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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Conhecer sobre a classificação e a epidemiologia do aborto. 2- Investigar sobre a apresentação clínica do aborto (completo, retido, incompleto, infectado e inevitável). 3- Compreender o tratamento farmacológico e mecânico do aborto. 4- Discutir sobre a legislação do aborto. Abortamento ↠ O abortamento é a expulsão de feto pesando menos de 500 g ou com menos de 20 semanas de gestação, podendo ser espontâneo ou provocado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Aborto é o produto do abortamento (embrião ou feto e anexos) (CUNNINGHAM, 2021). É considerado precoce ou de primeiro trimestre até 12 semanas e 6 dias (BRASIL, 2022). ↠ Considera-se perda bioquímica o aborto que ocorre após um teste urinário ou beta-hCG positivo, mas sem diagnóstico ultrassonográfico ou histológico. O termo aborto clínico é utilizado quando a ultrassonografia ou a histologia confirmam que houve uma gravidez intrauterina (BRASIL, 2022). ↠ Nas perdas gestacionais do primeiro trimestre, a morte do embrião ou do feto quase sempre ocorre antes da expulsão espontânea. Em geral, a morte é acompanhada de hemorragia dentro da decídua basal, seguido pela necrose dos tecidos adjacentes, que estimula as contrações uterinas e a expulsão. Um saco gestacional intacto costuma estar cheio de fluido (CUNNINGHAM, 2021). • Um abortamento anembrionado não contém elementos embrionários identificáveis. Embora não seja tão preciso, pode-se utilizar o termo ovo cego. • Os casos restantes são abortamentos embrionados, que em geral apresentam alguma anormalidade do desenvolvimento do embrião, do feto, da vesícula vitelina ou, às vezes, da placenta. ↠ Em contrapartida, nas perdas gestacionais mais tardias, o feto geralmente não morre antes da expulsão e, assim, outras razões para o abortamento devem ser investigadas (CUNNINGHAM, 2021). EPIDEMIOLOGIA ↠ Mais de 80% dos abortamentos espontâneos ocorrem nas primeiras 12 semanas de gestação (CUNNINGHAM, 2021). ↠ A magnitude do abortamento no mundo é desconhecida, uma vez que em diversos países ocorre ilegalidade parcial ou total para a realização do mesmo. Os dados epidemiológicos acerca do aborto são subclínicos devido a muitas vezes acontecerem sem que a mulher reconheça que está abortando ao confundir a expulsão do concepto com um sangramento menstrual, já os clinicamente reconhecidos chegam a incidência de 10-15%, destes, 80% ocorrem antes das 12 semanas (SANARFLIX). Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? (CARDOSO et al., 2020). Segundo um estudo com base em estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 55 milhões de abortos ocorreram entre 2010 e 2014 no mundo, sendo 45% destes considerados abortos inseguros. África, Ásia e América Latina concentram 97% dos abortos inseguros. O estudo mostrou ainda que leis restritivas aumentam a ocorrência desses. A ilegalidade, contudo, não impede a prática, estando relacionada à desigualdade social e permanecendo como um problema de ordem global. A OMS define aborto inseguro como um procedimento para o término da gestação, realizado por pessoas sem a habilidade necessária ou em um ambiente sem padronização para a realização de procedimentos médicos, ou a conjunção dos dois fatores. Apesar dos avanços científicos capazes de proporcionar um abortamento seguro para a mulher, abortos inseguros continuam a ocorrer, causando aumento dos custos ao sistema de saúde, complicações e mortes maternas. A análise do SIM mostrou que, entre 2006 e 2015, foram registrados no Brasil 770 óbitos com causa básica aborto. Entre 2006 e 2015, os óbitos por aborto foram mais frequentes na faixa etária de 20-29 anos no Brasil. Apenas no ano de 2007 a faixa de 30-39 anos registrou um número maior de óbitos. Todas as regiões também apresentaram o maior volume de óbitos na faixa de 20-29 anos no conjunto dos anos analisados. ETIOLOGIA ↠ O aborto espontâneo único decorre, muitas vezes, de alterações cromossômicas. Entretanto, em várias ocasiões, não é possível esclarecer a causa da perda (BRASIL, 2022). FATORES FETAIS ↠ Os fatores fetais são representados, principalmente, pelas aneuploidias, e 75% das perdas por anormalidades cromossômicas ocorrem em até 8 semanas. A taxa de 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck aborto e de aneuploidias diminui com o avançar da idade gestacional (BRASIL, 2022). A monossomia do X (45, X) é a anormalidade cromossômica específica isolada mais frequente. Ela é chamada síndrome de Turner, a qual em geral resulta em abortamento, embora existam casos descritos de fetos vivos do sexo feminino. Por outro lado, a monossomia autossômica é rara e incompatível com a vida (CUNNINGHAM, 2021). FATORES MATERNOS Os mais comuns fatores de risco identificados em mulheres com abortamento precoce são a idade materna avançada e a história de perda anterior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Os abortos de gestações euploides são mais tardios que as aneuploides. Ou seja, a taxa de abortamento euploides atinge um pico em torno de 13 semanas. Além disso, a incidência de abortamento euploides aumenta acentuadamente depois da idade materna de 35 anos (CUNNINGHAM, 2021). ↠ Qualquer doença materna grave, traumatismo ou intoxicação, além de inúmeras infecções, podem levar ao abortamento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Infecções ↠ Alguns vírus, bactérias e parasitas comuns que invadem o ser humano normal podem infectar a unidade fetoplacentária por transmissão pelo sangue. Outros podem causar infecções localizadas depois de colonização ou infecção geniturinária. Entretanto, apesar das diversas infecções adquiridas na gravidez, esta não é uma causa comum de abortamento precoce (CUNNINGHAM, 2021). Doenças clínicas ↠ Há riscos importantes associados com diabetes melito mal controlado, obesidade, doença da tireoide e lúpus eritematoso sistêmico. Nestes e em outros casos, os mediadores inflamatórios podem ser um problema subjacente (CUNNINGHAM, 2021). Câncer ↠ Doses terapêuticas de radiação sem dúvida causam abortos. As doses exatas que causam aborto não são conhecidas. Da mesma forma, os efeitos da exposição à quimioterapia na etiologia do abortamento não estão bem definidos. São particularmente preocupantes os casos de gestações em andamento após exposição inicial ao metotrexato (CUNNINGHAM, 2021). Fatores sociais e comportamentais ↠ As escolhas de estilo de vida supostamente associadas ao aumento dos riscos de abortamento espontâneo costumam estar mais relacionadas ao uso crônico e principalmente ao uso em grande quantidade de substâncias legalizadas. A droga mais utilizada é o álcool, que produz efeitos teratogênicos graves. Ainda assim, observa-se risco aumentado de abortamento espontâneo apenas com o uso regular ou em grandes quantidades (CUNNINGHAM, 2021). ↠ O consumo excessivo de cafeína – ainda não bem definido – foi associado a aumento do risco de abortamento. Alguns relatos associaram a ingestão de cerca de cinco xícaras de café por dia – cerca de 500 mg de cafeína – a um ligeiro aumento no risco de abortamento (CUNNINGHAM, 2021). Fatores ocupacionais e ambientais ↠ Foi sugerido que algumas toxinas ambientais tenham uma possível associação com abortos espontâneos, incluindo bisfenol A, ftalatos, bifenilas policloradas e diclorodifeniltricloroetano (DDT). Alguns poucos estudos implicam as exposições ocupacionais (CUNNINGHAM, 2021). Fatores paternos ↠ O aumento da idade paterna está significativamente associado a maior risco de aborto. No Jerusalem Perinatal Study, esse risco foi menor antes dos 25 anos de idade, mas depois aumentava progressivamente a intervalos de 5 anos. A etiologia dessa associação não foi bem estudada, mas pode estar relacionada com anormalidades cromossômicas nos espermatozoides (CUNNINGHAM, 2021).CLASSIFICAÇÃO Precoce ou tardio ↠ O abortamento é considerado precoce se ocorre até a 12ª semana e tardio se ocorre entre a 13ª e 20ª semana (SANARFLLIX). ESPONTÂNEO OU PROVOCADO ↠ O espontâneo ocorre sem nenhum tipo de intervenção externa, podendo ser causado por doenças da mãe ou anormalidades do feto (SANARFLLIX). ↠ O provocado decorre de uma interrupção externa e intencional que acarreta na interrupção da gestação. Esta representa custos altos para o Sistema Único de Saúde em consequência das suas complicações, principalmente, quando há evolução para aborto infectado (SANARFLLIX). ESPORÁDICO OU HABITUAL ↠ A separação em aborto esporádico e habitual nos auxilia na melhor compreensão das etiologias do abortamento (SANARFLLIX). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os abortamentos esporádicos têm como principal causa as anormalidades cromossômicas que chegam a abranger 50-80% dos abortamentos esporádicos, sendo as aneuploidias aquelas que representam maior frequência seguidas das triploidias e tetraploidias. Dentre as aneuploidias, a trissomia autossômica possui 52% de frequência e 19% de síndrome de Turner (SANARFLLIX). ↠ Chama-se abortamento habitual aquele que ocorre 3 vezes ou mais na mesma gestante, neste caso, as principais causas são: incompetência istmo cervical e síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF) (SANARFLLIX). Seguro ou inseguro ↠ A OMS costuma designar como seguros aqueles realizados por um médico bem treinado, com materiais e ambiente adequados representando risco menor para a saúde da mulher. E, inseguro é aquele aborto realizado sem os recursos médicos mínimos e/ou sem pessoa capacitada para realizá-lo (SANARFLLIX). APRESENTAÇÃO CLÍNICA DO ABORTO Toda gestante com sangramento vaginal no 1º trimestre deve ser submetida a exame abdominal, exame especular e toque vaginal. Com isso, e associada à coleta de uma boa anamnese, é possível diagnosticar e classificar a mesma dentro de uma das apresentações clínicas a seguir (SANARFLIX). ↠ O aborto espontâneo é tradicionalmente classificado como ameaça de aborto ou aborto evitável, inevitável, incompleto, completo e retido, com base na história e nos achados clínicos, laboratoriais e de imagem. Além disso, há o aborto terapêutico e o aborto infectado ou séptico (BRASIL, 2022). AMEAÇA DE ABORTAMENTO ↠ A ameaça de aborto, ou aborto evitável, diz respeito à situação na qual a paciente apresenta sangramento vaginal, mas o orifício interno do colo uterino permanece impérvio e a vitalidade embrionária está preservada (BRASIL, 2022). ↠ Consiste, fundamentalmente, em hemorragia, que traduz anomalia decidual e/ou descolamento do ovo, e dor, sinal de contração uterina (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Um quarto das mulheres desenvolve sangramento na gestação inicial, que pode ser acompanhado por desconforto suprapúbico, cólicas moderadas, pressão pélvica ou dor lombar persistente (BRASIL, 2022). Na avaliação inicial, deve-se atentar para a necessidade de diagnóstico diferencial com gravidez ectópica, seja única ou concomitante à presença da gravidez intrauterina, quando é chamada de heterotópica (BRASIL, 2022). Ao exame especular pode-se notar sangramento ativo e na USG transvaginal é possível notar hematoma retroplacentário. A conduta é expectante mesmo na presença de hematoma e, prescrição de sintomáticos se necessário. É importante orientar a paciente a evitar relações sexuais em caso de perda sanguínea e retornar ao serviço de saúde em caso de aumento do sangramento (SANARFLLIX). ABORTAMENTO INEVITÁVEL ↠ É considerado aborto inevitável aquele em que a mulher, além de sangramento vaginal abundante e cólicas uterinas, apresenta colo pérvio e não há possibilidade de salvar a gravidez (BRASIL, 2022). Nas amenorreias de curta duração em que o ovo é pequeno, o processo pode ser confundido com menstruação, diferenciando-se dela pela maior quantidade de sangue pela presença de embrião e decídua ao exame do material eliminado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Como o feto ainda não foi expulso da cavidade uterina, a conduta é com Misoprostol + curetagem. Além disso, é importante internar a paciente para estabilização e cuidados com a mesma (SANARFLIX). ↠ A conduta depende da idade da gravidez. (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck Abortamento precoce (até 12 semanas) ↠ Seguimos as recomendações do ACOG (2015), que divide as opções do tratamento em: expectante, médico ou cirúrgico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Tratamento expectante: está reservado ao 1º trimestre da gestação. Com o tempo adequado (até 8 semanas) o tratamento expectante é exitoso em conseguir a expulsão completa em aproximadamente 80% das mulheres. As pacientes habitualmente se queixam de sangramento moderado/grave e cólicas. Critério comumente utilizado para atestar a expulsão completa é a ausência de SG e a espessura do endométrio < 30 mm. • Tratamento médico: Para pacientes que querem encurtar o tempo da expulsão, mas preferem evitar o esvaziamento cirúrgico, o tratamento com o misoprostol, um análogo da prostaglandina E1, está indicado. O tratamento inicial utiliza 800 μg de misoprostol vaginal, podendo ser repetida a dose, se necessário. A paciente deve ser aconselhada de que o sangramento é mais intenso que o menstrual, potencialmente acompanhado de cólicas, e que a cirurgia poderá estar indicada se a expulsão não for completa. • Tratamento cirúrgico: Mulheres que se apresentam com hemorragia, instabilidade hemodinâmica ou infecção devem ser tratadas urgentemente pelo esvaziamento uterino. O esvaziamento cirúrgico também tem preferência em outras situações, incluindo a presença de complicações médicas, tais como anemia grave, desordens da coagulação e doença cardiovascular. Abortamento tardio (após 12 semanas) ↠ O ovo está muito desenvolvido, e a cavidade uterina, volumosa. Por serem suas paredes finas e moles, o esvaziamento instrumental torna-se perigoso. A expulsão é acelerada pela administração de ocitocina em grandes doses: perfusão venosa de solução de 10 unidades em 500 mℓ de lactato de Ringer ou misoprostol, por via vaginal, 400 μg a cada 4 h. Eliminado o ovo, e se a expulsão não foi completa, o remanescente é extraído com pinça adequada (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ABORTAMENTO COMPLETO ↠ O aborto completo ocorre quando há eliminação completa do produto conceptual. A cavidade uterina se apresenta vazia após gestação anteriormente documentada. A ultrassonografia é o exame que demonstra ausência da gestação (BRASIL, 2022). ↠ A paciente relata história de sangramento importante, cólicas e eliminação de tecidos. O orifício interno do colo uterino tende a se fechar depois da expulsão completa do material intra-uterino (BRASIL, 2022). ABORTAMENTO INCOMPLETO ↠ O aborto incompleto é definido pela presença intrauterina dos produtos da concepção, após a expulsão parcial do tecido gestacional (BRASIL, 2022). ↠ O diagnóstico ultrassonográfico é difícil e não existe consenso quanto aos melhores critérios. Vários estudos utilizaram parâmetros de espessura endometrial entre 5 mm e 25 mm com aspecto hiperecogênico do material (BRASIL, 2022). ↠ A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em seu Protocolo sobre Aborto de 2018, recomenda que a conduta em caso de < 12 semanas seja a realização de Misoprostol ou AMIU, se > 12 semanas orienta a realização da curetagem. Vale 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ressaltar, que a paciente deve ser internada para estabilização e realização dos procedimentos citados (SANARFLIX) O melhor tratamento para o abortamento incompleto é o esvaziamento cirúrgico, e nesse particular, a aspiração a vácuo. O tratamento expectante não é o mais indicado(MONTENEGRO; FILHO, 2017). ABORTAMENTO RETIDO ↠ O aborto retido é aquele no qual há ausência de batimentos cardíacos fetais ou do embrião (gravidez anembrionada), mas não ocorre a expulsão espontânea do conteúdo intrauterino (BRASIL, 2022). ↠ Os produtos da concepção podem permanecer retidos por dias ou semanas, com o orifício interno do colo uterino impérvio. Classicamente é definido como a não eliminação do produto conceptual por um período de 30 dias (BRASIL, 2022). ↠ Inicialmente, a conduta é expectante se o mesmo ocorre de forma precoce dentro do 1º trimestre, pois até 3 semanas após o abortamento o ovo costuma ser expulso. No entanto, é possível nesses casos proceder com esvaziamento uterino por meio da aspiração manual intrauterina (AMIU) ou farmacologicamente com uso do Misoprostol. Sendo a retenção maior do que 4 semanas é necessário realizar o coagulograma antes de iniciar qualquer terapêutica. No abortamento retido tardio (no 2º trimestre ou > 12 semanas), a melhor conduta é expulsão imediata do feto com uso de Misoprostol e, em seguida, complementação com curetagem uterina (SANARFLIX) ABORTAMENTO HABITUAL ↠ O abortamento habitual ou recorrente é definido como a perda de duas ou mais gestações. Esse conceito é considerado inovador, haja vista que a maioria dos autores continua definindo abortamento habitual como a perda de três ou mais gestações consecutivas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). O conceito clássico de aborto espontâneo de repetição (AER) é de três ou mais perdas gestacionais espontâneas e consecutivas. No entanto, atualmente recomenda-se a pesquisa da causa das perdas em casais com dois ou mais abortamentos, desde que tenham sido gestações clínicas e intrauterinas (ou seja, quando há sinais clínicos ou ultrassonográficos de gestação, e não apenas detecção do beta-hCG), principalmente quando a mulher tem 35 anos ou mais ou tem história de infertilidade prévia (BRASIL, 2022). ABORTAMENTO SÉPTICO OU INFECTADO ↠ Esse abortamento resulta da tentativa de esvaziar o útero com uso de instrumentos inadequados e técnicas inseguras, o que leva a infecções polimicrobianas compreendendo microrganismos da flora genital e intestinal. Com isso, a anamnese tem uma importância ainda maior por ser capaz de identificar o episódio causador (SANARFLIX). ↠ O sangramento costuma ter odor fétido e os demais sintomas variam de acordo com o grau e local de acometimento: (SANARFLIX). • Endométrio e miométrio: cólicas intermitentes, febre 38ºC, dor à mobilização do colo e à palpação abdominal. • Peritônio pélvico: febre 39ºC, dor mais intensa, comprometimento do estado geral, colo aberto com saída de conteúdo purulento, sinais de peritonite que difi cultam inclusive a tentativa de mobilização do colo uterino. ↠ O leucograma apresenta perfil de infecção e, na USG em alguns casos nota-se abscesso em fundo de saco. O tratamento consiste no uso de antibióticos (ATB) e na remoção do foco infeccioso. O esquema de ATB que deve ser usado é: (SANARFLIX). ↠ Em seguida, realiza-se curetagem para remoção do foco infeccioso. Porém, se as medidas acima não forem suficientes ou se houver suspeita de perfuração uterina/ abscesso pélvico/lesão de alça, deve-se proceder para laparotomia seguida de retirada do foco, inclusive histerectomia se for o caso (SANARFLIX). ↠ Recomenda-se profilaxia com antitetânica naqueles casos em que para indução do aborto foram utilizados instrumentos metálicos ou possivelmente suspeitos de levar à infecção com tétano (SANARFLIX). 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck QUADRO CLÍNICO ↠ No aborto não complicado, a paciente encontra-se hemodinamicamente estável e sem evidências de infecção. Ocorre redução ou desaparecimento dos sintomas gestacionais, como mastalgia, náuseas e vômitos. O volume do sangramento varia bastante, e as pacientes podem referir eliminação de coágulos ou membranas, mas a perda gestacional não pode ser confirmada sem outras avaliações, principalmente a ultrassonografia transvaginal. As cólicas abdominais podem variar de leves a severas, especialmente durante a passagem do tecido gestacional (BRASIL, 2022). ↠ No aborto complicado por hemorragia, a paciente apresenta sangramento vaginal maciço com alteração de sinais vitais, anemia e taquicardia, levando à necessidade de transfusão sanguínea e esvaziamento uterino cirúrgico (BRASIL, 2022). ↠ No aborto complicado por infecção, a paciente pode apresentar dor abdominal ou pélvica, sensibilidade uterina, secreção purulenta, febre, taquicardia e hipotensão, requerendo avaliação e tratamento de emergência (BRASIL, 2022). DIAGNÓSTICO ↠ No diagnóstico de aborto, o exame físico e os exames laboratoriais são especialmente importantes para diferenciar os casos que necessitam de atendimento de urgência. O exame especular permite a avaliação do sangramento, de sua origem e quantidade, e de sinais de infecção. O toque vaginal bimanual permite a determinação da dilatação cervical e pode auxiliar na estimativa da idade gestacional (BRASIL, 2022). ↠ Os exames laboratoriais devem incluir o tipo sanguíneo ABO e Rh, para que seja possível prevenir a aloimunização fetal e no caso de necessidade de transfusões sanguíneas. A dosagem da fração beta da gonadotrofina coriônica (beta-hCG) está sujeita a variações na gravidez, e um exame pode não ser suficiente para fazer o diagnóstico de perda gestacional. Entretanto, a queda superior a 25% é altamente sugestiva de abortamento. Em dosagem única de beta- hCG, sabe-se que, com valores de 3510 mUI/mL, o saco gestacional intrauterino deve ser visualizado (BRASIL, 2022). ↠ Os batimentos cardíacos fetais são detectados por volta de seis semanas, quando o embrião mede entre 1 mm e 5 mm, e o diâmetro médio do saco gestacional varia de 13 mm a 18 mm. A ultrassonografia transvaginal é o exame-padrão para mulheres com complicações na gestação inicial. Quando a gravidez foi anteriormente identificada, o diagnóstico de aborto é feito pela não visualização da gravidez em exame posterior ou pela ausência de atividade cardíaca fetal (BRASIL, 2022). TRATAMENTO ↠ A ênfase em cirurgia de urgência migrou para tratamento individualizado e escolha da paciente entre conduta expectante, medicamentosa ou cirúrgica. Assim, devem ser considerados os valores e as preferências da mulher para que sejam discutidas as várias opções de tratamento (BRASIL, 2022). EXPECTANTE ↠ Consiste em aguardar a eliminação espontânea do produto conceptual. As mulheres são geralmente orientadas a esperar duas semanas para que o aborto se complete, mas a conduta pode ser mantida por mais tempo se não houver sinais de infecção (BRASIL, 2022). ↠ É necessária a observação da paciente a cada uma ou duas semanas, até o completo esvaziamento uterino, que pode ser confirmado por sinais clínicos e ultrassonografia transvaginal (BRASIL, 2022). ↠ As principais complicações da conduta expectante são esvaziamento uterino incompleto, a hemorragia e infecção (BRASIL, 2022). MEDICAMENTOSA ↠ A droga mais comumente utilizada é o misoprostol; o seu uso a cada seis horas mostra elevada taxa de sucesso. No Brasil, o misprostol é uma medicação de uso exclusivo hospitalar (BRASIL, 2022). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck CIRÚRGICA ↠ O esvaziamento uterino cirúrgico é a escolha para mulheres com sangramento excessivo, instabilidade hemodinâmica, sinais de infecção, comorbidades cardiovasculares ou hematológicas. No caso de mulheres clinicamente estáveis, a cirurgia pode ser oferecida para aquelas que preferem resolver o quadro rapidamente ou cujo tratamento conservador não foi bem-sucedido. A conduta cirúrgica inclui a aspiração manual ou elétrica, com ou sem dilatação cervical, e a curetagem uterina (BRASIL, 2022). ↠ A AMIUé realizada por um vácuo manual produzido por uma seringa, mas é possível realizar a aspiração a vácuo elétrica por meio de uma bomba, técnica esta abreviada como AVE (SANARFLIX). Quando o colo encontra-se fechado, recomenda-se o uso de Misoprostol 400 mcg, via vaginal, 3 horas antes do procedimento como forma de facilitar a realização do mesmo (SANARFLIX). ↠ A curetagem consiste inicialmente na dilatação da cérvix e uso de uma cureta metálica para raspar as paredes do útero. A cureta, por seu material de aço e diâmetro variável, pode ocasionar acidentes como perfuração uterina. A indicação é para abortamentos incompletos do 2º trimestre, com abortamentos retidos > 12 semanas e inevitáveis após uso do Misoprostol (SANARFLIX). LEGISLAÇÃO DO ABORTO ↠ Vale ressaltar que, no Brasil, o aborto é considerado crime salvo em 3 situações específicas: (SANARFLIX). • quando a gravidez representa risco de vida para a gestante; • quando a gravidez é resultado de um estupro; • quando o feto for anencéfalo. ↠ Logo, diante de uma situação de aborto, é importante que os profissionais de saúde tenham uma prática destituída de julgamentos arbitrários e rotulações (SANARFLIX). A Lei no 12.845/2013 refere que o atendimento da pessoa em situação de violência nos serviços de saúde dispensa a apresentação de Boletim de Ocorrência (BO). E, a realização de abortamento não se condiciona à decisão judicial que sentencie se ocorreu estupro ou violência sexual (SANARFLIX). De modo que, a Lei Penal brasileira não exige a apresentação de nenhum documento (alvará/autorização judicial, BO etc.) para a realização de abortamento em caso de gravidez decorrente de violência sexual. Logo, não há sustentação legal para que os serviços de saúde neguem o procedimento caso a mulher não possa apresentar documentos comprobatórios (SANARFLIX). Referências CUNNINGHAM, F G. Obstetrícia de Williams. Grupo A, 2021. MONTENEGRO, Carlos Antonio B.; FILHO, Jorge de R. Rezende Obstetrícia Fundamental, 14ª edição. Grupo GEN, 2017. BRASIL. Manual de gestação de alto risco [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022. CARDOSO et al. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cadernos de Saúde Pública, 2020.
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