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FARMACOLOGIA APLICADA A NUTRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS Letícia Hoerbe Andrighetti Lucimar Filot da Silva Brum Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 A573f Andrighetti, Letícia Hoerbe. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais / Letícia Hoerbe Andrighetti, Lucimar Filot da Silva Brum. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 347 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-058-0 1. Farmacologia. 2. Nutrição. 3. Exames laboratoriais – Interpretação. I. Brum, Lucimar Filot da Silva. II. Título. CDU 615:613.2 Interações fármacos-nutrição enteral Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever os principais fatores que podem desencadear a interação entre fármacos e nutrição enteral. � Explicar os tipos de incompatibilidades na administração de medica mentos por sondas enterais. � Identificar e correlacionar o papel do nutricionista, enfermeiro, farma cêutico e médico na Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional. Introdução As interações entre fármacos e nutrientes podem ocorrer em pacientes que estão recebendo nutrição enteral. Em geral, as principais consequên cias desse tipo de interação estão relacionadas a alterações na biodis ponibilidade e na absorção dos fármacos, resultante da administração concomitante do medicamento com a nutrição enteral. Muitas dessas interações são clinicamente insignificantes ou raras, porém, outras são previsíveis e podem ter impacto considerável no estado clínico do indivíduo. Neste capítulo, você vai estudar as incompatibilidades e interações entre fármacos e nutrição enteral. U N I D A D E 3 Nutrição enteral e a relação com a administração de fármacos A administração de fármacos por sondas digestivas (enterais) constitui uma via oral alternativa para a administração de medicamentos em pacientes cuja situação clínica impede a utilização usual dessa via, como transtornos de deglutição de ordem neurológica e mecânica. A administração de nutrição enteral através de um tubo de alimentação é o método preferido para o suporte nutricional em pacientes que têm o trato gastrintestinal funcional, mas que estão em situações clínicas que os tornam incapazes de se alimentar por via oral. O tubo de alimentação é muito utilizado para manter uma oferta adequada de nutrientes ao paciente, mantendo adequados o equilíbrio hidroeletrolítico e o estado nutricional. Sempre que possível, a nutrição enteral deve ser a primeira escolha para a implementação do suporte nutricional, pois oferece muitas vantagens sobre a nutrição parenteral, pois é mais fisiológica, apresenta menor probabili- dade de contaminação e tem menor custo econômico. No entanto, o uso de sondas digestivas não é isento de problemas, pode causar complicações gas- trintestinais, mecânicas e infecciosas, interações metabólicas e interações medicamento-nutrientes. Quando ocorre a administração de medicamentos via sonda juntamente com a nutrição enteral, os fármacos podem interagir com os nutrientes, tendo sua absorção reduzida. Muitas interações não têm impacto clínico e são raras, mas outras são previsíveis e podem prejudicar o estado clínico do paciente. Ao ser administrado por via enteral, o ideal é que o medicamento seja veiculado em forma farmacêutica líquida, como solução oral, xarope ou sus- pensão. Porém, não havendo formas farmacêuticas líquidas, a possibilidade de preparações magistrais líquidas ou o emprego de outra via de administração (como a parenteral ou a retal), pode ser utilizada a derivação de formas far- macêuticas sólidas, através da trituração. Usa-se a trituração somente como última opção, não sendo recomendada em caso de medicamentos com reves- Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais224 timento entérico (gastrorresistentes), de liberação controlada, comprimidos sublinguais ou citostáticos. Não há uma regra geral para prever a interação fármaco-nutriente em situações de administração simultânea de medicamentos e nutrição enteral. Porém, os seguintes determinantes-chave devem ser considerados: � dados do paciente (idade, patologia, estado nutricional); � características da nutrição enteral (tipo e localização da sonda, cons- tituição da formulação enteral); � características dos fármacos (solubilidade, forma farmacêutica). Nutrição enteral De acordo com o Regulamento Técnico para a Terapia de Nutrição Enteral do Ministério da Saúde (BRASIL, 2000), a nutrição enteral é um: [...] alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida ou estimada, especialmente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral, industrializado ou não, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessidades nutricionais, em regime hospitalar, ambula torial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas. (BRASIL, 2000). As sondas (tubo de polivinil) para alimentação enteral podem ser utilizadas pelas seguintes vias: � nasogástrica (introdução desde as narinas até o estômago); � nasoentérica (desde as narinas até o duodeno); � introdução das sondas por ostomias (sondas especiais instaladas dire- tamente no estômago [gastrostomia] ou no intestino [jejunostomia]). Portanto, em função da região do trato gastrintestinal em que será admi- nistrado determinado medicamento, o conhecimento da localização da sonda é importante, pois podem ser antecipadas possíveis alterações na absorção e na ação farmacológica do medicamento a ser utilizado. A Figura 1 apresenta os diferentes locais de inserção de sonda para a nutrição enteral. 225Interações fármacosnutrição enteral Figura 1. Diferentes locais de inserção de sonda para a nutrição enteral. Fonte: Adaptada de Abbott Care (2013). Incompatibilidades na administração de medicamentos por sondas enterais As incompatibilidades medicamentosas são consideradas erros de medicação. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, 2009), es- tão relacionadas às interações físico-químicas que ocorrem fora do organismo, durante preparo e administração dos medicamentos de uso parenteral, entre medicamento-medicamento, medicamento-solução, medicamento-veículo, me- dicamento material de embalagem, medicamento-recipiente ou medicamento- -impureza . O produto resultante dessas interações inviabiliza a terapêutica clínica, pois resulta em formação de um novo composto, ativo, inócuo ou tóxico, diminuição ou inativação dos fármacos, aumento da toxicidade dos Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais226 fármacos e/ou alterações organolépticas (mudança de coloração, precipitação, floculação, formação de cristais, turvação, opalescência) relacionadas ou não à mudança de atividade farmacológica. Há diversas incompatibilidades relacionadas à administração concomitante de fármacos e nutrição enteral. Sua classificação se dá em incompatibilidade físico-química, incompatibilidade farmacêutica e incompatibilidade fisiológica. � Incompatibilidade físico-química – incompatibilidade referente às interações físico-químicas entre medicamento e outro medicamento, solução, nutrientes, recipiente ou outras substâncias. O produto resul- tante pode afetar a segurança e eficácia da terapêutica clínica. Incompatibilidades entre medicamentos e nutrição enteral figuram em relatos de que a administração de fármacos em soluções líquidas, com valores extremos de pH (abaixo de 4 ou acima de 10), simultaneamente com a nutrição enteral, pode resultar em risco de precipitação e consequente obstrução da sonda. O risco é mais elevado para as fórmulas enterais com proteínas íntegras do que com as formulações com proteína hidrolisada ou aminoácidos. Devido à dificuldade de se terinformações sobre o pH de formas farmacêuticas líquidas, que é a de escolha para administração por sondas digestivas, recomendase que haja um intervalo entre a administração do fármaco e a nutrição enteral, com a administração da solução líquida farmacêutica pelo menos uma hora antes ou duas horas após a administração da nutrição enteral. � Incompatibilidade farmacêutica – incompatibilidade produzida pela alteração da integridade de formas farmacêuticas, que resulta na perda da estabilidade química e modifica a eficácia do fármaco, ou pode resultar em danos à mucosa do trato gastrintestinal. As formas farmacêuticas sujeitas a tal tipo de incompatibilidade incluem os compri- midos com revestimento entérico, de liberação prolongada, sublinguais, na forma de microgrânulos gastrorresistentes (pellets) ou sob a forma de drágeas. Essas formas farmacêuticas não devem ser trituradas! Um dos mecanismos para evitar a ocorrência de incompatibilidades 227Interações fármacosnutrição enteral farmacêuticas pode ser a escolha, quando possível, da forma farmacêu- tica líquida, em solução ou suspensão, ou a escolha de outra via para administrar o medicamento (parenteral ou retal). Usar os comprimidos de liberação imediata. � Incompatibilidade fisiológica – incompatibilidade que resulta em uma resposta não terapêutica do princípio ativo ou dos excipientes da formulação, alterando a tolerância a um suporte nutricional. Pode cau- sar alterações gastrintestinais (diarreia, cólica, distensão abdominal e vômito), com consequente desequilíbrio eletrolítico. Por exemplo, a administração de medicamentos hipertônicos costuma ser associada à intolerância à alimentação enteral. Interação entre fármaco e nutrição enteral A interação fármaco-nutriente é definida como uma alteração da farma- cocinética (absorção, distribuição, metabolismo e excreção) ou alteração farmacodinâmica, interferindo na ação farmacológica de um medicamento ou ocasionando a alteração da absorção e disponibilidade do nutriente. Pode ocorrer comprometimento do estado nutricional do indivíduo devido à admi- nistração de algum medicamento (p. ex., quimioterápicos antineoplásicos). A via de administração, a dose e o intervalo entre a administração do medicamento em relação à ingestão do alimento, assim como suas características físicoquímicas e a forma farmacêutica, são fatores importantes na predisposição ao surgimento de interação entre fármaco e nutriente. Interações entre fármacos e nutrientes também podem ocorrer em pacientes que estão sob regime de nutrição enteral. Alguns autores relatam que as principais consequências da interação entre fármacos e nutrição enteral estão relacionadas a alterações na biodisponibilidade e na absorção de medicamentos – situações provocadas pela administração concomitante com a nutrição enteral. Quando ocorre a administração de medicamentos via sonda juntamente com a nutrição enteral, os fármacos podem interagir com nutrientes, tendo Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais228 sua absorção reduzida. O Quadro 1 apresenta as possíveis etapas nas quais podem ocorrer interações envolvendo fármacos e nutrientes. Quadro 1. Etapas suscetíveis a interações entre fármacos e nutrientes em situações de administração concomitante de medicamentos e nutrientes. Etapa Mecanismo de interação Exemplos Absorção Podem ocorrer interações com medicamentos e nutrientes que são apenas administração por via oral ou por sistemas de distribuição de alimentação enteral. A biodisponibilidade oral do fármaco ativo pode aumentar ou diminuir como um resultado dessas interações Tetraciclina, alendronato, fenitoina e levodopa têm reduzida aborção com alimentos; suco de uva reduz a absorção de carbamazepina Pósabsortivo Ocorre após a molécula de fármaco ou o constituinte nutricional atingir a circulação sistêmica. Pode resultar em alteração da distribuição para diferentes tecidos, no metabolismo sistêmico, ou na penetração em um local específico Alimentos ricos em vitamina K (ou sua suplementação) alteram a farmacodinâmica do varfina Eliminação Numerosas vias podem estar envolvidas, como o antagonismo, modulação ou diminuição do transporte renal ou enterohepático Dietas hiperproteicas aumentam eliminação do propranolol, dietas mais alcalinas aumentam a excreção de barbitúricos, diuréticos, sulfonamidas, ácido acetilsalicílico, aminoglicosídeos e penicilinas, e diminuem a de anfetaminas 229Interações fármacosnutrição enteral Com frequência, em especial no âmbito hospitalar, podemos encontrar pacientes que recebem nutrição enteral por dispositivos como as sondas. Recebem, também, medicamentos por esta via, o que pode trazer complica- ções, como a obstrução da sonda e a interação entre o fármaco e os nutrientes da nutrição enteral. Tais condições podem resultar em mudanças no efeito terapêutico esperado do medicamento. A absorção dos nutrientes e de alguns fármacos ocorre por mecanismos semelhantes e, frequentemente, competi- tivos, apresentando como principal sítio de interação o trato gastrintestinal. Como exemplo, pode-se citar a interação entre o anticonvulsivante fenitoína e a nutrição enteral: ocorre quelação entre o fármaco e cátions divalentes da fórmula enteral, inativação e incompatibilidade, tendo como consequência a biodisponibilidade reduzida da fenitoína. Alguns pacientes já apresentaram convulsões após o início da implementação da nutrição enteral. A administração enteral de medicamentos também pode provocar alterações funcionais no trato digestivo. A ação farmacodinâmica mais comum ocorre com os medicamentos que atuam na motilidade do trato gastrintestinal, como procinéticos. Vários medicamentos apresentam potenciais efeitos colaterais no trato gastrintestinal (náuseas, vômito, diarreia, dor abdominal ou a combi- nação destes), os quais podem repercutir na qualidade da terapia nutricional. Os principais fatores descritos e associados a essa incompatibilidade são a osmolaridade e os veículos dos medicamentos. Também são importantes as possibilidades de interação entre medicamentos e nutrientes decorrentes da ação de medicamentos que modificam, estrutural ou funcionalmente, o sistema digestório, comprometendo todo o processo digestivo, como o que se observa com os efeitos constipantes de analgésicos opioides (morfina) e diarreia determinada por elixires de elevada osmolaridade. Você vai conhecer, a seguir, as interações específicas entre medicamen- tos e nutrição enteral com as respectivas relevâncias clínicas. As interações mais conhecidas e mais bem descritas são as que interferem na absorção e na distribuição de fármacos. Interação entre medicamentos usados no tratamento do Parkinson e dieta enteral A levodopa é o agente mais eficaz no tratamento da doença de Parkinson. Quando administrada por via oral, sofre rápida absorção pelo intestino delgado por conta de um sistema de transporte ativo de aminoácidos aromáticos. Sua administração concomitante com as refeições retarda a absorção e reduz suas concentrações plasmáticas máximas. Há estudos relatando que refeições Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais230 ricas em proteínas podem interferir na absorção de levodopa/carbidopa, con- duzindo à perda de eficácia terapêutica. Postula-se que os aminoácidos da dieta podem competir com a levodopa para sua absorção no intestino. Nesse cenário, há uma grande possibilidade de que uma dieta enteral hiperproteica pode interferir com a levodopa, principal medicamento usado no tratamento do Parkinson. Portanto, em pacientes portadores dessa doença e submetidos à nutrição enteral, é necessário estabelecer protocolos que visem a diminuir a incidência de tal interação. A seguir, confira algumas estratégias para diminuir o potencial de interação entre a nutrição entérica e a levodopa: a) separar as fontes de proteínas da administração de medicamentos;b) limitar a quantidade total de ingestão diária de proteína (o que poderia trazer uma desvantagem em termos da qualificação da oferta proteica ao paciente); c) aumentar a dose de levodopa, mas tal ação predispõe o paciente a maior intensidade de efeitos adversos da substância. Recomenda-se que os medicamentos sejam administrados de 30 minutos a duas horas antes da nutrição entérica ou duas horas após a administração dos suplementos. Interação entre warfarina e dieta enteral Os anticoagulantes orais são utilizados para prevenir a progressão ou recidiva de trombose venosa profunda aguda e da embolia pulmonar, após um curso inicial de heparina. Além disso, são eficazes na prevenção da tromboembolia venosa em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica ou ginecológica, bem como na prevenção da embolização sistêmica em pacientes com infarto agudo do miocárdio e próteses de valvas cardíacas. Em geral, a warfarina é administrada por via oral, mas também pode ser por via intravenosa, sem modificações da dose. Não se recomenda a injeção intramuscular por conta do risco de formação de hematoma. A biodisponi- bilidade da warfarina é quase completa quando administrada por via oral. Entretanto, a presença de alimento no trato gastrintestinal pode diminuir a taxa de absorção, fato que pode explicar a diminuição da biodisponibilidade nos estudos encontrados. Essa situação constitui uma importante evidência para a necessidade de interrupção de dietas nos pacientes que utilizam a warfarina 231Interações fármacosnutrição enteral por sondas, para evitar que a interação desencadeie uma diminuição do efeito terapêutico esperado. Estudos sobre anticoagulantes e nutrição enteral demonstraram forte evi- dência de interação entre ambos, com diminuição da biodisponibilidade da warfarina. A ineficácia terapêutica do anticoagulante warfarina, associada à dieta enteral contínua, é atribuída à vitamina K (fitomenadiona) contida dentro das formulações. Ou seja, o efeito anticoagulante da warfarina é anta- gonizado pela vitamina K, presente na dieta enteral mesmo em formulações com quantidades mínimas desse elemento. Além disso, a biodisponibilidade do anticoagulante é comprometida por apresentar alta afinidade às proteínas. Assim, a fração proteica das dietas enterais pode ligar-se a warfarina e diminuir sua absorção. Na tentativa de reduzir as interações, recomendase interromper a nutrição enteral uma hora antes e reiniciála uma hora após a administração da warfarina ou substituíla por outro anticoagulante, como a heparina. Pacientes que recebem nutrição enteral e warfarina devem ser cuidadosamente monitorados quanto ao tempo de protrombina, os níveis plasmáticos do fármaco e a relação normalizada internacional (INR). Interação entre anticonvulsivantes/antiepilépticos e dieta enteral Inúmeros estudos têm demonstrado que pacientes com epilepsia e que estão fazendo uso de anticonvulsivante apresentam convulsões após o início da dieta enteral. Vários mecanismos podem ocorrer entre a fenitoína e a nutrição enteral, tais como: a) quelação entre a fenitoína e cátions divalentes da fórmula enteral; b) bioinativação e incompatibilidade entre o fármaco e a fórmula enteral; c) alteração do pH gástrico e intestinal causado por alimentação enteral com o aumento de quantidade de forma ionizada não absorvível de fenitoína; d) alteração do trânsito gastrintestinal causado pela nutrição enteral; e) ligação da fenitoína à caseína ou outros derivados proteicos na mistura no trato gastrintestinal; Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais232 f) ligação da fenitoína à parede da sonda (adsorção), resultando em perda da biodisponibilidade. No estudo de Wohlt et al. (2009), realizado com pacientes utilizando sondas digestivas e nutrição enteral sob infusão contínua, observou-se que quando a carbamazepina era administrada, o fármaco aderia ao polivinil das sondas digestivas, resultando em absorção inadequada do medicamento. Outro exemplo de interação pode ser observado com o anticonvulsivante levetiracetam, observando-se uma ligeira redução no nível sérico do medica- mento em pacientes submetidos à terapia nutricional enteral. Interação entre ciprofloxacino e dieta enteral A biodisponibilidade de fluoroquinolonas pode ser reduzida na presença de cátions multivalentes, como cálcio, magnésio, alumínio e ferro, presentes em fórmulas de nutrição enteral. Isso é resultado da quelação do fármaco e a consequente diminuição da sua absorção. O antibiótico ciprofloxacino é bem absorvido quando administrado por via oral, mas observa-se biodisponibilidade muito menor e extremamente variável quando os comprimidos são triturados e administrados via tubo nasogástrico a pacientes recebendo nutrição enteral. É provável que o ciprofloxacino forme quelato insolúvel com os constituintes da alimentação enteral. Um estudo sobre o ciprofloxacino relata queda de 44% no seu nível sérico ao passar da via endovenosa para enteral por sonda, justificando o cuidado em interromper a nutrição enteral antes e após a administração desse medicamento, além de ser necessário irrigar a sonda. Papel da equipe multiprofissional de terapia nutricional No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a terapia nutricional é um conjunto de procedimentos terapêuticos para manutenção ou recuperação do estado nutricional do paciente por meio da nutrição parenteral ou enteral. A terapia requer a atuação de uma equipe multiprofissional (BRASIL, 1999). Equipe multiprofissional de terapia nutricional – grupo formal e obriga toriamente constituído de pelo menos um profissional das seguintes categorias: médico, nutricionista, enfermeiro e farmacêutico. Profissionais 233Interações fármacosnutrição enteral de outras categorias também podem participar, desde que sejam habili tados e com treinamento específico para a prática da terapia nutricional. É de extrema importância que cada profissional conheça a sua função junto à equipe multiprofissional, pois, assim, há a garantia da qualidade da terapia nutricional (enteral ou parenteral) e a diminuição da possibilidade de interação fármaco-nutriente. � Enfermagem – com a intenção de diminuir a possibilidade de interação fármaco-nutriente, o profissional da enfermagem deve supervisionar a irrigação da sonda antes e após a administração de fármacos, a fim de prevenir interações farmacológicas e físicas, como granulação e formação de gel, o que pode causar obstrução da sonda. � Farmácia – a participação do farmacêutico como membro da equipe de terapia nutricional é essencial para evitar problemas relacionados com os medicamentos nos pacientes em terapia enteral. O farmacêu- tico deve avaliar os componentes presentes na prescrição médica da nutrição enteral, avaliando a quantidade, qualidade, compatibilidade, as interações e a estabilidade. � Médico – os médicos devem ter ciência de que pacientes que recebem medicamentos junto com a nutrição enteral estão propensos a interações fármaco-nutrição e, portanto, devem reconhecer essa possibilidade quando os fármacos forem prescritos. Ao médico, de acordo com as atribuições da Portaria n° 337 de 14/04/1999, compete indicar, prescrever e acompanhar os pacientes submetidos à terapia nutricional enteral. Portanto, o médico é responsável pela prescrição médica da terapia, ou seja, indicação da terapia, da via de administração a ser utilizada (oral, enteral, gastrostomia, enterostomia ou parenteral), diagnóstico da patologia e comorbidades que podem interferir no estado nutricional do indivíduo (BRASIL, 1999). � Nutricionista – ao nutricionista, de acordo com as atribuições da Portaria n° 337 de 14/04/1999, compete realizar todas as operações inerentes à prescrição dietética, composição e preparação da nutrição enteral e atender às recomendações das Boas Práticas de Preparação de Nutrição Enteral. Ou seja, o nutricionista é responsável pelo diag- nósticonutricional, pela prescrição dietética e também pela supervisão direta da preparação da nutrição enteral que envolve a manipulação, o controle de qualidade, a conservação e o transporte da nutrição enteral (BRASIL, 1999). Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais234 Interações fármacosnutrição enteral As informações aqui disponíveis ainda são excipientes, e são necessários mais estudos e atualização da equipe de saúde sobre esse assunto, sendo essencial a elaboração de protocolos que contribuam para a seleção da forma farmacêutica adequada e da técnica de administração correta no uso de fárma- cos por sondas digestivas, além de avaliar incompatibilidades e interações. É recomendado, também mostrar a importância da aplicação do protocolo para toda a equipe, incluindo todos os tipos de diluição de fármaco, a necessidade de suspensão temporária da dieta enteral, os tipos de tubos e a utilização de outras vias. Visando à segurança e à eficácia dos medicamentos administrados através de sondas enterais, evidenciase a necessidade de haver integração e participação ativa de cada membro da equipe de terapia nutricional para a discussão e atualização das condutas frente às dificuldades desta modalidade de terapia medicamentosa. 235 1. Uma pesquisa realizada por Dickerson et al. (2008) envolveu seis pacientes que usavam warfarina e nutrição por sonda enteral. O protocolo experimental estabeleceu que, por três dias consecutivos, a nutrição enteral seria interrompida uma hora antes e uma hora depois para administração da warfarina. Em outro período de três dias consecutivos, não houve interrupção da nutrição enteral. Como resultado, no período em que a nutrição enteral não foi interrompida, a eficácia anticoagulante da warfarina (avaliada através de valor do Índice Internacional Normalizado [INR]) diminuiu em 73%, comparada com o período quando foi interrompida. O estudo concluiu que houve interação entre warfarina e nutrição enteral. Qual o mecanismo envolvido na interação entre a warfarina e a nutrição enteral? (DICKERSON et al., 2008) a) A dieta enteral acelera o processo de excreção renal da warfarina. b) Devido ao pH da warfarina, houve interação físico química que causou a obstrução das sondas. c) A dieta enteral acelera o processo de metabolização hepática da warfarina. d) A dieta enteral interfere na absorção e diminui a biodisponibilidade da warfarina. e) A dieta enteral aumenta a taxa de ligação da warfarina às proteínas plasmáticas. 2. João, 17 anos, está em coma devido a um grave acidente automobilístico, necessitando da nutrição enteral. Seus familiares relatam à equipe médica que João tem epilepsia e toma comprimidos revestidos de ácido valproico. Portanto, é necessária a administração de ácido valproico para o controle das crises, junto com a nutrição enteral. Sobre este caso, marque a alternativa correta. a) Recomendase triturar o comprimido de revestimento entérico de ácido valproico e introduzir na sonda. b) Recomendase não triturar o comprimido de revestimento entérico de ácido valproico e introduzir na sonda. c) Recomendase não utilizar o ácido valproico durante o período em que o paciente estiver em dieta enteral. d) Recomendase não triturar o comprimido com revestimento entérico e usar fórmula líquida de ácido valproico. e) Recomendase não implementar a dieta enteral. 3. Medicamentos disponibilizados nas formas farmacêuticas líquidas orais são a preferência quando há necessidade de administração através do tubo de alimentação. No entanto, outras formas de dosagem podem ser preferidas quando o Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais236 Interações fármacosnutrição enteral líquido está associado com um risco elevado de incompatibilidade física ou intolerância gastrintestinal. Qual forma de dosagem oferece risco de incompatibilidade física ou reações gastrintestinais? a) Xarope com pH em torno de 6,5. b) Elixires com pH de 6,5. c) Produtos com baixo teor de sorbitol. d) Suspensão em formulação microcapsular. e) Comprimido de revestimento entérico. 4. Leia as afirmativas: I. Em determinadas situações clínicas, ao alterar a forma de um medicamento (como triturar um comprimido), é possível haver diminuição da absorção e consequente diminuição do efeito terapêutico. Isso acontece porque: II. Formas farmacêuticas sólidas (como comprimidos e cápsulas), ao serem incorretamente trituradas, podem obstruir as sondas com fragmentos que não formaram pó; além disso, alguns fármacos podem ficar aderidos às sondas e formar um cimento no lúmen, causando oclusão e não sendo absorvidos. Com relação ao texto, assinale a opção correta. a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) As asserções I e II são proposições falsas. e) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. 5. A interação entre fármaco e dieta enteral tem impacto terapêutico e econômico. Isso ocorre porque as partículas dos precipitados podem causar obstruções das sondas, o que gera a necessidade de trocar a sonda, interromper a dieta enteral e administrar nova dose de medicamento. I. Tudo isso gera custo e desconforto ao paciente. II. Pode também haver redução da absorção e degradação do fármaco, resultando em ineficácia terapêutica. Com relação às asserções acima, assinale a opção correta: a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. b) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. c) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 237 ABBOTT CARE. Manual de nutrição enteral domiciliar. 2013. Disponível em: <http:// nutriclinsaude.com.br/abbott/manualnutricaoenteraldomiciliar.html>. Acesso em: 01 mar. 2017. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (Brasil). Resolução-RDC nº 47, de 8 de setembro de 2009. Disponível em: < http://www.anvisa.gov.br/ medicamentos/bulas/ rdc_47.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2017. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância Sanitária. Portaria n° 337 de 14/04/1999. Aprova o Regulamento Técnico para a Terapia de Nutrição Enteral. 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