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HOSPITAL 
dor e morte 
como OFÍCIO 
"T. c\ . .nç ao 
/ 
Este trabalho consegue, não perden­do a possibilidade de valorizar a in­tersubjetividade como elemento de 
detenninação na vida de trabalho dos seus 
trabalhadores, utilizar um modelo epide­
miológico de investigação que, ao genera­
lizar suas individualidades, está tão-somen­
te a serviço de uma discussão mais sistema­
tizada dos determinantes psicossociais nos 
agravos à saúde mental dos trabalhadores 
de um setor. O estudo de caso que esta­
belece associações entre características do 
processo de trabalho e o sofrimento psíqui­
co de 1.525 trabalhadores de hospital geral 
de 412 leitos no município de São Paulo, 
através de análises estratificadas, contro­
ladas por variáveis confundidoras e/ou 
modificadoras de efeito, é pioneiro no país. 
A própria natureza surpreendente dos re­
sultados associado a cuidado.sa elaboração 
metodológica do estudo faz desta inves­
tigação uma contribuição das mais insti­
gantes para os estudiosos de saúde coleti­
va, da Psicopatologia do trabalho, e para 
o� principais e mais diretamente interessa­
dos, no caso os trabalhadores de saúde. 
T@íbhoteta jf reullíana 
Ana Pitta é psiquiatra e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Me­
dicina da Universidade de São Paulo e 
Centro de Estudos e Pesquisas em Direito 
Sanitário- USP, pesquisadora do CNPq, 
dirigindo suas atividades de ensino e pes­
quisa para a área de Saúde Mental. 
Militante dos movimentos de transforma­
ção da assistência psiquiátrica manicomial 
no país, dirigiu a Divisão de Ambulatório 
da Coordenadoria de Saude Mental da Se­
cretaria de Estado de Saúde de São Paulo 
de 83 a 86, e atualmente pesquisa no Cen­
tro de Atenção Psicossocial Prof. Luís da 
Rocha Cerqueira, onde, com outros, intro­
duziu uma importante inflexão na perver­
sa política hospitalocêntrica deste estado. 
Atualmente, articulando conhecimentos na 
área de Psicopatologia, Epidemiologia e 
demais Ciências Sociais, desenvolve meto­
dologia própria de avaliação do processo 
tecnológico do trabalho em saúde, toman­
do como referência a atividade singular dos 
que trabalham em hospitais, ambulatórios 
e outros espaços assistenciais. 
Capa: Renata L. de Barros 
DA MESMA AUTORA, NA EDITORA HUCITEC 
Reabilitação Psicossocial no Brasil, Ana Pitta (org.) 
ANAPITTA 
HOSPITAL 
' 
dor e morte como OFICIO 
QUARTA EDIÇÃO 
EDITORA HUCITEC 
São Paulo, 1999 
© Direitos reservados, 1990, de Ana Maria Fernandes Pitta. Direitos de publicação 
reservados pela Editora Hucitec Ltda., Rua Gil Eanes, 713 - 04601-042 São 
Paulo, Brasil. Telefones: (011)240-9318 e 543-0653. Vendas: (011)530-4532. 
Fac-símile: (011 )530-5938. 
E-mail: hucitec@mandic.com.br 
Foi feito o depósito legal . 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP) 
(Sandra Regina Vitzel Domingues) 
P 761 Pitta, Ana Maria Fernandes 
Hospital: dor e morte como oficio. I Ana Pitta. -
3. ed.- São Paulo : Hucitec, 1999. 
198 p. ; 21 em. -(Saúde em Debate; 34. Série 
SaúdeLoucura) 
Bibliografia: p. 191-198 
ISBN 85-271-0137-8 
l. Psicologia 2. Psicologia Social - Sociologia 
II . Título III. Série 
CDD- 150. 
301.1 
Índice para catálogo sistemático: 
l. Psicologia 331 
2. Sociologia: Psicologia Social 301.1 
À Lígia e ao Gabriel, 
e aos trabalhadores do hospital, 
anônimas figuras, que povoam com 
suas vidas as verdades aqui contidas. 
SUMÁRIO 
PREFÁCIO. DA 3a EDIÇÃO .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 
PREFÁCIO DA la EDIÇÃO .. . . . . ... . . ...... . . . . . .... . . . . . .. . . . . . 1 7 
Primeira Parte 
OS CONCEITOS 
l. DOENÇA E MORTE COMO OFÍCIO - A NA­
TUREZA DO TRABALHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 
2 . O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS . . . . 39 
O processo de trabalho no hospital moderno . . . . . . . . . . . 44 
A divisão do trabalho hospitalar e o doente . . . . .. .. .. . . . 5 1 
3 . A NATUREZA DO SOFRIMENTO- A CON-
TRAPARTIDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
4 . SINTOMA COMO EXPRESSÃO DO SOFRIMEN-
TO PSÍQUICO . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . 79 
10 SUMÁRIO 
Segunda Parte 
OS MÉTODOS 
5. A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE- ESTU-
DOS E PESQUISAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . . . . ... . . . .... . . . 91 
Terceira Parte 
A INVESTIGAÇÃO 
6. O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO . . 1 17 
Breve retrospectiva- gestão· e participação . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 19 
Os instrumentos de pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . .. ... . . . . . . . . . . . 123 
Trabalho hospitalar em saúde- o T.H.S . ........................ 124 
Trabalho de campo: a supervisão . . . . . . . .... . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 128 
O processo de análise dos dados ..................................... 128 
Análise dos resultados . . . . . ... .... . . .. .. . . . .. . . .. . . . ... .. . . . . . . . . . . . ... .. . . 129 
Características da força de trabalho . . . . . .. . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . 132 
O gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 
A idade dos trabalhadores e o tempo na ocupação e 
trabalho no hospital .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . .. ... . . 134 
A qualificação . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 
O estrato social . . . . .. .. ... .. . . . . . . . . . . .. .. . . . . . .. ... . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 
Sintomas psicoemocionais como indicador de sofrimento 
psíquico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 
Problemas de saúde . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . 151 
Sofrimento psíquico e ambientes de trabalho . ... . . . . . . . . . . . . . .. . . 153 
Divisão de tarefas . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . .. . . . . . . . . . . . . . 157 
Tempos de exzposição ao tipo de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 158 
O ritmo de trabalho . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . ... .... .. . . . . . .... . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 159 
O controle do trabalho . . ... . . . . . . . .. . .. .. . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . .... . . . . . 159 
As pressões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 
Repetitividade/monotonia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 
Os duplos ou múltiplos vínculos . . . . . . . . . . ..... . . . . . .. ... . . . .. . . . . . . . .. . 163 
Algumas variáveis de condições de trabalho e sócio-econô-
micas - medidas de associação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 
SUMÁRIO ll 
Análise tabular estratificada para medida de modificação de 
efeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 
Quarta Parte 
7. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 
PREFÁCIO DA TERCEIRA EDIÇÃO 
Introduzir tudo o que foi discutido e revisado des­
de que este livro foi lançado e, mais ainda, acrescentar aspec­
tos que estudosetnográficos posteriores puderam enriquecer 
as primeiras percepções deste campo de investigação, tem 
sido uma grande tentação. Maiores tentações ainda quando 
. ele teve a possibilidade de introduzir um debate, um caminho 
teórico-metodológico que suscita aplausos, ataques, discus­
são. O desejo de legislar sobre todo esse resplandecer de 
simulacros, prescrever, dar forma, impor uma marca, esclare­
cer todas as dúvidas, aparece como avatares de uma arrogân­
cia e vaidade que, embora humanas, nada justificam além do 
risco de transformar o livro num acúmulo enfadonho de 
abordagens. Opto por manter o texto original expurgado 
apenas de alguns pecados gráficos. 
As relações entre o sofrimento psíquico e o trabàlho hospi­
t� têm interessado a tantos, e ainda são tão poucos os títulos 
14 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
disponíveis para estimular o diálogo com esses interessados que 
reapresentar uma conversa possível entre o "qualitativo" e o 
"quantitativo" na busca de decifrar negociações entre o doen­
te, seu cuidador e as organizações de saúde ainda traz o encan­
to de uma descoberta e o desafio de muito chão a trilhar. 
Nesses últimos anos os encontros regulares com alunos e 
professores de Psicologia Hospitalar da PUC-SP, da Psicolo­
gia do INCOR, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, dentre 
outros grupos e pessoas, têm sido instigantes tanto na 
deteção de avanços metodológicos no desenho inicialmente 
proposto, como na identificação de uma incomensurável rede 
de relações entre subjetividades vivendo diferentes papéis 
numa organização complexa como o hospital, e toda a difi­
culdade de percepção de evidências, de sinais e sintomas de 
prazer e dor dos que convivem nessas organizações. Este 
livro nasceu de uma tentativa de decifração e considero mais 
honesto não mexer nas suas incompletudes. Estas serão moti­
vo para novos trabalhos. 
Não posso deixar de referir a dificuldade de assimilar duas 
mortes estúpidas, evidências claras das minhas limitações de 
lidar com elas. Na primeira, a perda singular e dolorosa de 
Ada, a editora amiga, estimuladora, inquieta e intrigada com a 
morte, como oposto complementar à sua grande vitalidade. O 
translúcido olhar azul, cujas órbitas pareciam saltar ao encon­
tro do que produzias, do que arquitetavas, do que fora capaz 
de te roubar as madrugadas sem pena, era um pouso seguro 
para vôos transcendentais, ao tempo em que discutia a viabili­
dade de uma nova edição, estimulava um novo prefácio e 
discorria sobre vicissitudes femininas e uma nova ordem mun­
dial para a sociedade . . . a um só tempo . . . Saudade . . . Muita 
saudade . . . 
PREFÁCIO DA TERCEIRA EDIÇAO 15 
A outra morte, a do Hospital U mberto I, que agoniza 
vítima de um casamento macabro da irresponsabilidade pú­
blica do Estado, mantenedor majoritário da secular organiza­
ção, e a malversação dos recursos em mãos inescrupulosas, só 
pode causar indignação! Este livro procura demonstrar que a 
qualificação dos serviços de saúde é uma equação onde estão 
em jogo o trabalhador com seus afetos, os saberes advindos 
de práticas tecnológicas, e a justa retribuição econômica alia­
da ao reconhecimento técnico pela "boa prática", impulso à 
espiral de qualidade dos cuidados que ali se prestam. 
Observando o desespero com que os remanescentes tra­
balhadores daquele hospital, neste momento fechado, 
reeditam o movimento que em 1986 foi capaz de sensibilizar 
governo, sociedade civil, autoridades sanitárias, para construir 
o sonho de um "hospital público não estatal", agora, desta 
vez sem nenhuma escuta, nos faz temer que muitas vidas, até 
mesmo as que nos são próximas e muito caras, estejam mais 
cercadas da ajuda oportuna que poderia minimizar dores e 
mortes desnecessárias. 
São Paulo, verão de 1994. 
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 
NAs TRÊS úLTIMAS DÉCADAS, A sAúDE ENQUANTO 
instituição, atividade econômica e necessidade social tem pre­
enchido espaços cada vez mais. amplos nos meios de co muni­
cação e nas políticas públicas . Cresce com ela o número de 
trabalhadores com as suas tarefas de combater as doenças, 
alongar a duração da vida ou, quando não, bem acompanhar 
os que morrem. 
Para estas demandas o hospital tem sido um lugar 
nevrálgico de aglutinação de trabalhadores diversificados, 
que inclui desde médicos, enfermeiros, auxiliares, fisiote­
rapeutas, telefonistas, nutricionistas, operadores de má­
quinas e auxiliares outros, numa extensa lista de profis­
sões e ocupações. Do outro lado estão os usuários, fre ­
qüentemente em dramáticas situações de resolução dos 
seus processos de saúde/doença, dada a habitual comple­
xidade dos serviços ali ofertados. 
18 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
O hospital também tem sido o local preferencial onde o 
avanço científico e tecnológico exibe maiores marcas, através 
da sofisticação de técnicas e requintes de equipamentos e 
insumos outros, absolutamente desejáveis como reflexo dos 
níveis de prosperidade e desenvolvimento de uma sociedade. 
Muito mais que a riqueza material, entretanto, é o traba­
lho do pessoal que determina a qualidade e eficácia de aten­
ção e tratamento, e, ao longo dos tempos, a atividade de lidar 
com a dor, doença e morte tem sido identificada como in­
salubre, penosa e difkil para todos. 
Na literatura científica cresce o número de comunicações 
referentes a agravos psíquicos, medicalização, suicídios de 
médicos, enfermeiros, porteiros de hospitais etc. Aqui, não 
temos ainda estas questões estudadas, mas a incômoda e do­
lor_9sa presença de alunos do curso médico que se suicidam 
ao tomar contato com doentes e doenças tem sido uma 
desconcertante experiência nos últimos doze anos e deve ter 
influenciado sobremodo a escolha deste objeto de inquieta­
ção. 
No entanto, o conhecimento de que o trabalho adoece é 
milenar. Aliás, a legislação trabalhista de vários países, a brasi­
leira entre elas, reconhece a relação de causa e efeito de vários 
agentes fisicos, químicos e biológicos na produção de doen­
ças ditas "ocupacionais" . Bem menos tranqüila é a aceitação, 
mesmo em países economicamente avançados, do trabalho 
enquanto forma de organização, e muito menos de sua pró­
pria natureza, como fator morbigênico em si, em que pese o 
crescente número de evidências . 
Nossa tese, que resultou nesse texto/é de que a insalubri­
dade ou a penosidade, isto é, a permanente exposição a um 
ou mais fatores que produzam doenças ou sofrimento no 
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 19 
trabalho hospitalar, decorre da própria natureza deste traba­
lho e de sua organização, evidenciados por sintomas e sinais 
orgânicos e psíquicos inespecíficos. As determinantes princi­
pais desse sofrimento que agem dinâmica e eficientemente 
enl're si e com outras, estaria no próprio objeto de trabalho, 
ou seja, a dor, o sofrimento e a morte do outro, e nas formas 
de organização desse trabalho essencial e diuturno. 
Este mesmo objeto de trabalho, paradoxalmente, é capaz 
de produzir satisfação e prazer através de mecanismos defen­
sivos de natureza sublimatória quando condições facilitadoras 
permitem aos trabalhadores terem suas tarefas socialmente 
valorizadas 
Entre os estudiosos existe unanimidade sobre a influência 
e, ao mesmo tempo, acerca da complexidade das relações 
entre saúde e trabalho, a requerer a construção de modelos 
novos e necessariamente interdisciplinares de investigação. 
Esta pluralidade não implica tão-somente lidar com questões 
técnicas e científicas, mas também outras de natureza filosó­
fica, moral, política, econômica e social. 
Menos simples e fácil ainda é pretender mesclar contri­
buições tão diferentes nos campos da Epidemiologia, da 
Psicopatologia e de outras ciências, imprescindíveis à discus­
são das relações de determinações entre trabalho hospitalar e 
sofrimento psíquico dos que o exercem. 
Neste momento, em que dou por concluída uma etapa 
dessa pesquisa, fica uma incômoda sensação e uma ins­
tigante pergunta: fui louca ou sábia ao pretender articular 
tantasdiferenças? 
Como os sábios não são tão facilmente encontráveis, 
resta-nos defender a pretensão holística de juntar "a tira­
nia das matemáticas" ao "império subjetivo do psiquismo 
20 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
humano" na busca de uma possibilidade teórico-metodológi­
ca que venha contribuir para identificar uma hierarquia de 
determinantes psicossociais que estabeleçam nexos de causa­
lidade entre a natureza e condições de trabalho e a saúde dos 
trabalhadores envolvidos. 
Sem perder a possibilidade de valorizar a intersubjetivida­
de como elemento de determinação na vida de trabalho das 
pessoas sobre as quais nos debruçamos - os trabalhadores de 
um hospital - ' este estudo tenta apreendê-los empiricamen­
te, utilizando um modelo epidemiológico que, ao generalizar 
individualidades, deve tão-somente estar a serviço de uma 
discussão mais sistematizada das relações entre um fato social 
- o trabalho - e a vida psíquica de quem o efetua: o 
trabalhador de hospitais. 
Num primeiro instante deste texto, percorremos, a vôo de 
pássaro, o espaço de uma discussão teórico-conceitual acerca do 
trabalho hospitalar, ou seja, da dor, sofrimento e morte como ofi­
cio. Dois autores, Phillipe Aries (Sobre uma história de morte no 
Ocidente) e Michel Foucault (O nascimento da Clínica, princi­
palmente) a embasaram. Recortamos depois o Hospital como um 
campo de Práticas, disciplinares a princípio, e sanitários mais re­
centemente, levando, por conseguinte, a ajustes ou agressões à 
vida psíquica dos trabalhadores. Nesse ofiCio ou métier, que com 
o passar do tempo tomou-se "processo de trabalho", necessari­
amente parcelado e influenciado pela doutrina da orgaiüzação 
científica do trabalho. 
A seguir, examinamos as conseqüências dessas mudanças, 
isto é, a natureza do sofrimento dos que trabalham com o 
sofrimento do outro, recorrendo às investigações de Isabel 
Menzies, Alain Wisner e, sobretudo, a Christophe Dejours, 
situando o conceito de carga psíquica e das estratégias defen-
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 2 1 
sivas, apoiada no conceito de sublimação tomado de Freud. 
A visão dinâmica do adoecer é vista a seguir, ao analisar­
mos o sintoma como expressão do sofrimento psíquico, obri­
gando-nos a repassar a teoria do "stress" de Selye, para, na 
seqüência, discutirmos a saúde dos que trabalham em saúde, 
tomando como referência alguns estudos clássicos e outros 
mais recentes, como os de Estryn-Behar, Tonneau, Seibel e 
Almeida Filho. 
Caminhamos discutindo os métodos para chegar ao 
relato da investigação empírica que referencia este traba­
lho desenvolvido no Hospital Umberto I, na região central 
da cidade de São Paulo em pesquisa financiada pelo CNPq. 
O desejo é poder continuar tendo a linguagem e o pensa­
mento como formas privilegiadas de compreensão do mun­
do, explorando as infinitas possibilidades de apreender fatos 
sociais de um modo universal, para poder estabelecer com 
outros preocupações e diálogo que possibilitem um movi­
mento mais amplo de transformação das condições adversas 
que agridem o homem, contribuindo com este e outros es­
tudos para a identificação das dificuldades e ajustes indivi­
duais e coletivos ao trabalho desenvolvido no interior dos 
hospitais . 
Uma política de saúde correta ou mesmo uma adminis­
tração hospitalar tecnicamente adequada, embora influen­
ciem, não irão determinar a singular relação do doente 
com quem o cuida. Qualquer atitude generalizadora que não 
leve em conta o cotidiano do trabalho hospitalar com as 
cargas de tensão e conflito a mobilizar sujeitos concretos que 
se situam nos limites geográficos desta atividade humana, 
correrá o risco de passar ao largo das suas determinantes 
fundamentais, contribuindo pouco para a tripla perspectiva 
22 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
de melhorar as condições de trabalho, a eficácia da organiza­
ção e uma melhor resposta ao usuário dos seus serviços. 
Cabe, agora, um registro pessoal: o oficio de escrever não 
é fácil tanto quanto a tarefa de bem ler também o é. Tole­
rante e disciplinada foi a ajuda que Herval Pina Ribeiro pôde 
prestar, assistindo angústias narcísicas no trabalho de revisão 
do texto. 
Ana Pitta 
São Paulo, agosto de 1990. 
Primeira Parte 
OS CONCEITOS 
Capítulo l 
DOENÇA E MORTE COMO OFÍCIO 
A NATUREZA DO TRABALHO 
A morte recuou e trocou a casa pelo hospital: 
está ausente no mundo familiar do dia-a-dia. O 
homem de hoje, como conseqüência de não a ver 
suficientes vezes e de perto, esqueceu-a: ela tor­
nou-se selvagem e, a despeito do aparelho cien­
tífico que a envolve, perturba mais o hospital -
lugar da razão e da ordem - do que o quarto da 
casa, sede dos hábitos da vida cotidiana. 
Philippe Aries, 1975 
o HOMEM MODERNO, PELO HORROR DE ADOECER E 
de sua própria morte, necessita do saber e da técnica como 
refúgio para o seu medo e precariedade. 
Outros homens vendem a sua força de trabalho administran­
do tais incômodos, construindo histórica e socialmente um 
processo de trabalho onde o poder e a técnica se encarregam. de 
diluir o impacto e o sentimento de impotência desconcertante. 
A atitude atual dos homens diante da dor, sofrimento e 
morte é buscar negá-los como fim do inexorável percurso da 
26 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
vida humana, prolongando esta a não mais poder, através de 
todos os dispositivos disponíveis nos hospitais, afastando a 
morte do convívio social, reforçando-lhe sempre o seu caráter 
de presença incômoda e mítica, e como tal, devendo ser 
ocultada e distanciada 1. 
Em fins da Idade Média o homem tinha uma consciência 
aguda de que era um morto adiado e que este adiamento era 
curto, uma vez que a morte, sempre presente no interior de si 
mesmo, destruía as suas ambições e envenenava os seus prazeres. 
Esta intimidade perene com a morte, e a vida mais curta que 
objetivamente se levava, tornavam o homem medieval mais 
apaixonado pela vida e seus prazeres e simultaneamente mais 
resignado e humilde na constatação de uma degenerescência e 
morte inerentes ao próprio curso da vida de cada um. 
"Ó cadáver, que não passas de vergonha, 
Quem te fará depois companhia? 
O que sairá do teu licor, 
Vermes engendrados pelo fedor 
Da tua vil carne putrefata." (Nesson) * 
p horror da morte, da doença, da velhice j á se constituía 
em inquietações de poetas pelos idos do século XV. Podia-se 
ver com Ronsard, mestre da poesia da Renascença, toda a 
humilhação e desconforto antevisto no processo de decom-
1 Aries, P. Sobre uma história de morte no Ocidente, desde a Idade Mé­
dia, Teorema, Lisboa, 1988, p. 21-37, constitui-se em cuidadosa reflexão 
sobre a construção histórica social da incapacidade do homem moderno de 
lidar com a morte e, por extensão, com o sofrimento e a doença. 
*Nesson. "Vigiles des morts; paraphrase sur Job", Anthologie Poétique 
Française Moyen Age, Paris, Garnier, apud Aries, P. Op. cit., p. 37. 
A NATUREZA DO TRABALHO 27 
posição humana engeºdrado pela doença, envelhecimento e 
conseqüente morte. 
"Já não tenho senão ossos, um esqueleto eu pareço 
descarnado, sem músculos nem polpa . . . 
Meu corpo vai descer onde tudo se desagrega" 
(Ronsard)* . 
Esta decomposição ganha foro de ruína humana, impla­
cável, mas perseguida e sobretudo tolerada como um fato da 
própria existência. 
A morte até mesm.g_ nos seus aspectos mais macabros 
circulava no cotidiano das pessoas de uma forma íntima, em­
bora preservando o seu sentiçlo_ novo, original e singular para 
cada um. Tinha uma inegável dimensão humana. 
"A devassidão e a mort� são duas amáveis rapari­
gas. 
E o caixão e a alcova em blas!emias fecundas ofe­
recem-nos sucessivamente, como boas irmãs, terrí­
veis prazeres e horríveis doçuras." (Baudelaire) 
Não será necessário continuar na trilha poética, percor­
rendo os caminhos de Aries para encontrarmos no mundo 
atual um homem desaparelhado para enfrentar a morte como 
uma contingência, posto que sua emergência vem sempre 
acompanhada da idéia de fracasso do corpo, dosistema de 
atenção médica, da sociedade, das relações com Deus e com 
os homens etc. O traço fundamental da diferença entre a 
*Ronsard, P. "Demiers vers", soneto I, Oeuvres completes, Ed. Ron­
sard, P. Laumonier, vol. XVII, p. 176-177, apud Aries P. Op. cit., p. 37. 
28 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
forma de lidar com a doença e a morte do homem medieval 
e do homem moderno é a absoluta dissociação que se estabe­
lece hoje entre a vida, sua efemeridade, a naturalidade do 
adoecer e a fatalidade de morrer impregnadas de um pessi­
mismo existencial, da depressão que invade os homens das 
sociedades industriais, como se a primeira nada tivesse a ver 
com as demais. 
A morte não mais é vista como um limite natural para o 
sofrimento humano; morte e sofrimento são construídos pa­
ralelamente, causando, quando juntos, perplexidade, até por­
que são concebidos separadamente pelo próprio homem. 
Na Idade Média, a morte estava nas salas de visitas; hoje, 
ela se esconde nos hospitais, nas UTis, controlada por guar­
diães nem sempre esclarecidos da sua penosa e socialmente 
determinada missão : o trabalhador da saúde. 
E é esta missão que aqui nos cabe examinar, exerci­
da agora não mais por todos em suas casas, mas por al­
guns que, ao vender sua força de trabalho, assumem em 
contrapartida o mandato social de cuidar dos vivos e dos 
mortos de modo exclusivo e silencioso. Assim, o que foi 
propriedade do homem por milênios - sua doença e morte 
- passa a ter em outros e em outras intituições os deposi­
tários de tal sina. 
Voltando à Idade Média, a morte entendida como coi­
sa normal era percebida espontaneamente ou informada por ter­
ceiros de forma natural. "Nesse tempo, raramente a morte era 
súbita mesmo em caso de acidente ou de guerra, e a morte 
súbita era muito receada, não só porque não permi­
tia arrependimento, mas porque privava o homem de sua morte. 
A morte era então quase sempre anunciada - num tempo em 
que as· doenças um pouco mais graves eram quase sempre 
A NATUREZA DO TRABALHO 29 
mortais"2• Em outras palavras, as doenças cursavam sem grandes 
inteiVenções, acostumando os corpos por elas acometidos a um 
desfecho natural. O médico, desde a Idade Média até o século 
XIX, tomava a iniciativà de prevenir a morte próxima, como 
uma baixa probabilidade de erros de prognósticos, dado 
o pequeno arsenal de possibilidades terapêuticas disponível. 
Após o século XIX, coincide com o desenvolvimento científico e 
tecnológico da medicina a recusa do médico de querer fàlar sobre 
doença e morte aos pacientes. Doravante o médico fàlará quan­
do indagado, produzindo-se na sociedade a cultura do 'poupar)) 
e ''á.liviar.» o doente das suas próprias e más notícias. 
Constituiu-se dever da família e do médico dissimular ao 
moribundo a gravidade do seu estado. Ele não mais deverá 
saber, salvo raras exceções, que seu fim se aproxima. O fato é 
que, com os progressos da terapêutica e cirurgia, sabe-se cada 
vez menos quando uma doença grave será mortal ou não. As 
possibilidades de escapar de qualquer vaticínio são muitas, por­
tanto, é melhor silenciar que arriscar palpites. A morte vefl1_ 
assim quase em surdina com uma cumplicidade dos amigos e 
familiares que, por amarem o moribundo e não querendo vê-lo 
partir, negam-lhe a morte, e dos profissionais que, obstinados 
pela cura da doença, estarão sempre lançando mão de suas 
onipotências e de uma 'ültima medida terapêutica eficaz" para 
prolongar-lhe a vida. 
ObseiVando como reagem frente à morte o doente, a 
família, os médicos e enfermeiros em hospitais de São Fran­
cisco, Glaser & Strauss3 registraram peculiares atitudes dos 
2Aries, P. Op. cit., p. 150-151. 
3Glaser, B. F. & Strauss, A. L. Awareness of Dying, Aldine, Chicago, 
1965 e Time for Dying, Aldine, Chicago, 1968. Ambos citados e comen­
tados in Aries, P. Op. cit., p. 56, 150, 151. 
30 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
últimos com relação ao avisar ou não o doente e a família, 
prolongar uma vida mantida artificialmente (em que momen­
to será permitido ao doente morrer?) e seus comportamentos 
com aqueles doentes, que não sabem de nada sobre suas 
doenças e destinos. 
Os dois sociólogos americanos investigaram tais práticas 
cotidianas, enfatizando a especial dificuldade que a equipe de 
técnicos têm para lidar e comunicar aos doentes suas doenças 
e mortes e todas as estratégias inconscientes ou não que lan­
çam mão para ocultá-las. Chegam a identificar uma ((dying 
trajectory», ou seja, uma trajetória defensiva do pessoal do 
hospital, que embora já tenha clara, após a etapa diagnóstica, 
a "morte certa» do seu paciente, produz uma cultura da 
(fuorte incerta» ao tempo em que traça roteiro de atitudes a 
serem seguidas. Se o doente se conforma com ele e o obedece, 
tudo correrá bem, isto é, o equilíbrio moral do meio hospitalar 
não será perturbado. Se, entretanto, o paciente tem a infeliz 
idéia de morrer de modo diferente do previsto, ((quer por 
ardil da natureza quer por culpa dele próprio)) , isso poderá 
trazer uma grave e perturbadora situação na instituição. 
Reconhecem eles que, mesmo se esta trajetória é escrupu­
losamente observada, a dificuldade atual de lidar com a morte 
é de tal ordem que ela não chega sem comprometer, em alguma 
medida, a dignidade do doente, (pobre coisa eriçada de tubos 
que não conseguiu resistir))' a sensibilidade de uma família 
destroçada pela espera e a desmoralização de enfermeiros e 
médicos que não encontraram durante a espera uma fórmula 
mágica de reverter a trajetória. E concluem interrogando se 
uma melhor formação psicossociológica permitiria ao pessoal 
do hospital domesticar a morte, encerrá-la num novo ritual, 
'inspirado pelo progresso das Ciências Humanas". 
A NATUREZA DO TRABALHO 31 
Onipotências à parte, o certo é que, ao se transformar o 
hospital, e não a casa, no local onde as pessoas adoecem e 
morrem, todas essas questões anteriormente compartidas pela 
sociedade como um todo se encontram agora circunscritas 
àquele espaço. Um padrão aceitável de morte começa a se 
instituir entre doentes, família e os que trabalham com as 
doenças. É quase consenso que médicos e enfermeiros adiem 
o mais possível o momento de avisar a família, e mais ainda, 
de avisar o doente de sua morte próxima. O temor é de que 
sentimentos e reações descontroladas os façam perder o con­
trole de si e da situação. O prolongamento da vida através de 
recursos tecnológicos esvai a necessidade dessa comunicação 
dramática, permitindo que o sentimento de luto se inicie 
antes do defunto se ter feito fato. Diferente de outrora, falar· 
da morte se constitui em ousadia não admitida nas relações 
sociais habituais. Não é sequer de bom tom estar desfiando 
um rosário de doenças e padecimentos em ambientes públi­
cos ou até mesmo em relações de amizade. "A morte era 
n'outro tempo uma figura familiar e competia aos moralistas 
torná-la horrível para causar medo. Hoje em dia, basta no­
meá-la para provocar uma tensão emocional incompatível 
com a regularidade da vida cotidiàna" 4• Esta situação é vivida 
num hospital (menos que em outros lugares, certamente) 
como embaraçosa, quanto mais provoque crises de desespero 
entre os doentes e famílias com lágrimas e todas as demais 
manifestações de emoção, dor, sofrimento que perturbem a 
serenidade do hospital. 
4Aries, P. "A morte invertida. A mudança de atitudes perante a morte 
nas sociedades ocidentais", in Sobre a história da morte no Ocidente, desde a 
Idade Média, cit., p. 161-165. 
32 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Cabe, portanto, aos que trabalham no hospital produzir 
uma homeostasia entre vida e morte, entre saúde e doença, 
entre cura e óbito que tende a transcender suas impossibilida­
des pessoais de administrar o trágico e, por cumplicidade, 
caberá também ao enfermo comportar-se com elegância e 
discrição, de modo a fazer com que a dura tarefa seja m'lis 
suave para eles e para quem os assiste. No dizer de Aries 
existiriam duas maneirasde morrer mal: uma seria procurar 
intercâmbio de emoções com quem fica e a outra seria a 
recusa na comunicação desta emoção. Estaríamos por conse­
qüência frente a um impasse onde quer o excesso de comuni­
cação entre doente e técnico quer a sua escassez estariam 
determinando uma situação embaraçosa e mobilizadora de 
conteúdos afetivos contraditórios. 
A construção de todo um dispositivo de cuidados, to­
mando como referencial a morte, faz com que a Medicina e 
todas as práticas de saúde assumam um caráter sagrado/pro­
fano que as empurra para uma perigosa e fascinante mítica. 
"Foi quando a morte se integrou epistemologicamente à ex­
periência médica que a doença pôde se desprender da contra­
natureza e tomar corpo no corpo fisico dos indivíduos"5• 
Esse tomar corpo, entretanto, não se fez de modo mecânico 
ou obedeceu um trajeto linear na história de maneira que 
possa parecer que o cuidado ao doente se vai constituindo de 
modo ordenado, disposto em prateleiras do saber médico, 
sobre o qual os demais agentes se debruçam para organizar 
suas práticas e cuidados. Foucault, a propósito da ordenação 
do desenvolvimento das doenças, assinala que "o que é novo 
5Foucault, M. O nascimento da clínica, Editora Forense Universitária, 
Rio de Janeiro, 1977, p. 129. 
A NATUREZA DO TRABALHO 33 
não é o fato da ordenação, mas seu modo e seu fundamento. 
De Sydeham a Pinel, as doenças se originavam e se configu­
ravam em uma estrutura geral de racionalidade em que se 
tratava da natureza e da ordem das coisas. A partir de Bichat, 
o fenômeno patológico é percebido tendo a vida como pano 
de fundo, ligando-se assim às formas concretas e obrigatórias 
que ela toma em uma individualidade orgânica"6• 
Esta ambivalência entre o privilegiar a busca da vida e o 
medo da morte na constituição de um campo de práticas, 
onde alguns indivíduos por ele se interessam e o assumem 
como oficio, vai atravessar até os nossos dias este todo con­
traditório, navegando na dependência de inflexões externas 
(sóCio-histórico-políticas) e internas (socioculturais e intrapsí­
quicas). 
"Entendamo-nos bem: conhecia-se, bem antes da anato­
mia patológica, o caminho que vai da saúde à _dQ_ença e desta 
até a morte. Mas esta relação, que nunca tinha sido cientifica­
mente pensada, assume, no início do século XIX, uma figura 
que se pode analisar em dois níveis. O que já conhecemos: a 
morte como ponto de vista absoluto sobre a vida e a abertura 
(em todos os sentidos da palavra, até o mais técnico) para sua 
verdade. Mas a morte é também aquilo contra o que._ em seu 
exercício cotidiano, a vida vem se chocar; e a doença perde 
seu velho estatuto de acidente para entrar na dimensão inte­
rior, constante e móvel na relação da vida com a morte. Não 
é porque caiu doente que o homem morre; é fundamental­
mente porque pode morrer que o homem adoece"7. 
6Foucault, M. Op. cit., p. 129. 
7Foucault, M. El hospital en la tecnología moderna, Educación médica 
y salud, vol. 13 , n2 2, 1979, p. 23 . 
34 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Este limite natural que é a morte se constitui num arca­
bouço, num recorte geográfico importante para a delimitação 
de um território de intervenções que vem a ser a cinzenta área 
entre a saúde e a doença, não mais vistas desde Claude Bemard 
como instâncias estanques e de qualidades distintas: fazem parte 
de um mesmo processo onde os diferentes estados de sani­
dade e doença transversalizam este campo instituído. Claude 
Bernard considera a Medicina como a ciência das doenças e a 
Fisiologia como a ciência da vida. "Toda doença tem uma 
função normal correspondente, da qual ela é apenas uma 
expressão perturbada, exagerada, diminuída ou anulada" ... 
essas idéias de luta entre dois agentes opostos, de antagonis­
mo entre a vida e a morte, entre a saúde e a doença, já são 
ultrapassadas. É preciso reconhecer em tudo a continuidade 
dos fenômenos, sua gradação insensível e sua harmonia8• 
A resignada aceitação da morte como contingência, doença 
como intermediação entre vida e morte. e os sintomas como 
sínais de alerta e não elementos a ser-em �!iminades. ng seu 
surgimento, são leituras dialéticas de um instigante processo. 
A atitude complacente com a doença e a morte, que as 
fez transitar no espaço doméstico com naturalidade e pro­
priedade até a metade do século XIX, foi desde então substi­
tuída como conseqüência do desdobramento das sociedades 
industriais. A dor, a doença e a morte foram interditas num 
pacto de costumes, aprisionadas e privatizadas no espaço hos­
pitalar sob novos códigos e formas de relação. A mentira, a 
não revelação do real estado do doente é o que rege o bom 
comportamento: "A primeira motivação da mentira foi o de-
8Bernard, C. apud Sigerist, H. E. Historia y sociologia de ta medicina, 
Gustavo Molina, Bogotá, 1974, p. 14. 
A NATUREZA DO TRABALHO 35 
sejo de poupar o doente de assumir a sua provação. Mas, 
desde muito cedo, este sentimento cuja origem nos é conhe­
cida (a intolerância da morte do outro e a confiança renovada 
do doente no seu círculo familiar) foi recoberto por um sen­
timento diferente, característico da modernidade- evitar, já 
não ao doente mas à sociedade e ao próprio círculo de rela­
ções, o incômodo e a emoção demasiado forte, insustentável, 
provocados pela fealdade da agonia e a simples presença da 
morte em plena vida feliz, pois se admite agora que a vida é 
sempre feliz ou deve parecê-lo sempre"9• 
Contar uma estória em meio a uma discussão que se 
pretende densa, traz apenas o sentido de elucidar algumas 
coisas que aqui estão sendo discutidas. 
Dora, médica, profissional liberal exercendo circunstan­
ciais funções de gerência de um empreendimento público, 
sente um dia dor súbita que a faz curvar-se sobre si, embora 
continue nos procedimentos rotineiros de telefonemas e assi­
naturas que alimentavam seus dias de trabalho. 
Não dera importância ao que sentia - cear preso". 
Sua assistente, vendo-a curvada, estimula-a a procurar 
um facultativo, rindo ambas com as suas incapacidades na 
clínica. Os sintomas que começam a se·manifestar se agravam 
com rapidez. A consulta se faz sempre acompanhada de risos 
e chistes como que para afugentar qualquer mau agouro. 
Enquanto os sintomas se agravavam, tratavam de ser dissimu­
lados e escamoteados pela própria doente e os que a assisti­
am. A barriga em tábua e a detecção do "abdômen agudo", 
embora assinalasse que alguma coisa não estava bem, conti­
nuava não tendo nenhuma importância (ou se fingia não ter). 
9Aries, P., Op. cit., p. 1 7 1 . 
36 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Para o médico o que importava era o diagnóstico. E, num 
pacto sinistro, também para a doente, não era o seu mal-estar 
o que mais importava. A sua angústia existencial naquele 
momento estava perfeitamente deslocada para as preocupa­
ções do médico: transportar-se para um hospital e estabelecer 
um diagnóstico. 
D'ito e feito. A chegada ao hospital se dá apenas porque lá 
se proporciona recursos diagnósticos não possíveis noutro 
local e a sensação de todos é que bastava resolver o debate 
entre a "anexite )) ou a "apendicite)) e estaria resolvida a 
questão. Clínico, cirurgião, gastroenterologista, ginecologis­
ta, RX, ultra-sonografia. Despojam-na de roupas e pertences, 
deitam-na, ordenam-lhe novas posições. Ela obedece, embo­
ra ainda questione a necessidade de todo o aparato, já que, 
certamente, com o diagnóstico firmado, deve ter rapidamente 
de se recompor para voltar a sua vida, ao seu trabalho, à 
família, aos filhos, aos subordinados. O ambiente ainda é 
dissimulado e de conversas apenas, quando um súbito cho­
que hipovolêmico obriga a uma intervenção brusca. Inicia-se 
aí uma ruptura de comunicação com o círculo de relações, o 
isolamento, a intervenção anti-séptica. Acorda livre do abs­
cesso puro-sanguinolento que lhe invadia as entranhas, mas 
infantilizada e despojada de sua responsabilidade, da capaci­
dade de refletir, de observar, de decidir. É uma criança, e 
como tal requeruma maternagem que a nutra e alimente, 
mas, antes de tudo, voltada a produzir uma ignorância pueril 
que cpoupe )) a doente de conhecer a extensão de suas mazelas, 
competente estratégia defensiva do pessoal do hospital para 
não ter de volta indagações maduras, adultas, desestruturan­
tes. Afinal, um sofrimento demasiado visível não inspira só 
piedade mas repugnância; é um sintoma de falta de educação 
A NATUREZA DO TRABALHO 37 
ou desarranjo mental. Hesita-se ainda em deixar exteriorizar 
a dor por receio de impressionar as crianças e os mais velhos 
na sociedade de hoje, como se esses não a sentissem tantas e 
tantas vezes. O lidar com tais sentimentos incômodos requer 
gestos solitários, masturbatórios. 
Por que este ocultar? O doente, antes de sê-lo, é e se 
sente um ser produtivo, integrante de uma força de trabalho, 
através da qual se movem as máquinas, as coisas e a sociedade 
e, necessariamente, se assentam os valores que o cercam e o 
fazem aparentemente estável. 
Adoecer nesta sociedade é, conseqüentemente, &HEar tie 
produzir e, portanto, de ser; é vergonhoso; logo, deve ser 
ocultado e excluído, até porque dificulta que outros, familia­
res e amigos, também produzam. O hospital perfaz este papel 
recuperando quando possível e devolvendo sempre, com ou 
sem culpa, o doente à sua situação anterior. Se um acidente 
de percurso acontece2 administra o evento desmoralizador, 
deixando que o mito da continuidade da produção transcorra 
silenciosa e discretamente. 
O impedimento de poder sentir e expressar este sofri­
mento na ocorrência de doenças, com a interdição da sua 
manifestação pública, obriga aos doentes sofrerem às escondi­
das e aos que assistem a um discreto e sofrido trabalho. A 
exclusão, que acaba sendo recíproca, e o não poder fazer 
esquecer ou mesmo afastar os incômodos, só agravam a im­
portância de ambos. No caso dos que trabalham com doentes 
o recalcamento do desgosto cria mecanismos que dificultam 
�a sublimação compensatória 10 absolutamente necessária 
10A propósito de "sublimação compensatória" estaríamos nos referin­
do ao processo postulado por Freud para explicar atividades humanas, sem 
38 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
aos que têm como oficio o lidar cotidiano com dores, perdas, 
sofrimento e morte, dia a dia, ano a ano. _ 
qualquer relação aparente com a sexualidade ou mesmo com pulsões agres­
sivas, mas que encontrariam seu elemento propulsor na força dessas pul­
sões. Embora Freud tenha descrito como atividades de sublimação princi­
palmente as artísticas e intelectuais, diz-se que uma pulsão é sublimada 
desde que ela vise um objeto socialmente valorizado, que, no nosso caso, o 
trabalho em saúde bem se situa. 
Capítulo 2 
O HOSPITAL COMO CAMPO 
DE PRÁTICAS 
É que a Medicina oferece ao homem moderno a 
face obstinada e tranqüilizante de sua finitude; 
nela a morte é reafirmada mas ao mesmo tempo 
comparada; e se anuncia sem trégua ao homem o 
limite que ele traz em si, fala-lhe também deste 
mundo técnico, que é a forma armada, positiva e 
plena de sua finitude. 
Michel Foucault, 1963 
DA PROFANA INCUMBÊNCIA DE SEQÜESTRAR POBRES, 
moribundos, doentes e vadios do meio social, escondendo o 
incômodo e disciplinando os corpos e guardando-os até a 
morte, à nobre função de salvar vidas, o hospital tem percor­
rido um caminho complexo e tortuoso em busca do tecni­
cismo científico adequado às suas novas funções. 
O surgimento do hospital como cenário privilegiado da 
tecnologia médica, cumprindo finalidades terapêuticas, é fato 
relativamente recente e tem como marco da transformação de 
suas atribuições o final do século XVIII. Quando Howard, o 
40 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
filantropo inglês, provavelmente sem esta intenção, desenvol­
ve um primeiro trabalho de conhecimento e denúncias das 
condições de trabalho hospitalar, documentando-lhe caracte­
rísticas, fluxos, aberrações, e, à mesma época ( 1 775- 1780), a 
Academia de Ciências da França designa Tenon, um médico, 
para percorrer os mesmos hospitais da Europa e elaborar seu 
relatório, têm esses documentos se constituído nas primeiras 
sistematizações de olhar o hospital com intenções terapêuti­
cas, examinando os postos de trabalhos, fluxos e identifican­
do e denunciando suas condições de maus tratos com a fina­
lidade de desenvolver um programa de reforma e reconstru­
ção dos hospitais. "Nenhuma teoria médica por si mesma é 
suficiente para definir um programa hospitalar. Além disso, 
nenhum plano arquitetônico abstrato pode dar a fórmula do 
bom hospital. Este é um objeto complexo de que se conhece 
mal os efeitos e as conseqüências, que age sobre as doenças e 
é capaz de agravá-las, multiplicá-las ou atenuá-las. Somente 
um inquérito empírico sobre esse novo objeto ou esse objeto 
interrogado e isolado de maneira nova - o hospital - será 
capaz de dar idéia de um novo programa de construção de 
hospitais." Assim, assinala Foucault1 1, acentuando a impor­
tância dos registros daqueles que, ao desprezarem as fachadas 
dos hospitais, objeto da observação dos viajantes clássicos, 
valorizaram o número de doentes, leitos, área útil, extensão e 
altura das salas, fluxo de pacientes e outros, inaugurando uma 
outra forma de olhar, transformando e delegando ao hospital 
a sagrada incumbência de curar pessoas. 
Embora os hospitais de um modo geral àquela época não 
tivessem a função precípua de cura, é certo que a,lguns deles 
1 1Foucault, M. Microftsica do poder. Graal, Rio de Janeiro, 198 1 , p. 100. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 41 
já a tinham. O que muito provavelmente esses estudos pude­
ram revelar é que os hospitais não curavam tanto quanto 
deviam; e, ao contrário, pela não observância de regras bási­
cas de higiene, costumavam produzir, no seu interior, surtos 
epidêmicos dizimadores. 
Foucault, aliás, refuta a tese de que o hospital tivesse qual­
quer função terapêutica na sua origem, uma vez que sempre 
existiram duas séries paralelas no cuidado das pessoas: uma série 
médica, cujos cuidados eram exercidos em espaço não hospita­
lar, nas casas; e uma série hospitalar, onde a acolhida e disciplina 
da pobreza e das anomalias humanas eram administradas. Com 
aquelas visitas se inicia a era do hospital como disposi�vo de 
cuidado médico, e se estava a produzir efeitos patológicos, esses 
deveriam ser corrigidos para que o hospital seguisse a exercer 
suas funções disciplinadoras no combate à pobreza e marginali­
dade presentes nos espaços urbanos, agregando desde então a 
nobre função de tratar e conceder alívio aos que iriam morrer. 
"O personagem ideal do hospital até o século XVIII não é o 
doente que é preciso curar, mas o p�bre que está morrendo. É 
alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último 
sacramento. Esta é a função essencial do hospital. Dizia-se cor­
rentemente, nesta época, que o hospital era um morredouro, 
um lugar onde morrer. E o pessoal hospitalar não era funda­
mentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas conse­
guir a sua própria salvação. Era um pessoal caritativo - religioso 
ou leigo - que estava no hospital para fazer uma obra de 
caridade que lhe assegurasse a salvação eterna"12• 
Essas idas e vindas na história servem apenas para reforçar 
esse caráter .religioso caritativo das práticas hospitalares, que, 
12Foucault, M. Op. cit., p. 102. 
42 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
apesar de submetidas a outras regras no modo de produção 
capitalista, mantêm até os dias atuais características ambíguas 
entre uma mítica religiosa/ caritativa e as regras gerais de 
mercado típicas das formas de organização das sociedades 
concretas. 
Em outras palavras, queríamos aqui examinar em que 
momento o "oficio"* de cuidar se transforma em "tecnolo­
gia" - "desde quando saberes e equipamentos e suas formas 
de articulação nos processos de trabalho sejam tomados na 
perspectiva totalizante em que correspondem, a um só tem­
po, à arquitetura técnica desses processos e as conexões so­
cialmente determinadasque ligam seus agentes à dinâmica de 
reprodução social, a tecnologia deixa de ser o que é só nas 
aparências, uma opção entre as várias possíveis ainda que 
tomada por referência a motivações de ordem técnica e 
também a motivações de ordem econômica, política e soci­
al"13. Recorreremos à definição de "tecnologia de processo 
de trabalho" para caracterizar o saber e a técnica dos traba­
lhadores enquanto instrumentos tecnológicos tão ou mais 
indispensáveis que os materiais e equipamentos que costu­
mam se confundir com o próprio uso do vocábulo tecnolo­
gia, estendendo-o a esse campo de práticas, constituído desde 
*Oficio (do latim officiu), dever, onde o modo de fazer, além de 
transmitido artesanalmente de uns a outros, tem um sentido introjetado de 
dever, de fazer "o todo" necessário para que a atividade aconteça. 
13Gonçalves, R. B . M. Tecnologia e organização das práticas de saúde. 
Características tecnológicas do processo de trabalho na Rede Estadual de Saú­
de de São Paulo, tese de doutoramento, DMP-FMUSP, 1986, 415 p. 
Acrescente-se ainda toda a contribuição teórico-metodológica que o con­
junto de projetos abrigados no núcleo de investigação "Tecnologia e Orga­
nização Social da Prática Médica" vem desenvolvendo no Departamento 
de Medicina Preventiva da FMUSP a partir da década de setenta. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 43 
o seu nascedouro, com uma dupla ordem de técnicas: as 
técnicas do poder disciplinar - disciplinando o coletivo de 
corpos em desarranjo social; e as técnicas de cuidados médi­
cos - introduzindo seus ritos e saberes instrumentalizados 
pela Clínica enquanto tecnologia individual. 
Podemos tomar aquelas visitas como marcos de transpo­
sição das funções do hospital, registro das mudanças de suas 
características; pelo processo de trabalho transmuda-se o sim­
ples "metier" para uma nova face da tecnologia por força da 
organização do conhecimento e do trabalho; mas na prática, 
se observarmos cada hospital individualmente, veremos que 
tal processo ainda está se constituindo, e que, em muitos 
deles, é possível identificar ambas as fases convivendo nos 
seus interiores. 
Foucault e Gonçalves concordam que as práticas de saúde 
foram estruturadas sobre concepções a respeito da natureza 
da saúde e da doença de alcance social, supra-individual* . 
"Costuma explicar-se esse fato pela ausência de conhecimen­
tos sobre a dimensão individual que fossem capazes de ins­
trumentalizar a prática clínica no sentido de torná-la capaz de 
responder às necessidades socialmente postas: técnicas mate­
riais e diagnósticas que traduzissem o conhecimento do cor­
po anátomo-fisiológico enquando sede dos processos da do­
ença"14. Com isso, fica desde já implícito o caráter plural do 
trabalho hospitalar, enquanto preocupação e obrigações cole­
tivas exercidas no lugar privilegiado de desenvolvimento de 
*Ambos os autores demonstram de diferentes modos que a medicina 
do capitalismo, ou seja, medicina que se constitui da segunda metade do 
século XVIII para cá, é antes de tudo uma medicina social, ao contrário do 
que se apregoa do caráter individualista desta emergência. 
14Gonçalves, R. B . M. Op. cit., p. 138 . 
44 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
práticas sobre a doença. "O capitalismo, desenvolvendo-se 
em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou 
um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de pro­
dução, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os 
indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou 
pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no 
biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, in­
vestiu a sociedade capitalista"15• 
É certo que a história posterga bastante a entrada em 
cena do corpo produtivo, o corpo do trabalhador enquanto 
objeto das práticas de saúde. Somente na segunda metade do 
século XIX, com Chadwick na Inglaterra, é que os produtivos 
e não os mendigos e vagabundos se constituem clientela pre­
ferencial das preocupações sanitárias. E é também nesta época 
que certamente o trabalho na doença também, pressionado 
pela força da industrialização, vai abandonando suas caracte­
rísticas artesanais, de "of
i
cio" e absorve as novas tecnologias, 
dentro de um movimento mais amplo, desencadeado a partir 
do século XVIII, com as invenções da química, da metalur­
gia, da fisica e outras. A medicina e suas técnicas vão sistema­
ticamente preenchendo espaços e determinando novas formas 
de relação e divisão do trabalho no interior dos hospitais16• 
O PROCESSO DE TRABALHO NO HOSPITAL MODERNO 
As diferentes funções que o hospital tem desempenhado 
ao longo de sua história têm dificultado em muito a tarefa 
dos que buscam entender o processo de trabalho hospitalar 
como um corpo de práticas institucionais articuladas às de-
15Foucault, M. Op. cit., p. 80. 
16Foucault, M. Op. cit., p. 105. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 45 
mais práticas sociais numa dada sociedade e submetido a de­
terminadas regras históricas, econômicas e políticas. 
Gonçalves, num cuidadoso trabalho de caracterizar o 
processo de trabalho médico, faz algumas observações que 
muito se aplicam ao trabalho hospitalar, na medida em que 
este último sempre se constituiu no cenário por excelência do 
desenvolvimento das práticas médicas: "é preciso não confun­
di-las com uma atividade criadora livre, à semelhança das 
concepções românticas vulgarizadas sobre a criação artística e 
a investigação científica. Donnangelo chama a atenção para o 
fato de que, por via dessas concepções, os meios de trabalho 
empregados na medicina tendem a ser compreendidos como 
um conjunto de recursos tecnológicos menos ou mais com­
plexos cuja historicidade se perde tanto no caráter científico 
em si, suposto como fato de um desenvolvimento linear, 
como no obscurecimento que esse caráter científico, concei­
tualmente simplificado, promove de sua função de 'instaura­
ção de uma relação particular entre o médico e o objeto da 
sua prática"'17• 
Mas, se o trabalho hospitalar constitui prática concreta, 
em que pesem as suas imprecisões no imaginário dos seus 
agentes e usuários, cabe-nos buscar identificar, como em qual­
quer outro processo de trabalho, quais as suas caracteristicas 
enquanto tal, sobre o que ele se aplica, quais seriam os agentes 
e instrumentos necessários à sua consecução, e que produtos 
estariam construídos no final do seu ciclo de produção. 
Para Marx "Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de 
força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa 
17Gonçalves, R B. M. Medicina e história, raízes sociais do trabalho médico, 
dissertação de mestrado, apresentada ao DMP-FMUSP, São Paulo, 1979. 
46 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano 
abstrato gera valor da mercadoria. Todo trabalho é, por ou­
tro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob for­
ma especificamente adequada a um fim, e nesta qualidade de 
trabalho concreto e útil produz valores de uso"18. Localizado 
no setor terciário, enquanto prestação de serviços, padece o 
trabalho hospitalar de todas as dificuldades "do trabalho sem 
modelo", como rotula Fraivet et alii19• Ele acompanha a ge­
ografia e desejos de sujeitos e objetos dos seus serviços, utili­
zando-se de uma intensa plasticidade e interpenetração de 
modelos de trabalho. A preocupação em melhor instrumenta­
lizar discussões técnicas e sindicais que valorizem e delimitem 
funções e tarefas, habitualmente transigidas no cotidiano dos 
hospitais, tem levado nos últimos anos a um esforço teórico e 
de investigação deste particular processo de trabalho. 
Garcia buscou conceituar os "modos de produção de ser­
viços de saúde" chegando a identificar dois tipos. O primeiro 
seria o "modo de produção artesanal" com as características 
seguintes: os agentes são proprietários dos meios de diagnós­
tico, tratamento e cuidado; não existe um domínio claro de 
uma categoria sobre a outra na relação médico-paciente; 
observa-se uma relaçãode cooperação entre os membros de 
uma mesma categoria, embora a complexidade de instrumen­
tos e conhecimentos possa gerar uma contradição entre o 
desenvolvimento da medicina e as relações existentes, uma 
vez que ficará cada vez mais distante a possibilidade de um só 
indivíduo realizar todas as tarefas de diagnóstico e tratamento 
18Marx, K. O capital - l, Editora Nova Cultural, 2 a edição, São Pau­
lo, 1986, p. 53 . 
19Fraivret, ] . ; Missika, ]. L . & Wolton, A. Le tertiaire éclaté - Le tra­
vail sans modele, Paris, Éditions du Seuil, 1980. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 47 
na medida em que elas se tornam mais complexas . O segun­
do modelo ele denominou de "burocrático", onde os agentes 
perdem o controle do processo global do trabalho: "o indiví­
duo são ou' doente é visto de forma parcelada e surge a 
necessidade de uma organização total do trabalho. Ocorre, 
desta forma, a transformação do hospital, que se converte no 
centro de operações desta nova forma de atenção médica. O 
hospital, cuja função inicial foi o controle social da produção 
considerada desviada e cuja atividade se centrava no cuidado, 
transforma-se no mecanismo coordenador de atenção"20• 
Refere ainda o alto custo e complexidade do arsenal diagnós­
tico e terapêutico, neste segundo tipo de produção de servi­
ços de saúde, além de alertar para o fenômeno de transforma­
ção da prática médica individual na formação de grupos de 
trabalhadores irtdiretos, aos quais os proprietários dos meios 
de trabalho delegam essa função. A propósito desta coletivi­
zação do processo de trabalho em saúde, Donnangelo assi­
nala que o desenvolvimento do trabalho por grupos aparece 
"como características comuns à organização dos serviços de 
saúde nas sociedades que criaram ou incorporaram conheci­
mentos e técnicas médicas refinadas"21; a impossibilidade do 
domínio por um único profissional da totalidade dos conhe­
cimentos e técnicas disponíveis é também enfatizada por ela, 
que destaca o surgimento da especialização como forma de 
divisão técnica do trabalho, resultante da inovação técnico­
científica e a conseqüente dependência entre especialidades: 
"A complementaridade e a dependência manifestam -se, já na 
20García, ]. C. "As ciências sociais em medicina", in Nunes, E. D. (org.) 
Juan Cesar García, ABRASCO/Cortez Editora, São Paulo, 1989, p. 62-63. 
21Donnangelo, M. C. F. Medicina e sociedade, São Paulo, Pioneira 
Editora, 1975, p. 54. 
48 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
divisão do trabalho, nas duas grandes áreas representadas pela 
Clínica e pela Cirurgia. E tendem a reforçar-se, não apenas 
pelas diferenciações internas a elas, mas também pelo apare­
cimento de formas de trabalho referentes a parcelas cada vez · 
menores, embora não menos significativas, da totalidade do 
processo de diagnóstico e terapêutica'm. 
A divisão do trabalho no hospital é a reprodução no seu 
interior da evolução e divisão do trabalho no modo de produção 
capitalista, preservando-se entretanto algumas características da 
religiosidade caritativo-assistencial da etapa anterior. 
Nogueira23 assinala que esta organização de trabalho co­
letivo em saúde tem uma divisão técnica que absorve as ca­
racterísticas de manufatura, e como tal teria no valor de uso e 
sua lógica de qualificação no interior do setor terciário como 
serviço a ser consumido. Identifica que a decomposição do 
processo de trabalho em tarefas isoladas é acompanhada de 
uma integração através de uma hierarquia de profissionais e 
serviços que se constitui no fundamento da produtividade do 
setor, e depende ainda, substancialmente, do conheciment0 e 
destreza do trabalhador. Ele chama a atenção para o quão 
dinâmica tem sido a área de assistência à saúde na incorpora­
ção de novas tecnologias, o que entretanto não tem significa­
do uma economia da força de trabalho, ou seja, a despeito do 
acentuado dinamismo tecnológico, o setor é essencialmente 
de trabalho intensivo. 
À guisa de situarmos esta discussão das novas tecnologias 
no âmbito do moderno hospital a partir da identificação de 
22Idem, ibidem, p. 55 . 
23Nogueira, K. P. Força de trabalho em saúde. Textos de apoio, Pla­
nejamento I, ABRASCOjFIOCRUZ, Rio de Janeiro, 1987, p. 13-18 . 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 49 
aportes tecnológicos introduzidos no sentido de aperfeiçoa­
mento de diagnósticos e terapêuticas, poderemos assinalar 
algumas mudanças significativas que o hospital vem incorpo­
rando nas últimas décadas, transformando cada vez mais suas 
características de "oficio" em "processo tecnológico" de tra­
balho. 
As análises biológico-bioquímicas processadas há várias 
décadas induziam a uma possibilidade de erro de leitura em 
torno de 20% e o tempo de divulgação dos resultados ultra­
passava 24 horas. O uso da informatização no processamento 
dos resultados e o aperfeiçoamento dos aparelhos de análises 
reduziu em muito a margem de erros, aumentou o número e 
velocidade dos exames e certamente introduziu a mudança 
do número e perfil do trabalhador do laboratório24• Se por 
um lado este avanço tecnológico ao automatizar e agilizar a 
realização de exames trouxe inequívocos beneficios, por ou­
tro, reduziu o número de pessoas envolvidas na sua execução 
e desqualificou um saber antes totalizado pelo trabalhador. A 
automatização de segmentos do processo de trabalho reori­
entou o seu ritmo e domínio das suas etapas, mas ao des­
qualificá-lo tornou seus autores elementos dispensáveis. Pa­
radoxalmente, a atenção requerida pelos novos procedimen­
tos e aparelhagem cada vez mais ágeis e especializados requer 
a presença de um trabalhador mais atento e condicionado. 
A complexidade em se pensar o binômio saúde-doença 
enquanto prestação de serviço, força de trabalho e institui­
ções concretas que operacionalizam o atendimento a pessoas 
não é nova, nem tem sido de simples equacionamento. No­
gueira tem desenvolvido uma tentativa teórico-conceitual de 
24Fraivret, J. et alii. Op. cit., p. 179. 
50 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
definir serviços de saúde privilegiando conceitos e categorias 
marxistas. Busca na obra de Marx identificar em quais mo­
mentos aquele autor pôde dirigir sua atenção a esse ramo 
terciário da economia25 . Embora refira uma citação do pró­
prio Marx: "todas as manifestações da produção capitalista 
nesta esfera são tão insignificantes, comparadas com a totali­
dade da produção, que podem ser postas de lado"26, certa­
mente oportuna, posto que tal atividade, que hoje cresce 
significativamente, tinha realmente pouca expressão à sua 
época. 
Apesar disso há quem classifique o trabalho em saúde 
como algo que se limita ao seu efeito útil, "a produzir valores 
de uso estrito, não mercantis. É o trabalho que s� consome 
como atividade útil por si mesma, devido ao conhecimento e 
capacidade técnica que o orientam, dirigindo-se quer a perso­
nalidade viva do usuário, quer a algum objeto de sua pro­
priedade" * . Esse esboço de discussão é para assinalar que o 
trabalho hospitalar, enquanto serviço, obedece às mesmas re­
gras gerais de determinação econômica que outras atividades, 
oferecendo porém maior complexidade de análise ao envolver 
a discussão sobre valor. 
Por uma cultura própria, onde as relações de poder e 
disciplina atravessam as diversas atuações no seu interior sem 
serem vistas ou examinadas de forma clara, até porquanto 
25Nogueira, R. P. N. Capital e trabalho dos serviços de saúde. Introdu­
ção e o conceito de serviços. Determinação geral ( mimeo) . 
26Marx, K. Theories of Surplus Value, Moscou, Progress Publishers, 
1969, Part I, in Nogueira, R. P. Op. cit., p. 5 . 
*Brigton Labor Process Group. "O processo de trabalho capitalista", 
in Capital and Class I. Inglaterra, 1976 (mimeo), discutindo no trabalho 
de Marx a noção de valor. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 5 1 
não se manifestam de modo transparente, é tendência institu­
ída infantilizar o doente, submetendo-o ao paternalismo, fato 
que se manifesta de incontáveismaneiras no dia-a-dia do 
hospital. Ao doente cabe confiar no médico e na medicina, 
comunicando suas experiências íntimas, pessoais e corporais. 
Em contrapartida não é sequer de bom tom, ou melhor, fere 
as recomendações éticas e técnicas mais elementares, que um 
gesto afetivo e igual apareça na relação do técnico com o 
enfermo. A posição "infante" do doente frente às autoridades 
do hospital se vê simbolizada a cada momento nos signos 
utilizados, mais particularmente pelos médicos, no que é se­
guido pelos demais trabalhadores do hospital . A linguagem é 
uma forma muito característica desta forma de dominação: o 
doente se comunica do seu modo vulgar, coloquial. O médi­
co, ao contrário, fala parcialmente a mesma linguagem com 
ele, e de uma outra forma sobre ele, utilizando-se dos jargões 
próprios da técnica; técnica que é a própria materialização do 
desenvolvimento científico e tecnológico e que tem no saber 
e no como fazer, ou seja, no processo de trabalho, as deter­
minantes dos seus êxitos maiores ou menores. 
A DIVISÃO DO TRABALHO HOSPITALAR E O DOENTE 
As primeiras vocações para o cuidado dos enfermos certa­
mente se situam no âmbito da religião e não da ciência e da 
técnica. "0 conjunto das transformações tecnológicas, eco­
nômicas e sociais, correlatas ao nascimento e ao desenvolvi­
menta das cidades e, em particular, aos progressos de divisão 
do trabalho e à aparição da separação do trabalho intelectual 
e do trabalho material, constitui a condição comum de dois 
processos que só podem realizar-se no âmbito de uma relação 
de interdependência e de reforço recíproco, a saber, a cons-
52 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
tituição de um campo religioso relativamente autônomo e o 
desenvolvimento de uma necessidade de 'moralização' e de 
sistematização de crenças e práticas religiosas"27. Bourdieu, 
ao discorrer sobre os sistemas simbólicos no campo religioso, 
nos instiga a buscar o entendimento da resignação e renúncia 
que se apresentam nas atitudes abnegadas dos que se dedi­
cam ao cuidado dos enfermos, moribundos, desejando talvez 
o deslocamento de aspirações e conflitos através da compen­
sação e transfiguração simbólica - promessa de salvação, por 
exemplo. 
Considerando a separação dos trabalhos intelectual e ma­
terial, atravessada por determinantes econômico-sociais mais 
diretas, não se pode deixar de lado a religiosidade dos sujei­
tos. Malgrado administrada dentro de um arsenal religioso 
específico ou não, tem através dos tempos desempenhado 
uma importante função no estabelecimento de regras gerais 
de sociabilidade como as que, por exemplo, determinam que 
pessoas enfermas devam ser cuidadas e que tais cuidados pos­
sam significar o oficio de um contingente de pessoas cujas 
características externas e internas à sua individualidade devam 
merecer um reconhecimento social de generosidade e abne­
gação. 
Generosidade dos que tratam versus gratidão dos tratados 
e suas famílias se constitui numa troca simbólica que se mate­
rializa e modifica através dos tempos e das mudanças concre­
tas, das regras gerais de produção das sociedades. O trabalho 
era anteriormente despendido de modo generoso, sem qual­
quer remuneração, por pessoas cujas vocações religiosas e 
27Bourdieu, P. A economia das trocas simbólicas, 2il edição, São Paulo, 
Editora Perspectiva, 1987, p. 52-53. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 53 
humanitárias, por caridade ou penitência, buscavam apenas 
uma compensação de ordem moral e espiritual como contra­
partida ao tempo e esforço utilizados28 . 
Numa breve cronologia dos cuidados com os doentes ao 
longo dos tempos, Mello assinala na era pré-cristã o preparo 
de pessoas que possuíam algumas habilidades e conhecimen­
tos para assumir o cuidado dos doentes (sacerdotes, feiticei­
ros e mulheres, habitualmente) . No Egito já se estratificavam 
os sacerdotes que cuidavam de ricos e os sacerdotes que cui­
davam de pobres, assim divididos. Na Roma antiga tal ativi­
dade era indigna para os cidadãos romanos, sendo exercida 
por estrangeiros ou escravos. Na Idade Média os religiosos a 
assumem, desenvolvendo-a muito nos séculos XI e XII com a 
organização das Cruzadas . 
No entanto, uma questão de gênero sempre se impôs. 
Este tem sido um trabalho tipicamente feminino em todas as 
épocas: "Por séculos, as mulheres foram doutores sem gradu­
ação, afastadas de livros e leis, aprendendo umas das outras e 
passando experiência de vizinha a vizinha, de mãe para filha. 
Foram chamadas de mulheres sábias pelo povo e bruxas e 
charlatãs pelas autoridades"29 • Contemporaneamente, entre­
tanto, as leigas e religiosas são fatos quase passados, substitu­
ídas que foram por profissionais de enfermagem que parce-
28Até fins do século XVIII os doentes, especialmente os pobres (já que 
os ricos sempre receberam tratamento nas suas casas pelos médicos e bru­
xos disponíveis), Úam cuidados em casas pias. O cuidar entendido como 
todos os intuitivos e domésticos rituais de ajuda e não necessariamente 
prescrições e tratamentos. Presume-se que uma parcela desses abrigados 
acabaram melhorando ou mesmo curando-se. O mais provável é que estes 
cuidados propiciaram, no mínimo, uma morte abrigada e menos solitária. 
29Mello, C. A divisão social do trabalho de enfermagem, São Paulo, 
Cortez Editora, 1986, p. 34, citando Ehrenreich, 1973:148. 
54 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
lam suas atividades, dividindo-as entre os mais e os menos 
graduados. Os atos técnica e socialmente mais qualificados, 
herdados, por sua vez, dos atos médicos, ficam com a enfer­
magem de nível superior - os enfermeiros, que chefiam e 
supervisionam, por sua vez, a enfermagem de nível médio e 
elementar, auxiliares e atendentes, que executam o trabalho 
menos qualificado, expondo-se mais tempo aos enfermos. Tal 
organização piramidal recupera a disciplina enquanto técnica, 
docilizando e contendo os corpos, através de uma competen­
te estratégia de controles e olhares hierarquizados, aprovei­
tando a mesma hierarquia instituída com base no saber. 
As tarefas dos auxiliares e atendentes são, a um só tempo, as 
mais intensas, repetitivas e social e financeiramente pior valoriza­
das. Além de conviver mais tempo com os enfermos, os acompa­
nham mais de perto, anotam com detalhes suas reações, cum­
prindo toda a estratégia de vigiar a vida e a morte dos internados, que 
é, em si, a atribuição do hospital como um todo. 
A questão que aqui se coloca, no interior da divisão do 
trabalho hospitalar, são as estratégias que fazem com que a 
inteligência necessária na administração dos cuidados aos enfer­
mos cada vez mais se concentre em um número restrito de 
trabalhadores (alguns médicos e algumas enfermeiras) que con­
cebem instrumentos, automatismos, rotinas e padronizações de 
conduta, e cada vez mais subtraem a atividade de reflexão dos 
demais trabalhadores sobre o seu objeto de trabalho. Cabe a 
esses executar as prescrições dos primeiros de modo autômato. 
Não é o que supõe Freyssenet ao discutir esta questão sobre 
os trabalhadores em geral: "Se a diversidade das qualidades so­
licitadas aos assalariados tomam incomparáveis as tarefas que 
estes efetuam em períodos diferentes, a qualificação que exigem 
pode ao contrário ser avaliada pelo único ponto comum que elas 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 55 
têm entre si: o tempo de reflexão sobre a prática requerida para 
adquirir e manter as qualidades singulares que necessitam, sejam 
estas a habilidade, a força fisica, a imaginação, a capacidade de ler 
e escrever, de raciocínio matemático etc . . . todas essas qualidades 
exigindo reflexão para serem adquiridas e empregadas"30• Tratar­
se-ia então de conceber um processo de qualificação técnica do 
·trabalho que considere as habilidades necessárias para o trabalho 
cotidiano de quem efetivamente assiste no hospital, valorizando 
inclusive o que há de tecnologias informais e domésticas no 
desempenho das atividades, criando uma espiral de conhecimen­
tos onde o saber técnicoe o saber informal intuitivo se com­
plementem, modificando o fluxo de mão única na legitimação 
dos saberes: trabalho intelectual - trabalho material ( en,rique­
cendo-os mutuamente). Até porque, a distância entre o trabalho 
prescrito e o trabalho real, objeto de investigação da moderna 
ergonomia, é uma demonstração de que, sem determinados ar­
ranjos desenvolvidos individualmente por cada trabalhador, di­
ficilmente as prescrições e rotinas de trabalho produzidas em 
escritórios, ou qualquer espaço de normatização, se executam tal 
qual prescritas, e uma vez assim acontecendo, nada garante que 
os resultados sejam os esperados. 
A questão não é simples e a "ficção e realidade do traba­
lho" tem sido objeto de algumas e cuidadosas investigações31 
3°Freyssenet, M. A divisão capitalista do trabalho, texto mimeografado 
do curso "Tecnologia, Processos de Trabalhos e Políticas de Emprego", 
Sociologia USP (tradução Helena Hirata) . 
31Daniellou, F.; Laville, A. & Teiger, C. Fiction et realité du travail 
ouvrier, Les Cahiers Français, n° 209, jan.jfev., 1983:39-45; e Rolle, P. O 
que é a qualificação do trabalho?, in Hirata, H. (org. ) - A Divisão Capi­
talista do Trabalho, Tempo Social, Rev. Sociol. USP, São Paulo, 1 (2) 73-
1 03, 2°. sem. 1989. 
56 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
que têm demonstrado que uma separação radical entre o 
trabalho de concepção e a execução de tarefas, além de pro­
duzir uma divisão de trabalho socialmente perversa e "racis­
ta", separando de um lado a minoria pensante, detentora do 
conhecimento, e, de outro, a maioria alienada, executora das 
atividades desqualificadas e repetidas, parece não estar dando 
os resultados previstos sequer para os detentores dos meios 
de produção ou, no nosso caso, os responsáveis pelas organi­
zações. 
Sobre os danos causados aos trabalhadores nesses proces­
sos de dissociação e fragmentação das tarefas, para além do 
senso comum, já se acumulam vários trabalhos que assim os 
demonstram (inclusive o aqui citado de Daniellou e colabora­
dores) onde conseqüências psicossociais, econômicas e da 
vida global dos trabalhadores estão sendo mapeadas . 
Fica ainda uma discussão sobre a qualificação dos traba­
lhadores, entendida enquanto conjunto de procedimentos 
que sancionam a autonomia do trabalhador para o desempe­
nho de sua tarefa. Esta fica bastante prejudicada dentro da 
divisão do trabalho que estamos observando. "Admitamos, 
por exemplo, que existe uma qualificação do posto e uma 
qualificação do trabalhador que o ocupa. É então inconcebí­
vel que tais qualificações coincidam necessariamente, assim 
como é inconcebível que elas divirjam. Se essas duas realida­
des evoluem independentemente uma da outra, a noção de 
qualificação é artificial e inútil. Se elas são relacionadas uma a 
outra, a qualificação designa evidentemente esta correspon­
dência." 
Quando Taylor, um dos idealizadores da organização ci­
entífica do trabalho (OCT, 1 9 1 1 ), propôs uma racionalidade 
científica para o trabalho baseado na divisão das tarefas em 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 57 
seus elementos mais simples, seguida d,e um agrupamento em 
funções semelhantes, fragmentando e especializando �s tare­
fas com o intuito de reduzir movimentos e gastos energéti­
cos, fez aumentar assim a produção, instituindo "um modo 
operatório cientificamente estabelecido", onde cada gesto, 
cada seqüência, cada movimento na sua forma e no seu rit­
mo, uma vez dividido o modo operatório complexo em 
gestos elementares mais fáceis de controlar por unidades, 
puderam ser vigiados e controlados por um sistema hierárqui­
co complexo formado por mestre, contramestres, cronome­
tristas etc. 32 
Dejours, ao comentar os danos psicopatológicos da 
OCT, identifica uma tripla divisão: "divisão do modo ope­
ratório, divisão do organismo entre órgãos de execução e 
órgãos de concepção intelectual, enftm, divisão dos homens 
compartimentados"33. Dos elementos mais danosos desta te­
oria e prática, que inegavelmente é um pormenorizado estu­
do e sirimltaneamente uma proposta até hoje muito bem 
aceita por cientistas e capitalistas, é a perda da responsabilida­
de pelo trabalhador na sua relação com a tarefa elementar, 
desencadeando um processo de estranhamento e alienação do 
processo de trabalho, elementos facilitadores de estados e 
manifestações patológicas de ansiedade. 
Um outro aspecto que nos cabe aqui examinar como 
característica do trabalho hospitalar enquanto prestação de 
serviço é a necessidade de funcionamento diuturno, implican­
do, no nosso meio, o regime de plantões. 
uTaylor, F . W. Princípios da administração cientiftca, Ed. Atlas, 7a 
edição, São Paulo, 1978, p. l l O. 
· 
33Dejours, C. A loucura do trabalho, Cortez/Oboré, São Paulo, 2 a 
edição, 1987, p. 59. 
58 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Rutenfranz chama a atenção para o fato de que o traba­
lho em turnos não é uma invenção da era industrial, já exis­
tindo desde que os homens se organizam em cidades e esta­
dos. Entre as atividades que têm seus grupos profissionais 
trabalhando em regime de turnos há mais tempo estão justa­
mente os de serviços de auxílio (enfermeiras, parteiras e médi­
cos) e os de serviços de guarda (vigias, policiais, bombeiros etc.). 
Destaca como razões para a organização do trabalho em 
turnos, na atualidade, três ordens de justificativas: as necessi­
dades de natureza tecnológica, onde em certos ramos da pro­
dução a interrupção do processo produtivo, se respeitadas as 
jornadas habituais de trabalho, não se faria sem o prejuízo da 
qualidade dos produtos (altos-fornos, por exemplo é citada); 
as imposições econômicas exigindo que maquinaria de preço 
alto tenha de ser utilizada ininterruptamente para permitir o 
retorno do investimento em tempo hábil, e o atendimento da 
população, situação essa em que nos incluímos pelo fato de o 
hospital constituir uma reíftguarda diuturna de atendimento 
de demandas de cuidados intensivos de saúde, particularmen­
te nos espaços urbanos. Rutenfranz et alii, comentando a 
pouca discussão que acontece a respeito do assunto, assi­
nala: "Pode-se atestar a pouca consciência pública dos pro­
blemas específicos dos turnos no setor de serviços pelas difi­
culdades dos grupos profissionais desta área em torná -los 
compreensíveis e divulgá-los para o grande público. É preciso 
lembrar sempre que nossos desejos e nosso comportamento, 
em parte egoístas, determinam a extensão dos turnos da so­
ciedade"34. 
34Rutenfrani, J . ; Knauth, P. & Fisher, F. M. Trabalho em turnos e 
noturno, São Paulo, Hucitec, 1989, p. 23. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRÁTICAS 59 
Estudos de cronobiologia aplicados à organização do tra­
balho têm levantado aspectos irreconciliáveis do trabalho rea­
lizado em turnos (noturno por excelência), onde os sincroni­
zadores individuais estão invertidos em relação aos demais 
sincronizadores sociais, violentando também os ritmos circa­
dianos, trazendo desordens na esfera biológica, psicológica e 
social desses trabalhadores e seus familiares, habitualmente 
desconsiderados nos acordos de trabalho e sequer presentes 
como eixo de preocupação deles próprios ou mesmo dos 
profissionais de saúde: "As conseqüências a longo prazo 
dessas alterações estão ainda por ser esclarecidas. Teiger et 
alii, comparando taxas de mortalidade entre trabalhadores 
exercendo profissões semelhantes no setor gráfico, mostraram 
que, entre trabalhadores noturnos, a mortalidade era mais 
precoce do que a dos trabalhadores diurnos. Não se pôde 
afirmar com certeza que o trabalho em turnos fosse o res­
ponsável pelos resultados mas os autores o consideraram 
como um dos fatores a serem levados em conta"35• 
O regime de turnos e plantões abre a perspectiva de du­
plos empregos e jornadas de trabalho, comum entre os traba­
lhadores de saúde, especialmente num país onde os baixos 
salários pressionam para tal. Tal prática potencializa a ação 
daqueles fatores que por si só danificam suas integridades 
fisica e psíquica.35Ferreira, L. L. "Aplicações de cronobiologia na organização do tra­
balho humano", in Introdução ao estudo da cronobiologia, São Paulo, Íco­
ne/Edusp, 1988, p. 248 (editado por Cipola-Neto, J.; Marques, N. e 
Menna-Barrçto, L. S . ) . 
Capítulo 3 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO 
A CONTRAPARTIDA 
La vie et non la mort, !e travail et non l'émotion, 
l'expérience humaine en un mot, c'est-à-dire la 
liberté. Car c'est la présence implicite de la mort 
qui transforme la liberté en ce pouvoir théorique 
et en cette pureté idéale et impuissante qui n 'a de 
cessé !e travail a !'origine de l'être, c'était pour 
indiquer que la liberté n'est rien d'autrc que la 
nature humanisée et justifiée, l'acte ontologiquc 
du travail, l'expérience humaine. 
Vuillemin, 1949 
EXAMINEMOS AS RESPOSTAS INDIVIDUAIS E COLETIVAS 
,que o lidar cotidiano com doenças e morte, enquanto avatar
· 
da própria existência humana, provoca e transforma impulsos 
primitivos desses atores privilegiados que são os trabalhadores 
de hospitais, em atuação concreta através de processos tecno­
lógicos de saúde. 
"A situação de trabalho suscita sentimentos muito fortes 
e contraditórios na enfermeira: piedade, compaixão e amor; 
culpa e ansiedade; ódio e ressentimento contra os pacientes 
62 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
que fazem emergir esses sentimentos fortes, inclusive inveja 
ao cuidado oferecido ao paciente�'36. De modo tocante, 
Menzies pontua sentimentos e ansiedades profundos e inten­
sos que o trabalhador de um hospital enfrenta na sua rotina 
de trabalho, que se prende fundamentalmente em assumir os 
cuidados de pessoas doentes que por esta ou aquela razão 
não podem ser tratadas nas suas próprias casas. A principal 
responsabilidade no exercício dessa tarefa costuma recair com 
maior intensidade sobre a equipe médica, diretoria técnica e, 
de modo mais contundente, sobre o serviço de enfermagem 
que deve prover de cuidados contínuos os pacientes ali inter­
nados, durante as vinte e quatro horas do dia, dia após dia, 
até o desfecho esperado, um amplo leque de possibilidades 
que vai da cura à morte. 
Esse contato constante com pessoas fisicamente doentes 
ou lesadas, adoecidas gravemente, com freqüência, impõe um 
fluxo contínuo de atividades que envolvem a execução de 
tarefas agradáveis ou não, repulsivas e aterrorizadoras muitas 
vezes, que requerem para o seu exercício, ou uma adequação 
prévia à escolha de ocupação (refiro-me aos ajustes que o 
psiquismo de cada um estabelece para alcançar um grau míni­
mo de satisfação com as profissões escolhidas) ou um exercí­
cio cotidiano de ajustes e adequações dê estratégias defensivas 
para o desempenho das tarefas. "0 contato íntimo com os 
36Menzies, I. "The Functioning of Organizations as Social Systems of 
Defense against Anxieties", Institute of Human Relations, 1970, artigo 
traduzido e adaptado por Arackcy Martins Rodrigues. Relata um trabalho 
de uma psicanalista desenvolvido num hospital-geral de Londres, de 700 
leitos, com programas de formação de médicos e enfermeiros, a convite da 
administração do próprio hospital para rever métodos de desenvolvimento 
do trabalho hospitalar. 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 63 
pacientes mobiliza fortes desejos e conteúdos libidinosos e 
eróticos que podem ser dificeis de controlar"37• Buscando 
entender a natureza da ansiedade produzida neste contato, 
Menzies invoca as fantasias inconscientes, habitualmente es­
truturadas na primeira infància, quando a criança experimenta 
dois tipos opostos de sentimentos e impulsos: os libidinosos, 
que caminham conceitualmente para o que se denomina 
instinto de vida, e os impulsos agressivos que se associam ao 
conceito de instinto de morte. "A criança experimenta oni­
potências e atribui uma realidade dinâmica a esses sentimen­
tos e impulsos. Ela 
_
acredita que os impulsos libidinosos são 
literalmente doadores de vida e os impulsos de morte, assas­
sinos. A criança atribui sentimentos, impulsos e poderes si­
milares a outras pessoas e a partes importantes das pessoas. 
Os objetos e instrumentos dos impulsos libidinosos e agres­
sivos são sentidos como sendo o corpo e os produtos cor­
póreos da própria criança ou de outras pessoas. As experiên­
cias fisicas e psíquicas estão intimamente ligadas nesse perío­
do . . . A criança teme pelo efeito das forças agressivas sobre as 
pessoas que ela ama e sobre si mesma. Ela teme as exigências 
que recairão sobre seus ombros para a reparação, punição e 
revanche que podem atingi-la . . . A pungência da situação é 
maximizada porque o próprio amor e o desejo são sentidos 
como sendo muito próximos.da agressão"38 • E Menzies con­
tinua desenvolvendo um modelo de entendimento da ansie­
dade infantil, utilizando-se de referenciais analíticos kleinia­
nos para intuir que o impacto que a doença dos doentes, 
associado ao "stress" psicológico de familiares destes ou 
37Idem, ibidem, p. 6. 
38Ibidem, p. 8. 
64 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
mesmo de colegas de trabalho, são capazes de produzir uma 
cadeia inconsciente de associações que fazem com que 
o papel de enfermagem reedite situações primitivas que in­
crementam sua própria ansiedade e dificuldade em lidar 
com ela. 
"Os pacientes e parentes nutrem sentimentos complica­
dos em relação ao hospital, que são expressos particularmente 
e mais diretamente às enfermeiras e que, freqüentemente, as 
confundem e angustiam. Os pacientes e parentes demons­
tram apreço, gratidão, afeição, respeito; uma comovente 
crença de que o hospital funciona; prestimosidade e preocu­
pação para com as enfermeiras em seu dificil trabalho. Mas os 
pacientes freqüentemente se ressentem de sua dependência; 
aceitam de má vontade a disciplina imposta pelo tratamento e 
pela rotina hospitalar; invejam as enfermeiras pela sua saúde e 
competência; são exigentes, possessivos e ciumentos. Os paci­
entes, tal como as enfermeiras, experimentam fortes senti­
mentos libidinosos e eróticos, estimulados pelos cuidados de 
enfermagem, e às vezes se comportam de maneira a aumentar 
as dificuldades das enfermeiras, por exemplo, através da expo­
sição fisica desnecessária. Os parentes podem igualmente ser 
exigentes e críticos, principalmente porque sentem que a 
hospitalização implica inadequações em si mesmos. Eles inve­
jam a competência da enfermeira e têm ciúmes do contato 
íntimo que ela mantém com o seu paciente"39• O que a au­
tora assinala na sua observação cuidadosa é que, de modo 
sutil, as exigências psicológicas que são feitas, paciente e fa­
miliar, vão além do simples cuidado fisico, das tomadas de 
pressão e temperatura e das aplicações de terapêuticas. O 
39Ibidem, p. 9. 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 65 
hospital é um espaço mítico que deve conter e administrar os 
problemas emocionais provocados pelo doente e sua doença 
e toda a rede de relações sociais que a eles se vinculam. 
Sentimentos como depressão e ansiedade de doentes e 
familiares devem naturalmente ser projetados no hospital, 
através de seus elementos de mediação - os trabalhadores 
do hospital -, a quem cabe decidir questões importantes, e 
assumir responsabilidades que, de uma forma igualmente na­
tural, poderiam e até mesmo deveriam ficar com os enfermos 
e suas famílias. 
O risco de ser invadido por ansiedade intensa e incon­
trolada está presente na própria natureza do trabalho e cer­
tamente atenuada ou estimulada pelo próprio processo tec­
nológico do trabalho no hospital . 
Para Menzies, ao se desenvolver uma estrutura, uma cul­
tura e seu modo de funcionamento, uma organização social é 
influenciada por vários fatores interatuantes, principalmente: 
as tecnologias40 disponíveis para a execução da tarefa, as ne­
cessidades de satisfação social, profissional e psicológica dos 
membros da organização e os relacionamentos e pressões so­
ciais que sobre esta atuam. 
Os membros da organização desenvnlvem mecanismos de 
defesas estruturados socialmente que tendem a se torn.ar as­
pectos da realidadeexterna com a qual os nevas e os antigos 
membros da instituição devem entrar em acordo. 
Tais defesas poderiam, de um modo esquemático, ser 
classificadas em: l ) Fragmentação da relação técnico-paciente 
40Menzies, I. Op. cit., p. 1 5 . Tecnologia aqui vista, como define Ricar­
do Bruno M. Gonçalves, não como um conjunto de parafernálias hospita­
lares, mas o "modo de fazer", socialmente articulado de uma referida 
prática. 
66 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
(quanto mais íntimo for este relacionamento, mais o técnico 
e�tará· propício a experimentar angústia, portanto vale qual­
quer iniciativa na direção de parcelar as tarefas no sentido de 
reduzir os tempos de contato do técnico com o doente); 
2 ) Despersonalização e negação da importância do indivíduo 
- qualquer paciente é igual a qualquer outro paciente, por­
tanto, ele não é alguém com registro afetivo diferenciado. 
Existe uma "ética" implícita de que todos devam ser tratados 
de igual maneira e que não existem doentes ou doenças que 
se individualizem e personifiquem. As vestes iguais de doen­
tes e os uniformes dos técnicos se encarregam de introduzir 
um signo asséptico, embora, é claro, preservando uma relação 
de poder no cuidado pasteurizado e indiferenciado destes 
sobre aqueles; 3 ) Distanciamento e negação de sentimentos, é 
o terceiro e conseqüente momento aos dois primeiros, onde 
sentimentos têm de ser controlados, o envolvimento refrea­
do, as identificações perturbadoras evitadas. Para isso a redu­
ção das diferenças individuais exerce um importante papel no 
desenvolvimento desta necessária couraça; 4) Tentativa de 
eliminar decisões pelo ritual de desempenho das tarefas. A 
eterna procura de rotinas e padronizações de condutas não 
tem justificativa apenas na econo.mia objetiva de gestos e 
procedimentos. Embora exista sempre nas instituições con­
cretas um dispêndio de tempo no esforço de padronizar os 
processos de cuidados aos enfermos, tal dispêndio de tempo 
e energia funciona como um ritual de postergação e controle 
de decisões a serem tomadas frente a numerosas demandas 
que cada doente é capaz de produzir. Nada como antecipar 
escutas e respostas para não ter, a cada momento, de dedicar­
se de corpo e alma às demandas brutas, não estabelecidas em 
quaisquer sistemas de classificação e respostas. O ritual co-
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 67 
nhecido cumpre uma função de reduzir ansiedades e minimi­
zar o discernimento individualizado de cada profissional em 
planejar o seu trabalho; 5 ) Redução do peso da responsabili­
dade - todas as possibilidades de fuga da angústia da res­
ponsabilidade e decisão estarão sendo mobilizadas através de 
uma série de verificações e contraverificações que o próprio 
parcelamento e fragmentação das tarefas, de cuidados aos 
doentes numa instituição concreta, se encarrega. "O peso 
psicológico da ansiedade gerada por uma decisão final e total 
feita por uma única pessoa é dissipado de inúmeras maneiras, 
de forma a reduzir seu impacto . . . uma proteção adicional 
contra o impacto da responsabilidade específica para tarefas 
específicas é fornecida pelo fato de que a estrutura formal e o 
sistema de papéis não logram definir de maneira suficiente­
mente clara quem é responsável pelo que e por quem"41 . A 
obscura linha de definições e mando deverá percorrer a hie­
rarquia - acima e abaixo - diluindo sempre e criando solu­
ções facilitadoras para projeções e fugas nos atos de descuido 
e imperícia. "As enfermeiras enquanto subordinadas tendem 
a se sentir muito dependentes de suas superioras sobre quem 
elas investem psicologicamente através da projeção de algu­
mas de suas próprias partes melhores e mais competentes. 
Elas sentem que suas projeções lhes dão o direito para esperar 
que suas superioras assumam seu trabalho e tomem decisões 
por elas. Por outro lado, as enfermeiras, enquanto superioras, 
sentem que não podem confiar inteiramente em suas subor­
dinadas, nas quais elas psicologicamente colocam as partes 
irresponsáveis e incompetentes de si mesmas"42• 
41Menzies, I. Op. cit . , p. 22. 
42Idem, ibidem, p. 25 . 
68 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Os assim chamados sistemas sociais de defesa43, como os 
descritos acima, cuja função primordial é ajudar o indivíduo a 
fugir da ansiedade, culpa, dúvida e incerteza, são aqui trazi­
dos como um modelo explicativo para a complexa dinâmica 
da interação técnico-paciente numa instituição hospitalar, 
embora não único ou exclusivo. 
Uma outra linha de contribuições interessantes para os es­
tudos de saúde mental e trabalho vem dos estudos desenvolvi­
dos no Laboratoire de Physiologie du Travail et d'Ergonomie 
du CNAM, Paris, em trabalhos conduzidos por Wisner44. Ao 
buscar estabelecer uma relação entre organização do trabalho, 
carga mental e sofrimento psíquico, avalia que a evolução da 
tecnologia para uma série de trabalhos, inclusive o trabalho hos­
pitalar, tem se revestido de componentes cognitivos complexos e 
determina muitas vezes sobrecargas mentais nos trabalhadores. 
O desafio se coloca justamente na constituição de um 
instrumental teórico-metodológico que se encarregue de me­
dir tais sobrecargas, estabelecendo um nexo causal com de­
terminadas condições e características do trabalho. Nas suas 
análises e medidas face às atividades mentais no trabalho, 
Wisner costuma considerar a percepção, a identificação, a 
decisão, a memória para fatos recentes, e o programa de ação. 
E tais análises se fazem não com o que os operadores supõem 
fazer, mas sim com o que eles realmente realizam como res­
postas às exigências do sistema. 
43Categorias criadas por Jacques ( 1955) e detalhadas por Izabel Men­
zies no trabalho anteriormente citado para ajudar a entender as estratégias 
defensivas utilizadas pelos trabalhadores !}O trabalho hospitalar. 
44Wisner, A. Ergonomie, travail mental, antropotechnologie, textes gé­
néreux 111, 1976- 198 1 , Paris, Collection de Phisiologies du Travail et 
d'Ergonomie du CNAM, 198 1 . 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 69 
Os sinais de sofrimento psíquico (expressão verbal, com­
portamento neurótico, doenças psicossomáticas) podem estar 
relacionados, a partir das suas observações, a aspectos especí­
ficos de certos grupos de tarefas. Tais aspectos são particular­
mente encontrados em modalidades de organizações que ex­
põem trabalhadores a atividades perigosas (caldeiras, platafor­
mas), que costumam produzir mais situações de conflito que 
momentos de prazer no trabalho, condicionando o uso de 
alguns estereótipos: a interrupção freqüente das tarefas, uma 
auto-aceleração mental etc. 
A ênfase de "melhor adaptar o trabalho ao trabalhador" 
assumida por este grupo de investigação, que o diferencia de 
modo substancial da ambigüidade encontrada na ergonomia 
clássica e de uma atitude antitrabalhador, mais explícita da 
administração científica de Taylor, onde a adaptação do tra­
balhador à linha de produção é a tônica da cientificidade da 
teoria, tem trazido contribuições importantes para a identifi­
cação da organização do trabalho como objeto de atenção 
particular, ainda que outros fatores tenham a ver com o sofri­
mento psíquico dos trabalhadores. Assinala que a profunda 
ignorância por parte dos gerentes das organizações quanto às 
características fisiológicas e psicológicas do homem se consti­
tui num fator importante na inadaptação entre o que se su­
põe que os trabalhadores façam e aquilo que efetivamente 
eles são capazes de fazer, e justamente a distância entre a 
tarefa prescrita e o trabalho real é o que constitui a chave 
desta análise ergonômica do trabalho. Wisner também defen­
de que se examine três ordens de comportamento nas análises 
ergonômicas do trabalho: primeiro, os comportamentos de 
ação medida em estudos de tempos e movimentos; segundo, 
os comportamentos de observação, avaliados essencialmente 
70 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
graças a posturas e movimentos dos corpos, cabeças e olhos 
(porexemplo, seqüência de movimentos oculares numa de­
terminada tarefa), e terceiro, o comportamento da comunica­
ção, de captação essencialmente verbal, embora também se­
miótica, uma vez que não se contenta com a linguagem for­
mal dos sinais corporais codificados, mas também com a ex­
pressão corporal informal45• 
A inegável contribuição trazida por Wisner para o estudo 
de correlações de agressões dos ambientes de trabalho com a 
saúde dos trabalhadores consiste no aproveitamento e elabo­
ração da noção da carga de trabalho que, uma vez discrimi­
nada nos seus três aspectos (fisicos, cognitivos e psíquicos), 
são passíveis de identificação nos ambientes de trabalho: 
"Esta última pode ser definida em termos de novos conflitos 
no seio da representação consciente ou inconsciente das rela­
ções entre a pessoa (ego) e a situação (neste caso: a organiza­
ção do trabalho) . Mas é também onde o sofrimento e a 
fadiga fisica provocada pela distribuição dos períodos de tra­
balho durante o ciclo circadiano podem provocar uma sobre­
carga de trabalho cognitivo, determinando alterações afeti­
vas". A visão de sobredeterminação de uma carga sobre ou­
tra é alguma coisa que Dejours de modo crítico retoma na 
discussão sobre a divisão de cargas de trabalho nos dois seto­
res: cargas fisicas de um lado e carga mental do outro, assina­
lando que atrás da carga mental teríamos ainda uma ordem 
de fenômenos de natureza neurofisiológica e psicológica 
(psicossensorial, sensomotor, perceptivo, cognitivo) e outros 
fenômenos de ordem psicológica ou psicossociológica que 
implicam variáveis comportamentais, caracteriais, psicopata-
45Wisner, A. Op. cit., p. 126. 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 71 
lógicas, motivacionais etc.46 
O fato é que Dejours, numa extensa produção de pesqui­
sa em psicanálise e na área específica de psicopa_tologia do 
trabalho, vem dirigindo os seus estudos para a interpretação 
dos conteúdos das vivências subjetivas dos trabalhadores nos 
seus ambientes de trabalho, não os considerando apenas 
como corpos biológicos submetidos a formas distintas de or­
ganização do trabalho, mas tratando-os como sujeitos sexua­
dos, com intensa produção e interação intersubjetiva, onde o 
universo do trabalho costuma ocupar a maior parte de suas 
vidas . Sem atribuir uma etiologia específica determinando 
doenças laborais específicas, demonstra que uma descompen­
sação psiconeurótica ou neurótic� em trabalhadores sobrevi­
ria a estruturas neuróticas ou psicóticas de personalidades, 
assim organizadas em etapas mais primitivas do desenvolvi­
mento, e que, provocadas por condições adversas de traba­
lho, poderia inclusive fazer eclodir uma produção psicopato­
lógica, onde o mundo do trabalho seria um privilegiado ce­
nário de projeções e atuações. 
Estabelece, entretanto, uma relação de determinação ape­
nas na "síndrome subjetiva pós-traumática que compreende­
ria uma gama variável de problemas funcionais sem substrato 
orgânico e a persistência de sintomas de condições clínicas já 
superadas"47. Esta síndrome costuma ser crônica e o seu sen­
tido e significado não têm sido desvendados na história indi-
46Dejours, C. "La charge psychique de travail", in Societé Française de 
Psychologie. Equilibre ou fatigue par te travail, Paris, 1980, p. 45-54, 
Entreprise Moderne d'Édition. 
47Dejours, C. A loucura do trabalho - Estudo de psicopatologia do 
trabalho, cit., p. 123/4, onde ele examina as características especificamente 
laborais desta síndrome. 
72 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
vidual de cada trabalhador acometido, encontrando associa­
ções fortes com determinados aspectos desvantajosos ou peri­
gosos das condições e organização do trabalho. Para ele, a 
mediação entre a organização do trabalho e as descompensa­
ções psíquicas dar-se-ia pelo impedimento do trabalhador de 
ter um desenvolvimento livre dos modos operatórios adequa­
dos à sua estrutura mental; o trabalhador estaria "lesado em 
suas potencialidades neuróticas e obrigado a funcionar com 
uma rígida estrutura caracterial e comportamental" . A carga 
psíquica48 não seria apenas um efeito do processo e organiza­
ção do trabalho, mas uma etapa onde se atualizaria a sub­
missão do próprio corpo do trabalhador. A dificuldade que 
Dejours encontra - que não é apenas sua ou da esfera 
"psi"49 - é exatamente a de precisar um nexo causal entre 
determinadas condições de trabalho e a emergência de algum 
sintoma ou doença mental a elas diretamente relacionadas: 
"mesmo intenso o sofrimento, é razoavelmente bem contro­
lado pelas estratégias defensivas, para impedir que se trans­
forme em patologia"50. O desafio consiste em identificar se é 
possível evitar descompensações atuando sobre situações 
frente às quais se tenha estabelecido algum tipo de nexo 
causal. Não se trata de ressuscitar a causalidade, psíquica 
desta vez, para validar a associação entre determinadas con-
48"Carga psíquica" como um conceito que parece fluir do trabalho 
teórico conjunto com Alain Wisner, onde os aspectos psicoafetivos ganham 
uma grande ênfase na sua consideração. 
49Neste momento temos dois ótimos trabalhos que polemizam essa 
questão no âmbito das ciências sociais. A discussão sobre a construção da 
identidade operária em Minayo, M. C. S. Os homem de forro. Dois pontos, 
1986, 244 p. e também em Morei, R. L. M. A ferro e fogo, tese de dou­
toramento, FFCL-USP, 1989, 505 p . 
50Dejours, C. Op. cit. , p . 120. 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 73 
dições de trabalho e sintomas e doenças detectadas, embora 
caudalosas sejam as inferências em estudos observacionais de 
situações de pressão organizacional e emergência de sintomas 
de descompensação. 
Um outro filão a ser valorizado e explorado em investiga­
ções de sofrimento psíquico nos ambientes de trabalho tem a 
ver com as doenças somáticas que aparecem sobretudo em 
indivíduos que apresentam uma estrutura mental caracteriza­
da pela pobreza ou ineficácia das defesas mentais, como assi­
nala Dejours, referindo-se à teoria da Escola Psicossomática 
de Paris. "Quando as defesas caracteriais e comportamentais 
não conseguem conter a gravidade dos conflitos ou a realida­
de, tais sujeitos não descompensam de modo neurótico, nem 
de um modo psicótico. A desorganização a qual sucumbe o 
doente não se traduz por sintomas mentais mas pelo apareci­
mento de uma doença somática"51 • 
Se nos interessa buscar uma evidência empírica de sinais e 
sintomas de sofrimento psíquico num coletivo de trabalhado­
res de uma organização concreta, de pronto se justifica a 
pesquisa de manifestações e sintomas somáticos que possam 
estar escudando expressão de sobrecarga psíquica nesses tra­
balhadores. 
As respostas sintomáticas carecem de uma teoria explica­
tiva para a sua causação, e embora estejamos lidando com um 
fenômeno coletivo, ou seja, o sofrimento psíquico de um 
grupo de trabalhadores, acreditamos que os conceitos psica­
nalíticos de desejo, angústia, sublimação; regressão dentre 
outros, construídos numa dimensão individual, talvez nos 
auxiliem a fazer uma ponte na compreensão do funcionamen-
51ldem, ibidem, p. 121 . 
7 4 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
to psíquico do indivíduo enquanto individualidade e do in di­
víduo enquanto parte de uma coletividade. 
Dejouts dedicou um seminário interdisciplinar a discutir o 
sofrimento e prazer no trabalho52• A sua própria contribuição, ao 
discutir as três linhas fundamentais na psicopatologia do trabalho 
- o medo, o tédio, a tristeza - e a exploração, parecem-nos 
elementos primorosos na revelação dos enigmáticos mecanismos 
que fazem do trabalho fonte inesgotável de dores e prazeres. 
Embora pudéssemos encontrar elementos elucidadores na 
discussão de outros aspectos do psiquismo humano (e abando­
narmos em muito a intencionalidade primitiva deste texto), creio 
que determo-nos no entendimento da sublimação enquanto 
forma de administrar pulsões de vida e morte presentes em 
todos, nos facilitaria a tarefa de entenderalguns aspectos da 
natureza do sofrimento do trabalho em saúde. 
É significativa a importância que Freud atribui à sublima­
ção enquanto mecanismo competente de transformar pulsões 
inconscientes, primitivas, individuais, em atividades de utili­
dade e reconhecimento sociais, através de uma dessexualiza­
ção das pulsões, oferecendo uma via não sexual para a sua 
satisfação, apesar de não lhe dedicar um trabalho extenso. 
Estabelec.e assim uma continuidade psíquica entre o incons­
ciente e o campo social, sendo um primoroso instrumento 
em Psicopatologia do Trabalho na investigação de determi­
nantes psíquicas em atividades classicamente relacionadas 
com a sublimação, como a criação artística, a pesquisa cien­
tífica e a atividade religiosa 53• 
52Séminaire Interdisciplinaire de Psychopathologie du Travail, patroci­
nado pelo CNRS, França, realizado em Paris, em janeiro de 1986. 
53Dejours, C. "La sublimation in soufrance et plaisir dans le travail", 
op. cit., p. 1 19-122 . 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 75 
Freud propôs distinguir dois tipos fundamentais de pul­
são: as sexuais e as de autoconservação. Entre ambas o confli­
to é irredutível e faz parte da própria existência humana. As 
pulsões sexuais indicam o caminho do prazer, enquanto as de 
autoconservação, levando em conta os eventuais perigos a 
que os sujeitos estariam expostos, os freariam. Isto o levou, 
inclusive, a trocar seu nome para pulsões do Ego54 e a de­
senvolver a "economia" da pulsão de morte numa segunda 
discussão sobre as pulsões, examinando os aspectos econômi­
cos em termos de energia libidinal investida cotidianamente 
num funcionamento psíquico habitual. 
Talvez esteja no conhecimento do psicodinamismo desta 
última (a pulsão de morte) , a chave do entendimento da 
satisfação ou adoecimento pelo trabalho. Pode-se encarar três 
destinos fundamentais para a pulsão de morte: a confusão 
apaixonada, que "se traduz pela componente apaixonada do 
projeto, do qual a pulsão de vida (sexual) é o mestre de 
obras"55; a realização pulsional pela percepção, onde o indiví­
duo se coloca através de uma atividade em contato com o 
horror e o sofrimento, e a profissão funciona como um álibi 
de um gozo secreto através da percepção de certas situações 
atrozes - "encontram-se numerosos exemplos entre as situ­
ações dos abatedouros e dos açougues, dos necrotérios, ce­
mitérios etc. Freqüentemente essas pessoas levam uma espé­
cie de vida dupla, que reproduz fielmente o duplo funciona­
mento psíquico separado pela barra da clivagem. Durante o 
54Dejours, C. O corpo entre a biologia e a psicanálise, Artes Médicas, 
Porto Alegre, 1988; Freud, S. Além do princípio do prazer, edição standard 
brasileira das obras completas, Imago, Rio de Janeiro, vol. XVIII, 1976, 
p. 17-85. 
55Dejours, c. o corpo . . . , cit., p. 1 39. 
76 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
dia de trabalho exercem seu sadismo sem limite e, de volta a 
casa, aparecem como os personagens mais pacíficos, os mais 
urbanos e os mais sensíveis que existem"56; a terceira possi­
bilidade é a sublimação, onde o processo vai até a representa­
ção mental interiorizada e a satisfação das pulsões é obtida 
através de percepções visuais, olfativas, auditivas, cenestésicas; 
e o que mais a caracteriza é a criação, pelo próprio sujeito da 
forma a ser percebida. "O criador age, portanto, sobre a 
realidade, não somente para encontrá-la, mas para enriquecê­
la . . . aquilo sobre o que trabalha o artista ou o artesão não é a 
causa de um gozo que ocorre independentemente do seu 
conhecimento . . . Necessita da autorização, ou da aprovação 
dos outros, senão duvida da legitimidade de sua obra"57. 
A sublimação busca resolver conflitos intrapsíquicos entre 
pulsões, e, embora seja um processo individual, é o que mais 
se estende ao campo coletivo, como já dissemos, daí a sua 
utilidade na Psicopatologia do Trabalho. Com isso não esta­
mos estabelecendo paralelos entre a organização mental e a 
organização do trabalho; entre elementos subjetivos, singula­
res, simbólicos, e realização, sofrimento, adoecimento coleti­
vo do trabalho. 
Ao trazermos aqui a discussão que se faz em torno da 
sublimação, buscamos apenas desenvolver o entendimento 
dos mecanismos de reparação que fazem com que uma ener­
gia libidinal primitiva, dessexualizada, possa se deslocar para 
objetos e finalidades valorizados social e narcisisticamente. A 
sublimação é um processo de transformação fecundo da eco­
nomia psíquica e Freud, ao discuti-la, a propósito da obra de 
56Idem, ibidem, p. 142 . 
57Ibidem, p. 145. 
A NATUREZA DO SOFRIMENTO - A CONTRAPARTIDA 77 
Leonardo da Vinci, considera: "a observação da vida cotidia­
na dos seres humanos nos mostra que . a maioria consegue 
guiar para sua atividade profissional porções muito considerá­
veis de suas forças pulsionais sexuais, e a pulsão sexual é 
particularmente idônea para prestar
. 
estas contribuições, pois 
está dotada de uma atitude para a sublimação; ou seja, que é 
capaz de permutar sua meta imediata por outras que possam 
ser mais estimadas e não sexuais"58• O cuidar de uma pessoa 
doente é inserido num contexto social onde a piedade e soli­
dariedade são sentimentos socialmente valorizados dentro de 
uma estratégia de sobrevivência da espécie e de uma certa 
sociabilidade que tem na harmonia o seu paradigma e na 
saúde um elemento indissociável a esta harmonia; este cuidar 
deverá ter um valor de natureza moral e ética que canalize 
energias e simpatias. "A possibilidade de deslocar sobre o 
trabalho profissional e sobre os vínculos humanos que com 
ele se envolvem uma considerável medida de componentes 
libidinosos narcisistas, agressivos e até eróticos confere um 
valor não desprezível ao seu caráter indispensável para afian­
çar e mistificar a vida na sociedade"59• 
Para entender alguns mecanismos pelos quais a "voca­
ção" para o trabalho em hospitais se institui e mantém, apesar 
do trabalho duro de esforço fisico e do penoso lidar com 
dejetos e situações mais desfavoráveis dos usuários dessas ins­
tituições, parece ter na sublimação uma forma de lidar com 
pulsões instintivas, transformando-as em atos e atividades so­
cialmente reconhecidos e possibilitando a realização transa-
58Freud, S. "Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infància", 
standard brasileira, Rio de Janeiro, Imago, vol. XI, 1974, p. 122. 
59Freud, S. "O mal-estar na civilização", standard brasileira, obras 
completas, Rio de Janeiro, Imago, vol. XXI, p. 1 18 . 
78 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
cional do desejo num caminho alternativo à repressão. Se­
gundo Hornstein, a sublimação é uma via mais interessante 
para contribuir com o patrimônio cultural e social que a 
repressão ou o sintoma seu derivado habitual: "O processo 
sublimatório deixa subsistir a carência e implica um trabalho 
de luto pela perda das imagens ideais (idealização), o que 
evita que os objetos sejam ou bem rechaçados por inacessí­
veis, ou bem exaltados como suporte de uma relação de fas­
cinação. As fixações diversas da libido obstaculizam a realiza­
ção sublimatória sob as formas de idealização latente, da su­
perestima perversa ou dos fenômenos passionais. Ao contrá­
rio, a cooperação entre sistemas de que fala Freud em O in­
consciente faz possível um prazer naquelas atividades que pela 
presença de prazer aliado à valorização narcisista se podem 
chamar de sublimadas"60. 
Ao buscarmos selecionar um mecanismo de defesa indivi­
dual como a sublimação, com a possibilidade de um sistema 
social de defesa, e portanto coletivo, de trabalhadores num 
ambiente hospitalar, não gostaríamos de passar a imagem de 
uma via única de resolução de conflitos no interior de um 
campo de práticas e sim levantar elementos que nos possam 
ser úteis na discussão desse trabalho, que exige do pesquisa­
dor ousadia e prudência, simultaneamente: "Onde se possa 
opor uma psicanálise da angústia a uma sociologia de defesas 
contra o sofrimento"61. 
60Hornstein, L. La sublimación:otro continente negro, 1989, 72 p., p . 
55 (mimeo). 
61Dejours, C. "Plaisir et soufrance . . . ", cit., p. 122. 
Capítulo 4 
SINTOMA COMO EXPRESSÃO DO 
SOFRIMENTO PSÍQUICO 
Souffrance et plaisir qualifient !e rapport de 
l'homme à la réalité et recrutent la participation 
de l'individu et du colletif. Souffrance et plaisir 
peuvent donc s'étudier dans l'ordre individuei et 
dans l'ordre colletif du rapport homme(s)/tra­
vail. 
Christophe Dejours, 1987 
QuERER DISCUTIR RELAÇÃO ENTRE SOFRIMENTO PSÍ­
quico, este tomado como uma manifestação de mal-estar, 
"distúrbio psíquico menor", uma etapa prévia à eclosão de 
uma situação patológica evidenciável pelos instrumentos ha­
bitualmente utilizados pela clínica, enquanto tecnologia fi.m­
damentada na individualidade e o trabalho hospitalar, implica 
necessariamente uma retomada de concepções sobre a natu­
reza desse sofrimento. 
No mundo greco-romano, Heródoto aceitava duas expli­
cações para o origem dos transtornos psíquicos: a primeira 
estaria centrada no divino ou sobrenatural e sobre o qual 
80 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
pouco se tinha a intervir, exceto no plano dos sacrificíos e ora­
ções; a segunda, nas causas naturais, coincidindo com a inter­
pretação dos médicos da época, isto é, os distúrbios psíquicos 
considerados como doença ou sintomas de uma enfermidade 
seriam determinados pelos mesmos fatores que influenciavam as 
demais doenças de natureza fisica incorporadas à teoria dos hu­
mores; a "loucura", como de resto se denominava todo tipo de 
disfunção mental, era tida como resultado da produção excessiva 
da "bile negra" desarranjando as faculdades mentais62 • 
Essas duas concepções atravessaram a Antiguidade e Ida­
de Média com pequenas variações : o distúrbio mental foi tido 
como vício originado da transgressão das normas de respeito 
a certas forças naturais; a loucura também foi vista como 
demonstração de revelação divina e, portanto, uma via para 
se alcançar um maior conhecimento dos mistérios do mundo, 
os quais sem esses estados especiais da mente estariam inaces­
síveis aos mortais. 
No século XV, a loucura passa a ser vista como um defei­
to, uma precariedade humana, uma irracionalidade, ou seja, a 
loucura somente se circunscreve quando oposta a uma razão 
humana ou divina. Assim, enquanto fenômeno de transgres­
são social, aos loucos caberia a exclusão, a segregação social 
ao lado de outros pecados e defeitos como a feitiçaria, a 
vagabundagem e outros incômodos. 
As diferentes conformações históricas, como se vê, modu­
lam a integração da loucura sem que a ciência ou técnica 
tenham sido os principais elementos nesta homeostasia com 
as sociedades concretas. 
62Rosen, G. "A evolução da medicina social", in Textos organizados 
por Everardo Nunes da Silva, São Paulo, Global Editora, 1983, p. 27-82. 
SINTOMA COMO EXPRESSAO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO 8 1 
As correntes de pensamento inovadoras e radicalizantes 
que marcaram o século XVIII o foram também com relação 
ao sofrimento psíquico. Pinel, sumamente talentoso em ob­
servar e dotado de um dinamismo incomum, pôde emergir 
como o pai da Psiquiatria moderna, articulando o disponível 
no plano nosológico, institucional e terapêutico de seu tem­
po, inaugurando uma clínica de orientação sistemática do 
mundo consciente, embora, segundo Bercherie, pouco tives­
se acrescentado concretamente às descrições dos seus prede­
cessores. Herdeiro da tradição nominalista, Pinel considerava 
"que o conhecimento era um processo cuja base era a obser­
vação empírica dos fenômenos que constituíam a realidade. 
Esses fenômenos, matéria-prima da percepção, cabia ao es­
tudioso agrupar e classificar em função de suas analogias e de 
suas diferenças; assim ele constituiria classes, gêneros e espé­
cies, evitando introduzir neste trabalho de análise e síntese 
sua própria subjetividade, sob a forma de 'ídolos', cuja ori­
gem Bacon denunciaria no limiar da idade clássica: os ídolos 
da tribo, antropomorfismo espontâneo do pensamento; os 
ídolos da caverna, inércia que não contestava as noções in­
culcadas pela educação, ou seja, pela cultura ambiental; os 
ídolos do fórum, redução das palavras e da retórica, mas 
também das classificações inteiramente feitas da linguagem 
vulgar; e os ídolos do teatro, prestígio dos grandes sistemas 
filosóficos "63 • Bercherie tem razão ao relativizar a importância 
de Pinel na abordagem da desrazão humana como objeto de 
um olhar científico. Naturalista e empiricista, seu grande mé­
rito teria sido inaugurar uma tipologia classificatória que nos 
63Bercherie, P. Os fundamentos da clínica, história e estrutura do saber 
psiquiátrico, Rio de Janeiro, J. Z. E. Editor, 1989, p. 31 -32. 
82 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
posteriores trabalhos de Esquirol, Morei, Magnam, Gsinger, 
Falret, Kahlbaum, Kraepelin, Kretschmer, Clérrambault e 
outros só fizeram mais complexa. O certo é que a clínica 
reina absoluta nesta contínua tarefa classificatória, evidencian­
do que, respeitadas as especificidades da época, o contato 
com o empírico tem sido maximizar a tarefa de classificar e 
reclassificar o objeto investigado, encontrando-se sempre um 
estímulo e uma possibilidade para uma nova etapa classifica­
tória. Talvez seja essa e não outra a forma pela qual os sinais 
e sintomas psíquicos possam se insinuar no mundo objetivo 
das ciências. Não é nosso propósito um percorrer exaustivo 
das concepções psiquiátricas de sintomas e enfermidades ao 
longo da história, mas situar o conceito de sofrimento psí­
quico enquanto instrumento mediatizador das reações do 
psiquismo humano aos estímulos e agressões do mundo do 
trabalho e buscar uma forma operácional de o estar identifi­
cando através de mecanismos diretos e indiretos para a sua 
detecção. 
No Seminário Interdisciplinar de Psicopatologia do Traba­
lho, de janeiro de 1986 a julho de 1987, patrocinado pelo 
Conselho Nacional de Pesquisa da França (CNRS), Dejours 
dedicou-se a uma longa discussão para encontrar um concei­
to que pudesse expressar o campo de investigação diferente 
da doença mental (com suas acepções já dadas pela psiquia­
tria) e que compreendesse a interação do psiquismo humano 
com o mundo do trabalho. A psiquiatria clássica opera uni­
camente com duas noções de estados: de doença mental e 
saúde mental polarizando as duas condições extremas de sa­
nidade e insanidade. A quantos têm trabalhado com o psi­
quismo humano preocupa o destino da grande zona cinzenta 
situada entre a saúde e a doença mental, "espaço que se 
SINTOMA COMO EXPRESSÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO 83 
caracteriza por uma luta contra a doença mental" enquanto 
esta não se manifesta, situação que melhor caracteriza a re­
sistência humana às agressões dos ambientes de trabalho. 
Assinala Dejours que a doença não é uma situação per­
manente. Enquanto processo, a saúde e a doença podem ser 
perdidas e reconquistadas, como estados dinâmicos e ineren­
tes à própria vida64 • 
A noção do sofrimento psíquico designa esta difusa zona 
entre a saúde e a doença significando um conceito mais pre­
ciso no âmbito da Psicopatologia do Trabalho: " Ela é co­
nhecida como uma noção específica variável em Psicopato­
logia do Trabalho, mas verdadeiramente não exportável para 
outras disciplinas, notadamente em psicanálise"65• Entre a 
organização do trabalho prescrito e quem trabalha existe um 
espaço de liberdade que autoriza uma negociação, o uso da 
criatividade e ações de modulação do modo operatório que 
constitui uma forma de intervenção do trabalhador sobre o 
trabalho, num ajuste de desejos e possibilidades. Só quando 
este limite de negociação é esgotado é que a "relação" ho­
mem-organização do trabalho é bloqueada, dando início a 
uma demanda de "sofrimento" e a luta contra esse "sofri­
mento". Dejours observa, também, que o espaço próprio 
desta margem de negociação pode ser detectado no trabalho 
de ergonomistas quando estes estudam a distância entre a 
organização do trabalho prescrito e a organizaçãodo traba­
lho real, existindo sempre uma possibilidade de negociação e 
adaptação a ser feita quer pela própria organização do traba-
64Dejours, C. "Note de travail sur la notion de souffrance", in Plaisir 
et souffrance dans te travail, tome I, sous la direction de C. Dejours, Paris, 
CNRS, 1987, p. 1 1 5-123. 
65Dejours, C. Op. cit., p. 1 15 . 
84 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
lho e, mais freqüentemente, pelo trabalhador. Quando a pri­
meira cede, o faz melhorando a qualidade do trabalho e 
quando é o trabalhador quem o faz é sempre no sentido de 
minimizar a carga de trabalho, a despeito das exigências con­
trárias. 
Se tais exigências se fazem contínuas, deverão imprimir 
determinadas marcas na vida psíquica do trabalhador. Resta­
nos identificar um instrumento, uma possibilidade de nos 
aproximarmos dele e detectar, de algum modo, a expressão 
deste sofrimento. 
Apesar da generalizada opinião de que agressões psicosso­
ciais assumem papéis importantes na determinação de sinto­
mas e enfermidades, a demonstração empírica desta assertiva 
não tem sido fácil nem suficientemente convincente. 
Caudalosa e contemporânea é a bibliografia disponível 
conceituando o "stress" e identificando-o como determinan­
te de inúmeras patologias . Cassei analisou formulações teó­
ricas para "stress" e processos psicossociais concluindo que 
"as tentativas de comprovação do papel de tais fatores 
em estudos epidemiológicos têm levado a resultados con­
flitantes e freqüentemente confusos . . . isso se origina de uma 
adesão acrítica e uma interpretação freqüentemente errônea 
da teoria do stress, um não reconhecimento de que os pro­
cessos psicossociais provavelmente não serão diretamente 
patogênicos (da mesma forma que, por exemplo, um micro­
organismo )"66. 
O fascínio exercido pelas respostas positivistas às indaga­
ções humanas tem sido enorme, particularmente na Medicina 
66Cassel, ]. Psychosocial Process and "Stress':: the Retical Formulati­
on, 1974, Int. J Health Serv., 4(3) :471-482. 
SINTOMA COMO EXPRESSÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO 85 
com toda a sua matriz positiva das Ciências Biológicas. Na 
busca de identificação de fatores do ambiente humano que 
influenciariam o processo saúde-doença, o enfoque tem sido 
sobre fatores fisicos, químicos, neuroquímicos, endócrinos, 
microbiológicos, enfim, os mais evidenciáveis à luz das técni­
cas disponíveis de demonstração. 
Wolff, que, ao lado de Seyle, é considerado o criador do 
vocábulo "stress" aplicado à medicina, afirmou a propósito 
do mesmo: "Eu tenho usado a palavra 'stress' em Biologia 
para indicar o estado de uma criatura que resulta da interação 
do organismo com estímulos ou circunstâncias nocivas, ou 
seja, é um estado dinâmico interior ao organismo; não é uma 
agressão de estímulos, símbolo de opressão, carga ou qual­
quer aspecto do ambiente, interno ou externo, social ou 
não"* . 
Entretanto, as investigações mais criteriosas têm reforça­
do a percepção da impossibilidade de esses fatores explicarem 
a ocorrência dos estados mórbidos presentes nas sociedades 
modernas, trocando o eixo das explicações para o ambiente, 
para o meio social, deslocando destarte, do biológico ao soei­
al, da vida fisica à psíquica e social, o local das verdades 
explicativas encobertas. 
Um olhar mais amplo tem sido frustrado diante das gran­
des dificuldades metodológicas para captar processos de difi­
cil alcance. É nesse contexto que a teoria do "stress" surge 
buscando as já conhecidas abordagens das ciências naturais na 
pesquisa de sinais e sintomas psíquicos. 
Várias modificações neuroendócrinas demonstraram este 
estado nas investigações de Wolff e Seyle, mas a produção de 
* Apud Cassel, J . , p. 1 1 . 
86 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
uma teoria explicando e definindo tais estímulos nocivos, 
suas origens e características, não esteve presente no trabalho 
de ambos, embora tenham seus nomes invocados em pesqui­
sas subseqüentes. As múltiplas denominações de "stress", 
"estado de stress" não parecem significar apenas uma questão 
semântica e sim realçar uma questão conceitual importante. 
Para um grande contingente de epidemiólogos e cientistas 
sociais a relação entre um estressar e o surgimento da doença 
será similar à relação entre um microorganismo e o surgimen­
to da doença. De um outro modo, um fator psicossocial 
estressar teria um efeito patogênico igual a agentes químicos, 
fisicos, biológicos etc. 
Assim, num exercício de lógica formal teríamos: uma do­
ença só pode ser produzida pela ação patogênica direta dos 
agentes patológicos; logo, se os processos psicossociais são 
capazes de produzir doenças, eles o farão certamente dispon­
do de alguma ação patogênica direta. O paradigma desta 
assertiva é que a relação do estressar com uma doença será 
similar à de um microorganismo com a sua _doença, bastando 
apurar o olhar e logo o identificaremos como causadores 
específicos de uma doença, tal qual o Bacilo de Koch seria 
propriedade privada da tuberculose. 
Isso nos remete à antiga discussão de Claude Bernard 
reeditada por Canguilhem67, em O normal e o patológico 
onde, mesmo para as patologias com agentes infecciosos es­
pecíficos como a tuberculose, a presença ou ausência da do­
ença não é questão qualitativa de estar ou não estar presente 
o bacilo, mas sim uma modificação quantitativa do estado 
normal que costuma conviver com tais bacilos sem adoecer 
67Canguilhem, G. O normal e o patológico, p. 52. 
SINTOMA COMO EXPRESSAO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO 87 
necessariamente desde que em quantidades suportáveis e em 
circunstâncias não favorecedoras do adoecimento. 
Embora não considere satisfatórias as transposições mecâ­
nicas das induções e deduções físico-biológicas para a discus­
são da participação dos fatores psicossociais na produção do 
adoecer, há evidências, tanto de experiências em animais 
como em seres humanos, indicando que variações no meio 
social estão certamente associadas a alterações endócrinas sig-
. nificativas nas pessoas expostas. Isto impõe uma outra ordem 
de reflexão: qualquer fator psicossocial inespecífico poderá 
estar associado a uma patologia Jambém inespecífica, não ha­
vendo portanto necessidade ou utilidade em se buscar es­
tressares isolados para patologias isoladas, uma vez que, 
como concordam alguns pesquisadores da área, todas as do­
enças podem estar relacionadas a tais agentes. 
Argumenta Hinkle que "atualmente a explicação do 
"stress" não é mais necessária. É evidente que qualquer pro­
cesso patológico, na verdade, qualquer processo dentro do 
organismo vivo, pode ser influenciado pela reação do indiví­
duo a seu ambiente ou a outras pessoas"68 • Como estudioso 
do campo, ele minimiza os esforços de buscar correlações 
diretas entre estímulos nocivos e doenças correspondentes e 
caminhar concebendo processos psicossociais como responsá­
veis pelo aumento da suscetibilidade às doenças. 
Não temos dúvidas de que estamos lidando com questões 
antigas e não resolvidas. O fato porém é que sintomas cons­
tituem uma camada que mediatiza o mundo intrapsíquico do 
indivíduo com a sua vida de relação, estabelecendo seu porta­
dor sinais e possibilidades de uma tradução objetiva de incô-
68Hink1e, apud Cassei, J. Op. cit., p. 479. 
88 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
modos e mal-estares que o fazem um "caso" por oposição a 
um "não caso", num campo semiológico entre a saúde e a 
ausência dela. A redução que um instrumento padronizado 
imprime na captação de elementos subjetivos que indiquem 
fenômenos complexos como os do psiquismo humano, é o 
preço que assumimos por ousar estender_ uma discussão, que 
costuma acontecer no âmbito individual, pará um contexto 
coletivo e social. 
Com o propósito de medir, dentro de uma perspectiva 
epidemiológica, "marcas" de sofrimento psíquico numa popu­
lação de trabalhadores e buscar estabelecer medidas de ocor­
rência e associação entre tais achados e algumas condições de 
vida e trabalho dos investigados, retornamos a Dejourscom 
o seu conceito de sofrimento psíquico. Conscientes do re­
ducionismo que estaremos imprimindo ao referido conceito, 
no momento em que o utilizemos como um instrumento de 
mensuração de sintomas psíquicos, o fazemos situando no 
campo transdisciplinar que as questões de saúde e ambientes 
de trabalho nos impõem, entendendo assim estar contribuin­
do para uma aproximação entre as chamadas abordagens 
qualitativas e as quantitativas da investigação. 
Segunda Parte 
OS MÉTODOS 
Capítulo 5 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 
ESTUDOS E PESQUISAS 
. .. há um vazio teórico, que, necessariamente, 
tolera um outro vazio metodológico, em relação 
a como abordar o estudo do processo de traba­
lho, na sua relação com a saúde. 
Cristina Laurell, 1989 
lNTERE..'iSA-NOS ESTUDAR O HOSPITAL ENQUANTO AM­
biente de trabalho interagindo com os seus trabalhadores, 
agentes privilegiados do "colóquio singular" da relação 
"técnico-paciente" e, como tais, elementos indispensáveis da 
equação capital x trabalho enquanto responsáveis pelo "como 
fazer" na tecnologia de processo do trabalho hospitalar. Este 
processo dado pelo "avanço científico e tecnológico", ex­
presso materialmente por equipamentos e técnicas, tem o seu 
equilíbrio ou desequilíbrio determinado pelo indivíduo ou 
coletivo de indivíduos participantes. Dentro da lógica do 
modo de produção a que estão submetidos, podemos assistir 
a uma curiosa e insólita peleja: ao tempo em que se multi­
plicam nas atividades econômicas dos diferentes setores (pri-
92 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
mário, secundário e terciário) agressões à vida e saúde dos 
trabalhadores, são também produzidas formas cada vez mais 
sofisticadas de reparação desses danos em serviços de saúde, 
mediatizados por um contingente de trabalhadores de diver­
sos níveis hierárquicos. Esses, os trabalhadores de saúde, sal­
vo algumas iniciativas, não têm merecido o necessário olhar 
que especifique os seus múltiplos papéis enquanto usuários e 
enquanto prestadores de serviços, e analise seus agravos. Já 
em 1 828, Halliday fazia uma menção específica ao papel das 
condições de trabalho e o adoecimento mental: "a loucura 
ocorre pelo superesforço da mente que faz trabalhar em ex­
cesso seus instrumentos até debilitá-los . . . e também pelo es­
forço das faculdades corporais e o transtorno das funções 
vitais que provocam uma reação no cérebro e desequilibra 
suas atividades"69• 
Mais tarde, em 1842, Chadwick procura sensibilizar as 
autoridades e o mundo científico para as condições de traba­
lho nas fábricas, que deveriam ser investigadas suspeitando-se 
de sua influência nas deploráveis condições de saúde da po­
pulação da Grã-Bretanha70• 
Hawkes, em 1857, chegou a propor medidas preventivas 
para a proteção da saúde mental das classes trabalhadoras, atra­
vés da permissão de períodos adequados de descanso e diversão 
sem os quais o "homem se converteria em uma máquinam1 . 
Rosen, ao estudar o grande avanço das ciências e da me­
dicina na primeira metade do século XIX, atribui a Virchow e 
69Halliday ( 1828) apud Santana, V. Condições de trabalho assalariado e 
transtornos psíquicos em Salvador - BA, PEES-UFBa, 1989 (mimeo), p. 2. 
7°Chadwick, E. Report on the Sanitary Conditions of Great Britain, 
1842. M. W. Flinn, Edinburg, 1842, 320 p. 
71Santana, V. Op. cit., p. 5 . 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 93 
seus seguidores a construção de uma teoria sociopolítica so­
bre as enfermidades, marcada por forte conteúdo reformista e 
idéias de transformação social . Sua análise das "epidemias 
psíquicas" e de suas relações com a civilização desencadeia o 
processo para a consolidação do que atualmente se constitui 
o campo da Psiquiatria Social72 . 
Mesmo aquelas enfermidades tidas de natureza biológica, 
como a paralisia geral progressiva, teriam, entre outros fato­
res, o "esgotamento em conseqüência do trabalho", como 
elemento complicador da situação clínica. Lilienfeld nos traz 
o relato do estudo de Semmelweiss, provavelmente o pri­
meiro estudo epidemiológico desenvolvido no interior de um 
hospital, tomando como objeto de investigação o usuário e 
seus trabalhadores. Entre 1 833 e 1 840, médicos e estudantes 
de medicina circulavam entre as duas salas da maternidade de 
um grande Hospital Universitário de Viena, onde a mortali­
dade por febre puerperal era alta e igual em ambas as salas . 
Em 1840, por uma mudança do sistema de treinamento, uma 
das salas ficou destinada à formação de parteiras e a outra aos 
médicos e estudantes de medicina. Apareceu então uma dife­
rença na mortalidade materna nas duas salas que se manteve 
num período de cinco anos ( 1841 - 1846). A mortalidade 
materna era maior (9,0%) na sala utilizada pelos médicos e 
estudantes de medicina, enquanto que na sala utilizada pelas 
parteiras a mortalidade era 3,9%. Tendo observado que os 
médicos e estudantes de medicina, antes de irem à materni­
dade, realizavam autópsias lidando com material contamina-
72Rosen, G. "A Evolução da Medicina Social", in Nunes, E. D. , Op. 
cit., p. 70. 
94 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
do, e as parteiras não, Semmelweiss formulou a hipótese de 
que a mais alta mortalidade materna era devida à transmissão 
de material infeccioso trazido pelos médicos e estudantes de 
medicina da sala de autópsias, tomando medidas preventivas 
a partir desta evidência empírica73 • 
Interessante observar que o estudo desenvolvido por 
Semmelweiss nada mais foi que uma boa sistematização do 
que Howard * já observara nas suas visitas aos hospitais no 
século anterior, enriquecida tão-somente por uma técnica, 
um método e um tempo de observação compatível com 
ambos. 
O desenvolvimento da teoria da monocausalidade como 
resposta à etiologia das enfermidades, desenvolvida a partir 
dos fins do séc. XIX, reduziu o interesse sobre as questões 
"sociais" suscitado até então por pesquisadores e centros de 
investigação. Esses, em busca do agente patogenético único, 
afastaram-se das preocupações múltiplas a nível de causas e 
determinações. Estivemos mais próximos de preocupar cien­
tistas e pesquisadores com as relações saúde-doença, com 
Chadwick, na Inglaterra de 1 842, do que estivemos na pri­
meira metade deste século, por exemplo. 
Aquelas inquietações ressurgem com novo fôlego na dé­
cada de setenta, embora não se possa desconsiderar os traba­
lhos desenvolvendo o conceito de "stress" das décadas ante­
riores, onde a articulação com ocupações e atividades já eram 
variáveis consideradas . 
73Lilienfeld, A. M. & Lilienfeld, D. E. Op. cit., p. 33. 
*Discussão feita no segundo capítulo. 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 95 
OS ESTUDOS MAIS RECENTES 
Na atualidade, é inegável a contribuição de LaurelP para 
a construção de uma proposta teórico-metodológica de abor­
dagem das questões de saúde e doença no âmbito do que ela 
própria ajuda a definir como da "epidemiologia social" . Ela 
faz uma generosa e detalhada descrição de caminhos 
metodológicos percorridos para enfrentar questões que vão 
do individual ao coletivo; do biopsíquico ao social; da in­
vestigação acadêmica e neutra ao envolvimento sindical; en­
fim, infinitas possibilidades de problematizações são coloca­
das, ancoradas numa investigação empírica de 4.033 trabalha­
dores distribuídos em dezesseis áreas de trabalho de uma 
siderúrgica estatal mexicana. 
Laurell e Noriega lançam mão de uma metodologia de 
múltiplas abordagens - enquete coletiva com os trabalhado­
res fora dos ambientes de trabalho, informações constantes 
nos arquivos dos exames médicos periódicos, informes de 
acidentes de trabalho, "observação participante" e visitas de 
inspeção à fábrica, do "Método Lest" da moderna ergo no mia 
francesa através do conceito de "carga de trabalho", do Mo­
delo Operário Italiano e da proposta Gardell-Frankenhaeuser 
- para construir um modo de aproximação com o objeto 
empírico eleito, com a observação da autora de que não se 
tratava de preencher o marco teórico com os fatos empíri­cos, mas com o propósito justo de confrontá -los e analisar a 
74Laurell, A. C. "Proceso de trabajo y salud", Cuadernos políticos, 
México, 17:69-71 , 1978; "Processo de trabalho e saúde", Saúde e Debate, 
São Paulo, 1 1:8-22, 1978; La salud - enfermedad como proceso social, 
México, Revista Latino-Americana de Salud, 2:7-48, 1982; e Noriega, M. 
Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo, Huci­
tec, 1989, p. 332. 
96 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
capacidade explicativa das relações estabelecidas na formula­
ção teórica. Por essa intenção "totalizadora" talvez não se 
aplicasse mesmo um uso epidemiológico mais sofisticado, ou 
quiçá devesse sê-lo no sentido de reforçar a discussão que ela 
estabelece sobre o "processo de desgaste" do trabalhador. De 
qualquer modo, o mérito de formulação de um método e 
uma teoria para abordar a questão se situa no relato detalha­
do dos caminhos percorridos por esses pesquisadores. 
Entretanto, as investigações sobre a saúde dos trabalhadores 
de hospitais vêm se desenvolvendo mais tardiamente quando se 
compara com outras pesquisas que buscam aprofundar a análise 
da relação entre saúde e trabalho em outras categorias. 
Examinando os trabalhos mais recentes que estudam o 
hospital enquanto campo de atuação do processo tecnológico 
da atenção médica, a noção de "risco" é facilmente identi­
ficável como uma preocupação dos seus pesquisadores, mas, a 
rigor, tais trabalhos não poderiam se localizar dentro dos 
desenhos de pesquisa da moderna epidemiologia . A 
epidemiologia estaria orientando o espírito de investigação 
sobre o coletivo de trabalhadores, mas não estaria sendo ex­
plorada enquanto método e técnica, que ao dar lugar à socio­
logia do trabalho, à moderna ergonomia e à recém-criada 
psicopatologia do trabalho, tornaria a sua contribuição como 
mera referência estatística, embasando outras disciplinas. 
Estryn-Behar encontra explicação para o fato . analisando 
que o trabalho da enfermeira, por exemplo, está envolto na 
idéia de vocação, caridade, benevolência, extrapolando por­
tanto as relações típicas de trabalho75 • Realmente, não é sim-
75Estryn-Behar. "Conditions de travail et difficultés sociales de femmes 
travaillant à l 'hôpital", in Équilibre ou fatigue par le travail, Paris, Ed. ESF, 
p. 141 - 151 , 1980. 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 97 
ples encontrar categorias que possam adequar-se às caracterís­
ticas sagradas de uma atividade que historicamente se consti­
tui em práticas empíricas oriundas do cuidado doméstico 
propiciado por escravos e religiosos, envolvendo desde sem­
pre as mulheres. É o que discute Silva ao analisar a enferma­
gem como profissão, desde o século XIX aos nossos dias, e 
suas articulações com a instituição hospitalar* . 
Na última década, evidenciam-se esforços de alguns pes­
quisadores em conhecer este complexo ambiente de trabalho 
e seus trabalhadores. 
A própria Estryn-Behar vem desenvolvendo uma extensa 
investigação nos ambientes de trabalho hospitalar. Analisando 
as condições de trabalho e dificuldades sociais de mulheres 
que trabalham em hospitais, relata o resultado de uma 
enquete realizada pelo Laboratoire d'Ergonomie et de 
Sociologie du Travail (LEST) do Centre National de la 
Recherche Scientifique (CNRS), onde se conclui que 40 a 
45% das jovens enfermeiras interrompem suas atividades por 
volta do sexto ano da sua entrada na atividade76. Na sua 
análise sistemática das condições de trabalho, ela utiliza 
referencial ergonômico e a medicina ocupacional, com incur­
sões na sociologia do trabalho, apontando sobrecargas fisicas 
importantes que determinam problemas ósteo-articulares, e 
que o número de pausas durante a jornada de trabalho é 
inversamente proporcional ao surgimento de doenças. O 
trabalho noturno e problemas de sono foram detectados, 
ocasionando perturbações na vida familiar, tendências 
*Silva, G. B. Enfermagem profissional: análise crítica, São Paulo, Edi­
tora Cortez, 1989, 143 p. 
76Estryn-Behar, M. Op. cit., p. 150- 1 5 1 . 
98 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
depressivas, problemas gástricos decorrentes das modificações 
horárias na ingestão de alimentos, e outros. As dificuldades 
na esfera social detectadas iam desde os baixos salários e a 
limitação do acesso ao lazer, até condições mínimas de con­
forto em moradias superlotadas, que constituem uma fonte 
de angústia, o que, segundo a autora, seria responsável pela 
presença de 50% de distúrbios psiquiátricos. 
Uma outra abordagem interessante tem a ver com a ar­
quitetura e espaço hospitalar, estudados por Theureau 
( 1980), engenheiro do CNAM, de Paris, que microdetalhou 
a programação das atividades num hospital e estudou o es­
forço despendido para a execução das diferentes tarefas ne­
cessárias ao exercício das jornadas de trabalho cotidianas. 
Analisou mais detidamente as atividades de enfermeiros e au­
xiliares destacando as atividades seriadas (série de operações, 
série de doenças, série de seqüências), discutindo a economia 
de tempo e deslocamento que implica a atividade em série, 
permitindo uma estruturação de informações e constituição 
de estoques de registros . Embora conclua o seu artigo invo­
cando uma relação individualizada do pessoal com os enfer­
mos e convencendo-nos que uma melhor observância desta 
economia de gesto deverá resultar numa redução da carga 
global de trabalho, fica a dúvida se todo este processo, sem 
sujeito e sem que esse conhecimento seja apropriado pelos 
trabalhadores, não poderá tão-somente racionalizar tarefas 
agilizando rotinas, de forma incompatível com o contato 
humanizado almejado pelo autor77. 
77'fheureau, J. "La programmation de son travail par l'infirmiere des 
unités des soins hospitalieres", in Équilibre ou fadigue par le travail? Ed. 
ESF, Paris, 1980, p. 141 - 1 5 1 . 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 99 
Gadbois78, estudando as condições de trabalho de enfermei­
ras e auxiliares de enfermagem que trabalhavam à noite, em 
sessenta e um hospitais franceses que responderam a uma 
enquete realizada em fevereiro de 1979, iniciou uma ampla linha 
de investigação sobre as cargas de trabalho a que estão subme­
tidos esses profissionais. Caracterizando a força de trabalho 
nesses hospitais, identificou-a como predominantemente femi­
nina e dentro da faixa etária de 31 a 40 anos. Embora sem 
desenvolver nenhum tratamento estatístico para medidas de as­
sociação dos dados encontrados, conseguiu mapear cargas fisicas 
(dispêndio de importante força muscular, manipulação de obje­
tos perigosos, fadiga fisica geral, despendimento de energia, 
acidentes ósteo-articulares, entre outros) e cargas mentais ( ne­
cessidade de armazenar muitas informações e nomes). Para uma 
tarefa simples de perfusão, por exemplo, ele demonstrou ser 
necessário armazenar 48 informações diferentes. Detalhou ainda 
circuito de vigilância permanente, sistema de sinalização e alarme 
visual e sonoro, memorização de informações de características 
flutuantes, evolução rápida de doentes etc.79 
Tonneau, por solicitação do Ministério da Pesquisa e da 
Direção dos Hospitais (Ministere des Affaires Socíales) da 
França, define uma proposta de natureza metodológica de 
investigação e simultaneamente um mapeamento dos aspec­
tos institucionais de serviços de saúde e condições sociais dos 
trabalhadores, constituindo-se num primoroso roteiro de ava­
liação das condições de trabalho no meio hospitalar-8°. 
78Gadbois, C. A ides - soignantes et infirmieres - conditions de travail 
et vie quotidienne, Paris, Anact, 77 p. , 198 1 . 
79Gadbois, C . Op. cit., p . 74. 
80'fonneau, D. Les conditions de travail en milieu hospitalier - des intentions 
· dijficiles à mettre en pratique, Éd. de l'Anact, Paris, janeiro, 1987, 54 p. 
100 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
No Brasil, Ribeiro Franco fez um levantamento de 
morbidade geral de trabalhadores no Hospital das Clínicas de 
Ribeirão Preto, detectando freqüência importante de fadiga 
entreos funcionários do arquivo médico, manutenção, radio­
logia, limpeza, laboratório, enfermeiras, unidade de terapia 
intensiva e outros. A fadiga ocupou o quarto lugar entre as 
queixas e doenças mais prevalentes81 • 
A partir do grande movimento reivindicatório vivido du­
rante o ano de 1988 pelas enfermeiras e trabalhadores de 
hospitais franceses que culminou em greves, estendendo-se 
de março a outubro daquele ano, num movimento autôno­
mo que sequer os sindicatos e associações tradicionais da 
categoria conseguiram conduzir (no qual reivindicações sala­
riais evoluíram para uma crítica mais contundente das condi­
ções de trabalho), experiências singulares e inovadoras em 
pesquisa começaram a acontecer. Kergoat, socióloga, desen­
volve, junto a uma das coordenações de enfermeiras emer­
gentes do movimento de 88, um trabalho conjunto de inves­
tigação de condições de trabalho, através de entrevistas com 
integrantes deste coletivo. O processo de pesquisa deverá 
mapear dificuldades e propor soluções para a sua superação 
com ampla participação, na produção do conhecimento e 
saber necessários à transformação daquelas condições, dos 
seus maiores interessados82• 
Até aqui, podemos constatar que a EpidemiolQgia não 
tem sido a disciplina mais presente nos estudos de condições 
81Ribeiro Franco, A. Estudo preliminar das repercussões do processo de 
trabalho sobre a saúde dos trabalhadores de um hospital geral, Ribeirão Preto, 
SP, tese de doutorado, DMP-FMUSP, Ribeirão Preto, 1981 , 214 p. 
82Coordination des Infirmieres de Beaumont. Conditions de travail -
on ne veut plus se lasser faire, 1989, 12 p. 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE l 0 l 
e ambientes de trabalho, particularmente no setor hospitalar. 
Não dissemos que ela não está presente no setor porque seria 
uma injustiça para com um dos mais bem sistematizados es­
tudos de ambientes de trabalho a que tivemos acesso, desen­
volvido na Alemanha por Seibel e Lühring, que estudaram 
as condições de trabalho de 840 trabalhadores (numa 
amostragem de 2.060), através de instrumento especialmente 
construído para tal fim, e, paralelamente, avaliaram as condi­
ções psíquicas desses trabalhadores através da aplicação de 
um instrumento padronizado de detecção de sintomas (o 
Langner Test, 1962) . Trabalhando seus dados através de uma 
regressão logística, alcançaram medir por meio de análise 
multivariada, quais fatores de risco estariam influenciando 
mais ou menos a saúde mental dos trabalhadores investiga­
dos. Em que pesem as discussões que se possa fazer acerca 
das reduções impostas pelo modelo, este nos pareceu um 
bom exemplo de estudo metodologicamente bem conduzi­
do, lamentando que não tivesse estendido para trabalhadores 
de hospitais, facilitando um confronto de achados83• 
Não obstante, alguns estudos com desenho exclusi­
vamente epidemiológico por nós levantado se valem de apli­
cações de escalas de "stress" entre trabalhadores de hospitais. 
Livingston & Livingston, buscando estudar o grau de des­
conforto mental entre enfermeiras, constataram existir uma 
relação significativa entre ansiedade destas e o tempo des­
pendido diretamente com o paciente84• Já Lyons et ·alii, em 
pesquisa onde comparou níveis de "stress" ocupacional em 
83 Seibel, H. D. & Lühring, H. Arbeit und psychische Gesundheit, 
Verlag fur- Psichologie, Ar. C. J. Hogrefe, Gottingen, 1984, 204 p. 
84Livingston, M. & Livingston, H. Emotion Distress in Nurses at 
Work, British ]ournal of M_edical Psychology, 57:291-294, 1984. 
1 02 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
várias unidades de um grande hospital universitário, usan­
do uma escala específica de quatro componentes de uso fre­
qüente em pesquisa médica, encontrou nos seus resultados 
diferenças de taxas de "stress" entre as diversas unidades; 
onde os trabalhadores de enfermagem responderam ao ques­
tionário, mas não houve diferenças significativas entre os di­
versos extratos de qualificação que compunham o "stafP' do 
hospital85 . 
Entre nós, Silva tem procurado sistematizar o que existe 
a nível mundial em metodologias de investigação das re­
lações entre os ambientes de trabalho e as repercussões so­
bre a saúde mental dos trabalhadores, assinalando as ten­
dências psicológicas, sociológicas, ergonômicas e, mais sucin­
tamente, epidemiológica, discutindo autores e métodos com 
uma ênfase especial no trabalho fabril e de alguns setores de 
serviços. 
Um dos aspectos em que ela insiste é que a organização 
do trabalho atua na gênese do sofrimento psíquico através de 
alguns elementos facilmente identificáveis, quais sejam: as 
jornadas prolongadas de trabalho, os ritmos acelerados de 
produção, a pressão claramente repressora e autoritária insta­
lada numa hierarquia rígida e vertical, a inexistência ou exi­
güidade de pausas para descanso ao longo das jornadas, o 
não controle do trabalhador sobre a execução do trabalho, a 
alienação do trabalho e do trabalhador, a fragmentação de 
tarefas e a desqualificação do trabalho realizado e, por conse­
guinte, de quem o realiza. Tudo isso como fontes de insatis-
85Lyons, J. S.; Hammer, J. S . ; Johnson, N. & Silberman, M. United 
Specific Variation in Occupacional Stress across a General Hospital, Gen. 
Hosp. Psychiatry, 6:435-438, 1987. 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 1 03 
fação e conseqüente agressão à vida psíquica do trabalhador 
vinculadas à organização do trabalho86• 
Com relação às pesquisas epidemiológicas ela recomenda 
estudos prévios de casos individuais e em profundidade, uma 
vez que "a investigação dos trabalhadores, para não ser 
reducionista, precisará, além de levar em conta os conheci­
mentos que as diversas disciplinas possam oferecer à pesquisa, 
manter-se fora do alcance das poderosas forças que têm até 
aqui determinado tantas distorções". Entendemos necessário 
relativizar os saberes advindos de modelos oriundos do 
"biologismo estrito" ou "da própria epidemiologia" sem, no 
entanto, desqualificá-los, enquanto disciplinas complementa­
res de um campo necessariamente interdisciplinar de investi­
gações, para dar conta da complexidade da tarefa . A 
epidemiologia poderá estabelecer medidas de associação for­
tes ou fracas entre determinadas condições de trabalho e de­
terminadas reações de trabalhadores, estabelecendo uma te­
oria, um método e uma técnica de lidar com populações de 
trabalhadores de modo generalizado, exploratório ou não, 
que suscite pistas que estimulem outras formas de investigar, 
incorporando os beneficios que a quantificação de problemas 
ou situações possa trazer para este campo de conhecimento. 
Estamos. absolutamente ao lado de Thiollent quando nos 
previne que a metodologia não deve ser considerada como 
uma simples coleção de métodos ou técnicas e que a referên­
cia de uma análise empírica não pode ser confundida com o 
"empiricismo" advindo da ingênua crença de que tudo que é 
verdadeiro advém da observação dos fatos, não levando em 
conta a abstração requerida para ligar fatos isolados e 
86Sílva, E. S. "Saúde mental e trabalho", cít., p. 218-283. 
1 04 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
empiricamente observáveis e uma construção teórica que es­
ses fatos articul�dos devem necessariamente promover, num 
trabalho que se pretende de construção científica87• 
O dificil é a travessia que nos leve da identificação de um 
fenômeno que por qualquer razão nos interesse, nos impres­
sione, a uma discussão aceita por uma comunidade a quem 
. caberá examinar e julgar a consistência de teorias e instru­
mentos na construção do paradigma que, talvez, jamais se 
constitua enquanto tal. 
Temos visto até aqui uma série de iniciativas de pesquisa­
dores para analisar condições e ambientes de trabalho e seus 
efeitos sobre a saúde dos trabalhadores. Seus autores se dis­
puseram a desbravar uma área e encontrar fatores de risco 
ocupacional que nos fizessem pensar tais agravos como fenô­
menos coletivos, carecendo neste momento aprofundar testes 
de hipóteses, de medidas de associação entre taisriscos e o 
adoecimento do trabalhador. 
Deixando mais claro: é preciso que tais evidências se 
constituam um instrumento mais sólido para que as necessá­
rias mudanças das condições adversas possam ser assumidas 
técnica, jurídica e politicamente. 
A questão será definir uma estratégia por onde começar. 
Estratégia que possa ser a melhor para um pesquisador que, 
num campo de investigação pouco conhecido, busque apre­
ender a maior parcela de conhecimentos possível e organizá­
los de modo sistemático, no sentido de fazer avançar o co­
nhecimento científico neste campo específico. Simultanea­
mente, tornar disponível aos sujeitos da investigação, e su-
87Thiollent, M. "Problemas de metodologia", in Organização do tra­
balho, uma abordagem interdisciplinar, Atlas, São Paulo, p. 54-83, 1983. 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 105 
postamente os seus principais interessados, um volume de 
informações e estudos, cientificamente balizados, que possam 
contribuir nas suas lutas específicas por melhores condições 
de trabalho. 
Ambos os caminhos seriam possíveis desde que trilhados 
com o rigor teórico e a plasticidade técnica necessários ao 
enfrentamento de um objeto sobre o qual se conhece pouco. 
Entretanto, sensibilizada talvez pelo que Févre denominou o 
império tirânico das matemáticas, ao qual estamos todos irreme­
diavelmente submetidos88, desencadeamos o presente processo 
de investigação através de uma abordagem epidemiológica. 
Os caminhos metodológicos de qualquer disciplina das 
diversas ciências nos levam sempre a buscar encontrar uma 
lógica, um modo de desenvolver um pensamento, para 
a seguir identificar estratégias compatíveis ao desenvolvimen­
to deste pensar e, como conseqüência imediata, a eleição de 
uma ou mais técnicas entre as inúmeras disponíveis para servir 
de instrumentos para conhecer o desconhecido proposto. 
O espírito da pesquisa epidemiológica, como defende 
Kleinbaun89, é: ( 1 ) descrever o estado de saúde de uma popu­
lação, enumerando a ocorrência de fenômenos mórbidos; 
88"Hoje vivemos submetidos - e eu observo sem nenhum entusiasmo 
particular - a um império tirânico: o das matemáticas. Não há nada em 
nossas vidas atuais que não dependa delas. Todos os objetos que nos 
cercam foram calculados matematicamente ( . . . ) . Em tudo existe a matemá­
tica. Em tudo, com as suas conseqüências e suas duas características: de um 
lado a abstração, de outro a precisão". Févre, L. O mundo do século VI, 
Revista de História, FFUSP, 1950, vol. 1, nQ 1950, vol. 13 : 17, apud No­
gueira, O. Pesquisa social: introdução às suas técnicas, São Paulo, Editora 
Nacional, 1977, p. 10. 
89Kleinbaun, D.; Kupper, L.; Morgenstem. Epidemiologic Research: Princi­
pies and Quantitative Methods, Califórnia, Wardsworth, 1982, p. 20-22. 
1 06 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
(2) explorar a etiologia de doenças através da determinação 
de fatores causais; ( 3 ) predizer o número de ocorrência de 
doenças e a distribuição do estado de saúde de populações; e 
( 4) controlar a distribuição de doenças e prevenir novas ocor­
rências eliminando-se fatores identificáveis que agridam a 
saúde de populações. Podemos afirmar que o presente estudo 
se propõe a seguir tais objetivos e para tanto se impõe um 
percurso metodológico que nos conduza a tais produtos, 
apesar das dificuldades antevistas . 
Uma questão que se coloca para o desenvolvimento desta 
investigação é que conceito de doença operar, já que a iden­
tificação e rotulação de trabalhadores do hospital dentro de 
parâmetros nosográficos de quaisquer sistemas de classifica­
ção vigentes não se adaptam à realidade estudada. Isso por­
que embora tal esforço possa encerrar seus méritos, não nos 
parece eticamente defensável aguardar o surgimento de pa­
tologias mentais explícitas e evidenciáveis para assumir uma 
atitude de controle e prevenção em determinados aspectos do 
processo de trabalho hospitalar que possam agredir a vida 
psíquica dos seus trabalhadores. 
A abordagem de um processo morbigênico e não uma 
morbidade declarada no estudo de um
_
a população certamen­
te nos traz dificuldades de delimitação e especificação do 
objeto investigado. Mais ainda, estabelecer uma correlação 
entre fatos empiricamente observáveis e uma teoria explica­
tiva sobre tais fatos não é coisa fácil ou simples se a correlação 
buscada implica definições tão vagas quanto "condições de 
trabalho" e "sofrimento psíquico", buscando um nexo entre 
ambos. 
Ao constatar o que poderia ser uma impossibilidade 
paralisante no sentido de encontrar um instrumento capaz de 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 107 
medir as repercussões da vida no trabalho sobre a saúde psí­
quica dos trabalhadores, temos apenas claro um preciso limite 
em que a epidemiologia poderá contribuir neste campo 
transdisciplinar, onde as diversas ciências apenas engatinham 
na constituição de modelos de investigação que abarquem a 
totalidade das determinantes que influenciam no processo 
saúde-doença. 
Cabe à contribuição epidemiológica justamente incorpo­
rar uma vertente quantitativa que possa mensurar e criar con­
dições de reprodutividade das investigações, através de um 
saber científico já consagrado e permanentemente aperfeiçoa­
do, no sentido de estabelecer correlações imediatas ou 
mediaras entre fatos universalmente observáveis e a relação de 
ocorrência de estados, eventos, enfermidades projetadas em 
grupos populacionais. 
Tal contribuição, no entender de Kalimo90, embora 
incipiente para a articulação ambiente de trabalho e saúde 
psicossocial, poderá ser muito enriquecida através de estudos 
exploratórios de tipo corte transversal, examinando-se, de um 
lado, a prevalência de distúrbios mentais, insatisfação com o 
trabalho, e de um outro, o conflito de papéis, repetitividade, 
ruídos, controles e demais fatores. 
É preocupação entre os epidemiólogos que a associação 
entre duas variáveis, acompanhada ou não de correlação esta­
tística, não pode constituir um estabelecimento de nexo 
causal entre uma e outra* . Em outras palavras: a mera 
90Kalimo, R. "Assessment of Occupational Stress", in Epidemiology of 
Occupational Health 392, European Series, nº 20, OMS, Copenhagen, 
1 987, p. 231 a 247. 
*A propósito ver discussões desenvolvidas por Laurell ( 1989), Possas 
( 1989) e Almeida F. ( 1989) . 
l 08 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
constatação de fenômenos que ocorrem a um mesmo tempo 
não pode ser traduzida mecanicamente numa relação causa­
efeito. Até porque a possibilidade de eles se interpenetrarem, 
se potencializarem ou se anularem, na dependência de outras 
determinantes não controladas que estariam agindo sobre o 
mesmo objeto, é imensa. 
Embora angustiante, a percepção de que estaremos sem­
pre determinados por uma dupla redução quando nos dispo­
mos a estudar um campo complexo como o das relações 
saúde-trabalho é, mais do que um exercício de humildade, 
uma delimitação de possibilidades de inferências acerca de 
um material empírico dado. 
A dupla redução de que falamos tem a ver com o objeto, 
na medida em que teremos sempre que nos contentar com o 
exame de "parte" da realidade que nos interessa e tem a ver 
com o método, que nos molda a visão e a lógica de apreen­
são possível, a partir do momento que definimos um deter­
minado desenho de investigação. 
Da clássica concepção da Epidemiologia como o estudo 
das epidemias das doenças transmissíveis, o objeto epidemio­
lógico vem sofrendo profundas transformações para fazer face 
aos desafios que o próprio oficio de investigar coloca a cada 
momento. 
Grove, um clássico precursor da moderna Epidemiologia, 
ao ter publicado On nature of Epidemics em 1 85 1 , informava 
ao mundo científico de então a possibilidade de uma afecção 
ter o poder de reproduzir sua própria espécie, intuindo a 
existência de um "germen" responsável por esta repro­
dutividade, assumindo a doutrina do "contagium vivum". 
Vinte e cinco anos mais tarde Pasteur demonstrava para o 
mundo a existênciaconcreta de microscópicas figuras respon-
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 1 09 
sáveis por algumas patogenias. O certo é que, com a consis­
tência e rigor das primeiras "intuições científicas" de Grave, 
se estabeleceriam bases científicas para a filtragem parcial da 
água para consumo público em Londres antes de se conhecer 
os microorganismos91 • 
Um outro famoso estudo na mesma cidade, desenvolvido 
por John Snow ( 1836) no sistema de distribuição de água, 
avança na caracterização de um método indutivo de investi­
gação onde, a partir de um fato isolado - a morte por cólera 
de habitantes de uma cidade -, se vão desvendando relações 
de causalidade, chegando-se a uma teoria explicativa de hipó­
tese causal que localiza na água poluída ingerida por parte 
dos habitantes de Londres o risco de adoecer por cólera, 
muito antes de se ter identificado o vibrião ao microscópio92 • 
Se já em 1927, para Frost, primeiro professor de Epide­
miologia na Universidade Johns Hopkins, "a Epidemiologia 
91Lilienfeld & Lilienfeld, ao comentarem a constituição da Epidemio­
logia enquanto ciência, que como tal tem como objetivo básico a compre­
ensão do mundo através da explicação, assinalam que a base racional para a 
forma moderna do estudo epidemiológico resultou da revolução científica 
do século XVII, a qual indicou que o funcionamento ordenado do uni­
verso físico podia expressar-se em termos de relações matemáticas. Neste 
mesmo período Francis Bacon desenvolvia as bases da lógica indutiva e 
com elas o conceito de "leis de indução". Da mesma forma que era pos­
sível matematicamente descrever, analisar e compreender fenômenos físicos 
era possível transpor para fenômenos biológicos. Tais "leis" influenciaram 
sobremodo as bases filosóficas dos estudos epidemiológicos. Lilienfeld, A. 
& Lilienfeld, D. 1980. Foundations of Epidemiology, Oxford University 
Press, New York, 341 p. (Observar o 1 ° capítulo "Bases fundamentais: o 
enfoque epidemiológico da enfermidade" e o 2° capítulo: "Traços histó­
ricos da Epidemiologia" . ) 
92Snow, J. Snow on Cholera - A Reprint of Two Papers. The Com­
monwealth Fund, New York, 1 936, p. 1 -75 . 
1 10 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
é uma ciência indutiva, preocupada não somente em descre­
ver a distribuição de doenças, porém mais ainda em 
compreendê-la a partir de uma filosofia consistente", pode­
mos observar que desde então os epidemiólogos têm feito 
um esforço de, para além da Clínica, operar com conceitos de 
doenças e processos de adoecimento que acompanham a 
complexidade do processo saúde-doença, muito embora na 
visão de Almeida F . , que tem desenvolvido um cuidadoso 
trabalho de revisão e análise crítica sobre o objeto da Epide­
miologia, as gerações de epidemiologistas que se seguiram a 
Greenwood, Wislow, Ryle e o próprio Frost, nas décadas de 
30 e 40 não tenham demonstrado maiores preocupações 
conceituais, "o que reflete na estagnação e mesmo retrocesso 
em termos teórico-metodológicos da maior parte dos textos 
fundamentais da disciplina a partir da década de 60"93 • 
Nas duas últimas décadas o esforço teórico de Mac­
Mahon & Pugh ( 1970)94 ao definir "epidemiologia como o 
estudo da distribuição e determinantes da freqüência de do­
enças no homem", além da grande repercussão que alcançou 
no meio científico, novamente coloca a antiga questão do 
estabelecimento da doença como um conceito que se situa na 
ruptura do horizonte clínico. Questão que já se colocava 
problemática desde Claude Bernard ( 1865 ), quando conside­
rava o fenômeno patológico como uma variação quantitativa 
do fenômeno normal. Não existiria portanto uma qualidade 
de ser diferente; o estado patológico seria uma disfunção de 
93Almeida F. Notas sobre o objeto da Epidemiologia, Conferência pro­
ferida na oficina de trabalho sobre Epidemiologia Social do DMPSC, São 
Paulo, texto revisado, PEES, 1989, p. 2 . 
94MacMahon, B . & Pugh, T. Epidemiology: Principies and Methods, 
Boston, Little Brown & Co. , 1970, p. 5 . 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE l l l 
um mecanismo normal que consistiria numa variação quan­
titativa por exagero dos fenômenos normais95. 
Tomando como referência as dificuldades de precisar e 
delimitar os agravos mentais e seu espectro de atuação, recor­
reremos à contribuição freudiana da teoria dos mecanismos 
de defesa do Ego que, se excessivos, diminuídos ou ausentes, 
poderiam determinar expressões mórbidas. A existência de 
tais mecanismos, inerentes à existência humana e à sua vida 
psíquica nos impõe, certamente, superar a noção clínica da 
doença e mais uma vez nos aproximarmos de Almeida Filho, 
quando assinala "Evidentemente que não se deve subestimar 
a submissão histórica e conceitual do conhecimento 
epidemiológico em relação ao saber clínico. Só que, a ma­
nutenção de tal referência, nos termos apresentados, não 
traduz qualquer especificidade para o objeto da Epidemio­
logia, porque implica em um termo de definição de objeto-
95A propósito de Claude Bernard, Georges Canguilhem, in O normal 
e o patológico, cit., ao também discutir doença e saúde como fenômenos 
humanos, chama atenção para o fato de Bernard utilizar indiferentemente 
as expressões "variações qualitativas" e "diferenças de grau", utilizando, de 
fato, dois conceitos: homogeneidade e continuidade. "Ora, a utilização de 
um ou outro desses conceitos não leva necessariamente às exigências lógi­
cas. Se afirmo a homogeneidade de dois objetos, sou obrigado a definir ao 
menos a natureza de um dos dois ou então alguma natureza comum a um 
e a outro. Mas se afirmo a continuidade, posso apenas intercalar entre 
extremos, sem reduzi-los um ao outro, todos os intermediários cuja dispo­
sição obtenho pela dicotomia de intervalos progressivamente reduzidos. 
Isso é tão verdadeiro que certos autores tomam como pretexto a continui­
dade entre a saúde e a doença para se recusarem a definir tanto uma 
quanto outra" e sai em defesa de Claude Bernard dizendo-o bem longe de 
um relativismo tão fácil, uma vez que, à sua época, muitas eram as dificul­
dades de estabelecer precisão nos dados fisiológicos, uma vez que não se 
dispunha da sofisticação técnica e laboratorial atualmente disponíveis. 
1 12 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
doença que, conforme iremos verificar, nada tem a ver com a 
prática da investigação epidemiológica"96• 
Caminhando ainda na linha das definições do objeto 
epidemiológico, não deixa de ser herética - considerando-se 
a construção teórica e a fundamentação metodológica que se 
vem fazendo até aqui - a contribuição de Mareei Goldberg 
em "Esse obscuro objeto da epidemiologia"97 quando esta­
belece "a relação entre variáveis que representam determi­
nantes de saúde e variáveis que representam o estado de 
saúde", deixando de fora a classificação de sadios e enfermos 
para o desenvolvimento do campo epidemiológico. Mais re­
centemente, Miettinen, ao definir o objeto da ciência epide­
miológica como "a relação de uma medida de ocorrência a 
um determinante", amplia muitíssimo o leque de possibilida­
des para uma investigação epidemiológica. Ao valorizar o 
controle experimental da relação em estudo, buscando iso­
lar os efeitos produzidos pelo determinante, ele 'atinge um 
grau de abstração do objeto que torna possível utilizar a 
análise da relação de ocorrências de objetos de qualquer na­
tureza, chegando inclusive a propor a criação de uma nova 
disciplina, na medida em que o vocábulo Epidemiologia já se 
encontra comprometido com formas tradicionais de seleção 
com o objeto em estudo. A construção lógica derivada de 
Miettienen prescinde de um tipo de doença ou evento rela­
cionado à saúde - o que existiria numa população não é 
morbidade, doença ou saúde, mas sim sujeitos sadios ou do­
entes incluídos nos grupos considerados; por conseguinte, o 
96Almeida F. Op. cit., p. 2 . 
97Goldberg, M. "Cet obscur objet de l'épidemiologie", Sciences Soei­
ales et Santé, (3 ) :55-110, 1982. 
A SAÚDE DE QUEM TRABALHA EM SAÚDE 1 13 
objetooriginal da pesquisa epidemiológica não seria "doen­
ças no homem" e sim, mais apropriadamente, "doentes inclu­
ídos em populações", o que melhor traduziria as relações de 
ocorrência de Miettinen98 . 
Interessa-nos apenas realçar a inadequação do uso d<t no­
ção de doença ou morbidade para classificar o coletivo de 
trabalhadores de um dado hospital e estudar suas correlações 
com determinantes do processo de trabalho e poder; a partir 
daí, estabelecer alguma relação entre faces de um mesmo 
processo (saúde-doença) e quiçá contribuir para a discussão 
de um possível desgaste psíquico do trabalhador. 
Para Almeida Filho99 o objeto-modelo da Epidemiologia 
constitui-se em objeto intermediário que serve a uma função 
de ligação entre campos do conhecimento na saúde, a fim de 
dar conta da lacuna que existe entre o individual e o coletivo; 
isso após ter afirmado que o determinante epidemiológico, 
por definição, pode ser tomado como parte do objeto das 
ciências sociais, ao nível das relações sociais . . . "Na pesquisa 
epidemiológica, idade será sempre mais do que o número de 
anos vividos, sexo mais que definição genital, dieta mais que 
ingestão alimentar, herança mais que genética, exposição 
mais que efeitos químicos, lugar mais que geografia e tempo 
sempre mais que história individual . Trata-se de uma outra 
maneira de considerar inescapável o caráter social da ciência 
epidemiológica" . 
98Miettinen, O. Theoretical Epidemiology) New York, John Wiley & 
Sons, New York, 1985 . 
99Almeida F. Op. cit., p . 8. 
Terceira Parte 
A INVESTIGAÇÃO 
Capítulo 6 
O HOSPITAL COMO CAMPO 
DA INVESTIGAÇÃO 
A tarefa do conhecimento científico consiste na 
"ordenação racional da realidade empírica". Ou 
seja: não se trata de reproduzir em idéias uma 
ordem objetiva já dada, mas de atribuir uma or­
dem a aspectos selecionados daquilo que se apre­
senta à experiência como uma multiplicidade in­
finita de fenômenos. 
Gabriel Cohn 
o HOSPITAL, SOBRE O QUAL NOS DEBRUÇAMOS PARA 
estudar as relações entre o processo de trabalho e o sofri­
mento psíquico dos seus trabalhadores, tem características 
especiais que caberia aqui mencionar. 
Trata-se de hospital geral com 400 leitos, situado na área 
central do município de São Paulo. Distribui-se em quatro 
pavilhões numa extensa área de 32 .000 m2, de grande valo­
rização imobiliária, o que tem motivado, nas últimas décadas, 
várias tentativas de expropriação. No início da pesquisa con­
tava com cerca de 1 .600 funcionários distribuídos entre as 
diversas categorias profissionais técnicas e de apoio. 
1 18 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Sendo um hospital geral, oferece serviços de diferentes 
especialidades como as clínicas, incluídos quimioterapia, ra­
dioterapia, hemodiálise; as cirúrgicas, como, a cirurgia cardía­
ca, transplante renal, além dos serviços de urgência, com 
atendimento a queimados e politraumatizados. Opera ainda 
com uma maternidade, unidades de terapia intensiva para 
adultos e crianças, além de ambulatórios de diferentes es­
pecialidades e serviços de apoio como laboratório e radiolo­
gia. No quadro seguinte observa-se a produção das diferentes 
clínicas no período de agosto de 1986 a maio de 1987. 
Atendimentos 
Atendimento Atendimento 
Meses de urgência ambulatorial Internados Cirurgias 
Agosto 6.064 o 92 89 
Setembro 5 .787 o 259 199 
Outubro 6.331 o 5 14 297 
Novembro 6.239 o 550 275 
Dezembro 6.301 o 663 320 
Janeiro 8 . 105 380 774 483 
Fevereiro 7.357 1 .909 972 632 
Março 8.658 2.883 1 . 1 75 706 
Abril 8 .220 4.387 1 . 399 689 
Maio 8 .648 6.65 1 1 . 543 928 
Cerca de 98% da clientela é beneficiária do Sistema Uni­
ficado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e a assistência a 
clientes particulares corresponde a apenas 2% dos pacientes 
atendidos. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 19 
BREVE RETROSPECTIVA - GESTÃO E PARTICIPAÇÃO 
Este hospital, fundado por uma sociedade beneficente de 
imigrantes, teve sua pedra fundamental lançada em 1897, 
conseguindo inaugurar o seu primeiro pavilhão em 1904, 
como uma propriedade comunitária de finalidade não lucrati­
va, com a participação de religiosos e filantropos. 
Tem atravessado a história, como de resto as demais enti­
dades similares, ao sabor das políticas públicas e privadas para 
o setor e da ganância dos seus gestores contingenciais100. As 
características benemerentes e assistenciais caritativas dos seus 
idealizadores haveriam de sofrer radicais mudanças em decor­
rência do avanço ao sistema previdenciário, mas a opção da 
previdência social por comprar serviços médico-hospitalares, 
em vez de prestá-los ela própria, acabou por incluir os hospi­
tais filantrópicos neste sistema de compra e venda. 
A crise econômico-financeira deste decênio, com reflexos 
conhecidos sobre as políticas previdenciárias e, mais particu­
larmente, no campo da assistência médica, atingiu em cheio o 
hospital estudado, levando-o a um processo que combinava 
sucateamento de seus serviços e fraude de toda ordem contra 
a Previdência Social, praticamente seu único comprador de 
serviços, culminando com insolvência econômico-financeira 
e, finalmente, fechamento de janeiro a junho de 86. Isto 
implicou a perda de emprego, da totalidade de cerca de 
1 .000 funcionários, já então mobilizados num processo que 
garantiu a reabertura do hospital. Estes fatos ocorreram du-
100Uma série de trabalhos tem caracterizado esta passagem, entre eles: 
Ribeiro, H. P. Políticas de saúde e assistência médica no Brasil, São Paulo, 
AMB, 1983; Costa, N. R. O Estado e políticas de saúde pública, tese de 
mestrado, IUPERJ, Rio de Janeiro, 1983; Braga, J. C. S. A questão da 
saúde no Brasil, tese de mestrado, DEPE, UNICAMP, Campinas, 1978. 
120 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
rante o primeiro governo estadual eleito por voto popular 
após vinte anos, com expressiva maioria de votos, e com uma 
plataforma social na qual a saúde surgia como uma das ban­
deiras prioritárias. Isto viabilizou uma intervenção oficial não 
estatizante, do Estado e do Instituto Nacional de Assistência 
Médica e Previdência Social ( INAMPS) numa campanha 
moralizadora e de ruptura de compromissos com o setor 
privado da saúde. 
Observou-se, na ocasião, uma forte campanha dos diri­
gentes da sociedade beneficente mantenedora na tentativa de 
vender parte ou todo o patrimônio do hospital, num movi­
mento denunciado publicamente pelos próprios funcionários. 
O tombamento da área fisica e a reforma dos estatutos 
acordada entre a sociedade beneficente proprietária dos seus 
bens, o Governo do Estado e o Instituto Nacional de Assis­
tência Médica da Previdência Social ( INAMPS), que assumi­
ram o seu passivo, e seus funcionários (agora já organizados 
em associação) permitiram a reformulação da direção do hos­
pital . Assim, criou-se um Conselho Diretor composto de 
onze membros dos quais seis eram representantes do setor 
público, dois representantes dos funcionários e corpo clínico 
e três membros eleitos pela Assembléia Geral da Sociedade, 
inaugurando uma forma singular de "instituição pública não 
estatal" que a diferenciou de outras entidades congêneres101 . 
Preocupado com a modernização administrativa, pressio­
nado pelo movimento social dos trabalhadores por melhores 
101Enquanto realizávamos a pesquisa de campo, em novembro de 
1988, a instituição se transformou em fundação, após uma intensa partici­
pação nas discussões do hospital, gerido agora por um conselho curador 
com participação paritária do governo do Estado, sociedade beneficente e 
funcionários do hospital. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 121 
condições de trabalho e abastecido com recursos advindos da 
Previdência Social para sua recuperação, o hospital pode ab­
sorver novas preocupações. Junto ao então INAMPS, propi­
ciou a criação do Centro de Processamento de Dados ( CPD) 
e do Centro de Estudos e Pesquisas Aplicados à Área Hospi­
talar (CEPAU) que, na programação de pesquisas para 1988, 
identificou como uma das prioridadesa investigação sobre 
"Trabalho e Organização do Trabalho no Hospital" , ofere­
cendo a instituições de pesquisa e pesquisadores a possibilida­
de de desenvolvê-las nas suas dependências. 
Da convergência positiva de interesses do centro de estu­
dos do hospital, de sua associação de funcionários e de pes­
quisadores na área, um conjunto de projetos foi formulado; 
entre os quais "Trabalho Hospitalar e Saúde Mental dos 
Trabalhadores", que oferece subsídios para a presente refle­
xão. 
Definiu-se como objetivos da Pesquisa: 
- Conhecer as características da força de trabalho do hospi­
tal com relação a variáveis sócio-econômicas e de trabalho. 
- Conhecer aspectos do processo e organização que 
possa funcionar como indicadores ou, mais precisamente, 
variáveis indicativas de condições de trabalho. 
- Conhecer o padrão de doenças em geral e utilização 
de consultas médicas, no hospital ou fora do hospital, com 
finalidade de obter informações para desenvolver serviço de 
atenção médica para os trabalhadores no hospital (demanda 
do centro de estudos e associação de funcionários do hospi­
tal) . 
- Conhecer padrão de sintomas psicoemocionais entre 
os trabalhadores do hospital como elemento indicativo de 
sinal de sofrimento psíquico. 
122 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
- Conhecer padrão de uso abusivo de álcool entre traba­
lhadores do hospital como indicativo de sinal de sofrimento 
psíquico. 
- Estabelecer correlações entre sofrimento psíquico e 
determinadas condições de trabalho hospitalar e de vida. 
- Contribuir para o desenvolvimento de uma metodo­
logia de avaliação do processo tecnológico do trabalho hospi­
talar, tomando como recorte privilegiado a dimensão psicos­
social dos trabalhadores. 
- Contribuir para a discussão de aspectos penosos e in­
salubres em ambientes de trabalho hospitalar. 
Para se ter acesso ao material empírico e sistematizar o 
seu registro visando perseguir os objetivos já mencionados e 
avaliar hipóteses anteriormente levantadas, optou-se por inici­
ar os trabalhos desenvolvendo um estudo epidemiológico de 
caráter exploratório. 
Uma vez definido um estudo de corte transversal ou sec­
cional para buscar estabelecer estimativas de prevalência de 
sintomas psíquicos como indicativo de sofrimento psíquico, 
utilizou-se posteriormente medidas de associação (ODDS­
RATIO ou Risco Relaciona!) entre sintomas e determinantes 
características do processo de trabalho e atributos pessoais 
(sexo, idade, profissão/ ocupação, escolaridade, renda) . 
Um questionário auto-aplicável, contendo sessenta e três 
questões, a maioria das quais fechadas e pré-codificadas e 
algumas abertas, foi o instrumento utilizado na coleta de 
dados que serão apresentados. 
Uma vez tendo-se claro o desenho da investigação bus­
cou-se uma estratégia para a sua viabilidade, que implicou 
contatos e entrevistas com a administração e os trabalhadores 
organizados em associação de funcionários. Levantamentos 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 123 
dos dados disponíveis de pessoal, organogramas administrati­
vos, boletins de segurança e medicina do trabalho, mapea­
mento da área fisica do hospital com o conhecimento de 
áreas e seções que o compõem, identificação de lideranças, 
participações em reuniões e jornadas para sensibilização para 
o trabalho de pesquisa e busca de colaboração foram passos 
iniciais e necessários. 
OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA 
Definido que se trabalharia com uma abordagem de to­
dos os integrantes do universo investigado, caminhou-se na 
elaboração de um instrumento padronizado que contem­
plasse: 
l . A caracterização sócio-econômica da força de trabalho 
no hospital. 
2. Características e percepção dos trabalhadores sobre as­
pectos do processo de trabalho hospitalar. 
3 . Perfil de morbidade referida para problemas gerais de 
saúde e utilização de serviços. 
4. "Screening" para sintomas psicoemocionais nos traba­
lhadores do hospital . 
5 . "Screening" específico para uso habitnal de bebida 
alcoólica entre os trabalhadores. 
Desde as reuniões preparatórias com o pessoal do hospi­
tal, aceitou-se o desafio de se desenvolver um questionário 
simples, que pudesse ser aplicado no ambiente de trabalho 
sem acarretar transtornos :l dinâmica de funcionamento do 
mesmo. 
Decidiu-se também que buscar-se-ia encontrar um instru­
mento auto-aplicável, o que comportaria apenas a presença 
de uma equipe de monitores especialmente treinados para 
1 24 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
garantir informações e orientações padronizadas no decorrer 
das aplicações . 
O instrumento deveria ser auto-explicativo para reduzir 
ao máximo o viés de interpretação do monitor/entrevistador, 
reservando-se apenas a interferência destes quando houvesse 
problemas na dificuldade de leitura ou escrita, visando com 
isso reduzir fontes de erro. 
Como um dos objetivos desta investigação era identificar 
indicadores de natureza sócio-econômica, da organização do 
trabalho, de morbidade geral e sofrimento psíquico para bus­
car construir uma rede de associações entre si, no primeiro 
momento da pesquisa buscou-se encontrar conceitos, classifi­
cações sociais e nosológicas adequadas, uma vez que, com 
relação à condição e organização do trabalho, ela ainda está 
por ser construída. 
Restou portanto a tarefa de se encontrar um instrumento 
padronizado e adequado à detecção e mensuração de sinto­
mas psíquicos que pudesse ser um instrumento indicativo do 
padrão de sofrimento psíquico daquela população. 
Trabalho Hospitalar em Saúde - o THS 
O THS foi o instrumento especialmente elaborado para 
esta pesquisa, compreendendo trinta e cinco questões relati­
vas à caracterização sócio-econômica e do ambiente de traba­
lho, quatro questões relativas a problemas de saúde atual e 
utilização de serviços no hospital e fora dele, vinte questões 
para detecção de sintomas psíquicos em geral e quatro ques­
tões específicas para o uso abusivo de álcool. 
A avaliação das informações obtidas das trinta e cinco 
questões relacionadas à caracterização da força e ambiente de 
trabalho seria feita mediante confrontação de informações 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 125 
com os registros da instituição (pessoal, finanças, Centro de 
Processamento de dados e outros) . 
As vinte questões específicas para sintomas psicoemocio­
nais são extraídas e adaptadas do SRQ, ou seja "Self Report 
Questionaire" (SRQ-20), um instrumento introduzido por 
Harding em 1980 para "screening" de distúrbios não psicó­
ticos ou distúrbios psiquiátricos menores em populações. 
A escolha do SRQ como instrumento de detecção de 
sintomas psicoemocionais numa população de trabalhadores 
de um hospital na região metropolitana recai sobre o fato de 
o instrumento já se encontrar validado, acompanhando ca­
racterísticas de linguagem e psicopatologia do município. 
Trata-se de instrumento bastante simples, já que repousa em 
estrutura binomial sim-não, de facilidade operacional, uma 
vez que tem questões claras e um tempo médio de respostas 
de três minutos . 
Derivado de quatro outros instrumentos (PASSR, PGI, 
GHQ, PSE) foi testado e validado em pesquisa patrocinada 
pela OMS e conduzida por Harding et alii em quatro países 
"em desenvolvimento" (Colômbia, Índia, Sudão e Filipinas) , 
sendo aplicado em usuários de serviços de atenção primária. 
Percorreu rigorosos critérios de validade e confiabilidade, 
tendo revelado uma boa performance. Trazia como mérito 
ser um instrumento simples, com um bom grau de discrimi­
nação para detecção de si,ntomáticos. Os trabalhos de valida­
ção do instrumento alcançaram graus de sensibilidade de 73 a 
83%, especificidade de 72 a 85% e erros de classificação 
de 18 a 24%. 
No Brasil, Busnello e colaboradores ( 1983) introduziram 
o seu uso em serviços de atenção primária em Porto Alegre, 
sem, entretanto, ter publicado seus parâmetros de avaliação. 
126 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Mari ( 1986 ), utilizando-se do mesmo instrumento, proce­
deua cuidadoso trabalho de validação em serviços de atenção 
primária em São Paulo, utilizando-se do Clinicai Interview 
Schedule ( CIS-Goldberg et alii, 1970 ), entrevista psiquiátrica 
semi-estruturada, originalmente produzida para estudos de dis­
túrbios não psicóticos na comunidade. (A CIS também foi tra­
duzida e adaptada entre nós por Mari & Wtlliams, 1983-4). 
No estudo de Mari os coeficientes de validação do instru­
mento para a população da cidade de São Paulo resultaram 
numa sensibilidade de 83%, especificidade 80%, valor prediti­
vo positivo 81%, valor preditivo negativo 82%, e erro de 
classificação 19%, considerados bastante satisfatórios para es­
tudos similares. 
Para a detecção de uso de bebida alcoólica entre os traba­
lhadores do hospital utilizou:se o CAGE. Trata-se de um 
instrumento de detecção da Síndrome de Dependência ao 
Álcool, de Erwing & Rouse ( 1970), cuja sigla significa a 
junção de quatro palavras-chave: Cut-down, Anoyed, Guilt e 
Eye-opener102, e que tem sido utilizado em diversos países do 
mundo em estudos para detecção do hábito de beber. 
Constam quatro questões discriminativas, e se o indiví­
duo responde positivamente a duas delas é considerado 
CAGE positivo, o que, embora não signifique certeza da 
presença da Síndrome de Dependência do Álcool, torna-se 
um forte indicador de que o indivíduo tenha problemas com 
o uso de bebida. 
O CAGE, como instrumento de triagem, foi validado por 
Mayfield, McLeod e Hall ( 1974) em pacientes admitidos em 
102Cut-down (cortar o consumo de bebida), Anoyed (aborrecimento 
por críticas ao comportamento devido a bebida), Guilt (culpa pelo uso de 
bebida) e Eye-opene1· (beber de manhã para aliviar o nervosismo ou ressaca). 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 127 
serviço psiquiátrico de Hospital Geral Universitário (n= 366; 
39% de alcoolistas) . Segundo Mayfield ( 1974), embora se 
tenha alcançado graus satisfatórios de confiabilidade ( 82 a 
89% de sensibilidade e 72 a 79% de especificidade), fica a 
recomendação da necessidade de avaliação em diferentes gru­
pos culturais. 
No Brasil, inúmeros estudos o têm referido como instru­
mento confiável e capaz de levantar estimativas de prevalência 
da dependência do álcool. Masur & Monteiro ( 1983) proce­
deram a um estudo de validação deste instrumento de "scre­
ening" em pacientes hospitalizados em hospital psiquiátrico 
de São Paulo e que referiram uso de bebida. Encontraram 
sessenta e oito alcoolistas e quarenta e seis não-alcoolistas e 
calcularam uma especificidade de 1 00% e sensibilidade de 
43%, considerados bastante satisfatórios pelos autores. 
A experiência de aplicá-lo em 1 .525 trabalhadores de 
hospital mostrou a exasperação de alguns deles frente às 
questões formuladas. Embora seja o CAGE reconhecido 
como o menos intimidativo dos questionários para seu fim, 
para esta população em especial suscitou rechaço e provavel­
mente um número de respostas positivas não correspondente 
ao número real de bebedores. Os achados não refletem a 
prevalência esperada. Embora isso não desqualifique o instru­
mento, optamos por não utilizá-lo na etapa de tratamento 
estatístico das medidas de associação. 
Visando a uma posterior análise de dados, desenvolveu-se 
uma sistematização para os mesmos constando de : 1 ) uma 
classificação própria da pesquisa para as variáveis de condições 
de trabalho e características sócio-econômico-demográficas; 
2 ) a sistematização proposta por Singer ( 1975 ) na organiza­
ção dos dados de profissão/ocupação; 3 ) classificações dos 
128 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
dados nosográficos seguindo a "9 ª Classificação Internacio­
nal de Doenças" ; e 4 ) Classificações dos dados referentes aos 
"screenings" psicopatológicos, segundo as validações dos ins­
trumentos realizados anteriormente. 
Trabalho de campo: a supervisão 
Os questionários foram aplicados durante os três turnos 
(manhã, tarde, noite) buscando acompanhar o funcionamen­
to do hospital . As duas etapas da coleta tiveram duração de 
um mês, seguindo-se recomendações para estudos semelhan­
tes de não se estender por um período muito longo a primei­
ra e a última aplicação, reduzindo-se, assim, desvios nos pa­
drões de respostas. 
A organização do trabalho de campo esteve a cargo de 
uma supervisara que, além de controlar o material utilizado, 
o revisava e o devolvia a campo, quando necessário. 
Uma segunda revisão dos questionários era procedida numa 
reunião semanal de supervisão com a coordenadora, supervisara 
e demais integrantes da equipe de pesquisa, na qual se atualizava 
o cronograma de trabalho e se examinavam dificuldades opera­
cionais, aprofundando a atividade de revisão. 
Estas reuniões foram mantidas semanalmente durante 
toda a fase de coleta, codificação e digitação dos dados, nas 
duas etapas dos trabalhos, com modificações na composição 
da equipe. 
O PROCESSO DE ANÁLISE DOS DADOS 
Sendo o objetivo deste processo quantificar ou estimar as 
características tanto da força de trabalho e algumas condições 
de trabalho como da prevalência de sintomas naquela popula­
ção, observando a relação entre ambas e testando a signifi-
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 129 
cância estatística desta relação, tentando contribuir com ele­
mentos empíricos sistematizados para o conhecimento e in­
vestigação no setor, buscamos planejar uma trajetória de 
análise com os passos seguintes: 
1 . Distribuição de freqüências dos dados, examinando 
tendências e identificando as variáveis de maior interesse. 
2 . Análise simples através de cruzamentos das va­
riáveis independentes em relação à variável de interesse, ou 
seja, a condição de "suspeito" ou "não suspeito" de sofri­
mento psíquico, observando-se a existência de associação en­
tre elas. 
3. Análise estratificada, que implica a estratificação dos 
dados controlados por variáveis mais relevantes, identificadas 
na análise de freqüências simples como confundidores poten­
ciais ou modificadores do efeito. 
ANÁLISE DOS RESULTADOS 
Num universo de cerca de 1 .600 trabalhadores do hos­
pital investigado aplicou-se o THS (Trabalho Hospitalar e 
Saúde) , instrumento padronizado especialmente construí­
do para a realização desta pesquisa, em 1 . 525 deles. As 
perdas ficaram por conta de licenças, férias e afastamentos 
outros que acontecem habitualmente na instituição ( < 5%) 
(75 perdas) . 
Partindo de questionários preenchidos procedeu-se a re­
visão e codificação dos mesmos segundo "livro de códigos" 
previamente construído. Digitou-se banco de dados em siste­
ma PC-XT com procedimentos de limpeza do banco e pro­
grama de crítica (em amostragem de 1 0% do material digita­
do, revelou-se percentual de erros menor que 0,2%) . 
Uma vez corrigido o banco de dados, através do progra-
130 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
ma SPSS, listou-se a distribuição de freqüências para se ob­
servar tendências do material coletado. 
Caracterizar a força de trabalho do hospital estudado foi 
o primeiro movimento no sentido de identificar a face indi­
ferenciada dos seus trabalhadores para que inferências advin­
das de análise do material empírico colhido recaíssem sobre 
uma população específica e discriminada. 
Antes de passarmos ao exame dos dados coletados con­
vém esclarecer por que se tomou emprestado à economia 
política o conceito de força de trabalho, no que tem a ver 
com produção, divisão de trabalho, assalariamento, saúde e 
demais questões ligadas às relações sociais do processo de 
trabalho, deixando de lado outras denominações igualmente 
consagradas. Por que não lidar, por exemplo, com a aborda­
gem dos "recursos humanos" que, advinda da teoria da ad­
ministração e preocupada com seleção, capacitação e aprimo­
ramento de pessoal visando desenvolver a capacidade de tra­
balho nos seus aspectos técnico-operacionais, poderia ser 
sentida como de maior utilidade? 
Embora utilizados de modo indiferenciado, Nogueira 
( 1983) chama a atenção para o caráter irreconciliável dos dois 
conceitos,uma vez que o primeiro - força de trabalho -
traz em si a idéia de descrever e interpretar o contingente de 
trabalhadores estudados como unidade social, enquanto que 
o segundo - recursos humanos - tem a ver com o desen­
volvimento da capacidade de trabalho nos seus aspectos 
operacionais, com raízes conceituais saídas das teorias da ad­
ministração103. 
103 Força de trabalho, termo consagrado pela economia política, ligado 
particularmente à escola clássica de Smith, Ricardo e Marx, prestando-se 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 3 1 
Em que pese a grande importância dos dois enfoques, os 
limites deste trabalho nos orienta para o primeiro, onde a 
descrição e interpretação dos achados empíricos se impõe. 
Um segundo aspecto será a prevalência da morbidade 
referida e a utilização de serviços, buscando-se subsídios para 
a implantação de um serviço ambulatorial de atendimento à 
clientela interna de funcionários do hospital (reivindicação da 
associação de servidores) que já funciona de modo informal e 
não sistemático, fazendo uso de consultas médicas no hospi­
tal nas diversas especialidades. 
Um terceiro aspecto a ser examinado, ainda seguindo 
tendência das freqüências das variáveis estudadas, serão algu­
mas características do processo de trabalho no hospital, ob­
servando-se alguns indicadores da divisão e organização do 
trabalho, buscando-se correlacionar com os achados de sinto­
mas psicoemocionais e de morbidade referida. 
Para o fim da pesquisa em si , interessa saber o perfil da 
morbidade da população de trabalhadores estudada, e dentro 
deste perfil privilegiar o lugar ocupado pelas patologias de 
provável etiologia psicossomática104• 
atualmente, em diversos campos científicos, a um uso que é simultanea­
mente descritivo c analítico, no processo de conhecimento de fenômenos 
demográticos e macroeconômicos. Recursos humanos, em contrapartida, é 
expressão advinda da ciência da administração e se subordina à ótica de 
quem exerce algum tipo de função gerencial ou de planejamento, já no 
âmbito microinstitucional (órgão público ou empresa privada), in Médici, 
A.; Machado, M. H . ; Nogueira, R. P. & Girardi, S. P. A força de trabalho 
em saúde: aspectos teóricos conceituais e metodológicos, in CADRH U, 
DMP-FMUSP (mimeografado), 1 989, p. l i . Ver também Nogueira, R. P. 
A força do trabalho em saúde, cit . , p. 1 3 - 1 4. 
u14Psicossomática é aqui tomada no seu sentido clássico de pertencente 
aos domínios do orgânico e do psíquico, incluindo perturbaçôes ou doen­
ças orgânicas produzidas por influências psíquicas. 
1 32 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
CARACTERÍSTICAS DA FORÇA DE TRABALHO NO HOSPITAL 
O gênero 
Os resultados dos dois momentos da coleta de dados só 
reforçaram a constatação de uma predominância de mulheres 
na força de trabalho empregada no hospital. 
1 º etapa 
nov. 88 
mulheres - 72,0% 
homens - 2 8,0% 
2º etapa 
abril 89 
§ 34% 
11 66% 
mulheres - 66,0% 
homens - 34,0% 
Distribuição 
final 
§ 32% 
11 68% 
mulheres - 68,0% 
homens - 32,0% 
Historicamente, as atividades de cuidar dos doentes com 
suas características tecnológicas próprias de assistir, higieni­
zar, alimentar, prover dos elementos indispensáveis ao bom 
desenvolvimento do enfermo, seguindo os padrões da divisão 
social do trabalho, sempre estiveram delegadas à mulher. 
O hospital constitui um privilegiado espaço de profissio­
nalização do trabalho doméstico, uma vez que utiliza desta 
tecnologia introjetada arquetipicamente pelas mulheres, cri-
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 33 
ando uma situação singular: pelo fato de a qualificação para o 
desempenho das tarefas cotidianas não ser adquirida por vias 
institucionais reconhecidas, ela costuma ser negada quer pe­
los hierarquicamente superiores, quer 'pelas próprias trabalha­
doras, servindo como um pano de fundo importante para a 
"subqualificação" deste tipo de trabalho ("a profissão de fu­
turas mulheres quando eram meninas" como nos diz Danie­
lle Kergoat, 1987) seguida de uma "educação continuada" 
no próprio desempenho dos trabalhos domésticos . Embora 
possa não parecer nos parâmetros da educação formal, ela é 
responsável pelo "savoir faire" mínimo, que permite o fun­
cionamento do hospital, sendo um processo tecnológico de 
trabalho em saúde que não costuma ser dimensionado nas 
políticas de capacitação ou valorização deste trabalho. 
A predominância feminina na força de trabalho em saúde 
tem também merecido a atenção dos observadores macro­
estruturais. Médici ( 1986 ), além de reafirmar a "tendência à 
feminização" no setor, tem acrescentado que o crescimento 
do trabalho feminino em saúde tem sido mais significativo 
entre os trabalhadores do nível superior que entre os de nível 
médio e elementar, na última década. Isto nos leva a suspeitar 
de pelo menos duas ordens de determinação: uma, de nature­
za econômica, que teria relação com tendências do mercado 
de trabalho e política de empregos, que não caberia aqui 
discutir; outra, de ordem mais subjetiva, fala de uma adequa­
ção, através de atividades reparadoras dos processos femini­
nos de sublimação, estendendo para locais de trabalho pul­
sões habitualmente satisfeitas na esfera doméstica, qualifican­
do e monetarizando impulsos primitivos femininos. Tais ati­
vidades tenderiam a melhor estimular defesas socialmente 
consentidas e utilizadas numa estratégia de profissionalização 
1 34 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
e "emancipação" das mulheres. Também não era propósito 
deste trabalho aprofundar esta discussão, mas levantá-la signi­
fica ter a dimensão das dificuldades e conflitos que têm de ser 
administrados nesses espaços de trabalho105 • 
A idade dos trabalhadores e o tempo na ocupação e trabalho no 
hospital 
Este hospital não se caracteriza particularmente por estar 
composto de força de trabalho essencialmente jovem, signifi­
cando porta de entrada no mercado de trabalho com curto 
período de fixação e saída rápida para outras atividades mais 
rentáveis e lucrativas, como vêm assinalando os estudos de 
Médici ( 1986) e Nogueira ( 1 986) . A tendência ao "rejuve­
nescimento" da população de trabalhadores do setor saúde, 
de um modo geral assinalada pelos dois autores, talvez se 
explique pela baixa remuneração destas categorias profissio­
nais e uma subseqüente exigência de qualificação profissional 
igualmente baixa, onde a profissionalização do trabalho do­
méstico é o maior aporte tecnológico disponível, o que em 
última instância termina constituindo uma passagem quase 
que obrigatória da mão-de-obra feminina. 
Neste hospital os trabalhadores não estão ingressando 
logo após completarem a maioridade ( 18-21 anos); pode-se 
perceber que o maior contingente de trabalhadores situa-se 
na faixa de trinta e um a quarenta anos ( 36% ), portanto, 
pessoas mais maduras e possivelmente com experiências ante­
riores de inserção no mercado de trabalho. Seria interessante 
105Kergoat, D. Da divisão de trabalho entre os sexos, texto mimeo, curso 
"Tecnologia, Processo de Trabalho e Política de Emprego", da Prof'l He­
lena Hirata, USP, São Paulo, 1988. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 35 
examinar-se o tempo de trabalho na ocupação para avaliar se 
essas pessoas ingressaram mais jovens, (logo após a maiorida-
Tabela 1 - Distribuição etária da força de trabalho do Hos­
pital. São Paulo, 1989 (THS) . 
Idade (anos) Número % 
1 7-20 45 3 
2 1 -30 483 33 
3 1 -40 522 36 
4 1 -50 289 20 
5 1 -60 94 6 
61+ 25 2 
Total 1 .458 1 00,0 
de e permanecem nos seus postos) ou se o ingresso na a ti vi­
dade está se dando numa etapa mais tardia, significando ou­
tras experiências profissionais anteriores. 
O que se observa é que os trabalhadores estão na profis­
são predominantemente de um a quatro anos e de cinco a 
quatorze anos (o que perfaz um total de 73,7% dos trabalha­
dores com um tempo de ocupação maior que um e menor 
que quinze anos) . 
Dispondo da informação do tempo de trabalho na unida­
de estudada,isto nos permite uma visão do tempo de traba­
lho num mesmo hospital e, muito possivelmente, exercendo 
uma mesma profissão-ocupação* . 
*0 exaustivo levantamento do Conselho Federal de Enfermagem, 
Força e trabalho em enfermagem - O exercício da enfermagem nas institui-
1 36 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 2 - Distribuição dos trabalhadores por tempo de 
exposição na profissão e no hospital - THS/89. 
Tempo de trabalho Na profissão No hospital 
N % N % 
<l 1 15 10 ,1 572 14,9 
l a 4 494 43,1 577 49,9 
5 a 14 350 30,6 263 22,8 
15 a mais 1 86 1 6,2 144 1 2,5 
Total 1 . 145 1 00,0 1 . 1 56 1 00,0 
O tempo de trabalho no hospital, de um a quatro anos, é 
predominante na faixa de tempo que os trabalhadores exercem a 
ocupação no hospital, embora não nas mesmas proporções, o 
que pode significar ser este hospital o primeiro emprego no 
setor para um contingente significativo de trabalhadores . 
Chama a atenção, entretanto, que 22,8% trabalham no hos­
pital entre cinco e quatorze anos e 12,5% está há mais de 
quinze anos . Juntos, os dois contingentes alcançam 3 5,3% de 
indivíduos que ultrapassam no hospital o período probatório 
para "teste de vocação" ou escolha de atividade economica­
mente mais rentável. Este fato talvez se explique pelas carac-
ções de saúde do Brasil 1982/1983 - vol. 1 , é uma importante contribuição 
na caracterização de profissionais de saúde no país nas categorias de enfer­
meiros e ocupacionais de enfermagem (técnicos, auxiliares e a tendentes) e 
serve de contraponto para nossas considerações. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 37 
terísticas do hospital estudado, de origem filantrópica religio­
sa, com trabalhadores que lá exercem suas atividades há lon­
go tempo, alguns inclusive residindo nas suas dependências. 
A qualificação 
Embora fuja dos limites deste trabalho discutir mais 
exaustivamente a qualificação dos trabalhadores para o setor 
hospitalar, pareceu-nos ser um viés rico para analisar a escola­
ridade, a profissão-ocupação e a renda per capita familiar, na 
medida em que se concebe qualificação enquanto coinci­
dência entre um modo de organização do trabalho, um saber 
e algo dotado de valor econômico. 
Ao tomar como local de observação um hospital funcio­
nando, deve-se concluir que as pessoas que ocupam seus 
diversos postos de trabalho estão ali por serem portadoras 
de alguma habilidade, experiência ou formação. A qualifica­
ção aparece justamente ft;tnte à impossibilidade de se colo­
car qualquer trabalhadoi em "qualquer" posto de trabalho. 
Está o hospital, enquanto local que presta um serviço bas­
tante diferenciado, conseguindo, dadas as regras gerais eco­
nômicas e de mercado, aprimorar esta qualificação na mes­
ma medida em que outros setores mais dinâmicos da econo­
mia, onde as qualificações dos gestos, das tarefas, dos ins­
trumentos, dos grupos, são objeto de controle e aperfeiçoa­
menta cotidiano? Falou-se já anteriormente que, se existe 
uma qualificação do posto e uma qualificação do trabalha­
dor, é indispensável que elas se correspondam e não criem, 
a partir de uma dissociação entre ambas, uma qualificação 
artificial e inútil (Rolle, 1988 ) . 
Voltando para estes dados, o que se observa, para deses­
pero daqueles preocupados com uma melhor qualificação, 
1 38 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
dos profissionais do setor106, é que mais da metade deles 
( 50,4%) se encontram dentre os que nunca freqüentaram 
escola até os que apenas alcançaram completar o primeiro 
grau. Isto implica um tempo de exposição às atividades for­
mais de educação excessivamente pequeno para atividades 
que se pretendem cada vez mais complexas e sofisticadas . 
Que relações se estabelecem entre este coletivo de pesso­
as de baixa escolaridade e o conjunto de exigências relaciona­
das aos diversos elementos do emprego é alguma coisa que 
mereceria aprofundamento em estudos futuros. 
Tentando agora vê-los sob o prisma dos níveis salariais, 
através do exame de sua renda per capita, pode-se inferir que 
a remuneração do trabalhador decorre de sua qualificação, 
porém esta não a define. 
Considerando que o Piso Nacional de Salário em abril* 
de 1989 era de NCz$ 63,40 (sessenta e três cruzados novos 
e quarenta centavos) e tomando-se este como indicador de 
consumo, observa-se que a possibilidade de consumo deste 
contingente de trabalhadores é muito baixa, ficando 5 1 ,2% 
dentre eles com um consumo per capita mensal de até três 
pisos nacionais de salário. 
A qualificação, seguindo as suas três vertentes de saber) 
salário) ocupação) é histórica e deveria refletir o status do traba­
lhador na organização, e sua retribuição financeira deveria va-
106Atualmente, no setor público, há um grande empenho, através de 
"programas de larga escala", de eliminar a categoria a tendente de enferma­
gem, qualificando-os para auxiliares e técnicos, para os quais habitualmente 
se exige uma escolaridade formal equivalente ao segundo grau. 
*Foi tomado este valor (de abril) como padrão, tendo-se feito o ajuste 
para os questionários aplicados em novembro de 88, cujo valor era outro 
(NCz$ 30,80). 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 39 
riar com o tempo de formação e função social da atividade 
desempenhada. Entretanto, não há uma história inteligível do 
trabalho concreto. As formas tradicionais da divisão do traba­
lho fragmentam as atividades de uma tal maneira que mesmo 
no trabalho hospitalar já não mais se localizam de forma dife­
renciada. O trabalho humano tende a perder toda a qualidade 
distintiva e toda espontaneidade e "o assalariamento seria esta 
forma última de economia onde o trabalho tornou-se quase 
uma mercadoria como as outras, e parece não poder ser carac­
terizada senão quantitativamente"107• 
Embora seja perigoso pensar que o saber e a retribuição 
do trabalhador variam relativamente pouco com a dimensão 
do trabalho, o que poderia levar a "desqualificar" a qualifica­
ção para o mesmo, na medida em que ele não signifique o 
reconhecimento coletivo e institucional da especialização do 
trabalhador para o desempenho de uma determinada função, 
o certo é que os baixos salários pagos aos profissionais de 
saúde são um grande estímulo à rotatividade no setor108 e um 
pobre estímulo para que eles aprimorem suas qualificações. 
O estrato social 
Os estudos de populações em sociedades não igualitárias, 
como a nossa, impõem um problema na abordagem empírica 
quando, por exemplo, numa organização como um hospital 
os indivíduos e grupos que ocupam posições sociais distintas, 
vivendo sob condições de existência diversas, estão sendo 
examinados nas suas dimensões de trabalho e saúde. 
107Rolle, P. Op. cit., p. 3 . 
1080 hospital estudado, por características próprias já examinadas, não 
se constitui num bom exemplo para essa discussão, uma vez que o tempo 
de permanência na instituição se mostra elevado, em média. 
140 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
A posição diferencial que os indivíduos e grupos ocupam 
em uma estrutura ou organização social tem sido estudada 
como um fenômeno de estratificação ou, por outra perspecti­
va, tem sido vista como relacionada à sua inserção de dasse109. 
"Stavenhagen analisa os problemas teóricos e metodoló­
gicos relativos aos conceitos de estratificação social e classes 
sociais, distinguindo-se os dois conceitos, mostrando suas li­
mitações, seu alcance e as relações existentes entre estrutura 
de classe e estratificação social. Para o autor, as estratificações 
são fenômenos universais e representam a distribuição desi­
gual de direitos e deveres em uma sociedade"110. 
Para este trabalho, utilizar uma sistematização estratifica­
da de dados como escolaridade, profissão e renda significa 
apenas uma tentativa de, através de um indicador composto, 
buscar uma melhor correspondência à realidade social do co­
letivo de trabalhadores aqui estudado no limite de uma des­
crição dos elementos empíricos por nós conhecidos e a esses 
estratos referenciada. "O fenômenode estratificação é, assim, 
considerado como a aparência de uma estrutura social, cuja 
essência real seria a estrutura de classes"m. 
Os nossos limites de análise alcançam uma estimativa do 
padrão de consumo de grupos de trabalhadores uma vez que, 
para o estudo da relação processo de trabalho e sofrimento 
psíquico, o padrão de consumo poderia constituir uma variá­
vel confundível. Entretanto Lang, comentando um artigo de 
109Lang, A. B. S. G. Considerações sobre os conceitos de estratificação 
social e de posição no sistema de relações sociais de produção: sua opera­
cionalização em uma pesquisa empírica, São Paulo, Ciência e Cultura, 
34( 1 ) : 13-21 , janeiro de 1982. 
1 10Idem, ibidem, p. 13 . 
1 1 1Idem, Ibidem, p. 13 . 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 141 
Luiz Pereira, "Notas para o estudo do Sistema de Classe 
Regional"112, assinala que "a possibilidade de mobilidade so­
cial ascendente, preconizada pela ideologia da sociedade capi­
talista, remete aos estratos e não às classes antagônicas" . Não 
é uma discussão que se tenha aqui condições ou necessidade 
de aprofundar, bastaria, sim, criar parâmetros para estabelecer 
operacionalmente estratos sócio-econômicos que possibilitem 
o exame do material. 
A proposta é considerar três níveis sócio-econômicos: 
alto, médio e baixo, tomando-se como parâmetros classifica­
tórios os elementos escolaridade) profissão-ocupação e renda. 
l . Escolaridade - os níveis já considerados de ( l ) até o 
primeiro grau; (2) até o segundo grau, superior incompleto; 
( 3 ) superior completo. 
2. Profissão-ocupação - frente às oitenta e uma profissões­
ocupações diferentes que se encontrou no hospital, fez-se uma 
adaptação da classificação proposta por Singer ( 197 6 )113 • 
3 . Renda - Coletou-se a renda mensal e familiar e o 
número de pessoas da família, o que nos permitiu o cálculo 
da renda per capita, um indicador mais próximo do consumo 
do trabalhador. 
112Pereira, L. Estudos sobre o Brasil contemporâneo, Livraria Pioneira, 
1 978, apud Lang. Op. cit., p . 14. 
113Singer, P. Demanda por alimentos na área metropolitana de Salva­
dor, São Paulo, Cadernos CEBRAP, 23, 1976, onde o autor agrupa cate­
gorias de ocupações em: 1 ) serviços domésticos remunerados; 2 ) trabalho 
não qualificado; 3) trabalho artesanal de baixa qualificação; 4) artesãos 
modernos de média qualificação; 5 ) trabalho qualificado; 6) ocupações e 
profissões de nível superior. 
142 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
A caracterização da renda familiar e renda per capita nos 
estudos de população tem-se constituído em indicadores clás­
sicos ao padrão de consumo dessas populações, embora tenha 
sido uma informação colhida com alguma dificuldade, já que 
os trabalhadores temem publicar suas diferentes formas de 
ganho quer entre si e suas famílias, quer entre si e qualquer 
equipe de pesquisas que se disponha a vasculhar suas vidas. 
Tais informações poderão ser utilizadas contra si como de­
monstrativo de outros vínculos de trabalho, em comprova­
ções de pendências judiciais, vergonha pelo salário reduzido e 
várias outras alegações. 
Como formulação inicial para a composição dos três es-
tratos, foram propostos: 
· 
l . Baixo - Escolaridade (até primeiro grau incompleto); 
profissão-ocupação (trabalho doméstico remunerado + traba­
lho sem qualificação); Renda per capita (menor que dois Pi­
sos Nacionais de Salário - PNS) . 
2 . Médio - Escolaridade (primeiro grau completo até 
superior incompleto); profissão-ocupação (trabalho de baixa 
e média qualificação); Renda per capita (maior ou igual a dois 
PNS até menor que cinco PNS) . 
3 . Alto - Escolaridade (superior); profissão-ocupação 
(trabalho qualificado até superior) ; Renda per capita (Maior 
ou igual a cinco PNS)* . 
*Obs.: A quantidade de pessoas que não se enquadram nesta catego­
rização foi tal que teve de se montar um programa especial, levando em 
conta as três variáveis, oferecendo um menu de possibilidades para que os 
indivíduos pudessem ser agrupados nas três categorias. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 143 
- Outras características sociodemográficas. Podemos ob­
servar, examinando a tabela 3, que a população trabalhadora 
é predominantemente branca e solteira. Aliás, se agruparmos 
os solteiros, viúvos e separados, teremos que 58% dos traba­
lhadores estão sozinhos, e seria interessante num trabalho 
futuro examinarmos a representação para esses indivíduos do 
trabalho nos seus aspectos de lidar e cuidar com um "outro" 
que requer cuidados fisicos e emocionais. 
Destaca-se também que a grande maioria dos trabalhado­
res do hospital é de tora da cidade de São Paulo, particular­
mente oriundos de outros estados (área urbana e rural ) e do 
próprio interior do Estado de São Paulo. 
Este contingente de trabalhadores está em São Paulo há 
bastante tempo (de dez a vinte anos), igual a 44,5%, embora 
se observe um fluxo de pessoas, com menor tempo na cidade, 
alimentando a ocupação dos postos de trabalho. 
Observa-se também que a entrada como trabalhador no 
hospital não deverá estar se constituindo no primeiro ingres­
so no mercado de trabalho, uma vez que os trabalhadores se 
encontram na cidade há mais de dez anos, enquanto que o 
tempo de exercício da profissão e o tempo de trabalho 
no hospital é predominantemente da tàixa de um a quatro 
anos. 
SI;-.JTOMAS PSICOEMOCIONAIS COMO INDICADOR DE SOFRIMENTO 
PSÍQUICO 
Tem-se desde já claro os limites e reduções que um ins­
trumento padronizado de detecção de sintomas psicoemocio­
nais deverá trazer no momento que se busca entender a dinâ­
mica do sofrimento psíquico, tomando como recorte um 
dado ambiente de trabalho, querendo estabelecer medidas de 
144 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Estratificação sócio-econôm ica/qual ificação. THS/89. 
- Escolaridade 
Primeiro grau completo 
(25%) 
����11=����r: Não freqüenta escola 
� 
(2%) 
Superior incompleto 
Segundo grau incompleto 
( 1 1 %) 
- Profissão - ocupação 
Artesanal de 
baixa qualificação 
- Renda per capita 
5 a < 
(5%) 
Superior completo 
( 1 9%) 
Não qual ificado 
(3%) Doméstico remunerado 
( 1 0%) 
(25%) 
Artesanal de média qual ificação 
Até 1 PNS 
( 1 1 %) 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 145 
Tabela 3 - Distribuição de freqüências, segundo raça, estado 
civil, naturalidade e tempo de moradia em São Paulo. THS/ 
89. 
Variáveis Número % 
Raça 
branco 989 64,9 
mulato 261 1 7,1 
negro 149 9,8 
amarelo 5 1 3,3 
outros 40 2,6 
sem informação 35 2,3 
Total 1 .525 1 00,0 
Estado Civil 
solteiros 716 47,0 
casados 589 38,6 
separados 1 36 8,9 
viúvos 30 2,0 
outros 49 3,2 
sem informação 5 0,3 
Total 1 .525 1 00,0 
Naturalidade (local) 
Grande São Paulo 461 30,2 
Interior de São Paulo 3 5 1 23,0 
Outro Estado (Zona Urbana) 375 24,6 
Outro Estado (Zona Rural) 303 19,9 
Outros países 29 1 ,9 
sem informação 6 0,4 
Total 1 .525 1 00,0 
146 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 3 (continuação) 
Tempo de moradia em São Paulo Número 
(anos) 
O a 4 98 
4 a 9 121 
1 0 a 29 679 
30 a 49 146 
50 a mais l O 
não se aplica 464 
sem informação 7 
Total 1 .525 
% 
6,4 
7,9 
44,5 
9,6 
0,7 
30,4 
0,5 
1 00,0 
associações entre o sofrimento exibido pelos indivíduos ali 
referidos e determinadas condições de organização do traba­
lho ali realizado, uma vez que um tempo significativo da vida 
daquelas pessoas acontece naquele ambiente . Tentar medir 
uma coisa ("o sofrimento" ) e outra ("condições de traba­
lho") é querer sair da esfera do individual, enquanto manifes­
tações singulares que atuam sobre os indivíduos e os impres­
sionam, para buscar alcançar uma esfera coletiva de análise, 
na medida em que determinadas condições de trabalho esta­
riam atingindo um objeto, trabalhadores, que, enquanto tais, 
recebem de forma igual ejou diferente tais manifestações. 
O que se perde em profundidade se deve recuperar em 
extensão, foi a lógica que animou a partir de : l º ) um instru­
mento confiável submetido aum processo de validação cien­
tificamente adequado (SRQ); 2 Q ) o uso de um segundo 
instrumento para detecção de uso abusivo de álcool, embora 
com problemas de validação para os não usuários de bebidas 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 147 
Tabela 3a - Distribuição de freqüência de características da 
força de trabalho do Hospital. São Paulo 1989 (THS) . 
Características Número % 
Cor 
Branco 989 66 
Mulato 261 1 8 
Negro 149 l O 
Amarelo 5 1 3 
Outros 40 3 
Estado Marital 
Solteiro 716 47 
Casado 589 39 
Separado 1 36 9 
Viúvo 30 2 
Outros 49 3 
Naturalidade 
Grande São Paulo 461 30 
Interior de São Paulo 3 5 1 2 3 
Outro estado 678 45 
Outros países 29 2 
Tempo de moradia em São Paulo 
Menos de 4 anos 98 6 
5 - 9 anos 1 2 1 8 
l O - 29 anos 679 45 
30 + anos 1 56 l O 
Sempre morou e m São Paulo 464 3 1 
( CAGE); e 3 Q ) a s técnicas habituais de consulta de morbida­
de referida, de ampla utilização, embora de alcance limitado, 
a desencadear um processo de investigação, onde os próprios 
instrumentos estariam sob observação. 
148 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Nesta ordem de prioridades, examinou-se as respostas e por 
ocasião dos procedimentos analíticos e estatísticos para testes de 
hipóteses, privilegiou-se os dados obtidos pelo SRQ (Schedule 
Research Questionaire) adaptado por Mari, Williams ( 1986), 
por considerá-lo melhor validado e mais confiável. 
A propósito da validade de um instrumento, Selltiz et alii 
assinalam "a validade de um instrumento de medida pode ser 
definido como a extensão com que as diferenças de resulta­
dos obtidos com tal instrumento refletem diferenças reais 
entre os indiví�uos, grupos ou situações quanto à caracterís­
tica que procura medir, ou diferenças reais no mesmo indiví­
duo, grupo ou situação de uma ocasião para outra e não 
erros constantes ou casuais"1 14. 
Com relação à confiabilidade do SRQ para discriminar 
sintomas psicoemocionais tomados como expressão de sofri­
mento psíquico e as quatro questões do CAGE, específico 
para detecção do hábito de beber, foram tomadas num único 
momento, c9m as questões mescladas numa mesma folha de 
papel na segunda fase ( 1 . 181 questionários) uma vez que na 
primeira fase ( 344 questionários) as questões ordenadas em 
separado (primeiramente as vinte questões do SRQ seguidas 
das quatro do CAGE) suscitaram respostas exasperadas do 
tipo "não bebo!", "não sou bebum" etc. 
Em ambos os instrumentos foi estabelecido um ponto de 
corte acima do qual os indivíduos seriam considerados "sus­
peitos" para sintomas de sofrimento psíquico ou de uso ex­
cessivo de álcool, mantendo-se os escores de sete para o SRQ 
(conforme trabalho de validação para a população do municí-
114Aimeida F., N. Epidemiologia sem números, Editora Campus, Rio de 
Janeiro, 1989. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 149 
pio de São Paulo desenvolvido por Mari ( 1986 ), e para o 
CAGE o escore seria dois, conforme também trabalho de 
validação desenvolvido por Masur e col. ( 1985 ) ) . 
No exame das freqüências simples das vinte e quatro 
questões aplicadas, observou-se a tendência decrescente de 
sintomas para o SRQ que se segue: 
1 º . Sente-se nervoso, tenso ou preocupado? 
2 º . Sentindo-se triste ultimamente? 
3 º . Dores de cabeça freqüentes? 
4 º . Dorme mal? 
5 º . Assusta -se com facilidade? 
6º . Sensações desagradáveis no estômago? 
7º . Dificuldades de realização satisfatória das 
52,2% 
33,9% 
28,7% 
26,3% 
26,2% 
25,6% 
atividades diárias? 23,4% 
8 º . Tem má digestão? 23,3% 
9º . Dificuldade para tomar decisões? 22,9% 
1 Oº . Falta de apetite? 18,3% 
Para o CAGE a freqüência decrescente de respostas posi-
tivas assim se coloca: 
1 º . Deveria diminuir a bebida? 
2º . Sente-se Chateado por beber? 
3 º . Aborrece-se com o modo como as pessoas 
4,5% 
2,9% 
criticam o seu modo de beber? 1 ,4% 
4º . Bebe de manhã para ressaca? 0,5% 
A presença de 20,8% de SRQ positivos, ou seja, os traba­
lhadores que responderam ao instrumento de "screening" 
para distúrbios psicoemocionais, que apresentaram uma mé­
dia de respostas positivas superior ao ponto de corte estabe­
lecido para a condição de "suspeição" para distúrbios psí­
quicos (SRQ 20), coloca esta população estudada num nível 
semelhante aos demais estudos de prevalência de distúrbios 
1 50 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
psíquicos realizados no país, o que estimula considerar que o 
SRQ incluído na composição do THS como um instrumento 
adequado para medir sintomas indicativos de sofrimento psí­
quico em população de trabalhadores, embora não tenha sido 
construído especialmente para tal fim. 
O fato de se lidar com uma população com vínculos 
empregatícios estabelecidos, e que já passou necessariamente 
por um crivo de seleção, onde muito possivelmente os mais 
frágeis ou mais sintomáticos não ultrapassaram a barreira dos 
exames pré-admissionais, uma prevalência desta ordem é fato 
bastante expressivo e impõe a análise e reflexão de correlações 
possíveis com variáveis independentes que estariam atuando 
na vida desses trabalhadores. 
A segurança com que se transita no uso do SRQ como 
instrumento de "screening" para detecção de sintomas psico­
emocionais sugestivos de distúrbios psíquicos na população 
estudada, na medida em que se analisaram os dados coleta­
dos, foi inversamente proporcional ao que se experimentou 
aos examinarmos os dados do CAGE para a medida de uso 
de álcool entre os trabalhadores. 
O fato de se ter utilizado questionário auto-aplicado, no 
ambiente de trabalho, onde a informação positiva para hábito 
de beber poderia introduzir algum prejuízo para as vidas pro­
fissionais dos trabalhadores, poderia ser um elemento explica­
tivo para o padrão de respostas negativas, ou até mesmo de 
anotações exasperadas nos questionários, reafirmando o não 
uso de bebidas alcoólicas. O certo é que, considerando as 
informações disponíveis em estudos no país, que estimam de 
2 a 58% a presença de alcoolismo em graus variados na popu­
lação brasileira, os achados encontrados por nós parecem su­
bestimar o que de fato acontece na realidade. Impõe-se, en-
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 5 1 
tretanto, uma melhor observação antes de negar a adequação 
do instrumento para trabalhos semelhantes. 
PROBLEMAS DE SAÚDE 
Dos 1 .525 trabalhadores que responderam ao questioná­
rio e excluídos os 6 questionários perdidos para esta questão, 
tivemos 639 ( 42,1%) trabalhadores que referiram problemas 
de saúde no hospital, nos últimos 6 meses antes da consulta. 
As manifestações somáticas de distúrbios e sofrimento 
psíquico são antigas e conhecidas. Frente à dificuldade de as 
pessoas habitualmente elaborarem no nível de pensamento 
angústias e dificuldades na esfera psíquica, pensou -se em 
utilizar de modo indireto as doenças referidas para ampliar 
as evidências de sofrimento psíquico dos trabalhadores . Pre­
tendia-se também avaliar a sensibilidade do instrumento uti­
lizado na detecção de doenças de atribuída etiologia psicos­
somática. 
Além de aspectos óbvios, por exemplo, de 60,2% dos 
trabalhadores terem tido problemas do aparelho gênito-uri­
nário numa população onde as mulheres predominam, ou 
outro fator expressivo no cruzamento destes problemas com 
o "screening" psicopatológico chama a atenção: o número de 
"suspeitos" por alguns grupos de doenças como poliqueixas 
( 57, 7%), transtornos mentais (53 , 1%), doenças mal definidas 
( 50,0% ), doenças do aparelho digestivo ( 42,0%) (dentro des­
sas a "gastrite nervosa" se destaca como a queixa mais fre­
qüente) . 
Embora, para efeito deste trabalho, os procedimentos de 
validação do instrumento considerados foram aqueles desen­
volvidos por Mari ( 1985) para o município de São Paulo, não 
deixa de ser uma indicação sugestiva de validade do instru-
152 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 4 - Distribuição de freqüências de problemas de saú­
de referidos de suspeitos (e não) de sofrimento psíquico da 
força de trabalhono Hospital . São Paulo, 1989 . 
SRQ SRQ 
Problemas de saúde referidos Suspeitos Não suspeitos 
Número % Número % 
Aparelho gênito-urinário 96 30,5 8 1 4 68,1 
Aparelho ósteo-articular 49 1 5 ,6 82 6,9 
Aparelho circulatório 33 1 0,5 76 6,4 
Sist. nervoso e órgãos dos sentidos 23 7,3 60 5,0 
Aparelho digestivo 42 13 ,3 58 4,9 
Aparelho respiratório 1 8 5,7 37 3,1 
Transtornos mentais 1 7 5,4 1 5 1 ,3 
Infecciosas e parasitários 9 2,9 1 5 1 ,3 
Poliqueixas 1 5 4,8 1 1 0,9 
Alergia 3 1 ,0 1 1 0,9 
Endócrino, nutrição e metabólicas 5 1 ,6 9 0,8 
Pele e tecido celular subcutâneo 1 0,3 4 0,3 
Mal definidas 4 1 ,3 4 0,3 
Total 3 1 5 100,0 1 . 196 1 00,0 
mento utilizado observar-se a média de respostas posltlvas 
alcançadas pelo SRQ para esses grupos de patologias . 
Um outro dado de interesse é que, ao destacarmos do 
quadro geral de problemas de saúde (excluídos os transtornos 
mentais) aquelas patologias de provável etiologia psicossomáti­
ca, a prevalência das mesmas atingiu 20,6% no total de proble­
mas de saúde referido. Se agruparmos para efeito de discussão 
etiológica as doenças psicossomáticas, as poliqueixas, os trans­
tornos mentais e as enfermidades mal definidas, teremos cerca 
de 27,7% dos problemas de saúde assim representados. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇAO 153 
SOFRIMENTO PSÍQUICO E AMBIENTES D E TRABALHO 
Na análise dos dados brutos das variáveis independentes 
sociodemográficas e do processo de trabalho, cruzadas com a 
variável dependente eleita - os escores dos sintomas psico­
emocionais detectados por um instrumento sensível* - tra­
tamos de identificar entre os que trabalham no hospital quais 
estariam "expostos" ao contato direto com o paciente e quais 
não estariam, e examinar a tendência dos escores de sintomas 
entre os dois grupos. 
O critério geográfico de separar áreas técnicas (onde o 
doente recebe cuidados diretos) e áreas operacionais (onde 
isso não acontece) e observar o cruzamento com os "suspei­
tos" e "não suspeitos" de sofrimento ou distúrbio psíquico 
foi um primeiro passo (observar tabela 5 ) . 
O que se observa neste quadro é que algumas áreas que 
desenvolvem trabalhos técnicos de atenção a pacientes assim 
como outras, de atividades de apoio, apresentam medidas de 
prevalência de sintomas bastante expressivas. 
Com os 20% de prevalência média salientam-se os 32% 
dos suspeitos da UTI pediátrica, que já na observação direta, 
durante a aplicação dos questionários, chamou-nos a atenção 
por se tratar de uma área exígua do hospital com um ritmo 
de trabalho bastante tenso e onde a presença constante de 
crianças com patologias graves deveria mobilizar conteúdos 
afetivos intensos, num contingente de trabalhadores predo­
minantemente feminino, onde a possibilidade de identifica­
ção com filhos e familiares adoecidos deverá ser freqüente. 
*Sensibilidade aqui vista como "a capacidade de um instrumento reco­
nhecer os verdadeiros positivos numa população", Cooper & Morgan, 
1973, e que no caso específico do SRQ a teve testada entre nós por Mari, 
1 986, conforme já visto. 
1 54 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 5 - Distribuição de trabalhadores por área hospitalar e 
freqüências de sintomas psíquicos referidos suspeitos de sofrimento 
psíquico. São Paulo, 1989. 
Área do hospital Trabalhadores Suspeitos de sofri-
mento psíquico 
Número % Número % 
Trabalham diretamente com paciente 
Nefrologia (hemodiálise) 22 1 ,4 l O 45,5 
UTI Pediátrica 28 1 ,8 9 32,1 
Laboratório 35 2,3 l l 3 1 ,4 
Enfermarias de eletivas 89 5 ,8 2 1 23,6 
Queimados 43 2,8 1 0 23,3 
Pronto-Socorro 186 12,2 43 23,1 
Arquivo estatístico e recepção 61 4,0 14 23,0 
Maternidade 1 58 1 0,4 34 2 1 ,5 
Cardiologia 6 1 4,0 1 5 2 1 ,3 
UTI Geral 45 3,0 9 20,0 
Pediatria 98 6,4 1 9 19,4 
Centro cirúrgico 48 3,1 8 16,7 
Ambulatório 80 5,2 l l 1 3,8 
Convênios 1 5 1 ,0 2 1 3,3 
Radiologia 3 1 2,0 4 12,9 
1;Jão trabalham diretamente com paciente 
6 4 Ortese e prótese 0,4 66,7 
Centro de materiais 23 1 ,5 lO 43,5 
Farmácia 4 1 2,7 12 29,3 
Rouparia 78 5 , 1 19 24,4 
Centro de processamento de dados 1 0 0,7 2 20,0 
Nutrição e dietética 1 03 6,8 20 19,4 
Manutenção 46 3,0 7 1 5,2 
Faturamento 28 1 ,8 • 4 14,3 
Serviços gerais 72 4,7 9 1 2,5 
Administração 67 4,4 8 1 1 ,9 
Superintendência 9 0,6 1 1 1 ,1 
Áreas de apoio 24 1 ,6 2 8,3 
Almoxarifado 1 3 0,9 1 7,7 
Gasoterapia 5 0,3 
Total 1 .525 1 00,0 3 1 7 20,8 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 155 
Uma outra taxa expressiva é os 45,5% da nefrologia, onde 
um serviço de hemodiálise atende pacientes renais crônicos com 
prognósticos sombrios ("condenados à morte") que aguardam 
descobertas de drogas milagrosas ou a possibilidade de trans­
plante para se livrarem do ritual regular das idas ao Serviço para 
purificar-se das toxinas não excretadas pelo mau funcionamento 
dos seus rins. A presença de crianças nesta unidade também é 
freqüente e mereceria uma abordagem posterior. 
Quando assinalamos a necessidade de se desenvolverem 
estudos de uma outra ordem para buscar estabelecer relações 
de determinação sobre esses primeiros achados exploratórios 
é porque não nos parece satisfatório explicar graus distintos 
de sofrimento psíquico detectável por instrumento padroni­
zado, levando em conta apenas o já consagrado e estabeleci­
dp entre os profissionais de saúde sobre locais de trabalho 
mais ou menos ansiogênicos ou estressares. 
Tivemos algumas surpresas ao observarmos, por exemplo, 
a Unidade de Queimados que, lidando com quadros dramá­
ticos, quer de natureza fisica quer emocional (não esquecer 
das histórias pregressas dos pacientes, onde queimaduras pro­
vocadas por tentativas de suicídio, homicídio, acidentes intàn­
tis, explosões domésticas e fabris e outros são a rotina da 
unidade), acum_ula numa pequena área fechada uma quanti­
dade significativa de problemas intensos . Apesar disso, foi um 
dos locais onde encontramos uma maior coesão intra-equipe. 
Tal fato nos fez lembrar o trabalho de Libouban ( 1985) que, 
ao analisar cargas psíquicas num ambiente hospitalar, identifi­
ca cinco tipos de estratégias defensivas utilizadas pelo pessoal 
do hospital para proteger-se da sobrecarga emocional e afeti­
va face ao contato com a dor e sofrimento: l Q . a coesão in­
terna entre a equipe baseada numa ajuda mútua; 2 Q. a hipe-
1 56 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
ratividade verbal ou cinética como modo de afastar a angús­
tia; 3 Q . o absenteísmo como expressão da falência de defesas 
competentes para o enfrentamento de dificuldade; 4Q . a ver­
balização de questões não vinculadas ao trabalho - os chis­
tes e as anedotas como válvula de escape da tensão; e 5 Q . a 
agressividade reativa contra o paciente através de zombarias, 
colocações cínicas e ridicularizações como fumaça encobrido­
ra de sentimentos de culpa desencadeados pela exibição do 
sofrimento do outro, evitando que se coloquem numa posi­
ção de fragilidade, passividade e sensibilidade. 
A observação direta da unidade de queimados, por exemplo, 
durante a aplicação dos questionários, oferecia uma demonstra­
ção didática de alguns desses mecanismos inconscientes de de­
fesa através das falas e gestos dos seus trabalhadores. 
A organização interna alcançada parece valorizar muito a 
presença e atividade de cada um, criando compromissos entre 
os seus integrantes. O isolamento imposto pelo controle da 
infecção hospitalar favorece o estabelecimento de uma cultu­
ra interna própria, que igualmente suscita investigações com­
plementares de sua lógica de funcionamento. 
Um achado interessante se encontrou ao compararmos as 
expectativas prévias e os escores de "suspeitos" da UTI Geral 
e Maternidade. Na primeira, vista a UTI como um ambiente 
fechado e tenso onde o manejo de situações intensas e peno­
sas, o dano psíquico estaria fatalmente espelhado, utilizando­
se de qualquer instrumento de detecção. A maternidade, de­
sempenhando suas funções de ajudar a fisiologia humana a 
trazer bebês ao mundo, traziaa expectativa de local de traba­
lho paradisíaco quando comparada com outros setores do 
hospital . Além da prevalência de sintomas acima da média, a 
observação direta de campo, particularmente nos plantões 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 57 
noturnos na maternidade, nos alertou para uma série de difi­
culdades no plano da organização do trabalho e das relações 
de poder que também estimulariam futuros estudos para bus­
car entender tal fenômeno. 
Outras áreas, embora com um número de funcionários 
(N) pequeno (o que nos impede de fazer maiores conjetu­
ras), surpreenderam-nos pelos altos percentuais de "sintomá­
ticos" lá encontrados ( órteses e próteses, centro de materiais, 
rouparia, centro de estudos etc . ) . 
DNISÃO D E TAREFAS 
Sobre a clássica discussão de divisão do trabalho na qual 
destacamos elementos mais gerais quando vimos a divisão 
sexual do trabalho feminino, interessar-nos-ia neste momento 
examinar a percepção dos trabalhadores sobre a divisão coti­
diana de tarefas e como o sentimento de considerar adequada 
ou não tal divisão estaria repercutindo na saúde mental dos 
trabalhadores. 
Na análise dos dados agrupados, pode-se perceber uma 
Tabela 6 - Distribuição da força de trabalho pesquisada se­
gundo sintomas referidos e opinião de adequação (ou não) 
de tarefas rotineiras. 
Divisão de tarefas Suspeito Não suspeito 
Número % Número % 
Inadequada 107 30,3 246 69,7 
Adequada 207 18 ,2 932 8 1 ,8 
Total 314 2 1 ,0 1 . 1 78 79,0 
1 58 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
maior prevalência de "sintomáticos" (SRQ+) entre os que 
consideram inadequada a divisão do que entre os que a con­
sideram adequada, numa proporção de 1 ,65 por um pela 
razão de produtos cruzados. 
TEMPOS DE EXPOSIÇÃO AO TIPO DE TRABALHO 
Observando-se a tabela a seguir (7) percebe-se uma coin­
cidência de maior prevalência de sintomas nos trabalhadores 
que trabalham de cinco a quatorze anos na profissão e tam­
bém entre os que trabalham em igual faixa de tempo no 
hospital estudado. Acompanham mais ou menos o mesmo 
perfil nas demais faixas de tempo, dando a impressão de que 
as pessoas chegam na profissão e na instituição mais "saudá­
veis", e com o passar do tempo se tornam mais "sintomáti­
cas" e tendem a se defender melhor quando este tempo ul­
trapassa os quinze anos de trabalho, o que se refletiria em 
menores taxas de sintomas neste intervalo de tempo. 
Tabela 7 - Distribuição de freqüência de suspeitos de sinto­
mas referidos segundo tempo de trabalho na profissão e tem­
po de trabalho no Hospital. São Paulo, 1989 . 
Tempo Trabalhadores na profissão Trabalhadores no hospital 
(anos) Número Prevalência % Número Prevalência % 
< 1 20 1 7,39 28 16,28 
1 - 4 1 1 3 22,87 1 1 9 20,62 
5 - 14 74 2 1 ,14 64 24,33 
15 + 35 18 ,82 3 1 2 1 ,53 
Total 242 2 1 , 1 3 242 20,93 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 1 59 
O RITMO DE TRABALHO 
A maioria dos trabalhadores (53,2%) considerou entre in­
suficiente e corrido o tempo disponível para o desempenho das 
atividades, e é interessante observar que ficaram nestes grupos 
os maiores percentuais de "sintomáticos" (observe tabela 8 ) . 
Para os que consideraram mais que suficiente o tempo 
existente para as tarefas, a prevalência de sintomas se situou 
acima da média dos trabalhadores do hospital, o que levanta 
suspeitas com relação à falta de crítica ou desenvolvimento de 
rotinas neuróticas compensatórias neste grupo específico, 
embora com o estudo aqui desenvolvido não possamos apoi­
ar nenhuma dessas hipóteses. Teríamos também de conside­
rar o grau de organização individual para administrar as tare­
fas diárias de trabalho de cada trabalhador. 
O CONTROLE DO TRABALHO 
O conhecimento dos diversos passos e a participação do 
Tabela 8 - Distribuição de freqüência de suspeitos de sinto­
mas referidos na força de trabalho pesquisada segundo a per­
cepção do tempo disponível para o desenvolvimento das tare­
fas rotineiras . São Paulo, 1989. 
Tempo disponível Suspeitos de sintomas referidos 
Número Prevalência percentual % 
Insuficiente 45 29 
Corrido 1 54 23 
Suficiente 1 09 1 6 
Mais d e suficiente 7 23 
Total 3 1 5 2 l 
160 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 9 - Distribuição de freqüência de suspeitos de sintomas 
referidos na força de trabalho pesquisada segundo participação 
no planejamento de atividades do Hospital. São Paulo, 1989. 
Participação 
Sim 
Não 
Total 
Suspeito de sintomas referidos 
Número Prevalência percentual % 
182 
1 28 
3 1 0 
2 0 
2 3 
2 1 
processo de tomada de decisão no planejamento das ativida­
des se constitui no instrumento possível de delegação ao tra­
balhador de sua condição de sujeito no processo de trabalho, 
contribuindo para a desalienação do trabalho e redução do 
sentimento de "estranhamento", freqüente nos ambientes de 
trabalho onde o trabalhador é transformado em mero execu­
tor de prescrições isoladas e estereotipadas. Tal atitude em 
atividades onde interessa um envolvimento e interação huma­
na tenderia a criar estereotipias de conduta dissociadas e bu­
rocratizadas de grande prejuízo para os usuários de um servi­
ço hospitalar, por exemplo, que necessita estímulos humanos 
para a sua recuperação. 
Na observação dos dados anteriores percebeu-se que a 
maioria dos trabalhadores deste hospital participa do planeja­
mento do hospital, e entre os que não participam a prevalên­
cia de sintomas é maior, onde se pode inferir que o controle 
e participação no processo de trabalho protege melhor o tra­
balhador ( independente dos beneficios que possa trazer aos 
usuários dos seus serviços) . 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇAO 161 
Tabela 10 - Prevalência de "suspeitos" (SRQ+) de trabalha­
dores do hospital segundo pressão da chefia. THS/89. 
Sintomas Suspeitos Não suspeitos Total 
Pressão da chefia Número % Número % Número % 
Muito 4 1 4 1 ,8 57 58,2 98 6,5 
O necessário 99 2 1 ,5 361 78,5 460 30,5 
Pouco 75 24,3 1 3 1 75,7 173 1 1 ,5 
Nào pressiona 83 17,0 644 83,0 1 32 1 7,0 
Total 3 14 20,8 1 . 193 79,2 1 .507 100,0 
Casos Perdidos: 1 8 
AS PRESSÕES 
A presença do chefe é referida por 1 .033 trabalhadores ou 
69,1% deles. Os demais 30,9% trabalham sem a presença do chefe. 
Embora a pressão da chefia seja vista como um indicador 
clássico de sobrecarga e tensão no trabalho, devemos exami­
ná-la aqui com algum cuidado. A presença do chefe pressio­
nando poderá estar significando uma sobrecarga de trabalho, 
mas a sua ausência poderá estar significando também um 
abandono das equipes de trabalho à sua própria sorte, ampli­
ando em muito as ansiedades advindas da falta de suporte 
técnico e administrativo para que esses trabal�adores corres­
pondam às inúmeras demandas dos pacientes e familiares. 
Como se observa, "muita" pressão da chefia se associa a 
um padrão elevado de sintomáticos positivos, seguindo-se de 
"pouca" pressão. A pressão necessária e a "não pressão" atin­
gem as menores taxas, reforçando a percepção de que a pres-
162 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
são da chefia é tensiogênica mas é seguida, a nível de produ­
ção de tensão, pelo "abandono das chefias" e conseqüente 
ausência de supervisão e acompanhamento dos trabalhos de 
campo. 
REPETITIVIDADE / MO�OTONIA 
Apesar da pluralidade de atividade desenvolvida num 
hospital do tipo investigado, 25 ,6% dos seus trabalhadores, 
examinando suas tarefas cotidianas "per se", classificam 
como "sempre as mesmas" as atividades que desempenham. 
Juntando-se aos que informaram "varia pouco", ou "pouco 
dependendo do dia" ou "sempre as mesmas dependendo do 
dia" ou ainda "sempre as mesmas variando pouco", teremos 
52,3% de trabalhadores que consideram suas atividades repeti­
tivas. 
Na correlação desta variável com as medidas de sofri­
mento psíquico utilizadas para os que referiram "variar mui­
to" suas atividades diárias, foi onde se observou a mais baixa 
prevalência de sintomas ( 1 6,4% ) ; as demais combinações 
apresentaram achados não conclusivos para um examede 
tendência . 
Varia muito dependendo do dia 6 
Varia pouco dependendo do dia s 
tz2Z3 Atividades 
17"'7'"'7'-r-7'"'7'-r-7'"'7'""'7""l Dependendo do dia 4 ���;:!:;:�;:!;:�-. 
Varia mu ito 3 
Varia pouco ������..,...., 
Sempre as mesmas 1 
���������� 
! O 1 5 20 2 5 3 0 % 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 163 
OS DUPLOS OU MÚLTIPLOS VÍNCULOS 
As dificuldades do modelo de trabalho hospitalar têm 
explicações que certamente se localizam na esfera das dificul­
dades próprias do setor terciário, mas certamente no nosso 
meio com as especificidades da sub-remuneração do setor 
surgem questões de difícil manejo técnico. 
Vejamos, por exemplo, as informações colhidas acerca da 
vinculação exclusiva ou não com o hospital estudado. Embo­
ra grande contingente de trabalhadores dediquem sete a doze 
horas nos seus postos de trabalho, 30,3% (460 deles) referi­
ram outros vínculos de trabalho. Sabemos que tal informação 
está subestimada, uma vez que os próprios trabalhadores ex­
ternam temores de serem penalizados trabalhisticamente por 
deverem manter, por legislação, um vínculo único com des­
canso remunerado. O que ocorre na prática é que os baixos 
salários para muitos e a ideologia de ascensão social, para 
outros, pressionam no sentido de assumirem dois ou mais 
empregos sacrificando descanso, lazer e vida familiar. O rou­
bar do atendimento ao doente as horas de descanso que 
deveriam ser vividas no repouso remunerado são práticas fre­
qüentes nos plantões de clínicas e hospitais . 
Das 1 . 520 respostas ( cinco deixaram de responder), 
1 .060 disseram trabalhar só no hospital (69,7%) e 460 
( 30,3%) admitiram outro vínculo empregatício. Não foi ob­
servada uma maior prevalência de sintomas entre os trabalha­
dores do segundo grupo. 
A visão de conjunto da tabela seguinte ( tabela l l ) serve 
para examinarmos as situações de turnos de trabalho, jorna­
das diárias e o critério geográfico de trabalhar ou não direta­
mente com pacientes, e de suspeição para sintomas psicoe­
mocionais e uso abusivo de álcool. 
164 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Turnos de trabalho - A grande maioria dos 
funcionários trabalha durante o horário diurno: 922, ou 60,45%, 
em regime regular de trabalho e mais 187, ou 12,26%, em 
plantões diurnos de 12/36 horas. Fica para o trabalho noturno 
fixo 127, ou 8,32% dos funcionários, aos quais se acrescentam 
221 , ou seja, 14,49% que trabalham em plantões de 12/36 
horas/noite. Fica evidente um número menor de funcionários à 
noite, embora em algumas unidades o fluxo de atividades per­
maneça constante. 
O que se observa nos cruzamentos é que a prevalência de 
distúrbios observáveis dos diferentes modos (doenças psicos­
somáticas, transtornos mentais, SRQ e CAGE) é maior para 
os turnos alternados. No trabalho noturno se apresenta uma 
maior prevalência de transtornos mentais. 
Jornada de trabalho - As jornadas de trabalho diárias 
oscilam entre quatro e vinte horas diárias (estando entre os 
últimos médicos residentes, que acumulam plantões extras 
pela alegada razão de sobrevivência, técnicos de RX, labora­
taristas, auxiliares e atendentes de enfermagem, que mantêm 
dois ou mais vínculos regulares de trabalho diário) . 
O trabalho de meio-período, jornadas de quatro a seis 
horas deve significar uma segunda jornada de trabalhos do­
mésticos, considerando a mão-de-obra feminina que o hospi­
tal abrange. 
No exame da tabela, os que trabalham mais de doze horas 
são campeões em doenças psicossomáticas, transtornos mentais, 
sintomas psicoemocionais e abuso de bebida alcoólica. 
As jornadas de quatro a seis horas aparecem como melhor 
protegendo dos transtornos mentais e uso abusivo de álcool, 
mas não protegendo tanto dos surgimentos de sintomas psi­
coemocionais e doenças psicossomáticas. Talvez outras variá-
Ta
be
la
 1
1 
-
D
is
tr
ib
u
iç
ão
 d
e 
fr
eq
ü
ên
ci
a 
d
e 
su
sp
ei
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166 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
veis como sexo, por exemplo (há um grande contingente de 
mulheres trabalhando durante o dia), possam estar explican­
do este comportamento. As jornadas intermediárias de sete a 
doze horas apresentam prevalência menor de sintomas psico­
emocionais e doenças psicossomáticas. 
Contato ou não contato com pacientes segundo critério geo­
gráfico de área - Embora as áreas que trabalhem diretamen­
te com pacientes apresentem prevalências discretamente mai­
ores para sintomas psicoemocionais e transtornos mentais, 
para doenças psicossomáticas a situação se inverte, e quem 
trabalha em atividades de apoio parece adoecer mais. 
ALGUMAS VARIÁVEIS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E SÓCIO-ECO­
NÓMICAS - MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO 
Uma vez examinada a tendência da totalidade das variá­
veis em estudo e levando-se em conta o comportamento des­
sas variáveis, as informações existentes na literatura e toman­
do sempre como referência as hipóteses iniciais deste traba­
lho, elegemos algumas delas para medir a força ou magnitude 
da associação estatística entre fatores de exposição ou de ris­
co� ou seja, determinadas condições de trabalho ou caracte­
rísticas sócio-econômicas, por nós escolhidas, e o sofrimento 
psíquico dos trabalhadores. 
Utilizamos como medida da associação o "ODDS-Ra­
tio"* . Conceitualmente ela é uma medida de razão que divi­
de um valor observado de uma população pelo valor de uma 
outra população que serve como referência. Desta forma, o 
valor do grupo de estudo é tomado como o valor "observa-
* Risco relaciona! é a terminologia adotada por Guilherme Rodrigues 
da Silva para a mesma medida de associação. 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 167 
do", enquanto se considera o valor da população de referên­
cia o valor "esperado". Portanto, as medidas de razão têm 
habitualmente a forma do observado dividido pelo esperado. 
Teríamos, a partir disto, a medida do excesso de risco que o 
grupo exposto a determinados fatores de agravo teria sobre o 
outro grupo "não exposto", expresso como uma razão. Ra­
zão esta que deverá ser sempre maior que 1 (um) quando 
houver uma diferença de risco entre os "expostos" e os "não 
expostos" a determinadas condições em estudo. 
As condições de "exposição" escolhidas tiveram a ver 
com: l . Contato ou não contato com o paciente, avaliando a 
natureza do trabalho e para tal estratificação destacamos: 
a) os trabalhadores de enfermagem (enfermeiros, técnicos,auxiliares e a tendentes) e b) os demais trabalhadores. 2 . J or­
nada de trabalho em estratos de até oito horas e mais de oito 
horas. 3 . Os turnos de trabalho foram transformados em 
tabela dicotômica de turnos alternados e não alternados. 4. A 
disposição ao final da jornada de trabalho em querer descan­
sar num estrato e divertir, trabalhar e estudar no segundo. S . 
Sexo, idade e estratificação sócio-econômica pelo j á consagra­
do poder de interferência e modificação nas associações entre 
sintomas ou enfermidades e fatores de exposição ou risco, 
entrariam naturalmente num programa de análises. 
Caberia então examinar por que medir e como medir as 
associações levantadas nas hipóteses de trabalho. Em verda­
de utilizamos os testes estatísticos para quantificar a probabili­
dade de uma associação observ:1da ser devida ao acaso, em vez 
de ser uma associação verdadeira na população-fonte. Um teste 
estatístico pode determinar até que grau os dados estão consis­
tentes com uma hipótese específica ou não. Habitualmente 
faz-se uma primeira suposição de que as taxas de ocorrência de 
168 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
um sintoma ou enfermidade numa população são iguais para 
os grupos "expostos" e "não expostos" ao fator que estamos 
estudando, portanto, não há associação entre sintoma e expo­
sição. A isso chamamos de "hipótese nula". 
Um outro índice de variabilidade estatística da associação 
é o intervalo de confiança (LS = limite superior e LI = limite 
inferior) que nos diz a extensão dentro da qual o valor "real", 
consistente com os dados do estudo, se situa. No nosso caso 
utilizam�s o intervalo de confiança do valor do ODDS-Ratio, 
e sempre que o 1 (um) esteve incluído na sua extensão con­
sideramos a hipótese nula. 
Calculamos em seguida uma medida de associação (no 
nosso caso ODDS-Ratio ou Razão de ODDS) . Depois calcu­
lamos a probabilidade (o p) de observar uma associação igual 
ou maior que aquela observada no estudo, se a hipótese nula 
fosse realmente verdadeira . Uma probabilidade muito peque­
na significa que é muito pouco provável observar uma tal 
associação se fosse verdadeira a hipótese nula. Conseqüente­
mente, pode-se rejeitar a hipótese nula em favor da hipótese 
alternativa de que a exposição e o sintoma ou doença estão 
associados na população estudada. Existem possibilidades de 
erros estatisticamente previstos, mas na prática costuma se 
estabelecer 0,05 . (5%) como um valor arbitrário contra o qual 
se compara o valor de p. Se o valor p for menor que o 
arbitrado, aceita-se a hipótese testada como verdadeira. 
Uma vez se encontrando uma associação verdadeira, cabe 
ainda observar a probabilidade "exata" de esta associação ser 
verdadeira. Para tal utilizamos o teste do Qui - Quadrado, 
que apesar de não conseguir penetrar na consistência dos 
dados (não conseguindo medir por exemplo vieses de seleção 
de dados), quantifica a probabilidade estimada em p . 
O HOSPlTAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 169 
A tabela que se segue ( 12 ) é o recorte escolhido para a 
análise cujos títulos explicam a associação examinada, toman­
do-se sémpre como hipótese que o fator disposto na casela A 
horizontal teria uma relação de determinação com a caracte­
rística A da linha vertical da tabela. 
Nelas temos calculado: 
ODD = Razão de ODDs ou Risco Relaciona!. 
LI = Limite inferior do intervalo de confiança. 
LS = Limite superior do intervalo de confiança. 
p = probabilidade da associação se dar ao acaso. 
X2 = medida "exata" da probabilidade da associação. 
ANÁLISE TABULAR ESTRATIFICADA PARA MEDIDA DE MODIFICAÇAO 
DE EFEITO 
A modificação de efeito significa que o grau da associação 
entre um fator de risco ou exposição e a sua conseqüência varia 
em distintos subgrupos da população. Embora partam de uma 
mesma técnica de procedimentos metodológicos, "modificação 
de efeito" é totalmente diferente de "confundimento", que é 
uma distorção, uma descrição enganosa de uma associação en­
contrada entre fator de exposição e sintomas ou doenças. En­
quanto o confundimento distorce e deve ser eliminado, a modi­
ficação de efeito informa a possibilidade de subgrupos mais sus­
cetíveis ou mais resistentes a determinados fatores de risco. 
A modificação de efeito é para o epidemiologista uma 
intenção secundária ou uma interação de três caminhos. Veja­
mos, na relação: A fator, B conseqüência e C um outro fator 
por ação de uma modificação de efeito, A estaria determinan­
do B mas, na presença do terceiro elemento C, esta relação se 
tornaria mais ou menos forte A + __.. B na dependência 
I _;:.._.­
c -
1 70 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 12 - Freqüência de força de trabalho P.esquisada se­
gundo presença (ou não) de sintomas referidos de sofrimento 
psíquico e características especificadas com respectivo trata­
mento estatístico e testes de significância. 
Características 
especificadas 
Tipo de trabalhador 
Enfermagem 
Outros trabalhadores 
Jornada de trabalho 
Mais de 8 horas 
Até 8 horas 
Turno de trabalho 
Alternado 
Não alternado 
Disposição após final 
da jornada de trabalho 
Descansar 
Divertir + trabalhar + 
estudar 
Sexo do trabalhador 
Feminino 
Masculino 
Extrato sócio-econômico 
Baixo 
Alto 
Sofrimento psíquico 
Suspeito Não suspeito 
168 531 
148 675 
170 656 
130 496 
186 736 
130 458 
259 693 
55 404 
250 759 
66 443 
101 281 
46 249 
Risco 
relaciona/ 
Significáncia 
estatística 
1,44 Significante 
1,01 Não significante 
0,89 Não significante 
3,29 Significante 
2,21 Significante 
I ,95 Significante 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇÃO 17 1 
do subgrupo que se estivesse considerando. A presença da 
modificação de efeito quer dizer simplesmente que o grau de 
associação entre os fatores de risco ou exposição e a conse­
qüência difere em grupos diferentes. 
No presente estudo, os passos que se seguiram no sentido 
de avançar para uma análise estratificada, controlada por ou­
tras variáveis de provável efeito modificador ou confundidor, 
foi, a partir das medidas de associação feitas anteriormente, 
estratificar-se os dados e controlar-se pelas variáveis modifica­
doras e/ou confundidoras. 
Para essa etapa dos trabalhos, utilizou -se o programa 
SAS-PC (Cochram-Mantel-Haenszel Statistics - Based on 
table Scores), e, de modo artesanal, foi-se introduzindo uma 
a uma as possíveis variáveis com potencial de modificação. 
Operando sempre com tabelas 2 x 2 (com variáveis não dico­
tômicas como idade e estrato sócio-econômico utilizou -se do 
expediente de trabalhar dois a dois os estratos da tabela). 
Mediu-se então as associações "estratificadas" utilizando-se o 
Risco Relaciona! sumarizado, ou ODDS-Ratio sumarizado 
ou sintético (ODDs) conforme proposto por Mantel-Haen­
sel. Observou-se também os intervalos de confiança dessas 
medidas (LI e LS), a probabilidade de elas acontecerem ao 
acaso (p) e a homogeneidade ou heterogeneidade entre os 
ODD encontrados nos diversos estratos através do teste de 
"heterogeneidade", que tem a utilidade de identificar rela­
ções entre variáveis . 
Na tabela 1 3 se pode observar um consolidado das 
. diversas tabelas, dos diversos estratos e suas medidas calcu­
ladas . 
Um achado interessante foi o crescimento proporcional 
das prevalências de sintomas na medida em que o estrato 
172 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Tabela 13 - Risco relaciona! (ODDS-Ratio) entre diversas 
variáveis e sofrimento psíquico de trabalhadores, utilizando­
se modelo de análise estratificada controlada por outras vari­
áveis . São Paulo, 1989. 
Variável Controle Risco Signiftcância 
relaciona! estatística 
Natureza do Sem 1 ,44 Significante 
trabalho 
Por sexo, estrato, 
idade, jornada, turno 1 ,04 Não significante 
Por cansaço 1 ,53 Significante 
Jornada Sem 0,98 Não significante 
Por sexo, estrato, 
idade, jornada, turno 1 ,02 Não significante 
Por cansaço 0,89 Não significante 
Turno Sem 0,89 Não significante 
Por sexo, estrato, 
idade, jornada, turno 1 ,09 Não significantePor cansaço 0,92 Não significante 
"Cansaço" no Sem 3,29 Significante 
fim da 
jornada de Por sexo, estrato, 
trabalho idade, jornada, turno 3,01 Significante 
Estrato 1 4,70 Significante 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAÇAO 1 73 
Tabela 14 - Análise de tendência linear das proporções de 
"suspeitos" de sofrimento psíquico nas categorias de estratifi­
cação sócio-econômicas, controladas por sexo. 
Características Sofrimento psíquico (SRQ) Proporção 
percentual de 
Suspeito Não suspeito suspeitos % 
Feminino 
Baixo 83 1 18 3 1 
Médio 1 17 360 23 
Alto 33 129 20 
Masculino 
Baixo 1 8 90 1 7 
Médio 29 179 1 3 
Alto 1 3 1 20 1 0 
Total 293 996 
Risco relaciona! = 2 , 13 
sócio-econômico decrescia, quer no estrato feminino quer no 
masculino, observados através de uma análise de tendência 
linear* das categorias de estratificação sócio-econômica, con­
troladas por sexo. Tal procedimento, possível para variáveis 
do tipo ordinal, nos permite visualizar a associação inversa de 
crescimento de prevalência de sintomas e estratificação social, 
conforme podemos observar na tabela 1 3 . 
*A respeito de "análise de tendência linear em tratamento estratifica­
dor", in Mantel, N. Chi-Square Tests with one Degree of Freedom; Exten­
sions of the Mantel-Haensel Procedure, American Statistical Association 
Journal1 USA, set. 1963:690-700. 
1 7 4 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Na análise do conjunto de tabelas necessárias aos contro­
les realizados chamou-nos a atenção o comportamento da 
variável sexo, que além de manter uma forte associação entre 
mulheres e sofrimento psíquico, controlada pelas demais vari­
áveis estudadas (M.H5• 
= 2,28) , foi capaz de tornar menor ou 
não significante a associação das outras variáveis de condições 
de trabalho em estudo, quando por ela controladas. 
Observou-se ainda que o trabalhador do estrato sócio­
econômico baixo, quando comparado com o do alto e con­
trolado pelas variáveis em estudo, apresentou uma maior pro­
babilidade (M.H.ç- = 1 ,97) de sintomas psíquicos, reduzindo­
se tal probabilidade (M.H5• = 1 ,56) quando se comparou o 
estrato sócio-econômico médio com o alto. 
Um nível mais fraco de intensidade da associação foi visto 
examinando-se a variável idade na relação de sintomas pelos 
três estratos de idade considerados. Os trabalhadores com 
mais de 40 anos, quando comparados com aqueles na faixa de 
idade abaixo de 25 anos, demonstraram uma maior probabi­
lidade de apresentar sintomas ( M.Hs. = 1 ,46) se comparados 
com a relação entre os mais jovens ( <25 anos) e os localiza­
dos no estrato etário médio de 25 a 30 anos (M.H5• = 1 ,3 1 ) . 
A idade pareceu não interferir no controle das demais variá­
veis por ela controladas. 
As variáveis sexo e estratificação sócio-econômica pare­
cem se constituir em importantes modificadores de efeito na 
relação estudada de "condições de trabalho" e "sofrimento 
psíquico", nos procedimentos até aqui realizados. · 
O HOSPITAL COMO CAMPO DA INVESTIGAçAO 175 
Um nível mais fraco de intensidade da associação foi visto 
examinando-se a variável idade na relação de sintomas pelos 
três estratos de idade considerados. Os trabalhadores com 
mais de 40 anos, quando comparados com aqueles na faixa de 
idade abaixo de 25 anos, demonstraram uma maior probabi­
lidade de apresentar sintomas (M.H5• = 1 ,46) se comparados 
com a relação entre os mais jovens (>25 anos) e os localiza­
dos no estrato etário médio de 25 a 30 anos (M.H5• =1 ,3 1 ) . 
A idade pareceu . não interferir no controle das demais variá­
veis por ela controladas. 
As variáveis sexo e estratificação sócio-econômica pare­
cem se construir em importantes modificadores de efeito na 
relação estudada de "condições de trabalho" e "sofrimento 
psíquico", nos procedimentos até aqui realizados. 
Quarta Parte 
Capítulo 7 
ALGl!MAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A passagem da verdade/prova à verdade/ 
constatação é sem dúvida um dos processos mais 
importantes na história da verdade, ainda que a 
palavra "passagem" não seja inteiramente ade­
quada, pois não se trata aí de duas formas estra­
nhas entre si que se oporiam e das quais uma 
triunfaria sobre a outra. A verdade/ constatação 
na forma do conhecimento talvez não passe de 
um caso particular da verdade/prova na forma 
do acontecimento; acontecimento que se produz 
como podendo ser de direito repetido sempre e 
em toda parte . . . É essa forma singular de pro­
dução da verdade que pouco a pouco foi 
recobrindo as outras formas de produção da 
verdade e que, ou pelo menos, impôs sua forma 
como universal. 
Michel Foucault, 1979 
- SE QUISÉSSEMOS IMAGINAR UM PADRÃO DOS TRA­
balhadores do hospital estudado, diríamos que ele seria es­
sencialmente feminino, solteiro, branco, migrante, numa fai­
xa de idade entre 25 e 40 anos, majoritariamente tendo cur-
180 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
sado até o primeiro grau, exercendo ocupações artesanais de 
baixa qualificação, tendo uma renda per capita de até dois 
salários mínimos. 
- Trabalham de dez a doze horas por dia em turnos 
fixos ou alternados. Sentem como ora corrido, ora suficiente 
o tempo destinado a executar as tarefas que consideram re­
petitivas e com uma distribuição inadequada; participam do 
planejamento das atividades, não fazem pausas, e quando 
saem do trabalho querem descansar, sem disposição para se 
divertir, estudar ou continuar trabalhando. 
- Consideram o trabalho insalubre e perigoso, e têm ou 
tiveram problemas de saúde, em especial geniturinários, psi­
cossomáticos e osteomusculares. 
- A natureza do trabalho, ao lidar com dor, sofrimento 
e morte, influencia a produção de sintomas psíquicos. Para 
alguns grupos ocupacionais, entretanto, até atua como fator 
de proteção quando comparados com outros que, não lidan­
do diretamente com pessoas, se encontram mais lesados. 
- O trabalho em turnos e noturno, neste modelo de 
investigação, não apresentou significância estatística na pro­
dução de sintomas, embora o trabalho em turno alternado 
noturno, isolado proporcionalmente apresentasse a maior 
prevalência de sintomas psíquicos. 
- As jornadas diárias de trabalho maiores que oito horas 
não apresentaram significância nos procedimentos feitos. En­
tretanto na análise de dados agrupados, operando com uma 
estratificação menor (mais que doze horas, por exemplo), 
revelou um aumento da prevalência de sintomas. 
- Entre as mulheres a prevalência de sintomas é maior 
que entre os homens, e a condição feminina parece influenci­
ar de tal modo o sofrimento psíquico que, quando no proce-
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 18 1 
dimento da análise estratificada se controla · o sexo, ele reduz 
drasticamente a significação estatística em todas as demais 
variáveis estudadas . 
- Os que estão no estrato sócio-econômico inferior so­
frem maiores danos que os que estão no estrato médio, que 
por sua vez estão piores que os de estrato alto - há uma 
relação inversa entre a ascensão no estrato sócio-econômico e 
os valores das taxas de proporcionalidade de sintomas psí­
quicos. 
- . A idade pareceu não influenciar significativamente 
como fator de risco para o surgimento de sintomas. 
- Os trabalhadores menos qualificados estão mais expos­
tos a apresentarem sofrimento psíquico. 
Embora o rigor das matemáticas, ou mais provavelmente 
as limitações dos que manejam os seus conceitos, imponham 
uma linguagem positiva ao examinar seus resultados, não de­
vemos nos esquecer que testar estatisticamente relaciona-se 
apenas a examinar o papel da sorte na explicação de uma 
associação observada. Os testes de significância não levam em 
conta as possíveis contribuições de vieses de seleção, de infor­
mação, confundimento, e outras fontes de erro no desenho, 
execução e análise do estudo. Significância estatística indica 
apenas que o acaso é uma explicação pouco provável, mas 
não impossível, da associação. Os modelos estatísticos, por 
mais sofisticados que sejam ou venham a ser, não prescindem 
ou prescindirão jamaisdo juízo crítico do pesquisador que os 
utiliza. 
Neste trabalho buscamos avançar no sentido de examinar 
a consistência das associações encontradas, embora tenhamos 
claro o caráter não exaustivo desta investigação. O não en­
contrar significação estatística entre variáveis examinadas não 
182 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
significa encerrar o assunto com relação à discussão acerca da 
determinação de umas sobre as outras. A possibilidade de 
equívocos no desenho e análise de um objeto como o aqui 
estudado é de tal ordem que só a multiplicação e o aprofun­
damento de estudos semelhantes poderiam contribuir para 
minimizá-los, o que certamente estará na dependência de um 
maior acúmulo de pesquisas na área. 
Ao tecer comentários contrários a enfoques empiricistas 
categóricos, não se pretende desqualificar os métodos e técni­
cas aqui utilizados como não adequados ao exame de variá­
veis imprecisas e sujeitas a milhares de interpretações de natu­
reza ética, política, psicopatológica e outras . Temos claro que 
o desafio de se construir uma nova disciplina que estude as 
complexas relações da saúde e trabalho implica uma provoca­
ção de proporções não dimensionadas quando iniciamos um 
processo de investigação neste campo. Concordamos com 
Kuhn quando, ao discutir a "estrutura das revoluções cientí­
ficas", chega a afirmar qua a ciência normal não tem como 
objetivo trazer à tona novas espécies de fenômenos, prefe­
rindo não ver aqueles que não se ajustam aos paradigmas já 
estabelecidos. Neste sentido, a evidência empírica de um pa­
radigma ou um conjunto de paradigmas poderia significar 
tão-somente a repetição compulsiva de um conjunto de 
procedimentos relativamente seguros, que reforçariam a 
confiança do pesquisador nos seus métodos e técnicas, satisfa­
zendo também o olhar de uma certa comunidade científica. 
Entretanto, é científico perseguir o insólito, articular novas 
possibilidades, "ao concentrar a atenção numa faixa de pro­
blemas relativamente esotéricos, o paradigma força os cientis­
tas a investigarem alguma parcela da natureza com uma pro­
fundidade · e de uma maneira tão detalhada que de outro 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 183 
modo seriam inimagináveis. E a ciência normal possui um 
mecanismo interno que assegura o relaxamento das restrições 
que limitam a pesquisa toda vez que o paradigma do qual 
derivam deixa de funcionar efetivamente"115 . 
Com o propósito de estabelecer relações significativas 
entre o trabalho hospitalar na sua natureza e o sofrimento 
psíquico dos seus trabalhadores, teve-se de enfrentar de início 
o pr_oblema das reduções dos objetos no sentido de ajustá-los 
a um método de abordagem que, se introduzia uma dimen­
são mais coletiva e generalizadora ao buscar agregar elemen­
tos empíricos de um expressivo contingente de trabalhadores, 
" 
teve de, necessariamente, amputar uma franja de signos e 
significados constitutivos dos objetos em análise. Nenhuma 
apreensão única de um fenômeno mental ou imaginário 
pode, naturalmente, representar todas as suas formas histori­
camente significativas. Para fins deste trabalho, portanto, ti­
vemos de nos contentar com um corte instantâneo. A histo­
ricidade seria recuperada na medida em que uma série de 
estruturas puntiformes da investigação compusessem um mo­
saico de interpretações que estabelecesse um nexo entre as 
diversas partes do objeto investigado. Afinal, uma das preten­
sões deste trabalho foi apreender elementos simbólicos, por 
essência da ordem da subjetividade, como fatos empíricos 
observáveis e quantificáveis com os quais se poderia inferir 
associações significativas entre fatores e conseqüências psicos­
sociais. 
A observância de uma fraca medida da associação entre 
natureza do trabalho - o trabalho de enfermagem - e os 
115Kuhn, T. S. A estrutura das revoluções científicas, Editora Perspec­
tiva, São Paulo, 1987, p. 45. 
1 84 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
sintomas psicoemocionais, que foi severamente reduzida 
quando controlada pela variável sexo, por exemplo, nos im­
põe uma dupla reflexão. A primeira, de ordem teórico-meto­
dológica, que nos faz argüir a adequação do desenho e dos 
instrumentos de investigação como os mais sensíveis para a 
apreensão da relação a ser estabelecida. Esta primeira questão 
tornou-se ultrapassada, na medida em que, apesar dos cuida­
dos e relativizações, elegeu-se um desenho e instrumentos 
que foram capazes de produzir os dados sobre os quais nos 
debruçamos neste momento. 
A segunda ordem de reflexão relaciona-se com um enten­
dimento psicodinâmico do comportamento desta associação 
de variáveis. Seria o contato direto com o paciente, ou seja, o 
lidar com a dor, sofrimento e morte, o elemento mais de­
terminante para a produção de sintomas psíquicos detectáveis 
e utilizados como elementos indicativos do sofrimento psí­
quico dos trabalhadores no hospital? 
A resposta não simples leva-nos a considerações da ordem 
do indivíduo e dos mecanismos subjetivos de ajustes e adapta­
ções necessários à administração da sua economia psíquica e 
como tais arranjos ou desarranjos estarão se expressando en­
quanto manifestação coletiva, à medida que desloquemos o eixo 
de preocupações para o coletivo de trabalhadores submetidos a 
determinadas condições de vida e trabalho. 
A primeira questão a ser vista, dispondo da discussão 
anteriormente feita a propósito da sublimação, é que o conta­
to direto com o paciente, na nobre função socialmente va­
lorizada de cuidá-lo e provê-lo dos elementos essenciais à sua 
subsistência e recuperação, se constitui num fator de proteção 
à saúde psíquica do trabalhador da área. Mesmo assisti-los no 
seu leito de morte, ultrapassando cotidianamente a barreira 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 185 
do medo e da comiseração de um outro submetido aos seus 
cuidados, são estímulos suficientes para desencadear um 
deslocamento, para fins valorizados social e narcisisticamente, 
da energia libidinal que de outra forma poderia resvalar para 
uma via sintomática. A dessexualizaÇão da energia libidinal 
posta a serviço de atividades não sexuais, como tem discutido 
Hornstein, confere à sublimação um conceito - valor que, 
além de cumprir suas funções ético-morais de normatizar 
relações entre pessoas, perseguindo um bem comum e ne­
cessário à preservação da espécie, não faz apenas isso. "A 
sublimação não consiste apenas numa passagem a um nível 
mais elevado da hierarquia de valores senão também numa 
troca de um modo de funcionamento psíquico a outro radi­
calmente heterogêneo. A sublimação é um processo de 
transformação fecundo da economia psíquica"1 16• 
E o interessante é que chegamos a este raciocínio por 
uma via matemática. Quando procedíamos a tarefa de isolar 
as variáveis confundidoras e de modificação de efeito num 
procedimento de análise estratificada, observamos que, em­
bora as mulheres que trabalhavam em atividades diretas com 
paciente ou não se mantivessem mais sintomáticas que os 
homens trabalhadores ( tendo-se controlado todas as demais 
variáveis em estudo), ao chegar a vez de controlar a variável 
sexo, apesar da não significância estatística, observou-se uma 
inversão: os homens passavam a apresentar maior proporção 
de sintomas psíquicos no estrato dos que lidavam direta­
mente com pacientes. Como já vimos anteriormente, a divi­
são social do trabalho impõe historicamente um aprendizado 
116Hornstein, L. La sublimación: otro continente negro?, comunicação 
escrita (mimeografado), 72 p. 
1 86 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
às mulheres das tarefas de cuidar e prover crianças, velhos e 
doentes . O aprendizado desta via para os homens é mais 
dificil e penoso. Ele, que na mesma divisão de trabalhos de­
verá ir à guerra, ao mercado, aos trabalhos pesados, aos co­
mandos, de um modo natural, não "saberia" canalizar para 
cuidados de natureza "feminina" a sua energia libidinal des­
locada. As lutas, as atividades de arte, a construção civil, por 
exemplo, ser-lhes-iam cultural e historicamentemais fáceis. 
Aqui, os homens estariam em desvantagem por não dispor de 
um aprendizado arquetípico que mediatizasse pulsões incon­
troladas que o contato com o outro só estimula, tendendo a 
reprimir ou inibir a energia libidinal. E a inibição de energia 
por um mecanismo de repressão tenderá a resvalar numa via 
sintomática ou reativa com inibições intelectuais, impossibi­
lidade de investir em atividades criativas, aborrecimento e 
desprazer com o trabalho, a repetição obsessiva de um mes­
mo pensamento, o tédio, entre outros. Reprimir implica 
sempre uma regressão a etapas mais primitivas do desenvolvi­
mento da personalidade, fixando-se ou detendo-se em etapas 
anteriores não resolvidas. Terreno fácil para adoecer ou reagir 
com mecanismos defensivos infantis onde o rechaço ao do­
ente, a competição pelo excesso de identificação com quem 
estará regredido pela sua situação de natural desvalido e es­
pectante dos cuidados hospitalares. Freud em O Mal-estar na 
Civilização escreve que, por seu desvalimento, a criança de­
pende do amor materno que tem um poder modelador. O 
instrumento da autoridade é a negação deste amor e sobre o 
fundo do desamparo infantil se ergue a onipotência parenta!. 
As aspirações do que se deve ser e ter e as premissas sobre o 
que não se deve fazer estarão limitadas pelos valores dos pais. 
A ameaça da perda de amor é uma constante desde os pri-
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 187 
mórdios infantis e deverá nortear nossas reações adultas quer 
nas relações mais protetoras e afetuosas, quer nos rechaças 
agressivos e destrutivos . Na relação técnico-paciente num 
hospital não é diferente, e dependerá do destino das pulsões 
"escolhido" a satisfação ou insatisfação dos trabalhadores e o 
melhor ou pior atendimento ao usuário. Isto numa discussão 
essencia1mente individual e metapsicológica que nos cabe 
aqui apenas mencionar. 
A oposição que procuramos demonstrar entre a sublima­
ção e o sintoma não deixou de ser, no campo das individua­
lidades, na luta da vida contra a morte, a vitória da primeira 
sobre a segunda na medida em que sublimação é "não uma 
nova expressão do conflito mas o triunfo em oposição aos 
renovados fracassos do neurótico, já que as mesmas proble­
máticas que conduzem a um empobrecimento libidinal e nar­
cisista, levam, àquele capaz de lograr sublimações, a transfor­
mar suas necessidades singulares em finalidades originais e a 
converter suas debilidades em forças"1 17 • 
Podemos agradecer a uma aparente anomalia estatística a 
possibilidade de repensarmos a natureza do trabalho na sua 
relação com o sofrimento psíquico de homens e mulheres 
trabalhadores do hospital, a possibilidade de desenvolvermos 
um modo de compreensão deste todo contraditório sobre o 
qual nos debruçamos. Resta, entretanto, uma articulação en­
tre fenômenos individuais de ordem subjetiva e o todo social 
no qual eles acontecem, onde pode-se discutir um "nexo 
causal", ou uma "relação de determinação" entre uma série 
de fatores ligados ao processo de trabalho, de um lado, e 
conseqüências ligadas ao sofrimento psíquico, do outro. 
117Hornstein, L. Op. cit., p. 60. 
1 88 HOSPITAL: DOR E MORTE COMO OFÍCIO 
Não é propósito deste trabalho entrar na histórica disputa 
entre os "empiristas" e "racionalistas" na discussão do que 
causa o que, neste intrincado processo de relações. Conside­
ramos as discussões feitas por Franco & Possas ricas e sufici­
entemente amplas1 1 8 . Bunge, por sua vez, já levantara um 
amplo espectro na discussão do tema, indicando suas oito 
possibilidades de exploração, das quais a "interação ou cau­
sação recíproca por ação mútua" e a "determinação estatística 
pela função conjunta de variáveis independentes ou semi­
independentes no interior de um modelo matemático"ll9 se­
riam categorias a serem examinadas desde que fosse possível 
associá-las ao que tem sido a rica contribuição da corrente 
latino-americana da Medicina Social, com suas "estruturas 
causais dinâmicas historicamente determinadas" , que tem em 
Laurell ( 1981 , 82, 83, 84, 89) das mais produtivas divulga­
claras. 
Os obstáculos que se colocam para a construção de um 
instrumental adequado à apreensão consistente da determina­
ção social em Epidemiologia, têm sido preocupação de mui­
tos pesquisadores. Entretanto, buscar articular estratégias 
empiricistas aos conhecimentos totalizadores de disciplinas 
que estudam um me!)mo campo, poderá consistir numa for­
ma de agregar o que existe de fecundo no manejo das "pro­
babilidades estatísticas", da "consistência lógica" de um certo 
caminho teórico-metodológico conhecido e aceito, para que, 
de modo cientificamente confortável, se possa exercitar a ou-
u8Possas, C. Epidemiologia e sociedade, cit., p. 180-193; Franco, S. A. 
La cuestión de la causalidad en medicina, Asociación Latinoamericana de 
Medicina Social, 1988 (mimeografado). 
119Bunge, M. El principio de la causalidad en la ciencia moderna, 
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 189 
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determinantes psicossociais no estabelecimento de nexos de 
causalidade entre condições de trabalho e saúde. 
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