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SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1669 CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA TRÍADE: ESTOMATITE, PNEUMONIA E DERMATITE EM SERPENTES CATIVAS TRIAD: STOMATITIS, PNEUMONIA AND DERMATITIS IN CAPTIVE SNAKES Hugo Pereira Dias de Sousa Rafael Prange Bonorino Resumo Introdução: Serpentes são animais ectotérmicos presentes em quase todo o globo, com exceção dos polos. Dispõem de um sistema respiratório rudimentar e se desenvolvem fisicamente por meio de ecdise. Assim como os demais répteis, possuem o metabolismo lento e resposta imunológica tardia tornando desfavorável o prognóstico à maioria das enfermidades infecciosas. Estomatite, pneumonia e dermatite são afecções causadas por fungos e bactérias comuns às serpentes. Essas doenças se associam e tem como causa determinante os fatores estressores em que os animais são submetidos em situação de cativeiro. Frequentemente são doenças correlacionadas devido à baixa imunidade promovida pelo estresse. Com o aumento da incidência clinica dos casos que envolvem serpentes, bem como a elevada demanda de tutores que escolhem serpentes como animais de estimação e ainda levando em conta a quantidade de serpentes que se encontram em centros de pesquisa, tem se tornado cada vez mais relevante o estudo e pesquisa das principais doenças que acometem as serpentes cativas e com esse objetivo foi concebido o presente artigo de revisão. Palavras-Chave: cativeiro; comuns; doenças; serpentes. Abstract : Snakes are ectothermic animals present almost all over the globe. except the poles. They have a rudimentary respiratory system and develop physically through ecdysis. As with other reptiles, they have a slow metabolism and late immune response, making the prognosis of most infectious diseases unfavorable. Stomatitis, pneumonia and dermatitis are infections caused by fungi and bacteria common in snakes. These diseases are associated and have as a determining cause the stressors in which animals are subjected in captivity. They are often coexisting illnesses due to stress induced low immunity. With the increasing clinical incidence of snake cases, as well as the high demand for tutors who choose snakes as pets and also taking into account the number of snakes found in research centers, the study and research of the main diseases that affect captive snakes has become increasingly relevant and for this purpose this review article was conceived. Keywords : captivity; common; diseases; snakes Contato: Hugosatriani@yahoo.com.br Introdução Serpentes são animais pertencentes a Classe Reptilia, ordem Squamata, subordem Serpentes. Habitam quase todos os ecossistemas do planeta com exceção dos polos norte e sul. São animais ectotérmicos, ou seja, dependem do calor do ambiente para manutenção da temperatura corpórea e para estabilização de suas funções fisiológicas. Em relação as suas principais características anatômicas, se destacam a ausência de diafragma, o coração tricavitário, traqueia e glote facilmente visíveis na porção ventral da boca, essas apresentam mucosa esbranquiçada. Possuem apenas a parte cranial do pulmão direito utilizável para as trocas gasosas, a parte caudal tem função de saco aéreo. Seu desenvolvimento físico ocorre por meio da muda de pele (ecdise) que ocorre de forma completa incluindo os olhos que não possuem pálpebras e em seu lugar possuem uma escama córnea transparente (GREGO et al, 2014; GIRLING, 2003). Figura 01: Cavidade celomática de uma serpente. Pulmão (L), saco aéreo (AS) e o fígado (Li). Fonte: http://www.reptilesmagazine.com/Kid-Corner/Beyond- Beginners/Snake-Anatomy-Respiratory/ As serpentes tem se tornado pets cada vez mais procurados e isso se deve ao fato de se poder encontrar uma ampla variedade de cores e espécies resultantes de avanços no melhoramento genético e nas técnicas de reprodução. As espécies mais cativas são: Píton real (Python regius), Píton Burmesa (Python morulus bivittatus), Jiboia (Boa Constrictor constrictor), Corn snakes (Elaphe guttata guttata), King snakes (Lampropeltis spp.), Garter snakes (Thamnophis spp.) (JEPSON, 2010). Como citar esse artigo: Sousa HPD, Bonorino RP. TRÍADE: ESTOMATITE, PNEUMONIA E DERMATITE EM SERPENTES CATIVAS. Anais do 18° Simpósio de TCC e 15° Seminário de IC do Centro Universitário ICESP. 2019(18); 1669-1677 SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1670 No Brasil, a criação de serpentes oriundas da fauna silvestre brasileira ou de origem exótica, como animais de estimação bem como sua exploração comercial ou para fins científicos é regulamentada pelo IBAMA por meio da Instrução normativa IBAMA Nº 07, de 30 de abril de 2015 (BRASIL, 2008). Nós devemos levar em consideração que o ambiente do cativeiro é considerado como um agente estressante aos animais e leva a alterações importantes ao seu equilíbrio homeostático causando inúmeras enfermidades. Esse conjunto de alterações é denominada síndrome do estresse (ACCO, PACHALY e BACILA, 1999). De acordo com os estudos de Santos e Galli (2017) pneumonia, dermatites e estomatites são algumas das enfermidades mais frequentes em serpentes cativas. Existe uma relação estabelecida entre essas três doenças pois, geralmente, uma está interligada a outra, causando uma tríade e o estresse como fator determinante. Utilizando como referencial bibliográfico livros e artigos científicos, onjetiva-se nessa revisão de literatura, realizar uma pesquisa das três principais patologias que afligem as serpentes que se encontram em ambiente de cativeiro. Revisão bibliográfica Legislação A resolução do CONAMA número 394, de 06 de novembro de 2007, regulamenta e estabelece parâmetros legais e biológicos sobre as espécies da fauna silvestre nativa ou exótica que podem ser criadas e comercializadas como animais de estimação. Atualmente, a Instrução Normativa Ibama nº 31, de 31 de dezembro de 2002 proíbe o deferimento de novos pontos de venda de repteis, anfíbios e invertebrados. A medida foi adotada como modo de prevenção a acidentes causados por esses animais e como medida de precaução às espécies exóticas invasoras. O Conselho Federal de Medicina Veterinária por meio da Resolução Nº 829, de 25 de abril de 2006 estabelece que os animais silvestres ou selvagens sejam atendidos por médicos veterinários independente de possuírem origem legal ou não. O conselho diz ainda que tanto o animal quanto o tutor devem ser identificados em prontuário e o tutor deve ser informado sobre as disposições da lei e se for o caso, notificar a Defesa Sanitária Animal quando ocorrer doença de notificação obrigatória. Fisiopatologia do estresse Hans Selye foi o primeiro autor a evidenciar a “síndrome geral de adaptação” que posteriormente foi renomeada por ele mesmo como “estresse”. Baseando-se em suas experiências com roedores, ele identificou modificações hormonais que causavam alterações comportamentais em roedores quando submetidos a fatores estressantes. As descobertas de Selye desencadearam uma crescente onda de pesquisas sobre a síndrome do estresse (SZABO, TACHE e SOMOGYI, 2012). Fowler (2008) define como agente estressor qualquer impulso que provoque uma reação biológica e classifica esses estímulos em algumas categorias: Fatores somáticos, que são os que incluem mudanças de temperatura, contato com animais ou pessoas estranhas, ruídos desconhecidos, manejo inadequado, odores, sede e fome. Fatores psicológicos que incluem a ansiedade, receio, temor, raiva e frustração. Fatores comportamentais que incluem a superpopulação, ausência de contato social, ambiente desconhecido, trânsito de animais, falta de alimentos adequados e, por fim, os fatores estressores adicionais compostos por desnutrição,estado patológico, cirurgias e exposição a fármacos. Orsini e Bondan (2006) citam em seus estudos três formas com as quais o organismo animal pode responder aos agentes estressores: Sistema motor voluntario no qual o agente estressor causa impulsos nervosos que são transmitidos ao sistema nervoso central e irão ser assimilados e, assim, gerar uma resposta por parte do animal que as expressa com postura de fuga, defesa ou proteção. Sistema nervoso autônomo em que o agente estressor age de modo a causar impulsos no sistema nervoso autônomo simpático e este libera catecolaminas no sangue que irão atingir órgãos alvo levando os animais a um estado de alerta e os prepara para possíveis danos físicos. Outro mecanismo é através do sistema neuroendócrino empregado em situações de estresse crônico, onde o hipotálamo é estimulado pelo agente estressor levando a síntese de corticotropina que atua sobre a adeno-hipofise induzindo a liberação de adrenocorticotrópico e este hormônio atua sobre o córtex adrenal intensificando a liberação de cortisol e corticosterona de modo a preparar o organismo à uma possível agressão. SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1671 Estomatite A estomatite é uma enfermidade comum em répteis e se caracteriza por infecção da mucosa oral e tecidos adjacentes. Inclui doenças associadas como gengivite, glossite, palatite e quelite (inflamação dos lábios). A infecção pode ser causada por patógenos fúngicos (Candida albicans), virais que são incomuns, ou por bactérias gram-negativas. Habitualmente as infecções bacterianas são mais letais por causarem pneumonia e septicemia (MEHLER e BENNETT, 2006). Durante os quadros de estomatite as bactérias gram-negativas que ocorrem em situação fisiológica na boca das serpentes se tornam patogênicas devido a uma queda na imunidade (MORAILLON et al, 2013). Figura 03: Cavidade oral de uma serpente com estomatite, mucosas hiperêmicas. Fonte: Rafael P. Bonorino As principais causas de estomatite em serpentes são os fatores relacionados ao estresse, baixa temperatura ambiental, erros de manejo, más condições sanitárias e desnutrição (MARTÍNEZ et al, 2006). Dentre os sinais clínicos estão incluídos: sialorreia, inapetência, congestão da mucosa oral, edema das gengivas, petéquias, ruborização, lesões ulcerativas e a formação de placas caseosas. Na medida em que a estomatite se agrava pode surgir pneumonia, infecção nos olhos Figura 02: Quadro demonstrativo do esquema das fases da síndrome geral do estresse e suas consequências no o organismo. Fonte: Cubas Z.S., Silva J.C.R. & Catão-Dias J.L. in: Tratado de animais selvagens: medicina veterinária SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1672 e queda dos dentes o que pode levar a um quadro de osteomielite (GREGO et al, 2014). As serpentes que apresentarem os sinais clínicos devem ser submetidas a análise das secreções orais para isolamento dos patógenos. Em casos mais avançados é recomendado exame de raio x do crânio para verificação de comprometimento ósseo (NHOATO et al, 2015). Jepson (2010) relata que, como exames complementares devemos realizar hemograma, cultura bacteriana e antibiograma, biopsia e ultrassonografia. Durante os quadros de estomatite, as serpentes devem ser alimentadas por meio de sonda gástrica com alimento pastoso como ração de gato em lata, realizar fluido terapia com solução de ringer com lactato na dose de 15 a 25 ml/kg. Como terapia, aplicar diariamente clorexidina com iodo-povidine e sempre levar em consideração que pode ser necessário realizar debridamento da área necrosada, assim como retirada de dentes frouxos. Em casos iniciais o tratamento se baseia na aplicação de Hexetidina (antisséptico), clorexidina com cloreto de cetilpiridínio, água oxigenada, ácido ascórbico que tem a função de auxiliar na diminuição do pH e ajudar na modulação e geração de ações reativas de oxigênio bem como aumentar a apoptose dos neutrófilos, combatendo a inflamação e elevação da temperatura do viveiro. Nos casos mais graves é recomendada a raspagem cirúrgica, lavagem periódica com solução fisiológica e antibióticos sistêmicos preferencialmente quinolona e metronidazol, se possível sempre se baseando no resultado da cultura (MORAILLON et al, 2013). Pneumonia As serpentes possuem condições anatômicas que favorecem o surgimento de doenças respiratórias e a mais comum delas é a pneumonia (SANTOS e GALLI, 2018). A traqueia dos répteis é composta de anéis cartilaginosos incompletos. São animais que não tossem e assim como os demais répteis, as serpentes são dotadas de um mecanismo mucociliar rudimentar e fazem uso de meneios do corpo como método auxiliar na eliminação de muco e exsudatos respiratórios (SILVA, 1990?). Referente ao sistema respiratório superior, as narinas das serpentes são emparelhadas e abertas no teto da boca. Serpentes, bem como os demais répteis, com exceção dos crocodilos, não possuem palato duro. Quando a boca está fechada, as narinas internas são alojadas diretamente sobre a entrada da traquéia. Em algumas espécies a epiglote pode estar presente de forma vestigial, porém normalmente há fusão das cartilagens formando o tubo da glote. Este tubo possui rigidez suficiente para aguentar as pressões exercidas sobre ele quando a serpente está engolindo a presa inteira. Em repouso, a glote é mantida fechada, apenas abrindo quando a serpente respira. A glote então se abre para a traquéia que, na família das serpentes, é formada por semi-anéis cartilaginosos (GIRLING, 2003). Sobre ao sistema respiratório inferior, na maioria das espécies de colubrídeos, como as serpentes, o pulmão direito é o pulmão principal, já que o esquerdo regrediu a uma estrutura vestigial. O lobo pulmonar vestigial esquerdo é frequentemente substituído por um saco aéreo vascularizado e assim pode participar de trocas gasosas. Nas espécies evolutivamente mais antigas, como os Boidae, existem dois pulmões. Os pulmões ocupam a primeira metade do terço médio do corpo da serpente e como não possuem diafragma, a inspiração é puramente devida a movimentação das costelas e dos músculos intercostais (GIRLING, 2003). Na maioria dos casos de pneumonia, existem deficiências significativas no manejo das serpentes doentes. Animais que foram recentemente adquiridos, inclusão de animais no plantel sem a devida quarentena, endoparasitismo e ectoparasitismo graves, má nutrição e temperatura abaixo do ideal são fatores estressantes que predispõem o réptil a doenças respiratórias graves. A realização de uma anamnese completa é fundamental para o diagnóstico, tratamento e prognóstico de pneumonia. De particular interesse para o clínico são: a origem do animal, os procedimentos de quarentena utilizados, a presença de outros répteis dentro do plantel, a sanidade do ambiente e a evolução dos sinais clínicos (MURRAY, 2006). A manutenção do réptil dentro da temperatura ideal é extremamente importante para o sistema respiratório e atividade normal do sistema imune. O fornecimento de um gradiente de temperatura permite que o réptil em cativeiro tenha a oportunidade de selecionar ativamente a temperatura que mais lhe agrada. A permanência de serpentes em viveiros com umidade muito alta ou muito baixa pode causar alterações nas vias respiratórias inferiores, trato que quando afetado predispõe o réptil à pneumonia. Desequilíbrios nutricionais, particularmente hipovitaminose A, são frequentemente associados a doenças respiratórias em serpentes. Vitamina A em quantidade inadequada na dieta resulta em metaplasia escamosa das células epiteliais respiratórias e dos ductos das glândulas produtoras de muco. Tais condições podem predispor o trato respiratório a infecção bacteriana oportunista (MURRAY, 2006). SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18);1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1673 Os principais sinais clínicos envolvem corrimento nasal seroso ou purulento, estertores pulmonares, acúmulo de secreções respiratórias na cavidade oral e geralmente estão associados a estomatite, em quadros mais agravados observa- se dispnéia. Devido à falta de um diafragma funcional, as serpentes não tem mecanismos para expulsar secreções respiratórias e detritos da traqueia, a presença de líquido dentro da traquéia resulta em estreitamento do lúmen traqueal. Normalmente, nesses casos, os sinais clínicos apresentados são a respiração pela boca e elevação da cabeça para facilitar a passagem do fluxo de ar através da traquéia. O agente viral mais descrito como causador de pneumonia em serpentes é o Paramyxovirus ofídico. As infecções bacterianas são causadas geralmente por bactérias gram-negativas (Pseudomonas spp., Klebsiella spp., Proteus spp., Aeromonas spp., Salmonella spp. e Staphylococcus spp.), bactérias saprófitas que agem por oportunismo (SCHUMACHER, 2003). Figura 04: Serpente com pneumonia erguendo-se para facilitar a respiração e evitar bloqueio das vias aéreas por exsudato Fonte: Mader, D.R in: Reptile medicine and surgery. O diagnóstico é obtido através de análise laboratorial do lavado pulmonar. A lavagem do pulmão é feita com solução salina estéril, em volume proporcional a 1% do peso. Durante a realização do procedimento, o animal é colocado em decúbito ventral e com o auxílio de uma sonda uretral estéril a solução é inoculada. A solução deve ser administrada lentamente e, ainda com o animal em estação e com a sonda introduzida, deve-se massagear a região dos pulmões. Logo a seguir, levantar a cauda da serpente e aspirar o liquido com a seringa. O material coletado deve ser selado e enviado para o laboratório, exames de imagem também ajudam a fechar o diagnóstico de pneumonia (GREGO et al, 2014). Figura 05: Acumulo de pus nos pulmões de uma serpente com pneumonia. Fonte: Jepson L. in: Clínica de Animais Exóticos Os recursos terapêuticos devem ser determinados de acordo com o resultado dos exames e de forma especifica para cada agente etiológico, doenças coexistentes e com a correção dos erros de manejo (JEPSON, 2009). A maioria dos casos de pneumonia tem seu diagnóstico definido em momentos que a doença já se encontra em estágio avançado, e isso requer que o tratamento seja mais agressivo, respeitando as particularidades de cada caso. Pneumonias que tem como causa bactérias aeróbicas são melhor tratadas com drogas bactericidas. O autor opta por uma combinação sinérgica de antibióticos aminoglicosídeos e beta-lactâmicos. Como a maioria dos quadros são causados por bactérias gram-negativas, o autor sugere a administração de antibióticos de amplo espectro. Caso a enfermidade seja causada por bactéria anaeróbica recomenda-se o uso de metronidazol, 20 mg/kg por VO a cada 24 horas. Além de fármacos, alguns cuidados devem ser tomados com as serpentes com pneumonia (MURRAY, 2006). A serpente deve ser mantida no ponto mais alto das indicações de calor dentro do viveiro, isso aumenta suas funções fisiológicas. A fluido terapia deve ser calculada de modo a fazer manutenção e substituição de fluidos na dose de 1% a 2% do peso do paciente, via subcutânea. Pacientes com pneumonia geralmente estão em quadro de anorexia e devem ser forçados a consumir sua dieta normal. Oxigenoterapia suplementar pode ser contraindicada na maioria dos casos de pneumonia. Oxigênio suplementar pode ser fornecido em níveis de 30% a 40%, promovendo assim uma elevação na concentração de 100% do oxigênio atmosférico. Os erros de manejo, sanitários e nutricionais devem ser corrigidos. Procedimentos de quarentena e isolamento devem ser implementados no plantel. O controle de SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1674 endoparasita e ectoparasitas é de suma importância no tratamento e profilaxia de pneumonia em répteis (MURRAY, 2006). Dermatite Dermatite é uma condição inflamatória da pele, podendo ser de origem infecciosa ou não infeciosa, às vezes, uma mistura de ambos. A inflamação envolve os granulócitos (heterófilos) e agranulócitos (linfócitos e macrófagos). Diversos patógenos podem estar implicados, Aeromonas e Pseudomonas são geralmente os mais comuns, mas outros que foram isolados incluem: Flavobacterium, Staphylococcus, Morganella, e às vezes patógenos anaeróbios como Bacteroides Fragilis, Fusobacterium e Clostridium spp. Inflamação e necrose podem causar extenso dano na musculatura subjacente levando o animal a septicemia causada por bactérias gram-negativas (COOPER, 2006). De acordo com Maas (2013), as condições de pele dos répteis são muitas vezes mal interpretadas. Costumeiramente, sempre que um réptil com doença de pele se consultava em uma clínica veterinária, era diagnósticado com o quadro de necrose, tendo como agente etiológico uma condição dermatológica bacteriana. Como consequência desse sub-diagnóstico, a maioria dos casos era tratada topicamente, geralmente em detrimento do prognóstico do paciente. A conduta atual trata essas enfermidades como doenças sistêmicas que necessitam de terapia e diagnóstico adequados. O tecido tegumentar exerce uma importante função na manutenção dos fluidos corpóreos, compondo uma barreira protetora entre os tecidos e o ambiente. Também funciona como uma barreira física atuante na proteção do animal contra patógenos invasores. O tegumento é constituído de uma epiderme externa e derme subjacente. Escamas representam uma dobra da epiderme e, na maioria das vezes cobrem a maior parte do tegumento do réptil. O maior preenchimento do tegumento é visto nas serpentes onde escamas adjacentes se sobrepõem e são unidas por uma dobradiça flexível (JACOBSON, 2007). Fisiologicamente, ocorre com as serpentes o processo de ecdise ou “muda” da pele, caracterizada pela substituição da camada mais externa da pele. Essa metamorfose inicia-se pelos lábios, e em serpentes hígidas acontece de forma singular, sem que ocorra a liberação dérmica aos pedaços, sendo um dos parâmetros de avaliação da saúde do animal. Nos dias que antecedem a ecdise, o tegumento da serpente inicia a produção um líquido lubrificador entre a antiga e a pele vigente, fazendo com que a pele da serpente assuma uma tonalidade opaca e leitosa (JARED et al, 2016). Figura 06: Amostra de pele de serpente com dermatite como demonstrativo das lesões. Fonte: Rafael P. Bonorino Um dos tipos mais comuns de dermatite é a dermatite vesicular (blister disease), que forma bolhas no tecido subcutâneo. As vesículas se rompem e infeccionam, evoluindo para necrose, septicemia e óbito. A serpente por ocasião da doença para de se alimentar e manifesta flacidez corporal. Esta enfermidade está fortemente associada ao estresse, falta de higiene no viveiro e alta umidade no ambiente e no substrato. No Brasil, esta condição já foi relacionada a infecções por Xanthomonas maltophila, enterobactérias, Pseudomonas spp., Aeromonas spp., Staphilococcus spp (GREGO et al, 2014). A obtenção do diagnóstico é realizada pela punção do teor vesicular e isolamento microbiológico. A conduta terapêutica compreende o uso de antibióticos específicos após antibiograma, fluido terapia e medicamentos tópicos como pomadas antimicrobianas. Pode-se realizar banhos antissépticos com clorexidina diluída em soro fisiológico (1:10). É recomendado o uso de vitamina C para auxiliar na regeneração da pele e realizar a correção de manejo de modo a minimizar os fatores estressores (GREGO et al, 2014). SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1675 Figura 07: Dermatite vesicular em coral verdadeira (Micrurus sp.). Fonte: Cubas Z.S., Silva J.C.R. & Catão-Dias J.L. in: Tratado de animais selvagens:medicina veterinária. Dermatites fúngicas também são bastante comuns em répteis, principalmente nas espécies aquáticas. Os fungos abrangidos na maioria das vezes não são isolados ou identificados de maneira precisa, mas várias espécies foram descritas, incluindo: Aspergillus, Basidobolus, Geotrichum, Mucor, Saprolegnia e Candida, Phialophera, Altemaria e Fusarium spp. e Trichophyton mentagrófitos (JEPSON, 2010; COOPER, 2006). A princípio existe semelhança entre as lesões fúngicas e as lesões bacterianas pois os sinais clínicos são frequentemente parecidos. Os fungos agridem inicialmente as áreas superficiais da pele e podem se transformar rapidamente em crescimento micelial. Esses fungos também podem causar granulomas micóticos, que necessitam de cuidadosa distinção dos abscessos bacterianos. O diagnóstico geralmente é baseado na cultura de fungos em amostras de escamas (JEPSON, 2010; COOPER, 2006). A conduta terapêutica abrange o uso de clorexidine tópico, antifúngico tópico (miconazol, terbinafina), cetoconazol na dose de 15 mg/kg a cada 72 horas via oral, griseofulvina na dose de 15 mg/kg a cada 72 horas via oral. Agentes como a nistatina, associados a remoção de tecidos afetados também são recomendadas, mas muitas vezes o tratamento se mostra mal-sucedido. A atenção ao manejo é sempre importante porque as infecções fúngicas são associadas ao estresse do cativeiro, traumas, má nutrição, erros de manejo e deficiência na sanidade do recinto (JEPSON, 2010; COOPER, 2006). Figura 08: Dermatite fúngica em serpente. Fonte: Cubas Z.S., Silva J.C.R. & Catão-Dias J.L. in: Tratado de animais selvagens: medicina veterinária.Considerações finais Com o aumento na criação de répteis, particularmente as serpentes, há naturalmente uma elevação na casuística das patologias associadas a esses animais, porém, as afecções citadas nesse trabalho são típicas de animais que vivem confinados em recintos, como por exemplo: zoológico, institutos de pesquisa e serpentários. Ao contrário das serpentes pets, como corn snake, por exemplo, hoje muito difundida é uma das principais serpentes criadas pelos tutores, que embora ilegal no Brasil, é um animal barato, dócil, de atraente beleza, de fácil manejo e pouco suscetível ao estresse e, por isso existem poucos relatos dessas patologias nessa espécie que é considerada adaptada ao excesso de manipulação e aos rigores do cativeiro. Répteis possuem o metabolismo lento e expressam reações imunológicas morosas, esses fatores dificultam a absorção de fármacos e isso torna o prognóstico das patologias abordadas de reservado a desfavorável na maioria das afecções que tem como agentes etiológicos bactérias e vírus. Referencias: 1. ACCO A, PACHALY JR, BACILA M. Síndrome do estresse em animais – Revisão. Arq. ciênc. vet. zool. UNIPAR, 2(1): p. 71-76, 1999. 2. BRASIL. INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 31 DE 31 DE DEZEMBRO 2002. Suspende o deferimento de solicitações de criadouros comerciais para criação de répteis, anfíbios e invertebrados com o objetivo de produção de animais de estimação para a venda SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(18); 1669-1677 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1676 no mercado interno, nos termos das Portarias nº 118-N, de 15 de outubro 3. de 1997, e nº 102, de 15 de julho de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 de junho de 2002. 4. BRASIL. LEI Nº 07 DE 30 DE ABRIL DE 2015. Institui e normatiza as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, e define, no âmbito do IBAMA, os procedimentos autorizativos para as categorias estabelecidas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 06 de maio de 2015. Seção 01, Página 55. 5. BRASIL. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 394, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2007. Estabelece os critérios para a determinação de espécies silvestres a serem criadas e comercializadas como animais de estimação. 214, 7 de novembro de 2007, Seção 01, páginas 78-79. 6. CFMV. RESOLUÇÃO Nº 829. Disciplina atendimento médico veterinário a animais silvestres/selvagens e dá outras providências. 25 de abril de 2006. 7. COOPER JE. Dermatology. In: Mader, D.R (ed). Reptile Medicine and Surgery. 2º ed. Missouri: Elsevier Saunders, 2006, p. 196-216. 8. FOWLER ME. Behavioral Clues for Detection of Illness in Wild Animals: Models in Camelids and Elephants. In: Fowler M.E.& Miller R.E. Zoo and Wild Animal Medicine: Current Therapy, Volume Six. 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