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FUNÇÕES COGNITIVAS Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Dra. Fernanda de Carvalho Polonio Rosa CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2019 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. R788f Rosa, Fernanda de Carvalho Polonio Funções cognitivas. / Fernanda de Carvalho Polonio Rosa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 102 p.; il. ISBN 978-85-7141-342-9 ISBN Digital 978-85-7141-343-6 1. Funções cognitivas. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 153.4 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Identificando as Funções Cognitivas .........................................7 CAPÍTULO 2 A Avaliação Das Funções Cognitivas ........................................39 CAPÍTULO 3 Intervenção: Como Promover A Aprendizagem Das Funções Cognitivas .............................................................71 APRESENTAÇÃO Prezado estudante, você já se perguntou como aprendemos? Como nosso cérebro processa os novos conhecimentos? Como posso identificar o processo de aprendizagem? Como é formada a inteligência? O objetivo desse livro é res- ponder esses questionamentos. Apesar do nome curto, “As Funções Cognitivas” referem-se a todo conhecimento que sua mente pode adquirir. E isso vale desde o simples fato de ouvir e apreciar uma música, há estudar aritmética por horas a fio. Tudo o que envolve as habilidades e capacidades mentais que nos levam a perceber, se ater, memorizar, pensar, falar, criar, imaginar, sintetizar etc., são funções cognitivas. Essas capacidades estão presentes no seu dia a dia e você não percebe. Como funções mentais, a cognição se forma na relação entre o cérebro e o meio social em que vivemos. O cérebro, esse órgão tão complexo e fascinante tem suas bases biológicas e fisiológicas que em contato com os signos sociais pode ser moldado, modificado. Por isso, o cérebro humano dos dias atuais, é muito diferente do cérebro do homem primata, da época das cavernas, pois os recursos sociais que influenciam nossa aprendizagem hoje são muito diferentes daquele tempo. Portanto, o cérebro não é estático, é um órgão que sempre se modifica, conforme os estímulos que oferecemos para ele. Durante toda a discussão acadêmica deste livro, iremos pensar e identifi- car como podemos desenvolver nossas funções cognitivas. Para isto, este livro será divido em três capítulos: o primeiro capítulo é referente a identificação das Funções Cognitivas, avaliando as funções cognitivas e desenvolvendo as fun- ções cognitivas. Como podemos observar, o estudo e discussão dos três capítulos lhe pos- sibilitará o conhecimento que irá lhe habilitar a identificar, avaliar e intervir no de- senvolvimento das funções cognitivas. Assim, no primeiro capítulo discutiremos o que são funções cognitivas e como são formadas, as bases dos estudos da neuropsicologia apresentando a divisão funcional do cérebro proposta por Ale- xander Luria, o autor considerado o pai da neuropsicologia que tem influenciado até os dias atuais os estudos neurocientíficos avançados. Por fim, apresenta- remos as bases biológicas do cérebro para compreendermos como esse órgão espetacular se desenvolve em interação com o meio cultural e social. CAPÍTULO 1 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: Saber: Compreender o que são funções cognitivas com base nos estudos da neuropsicologia. Fazer: Identifi car como a cognição é formada e moldada pelos signos sociais e culturais, fazendo a ligação entre o social e o biológico, ou seja, entre o cérebro e a aprendizagem. 8 Funções Cognitivas 9 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Não são recentes as pesquisas sobre como aprendemos e de como nosso comportamento é moldado à medida que internalizamos novos conhecimentos. Platão e Aristóteles há mais ou menos trezentos anos antes de Cristo já citavam em seus textos o termo derivado do latim cognitione, ou seja, Cognição. Cognição se refere a todo conhecimento adquirido, internalizado mentalmente. É pela cognição que obtemos recursos mentais para tomar decisões no nosso dia a dia, para prestar atenção em um fi lme ou para memorizar a música que sua mãe cantava quando você era pequeno. Portanto, você só está lendo esse texto graças um complexo sistema neuropsicológico que identifi ca, signifi ca e desenvolve sua consciência, chamado de cognição. Compreender as funções cognitivas é de extrema importância para auxiliar no desenvolvimento intelectual humano. Para quem trabalha com o desenvolvimento de pessoas, mesmo que sejam em áreas diferentes, saber como a aprendizagem é processada neurologicamente é de vital importância, pois a aprendizagem das pessoas é base para intervir no desenvolvimento humano. Esse capítulo está dividido em três sessões fundamentais, sendo a primeira: O que são funções cognitivas? A segunda: Organização neuropsicológica da cognição: uma abordagem luriana. E a terceira: Aspectos neurobiológicos da cognição. Na primeira sessão iremos identifi car quais são as funções cognitivas e como elas são formadas. Na segunda apresentaremos a divisão funcional do cérebro apresentado por Alexander Luria (1981), um médico e psicólogo do século XX, que mudou a história dos estudos neurológicos e hoje é considerado o pai da neuropsicologia. Ao aprender sobre essa divisão conseguiremos visualizar como a aprendizagem acontece de uma maneira hierárquica. Por fi m, apresentaremos a formação neurobiológica do cérebro, explicando como este é formado e desenvolvido. 2 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Neste capítulo iremos apresentar quais são as funções cognitivas e como elas são formadas, sendo este dividido em três sessões: O que são funções cognitivas? Organização neuropsicológica da cognição: uma abordagem luriana 10 Funções Cognitivas e aspectos neurobiológicos da cognição. Nosso objetivo com esse capítulo é que você consiga identifi car como a cognição é formada e moldada pelos signos sociais e culturais, fazendo a ligação entre o social e o biológico, ou seja, entre o cérebro e a aprendizagem. 2.1. O QUE SÃO FUNÇÕES COGNITIVAS? Cognição, do latim “Cognitione”, signifi ca “adquirir conhecimento”. Esse ter- mo não é atual, tendo um passado aproximado de quatro bilhões de anos, mas apenas cem anos de história. Quando falamos em adquirir conhecimento, nos remetemos aos processos neurológicos em que o cérebro capta as informações do nosso meio e a transforma em aprendizagem. Esses processos neurológicos dependem de estruturas anatômicas, químicas, afetivas e sociais para se forma- rem. Assim, podemos pensar que função cognitiva é a capacidade neurológica de perceber, se ater, memorizar, pensar, raciocinar, classifi car, associar, abstrair, criar etc. Todas essas capacidades são essenciais para o desenvolvimento huma- no pleno. As funções cognitivas são consideradas como elementos básicos da inteli- gência e constituem o suporte do ato mental. É pelas funções cognitivas que os sujeitos são capazes de interiorizar uma informação, auto regularem seu com- portamento, raciocinarem sobre as situações que os cerca e modifi carem o seu habitat (SANCHEZ, 1989). SegundoGoulart (2000), observa-se que as funções cognitivas são a base do ato mental e, por isso, são fundamentais para a aquisição da inteligência pelo indivíduo. A mesma autora destaca que as “[...] funções cognitivas são estruturas psicológicas e mentais interiorizadas que possuem elementos estáticos (biológi- cos) e dinâmicos (necessidades, capacidades) que nos permitem melhorar uma conduta” (GOULART, 2000, p. 38). Em outras palavras, podemos ressaltar que as funções cognitivas são as ações, conscientes ou inconscientes, usadas pelo indivíduo para chegar a determinado objetivo. Para Fonseca (2008) a essência da função cognitiva é a capacidade do ho- mem resolver problemas, encontrar soluções para sobreviver em sociedade. Ao observar a história da humanidade percebemos que o homem saiu de sua condi- ção de homo sapiens, um primata superior, emergindo da ação e motricidade ide- acional, para esse ser complexo, capaz de controlar e regular suas ações para um determinado fi m, ora de sobrevivência, ora de prazer pessoal ou de utilidade social. 11 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 As funções cognitivas não são formadas de maneira isolada, interna e bioló- gica. Pelo contrário, assim como afi rma Luria (2015), o desenvolvimento da men- te e da cognição é moldado pelo fator social. Toda ação do homem é dependente de um signo cultural e social, ou seja, toda representação e ação que é signifi ca- da pelo homem. O homem não está restrito a estímulos e respostas provenientes de simples refl exos, como o batimento cardíaco, a respiração e a sucção para se alimentar. Ele consegue pensar sobre um determinado estimulo que recebeu, classifi car e associar ideias diante do que lhe é apresentado, criar respostas atra- vés dos vários elos de mediação que o envolve e modifi car o ambiente através de seu próprio comportamento. O homem é um ser social, ele nasce com um aparato que, em tese, lhe per- mite interagir com o meio humano, contudo, à medida que entra em contato com estímulos sociais, culturais e históricos, ele transforma-se em um ser socio-histó- rico. Pela plasticidade neuronal o intelecto é constituído como resultado da me- diação entre sistemas simbólicos e instrumentos sociais que conectarão o homem com o mundo (VIGOTSKI, 2007). Pevzner (1974, p. 55) refl etindo sobre o alcance do pensamento da criança, afi rma que “[...] o mundo da criança é limitado por seu campo de visão e o tama- nho de seus braços”. Tal afi rmação suscita refl exões acerca do desenvolvimento cognitivo. O ser humano se desenvolve em conformidade com as experiências que vivencia e com suas trocas e relações signifi cativas com os símbolos e sig- nos sociais. Se, por exemplo, o sujeito tem contato apenas com pessoas de seu círculo familiar, a perspectiva de mundo que terá será aquela possibilitada por seus interlocutores imediatos. Se a pessoa ouve apenas um estilo musical, nunca saberá que outras experiências sonoras são possíveis. O homem é constituído por aquilo com que tem a oportunidade de interagir, ou seja, pelas experiências vivenciadas na sua relação com o mundo exterior. Como a história de Kaspar Hauser retratada no fi lme de “o Enig- ma de Kaspar Hause” de 1974, dirigida por Herzog, o qual conta a história verídica de um menino do século XVIII que foi criado em uma masmorra durante anos, não tendo contato com seres humanos, sendo alimentado apenas com pão e água. Kaspar, mesmo com um aparato humano, por não ter tido vivência social, tinha um compor- tamento primata, animal. Ele é um clássico exemplo que sem as ex- periências humanas e culturais nossas ações não se humanizarão e nosso potencial cognitivo não será desenvolvido em sua totalidade. 12 Funções Cognitivas Muitos autores buscam explicar as funções cognitivas, neste livro iremos destacar o trabalho dos teóricos da psicologia histórico cultural: Vigotski (2007), Luria (1981 e 1979) e Leontiev (1980), como também de Henri Wallon (2008). Todos esses autores do século XX, buscaram entender o desenvolvimento cognitivo e suas relações com os grupos sociais. Assim, não nos pautaremos apenas nas fontes clássicas e originais, como também traremos as Leontiev discussões de outros pesquisadores que estudam a temática sob a luz teórica desses autores. Wallon (2008) explica que a cognição é representada primeiramente pela ação motora e a emoção. Ao observarmos o desenvolvimento de um recém- nascido, percebemos que é através da motricidade que o bebê interage, expressa suas emoções e vontades, por exemplo, quando o bebê está com fome, o mesmo se expressa com o choro e agita os braços e as pernas, no intuito de conseguir a atenção da mãe para lhe amamentar, ou seja, antes mesmo da linguagem verbal notamos que a motricidade e as emoções são as primeiras expressões do psiquismo humano. Também é por meio dos movimentos e emoções que o bebê irá explorar o ambiente que o cerca, desenvolvendo suas percepções. Para Wallon (2008) a motricidade começa com a integração dos sentidos, que desde sua formação ute- rina, já tem início. De todos os sentidos, ao se referir ao desenvolvimento cogniti- vo, o autor destaca sete principais: cinestésico/tátil, vestibular, gustativo, auditivo, visual, olfativo e o proprioceptivo. De todos os sentidos, para o desenvolvimento psicomotor, destaca-se os sistemas cinestesico tátil, vestibular e o proprioceptivo, os quais são os precursores de uma psicomotricidade. É na sensação e percepção desses sentidos que o sujeito será capaz de interagir plenamente com os movimentos de seu corpo. O sistema vestibular é responsável por toda a percepção de equilíbrio estático e dinâmico do nosso corpo. O sistema proprioceptivo se refere a percepção integral do próprio corpo, mesmo sem visualizá-lo, por exemplo, se estou com um sapato que aperta meu dedo, mesmo sem visualizar o dedo sei exatamente onde é a dor, ou se sujo minha testa, mesmo sem olhar no espelho, consigo sentir exatamente onde está a sujeira. Essa capacidade de percepção do próprio corpo se deve a esse sentido. Pessoas que não possuem essa percepção bem desenvolvida, apresentam difi culdades de se organizarem no espaço, se machucam com facilidade, não conseguem controlar a força muscular/ tônus e em casos mais graves, não conseguem identifi car de onde vem a dor que sentem. O sistema cinestesico/ tátil, é mais amplo que o próprio tato em si. Por 13 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 ele não sentimos só a textura e forma dos objetos que tocamos, mas também a temperatura, a vibração e todas as informações que nossa pele pode processar (WALLON, 2008). É na sensação e percepção desses sentidos que o sujeito será capaz de interagir plenamente com o seu próprio corpo e com o meio em que está inserido, transformando sua motricidade refl exa em ações mentais/ intelectuais. Para saber mais sobre assunto, leia o livro “A integração Sensorial no desenvolvimento e aprendizagem da criança”, de Paula Serrano, publicado pela editora Papa Letras. O sistema olfativo, gustativo e tátil (cinestesia) são os primeiros sentidos que se desenvolvem, e segundo Caminha (2013) já estão presentes desde a vida embrionária. O olfato e o paladar atuam de maneira relacionada e permitem que antes mesmo do nascimento o feto tenha uma experiência sensorial rica em estímulos, o bebê sente os odores aos quais a mãe se expõe e também cheiro e gosto do líquido amniótico. Estas experiências olfativas e gustativas é que, após o nascimento, irão ajudar o bebê a reconhecer a mãe, pois, os cheiros do suor e do leite materno possuem odor semelhante ao líquido amniótico. Enquanto o olfato e o paladar surgem após primeiro trimestre da gestação, o sistema tátil ou cinestésico surge logo nas primeiras semanas e até o nascimento quase todo o corpo do bebê já é sensível. É pela cinestesia que as habilidades motoras e o cognitivo do bebê são desenvolvidos assim, devido a ela,este tem contato com o mundo e, aos poucos, o compreende. De acordo com Caminha (2013), estudos apontaram que bebes que recebiam mais estimulação tátil apresentavam um desenvolvimento físico e emocional melhor do que em bebês com pouca ou nenhuma estimulação, sendo que nestes casos alguns chegavam a morrer. Todo o corpo realiza a função cinestésica. O sistema auditivo, assim como os sistemas acima descritos, também já se desenvolve durante a vida uterina, graças a isto, ao nascer o bebê já reconhece a voz da mãe e já possui inclusive gosto sonoro. As conexões cerebrais responsáveis pelo processamento dos sons já se formam desde o útero materno, mas só atingem maturação mais tarde e para isso é fundamental que a criança esteja inserida em um ambiente com experiências auditivas diversas. Por meio da 14 Funções Cognitivas audição e pelo fato de a criança ter contato com a fala desde o nascimento é que se estruturam no cérebro as funções ligadas ao desenvolvimento da linguagem (CAMINHA, 2013). O sistema visual é o único que não recebe nenhum estímulo durante a gestação, por este motivo após o nascimento a qualidade visual dos bebês é baixa. Enquanto olfato, paladar, audição e tato já são bem desenvolvidos quando o bebe nasce, mas só atingem maturação tardiamente, a visão que está pouco desenvolvida após o parto, por volta de um ano de idade o bebê já tem uma qualidade visual próxima a de um adulto. Assim, logo a visão torna-se a principal forma de capitação de estímulos que permitem a criança conhecer e aprender sobre o seu meio ambiente (CAMINHA, 2013). O sistema vestibular, situa-se na orelha interna e é composto pelos canais semicirculares e pelo vestíbulo. Segundo Caminha (2013), é por volta dos cinco meses de gestação já está completamente formado. Existem três canais semicirculares compostos por líquidos e receptores em forma de cílios, já o vestíbulo e composto com duas vesículas, um utrículo e o sáculo, também possuem cílios que são envoltos por uma membrana gelatinosa. Enquanto os canais semicirculares informam sobre a posição do corpo quando estamos em movimento, o vestíbulo é responsável pelas informações quando o corpo se encontra parado. É graças ao sistema vestibular que, pouco tempo antes do nascimento, o bebê consegue orientar-se e se posicionar no útero com a cabeça para baixo. Este sistema possui também grande importância para o desenvolvimento cognitivo e neurológico, pois é através dele que as habilidades posturais são desenvolvidas e a criança consegue a fi rmeza do pescoço e do corpo, como também consegue movimentar as partes do corpo. Junto com a cinestesia, o sistema vestibular possibilita que o bebê tenha experiências sensoriais que desenvolverão habilidades motoras, cognitivas e emocionais (FONSECA, 2008). O sistema proprioceptivo é responsável pela consciência corporal e pela percepção que se tem do próprio corpo. Os receptores proprioceptivos localizam- se nos músculos e utilizam sinais captados pela pele e articulações para obter informações sobre o posicionamento de cada parte do corpo. Em geral a propriocepção ocorre sem que tenhamos consciência, é graças a propriocepção que sabemos o quanto de contração ou alongamento devemos aplicar nos braços para pegar um copo ou a força que devemos utilizar nas pernas e pés para que consigamos andar (CAMINHA, 2013). Na percepção do próprio corpo, do corpo do outro e dos objetos que cercam a criança que ela irá obter a consciência do mundo que a cerca, ou seja, começa a signifi car e representar os signos sociais. Segundo Luria (2015), o sujeito recebe 15 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 as informações pelas vias sensoriais e as signifi ca, ou seja, consegue relacioná- las com outros signos sociais, percebendo as semelhanças e diferenças dos mesmos e assim é formada a percepção. Perceber é uma função cognitiva muito importante, pois por meio da percepção que o sujeito irá iniciar sua interação com outras pessoas e com os estímulos sociais que estão a sua volta. O bebê desde o ventre da mãe começa a formar sua percepção, que vai sendo aprimorada conforme as experiências que vivência, as oportunidades que lhe são impostas. A atenção também é um processo cognitivo fundamental para o desenvolvimento humano. Tal capacidade nos permite concentrar em um estímulo e processar suas informações. Essa função é desenvolvida desde quando nascemos, por exemplo, quando o bebê escuta a voz da mãe e fi ca em silencio, buscando com o olhar de onde ela vem, ele foca por instantes a informação dada naquele momento, uma informação que para ele é muito importante. Por meio da atenção conseguimos realizar atividades cotidianas básicase simples, como a exemplifi cada, como também atividades que exigem muito empenho e esforço, como ler um livro durante horas seguidas (LURIA, 1981). Todas os estímulos percebidos são armazenados na memória do ser humano. Segundo Luria (1981), o processo de memorização começa com a vivência sensorial/ perceptiva. Essa função cognitiva permite com que codifi quemos, armazenemos e recuperemos as informações do passado. É um processo essencial para a aprendizagem, pois é o que nos permite conectar informações e criar novas aprendizagens Dos muito tipos de memória que temos, como a memória auditiva, contextual, de nomeação e reconhecimento, Fonseca (2008) destaca a memória de curto prazo e de longo prazo, pois essas são fundamentais para o pleno desenvolvimento cognitivo. A memória de curto prazo se refere a habilidade de reter informações durante um curto período de tempo, por exemplo, se recordar de fazer uma ligação para alguém quando chegar ao trabalho, ou de ter que passar no mercado antes de ir para casa, ou até mesmo, anotar em um papel um recado importante. Essas memórias fi carão armazenadas em um curto período, pois não são necessárias o armazenamento prolongado. O autor explica, que mais do que lembrar também é importante esquecer, já imaginou como seria se gravássemos todas as informações do nosso cotidiano? Como por exemplo, você lembrasse o que almoçou nessa mesma data há dez anos atrás? Seria algo muito difícil de processar (FONSECA, 2008). A memória a longo prazo, se referem as informações mantidas por um longo período, segundo Fonseca (2008), elas podem ser divididas como as memória 16 Funções Cognitivas declarativa e memória processual. A declarativa está diretamente ligada com a linguagem e a aprendizagem, é por meio dela que você se recorda de uma história que ouviu ou de um fato importante que te contaram. Já a memória processual necessita de aprendizagens que envolvem rotinas e repetições, como por exemplo, saber andar de bicicleta, dirigir, escrever etc. Como já foi dito até este momento, as funções cognitivas são formadas em interação com as experiências sociais de cada sujeito, no entanto, não basta estar em um ambiente, o homem necessita ra- ciocinar, interpretar as situações que vivência, para assim, desenvol- ver seu pensamento. É válido pontuar que do pensamento surgem o raciocínio, interpretação, criação, imaginação e tantas outras funções cognitivas essenciais para nossa formação. Destacaremos assim, as contribuições teóricas de dois autores referentes a formação do pen- samento. Esses autores não se contradizem, mas, enfatizam em suas discussões pontos diferenciados na formação do pensamento. O pri- meiro autor que pontuaremos será Wallon (2008) que explicará como será formado o pensamento antes da linguagem verbal, destacando o movimento, a ação motora como precursora do pensamento. O se- gundo será Vigotski (2007) e seus precursores Luria (1981) e Leontiev (1980), que nos fornecem uma explicação minunciosamente de como é formada a linguagem e como está forma o pensamento. Tais autores nos trarão a clareza de como é formada as funções cognitivas. Wallon (1968) explica que nos primeiros meses de vida, a motricidade do bebêocorre por uma ação sensorial interoceptiva, ou seja, baseada em seus sis- temas circulatórios, respiratórios, etc, que são responsáveis pela sobrevivência humana. Apresenta uma motricidade visceral, onde realiza movimentos com as pernas e os braços, imitando gestos e prestando atenção nas ações que realiza. Aos poucos, com o desenvolvimento orgânico e as experiências sociais, a criança começa a ter consciência de seus movimentos e planejar suas ações, dessa for- ma, desenvolve a praxia, que é a capacidade de controle e planejamento motor, passando assim para uma ação sensorial exterioceptiva. É por meio dessa vivên- cia da praxia que o sujeito desenvolverá suas capacidades cognitivas de orienta- ção espacial (capacidade de se organizar fi sicamente ou mentalmente em um am- biente), perspectiva (capacidade de prever uma situação) e raciocínio lógico (uma estrutura do pensamento que permite você tomar decisões e resolver problemas). 17 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 Embora a criança ainda não seja capaz de realizar os movimentos neces- sários para satisfazer as suas necessidades, é através das suas ações motoras involuntárias que ela se comunica e expressa suas necessidades cabendo aos adultos interpretar e dar signifi cação aos gestos e produzir as respostas neces- sárias, que assumem uma importância afetiva e emocional. É através destes mo- vimentos e respostas que se iniciará um diálogo não verbal, uma linguagem cor- poral complexa, que posteriormente evoluirá para os gestos simbólicos e para a linguagem verbal (LURIA, 1981). O homem atingiu o desenvolvimento cognitivo mais elevado, passando de uma linguagem corporal para uma linguagem falada. A linguagem corporal, ine- rente dos bebês e dos homens primitivos, é expressada com o intuito da sobrevi- vência da espécie a exploração do mundo. O homem passa de uma ação motora instintiva para ações motoras planejadas e objetivas. Com o humano, se desen- volve a linguagem falada, sendo essa constituída de ações simbólicas e culturais, sendo base para o desenvolvimento cognitivo. Segundo Leontiev (1980) e Luria (1970), a linguagem é uma das funções cognitivas mais importantes e não é uma habilidade inata, mas uma elaboração humana resultante das condições históricas que possibilitaram a divisão do traba- lho. Com a criação do sistema de signos, decorrente da cooperação dos homens entre si na situação de trabalho, as possibilidades do homem se multiplicaram. A linguagem é, pois, um instrumento simbólico e age como mediadora nas relações humanas e na elaboração e organização do pensamento. Leontiev (1980) esclarece que é função da linguagem servir como meio de assimilação da experiência histórico-social, sendo que todos os conceitos indis- pensáveis na vida de um povo estão ou poderão se defi nir na língua, que assim se torna responsável por fi xar os resultados do pensamento, do conhecimento e da atividade humana. Em seus estudos, Vigotski (2007; 2009) destaca a importância da linguagem no desenvolvimento humano. Para o autor, a linguagem possui duas funções bá- sicas: a de comunicação social e a de pensamento generalizante, ou seja, além de proporcionar a comunicação entre as pessoas, a linguagem também desen- volve e cria categorias conceituais, facilitando e simplifi cando os processos de abstração do pensamento, ou seja, pensar sobre um conceito mentalmente de forma isolada. Ao analisar o desenvolvimento infantil, Vigotski (2007; 2009) percebeu fa- tos importantes na construção do pensamento e da linguagem. Antes mesmo de dominar os instrumentos sociais que permitem a linguagem, a criança já empre- ga recursos de uma inteligência prática. Assim, no período de pré linguagem a 18 Funções Cognitivas criança exibe a capacidade de solucionar problemas práticos com a utilização de ferramentas e movimentos que a encaminham ao seu objetivo (Ex.: usa bastão para alcançar uma bola; sobe na cadeira para pegar o biscoito sobre o armário etc.) (VIGOTSKI, 2009). No período anterior ao domínio da linguagem a criança também emprega expressões não verbais que permitem a comunicação. Ao se expressar por meio de sons, gestos e emoções, ela consegue ter uma comunicação com o outro e fazer com que seus desejos sejam entendidos, assemelhando-se à quase linguagem dos animais, como escreve Luria e Yudovich (1987). Tal conduta está relacionada a uma “inteligência prática” denominada por Vigotski (2009) de estágio pré-intelectual da linguagem. A linguagem e o pensamento estão conectados e ambos se modifi cam durante o processo de desenvolvimento. […] No estágio inicial do desenvolvimento da criança, poderíamos, sem dúvida, constatar a existência de um estágio pré-intelectual no processo de formação da linguagem e de um estádio pré linguagem no desenvolvimento do pensamento. O pensamento e a palavra não estão ligados entre si por um vínculo primário. Este surge, modifi ca-se e amplia-se no processo do próprio desenvolvimento do pensamento e da palavra (VIGOTSKI, 2009, p. 396). A construção da linguagem na criança tem início antes mesmo de ela começar a falar. Pela fala do adulto a criança começa a tomar consciência do mundo que está à sua volta, organiza seus atos motores, direciona sua atenção e assim seu comportamento é regulado. O contato com os sons, palavras, expressões e emoções permite a formação da linguagem deste sujeito. Conforme Luria (1987), nessa interação a linguagem do interlocutor começa a ser apropriada pela criança e inicia-se a descoberta das palavras. A palavra torna possível o pensamento verbal do sujeito, sendo um instru- mento de análise do mundo. Por exemplo, ao pronunciar a palavra “cliente”, estou pensando em tudo que a envolve: homem/mulher, ocupação, relação profi ssio- nal e pessoal, necessidade de consumo, etc. Assim a palavra não se refere ape- nas a um signifi cado, mas, como afi rma Luria (1987), é unissignifi cativa, embora seu signifi cado se modifi que e se amplie durante o processo de desenvolvimento humano e como resposta às experiências sociais e emocionais vivenciadas pela pessoa. Por isso inicialmente a palavra surge das vivências práticas e afetivas, porém não se restringe a elas. A imagem, que é formada por meio da palavra e de seus signifi cados, está ligada às experiências vividas com o objeto, por isso pos- sui um caráter afetivo. A palavra carvão, por exemplo, possui um signifi cado para o cientista, outro para a criança e um terceiro para a cozinheira. A palavra passa do caráter afetivo para representações concretas e diretas e posteriormente para complexos sistemas de relações lógico-verbais (LURIA, 1987). 19 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 Segundo Vigotski (2009), ao transmitir a experiência social relacionada com o objeto, a palavra nos leva além dos limites da experiência sensível, permitindo- nos penetrar na esfera do racional e assim ampliando as relações sociais. Neste sentido, a palavra é um elemento fundamental da linguagem, e dominá-la signifi ca conquistar meios para um salto no desenvolvimento do pensamento, pois esse não fi ca restrito ao campo sensorial, mas torna-se consciente. A palavra possui a função de categorizar e conceituar os objetos, o que possibilita um sistema de complexos enlaces e relações abstratas, que denominamos de generalização. Dessa forma, a palavra tem a função de analisar o mundo e está estreitamente ligada ao processo de formação de conceitos. Neste processo, o sujeito interage com os elementos culturais organizados pela sociedade, sendo essa interação direcionada pelas palavras que designam categorias culturalmente organizadas. Diante disso, a linguagem internalizada passa a representar essas categorias e a funcionar como instrumento de organização do conhecimento (VIGOTSKI, 2007). A palavra é mediadora no desenvolvimento da linguagem e do pensamento da criança. Ao falar a criança conquista não somente umainteração comunicativa, mas também um salto no desenvolvimento lógico verbal. Quando a criança se apropria da palavra, não será somente a fala do outro que regulará seu comportamento, mas a sua própria fala. Gradualmente, a criança desenvolverá uma linguagem interior, chamada comandos para si mesma, no intuito de organizar suas ideias, planejar suas ações, memorizar e ater-se ao que está acontecendo à sua volta. Em outros termos, a fala interna passa a mediar as ações mentais do sujeito. Na criança essa linguagem começa a ser internalizada através da fala emitida em voz alta. Essa fala sem interlocutor externo que acompanha as ações da criança não tem o intuito de comunicar, mas é uma atividade individual, intrapsíquica. Aos poucos essa fala não é mais externalizada, tornando-se interna, ou seja, torna-se pensamento verbal. A linguagem interior forma o pensamento estruturado e é essencial para o desenvolvimento cognitivo, pois é um instrumento que possibilita o movimento entre a palavra e o pensamento. Assim, o pensamento é indispensável para a formulação e desenvolvimento das manifestações de linguagem externa (produção de fala e escrita), visto que pelo pensamento essa é organizada e estruturada semanticamente (LURIA, 1987; VIGOTSKI, 2009). Portanto, como podemos perceber a linguagem permite o desenvolvimento cognitivo amplo, duplicando as possibilidades do cérebro se conectar com o mundo. 20 Funções Cognitivas Atividade de Estudo: 1 Assinale a alternativa CORRETA que apresenta a importância da linguagem para a formação cognitiva do sujeitos: a) ( ) A linguagem desperta a memória, fazendo com que todas as informações sejam armazenadas e interpretadas por meio da fala. b) ( ) A linguagem, que primeiramente é desenvolvida por meio da fala, permite o desenvolvimento da linguagem interna, que posteriormente se tornará pensamento. O pensamento será base para algumas funções cognitivas, como raciocínio, criatividade, imaginação e síntese. c) ( ) Por meio da linguagem os sujeitos podem interpretar todos signos sociais e consequentemente é proporcionado o desenvolvimento cognitivo, ou seja, somente pela linguagem é possível obter função cognitiva. 2.2. ORGANIZAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA COGNIÇÃO: UMA ABORDAGEM LURIANA O neuropsicólogo russo Alexander Luria (1902 - 1977) contribuiu muito para os estudos relacionados à neuropsicologia, e elucidou muitas questões referentes ao córtex cerebral, que é formado pela substância cinzenta (que contém o corpo celular do neurônio), e também é o local do processamento neural mais sofi stica- do e distinto. O mesmo explicou os hemisférios cerebrais a partir de três unida- des funcionais primordiais. É importante salientar que essa divisão realizada por Luria é com fi ns didáticos, visto que o cérebro possui funções interligadas e não funcionam de maneira localizada e isolada. As capacidades neurológicas são indi- visíveis e não são limitadas por grupos funcionais (LURIA, 1981). Segundo Fonseca (2008), Luria defi ne os sistemas funcionais como a co- ordenação de varias áreas em interação no cérebro, tendo em vista a produção de um dado comportamento, pensando sempre um processo cognitivo complexo. Nesta abordagem a aprendizagem se refere a criação de conexões entre mui- 21 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 tos grupos de células que se encontram frequentemente localizadas em distantes áreas do cérebro. Luria (1981) pensou o Sistema Nervoso Central como estruturado hierarqui- camente de umaforma vertical. As estruturas inferiores serviriam de base para as atividades das estruturas superiores. Dessa forma, o funcionamento adequado da segunda unidade, dependeria da primeira, assim como o funcionamento da terceira unidade, dependeria da primeira e da segunda unidade. As unidades são dependentes uma da outra, além disso, todas elas necessitam de estímulos e in- teração social para se desenvolverem. Na organização de Luria (1981), a primeira unidade transmite as informações que os órgãos recebem do meio externo e interno, regula o estado de vigília e sono, como também a atenção seletiva. Constitui a primeira unidade o tronco ce- rebral superior, a formação reticular e algumas partes do córtex límbico e do hipo- campo. É importante destacar que o córtex límbico e do hipocampo são respon- sáveis pelo controle do nosso metabolismo e de nossas emoções. Dessa forma, esta unidade recebe todas as informações somatossensoriais e as processa. Por exemplo, essa área determina quando estamos despertos ou quando estamos dormindo. Não acordamos e dormimos de uma única vez, como se tivéssemos um botão de “liga” e “desliga”, mas é de forma gradual se tratando da estimula- ção e desestimulação do tronco cerebral. O tronco cerebral também regula nossa atenção seletiva e tem conexões diretas com a terceira unidade, ampliando for- mas conscientes e complexas de atenção. Córtex límbico e o hipocampo são res- ponsáveis por controlar as ações metabólicas do nosso organismo, como também a intensidade de nossas emoções (LURIA, 1981). Fonseca (2008) explica que as desordens desta unidade podem incluir dis- túrbios do sono, a insônia, desordem de atenção, de memória, de hiperatividade e de hiperatividade afetando diretamente muitas funções cognitivas. O autor expõe que quando dormimos nosso cérebro retém as informações aprendidas durante todo o dia, se temos uma disfunção nessa área, o processo de armazenamento de conhecimento fi cará prejudicado. A segunda unidade, segundo a subdivisão proposta por Luria (1981), apre- senta uma estrutura hierárquica de trabalho. As áreas primárias dessa unidade analisam os objetos, discriminando suas características. As áreas secundárias sintetizam as informações e quando reúne informações sufi cientes sobre o objeto, as áreas terciárias identifi cam. Essa unidade é pertencente às partes posteriores dos hemisférios, das quais fazem parte as regiões occipitais (área visual primá- ria), parietais (sonestésica) e temporais. 22 Funções Cognitivas É por esta unidade funcional que ocorre a sensação e a percepção com base dos sentidos, como: visão, a percepção tátil-cinestésica, a audição, a orientação espacial e a linguagem receptiva. A memória também está relacionada com esta unidade funcional. Cabe a ela receber e analisar as informações que chegam aos órgãos sensoriais, interpretando-as e atribuindo signifi cado. (LURIA, 1981). Segundo Fonseca (2008), as lesões que se verifi cam nestas regiões vão in- terferir na analise das informações sensoriais, como disfunção no processamento visual ou auditivo. Difi culdade de percepção cinestésica, vestibular e propriocep- tiva. Para o autor, tais funções são essenciais para o desenvolvimento da lingua- gem, tanto a gestual, falada ou escrita. A terceira unidade, apresentada por Luria (1981), tem papel fundamental na realização dos planos e programas das ações humanas e na regulação e controle do comportamento humano, pois ela controla as funções psíquicas conscientes, ou podemos dizer as funções mentais superiores. Esta unidade é constituída pe- los lobos frontais. As áreas primárias executam e controlam as funções cognitivas, as secundárias planejam no âmbito concreto e as terciárias planejam no âmbito abstrato. Para o desenvolvimento humano a terceira unidade é a mais importante, pois é por ela que o homem planeja, executa, avalia e reformula. As estruturas da terceira unidade amadurecem apenas entre o quarto e quinto ano de vida. Para Fonseca (2008), as regiões frontais do cérebro emergem a função de planifi cação, de suporte de decisão, de avaliação, de controle emocional, controle inibitório, de gratifi cação, empatia, atenção voluntária e de criatividade. Assim, es- sas regiões estão ligadas as ações motoras e linguísticas complexas, não se trata da repetição de sons avulsos ou de um movimento refl exo, mas sim de ações pla- nejadas e realizadas de forma intencionalpelo homem, sendo essas as funções cognitivas denominadas como superiores ou executivas. Conforme explica Luria (1981), as funções cognitivas só se desenvolvem meio do funcionamento combinado das três unidades cerebrais. Como exemplo, citamos a percepção, que necessita que a primeira unidade forneça o tono corti- cal necessário, a segunda leva a cabo a análise e a síntese de informações que chegam e a terceira provê os movimentos de busca controlados, que conferem à atividade perceptiva seu caráter ativo. O mesmo se dá, com relação à estrutura dos movimentos voluntários e ações, mais especifi camente as manipulações de objetos necessários à atividade prática. 23 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 FIGURA 1 - CÓRTEX CEREBRAL DIVIDO ANATOMICAMENTE PELAS 3 UNIDADES FUNCIONAIS PROPOSTAS LURIA (1981) FONTE: KRUSZIELSKI (2019) Luria iniciou seus estudos tendo como enfoque as lesões cerebrais, principalmente como estas afetariam os comportamentos adquiridos, ou seja, os comportamentos que possibilitam ao homem manter relações adaptadas com o meio. O cérebro é constituído de diversas regiões. Assim, nessa linha de pensamento, as funções superiores se orquestram em formas mais complexas, necessitando que várias regiões se conectem para sua execução (LURIA, 1981). A fi m de investigar os sistemas cerebrais em formas complexas de atividade mental, Luria observou os sintomas que surgiam em diferentes situações de lesão cerebral. O pesquisador buscou verifi car os efeitos das lesões em cada área lesionada do cérebro. Dessa forma, ele contribuiu para que a ciência alcançasse uma compreensão mais ampla da atividade mental, como também de toda psicodinâmica humana (LURIA, 1981). Atualmente, com os avanços tecnológicos e computadorizados os neurocientistas conseguem visualizar o cérebro humano em funcionamento e em tempo real. Um exemplo, das possibilidades que se abriram para o estudo da neurociência, pode ser encontrado nas imagens de um exame de ressonância funcional magnética. Exames como esse favoreceram o acesso às imagens e dados que alavancaram a compreensão do cérebro e de suas funções. Para Tabaquim (2002), a atividade cerebral não deve ser entendida como uma concepção estática, devido à grande complexidade das funções psíquicas. No entanto, para uma melhor compreensão dos sistemas funcionais do cérebro é necessário analisar as áreas de cada função cerebral. 24 Funções Cognitivas Pinte o cérebro que está em anexo, separando com cores diferenciadas as três funções propostas por Luria (1981). Depois sintetize as funções que cada área indica. 2.3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA COGNIÇÃO O cérebro humano é extremamente complexo. Tudo o que fazemos, seja uma atividade cotidiana, como andar, sonhar, amar, ter uma ideia resulta da operação de aproximadamente oitenta e seis bilhões de neurônios que transmitem sinais através de bilhões de conexões sinápticas (HERMIDA; SEGRETIN; LIPINA, 2017). Todo o desenvolvimento humano responde à forma de funcionamento do nosso encéfalo, conforme nos lembra Berthoz (2005). Para a autora, se somos capazes de nos expressar através de uma linguagem estruturada, de nos emocionarmos, de criarmos coisas, ou mesmo de nos posicionarmos diante de conceitos a nós apresentados isso se deve a todo o aparato do sistema nervoso. Sistema este que é o controlador de nossas funções e de como nos relacionamos com o mundo a nossa volta, através do recebimento, interpretação e resposta aos estímulos externos. A estrutura anatômica do Sistema Nervoso é composta por Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Nervoso Periférico (SNP), como esclarece Kiernan (2003). Sistema Nervoso Periférico Quanto a estrutura do SNP, Ekman (2000) explica que sua estrutura é constituída por células gânglios e nervos, ambos com o papel de interligar o SNC com o restante do corpo humano, especifi camente com seus órgãos receptores (que recebem as informações sensoriais) e efetores (que processam a informação sensorial). Os gânglios são uma combinação de corpos celulares de neurônios, com células da glia, que não tem por função a condução de informação. Dentre suas funções estão proteger, suportar e nutrir os neurônios, formar as bainhas de mielina que revestem o axônio, que se refere ao prolongamento dos neurônios, auxiliando na transmissão dos impulsos elétricos ao isolá-los. 25 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 FIGURA 2 – SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO FO NTE: Kahle; Frotscher (2008) O Sistema Nervoso não é composto apenas de neurônios e o Sistema nervoso periférico vem nos mostrar sua importância no desenvolvimento neurológico. Como já dissemos, o SNP é formado por gânglios e nervos. Segundo Barradas, Gottfried, Rocha e Silva (2017), as células da glia possuem vários tipos e subtipos e estão envolvidos na modulação de diversos aspectos do desenvolvimento neurológico, como todas as funções cognitivas, o controle metabólico, infl amação, ansiedade, depressão e comportamento sexual. A glia possui uma função essencial para a formação do sistema nervoso, são altamente plásticas e versáteis e estão presentes em todas as funções neurológicas. A glia combate infecções, modula atividade neural, permite que o impulso nervoso seja efi ciente e atua até como célula tronco. Outro fator importante é que as glias são extremamente plásticas e no processo de plasticidade neural possuem um papel fundamental na recuperação e formação de novas células. Existem vários tipos de glia, mas três são mais conhecidas e investigadas no campo acadêmico, sendo elas: astrócitos, micróglia e oligodentrócitos (BARRADAS; GOTTFRIED; ROCHA; SILVA, 2017). Os astrócitos são prolongamentos fi níssimos e dinâmicos que estão presentes nas sinapses (mediadores químicos que transmitem o impulso nervoso para as conexões neurológicas) os quais podem mudar sua forma em minutos 26 Funções Cognitivas ampliando a interação com as sinapses e modulando a atividade neural. É importante frisar que a modulação neural se refere a comunicação adequada que os neurônios realizam. Uma pessoa com transtorno de modulação sensorial, terá difi culdades para dar respostas a um estímulo sensorial de maneira correta, por exemplo, ela poderá reagir ao som de maneira extremamente passiva ou ativo, não tendo equilíbrio de respostas sensoriais. Portanto, sem os astrócitos não há conexão neural adequada (BARRADAS; GOTTFRIED; ROCHA; SILVA, 2017). A micróglia denominada como “prolongamentos pequenos”, possui prolongamentos altamente arborizados e moveis o que permite que ela percorra todo ambiente encefálico em poucas horas, regulando e acompanhando as alterações bioquímicas e extracelulares do sistema nervoso, funcionando assim, como uma vigilante, pronta para defender o sistema nervoso central (BA RRADAS; GOTTFRIED; ROCHA; SILVA, 2017). As glias oligodentrícos possuem poucos prolongamentos e são responsáveis pela mielinização do sistema nervoso central. A bainha de mielina permite a função rápida do sistema nervoso, fazendo com que isole os impulsos elétricos a não permita a fuga dos ions, fazendo com que a informação chegue de maneira muito rápida e completa. Uma outra função da bainha de mielina o teor de ferro no corpo. Uma pessoa com perda de mielina possui uma grande variedade de sintomas, pois com isso, os impulsos nervosos se tornarão lentos ou não serão transmitidos. Por exemplo, a esclerose múltipla é ocorrida devido a perda de bainha de mielina, ocorrendo a perda de funções musculares, cognitivas e etc. (BARRADAS; GOTTFRIED; ROCHA; SILVA, 2017). Sistema Nervoso Central Todas as atividades, das mais simples às mais complexas, conscientes ou não, não seriam possíveis sem a interligação de diferentes partes do sistema nervoso central, conforme afi rma Kiernasn (2003). O autor apresenta o Sistema Nervoso Central como um todo distribuído em duas partes. A primeira é o encéfalo,formado por: hemisfério esquerdo, hemisfério direito, cerebelo e tronco encefálico. O tronco encefálico, por sua vez, é constituído pelo mesencéfalo, ponte e bulbo raquidiano. Toda a estrutura do SNC é protegida pelo crânio. A segunda parte do SNC, apresentada por Kiernasn (2003) é constituída pela medula espinhal, estrutura esta protegida pela coluna vertebral. Entre o encéfalo e o crânio, bem como entre a medula e a coluna, existem camadas protetoras, que são as meninges dura-máter, aracnóide e pia-máter, que são encontradas dentro do revestimento ósseo. FIGURA 3 - SISTEMA NERVOSO CENTRAL 27 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 FONTE: Kahle; Frotscher (2008) O neurônio é a unidade funcional básica do sistema nervoso. Segundo Young (1997) um neurônio processa informações, exerce funções mentais, transporta sinais e responde a estímulos. O neurônio é ainda responsável por regular e secreção glandular e a contração muscular. FIGURA 4 – IMAGEM DE UM NEURÔNIO FONTE: Kahle; Frotscher (2008) 28 Funções Cognitivas Quanto à classifi cação dos neurônios, Brandão (1995) os divide em três grupos, dependendo da direção para onde eles enviam as informações. Por essa classifi cação há os interneurônios, o maior dos grupos, fazendo a condução em curta distância de informação ou processando esta localmente. Os neurônios aferentes têm sua atuação em todo o sistema nervoso, e o papel de trazer a informação para o sistema nervoso central, conduzindo informações sensoriais. No sentido oposto, levando informações do sistema nervoso central para os músculos lisos e esqueléticos temos os neurônios eferentes. Os neurônios são constituídos por corpo celular, dendritos, axônio e terminações pré-sinápticas. Ekman (2000) explica que o corpo celular é o centro metabólico do neurônio, contendo o núcleo, o mecanismo sintetizador de neurotransmissor e o aparelho produtor/armazenador de energia. Os dendritos são extensores do corpo celular, especializados para em receber informações vindas de outros neurônios. O axônio é um prolongamento que se estende do corpo celular até as células alvo, sendo a unidade de saída responsável pela transmissão de informações entre as células neurais. Ao discorrer sobre o axônio, Young (1997) afi rma que o mesmo variará de tamanho, dependendo de para onde ele precisará carregar a informação, tendo como exemplo os axônios que levam informação sensorial do pé para a medula espinhal, que podem chegar a seu comprimento em até um metro. Independendo de seu tamanho, o corpo celular mantém a integridade do axônio, isso através do fl uxo axoplasmático, que faz o transporte de nutrientes pelo axônio, este transporte é essencial para o crescimento, síntese e liberação de neurotransmissores pelo axônio. Ainda sobre o axônio, Young (1997) ressalta que eles podem ser divididos em dois grupos, mielínicos (com bainha de mielina) e amielínicos (sem bainha de mielina). A Bainha de mielina tem um papel importante na transmissão de informações de uma célula a outra, pois ela envolve os axônios, isolando as informações e potencializando a velocidade de condução do impulso nervoso, tornando mais hábil as conexões sinápticas. Nas células sem a bainha de mielina essa transmissão acontece de forma mais difusa e lenta. Segundo Ekman (2000), a capacidade de conduzir sinais bioelétricos através de longas distâncias sem que o pulso fi que mais fraco e por se conectarem com células glandulares, musculares e outras células nervosas, é o que distingue as células nervosas das demais células do organismo, além de que, tais conexões permitem a produção, através da liberação de neurotransmissores específi cos, de respostas nos neurônios pós-sináptico, nos músculos cardíaco, esquelético e liso e nas glândulas exócrinas. 29 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 O contato entre uma célula muscular, nervosa ou glandular e uma terminação nervosa são chamadas de sinapses, que em sua composição terão a membrana pós-sináptica, a fenda sináptica e a célula pré-sináptica. Os principais tipos de contatos sinápticos ocorrem entre um axônio e o corpo celular, entre axônio e dendrito, entre dois axônios ou entre a terminação nervosa e a célula efetora (BRANDÃO, 1995). Brandão (1995) ainda classifi ca as sinapses de acordo com o impulso elétrico. Ou seja, quando a sinapse provoca uma descarga elétrica que se propaga pelo axônio teremos uma sinapse excitatória, ao passo que a sinapse inibe tal descarga ela será inibitória. Segundo o autor, cada neurônio executa milhares de sinapses e em sua superfície, a descarga de impulsos ocorrerá apenas quando a inibição sináptica for bem menor que a excitação. Comunicação Neural: o papel das Sinapses As sinapses são resultantes da interação do sujeito com o meio. A partir de cada nova experiência vivenciada com o mundo, a formação de novas conexões sinápticas será induzida ou confi rmada. Oliveira (1997) pontua que, ter capacidades auditivas, motoras, fonológicas, visuais intactas não é sufi ciente para o completo desenvolvimento do sistema nervoso. Tal desenvolvimento requer estímulo amplo, o contato efetivo com o mundo que nos cerca. FIGURA 5 – CONEXÃO SINÁPTICA FONTE: Kahle; Frotscher (2008) 30 Funções Cognitivas Divisões de Funcionamento do Sistema Nervoso Para explicar funcionalmente o sistema nervoso é preciso considerar que o SN é dividido em sistema nervoso somático (SNS) e sistema nervoso visceral (SNV). Ambos possuem interligações motoras e sensitivas. O SNS está ligado as ações e sentidos conscientes e voluntários do nosso organismo. Em outros termos, é a parte do nosso organismo que nos permite interagir, conscientemente, com mundo a nossa volta. Este é responsável pelo movimento voluntário e consciente de nossa musculatura, como também, pela condução das informações sensoriais que obtemos e o processamento de tal informação. Por exemplo, ao ver uma maçã, os sentidos irão captar a forma, a espessura, o cheiro e o sabor. Os sentidos permitem o primeiro contato com o objeto e as informações coletadas pelos sentidos serão processadas no SNS, que irá codifi car essas informações. A partir disso torna-se possível entender: “isso é uma maçã!”. É preciso que se diga que a ilustração, aqui proposta, foi elaborada de forma rudimentar. Os processos neurossensoriais são bastante complexos. A exemplifi cação proposta cumpriu o papel de permitir uma melhor compreensão da função do SNS (MACHADO, 2006). O Sistema Nervoso Visceral (SNV) está relacionado a atividades viscerais do indivíduo, regulando e programando os refl exos inconscientes, para manter o equilíbrio fi siológico. Dessa forma, a musculatura involuntária, como por exemplo, o batimento cardíaco, as informações sensitivas, dores viscerais entre outras funções internas são controladas por esse sistema (NITRINI; BACHESCHI, 2003). O cérebro, sendo o órgão capaz de controlar todas as funções do nosso corpo, das mais orgânicas e inconscientes, como o batimento cardíaco, e as mais conscientes e voluntarias ações como a criatividade, obviamente também será responsável por todas as funções cognitivas. O córtex cerebral e suas divisões: compreendendo as funções cognitivas Segundo Ribeiro, Souza e Monzzambani (2017) o córtex cerebral é a camada externa do cérebro revestida por bilhões de neurônios também conhecido como massa cinzenta do cérebro. A palavra córtex tem origem latina e signifi ca “casca” e é a estrutura neurológica que mais se desenvolveu com a evolução humana. O córtex é dividido em cinco lobos: temporal, frontal, parietal, occipital e insular. Como podemos ver na imagem abaixo: Lobo temporal O termo temporal vem do latim e signifi ca tempo. Segundo Ribeiro, Souza e Monzzambani (2017) O nome foi dado devido ao fato de os cabelos na região das 31 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 têmporas serem os primeirosa fi carem grisalhos em decorrência da passagem do tempo. É interessante saber que lobo temporal tem a função de preservar as memórias de longo prazo, guardar as informações mais prolongadas que foram armazenadas durante anos. As mesmas autoras afi rmam que as memórias de um modo geral, são representações processadas por todo cérebro, mas que no lobo temporal há as representações das memórias declarativas, ou seja, as que podem ser lembradas e evocadas conscientemente. Lesões nessa região provocam quadros variados de amnésia retrograda, ou seja, o esquecimento de informações armazenadas antes da lesão. No lobo temporal também encontramos o córtex auditivo. Segundo Machado (2006), no hemisfério dominante, geralmente o esquerdo são processados, analisados e sintetizados o sons da fala, a sequência do sistema fonético da linguagem de modo que o discurso da fala compreendido. No hemisfério não dominante, na maioria o direito, participa da análise e síntese dos ritmos musicais. Outra função importante que se encontra no lobo temporal é a capacidade de processar as informações simbólicas, parte fundamental no desenvolvimento da linguagem. Lobo parietal Conforme explica Machado (2006), no lobo parietal encontra-se o processamento somestésico, ou seja, a capacidade de um organismo perceber as informações sensitivas provenientes do próprio corpo. Sendo responsável pela sensibilidade tátil, percepção das características que tocam a pele, a propriocepção, capacidade de distinguir a posição do corpo e de suas partes, a termossensibilidade, habilidade de perceber a temperatura dos objetos e do ar que circunda o organismo e a dor. O lobo parietal tem a função de manter estável a percepção de tempo e espaço. Ribeiro, Souza e Monzzambani (2017) pontual que ao longo de sua extensão cortical encontra-se uma espécie de mapa perceptual de si mesmo, como se fosse uma self individual, o qual permite o reconhecimento e a apropriação dos eventos que transcorrem no interior, viabilizando a autoconsciência. Lesões no lobo parietal tende a levar défi cits na linguagem, agnosias, difi culdades na percepção espacial, visomotoras e na atenção seletiva. Lobo occiptal O processamento da informação visual é da responsabilidade do lobo occipital. Segundo Oliveira (1997), a construção da imagem visual e seus atributos, 32 Funções Cognitivas como movimento, profundidade, forma e cor, são coordenados e organizados em uma única percepção. Essa unidade operacional é realizada por um sistema neural hierárquico, formado por uma área primária ou de projeção e por áreas secundárias ou de associação, conforme a divisão proposta por Luria (1981). Lesões no córtex occiptal difi cultam o processamento da informação visual como um todo, fazendo com que a leitura de uma imagem fi que prejudicada e a pessoa não consiga perceber detalhes, profundidade ou cor. Também poderá provocar distorções visuais ou agnosia visual, ou seja, um distúrbio visual que distorce a compreensão da informação visual. No conto “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu” do neurologista Sacks (1988) há a descrição de uma pessoa que vivenciou uma lesão neurológica nessa área, sendo uma leitura muito esclarecedora. Lobo frontal Em termos anatômicos o lobo frontal é o maior em comparação com os de- mais. É o lobo responsável pelas ações que nos caracterizam os humanos como seres racionais, pois controlam todas nossas ações e planejamento do comporta- mento. É o que regula as funções cognitivas superiores ou executivas (RIBEI RO, SOUZA; MONZZAMBANI, 2017). É nos limites do lobo frontal que são processados o comportamento motor. A programação, regulação e verifi cação do controle motor é desencadeador das fun- ções cognitivas altamente sofi sticadas, tais como a linguagem, a criação, utilização da tecnologia, práticas artísticas e desportivas. Lesões nessa área podem afetar toda a consciência e o desenvolvimento cognitivo humano (MACHADO, 2006). Lobo Insular O lobo insular é conhecido como o quinto lobo, sendo o último a ser descrito academicamente. Tal lobo é uma porção cortical localizada nas profundezas do córtex cerebral. Estudos apontam que o córtex insular não se desenvolveu tanto quanto os demais, sendo recoberto pelos lobos parietal, temporal e frontal, como se fosse uma “ilha” que envolve o cérebro. Tanto que o nome “insular” vem do la- tim e signifi ca Ilha (RIBEIRO, SOUZA; MONZZAMBANI, 2017). 33 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 FIGURA 6 – LOBO INSULAR FONTE: Kahle; Frotscher (2008) Apesar de ser pequeno e escondido, o lobo insular tem uma posição privilegiada, pois interage com todo circuito neural cortical. De todas as possíveis conexões, destacam-se as que permitem a interpretação de símbolos emocionais relevantes e manipulação das emoções, como a capacidade de empatia. Participa ainda de vários processos cognitivos complexos que envolvem as experiencias sensoriais e emotivas, que permitem a construção do “eu” e do “outro”, na formação da consciência e personalidade, na simpatia, a admiração e compaixão. Também está ligado com o processamento gustativo, como também ou processos de prazer e desprazer (RIBEIRO, SOUZA; MONZZAMBANI, 2017). FIGURA 7 – OS CINCO LOBOS CEREBRAIS FONTE: Kahle; Frotscher (2008) 34 Funções Cognitivas Plasticidade Neural Hoje sabemos que o cérebro não é estático, de acordo com Lent (2011), isso se deve a termos tido um maior entendimento da transmissão sináptica e dos mecanismos participantes dos potenciais elétricos dos neurônios. Compreendemos melhor como o encéfalo se recupera após uma lesão ou se adapta a alterações em sua entrada, respondendo não somente com operações imediatas, aos estímulos do ambiente, mas com alterações, algumas até permanentes e outras de longa duração. Assim, temos, a neuroplasticidade do cérebro, essa capacidade mutante, dinâmica e transformadora. Para Ekman (2000), a neuroplasticidade torna alguns neurônios menos ativos, outros mais, pois causam mudanças na transmissão de informações entre neurônios. Essas mudanças são viáveis diante das operações mentais e as necessidades que o ambiente externo impõe. A neuroplasticidade do sistema nervoso, não se apresenta de uma única forma. O autor classifi ca os processos de plasticidade neuronal em três categorias. A primeira é composta de exercícios e técnicas utilizados em fi sioterapia e terapia ocupacional, chamada de habituação, e tem em vista a redução, através de um estímulo, da resposta neural. A segunda categoria, pontuada por Ekman (2000), é a Aprendizagem e a memória. Por meio da aprendizagem ocorrerá o crescimento de novas conexões sinápticas e a síntese de novas proteínas. Para Lent (2011) a aprendizagem e o treinamento possuem característica duradoura. O sistema nervoso revela-se capaz de alcançar um alto grau de plasticidade, mesmo diante da incapacidade de replicação e divisão dos neurônios maduros, visto que as novas conexões sinápticas, fortalecem os circuitos neurais e asseguram seu caráter constante. A terceira categoria apresentada por Ekman (2000) é referente à recuperação de lesão. O autor salienta que qualquer lesão ou ruptura no axônio neuronal causara alterações degenerativas, mas que isso não necessariamente ocasionará a morte da célula, devido a uma capacidade de alguns neurônios de regenerar seus axônios. Entretanto, se esta lesão destrutiva ocorrer no corpo celular neuronal, a morte celular se consolida, e não existe substituição para um neurônio do sistema nervoso adulto, que é destruído. A recuperação da lesão ocorrerá por alterações relacionadas à atividade, que proporcionará a liberação de neurotransmissores, alterações nas sinapses e reorganização funcional do sistema nervoso central. A capacidade de neuroplasticidade acontecerá durante toda a vida do sujeito, no entanto, nos primeiros anos de vida ela será mais intensa e efi ciente. Assim, gostaríamosde salientar a importância do estímulo precoce, 35 IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 1 especialmente em crianças com lesões cerebrais, pois na primeira década de vida o ser humano tem uma grande capacidade de realizar novas sinapses. Nessa fase do desenvolvimento infantil há uma intensa mielinização, o que permitirá conexões neuronais mais efi cientes. Diante disso, estímulos específi cos para o desenvolvimento desse sujeito são fundamentais para habituação, ou recuperação de funções perdidas (LENT, 2011). Atividade de Estudo: 1 O cérebro é plástico e modelável durante todos os períodos de nossas vidas. No entanto, nos primeiros anos de vida, há uma intensa capacidade de nosso cérebro se adaptar a novas aprendizagens e encontrar caminhos diversos para realizar determinadas ações. Disserte sobre o por que anatomicamente esse período é o mais propício. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo tivemos a oportunidade de conhecer e identifi car quais são as funções cognitivas e como elas são formadas. Destacamos o papel do processamento sensorial, motricidade e linguagem, sendo esses base para toda a formação cognitiva. É valido ressaltar que as ações mentais não são localizadas e delimitadas, mas funcionam em uma engenhosa rede de conexões neurológicas que necessitam do estímulo social para serem desenvolvidas. Também vimos os estudos do médico Alexander Luria (1981), considerado nos dias atuais como o pai da neuropsicologia, por ter analisado o cérebro de uma forma diferente, escolhendo hierarquizar suas funções e não regiões localizadas que trabalham isoladamente. Luria (1981) assim, didaticamente, propôs que o cérebro está divido em três funções: alerta, codifi cação e planifi cação. Por fi m, analisamos as bases biológicas do cérebro, para compreender como nossas ações o moldam. Vimos que o cérebro pode ser dividido entre sistema nervoso central, periférico e córtex. O sistema nervoso periférico é responsável pela formação dos nervos e a glia, sendo esses fundamentais para adequada função sináptica. Ressaltamos o papel da glia e sua função de promover a efi cácia das conexões neurológicas. Também pontuamos passo a passo 36 Funções Cognitivas o desenvolvimento o sistema nervoso central o qual é responsável por toda a aprendizagem adquirida, portanto, onde se localizam as funções cognitivas. No intuito de compreender a função do córtex cerebral estudamos a função dos seus cinco lobos e como as funções cognitivas são formadas anatomicamente. Destacando a importância da neuroplasticidade na reabilitação e adesão de novas aprendizagens, analisando desta forma a importância dos estímulos sociais no desenvolvimento do cérebro. 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Fazer: Observar como são formadas as funções cognitivas desde o nascimento do bebê, conseguindo avaliar as habilidades humanas que propiciam a autonomia intelectual, social e emocional. 40 Funções Cognitivas 41 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste capítulo nos destinaremos a avaliar as principais funções cognitivas. Dessemodo, dividimos esse capítulo em três partes: funções cognitivas elemen- tares, processamento sensorial e funções cognitivas superiores. O objetivo desse capítulo será de possibilitar que você possa identifi car os atrasos ou avanços no desenvolvimento cognitivo humano. Ao avaliar tais condições podemos estimular as habilidades em busca de um desenvolvimento integral humano. Na primeira parte, denominadas funções cognitivas elementares, identifi caremos a importância dos refl exos do bebê. Os refl exos são respostas neurológicas que demonstram que tudo está ocorrendo bem na parte funcional do cérebro de um recém-nascido. Crianças que nascem com lesões neurológicas não correspondem bem aos refl exos e nesses casos há a necessidade de estimulação precoce. Nos desenvolvemos com a interação social, com as experiências que vivenciamos no mundo, com os objetos e pessoas que nos cercam. Recebemos as informações do mundo pelas vias sensoriais: tato cinestésico, olfato, paladar, visão, audição, vestibular e proprioceptivo. Ao processarmos as informações sensoriais que nosso cérebro se modifi ca e aprende, por isso, na segunda parte desse capítulo nos destinamos a explicar sobre o processamento sensorial sob a perspectiva de avaliar se o sujeito responde corretamente aos estímulos sensoriais. Um bom desenvolvimento no processamento sensorial é um pressuposto de um bom desenvolvimento cognitivo. Por fi m, encerraremos esse capítulo tentando identifi car e avaliar as funções cognitivas superiores, destacando a percepção, atenção, memória, linguagem e funções executivas. As funções cognitivas superiores são as que nos identifi cam enquanto seres racionais, ou seja, seres capazes de refl etir, planejar e executar uma ação. As funções cognitivas superiores são o refl exo do nosso desenvolvimento intelectual. Saber avaliar tais condições é essencial para todos aqueles que lidam com o desenvolvimento e aprendizagem humana. Como podemos perceber, neste capítulo nos destinamos a avaliar as funções cognitivas desde o nascimento do ser humano, não no intuito de rotular um sujeito, mas na perspectiva de estimular suas habilidades e proporcionar sempre seu desenvolvimento integral. Saber avaliar é o primeiro passo para que possamos realizar uma intervenção adequada diante da necessidade de cada pessoa. Temos um cérebro plástico, moldável, portanto, todo estímulo, se bem realizado, é capaz de possibilitar um desenvolvimento amplo e integral para cada sujeito. 42 Funções Cognitivas 2 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Avaliar as funções cognitivas é o primeiro passo para que possamos intervir e possibilitar novas aprendizagens. Saber como foi o desenvolvimento da pessoa desde seu nascimento, se teve integridade no desenvolvimento neurológico ou se teve alguma lesão nos possibilitará saber o foco da intervenção. O objetivo de uma avaliação nunca será para delimitar o desenvolvimento de alguém, mas sim, de possibilitar um olhar para um planejamento de intervenções que desenvolvam as habilidades necessárias para cada um. Neste capítulo, pontuaremos as principais características no desenvolvimento cognitivo humano, desde o nascimento até as habilidades mais aprimoradas que podemos ter, visando possibilitar novos olhares perante o desenvolvimento humano. 3 FUNÇÕES COGNITIVAS ELEMENTARES Como visto no Capítulo 1, as funções cognitivas são desenvolvidas conforme os estímulos sociais e culturais que temos contato. Segundo Vigotski (2009) a criança nasce apenas com funções cognitivas elementares que se referem ao desenvolvimento biológico. Em contato com os estímulos sociais começa a se desenvolver as funções cognitivas superiores, que são as ações conscientes e voluntárias. É válido pontuar que o termo utilizado por Vigotski (2009) é de funções psicológicas e não cognitivas, no entanto, nesse contexto os termos são equivalentes. Primeiramente vamos falar das funções cognitivas elementares. Basicamente a estrutura mental biológica se refere aos refl exos com que o bebê nasce, sendo os mais conhecidos: refl exos de busca, esse refl exo ajuda o recémnascido a encontrar o seio, a começar a amamentação. Ao tocar qualquer região em torno da boca, ele vira o rosto para o lado estimulado. Refl exo de sucção é referente à quando o bebê abre a boca e suga o que aparece à sua frente. Refl exo de preensão palmar, quando há um estímulo perto dos dedos das mãos, estes se fecham e agarram o que tocou. Refl exo de preensão plantar, assim como o palmar, a partir de um estímulo perto dos dedos dos pés, se fecham e agarram o que tocou. Refl exo de Moro ocorre quando o recém-nascido se desloca do centro de gravidade se sentindo assustado ou desequilibrado. O bebê joga a cabeça para trás, estica as pernas, abre os braços e os fecha depois. Refl exo de Babinsk, a partir de um estímulo na sola dos pés há uma extensão do 43 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 primeiro dedo dos pés e os outros dedos fazem movimento de leque. E o refl exo de Marcha, a partir da posição em pé, com apoio nas axilas, o bebê ergue uma perna dando a impressão de estar andando (BEZIERS; HUNSINGER, 1994). Refl exo signifi ca movimento automático, portanto, a estrutura mental biológica não é consciente, são ações involuntárias que nosso cérebro encaminha para todo o corpo. Esses refl exos são também conhecidos como refl exos primitivos (BEZIERS; HUNSINGER, 1994). As funções cognitivas elementares são base para a formação das funções cognitivas superiores. É por meio desses refl exos que o bebê começa a interagir com o mundo e a formar novas conexões sinápticas, ou seja, novas aprendizagens. Quando o bebê reage por meio desses refl exos ele nos mostra que seu cérebro está com uma boa estrutura funcional. Uma criança que sofre uma lesão neurológi- ca, por exemplo, pode não reagir com movimentos automáticos, si- nalizando que algo errado está ocorrendo com seu cérebro, podendo causar prejuízos em seu desenvolvimento global (VIGOTSKI, 2009). Logo após o nascimento do bebê e nas primeiras consultas médicas o pe- diatra realiza alguns testes para ver suas reações refl exas, ou seja, para ver se a criança não possui nenhuma alteração neurológica. Caso note-se que o bebê não reage a esses refl exos, o pediatra encaminha a criança para acompanhamento com neurologista, com o intuito de identifi car a lesão para estimular adequada- mente a criança (BEZIERS; HUNSINGER, 1994). Uma criança com paralisia cerebral, por exemplo, pode não apresentar o refl exo de marcha e de preensão plantar ou palmar. Necessitando de estímulos mais aprimorados para o desenvolvimento da motricidade que serão proporciona- dos pelos profi ssionais de fi sioterapia (POLONIO, 2015). A paralisia cerebral refere-se a uma lesão cerebral que prejudica o desenvolvimento motor da criança. Essa lesão pode ocorrer por problemas pré-natais, como hipertensão e diabetes gestacional, perinatais, como falta de oxigênio no parto ou pós-natais, como meningite ou outras infecções adquiridas (POLONIO, 2015). 44 Funções Cognitivas Por meio dos estímulos sociais e culturais, mesmo a criança com alguma lesão cerebral poderá desenvolver as funções psicológicas superiores, no entanto, esta criança necessitará de estímulos diferenciados para almejar esse objetivo. Nesses casos, a estimulação precoce é indispensável para o desenvolvimento integral dessa criança. Os primeiros anos de vida da criança é um período rico com diversas modifi cações importantes e fundamentais para toda a vida, neste momento apresentam características de desenvolvimento das habilidades cognitivas e motoras. É nesta etapa de aprendizagem e desenvolvimento que o organismo se torna apto ao aparecimento dos marcos que possibilitam as crianças o processo linear de seu crescimento global (PERIN, 2010). A carência da estimulação ou a falta dela nos primeiros anos de vida de uma criança pode interferirno ritmo do processo evolutivo e aumentar as chances de transtornos psicomotores, socioafetivos, cognitivos e da linguagem (PERIN, 2010). De acordo com a perspectiva histórico-cultural, a concepção de homem está relacionada à sua vida em sociedade, sua cultura e à relação com o trabalho, o qual é responsável pela sua formação e transformação. O homem compreende a realidade por meio das relações que estabelece com outras pessoas e por in- termédio de signos e de instrumentos, essa relação favorece as formas de agir e transformar a natureza. Com relação a criança, a aprendizagem e o desenvol- vimento acontecerão devido às trocas realizadas entre criança/criança, criança/ objeto, criança/adulto. Garcia (2005) afi rma que os signos e os signifi cados culturais são internali- zados, a consciência é dirigida pelas necessidades sociais, essa mediação é res- ponsável por recriar a atividade psíquica e o que era antes coletivo passa a ser individual. Por meio das diversas formas de comunicação, a criança desenvolve características específi cas que Vigotski (2009) chama de funções psicológicas su- periores (FPS). Leontiev (1978) afi rma que o homem quando nasce é um candidato à huma- nidade, torna-se homem no convívio com outros homens. Com base neste pres- suposto, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores deve prevalecer sobre as funções elementares. Assim, a condição orgânica da criança com fatores de risco não necessariamente vai interferir em seu desenvolvimento, vai depender das possibilidades de compensação concretizadas pelo grupo social (GÓES, 2002). 45 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 Para Vigotski (1989), o desenvolvimento ocorre da mesma forma com todas as crianças. Mas, na condição de atrasos de aprendizagem ou até mesmo defi ci- ência, existem algumas especifi cidades na organização sociopsicológica. Essas especifi cidades requerem caminhos diversos e a utilização de recursos e metodo- logias diferenciadas. Góes (2002, p. 99) destaca que, [...] no homem, ocorrem compensações de ordem orgânica, pelas quais um órgão substitui outro ou realiza as funções deste. Mas, para compreender o funcionamento humano, é essencial considerar as compensações sociopsicológicas, que são distintas (embora possam ser vistas como análogas) das orgânicas. No plano sociopsicológico, as possibilidades compensatórias do indivíduo concretizam-se na dependência das relações com outros e das experiências em diferentes espaços da cultura. A refl exão que se faz neste sentido é que como a criança com fatores de risco pode apresentar atrasos signifi cativos, o trabalho de estimulação precisaria iniciar precocemente. Compreende-se, então, que a compensação é primordial na formação da criança com fatores de risco, seu desenvolvimento vai depender da qualidade de sua interação com o outro, ou seja, das condições concretas de estímulos. Nesta perspectiva, o não desenvolvimento da criança não está atrelado à condição de risco, mas ao trabalho a ser desenvolvido com ela, por meio de recursos e metodologias diferenciadas. As crianças que apresentam um histórico de fatores de risco pré, peri e pós-natal podem apresentar ritmos de aprendizagem diferenciados sem serem atendidas em suas necessidades de aprendizagem e como consequência, tardiamente serem diagnosticadas com defi ciência, principalmente intelectual (COLLARES; MOYSÉS,1994). Segundo Leontiev (1978), a criança quando inserida em ambientes adequados e com vivências de experiências novas e metodologias apropriadas, podem apresentar progressos signifi cativos, superando suas difi culdades. No entanto é importante um diagnóstico preciso, o qual vai considerar aspectos importantes, tais como: [...] as disposições biológicas; as particularidades intelectuais (principalmente as referentes à atividade nervosa superior), a importância das particularidades emocionais; o campo das motivações da personalidade da criança. Além disso, as condições sociais em que a criança vive e se desenvolve, os métodos pedagógicos utilizados, a necessidade de ajuda especial são aspectos fundamentais (GARCIA, 2005, p. 48). Cabe, então, criar condições favoráveis para a aprendizagem com forças compensatórias, como, conforme já foi dito anteriormente, recursos e metodolo- gias diferenciadas. É importante ressaltar que a criança com fatores de risco pode 46 Funções Cognitivas não aprender no ritmo e tempo de uma criança normal, cada criança tem ritmo e tempo de aprendizagem únicos, podem necessitar de um ensino em tempo mais prolongado e seus limites não devem ser predeterminados e nem subestimadas suas capacidades (FIERRO, 2004). Dessa forma, a qualidade da mediação e os estímulos corretos são funda- mentais para o desenvolvimento da criança com fatores de risco. O trabalho com a Estimulação Precoce tem colaborado muito para amenizar ou superar sequelas e ou evitar defi ciência de grau mais acentuado. Perin (2010, p. 4) afi rma que: Há crianças que nascem com problemas que poderão gerar limitações no desenvolvimento em diferentes áreas e com intensidades variadas, esses se diferenciam dos outros tipos de problemas pela natureza de seus sinais e sintomas, pelas formas de tratamento e pelas possibilidades de intervenção no sentido de gerar ou não defi ciências nos seus portadores. Diante do que foi exposto surge a necessidade de um atendimento precoce e diferenciado nos primeiros anos de vida o que pode ser realizado pela Estimulação Precoce. Perin (2010, p.8) contribui destacando que: A identifi cação precoce é uma alternativa indispensável quan- do não houve prevenção pré, peri e pós-natal, podendo garantir um controle de desenvolvimento infantil através de estudos do crescimento, da nutrição, da maturação social e do desenvolvi- mento linguístico e psicomotor. O estímulo deve acontecer logo nos primeiros meses, tornando menores as probabilidades de se intensifi car problemas, minimizando assim danos a evolu- ção da criança, danos esses decorrentes de fatores ambientais e orgânicos, tanto de ordem física como psicológica. Fonseca (1995) defende que as intervenções de estimulação salvaguardam a integridade do potencial de aprendizagem e a não intervenção em períodos sensíveis pode acumular efeitos mais tarde irrecuperáveis. 4 PROCESSAMENTO E INTEGRAÇÃO SENSORIAL Conforme Vigotski (2009) o ambiente ao nosso redor é carregado de informa- ções, que são o tempo todo captadas por nossos sentidos. Essa é a função deles, porém só conseguimos signifi car essas informações por possuirmos um proces- samento sensorial. Sem um processamento sensorial adequado haveria somente um conjunto de informações brutas sem signifi cado. 47 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 Essa signifi cação vai desde uma onda sonora que é compreendida como o latido de um cachorro, ou a luz que ao ser captada é entendida como cor ou for- ma, até mesmo a sensação de pressão ao apertar a mão de alguém durante um cumprimento. A essa organização das informações recebidas do ambiente damos o nome de processamento sensorial. Este processo é dinâmico, e para entendê-lo devemos ter em mente três palavras: cíclico, feedback e input. Sempre que realizamos alguma atividade os nossos sentidos recebem alguma informação, um input sensorial. Acontece que ao continuar a atividade o próprio movimento vai gerar mais input, que após ser compreendido será transformado em mais resposta, em um processo dinâmico chamado feedback. A última palavra que comentamos foi cíclico, pois todo o pro- cessamento sensorial é formado por rotinas que se repetem (AYRES, 2005). Uma forma interessante de compreender esse funcionamento é usando a visão de Ayres (2005), onde basicamente o cérebro é uma máquina com uma fun- ção específi ca: o processamento sensorial. Para que uma pessoa possa interagir com seu ambiente e manter uma rotina é necessário que o cérebro receba e pro- cesse assensações, efi cazmente, e gere respostas adaptativas. Imagine que cada estímulo, cada sensação tem por função alimentar o cé- rebro – da mesma forma que a comida alimenta o corpo. Mas o alimento, puro e simples, ao ser ingerido não nutre o corpo, a menos que seja digerido, da mesma forma acontece com nosso cérebro: os estímulos brutos não o alimentam, e nes- sa parte entra a fi gura do processamento sensorial, que digere os estímulos para o cérebro e assim o alimenta (AYRES, 2005). Começamos a interpretar e compreender as informações sensoriais na infân- cia e, para os recém-nascidos, que vivem em um mundo principalmente sensorial, seu grande desafi o é se relacionar com toda essa carga sensorial que é recebida. Um bebê suga, ajusta o corpo ao colo de quem o segura e responde a sons. Ele também é balançado, acompanha uma pessoa em movimento, é tocado, segue com um olhar um determinado objeto e sente a relação de seu corpo com a gra- vidade, etc. todas essas atividades sensório-motoras simples, mas que sem a in- tegração sensorial que acontece será impossível para ele, ao longo da vida, se desenvolver adequadamente (AYRES, 2005). Um ponto que demonstra ser crítico quando pensamos na relação da inte- gração sensorial com interação social é a habilidade adaptativa que temos para perceber o evento de forma integral, ou seja, reunir os estímulos sensoriais que recebemos e com eles montar a sequência de eventos que se apresenta, bem como a nossa reação a eles. Por exemplo, uma pessoa está na cozinha lavando a louça e deixa um prato cair no chão. Ela não percebe o atributo auditivo de for- 48 Funções Cognitivas ma independente do atributo visual, e sim um objeto que se chocou com o chão emitindo um som. Através de diferentes modalidades sensoriais nós recebemos múltiplas sensações que correspondem a maioria das experiências sensoriais, e tem, conforme dito antes, relação direta com a interação social. Se, ao cruzar uma rua, ouvimos a buzina de um carro, primeiramente temos que fazer a integração desse som a imagem de um carro, após isso, para poder desviar, evitando o atro- pelamento, é necessário nos localizarmos espacialmente, sabendo tanto a nossa posição, quanto a do automóvel (SERRANO, 2016). O alto número de interações sensoriais que a vida cotidiana nos propicia torna a vivência diária praticamente impossível sem uma integração sensorial adequada. A cada instante recebemos um número de informações sensoriais que passa dos milhares, e que atinge todos os sentidos ao mesmo tempo. Um bebê não pos- sui a habilidade, já presente nos adultos, de fi ltrar os estímulos de maior relevân- cia para uma determinada fi nalidade, porém nos primeiros seis meses o recém- -nascido desenvolve habilidades de processamento multissensorial, e ao longo do seu desenvolvimento continuam a aprimorar estas. Segundo Serrano (2016), essas são as precursoras das habilidades de comunicação e de interação social. No decorrer da vida, conforme demonstra Ayres (2005), existem vários pro- cessos motores e sensoriais que permanecem relativamente estáveis, isso ocor- re, pois, as interconexões neuronais que formam tais processos decorrem de estimulações sensoriais e motoras durante a infância. Assim, segundo a autora, habilidades acadêmicas, comportamentais ou emocionais, originam-se de uma base sensório-motora, e podemos relacionar a habilidade da criança de integrar informações sensoriais à grande parte de sua capacidade de aprendizagem, uma vez que lidar com essa gama de processos que ocorrem de forma simultânea é papel do processamento sensorial. Ao nos debruçarmos sobre esses processos nos depararemos com aqueles salientados por Palermo (2015): a integração, a modulação, a discriminação, as respostas posturais e a práxis. Destaquemos inicialmente o papel da integração sensorial, garantindo a per- cepção da experiência como uma coisa única, conforme nos lembra Ayres (2005), afi nal para fazer sentido, os impulsos elétricos, que são nossas sensações, de- vem ser integrados. Quando observamos uma laranja, a primeira ação do cérebro é integrar as sensações dos olhos, de forma que a luz seja experienciada como forma e cor, assim como através da integração das sensações do nariz podemos perceber o perfume cítrico da fruta. Ao tocar a laranja podemos perceber a rigidez externa e sua umidade interna através das pontas dos dedos ou da palma da mão. Enxergar a laranja, escutar o som que se faz ao descascar, sentir a textura e o gosto, saber a posição exata das mãos, qual deve ser a abertura da boca, a 49 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 força e intensidade da mordida, são habilidades necessárias para comer a laranja e dependem da integração sensorial. Para Ayres (2005) modulação é aquela que, de forma imediata, equilibra, ajusta, no sistema nervoso o fl uxo de informações sensoriais. A modulação é, no sistema nervoso, seu processo de autorregulação. Imaginemos que nosso cérebro tem uma sirene que dispara a cada informa- ção sensorial que recebemos, assim toda vez que recebemos um impulso novo a sirene toca. Como já vimos antes recebemos estímulos, informações sensoriais, a todo momento, mas a maioria deles é irrelevante. Se não tivermos um tipo de fi ltro perceptivo a sirene não parará de tocar não conseguiremos focar naquilo que é importante. Essa “sirene”, de fato existe, pois, toda sensação de que recebemos ativa receptores sensoriais, e a esse processo damos o nome de excitação (PA- LERMO, 2015). Quando estamos andando descalço dentro de casa, com o chão molhado sob nossos pés, recebemos a informação que vem do toque do nosso pé com o piso, a água fria entre os dedos, a sensação da gravidade que mantém nosso equilíbrio, mas também estamos ouvindo o barulho de um carro passando na rua, a sensação da roupa tocando nossa pele, nossos olhos captam toda e qualquer imagem ao nosso redor. Como dito antes, a maioria desses estímulos é irrelevan- te para a tarefa de andar sobre um piso molhado, então, através de um processo chamado inibição, nosso cérebro fi ltra as informações inúteis e foca no que é im- portante naquele momento. Se assim não fosse fi caríamos atordoados e distraí- dos o tempo todo, sem condições de executar nenhuma tarefa (PALERMO, 2015). Excitação e inibição precisam estar em equilíbrio, causando uma modulação sensorial, e uma vez isso ocorrendo é possível por exemplo a alternância en- tre estados como sonolência/alerta, atenção/desatenção, uma vez que o cérebro fi ltrará os estímulos e redirecionará a atenção do indivíduo para onde seu foco é necessário. Se assim não fosse, os impulsos que chegam ao cérebro seriam tratados com a mesma importância, e se espalhariam, de forma desorganizada e descontrolada, pelo sistema nervoso. Quando recebemos os estímulos somos capazes de distingui-los no tempo e espaço, de acordo com suas características. O responsável por isso, de acordo com Serrano (2016), é o componente do processamento sensorial chamado dis- criminação, que permite nos localizarmos espacialmente, entendendo a posição do corpo e velocidade do movimento, diferença entre palavras, altura da voz etc. Segundo Palermo (2015), esses processos são complexos e acontecem si- multaneamente. Quando o cérebro recebe o estímulo sensorial ele envia mensa- 50 Funções Cognitivas gens de respostas, o que levará a pessoa a executar uma ação diante do estímulo recebido, mas para isso é necessário que o processamento sensorial seja efi cien- te para que a resposta seja adequada. Imagine que nosso cérebro possui um fi ltro, esse fi ltro é a capacidade de processar as informações sensoriais. Quando recebemos todos os estímulos sen- soriais que estão ao nosso redor, fi ltramos as sensações para a atividade rele- vante naquele momento. Por exemplo, se estou em uma sala de aula e recebo vários estímulos sensoriais olfativos, auditivos, táteis, visuais, proprioceptivos e vestibulares, mastenho que focar minha atenção para a atividade principal, que a explicação do professor. Essa ação de focar minha atenção ao que o profes- sor está falando chamamos de resposta sensorial adequada. Para ilustrar melhor essa situação trouxemos essa imagem: FIGURA 1 - FILTRO PERCEPTIVO TÍPICO FONTE: A autora. O cérebro só se desenvolve se recebe uma variedade de estímulos sensoriais, pois os neurônios necessitam ser estimulados para se interconectarem e assim es- truturarem caminhos neurológicos de aprendizagem. Necessitamos de estímulos sensoriais adequados para desenvolver um sistema sensorial, por exemplo, desen- volveremos a visão se recebemos estímulos de luz, cores e formas, assim como só desenvolveremos as habilidades auditivas se tenho um repertório de variados tipos de sons, ou seja, sem os estímulos sociais não há conexão neurológica e assim não há aprendizagem (SERRANO, 2016; PALERMO, 2015). 51 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 A percepção é formada quando o estímulo sensorial é processado adequada- mente. Pessoas com defi ciência sensorial não desenvolvem a percepção senso- rial defi ciente, ou seja, o cego não desenvolve as habilidades de visão, e o surdo não desenvolve as habilidades de audição. Eles compensam suas necessidades com outros estímulos sociais que são dispostos pelas vias sensoriais que não são comprometidas (LURIA, 1981). Pessoas com difi culdades no processamento sensorial também apresentam difi culdades na formação das percepções. As difi culdades no processamento sen- sorial se referem a pessoas que recebem os estímulos sensoriais e o processam de forma diferente, ou de forma muito intensa, se caracterizando como uma hiper- resposta sensorial, ou de forma muito lenta se caracterizando como uma hiporres- posta sensorial (SERRANO, 2016; PALERMO, 2015). A hiperresposta se caracteriza pela forma do cérebro fi ltrar a informação sen- sorial de forma intensa, até agressiva. Por exemplo, uma pessoa com hiperres- posta auditiva não tem tolerância sensorial para determinados sons, tampando seus ouvidos rapidamente para fi ltrar essa reação. Ou pessoas com hiperresposta tátil podem não aceitarem a fi bra do tecido da roupa, sentido um grande descon- forto ao se vestir com determinados tecidos (SERRANO, 2016; PALERMO, 2015). O fi ltro perceptivo dessas pessoas é diferente, não apresentando uma resposta adequada para a sensação ativada, como vemos ilustrado na fi gura a seguir: FIGURA 2 - FILTRO PERCEPTIVO HIPERRESPONSIVO FONTE: A autora. 52 Funções Cognitivas As pessoas que apresentam hiporresposta sensorial possuem difi culdades de fi ltrar essa percepção, não conseguindo identifi car a sensação. Para imaginar essa situação, imagine que você dormiu em cima do seu braço e acordou com ele dormente, naturalmente você irá buscar estímulos táteis e proprioceptivos para ativar a sensação ausente. A sensação da pessoa que tem hiporresposta sensorial é como se fosse um estímulo que se apresenta de forma fraca, insufi ciente. Nesses casos a pessoa busca o estímulo sensorial a todo momento. Por exemplo, pessoas com hiporresposta tátil buscam estímulo de texturas, temperaturas e tremores táteis a todo momento. (SERRANO, 2016; PALERMO, 2015). O fi ltro perceptivo dessas pessoas também é diferente, não apresentando uma resposta adequada para a sensação ativada, como vemos ilustrado a seguir: FIGURA 3 - FILTRO PERCEPTIVO HIPORRESPONSIVO FONTE: A autora. Sujeitos com essas difi culdades apresentadas necessitaram de um trabalho de integração sensorial para regularem as respostas sensoriais. Terapeutas ocupa- cionais, fi sioterapeutas habilitados na área de integração sensorial poderão realizar um trabalho que facilitará a percepção sensorial adequada para essas pessoas. 4.1 FUNÇÕES COGNITIVAS SUPERIORES As funções cognitivas superiores são delimitadas como as funções cons- cientes do ser humano, ou seja, aquelas ações que necessitam de planejamento 53 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 mental para serem executadas. Somente o ser humano possui o desenvolvimento dessas funções, pois esse é o único ser que age racionalmente. No entanto, quais seriam as funções cognitivas superiores? Vigotski (2009) refere-se à percepção, atenção, concentração, memória, raciocínio lógico, linguagem e pensamento, criatividade, imaginação etc. Percepção Perceber é mais do que sentir, mas é o fato de atribuir signifi cado aos estímu- los que recebemos sensorialmente. Perceber os estímulos auditivos, por exemplo, exige que a pessoa compreenda que existem vários tipos de sons e ruídos e con- siga comparar as semelhanças e diferenças de cada som para identifi car a função de cada um. Quando estou em uma sala de aula, preciso perceber que tem sons da natureza fora da sala, passos no corredor, ruídos provocados por meus colegas e a fala do professor. Preciso compor e classifi car cada som, para poder fi ltrar minha atenção para o som que naquele momento é relevante (MOMO, 2017). Demos o exemplo da percepção auditiva, mas isso caberia a todos os senti- dos. Também a válido ressaltar que o desenvolvimento da percepção é integrado, não sendo composto por sentidos sensoriais isolados. Quando vamos atravessar a rua, preciso perceber o meu corpo, ter noção do meu corpo para posicionar a velocidade de meus passos, ter equilíbrio, também preciso ter percepção auditiva e visual para ouvir o barulho dos carros, das pessoas que estão a minha volta, dos animais, todas essas percepções integradas te permitem atravessar a rua. Algo que para você pode parecer tão rotineiro exige uma consciência de todos os seus sentidos. A percepção é de extrema importância para o desenvolvimento das outras funções cognitivas (SERRANO, 2016; MOMO, 2017). Como identifi car que a pessoa possui um bom desenvolvimento perceptivo? Iremos pontuar agora aspectos relevantes de cada percepção. Novamente desta- camos que para fi ns acadêmicos iremos separar as funções, mas que nenhuma função perceptiva ou cognitiva se sobrepõe a outra, é na integração de todas elas que o ser humano é formado integralmente (MOMO, 2017). • Percepção auditiva A linguagem oral e a produção da fala só são possíveis graças a função sensorial denominada audição. De acordo com Palermo (2015) função auditiva se desenvolve à medida que as habilidades auditivas surgem e se interligam na rotina diária da criança. Para que ocorra um desenvolvimento das habilidades auditivas é necessário que a criança faça a integração das estruturas do sistema auditivo da porção periférica central, e também que estas estruturas estejam funcionando plenamente. Para tanto a criança passará por uma sequência de quatro etapas auditivas: detecção auditiva (perceber presença/ausência do som), discriminação auditiva (perceber a intensidade e frequência do som), reconhecimento auditivo (reconhecer de onde vem o estímulo, nomear e repetir o que ouviu), compreensão 54 Funções Cognitivas auditiva (ao receber os estímulos sonoros entender sem necessidade de repetição). Palermo (2015) nos recorda que a audição nos bebês é refl exa (se produz sem a participação da vontade, a partir de alguma excitação), e que as respostas comportamentais aos sons e as experiências auditivas têm início a partir da exposição da criança a uma variedade de estímulos auditivos. Ao nascer o sistema auditivo do bebê já está formado, ocorrendo um amadurecimento das vias auditivas tanto em nível de córtex auditivo quanto de tronco encefálico. Até os dois anos de idade é o momento com maior plasticidade neuronal, no que diz respeito a via auditiva, sendo assim todo estímulo resultará em uma modifi cação, de acordo com qualidade e quantidade de estímulos apresentados. Por causa disso, detectar possíveis alterações que possam existir devem ser feitas o mais cedo possível, para que essa plasticidade seja aproveitada (SERRANO, 2016). • Percepção visual O processode desenvolvimento da visão começa ainda durante o período de gestação, e continua após o nascimento (MOMO, 2017). O bebê passa por etapas de desenvolvimento da visão que seguem o contato de olho, movimentar os olhos para buscar estímulo visual, sorrir para as pessoas, reconhecimento dos pais, respostas para expressões faciais, reagir para objetos que se aproximam do olho, imitação, compreensão de gestos e apontar ao que necessita. Podemos observar na fi gura a seguir as etapas do desenvolvimento da visão do bebê: FIGURA 4 - ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA VISÃO DO BEBÊ FONTE: <http://bit.ly/2MF8bTX>. Acesso em: 11 jun. 2019. 55 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 Verifi car se o sujeito possui um bom desenvolvimento visual requer obser- var as estruturas oculares, como: acuidade visual (capacidade de enxergar ob- jetos de perto e de longe com nitidez e detalhes), campo visual (área específi ca na qual os objetos são vistos simultaneamente), adaptação visual (habilidade de se adaptar a diferentes condições de iluminação), visão binocular (visão de profundidade e a visão tridimensional) sensibilidade aos contrastes (capacida- de que o sistema visual possui em detectar a diferença de brilho entre duas superfícies adjacentes), visão de cores, entre outras. Tais funções geralmente são avaliadas por oftalmologistas, por meio de exames clínicos. Já a visão fun- cional pode ser avaliada por profi ssionais que atual na habilitação, reabilitação e educação. A visão funcional avalia a efi ciência na realização de atividades cotidianas que necessitam da visão, como olhar nos olhos de outra pessoa, fi xar e seguir um objeto em movimento, discriminação e reconhecimentos de formas, tamanhos, cores etc. (PALERMO, 2015). A avaliação funcional refere-se à observação do comportamento da pessoa. Tal avaliação deve ser feita em um processo lúdico e acolhedor, levando em con- sideração todas as vivencias experimentadas pelo sujeito, bem como seu desen- volvimento socioafetivo, motor e linguístico, pois como já dissemos, o desenvolvi- mento humano é integrado, não existindo de maneira isolada (PALERMO, 2015). Ao observar o comportamento da pessoa podemos avaliar alguns pontos, como: • A pessoa reage a luz? Movimentando uma lanterna na direção superior, inferior, lateral e central na distância de 30 cm podemos observar se o sujeito observa a luz os diferentes campos visuais, ou seja, se ele movimenta seu corpo em busca da luz, se ele localiza o foco luminoso, se reage protegendo os olhos diante de uma luz forte, se pisca em excesso diante da luz ou se olha excessivamente para luz (PALERMO, 2015). - A pessoa fi xa o olhar e segue um campo visual? Com a pessoa sentada e a coluna ereta, apresentar um objeto colorido ou de alto contraste a uma distância aproximada de 30 centímetros dos olhos da pessoa, na linha média, e verifi car se ela fi xa visualmente o objeto e mantem o olhar. Também é importante observar se ela segue visualmente o objeto nas trajetórias horizontais e verticais (PALERMO, 2015). - A pessoa possui acuidade visual, percebe detalhes de uma imagem ou objeto? Para verifi car essa função, escolha objetos de tamanhos e cores diferenciados e disponha em uma distância em que eles possam ser vistos. 56 Funções Cognitivas Perceba se a pessoa localiza e reconhece o objeto. Faça perguntas como: qual é a cor? Para que serve? Está perto ou longe? É pequeno ou grande? Note se o sujeito pedir para se aproximar muito do objeto, levando muito próximo ao olho, ou se busca tatear para dar função ao objeto (PALERMO, 2015). - A pessoa possui campo visual, ou seja, percebe o que está a sua frente? Disponha objetos no chão e solicite que a pessoa os guarde em uma caixa. Observe se ele encontrará todos os objetos a sua frente. Mostre uma imagem grande na frente da pessoa e note se ela observa as fi guras centrais e periféricas da imagem. Alterne a localização da imagem, dispondo ela mais para esquerda ou direita e veja como será a resposta (PALERMO, 2015). - A pessoa percebe as cores? Apresente objetos iguais com cores diferenciadas e veja se a pessoa reage a uma cor específi ca. Por exemplo, apresente bolas de cores diferenciadas e veja se ela mantém a preferência por uma determinada cor. Mostre a ela uma bola da mesma cor que está a sua disposição e solicite que ela encontre o igual. Você pode fazer essa atividade com imagens e outros objetos que preferir também. Todas as atividades de pareamento igual com igual ou igual com semelhante irão verifi car essa função visual (PALERMO, 2015). - A pessoa se adapta bem com mudanças visuais? Verifi que se a pessoa possui adaptação visual ao mudar a luminosidade de um ambiente, por exemplo, a luz apagada depois acesa. Observe se a ela se expressa com grande incomodo ou desconforto visual (PALERMO, 2015). - A pessoa possui sensibilidade ao contraste? Disponha a pessoa imagens com contraste, alternando o fundo a fi gura principal em preto e branco, amarelo e preto, refere-se à habilidade de detectar diferenças de brilho entre superfícies próximas. Depois verifi que imagens de baixo contraste, por exemplo, fundo laranja e imagem em vermelho, ou fundo azul e imagem verde. Utilizando objetos e fi guras de alto e baixo contraste, verifi camos se a pessoa pode perceber as diferenças e identifi car os objetos e as fi guras de baixo contraste, ou se ela necessita de alto contraste para a percepção e identifi cação (PALERMO, 2015). A pessoa possui visão binocular, ou seja, percebe imagens pelos dois olhos? Atividades de acerto o alvo e circuito motor (subir escadas, engatinhar, andar em uma linha reta) são capazes de nos indicar se a pessoa possui difi culdades com a visão binocular (PALERMO, 2015). Segundo Palermo (2015), a avaliação funcional da visão nos permite identifi car as difi culdades de aprendizagem que pessoa possa possuir devido a visão. É válido ressaltar que o processamento visual não se dá somente pelo olho, mas também pelo cérebro. Algumas pessoas não possuem difi culdades oculares, e isso pode ser detectado por um exame clínico oftalmológico, no entanto pode 57 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 possuir difi culdades no processamento neurológico visual, ou seja, como o cérebro percebe a imagem. Nesses casos a estimulação visual é essencial para que ela desenvolva tais habilidades. Se na avaliação visual funcional notar difi culdades na percepção visual é importante encaminhar o sujeito para um médico oftalmologista em busca de uma avaliação clínica. Caso seja verifi cado difi culdades visuais o médico indicará as adaptações e intervenções que poderão ser feitas. Se não for identifi cado nenhum problema ocular, é importante que seja estimulado as habilidades visuais para que ocorra a plasticidade neural a pessoa não tenha tantas difi culdades no futuro. • Desenvolvimento viso motor O desenvolvimento visomotor refere-se à capacidade de coordenar a visão com os olhos. A visão está relacionada tanto com a motricidade fi na (movimentos precisos com as mãos) como a grossa (movimento amplo do corpo). Atividades como desenhar, copiar de um quadro, jogar bola, pular corda exigem a habilidade visomotora. É válido verifi car se a pessoa possui difi culdades de perceber a esquerda e à direita, inverter letras ou números ao escrever ou copiar, difi culdade com as atividades que envolvam ritmo, não cruzar a linha média ao fazer tarefas (objetos muda de mão em mão), não usar a mão dominante não para o apoio ao escrever ou copiar e gira corpo ao escrever ou copiar (mais uma vez para não cruzar a linha média), lê movimentando a cabeça e não movimentando somente o olhar, entre outras habilidades. Para tais difi culdades é importante trabalhar com a integração da visão com o movimento, reforçando nas atividades motoras a percepção visual (MOMO, 2017). • Tátil/ Cinestésica O tato é a sensação mais aguçada queo ser humano tem ao nascer. É por meio deste sistema que podemos interagir direta e fi sicamente com o mundo. Mesmo sendo a habilidade mais avançada de um bebê, o mesmo ainda irá apren- der a perceber as diferentes experiencias táteis (SERRANO, 2016). Ao nascer, deixar o bebê tocar e ser tocado são extremamente importantes e determinantes para seu desenvolvimento. No início, será apenas uma habilida- de de percepção tátil que será desenvolvida, mas essa desencadeará o desen- volvimento motor e a compreensão do mundo físico. Segundo Palermo (2015), as experiências táteis primárias são determinantes no desenvolvimento integral do cérebro. possuem um papel fundamental na qualidade do desenvolvimento do cérebro. O autor explica que a variedade da estimulação tátil é essencial não só para o desenvolvimento da sensibilidade ao toque, como também para o desen- volvimento cognitivo em geral. 58 Funções Cognitivas Palermo (2015), pontua que estudos com bebês sugerem que o toque, além de ser essencial para o desenvolvimento motor, também desencadeia o desen- volvimento social, emocional e cognitivo. Ao tocar o bebê a adulto cria vínculo emocional e social. Começa a surgir as relações e trocas sociais. O toque do outro permite a percepção da própria criança e do outro. É essencial que crianças de zero a três anos vivenciem as mais diferentes experiencias táteis para obterem um desenvolvimento integral. Também Momo (2017) afi rma que estudos com prematuros indicam que o toque pode acelerar o crescimento e desenvolvimento desses bebês. Em um dos estudos, bebês ganharam o dobro do peso ao serem tocados em comparação com outros bebês que não recebiam o toque. O sistema tátil é dividido em duas partes: o sistema protetor que alerta sobre perigo e o sistema discriminativo que permite discriminar o que tocamos. Para que o tato funcione de forma apropriada o sistema discriminativo e o sistema pro- tetor devem trabalhar bem juntos e de forma independente (PALERMO, 2015). Pessoas com difi culdades na percepção tátil reagem negativamente ao to- que; evitam contato físico com outras crianças, evitam e fi cam irritadas em fi las, empurram ou batem nos colegas por não suportarem a proximidade, evitam ativi- dades que evitam texturas e toques, não gostam de sentar em cadeiras, sentam- -se sobre as pernas, não gostam de determinados alimentos por causa da textura, parecem não conseguir brincar sozinhas, não exploram o brinquedo e não criam brincadeiras (SERRANO, 2016). • Percepção Vestibular A percepção vestibular permite a discriminação e sensação do movimento e do equilíbrio corporal. É graças a essa percepção que conseguimos andar em uma linha reta, a rodopiar, rolar e pular sem nos machucarmos. Bailarinos possuem essa percepção extremamente estimulada e desenvolvida (PALERMO, 2015). Desde o nascimento os bebês adoram a sensação de movimento. Eles encontram conforto na sensação de movimentos repetitivos, sejam eles balanços ou simples caminhadas no colo, isso se deve ao fato dos bebês nascerem com essa percepção altamente aguçada. Depois do tato, a sensibilidade vestibular é a habilidade sensorial mais precoce, o que permite ao feto seus primeiros refl exos (PALERMO, 2015). A percepção vestibular possui um papel fundamental nas habilidades de manter a postura da cabeça e do corpo, especialmente os olhos, em movimentos. O sistema sente a direção da gravidade e do movimento, o que permite que o corpo 59 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 ajuste sua posição para manter o equilíbrio. É, por exemplo, graças ao sistema vestibular que uma pessoa, ao correr, não enxerga o mundo pulando a sua frente. O sistema detecta o movimento vertical do corpo da pessoa e automaticamente direciona os músculos dos olhos para que se movam para compensar e manter o campo visual na frente da pessoa constante (SERRANO, 2016). Segundo Palermo (2015), embora não se discuta muito sobre a percepção vestibular, ele possui um importante papel no desenvolvimento cognitivo e neurológico. Como o sistema vestibular é um dos primeiros sentidos a amadurecer, ele possui grande participação nas primeiras experiências sensoriais do bebê. Essas experiências por sua vez são extremamente importantes para organizar as habilidades sensoriais e motoras, que consequentemente infl uenciam no desenvolvimento de habilidades emocionais e cognitivas. Pessoas com difi culdades na percepção vestibular apresentam desorganização espacial, desconforto ao locomover-se, problemas com espaçamento de palavras, difi culdades com a diagramação e a localização espacial das letras, caligrafi a desarmônica, demora ou impossibilidade de discriminação e determinação da preferência lateral, difi culdade da compreensão de conceitos como “dentro-fora”, “em cima – embaixo”, O movimento da pessoa (velocidade, intensidade e duração), difi culdade em dosar a força muscular (ou muito fraco ou muito forte), alterações no estado de alerta e na regulagem de sono vigília, difi culdades de controlar os dois lados do corpo (MOMO, 2017). • Percepção Proprioceptiva A percepção proprioceptiva se refere ao fato de percebemos o nosso próprio corpo, mesmo sem visualizar determinadas situações. Você já viu a situação em que a pessoa comeu algo, sujou o rosto e não percebeu a sujeira do seu rosto? Pois bem, essa pessoa pode ter difi culdades na percepção proprioceptiva. O sistema proprioceptivo é responsável pela informação sobre a localização das partes do corpo, e pela sinalização do quanto de contração muscular é necessária para que o movimento aconteça. É por meio da propriocepção que sabemos se estamos mexendo as pernas, cruzando os braços, mesmo sem olhar. Também é por meio desse sentido que sabemos onde temos alguma dor, mesmo sem visualizar o órgão. Por exemplo, pessoas que não possuem a percepção proprioceptiva bem desenvolvida não conseguem identifi car o local onde sente dor. Algumas pessoas com autismo, por exemplo, possuem difi culdades na percepção proprioceptiva, quando sentem dor as vezes não conseguem discernir onde dói e expressam que dói o corpo todo (MOMO, 2017). A propriocepção usa tanto informações da pele quanto sinais dos músculos e das articulações para informar ao cérebro sobre onde os membros estão 60 Funções Cognitivas posicionados a qualquer instante. É a propriocepção que permite com que a pessoa saiba se seus braços estão cruzados ou se suas pernas estão se mexendo, mesmo com os olhos fechados (SERRANO, 2016). Pessoas com o processamento da sensação proprioceptiva sempre buscam a pressão do próprio corpo. É comum que elas busquem estímulos se apertando entre colchões, se sentem bem com abraços bem apertados, gostam de cantos de cômodos para se sentirem pressionados (PALERMO, 2015). Um exemplo interessante está no fi lme Temple Grandim (2010), que retrata a vida de uma autista de alto desempenho, mostrando sua necessidade proprioceptiva. Quando Temple tinha difi culdades para fi ltrar as informações sensoriais ela buscava conforto em estímulos proprioceptivos. Devido a isso, a personagem inventou uma máquina do abraço, onde conseguia conforto sensorial ao perceber o próprio corpo. A seguir vemos uma foto do fi lme que mostra a máquina de abraço desenvolvida por Temple. FIGURA 5 – FILME TEMPLE GRANDIM FONTE: <https://particionando.wordpress.com/2015/07/24/temple- grandin-diferente-mas-nao-inferior/>. Acesso em: 11 jun. 2019. 61 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 Pessoas com difi culdades proprioceptivas apresentam movimentos incoorde- nados, quedas frequentes, quebra de objetos ao segurá-los, inabilidade em segurar objetos sem olhar para eles, difi culdades em vestir-se e despir-se, difi culdades em manter a postura sentada, difi culdade em subir e descer degraus, necessidade de olhar os pés ao se locomover e tropeçam com facilidade, incoordenação espacial, que os levam a derrubarobjetos ao redor quando se movimentam (MOMO, 2017). • Percepção Olfativa Segundo Palermo (2015) o olfato é um sentido considerado maduro ao nascer. O bebê é capaz de sentir o cheiro de tudo o que está a seu redor, no entanto o mesmo ainda não identifi car e discriminar esse cheiro. Esse processo é consciente e necessita de tempo e experiencias para serem desenvolvidas, assim como os outros sentidos. Quando a criança nasce o sistema olfativo e tátil permite a criança ter suas primeiras experiencias sociais e afetivas. Ao sentir o cheiro do leite materno ou próprio cheiro da mãe a criança já se acalma e cria vínculo emocional com seu cuidador. Até que a visão e a audição e a audição estejam plenamente desenvolvidas é pelo olfato e tato que a criança irá estabelecer laços essenciais para sua sobrevivência com seus familiares e cuidadores, promovendo a base para seu desenvolvimento emocional (PALERMO, 2015). Sob o aspecto neurológico, Palermo (2015) explica que o olfato possui uma conexão curta e direta com os centros de memória no cérebro. Isso faz com que a pessoa se recorde de experiências já vivenciadas. Um mesmo odor remete as pessoas a situações diferentes e singulares, ou seja, um determinado cheiro pode ter reações distintas para pessoas diferentes. Por exemplo, o cheiro do álcool pode remeter a uma lembrança de limpeza agradável ou de cheiro de hospital, que não é tão agradável assim. Assim como os outros sentidos, a percepção olfativa deve ser desenvolvida. Se a pessoa não é exposta a determinados odores durante seu desenvolvimento inicial, ela pode perder a capacidade de reconhecê-los. Um especialista em perfume, por exemplo, tem o olfato muito estimulado e consegue perceber conscientemente diversos aromas em uma mesma fragrâncias, comparando-os e classifi cando-os (MOMO, 2017). • Percepção Gustativa O paladar além de ter um signifi cado de sobrevivência, devido a sua base nutricional, está ligado também a experiencias emocionais e sensoriais que vivenciamos. Desde a gestação o feto pode sentir o gosto dos alimentos que a 62 Funções Cognitivas mãe experimenta. Mesmo assim, essa percepção deve ser desenvolvida durante toda vida (PALERMO, 2015). Segundo Serrano (2016) a alimentação tem um fator emocional importante. O leite materno, primeiro alimento do ser humano, possui um efeito analgésico, desenvolvendo o controle emocional da criança. Além disso, muitos alimentos nos remetem a memórias afetivas, ou seja, a vivências que nos afetaram, nos marcaram de alguma forma, seja positiva ou negativamente. • Atenção A atenção está diretamente ligada ao fi ltro perceptivo. A todo momento somos mergulhados em estímulos sensoriais, nesse mar de estímulos alguns itens ganham mais destaque em detrimento de outros. Segundo Luria (1981) prestar atenção signifi ca dar foco a determinados aspectos em e ao mesmo tempo ignorar vários outros que estão ao nosso redor. Como já mencionamos quando explicamos sobre o fi ltro perceptivo, a capacidade do cérebro de processar a informação sensorial é mais limitada do que a capacidade de seus receptores para mensurar o ambiente. A atenção, portanto, funciona como um fi ltro, selecionando alguns objetos para processamento adicional, de acordo com Luria (1981). Segundo Luria (1981) existem dois tipos de atenção: a voluntária e a involuntária. A atenção involuntária é sustentada por processos neurais automáticos e é particularmente evidente na memória implícita. É aquela atenção ao estímulo chamativo, como coisas grandes, brilhantes e que se movimentam. A voluntária está ligada a capacidade consciente de fi ltrar os estímulos perceptivos e focar em um único estímulo em detrimento a outro. Por exemplo, ao ler esse texto sua atenção está focada no texto em detrimento aos outros estímulos que te cercam, podendo ser o barulho da rua, o cheiro de um alimento, ou o desconforto tátil de uma roupa. A atenção, assim como todas as funções psicológicas pode ser desenvolvida. É certo que algumas pessoas possuem alterações neuronais e apresentam grandes difi culdades na captação da atenção sustentada, em permanecer em um mesmo foco durante um determinado momento, mesmo assim, expondo a pessoa a situações que a levem a focar em uma determinada ação a levará ao desenvolvimento de sua atenção voluntária e consciente (FONSECA, 2008) Para saber se uma pessoa possui atenção consciente, perceba quanto tempo ela fala sobre um determinado assunto de forma persistente, ou seja, começando e terminando sua exposição sem mudar o foco. Observe também se a pessoa 63 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 consegue ouvir uma música e dizer o assunto a que se refere ou repetir a melodia. Também podemos ver se a pessoa consegue identifi car um determinado objeto em meio a outros que estão espalhados no chão (FONSECA, 2008). Sem atenção o sujeito não consegue realizar atividades simples do dia a dia, de iniciar e concluir uma tarefa. É necessário que seja desenvolvida essa habilidade desde bebês, para que não haja prejuízos maiores durante sua vida. Um bebê de 2 meses, por exemplo, já consegue se acalmar ao ouvir a voz da mãe mantendo o foco ao som que a mãe produz. Com 6 meses já fi xa o olhar no cuidador durante uma troca ou uma brincadeira. A capacidade de ater a uma questão é social e em sociedade deve ser estimulada e desenvolvida. Quando falo: Ei, preste atenção nisso aqui, já começo a desenvolver sua atenção, já começo a fi ltrar os estímulos a sua volta para o meu objetivo (LURIA, 1981). • Memória A memória desenvolve-se na relação do cérebro com as vivencias sociais. Tal desenvolvimento se inicia na fase pré-natal. É por meio dessa função que conseguimos retomar as aprendizagens e recuperar o passado. É por meio da memória que nos adaptamos a cada dia com as mudanças e novas experiencias cotidianas, que associamos ideias e agregamos novos conceitos (LURIA, 1981). Se eu te falar, o que é pitaya? Se você não conhece irá buscar na sua memória conceitos semelhantes a essa palavra. Mas se eu te falar, Pitaya é uma fruta rosa de sabor doce, você automaticamente irá associar a ideia dessa nova palavra com conceitos que você já memorizou, que é a fruta doce. Esta função cognitiva possibilita modifi cações associadas à extensão do vocabulário, ampliação de conceitos e elaboração de melhores estratégias para resolver problemas. Nesse contexto de desenvolvimento da memória, cabem algumas distinções. Para Luria (1981) a memória é uma função cognitiva complexa composta por sistemas distintos, mas que se relacionam entre si. Didaticamente, a memória pode ser dividida em estágios, que se classifi cam conforme o tempo de retenção ou armazenamento de uma informação. A memória de curto prazo é aquela que apresenta armazenamento temporário de poucas informações por curto intervalo de tempo advindas da memória sensorial ou da memória de longo prazo. Cabe ressaltar que dentro do contexto de curto prazo há a memória de trabalho ou operacional. Segundo Fonseca (2008) a memória de trabalho subdivide-se em quatro subsistemas: o Alça fonológica (armazenamento temporário e manipulação das informações verbais, sejam auditivas, de leitura, ou de repetição de estímulos linguísticos). Observe se a pessoa 64 Funções Cognitivas possui tal habilidade ao contar um determinado fato e peça para ela repetir. O discurso pode ser algo corriqueiro que faça parte do cotidiano dessa pessoa (FONSECA, 2008). o Esboço visuoespacial (armazenamento e manipulação visu- al e espacial, como detalhes de um objeto). Para verifi car se a pessoa possui tal habilidade, mostre para a pessoa visua- lizar por um minuto uma imagem simples, um retrato ou uma paisagem sem muitos detalhes, depois esconda a imagens e peça para elencar o que visualizou (FONSECA, 2008). o Retentor episódico (subsistema estudado mais recentemen- te, recupera a informação de forma consciente e trabalhaas atividades cognitivas mais complexas). Para observar tal habilidade, explique um conceito, por exemplo, como é for- mada a chuva, depois peça para ela reexplicar para você (FONSECA, 2008). o Executivo central (sistema atencional que atua na seleção e manipulação da informação nos outros subsistemas, para também ser enviada à memória de longo prazo, agindo como um controlador e buscando informações já armazena- das na memória de longo prazo). Para verifi car se a pessoa possui essa habilidade desenvolvida, disponha algumas imagens para ela e peça para escrever outras palavras que vem a sua mente quando olha essa imagem. Por exemplo: Mostre uma imagem que represente a pipoca, depois peça para ela escrever o que vem a sua mente ao lembrar essa palavra. Ela pode escrever “cinema, fi lme, casa, cobertor, frio, galinha, milho etc.” (FONSECA, 2008). A memória de longo prazo tem a capacidade de armazenar informações por períodos de tempo bem mais longos, na ordem de minutos, horas, dias, semanas, meses, anos. Essa memória pode ser classifi cada como explícita ou declarativa depende de processos conscientes e é passível de verbalização. Ela se subdivide em episódica e semântica. Segundo Fonseca, (2008) a memória episódica tem relação com as experiências vividas e que se pode delimitar no tempo e espaço. Já a memória semântica tem relação com conhecimentos gerais, que nem sempre têm ligação com os fatos vividos, como conceitos e teorias. Já a memória implícita caracteriza-se pelo fato de não depender de processos conscientes e de difícil verbalização. Envolve procedimentos, habilidades motoras, e hábitos. • Linguagem Como discutimos no primeiro capítulo, a linguagem e a motricidade são base para as funções cognitivas humanas, pois por meio dessas funções estruturamos, organizamos e expressamos o nosso pensamento. A linguagem tem como papel principal a comunicação, interação social e a possibilidade de categorizar ideias e racionalizar (VIGOTSKI, 2009; LURIA, 1979; LEONTIEV, 1978). Por exemplo, se vou ao mercado e quero comprar sabonete, onde encontrarei? Você deve ter traçado um caminho na sua mente. Entre no mercado e procuro os materiais de higiene. Pois bem, tal habilidade só é possível por 65 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 meio da linguagem. Ninguém procura comprar graxa em um açougue, pois não compete a classifi cação da função de um açougue (VIGOTSKI, 2009; LURIA, 1979; LEONTIEV, 1978). A linguagem é capaz de organizar suas ações mentais. Quando acorda você pensa em tudo que irá fazer: levantar, escovar os dentes, trocar de roupa e tomar café. Essa sequência mental é feita por meio da habilidade cognitiva da linguagem. Outra habilidade se dá ao relatar qualquer fato que aconteceu na sua vida com coerência. Parece habilidades insignifi cantes, mas possuem um papel fundamental em nosso desenvolvimento (VIGOTSKI, 2009; LURIA, 1979; LEONTIEV, 1978). De acordo com Luria (1981), observamos o desenvolvimento da linguagem de um sujeito em experiências cotidianas citadas a seguir: - Consegue imitar uma outra pessoa; - Brinca de faz conta; - Compreende piadas e metáforas; - Reconta uma história com suas próprias palavras com coerência; - A pessoa relata uma história da sua própria vida com começo, meio e fi m. - A pessoa sabe localizar uma informação por meio de categorias. Por exemplo: separar os objetos de uma casa por cômodos: cozinha, sala e banheiro. - A pessoa explica um conceito relacionando o mesmo com outros conhe- cimentos, ou seja, se pedir para ela explicar o que é um abacaxi, ela fala- rá que é uma fruta, que pode ser azedo ou doce, que possui uma coroa, tem casca grossa etc. - Consegue associar ideias, explicando uma situação com exemplos do seu cotidiano. Todas essas habilidades fazem parte do desenvolvimento da linguagem, ou seja, da habilidade de organizar o pensamento diante das experiências sociais. A linguagem não é só a fala. A fala inclusive é um recurso da linguagem, mas não o único. Símbolos, imagens, gestos podem ser incluídos como processos linguísticos. Por exemplo, a placa “Pare” é um símbolo linguístico, assim como os gestos que compõem a língua de sinais também é uma língua. Inclusive, pessoas que possuem limitações da fala podem utilizar de recursos de comunicação alternativa para desenvolverem a linguagem (VIGOTSKI, 2009; LURIA, 1979; LEONTIEV, 1978). Caso a pessoa tenha difi culdades no desenvolvimento linguístico ela apresentará difi culdades em diversas situações de sua vida, das mais básicas às mais complexas e que afetará suas habilidades cognitivas, como memória, raciocínio lógico, imaginação e criatividade (VIGOTSKI, 2009; LURIA, 1979; LEONTIEV, 1978). 66 Funções Cognitivas • Funções Executivas As funções executivas são as habilidades cognitivas que nos permitem controlar e regular nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações diante dos confl itos ou das distrações. Segundo Fonseca (2008) as funções executivas são classifi cadas nas categorias de autocontrole, memória de trabalho e fl exibilidade. O autocontrole está ligado a capacidade de fi ltrar informações consciente- mente e permanecer em uma determinada atividade. Por exemplo, uma criança se manter atenta a fala de um adulto ou um adulto controlar seus impulsos emo- cionais diante de uma situação confl ituosa (FONSECA, 2008). Já a memória de trabalho está vinculada com a capacidade de conservar as informações na mente, o que permite utilizá-las para fazer o vínculo entre as ideias, calcular mentalmente e estabelecer prioridades. A fl exibilidade cognitiva é a capacidade de pensar de forma criativa e de se adaptar a situações novas. Seabra (2014) explica que as funções executivas devem ser ensinadas e es- timuladas. São extremamente conscientes e de controle de quem as possui. É importante que desde a infância elas sejam desenvolvidas, no intuito de garantir o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos. Tais funções permitem a habilidade necessária para a autorregulamentação de sua conduta. Para Fonseca (2008) é por meio das funções executivas que as pessoas avaliam e planejam suas ações, reformulam ideias e executam uma atividade com plena autonomia. Este grupo de habilidades cognitivas estão principalmente in- dexadas às estruturas pré-frontais do cérebro. O córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex pré-frontal ventromedial, o córtex pré-frontal orbitofrontal e o córtex anterior cingulado são as áreas cerebrais mais vinculadas às funções executivas. Segundo Fonseca (2008), observamos se uma pessoa possui difi culdades nas funções executivas se a mesma: - Tem difi culdade de tomar decisões; - Não consegue se ater voluntariamente a uma situação; - Tem difi culdades de organizar mentalmente as informações; - Não consegue encontrar solução para um simples problema cotidiano; - Não aceita novas aprendizagens; - Não consegue perceber seus erros; - Não aceita a opinião do outro. Tais habilidades podem ser desenvolvidas e aprendidas por meio de recur- sos lúdicos e que fazem parte do seu dia a dia. 67 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 Atividade de Estudo: O cérebro só se desenvolve se recebe uma variedade de estímulos sensoriais, pois os neurônios necessitam ser estimulados para se interconectarem e assim estruturarem caminhos neurológicos de aprendizagem (SERRANO, 2016; PALERMO, 2015). Com base no exposto e sobre o fi ltro perceptivo, assinale a alternativa INCORRETA: FONTE: PALERMO, J. R. Análise Sensorial: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Atheneu, 2015. SERRANO, P. A Integração Sensorial no Desenvolvimento e Aprendizagem da Criança. Lisboa: Editora Papa Letras, 2016. a) ( ) Pessoas com defi ciência sensorial não desenvolvem a percepção sensorial defi ciente, ou seja, o cego não desenvolve as habilidades de visão, e o surdo não desenvolve as habilidades de audição. b) ( ) As difi culdades no processamentosensorial se referem a pessoas que não recebem os estímulos sensoriais, se caracterizando como uma hiperresposta sensorial, ou recebem de forma pouco intensa, de forma muito lenta se caracterizando como uma hiporresposta sensorial c) ( ) Pessoas com difi culdades no processamento sensorial também apresentam difi culdades na formação das percepções. d) ( ) A hiperresposta se caracteriza pela forma do cérebro fi ltrar a informação sensorial de forma intensa, até agressiva. Por exemplo, uma pessoa com hiperresposta auditiva não tem tolerância sensorial para determinados sons, tampando seus ouvidos rapidamente para fi ltrar essa reação. e) ( ) As pessoas que apresentam hiporresposta sensorial possuem difi culdades de fi ltrar essa percepção, não conseguindo identifi car a sensação. 68 Funções Cognitivas ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, vimos as características do desenvolvimento cognitivo desde o nascimento do bebê. Observar tais características nos permite pensar em possíveis estratégias para que o desenvolvimento cognitivo seja almejado integralmente. Para melhor compreensão, o capítulo foi dividido em quatro partes, nas quais discutimos sobre as funções cognitivas elementares, processamento sensorial e funções cognitivas superiores. Na primeira parte, vimos sobre as funções cognitivas elementares, que se referem aos refl exos do bebê ao nascer. Tais refl exos são necessários de serem observados, pois sua integridade mostra um cérebro com um bom funcionamento orgânico. É por meio dos refl exos que o bebê começa a interagir com seus cuidadores e a processar as informações sensoriais que o mundo lhe oferece. É por meio dessas vivências que a criança formará suas funções cognitivas superiores. Todas as informações que nosso cérebro recebe, planeja e executa vem por meio do repertório sensorial. A informação sensorial permite o desenvolvimento das funções cognitivas. Pessoas com difi culdades nesse processamento necessitam de intervenções diferenciadas para que a aprendizagem ocorra. Avaliar o processamento sensorial é de extrema importância para identifi car as difi culdades no desenvolvimento cognitivo humano. Por fi m, vimos sobre as funções cognitivas superiores. Tais funções são as que nos caracterizam como seres racionais. Todas as funções cognitivas superiores exigem ações voluntárias e conscientes, devido a isso são as funções cognitivas mais bem elaboradas. Por meio destas temos a possibilidade de pensar de forma abstrata, memorizar voluntariamente, se ater a uma informação, planejar, tomar decisões, ser autônomo, se expressar com clareza. Enfi m, são essas funções que nos permitem pensar, agir e modifi car o contexto social que vivemos. As funções cognitivas superiores se desenvolvem se forem estimuladas adequadamente, dentro de um contexto social e cultural. A avaliação das funções cognitivas é fundamental para sabermos intervir de acordo com a necessidade de cada pessoa. O objetivo da avaliação não é de rotular a pessoa com uma determinada difi culdade, mas, sim, saber o estímulo necessário para que o desenvolvimento aconteça. REFERÊNCIAS AYRES, A. J. Sensory integration and praxis test manual: Updated edition. Los Angeles, CA: Western Psychological Services, 2005. 69 A AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 2 BEZIERS, M. M; HUNSINGER, Y. O Bebê e a Coordenação Motora. 2. ed. Rio de Janeiro: Summus, 1994. CAPOVILLA, F. C. Comunicação alternativa: modelos teóricos e tecnológicos, fi losofi a educacional e prática clínica. In: CARRARA, K. (Org.). Universidade, sociedade e educação. Marília:Unesp publicações, 2001. COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. A transformação do espaço pedagógico em espaço clínico: a patologização da educação. In: ALVES, M.L. (coord.) Cultura e saúde na escola. São Paulo: Fundação para o desenvolvimento da Educação, 1994. FONSECA, V. Educação Especial: Programa de estimulação precoce uma introdução as ideias de Feuerstein. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. FONSECA, V. Cognição, Neuropsicologia e Aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2008. FIERRO, A. Os alunos com defi ciência mental. In: COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J (Orgs). Desenvolvimento psicológico e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. GARCIA, D. I. B. Implicações da mediação no desempenho de criança com difi culdades escolares em uma sala de recursos. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, 2005. GÓES, M. C. R. de. Relações entre desenvolvimento humano, defi ciência e educação:contribuições da abordagem histórico-cultural. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T.; REGO, T. C. (Orgs.). Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002. p. 95-114. LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Moraes, 1978. LURIA, A. R. Curso de psicologia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1979. LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1981. LURIA, A. R. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: ArtesMédicas, 1987. MOMO, A. R. B. Atividades Sensoriais. São Paulo: Memnon, 2017. 70 Funções Cognitivas PALERMO, J. R. Análise Sensorial: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Atheneu, 2015. PERIN, A. E. Estimulação Precoce: sinais de alerta e benefícios para o desenvolvimento. REI: Revista de Educação do IDEAU. Vol. 5, nº 12, jul – dez, 2010. POLONIO, F. C. O desenvolvimento da autonomia intelectual do defi ciente neuromotor: um estudo da mediação pedagógica na afasia motora. 121 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –Universidade Estadual de Maringá. Orientador: Profa. Dra.Tânia dos Santos Alvarez da Silva. Maringá, 2015. SEABRA, A. G. Inteligência e funções executivas: avanços e desafi os para a avaliação neuropsicológica. São Paulo: Editora Memon, 2014. SERRANO, P. A Integração Sensorial no Desenvolvimento e Aprendizagem da Criança. Lisboa: Editora Papa Letras, 2016. VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:Martins Fontes, 2009. VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. CAPÍTULO 3 INTERVENÇÃO: COMO PROMOVER A APRENDIZAGEM DAS FUNÇÕES COGNITIVAS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: Saber: Compreender como ocorre a aprendizagem neurologicamente e aprender técnicas e práticas educativas que possibilitam o desenvolvimento das funções cognitivas superiores. Fazer: Aprender como ocorre a aprendizagem humana. Aprender técnicas e práticas educativas que possibilitam a aprendizagem das funções cognitivas de escolares, sabendo estimular as habilidades intelectuais também de sujeitos com difi culdades de aprendizagem. 72 Funções Cognitivas 73 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO As funções cognitivas não são desenvolvidas de maneira inata, mas em relação com os mediadores sociais e culturais. A “intervenção” refere-se ao papel do mediador no processo de aprendizagem das habilidades cognitivas. As nossas capacidades intelectuais são ensinadas no contato com o outro ou mediada com instrumentos de signifi cado social. Portanto, precisam ser estimuladas, ensinadas. Diante disso, neste capítulo teremos como objetivo pensar na estimulação cognitiva, buscando estratégias de mediação para que a habilidade cognitiva seja aprendida, modifi cando a conduta do sujeito de modo a obter um comportamento social e intelectual autônomo e consciente. Este capítulo está dividido em três momentos: no primeiro discutiremos a tríade funcional da aprendizagem, que se referem às funções conativas, cognitivas e executivas. Como já discutido, nosso cérebro não trabalha de maneira isolada, mas de forma integrada e complexa. Quando se fala em desenvolvimento cognitivo, naturalmente é preciso pensarem aspectos amplos que envolvem a aprendizagem, sejam as emoções (conação), a capacidade de organizar os estímulos sociais que nos cercam e a de executar um comportamento social consciente e crítico. As funções cognitivas elementares são inatas do desenvolvimento humano, mas as funções cognitivas superiores são desenvolvidas durante o processo de aprendizagem. Assim, no segundo tópico discutiremos como estimular as funções cognitivas superiores, visto que tais funções só se desenvolvem no contexto mediado socialmente. É válido lembrar que as propostas indicadas nesse tópico são apenas modelos que devem ser pensados e ampliados diante de cada necessidade. Quando realizamos uma intervenção, temos que ter em mente que cada sujeito é único e o planejamento de uma ação deve ser organizada pensando na aprendizagem singular que cada ser desenvolve. No último tópico, falaremos sobre a autorregulação e as funções executivas. As funções executivas são as funções cognitivas reguladas pelo próprio indivíduo, assim, se possuo autonomia na realização de atividades sociais, acadêmicas e profi ssionais é por que possuo o desenvolvimento das funções executivas. Promover a sua aprendizagem é fundamental para caracterizar o sucesso pessoal e profi ssional do indivíduo. 74 Funções Cognitivas 2 INTERVENÇÃO: COMO PROMOVER A APRENDIZAGEM DAS FUNÇÕES COGNITIVAS. Neste capítulo iremos apresentar estratégias de intervenção para o desenvolvimento das funções cognitivas. É importante ressaltar que tais estratégias não desenvolverão apenas uma habilidade cognitiva isolada, pois nosso cérebro trabalha de maneira integrada e quando realizo uma atividade posso estimular diversas áreas intelectuais, motoras e afetivas. O objetivo desse capítulo é propor estratégias para a elaboração de atividades que promovam o desenvolvimento das habilidades cognitivas, dando um modelo para ser idealizado, modifi cado e ampliado. A proposta não é de engessar ideias, muito pelo contrário, o intuito é faze-lo ampliar suas capacidades no planejamento de ações que promovam o desenvolvimento intelectual dos sujeitos com quem terá contato em uma possível intervenção, seja um aluno, paciente, fi lho etc. 2.1. COMPREENDENDO A TRÍADE FUNCIONAL DA APRENDIZAGEM: FUNÇÕES CONATIVAS, COGNITIVAS E EXECUTIVAS As funções cognitivas se referem ao fato de processar mentalmente o conhecimento e para isso utilizamos recursos intelectuais de percepção, atenção, memória, raciocínio lógico, linguagem e pensamento. Tais processos mentais decorrem dos estímulos sociais e culturais que o sujeito vivencia. Segundo Fonseca (2014) a cognição é sistêmica e é resultado da integração do conjunto das funções mentais acima citadas, as quais trabalham segundo determinadas propriedades: totalidade (noção de integração); interdependência (noção de coibição); hierarquia (noção de maturidade e complexidade); autorregulação (noção de busca de objetivos e fi ns a atingir); intercâmbio (noção de referência e efeito da experiência); equilíbrio (noção de homeostasia); adaptabilidade (noção de modifi cabilidade); e, fi nalmente, equifi nalidade (noção de vicariedade, ou seja, de execução e duplicação do pensamento pela ação). Todas essas ações mentais espelham um processo que necessitam de 75 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 uma sistematização. Assim, as funções cognitivas funcionam em uma hierarquia de desenvolvimento que englobam as funções de captação, integração e expressão (FONSECA, 2014). Segundo Fonseca (2014) as de captação se referem a atenção sustentada; percepção analítica; sistematização na exploração de dados; discriminação e ampliação de instrumentos verbais; orientação espacial com sistemas de referência automatizados; priorização de dados; conservação e agilização de constâncias (tamanho, forma, quantidade, profundidade, movimento, cor, orientação, dados intrínsecos e extrínsecos, etc.); precisão e perfeição na apreensão de dados; fi ltragem, fi xação, focagem e fl exibilização enfocada de fontes de informação simultânea; etc. As de integração se referem ao fato de conseguir associar conhecimentos, ou seja, a seleção de dados relevantes; minimização e eliminação de dados irrelevantes; comparação, classifi cação, ideação, associação de ideias, manipulação da informação, resolução de problemas, pensamento dedutivo, elaboração de conceitos, criticidade, criatividade e fl exibilização. Já as funções expressivas se referem ao fato de ter autonomia intelectual expressando-se com comunicação clara, conveniente, compreensível, desbloqueada e contextualizada; projeção de relações virtuais; transposição psicomotora (transporte ideatório, ideomotor e visuográfi co); expressão verbal fl uente e melódica; regulação, inibição, iniciação, persistência, perfeição, verifi cação, conclusão e precisão de respostas adaptativas; enriquecimento de instrumentos não verbais e verbais de expressão; avaliação e retroação das soluções criadas etc.) (FONSECA, 2008). A cognição humana não funciona como um processamento simples de informação, como já nos referimos, as conexões neurológicas são extremamente complexas. No entanto, não podemos negar que a cognição e o ato de aprender se integram. Como cita Vigotski (2009), não existe desenvolvimento intelectual sem aprendizagem. Para Fonseca (2008) mesmo não sendo um processo hierárquico, o processo de desenvolvimento deve ser analisado por partes, para melhor compreendermos e assim intervirmos na aprendizagem humana, sendo a tríade funcional: cognição, conação e execução. Fonseca (2014) identifi ca naquelas três funções (captação, integração e funções expressivas), as bases principais do ato mental, sendo que as suas capacidades proximais é o primeiro passo para avaliar dinamicamente, e depois, intervir individualmente na cognição do indivíduo (aluno, fi lho, paciente, etc.), não esquecendo que, quando falamos de cognição, na nossa ótica falamos, simultaneamente, de conação e de execução, a tríade funcional da aprendizagem a que já nos referimos. 76 Funções Cognitivas O desenvolvimento cognitivo se dá quando praticamos, treinamos e aperfeiçoamos tais atos mentais (captação, integração e funções expressivas). Tais funções e capacidades cognitivas, integrando harmoniosamente as capacidades conativas e executivas, promovem a autonomia intelectual e integral dos sujeitos. Se essas habilidades não forem estimuladas adequadamente, teremos muitas lacunas e défi cits no desenvolvimento humano. Pessoas com defi ciência ou difi culdades de aprendizagem também podem desenvolver suas habilidades dentro de suas necessidades, mas para isso, é necessário o estímulo adequado, para que a aprendizagem aconteça (FONSECA, 2008). O desenvolvimento das funções cognitivas, conativas e executivas é essencial para o sucesso intelectual e quanto mais precocemente for implementado, mais facilidade tende a emergir nas aprendizagens subsequentes. Devido a isso, bebês com atrasos no desenvolvimento devem ter acesso a estimulação precoce, não no sentido de rotular a criança diante, de acordo com Fonseca (2008), de um prognostico, mas no sentido de evitar futuros défi cits cognitivos, motores e sociais. À luz das neurociências, Fonseca (2014) explica que as funções cognitivas operacionais e sistêmicas, como: a concentração; a percepção; a memória de trabalho e o raciocínio lógico, têm um impacto direto, funcional ou disfuncional, nas funções conativas e executivas. Funções Conativas Segundo Fonseca (2014) a palavra conação tem raízes no termo latino de "conatus" pela primeira vez introduzido por Espinoza, grande fi lósofo racionalista do século XVII. Em termos simples, as funções conativas dizem respeito à motivação, emoções, temperamento e personalidade do indivíduo. Neurologicamente falando nos referimos ao sistema límbico (córtex afetivo). É a região cerebral a qual é responsávelpelo controle das emoções. Para Luria (1979) é uma região subcortical mais profunda do cérebro e envolvida, digamos assim, nas relações do organismo com o seu envolvimento presente e passado (imediato, curto e longo prazo), integrando estruturas muito importantes para a memória e a aprendizagem, como a amígdala, o hipocampo, o córtex cingulado e os corpos mamilares. Podemos perceber a disposição dessas estruturas na fi gura a seguir: 77 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 FIGURA 1 - SISTEMA LÍMBICO (CÓRTEX AFETIVO) FONTE: HUBNER, 2007. As funções conativas, conforme Fonseca (2014), tem como uma de suas funções a de preparar o organismo para certas tarefas ou situações, principalmente as que têm valor de sobrevivência, referente ao medo, perigo, ansiedade, insegurança, desconforto e etc. Podemos dizer que são funções de autopreservação, de bem-estar e de interação social, que incluem representações indutoras de sentimentos (conscientes ou inconscientes, positivos ou negativos). As emoções resultam, portanto, de simples e complexas reações que facilitam a sobrevivência do organismo e, por isso, podem ser preservadas ao longo da evolução, como se a natureza conservasse a vida como algo precioso e precário. A conação diz respeito, em síntese, à motivação, ao temperamento e à personalidade, subentende o controle e a regulação tônico-energética e afetiva das condutas, ou da realização e conclusão de tarefas de aprendizagem, reforçando, assim, a inseparabilidade e irredutibilidade das funções cognitivas, conativas e executivas (FONSECA, 2014). Os processos das funções conativas possuem um poderoso impacto nas funções cognitivas, por um lado, e nas funções executivas, por outro, logo, têm uma infl uência dominante em todo o processo complexo da aprendizagem humana. Já 78 Funções Cognitivas imaginou ter que realizar uma atividade que exige sua atenção após sofrer um momento emocional tenso, como um acidente automobilístico? Se torna quase impossível. Quando não estamos com nossas funções conativas integradas, não conseguimos pensar de maneira consciente com clareza e efetividade. Dessa forma, quando as crianças estão em processo de desenvolvimento da conação e cognição se colocadas em situação de difi culdade ou estresse de aprendizagem ou até em situação de interiorizar novos esquemas mentais, podem afetar a disponibilidade, o empenho, o equilíbrio, a decisão, o investimento, o esforço e a diligência para se desenvolvimento cognitivo. Assim, em situações de stress, crianças em momentos de aprendizagem podem apresentar comportamentos de infl exibilidade, negação, instabilidade, agitação, recusa ou até mesmo de passividade e estagnação (FONSECA, 2014). Segundo Fonseca (2008) em situações de sofrimento emocional de incompreensão penalizante ou debaixo de uma autorepresentação ou autoestima negativas, a aprendizagem humana tem difi culdades de se materializar, exatamente porque ela tem, e assume sempre, uma signifi cação afetiva, isto é, conativa. Para o Fonseca (2008), com signifi cações emocionais positivas, os sistemas afetivos subcorticais operacionalizam prioridades, desenvolvem preferências, constroem confi anças e seguranças, mobilizam persistências e resiliências face a difi culdades ou limitações, ou seja, organizam atitudes que permitem a aprendizagem consciente e voluntária. Por outro lado, a vulnerabilidade do sistema límbico pode criar barreiras a tais habilidades conativas, podem mesmo explicar a desmotivação, a desorganização, a perda de estratégias de atenção etc., que se repercutem quer nas funções cognitivas, quer nas funções executivas. A conação coloca em jogo três componentes de otimização funcional, como explica Fonseca (2014): - a de valor (porque faço a tarefa); - a de expectativa (que faço com a tarefa); - a afetiva (como me sinto na tarefa). Portanto, para Fonseca (2008) as funções conativas, assumem um papel crucial na aprendizagem, pois, sem a dimensão da afetividade, a aprendizagem não se desenrola como um todo funcional harmonioso e nem se transforma num estado de plasticidade. As funções cognitivas, conativas e executivas constituem- se como atributos paralelos, convergentes e integradores que é a aprendizagem. Na extensão de uma aprendizagem bem-sucedida, as funções conativas positivas nutrem o interesse, o desejo, a motivação, a curiosidade, o empenho, o esforço, a diligência, o entusiasmo, o prazer, o sentimento de competência 79 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 e outras necessidades superiores exclusivas da espécie humana. Em casos de difi culdades de aprendizagem as funções conativas podem dar origem a estados emocionais opostos, como: a desmotivação, o desprazer, o desespero, o desgosto, o desencanto, a frustração, a fuga, a rejeição, o estigma, a opressão, o afrontamento, a indisciplina, o fastio, os mecanismos de defesa, etc., que podem provocar o bloqueio na aprendizagem e fragmentar as funções cognitivas e as funções executivas (FONSECA, 2014). Segundo Luria (1979) é fácil perceber que as funções cognitivas interagem dialeticamente com as funções conativas no processo dinâmico da aprendizagem. Por um lado, porque as funções cognitivas respeitam ao processamento da informação, por outro, porque as funções conativas integram a motivação as ações que a executam e sistematizam a aprendizagem. Além das funções cognitivas e das conativas a que já nos referimos sumariamente, importa sublinhar que a aprendizagem bem-sucedida envolve também outro conjunto de habilidades consideradas críticas, isto é, as funções executivas. Funções Executivas As funções executivas (FE) são responsáveis pelo planejamento e monitoramento de comportamentos conscientes e intencionais realizados pelo ser humano. Segundo León; Rodrigues; Seabra; Dias (2013) as Funções executivas são um conjunto de habilidades cognitivas necessárias para realizar diversas atividades que exigem o pensamento consciente e voluntario. As FE permitem ao indivíduo interagir com o mundo de forma mais adaptativa, sendo fundamentais para o direcionamento e regulação de várias habilidades intelectuais, emocionais e sociais, como cozinhar, ir à escola, fazer compras, entre outros. A partir do primeiro ano inicia-se o desenvolvimento das funções executivas que se intensifi cam, em um cérebro típico, por volta dos 6 e 8 anos de idade, mas dão continuidade de desenvolvimento até a fase adulta. Conforme León; Rodrigues; Seabra; Dias (2013) o construto FE em componentes simples ou básicos, incluindo fl exibilidade cognitiva, controle inibitório (considerando autocontrole e autorregulação) e memória de trabalho; e em aspectos mais complexos das FE, como resolução de problemas, raciocínio e planejamento. A base anatômica responsável pelas funções executivas é o córtex frontal. Segundo Fonseca (2014) o córtex pré-frontal está intimamente conectado com o córtex associativo posterior, a mais elevada estrutura de integração perceptiva e de reconhecimento multissensorial (visual, auditivo e tátil-cinestésico), e obviamente conectado com o córtex pré (psico)motor, com os gânglios da base e com o cerebelo, todos envolvidos na planifi cação, controle e execução da motricidade. Observemos a fi gura a seguir, que destaca o córtex pré-frontal. 80 Funções Cognitivas FIGURA 2 - CÓRTEX FRONTAL REPRESENTADO NA TONALIDADE MAIS ESCURA FONTE: HUBNER, 2007. O controle inibitório é um dos elementos das funções executivas que expõem a habilidade de pensar antes de agir, de ter atenção seletiva e de postergar ou inibir a resposta baseada na capacidade de avaliar múltiplos fatores. O conceito de fl exibilidade cognitiva está relacionado à capacidade do indivíduo em mudar ou alternar seus objetivos quando o plano inicial não é bem-sucedido devido a imprevistos, ou quando é necessário alternar entre mais deuma tarefa ou operação, ajustando-se de modo fl exível a novas demandas. Em outras palavras, é a capacidade de mudar o curso de ação. Em relação à linguagem, a infl exibilidade cognitiva pode limitar, por exemplo, a capacidade de abstração e de sentido fi gurado (LEÓN; RODRIGUES; SEABRA; DIAS, 2013). A memória de trabalho, que também se relaciona às FE, é responsável por armazenar temporariamente e integrar a informação a estímulos ambientais e à memória de longo prazo, possibilitando a manipulação da informação. A memória de trabalho é demandada na compreensão, tanto auditiva como de leitura, na aprendizagem e no raciocínio, sendo fundamental para dar sentido aos eventos que ocorrem ao longo do tempo, manipulando e integrando a informação recebida anteriormente com a informação recebida agora (LEÓN; RODRIGUES; SEABRA; DIAS, 2013). 81 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 As funções executivas coordenam e integram o espectro da tríade neurofuncional da aprendizagem, onde estão conectadas com as funções cognitivas e conativas que acabamos de abordar. O seu piloto, diretor executivo, líder ou maestro neurofuncional avançado é o córtex pré-frontal, região que ocupa no cérebro humano quase um terço do seu volume cortical (LEÓN; RODRIGUES; SEABRA; DIAS, 2013). Para Fonseca (2014) são exemplo dessas funções intencionais: a elaboração e organização de estratégias; a sustentação da atenção; a fl exibilidade, a mudança estratégica, a inibição e o autocontrole e a avaliação e verifi cação de respostas adaptativas ou comportamentais. É a esse conjunto diversifi cado de competências mentais e frontais que denominamos por funções executivas, funções muito signifi cativas que são exigidas para organizar e integrar as aprendizagens. Além disso, o autor destaca que a mesma estrutura neurológica frontal contém também um outro substrato inferior, o orbital, que é responsável pela gestão do comportamento em geral, pela regulação emocional e social, podendo envolver o controle e a modulação de impulsos, bem como a decisão e a direção de comportamentos complexos. As funções executivas podem ser defi nidas como processos mentais complexos pelos quais o indivíduo otimiza o seu desempenho cognitivo, aperfeiçoa as suas respostas adaptativas e o seu desempenho comportamental em situações que requerem a operacionalização, a coordenação, a supervisão e o controle de processos cognitivos e conativos, básicos e superiores. De certa forma, reúnem um conjunto de ferramentas mentais que são essenciais para se desenvolverem (FONSECA, 2014). Segundo Fonseca (2008), estudos relacionados a neurociências relatam que as crianças e os jovens em situação das primeiras aprendizagens simbólicas precisam especialmente treinar capacidades de inibição e de memória de trabalho, para o que se torna óbvio aprimorar precocemente, digamos já na pré-escola, tais capacidades executivas, conativas e cognitivas. Para León, Rodrigues, Seabra e Dias (2013), os processos mentais das funções executivas permitem-nos captar e integrar informação relevante para os nossos objetivos e para as nossas intenções e fi nalidades, ao mesmo tempo que ignoramos uma espécie de mar de estímulos ou de selva de informação irrelevante. Pessoas com défi cits nas funções executivas enfrentam, por isso mesmo, enormes obstáculos e intransponíveis barreiras para obter rendimento minimamente aceitável em seu desenvolvimento intelectual autônomo. A tríade da aprendizagem é integrada, sendo desenvolvidas paralelamente, uma não se sobrepondo a outra. Não existe desenvolvimento cognitivo sem as 82 Funções Cognitivas funções conativas se apresentarem de forma efi ciente e positiva. Também, sem o controle das emoções e inibições, planejamento de execução, consciência das ações e fl exibilidade neurológica, não conseguimos obter autonomia intelectual, que refl etirá no nosso desenvolvimento cognitivo pleno. Somos seres integrados, e quando nos propomos a realizar uma intervenção para desenvolvimento e modifi cabilidade cognitiva, devemos analisar o ser de maneira completa. Assista ao fi lme “Como estrelas na terra toda criança é especial”. O fi lme conta a história de um menino com dislexia com difi culdades na aprendizagem que atingiram não somente seu desenvolvimento acadêmico, mas pessoal e social também. O roteiro mostra a relação integrada de nosso cérebro, de como a relação da aprendizagem envolve vários aspectos. O fi lme também retrata estratégias de ensino das funções cognitivas superiores de maneira lúdica. 2.2 ESTIMULANDO AS FUNÇÕES COGNITIVAS SUPERIORES As funções cognitivas elementares são refl exas e naturais do ser biológico humano. Já as funções cognitivas superiores são apreendidas e formadas no contexto social e cultural, tais funções são conscientes e voluntarias. Sendo assim, as funções cognitivas superiores são ensinadas e estimuladas. Segundo Vigotski (2009) toda aprendizagem antecede o desenvolvimento. Não existe desenvolvimento das funções cognitivas sem a mediação necessária para serem apreendidas. A relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada pelos instrumentos e signos sociais. A mediação incide no espaço de desenvolvimento invisível que o autor denominou de zona de desenvolvimento proximal. O lócus que acolhe a mediação (ou a ação dos instrumentos) se encontra entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento real refere-se à capacidade já conquistada da realização autônoma de tarefas, já o nível de desenvolvimento potencial pode ser atingido como resultado da realização de tarefas, com a ajuda de outras pessoas mais capazes. A zona de desenvolvimento proximal está entre esses dois níveis, o real e o potencial. Assim, é função do educador ser mediador na zona de desenvolvimento proximal, contribuindo para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKI, 2007). 83 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 A percepção, atenção, memória, linguagem, raciocínio lógico e criatividade são funções cognitivas conscientes que são desenvolvidas. A percepção é uma das funções cognitivas que se desenvolvem primeiro. Tal função tem como base o processamento sensorial e as relações sociais e culturais que nos envolve. Perceber não se refere ao fato de processar as informações sensoriais, é muito mais do que isso. Ao perceber processamos os aspectos sensoriais sabendo identifi car as semelhanças e diferenças dos sentidos. Por exemplo, ao olhar essas duas canetas: FIGURA 3 – CANETAS BIC FONTE: <https://www.bicworld.com>. Se sei identifi car as diferenças e semelhanças dessa caneta, posso dizer que percebo os estímulos sensoriais e táteis que a envolvem. Colocamos nessa tabela para exemplifi car melhor essa situação. QUADRO 1 – SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS VISUAIS E FUNCIONAIS DAS CANETAS SEMELHANÇAS DIFERENÇAS - Mesmo formato; - Servem para escrever; - São do mesmo tamanho. - Mesma quantidade de tinta. - As cores são diferentes (uma ver- melha e a outra azul). FONTE: A autora. 84 Funções Cognitivas Perceber está no fato de identifi car os detalhes de uma sensação. Vamos dar um exemplo de percepção auditiva. QUADRO 2 – SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS DOS SONS Som de barulho de carro fora da escola e o som do ventilador da sala de aula. SEMELHANÇAS DIFERENÇAS - barulho estridente; - barulho de motor; - barulho repetitivo; - incomodam ou causam sen- sação de bem-estar. - um está longe outro está perto; - um é mais silencioso que o outro; - um faz mais barulho no começo e depois fi ca silencioso, o outro mantem o mesmo som. FONTE: A autora. Quando associo a sensação em um contexto social, signifi cando-a culturalmente, posso dizer que estou desenvolvendo a percepção. Ou seja, a percepção se refere ao fato de identifi car conceitos oriundos das sensações.Por exemplo, se está quente ou frio, se é fraco ou forte, longe ou perto, áspero ou macio, pequeno ou grande, estreito ou largo etc., ou seja, quando dou signifi cado social para as sensações. A capacidade de analisar e comparar permite o desenvolvimento da percepção. Gulart (2008) nos apresenta a ideia que mediar a atenção do sujeito para o objeto ou sensação, mediando e organizando seu pensamento, permite com que sua percepção seja desenvolvida a essa teoria damos o nome de modifi cabilidade cognitiva, que defende que por meio das mediações entre o sujeito e os signos sociais o cognitivo é modifi cado. Segunda a teoria da modifi cabilidade cognitiva, a mediação está diretamente re- lacionada com o desenvolvimento da estrutura cognitiva do ser. É papel do mediador selecionar os estímulos que o meio emite, fi ltrando-os e organizando-os, para o pro- cessamento pelo próprio indivíduo, com o objetivo de seu crescimento intelectual. O mediador é responsável por direcionar a atenção do sujeito para o que é relevante na ação, levando-o a perceber os aspectos fundamentais na atividade principal a ser desenvolvida. Peguemos como exemplo o desenvolvimento da percepção, o mediador deve levar o sujeito a analisar o objeto no intuito de desenvolver sua percepção. Não basta mostrar duas canetas para o sujeito e esperar que sozinho ele desenvolva sua percepção, é necessário que o mediador questione o sujeito no intuito de fazê-lo pensar e analisar o objeto. Como no 85 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 exemplo das canetas azul e vermelha, ao questionar: “O que as canetas têm de semelhantes” o mediador já cria uma nova perspectiva de pensamento no sujeito que está manipulando as canetas, levando-o a pensar sobre elas por uma ótica diferente. Ou seja, o mediador amplia as possibilidades de pensamento do sujeito (GOULART, 2008). A mediação tem por objetivo ressaltar a percepção do aluno para os detalhes presentes no contexto em que está inserido, a princípio com manipulação e exploração do objeto, que vai sendo orientada a observar os detalhes. Toda essa percepção do aluno deve ser guiada pelo mediador que cumpre o papel de relacionar todos esses detalhes à vivência do indivíduo em sociedade, intensifi cando as suas aquisições individuais (LURIA, 1981; 1979). Pensando na prática, atividades de pareamento e classifi cação permite o desenvolvimento das percepções. O pareamento se refere ao fato de associar ideias. Ao dispor ao sujeito uma proposta de pareamento, conduzo a perceber os detalhes daquilo que gostaria que ele prestasse atenção. Por exemplo, mostro para o sujeito uma sequência de imagens e peço para ele encontrar imagens iguais e imitar a mesma sequência que fi z. Para isso, o sujeito terá que perceber os detalhes, cores, tamanhos, fi gura/fundo, posição da imagem para compor a mesma sequência. Como vemos na fi gura a seguir: FIGURA 4 - PAREAMENTOS DE FORMAS E LETRAS FONTE: A autora. 86 Funções Cognitivas O objetivo dessa atividade é perceber e analisar as semelhanças das imagens e encontrar as iguais ou parecidas para parear com o modelo apresentado. FIGURA 5 - PAREAMENTOS VISUAIS E CONCEITUAIS FONTE: A autora. Atividades de Classifi cação também permitem o desenvolvimento da percepção. Nesta atividade propomos que a criança separe os blocos lógicos por tamanhos. Mas também poderíamos levar a perceber outras coisas, como espessura (grosso/fi no), cores (azul, amarelo e vermelho) ou formas (quadrado, triangulo, retângulo e círculo). FIGURA 6 - ATIVIDADE DE CLASSIFICAÇÃO FONTE: A autora. 87 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 Nesta atividade, o objetivo está em desenvolver a percepção visual, mas toda atividade em que o sujeito a associar uma ideia é uma atividade de pareamento. Vamos exemplifi car uma atividade de percepção auditiva: Manipulo com o sujeito o som de alguns instrumentos musicais. Depois oculto a visão do sujeito e demonstro um som, pedindo que ele fale qual instrumento estou tocando. Também posso realizar uma atividade de pareamento tátil/cinestesicoonde demonstro algumas texturas para a pessoa. Coloco as texturas em uma caixa em que ela manipule os objetos da caixa sem poder vê-los, depois solicito ao sujeito que encontre a mesma textura que demonstro em uma imagem. Atividades de classifi cação, onde devo organizar objetos e imagens por categorias de tamanho, cor, textura, forma, espessura, função etc., também ajudam o desenvolvimento das percepções, pois levam o sujeito a observar e analisar os detalhes de cada imagem, como exemplifi camos a seguir: 2.3 ATENÇÃO A partir da concepção da psicologia histórico cultural de Vygotsky (2007), a atenção pode ser defi nida como a direção da consciência, tal função, sendo uma função cognitiva superior deve ser ensinada e estimulada. Segundo Luria (1979), a atenção sustentada e compartilhada é tipicamente humana e é formada nas relações sociais. No entanto, o funcionamento da atenção baseia-se inicial- mente em estruturas neurológicas refl exas e involuntárias. A atenção do sujeito vai sendo aos poucos submetida a processos de controle voluntário, em gran- de parte fundamentado pela mediação linguísticas e simbólica, ou seja, fi ltramos nossa atenção para atividade relevante por meio da mediação. A atenção involuntária responde a estímulos externos que nos permite a sobrevivência, assim como é para outros animais, que nos mantem em alerta. Por exemplo, quando o estímulo de um som ou clarão muito forte nos faz voltar o olhar para sua direção. Voltar o olhar é uma reação que identifi ca nosso foco de atenção. Segundo Luria (1981) muitos estímulos podem chamar nossa atenção de maneira involuntária, como barulhos mais altos, luz forte, movimentos em um ambiente etc. A atenção está na capacidade de fi ltrar os estímulos sensoriais. Em um am- biente social recebemos uma grande variedade de estímulos táteis, vestibulares, proprioceptivos, auditivos, visuais, olfativos etc. Filtrar os estímulos é fundamental para a organização do pensamento, de nossas emoções e consequentemente nos- so comportamento. Saber como se orientar, para que lado se olhar e se dirigir, em 88 Funções Cognitivas que som prestar atenção, viveríamos em um caos psíquico. No foco de um estímu- lo, toda função cognitiva está funcionando em prol desse interesse (LURIA, 1979). Para Luria (1979), a atenção seletiva exige a capacidade de selecionar es- tímulos e objetos específi cos, determinando uma orientação, um estado de con- centração das funções mentais. A atenção seletiva é fundamental para delimitar prioridades em uma ação mental. Se não houvesse seletividade, a quantidade de informação seria tão grande e confusa que seria impossível uma ação organizada do homem. A atenção sustentada refere-se à conservação da atenção seletiva sobre determinado estímulo, permitindo a efetivação das tarefas específi cas. Luria (1979) destaca três itens da seletividade de estímulo no processo da atenção: volume da atenção, sua estabilidade e suas oscilações. O volume (de estímulos) da atenção varia conforme a quantidade de sinais recebidos ou associações, que determina o que é predominante. Para alcançar a atenção de alguém, precisa ser despertado o seu interesse. A estabilidade é a duração do estímulo dominante. Neste item deve-se considerar que existem oscilantes, pois o mecanismo neurológico da atenção é inato e involuntário, mas a atenção não é inata e sim, treinável. Nas oscilações entre atenção voluntária, determinada pela mediação e atenção involuntária, determinada por estímulos exteriores, a atenção consciente vai sendo estimulada e treinada. Para Luria (1979) A intensidade ou força dos estímulos externos pode causar oscilações do nível de atenção, com dominância do mais forte. O novo, a novida- de do estímulo atraem a atenção. A direção da atençãoé determinada pelo estí- mulo e a intensidade desses estímulos afeta a aprendizagem. A capacidade do indivíduo de fi xar sua atenção sobre determinado estímulo, fi xando-se sobre ele, é conhecida como tenacidade. A atenção sustentada está estritamente ligada a motivação do sujeito, nem sempre será consciente. A permanência da atenção voluntaria e sustentada está relacionada a signifi cação dos estímulos que envolvem o sujeito. Portanto, para se desenvolver a atenção voluntaria há a necessidade de partir de situações que motivam o sujeito. Pensemos no exemplo de um comercial de televisão, permanecemos atentos aquelas propagandas que nos motivam, que po- demos nos reconhecer e gerar em nós o sentimento de empatia e pertencimento. Pessoas com défi cits de atenção possuem difi culdades em permanecer vo- luntariamente seu foco perceptivo em um único estímulo. Para desenvolver a se- letividade e sustentação da atenção precisamos partir de estímulos que motivem o sujeito. Pela motivação prendemos a atenção seletiva e pela signifi cação do estímulo sustentamos o foco. 89 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 Atividades lúdicas são um excelente recurso para desenvolver a atenção. A ludicidade se refere a qualquer movimento que tem como objetivo produzir prazer. Portanto, toda atividade que nos diverte é uma atividade lúdica. Assim, pensando no público infantil, atividades de jogos, brincadeiras, brinquedos, teatros e músi- cas são recursos fundamentais para desenvolver a atenção voluntaria da criança. Fazendo com que ela treine por permanecer em um único foco em uma atividade. Pensemos em uma situação de brincadeira. Quando a criança brinca de ca- sinha, por exemplo, ela foca na atividade de “cuidar de uma casa” imaginária, ela isola todos os estímulos exteriores e permanece em um único estímulo que parte do seu interesse. Outro exemplo é a cotação de história, expor uma história com recursos lúdicos, como fantasias, tonicidade diferenciada de voz irá desenvolver a sustentação da atenção. FIGURA 7 - BRINCADEIRA DE FAZ DE CONTA FONTE: <https://revistacrescer.globo.com/>. 90 Funções Cognitivas Jogos como: Lince, quebra cabeça, torre de Hanói, xadrez, sete erros, cadê etc. são ótimos recursos para desenvolver a atenção seletiva e sustentada. Segundo Lacanallo (2008), o jogo permite o desenvolvimento consciente da atenção, pois desenvolve a persistência em um único estímulo, que é incentivado pela motivação lúdica. Ao jogar a criança precisa sustentar sua atenção para concluir a atividade e completar o desafi o, ou seja, criança que joga com variados recursos lúdicos treina sua atenção sendo motivada e tendo signifi cação na atividade, o que permitirá o desenvolvimento consciente da atenção. O Jogo “Torre de Hanói” é um quebra cabeça que consiste em levar as seis peças que estão dispostas em tamanho crescente da esquerda para direita, sendo que as peças devem ser transpostas uma a uma e respeitando a ordem crescente, ou seja, nunca a peça menor deve fi car embaixo da maior. O correto é que o jogador fi nalize a partida com sessenta e quatro jogadas. Mas para principiantes é deixado um número de jogadas maiores. FIGURA 8 - JOGO TORRE DE HANÓI FONTE: <http://ofi cinadoaprendiz.com.br/>. O Jogo Kalah é um jogo africano da família dos jogos mancalas. O jogo é formado por seis covas do lado direito e seis do esquerdo. E duas covas grandes nas pontas do tabuleiro. A proposta é de jogar com dois jogadores, sendo que um fi ca responsável pelas seis covas de um dos lados e uma cova grande. Cada cova recebe quatro sementes. O jogador pega as sementes e distribui uma a uma entre as covas, inclusive a cova do outro jogador e as covas grandes também. Das covas grandes nunca se retira as sementes para serem distribuídas. Após todas as sementes das covas menores terminarem, os jogadores contam quantas sementes conseguiram, quem obtiver um maior número ganha o jogo (LACANALLO, 2008). 91 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 FIGURA 9 - TABULEIRO DO JOGO KALAH FONTE: <http://ofi cinadoaprendiz.com.br/jogos-do-mundo>. O jogo de xadrez e o pega varetas são mais conhecidos popularmente. Tais jogos são excelentes recursos para desenvolver a atenção, visto que ao jogar o sujeito seleciona e sustenta sua atenção por um longo período, no intuito de terminar o desafi o lúdico proposto. FIGURA 10 - JOGO DE XADREZ E O PEGA VARETAS FONTE: < www.ofi cinadoaprendiz.com.br>. Recomendamos o acesso ao site “Ofi cina do Aprendiz”, o qual desenvolve jogos que estimulam o desenvolvimento cognitivo, trazendo estudos acadêmicos que direcionam o desenvolvimento cognitivo, motor e social por meio dos jogos. Disponível em: <www. ofi cinadoaprendiz.com.br>. 92 Funções Cognitivas 2.4 MEMÓRIA Segundo Luria (1981) o desenvolvimento da memória é apresentado em três estágios: da memória natural, mediada e internalizada. A memória natural é inata e concreta, própria de crianças que não possuem linguagem. A memoriza- ção mediada se refere a memória que organizada pela linguagem e com predomi- nância do uso de signos externos. Já a memória internalizada é quando a lingua- gem e os signos externos passam a ser internos. A memória natural está ligada a experiência imediata com um objeto. Esse tipo de memória não é unicamente humana. Segundo Luria (1979), acon- tece um registro de experiências não voluntárias, acumulam-se informações, que serão utilizadas em outros momentos. A memória natural não é consciente. Quan- do lembramos de uma música involuntariamente e fi camos cantarolando, não conseguindo esquecer estamos falando da memória natural. Ou quando entramos em um ambiente e sentimos um cheiro que nos lembra uma pessoa, automatica- mente nossa memória natural está sendo ativada. A memória natural é formada pelas experiências perceptivas que o sujeito vivencia. A memorização não é regu- lada conscientemente, voluntariamente. A linguagem está estritamente ligada a memória consciente e voluntaria. A memória mediada está relacionada com as experiências vivenciadas pela crian- ça, e é relatada por intermédio de mediação simbólica. Por exemplo, quando a criança olha a rotina da escola, ela se recorda sobre as coisas que terá que fazer durante o dia. O mesmo acontece quando o aluno anota os tópicos essenciais do conteúdo no caderno e depois refaz a leitura do que escreveu para lembrar do conteúdo abordado. Um outro exemplo de memória mediada, é quando utilizamos agendas, listas de afazeres para nos organizarmos e lembrarmos do que necessi- tamos. (LURIA, 1979) A memória mediada é consciente e depende de uma organização social ex- terna para ajudar na recordação da informação que queremos. Nesse momento, quando indagado sobre algum conteúdo, enunciará as experiências perceptivas que já teve em relação a ele. Assim, o colo da mãe poderá ser defi nido como algo acolhedor e macio (LURIA, 1981). Segundo Vigotski (2009) quando são utilizados signos externos para se lem- brar de algo, delineia-se a memória mediada. Nos homens primitivos este nível foi atingido quando marcas nas paredes eram utilizadas para fi gurar uma ampla situação vivida. Nessas situações a memória é socialmente elaborada. Assim, o segundo estágio é atingido quando o sujeito consegue utilizar um auxiliar externo para executar um raciocínio. Se aprendo a me organizar com recursos sociais para recordar uma informação, estou desenvolvendo a memória mediada. 93 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 Segundo Mukhina (2005) o comportamento das crianças da fase pré-escolar é direto e natural enquanto na fase adulta, os signos externos modifi cam-se em signos internos. Signos externos e internos têm funções diferentes. Os externos servem para o controle do comportamento, levando a transformação nos objetos e são utilizadosno contexto social. Já no caso dos signos internalizados, a ati- vidade interpessoal passa a ser intrapessoal. Eles servem para comunicação e autorregulação. Quando o sujeito é organizado internamente por um signo para lembrar de uma situação ela encontra-se no último e mais avançado estágio de memoriza- ção, que a memória internalizada, ou seja, quando o mesmo é capaz de recordar uma informação mentalmente. Esta capacidade está estritamente ligada com a associação de ideias e conservação de informações. Exercícios que trabalham as habilidades de linguagem são fundamentais para o desenvolvimento da memória internalizada. Atividades de mapas mentais e auxiliam no desenvolvimento dessa capacidade (VIGOTSKI, 2009). FIGURA 11 - MAPA MENTAL CONCEITUAL FONTE: Manual Papaterra, 2014 94 Funções Cognitivas Os mapas mentais formam criados pelo psicólogo Tony Buzan, sendo, basicamente, cadeias de associações de ideias que nos levam a perceber os de- talhes e as diversas possibilidades de uma informação. Atividades assim podem iniciar em um aspecto mais simples e se desenvolvem em uma cadeia organizacio- nal mais complexa, promovendo o desenvolvimento da linguagem e da memória (LIMONGI, 2008). Tais atividades trabalham a capacidade de recuperação da informação, sendo excelentes para o desenvolvimento da habilidade de memória internalizada. Não quer dizer que os signos externos deixam de ser utilizados. O sujeito continua controlando seu próprio pensamento através de signos que auxiliam a memória: como por exemplo, a utilização de calendário, agenda e listas (LURIA, 1979). Para obter ideias de atividades que auxiliam na intervenção da aprendizagem cognitiva, sugerimos as leituras da coleção dos Manuais Papaterra (2008) da Fernanda Limongi. Tais materiais possuem fundamentação teórica na neuropsicologia e são excelentes recursos na intervenção cognitiva. 2.5 LINGUAGEM Quando a criança nasce a primeira linguagem que possui é o choro e seus movimentos. Por volta dois meses iniciam-se os primeiros balbucios, que são ex- pressões vocálicas sem signifi cação verbal. A partir desse momento a criança, em interação com o mundo externo, começa a desenvolver uma linguagem marcada pelas expressões do seu corpo em contato com o meio. Mais tarde a criança co- meça a vocalizar as primeiras palavras, e nesse momento a palavras isoladas são pronunciadas pela criança, por exemplo, a criança fala: “mamãe, papai, dodói, água” etc. A palavra isolada tem o sentido generalista. Ao falar “mamãe” a crian- ça tenta comunicar um contexto, ou seja, se a criança esticar os braços e dizer “mamãe” ela está querendo comunicar: “mamãe quero colo” (VIGOTISKI, 2009; LURIA, 1979). Posteriormente, a criança começa a formular frases com duas palavras: “ma- mãe água”, “papai dodói”, também com sentido generalista, mas nesse momento mostra a ampliação do vocabulário. Conforme cresce o repertório de vocabulário 95 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 da criança começa a ser estruturando as frases com sequência e coesão (VIGO- TISKI, 2009; LURIA, 1979). Nesse momento de ampliação de vocabulário a criança imita e repete a fala do adulto, sendo esta fala modelo para organização de suas ideias, ou seja, a fala do adulto é orientadora da futura fala da criança, organizando suas ideias. Nesse mo- mento, é importantíssimo o modelo para o desenvolvimento da fala da criança. Nar- rar situações, explicar com clareza, indagar a criança, cantar músicas com a criança e contar histórias é essencial para seu desenvolvimento linguístico (LURIA, 1979). A palavra do adulto é mediadora no desenvolvimento da criança. A palavra possui a função de categorizar e conceituar os objetos, o que possibilita um sis- tema de complexos enlaces e relações abstratas, que denominamos de genera- lização. Dessa forma, a palavra tem a função de analisar o mundo e está estrei- tamente ligada ao processo de formação de conceitos. Neste processo, o sujeito interage com os elementos culturais organizados pela sociedade, sendo essa in- teração direcionada pelas palavras que designam categorias culturalmente orga- nizadas (VIGOTISKI, 2009; LURIA, 1979). Propiciar atividades que ampliam o vocabulário da criança são importantes para esse desenvolvimento. Nomeação de objetos, atividades de músicas, cota- ção de histórias, brincadeiras simbólicas e jogos são excelentes atividades para desenvolver a linguagem (VIGOTSKI, 2007). É importante que as músicas sejam cantadas por adultos junto com a crian- ça, vídeos com músicas não auxiliam nesse desenvolvimento. A criança necessita do modelo da fala do outro para se organizar. Sentir o tom e timbre de voz e a ex- pressão facial para aprender com a fala do outro. O vídeo não proporciona esses estímulos que só são fi rmados no contato direto com o outro. Estudos referentes a neurociências apontam que a música permite a estimulação de várias áreas do cérebro humano, proporcionando um desenvolvimento linguístico que envolve atenção, memória e percepção (LURIA, 1981). A brincadeira propicia a ampliação de vocabulário, a organização do pensa- mento e de ideias e o desenvolvimento da criatividade. Ao brincar de faz de conta ou atribuir signifi cado social a um brinquedo (brincar com carrinho, boneca, fazer comidinha), faz com que a criança amplie seu repertório linguístico. O mesmo se dá ao contar literaturas, conversar com a criança, explicar situações cotidianas e explicar suas funções também são essenciais para o desenvolvimento da lingua- gem (VIGOTISKI, 2009; LURIA, 1979). Atividades de categorização e associação verbais são essenciais para o de- senvolvimento da linguagem. Nesse contexto, jogos também são excelentes recur- 96 Funções Cognitivas sos para desenvolver a habilidade linguística de vocabulário, organização de ideias e comunicação. Jogos de adivinhação (cadê, quem sou eu, cara a cara, charadas), sequência de histórias (detetive, pitchureca, conta um conto, continua a história) e categorização de ideias (perfi l e mapas mentais) auxiliam a desenvolver habilida- des linguísticas de ampliação de vocabulário, organização de ideias, associação de ideias, categorização verbal e pensamento generalizante (LURIA, 1981). 2.6 RACIOCÍNIO LÓGICO O raciocínio lógico é uma estrutura fundamental para organização do pensa- mento e resolução de problemas, sendo primordial para atividades que promovem aos sujeitos resolverem problemas, tomarem decisões, perceberem regularida- des, analisarem dados, investigarem e aplicarem ideias (VIGOTSKI, 2007). Qualquer atividade cotidiana necessita de planejamento e ideação. Ambas ações são possíveis graças a linguagem e o pensamento lógico. Na mediação diante do desenvolvimento do raciocínio lógico é fundamental que o mediador en- caminhe a pessoa a pensar, levando-o a organizar o pensamento diante de uma situação que deve ser resolvida (LURIA, 1981). A capacidade de raciocínio é formada na observação minuciosa de um as- pecto, onde devo pensar além do superfi cial. Portanto, desenvolver o raciocínio lógico é levar o sujeito a perceber além, observando todos os detalhes e sutilezas do signo social. Para um bom desempenho nesta área, é essencial um bom de- senvolvimento de atenção, percepção e linguagem, no que envolve a organização das ideias e planejamento de ações (VIGOTSKI, 2007). Desde a resolução de situações mais simples às mais complexas, necessita- mos da capacidade de raciocínio lógico. Segundo Fonseca (2008) a capacidade de raciocínio lógico é a capacidade de resolver problemas, portanto, toda ativida- de que envolve a resolução de um problema, sendo simples ou complexo, exige a capacidade do pensamento lógico. Jogos também são um excelente recurso para o esse desenvolvimento, como quebra cabeças, torre de Hanói, mancala, xadrez, entre outros. Tais recur- sos promovem a resolução de problemas a partir da observação detalhada de uma situação. 97INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 3 A AUTORREGULAÇÃO E AS FUNÇÕES EXECUTIVAS As funções executivas referem-se a um conjunto de processos cognitivos que permitem que o sujeito possa planejar, idealizar e controlar suas ações. Refere-se as funções extremamente conscientes e próprias do ser humano enquanto seres racionais. Poder controlar o próprio comportamento, a própria cognição e a própria emoção, engajando-se de forma voluntaria em atividades e autorregulação e a própria atuação face às exigências do meio é uma habilidade fundamental para que o indivíduo possa interagir de maneira adequada e autônoma nas diversas esferas, no que envolve sua vida em campos acadêmicos, profi ssionais e sociais (FONSECA, 2014). Segundo Dias e Seabra (2013), as principais habilidades que compõem as funções executivas são: • Planejamento: habilidade de elaborar e executar um plano de ação. • Flexibilidade cognitiva: capacidade de mudar de foco e de considerar diferentes alternativas, permitindo nossa adaptação a diferentes situações. • Memória de trabalho: capacidade de manter a informação em mente, como também integrá-las com outras informações. • Atenção seletiva: habilidade de selecionar apenas os estímulos relevantes para execução de uma tarefa. • Atenção sustentada: capacidade de manter e sustentar a atenção por um período prolongado. • Controle inibitório: capacidade de controlar o comportamento quando ele é inadequado. • Monitoramento: habilidade cognitiva de monitorar os próprios processos mentais. Diante dessas competências, Dias e Seabra (2013) pontua a necessidade do desenvolvimento de processos que permitem o controle e regulação fl exível do comportamento e da atividade mental humana. A autorregulação é a capacidade do indivíduo de controlar e regular o próprio comportamento (incluindo suas emoções), adaptando a diferentes situações de forma fl exível e consciente. Para um desenvolvimento das funções executivas refere-se ao fato de ensiná-lo a se autorregular, ou seja, de controlar suas ações comportamentais e emocionais. Ensinar a criança a parar para pensar, controlar seus impulsos são fundamentais para o desenvolvimento das funções cognitivas mais complexas. Para isso, atividades que envolvem a organização do tempo e de materiais 98 Funções Cognitivas são essenciais. A organização da rotina a qual demonstra como a pessoa pode controlar seu tempo e espaço com modelos visuais e concretos são essenciais, Vigotski, (2009), como vemos a seguir: FIGURA 12 - EXEMPLOS DE ROTINAS DE TEMPO FONTE: A autora. Nas rotinas de tempo deve fi car claro quanto tempo a pessoa demorará para executar uma atividade, sendo sinalizado por imagens ou por cores, para facilitar a compreensão de quem tem difi culdades nessa aprendizagem ou está em processo de desenvolvimento. O recurso visual é fundamental no processo de ajudar a pessoa a se organizar seu pensamento de maneira concreta e efetiva. Pessoas com difi culdades de linguagem e planejamento pensam de maneira concreta, tendo difi culdades de se organizarem mentalmente devido a isso. A utilização de imagens com pessoas que apresentam tais difi culdades é essencial para o processo de desenvolvimento das funções executivas (VIGOTSKI, 2009). 99 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 FIGURA 13 - PECS (PICTURE EXCHANGE COMMUNICATION SYSTEM) FONTE: ARA SAAC, 2019. Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (do Inglês, Picture Exchange Communication System) PECS foi desenvolvido em 1985 como um sistema de intervenção aumentativa /alternativa de comunicação exclusivo para indivíduos com difi culdades na comunicação e linguagem. Os PECS são uma excelente alternativa para organizar as ações dos sujeitos com difi culdades de seguir rotinas e realizar atividades de vida diária. Para obter as imagens dos PECS, sugerimos acessar o site <www.arasaac.org.pt>, que dispõe mais de treze mil imagens gratuitamente. Ensinar a pessoa a parar um momento, esperar sua vez, escutar o outro e pensar antes de agir é fundamental para autorregulação. Dar o modelo para a pessoa conse- guir realizar essas atividades é primordial. Dessa forma o sujeito conseguirá controlar suas emoções e ações de maneira autônoma (GOULART, 2008). Proporcionar meios e oportunidades para a prática e para o desenvolvimento das habilidades executivas pode ser benéfi co a todas as pessoas. Tal postura minimiza ou previne difi culdades sociais relacionados a comportamentos desadaptativos. 100 Funções Cognitivas O Livro “Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas” (2013) elaborado pela Alessandra Seabra e Naiara Dias trazem atividades práticas e lúdicas com o intuito de desenvolvimento das funções executivas. Atividade de Estudo: 1 Com base no conceito de autorregulação e sobre a importância de se utilizar recursos visuais para organizar o pensamento, disserte sobre a importância da rotina visual na vida de pessoas com difi culdades de linguagem. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, pudemos compreender como a aprendizagem é internalizada, pontuando a integração das funções conativas, cognitivas e executivas. Percebemos que a aprendizagem não ocorre de maneira isolada, mas necessita de um conjunto de ações mentais que envolvem as emoções, as ações mentais, o pensamento, linguagem e a consciência. Também vimos como estimular as funções cognitivas superiores, visto que tais funções são estimuladas e ensinadas na relação com o outro, portanto, devem ser desenvolvidas em qualquer intervenção que se tem o objetivo da modifi cabilidade cognitiva. 101 INTERVENÇÃO: COMO PROM. A APREND. DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Capítulo 3 Por fi m, fomos apresentados ao desenvolvimento das funções conscientes, que promovem o controle e a fl exibilidade de pensamento. Que permite agir de maneira autônoma diante de qualquer situação pessoal ou profi ssional. As funções executivas permitem o desenvolvimento humano mais sofi sticado. REFERÊNCIAS ARASAAC. PECS. Disponível em: www.arasaac.org.br. Acesso em: 9 maio 2019. DIAS, N; SEABRA, A. Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas: PIAFEX. São Paulo: Memnon, 2013. FONSECA, V. Cognição, Neuropsicologia e Aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2008. FONSECA, V. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev. psicopedag. v. 31 n. 96 São Paulo, 2014. GOULART, Á. O professor na mediação cultural: As contribuições de Reuven Feuertein junto a alunos com necessidades especiais. São Paulo: USP, 2000. HUBNER, M. Anatomia Humana: Aprendizagem Dinâmica. 2. ed. Maringá: gráfi ca editora Clichetec, 2007. v. 1. 216p. LEÓN, C.; RODRIGUES, C; SEABRA, A; DIAS, N. Funções executivas e desempenho escolar em crianças de 6 a 9 anos de idade. Rev. psicopedag. v. 30, n. 92. São Paulo, 2013 LIMONGI, F. Manual Papaterra: livro azul. São Paulo: Livro Pronto, 2008. LURIA, A. R. Curso de psicologia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1979. LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1981. MUKHINA, V. Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo: Martins Fontes, 2005. OFICINA DO APRENDIZ. Jogos de Brincar: Interações Lúdicas de Qualidade. Disponível em: http://ofi cinadoaprendiz.com.br/brinquedoteca/. Acesso em: 9 maio 2019. 102 Funções Cognitivas REVISTA CRESCER. Brincar de faz de conta. Disponível em: https:// revistacrescer.globo.com/Brincar-e-preciso/noticia/plantao.html.Acesso em: 9 maio 2019. VIGOTSKI, L. S.A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007. VIGOTSKI, L. S.A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2009.