malignas. EXAME DO TÓRAX ↠ À inspeção do tórax, são frequentes a cifose torácica e o alargamento do diâmetro anteroposterior, situações que podem ser consideradas consequências do envelhecimento normal, mas que se acentuam em algumas doenças comuns nessa faixa etária (DPOC, osteoporose). Nas mulheres, as mamas devem ser sempre examinadas, pois o câncer de mama também é comum nas idosas. À ausculta, as bulhas cardíacas podem ser hipofonéticas. Até a quarta década de vida, a segunda bulha cardíaca (B2) é mais audível no segundo espaço intercostal esquerdo do que no direito. Com o 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck envelhecimento, essa relação inverte-se, em virtude de modificações na posição da aorta e da artéria pulmonar. Os idosos são mais propensos a apresentar doenças que causam modificações na ausculta das bulhas, como miocardiopatias e arritmias. A quarta bulha pode surgir sem significado patológico, como consequência da redução da complacência do ventrículo esquerdo que acompanha o processo de envelhecimento. A quarta bulha pode ser detectada em idosos, independentemente de haver ou não cardiopatia. Exame do abdome ↠ É importante lembrar a necessidade de palpar e auscultar o trajeto da aorta abdominal, pois dilatações aneurismáticas e estenoses de seus ramos (renais, por exemplo) são mais comuns em idades avançadas. ↠ A palpação da região suprapúbica também é importante nos casos de diminuição do volume urinário ou incontinência, sob pena de deixar passar uma bexiga distendida. O toque retal deve completar o exame, pois as doenças prostáticas, os fecalomas e as neoplasias do reto são frequentes nessa faixa etária. Exame das extremidades ↠ Examinam-se os membros em busca de doenças osteoarticulares, as quais são a principal causa de incapacidade nesse grupo de indivíduos. ↠ Avalia-se o trofismo muscular. ↠ Os pulsos devem ser rotineiramente palpados, pois a insuficiência vascular é mais comum nesses pacientes, consequência de doenças crônicas, como a hipertensão e o diabetes, e do tabagismo. ↠ O edema sempre deve ser pesquisado, sem se esquecer de que ele pode ser causado pela estase venosa em decorrência da imobilidade. Veias varicosas contribuem para agravar essa situação. EXAME NEUROLÓGICO ↠ Deve ser realizado em todos os idosos, independentemente da queixa do paciente, pois muitas doenças neurológicas podem manifestar-se com sintomas inespecíficos, como é o caso da doença de Parkinson, que pode ocorrer sem tremor e o paciente procurar o médico por depressão e/ou quedas. O diagnóstico será estabelecido pelo encontro, ao exame físico, de outros sinais extrapiramidais, como bradicinesia e rigidez. ↠ Examinam-se os nervos cranianos e, principalmente, a movimentação ocular. Quando comparados com os jovens, os idosos apresentam maior dificuldade com o olhar vertical, principalmente para cima. É importante ressaltar que cerca de 30 a 40% dos idosos têm rigidez de nuca decorrente de osteoartrite da coluna cervical, tornando esse sinal pouco específico para o diagnóstico de irritação meníngea. ↠ A força e o trofismo muscular devem ser avaliados e os reflexos profundos, testados. O envelhecimento pode diminuí-los, principalmente os patelares e aquileus. Sinais de comprometimento piramidal (sinal de Babinski, hiper- reflexia) e extrapiramidal (rigidez, tremores, coreia, bradicinesia) devem ser pesquisados, pois as doenças neurodegenerativas que acometem os idosos podem afetar esses sistemas. ↠ Avalia-se também a sensibilidade tátil, dolorosa, vibratória e proprioceptiva. Referências PORTO, Celmo C. Semiologia Médica, 8ª edição. Grupo GEN, 2019.
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