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Teoria Psicossexual do desenvolvimento Infantil 1 a 6

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TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
AULA 1
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Raquel Berg
CONVERSA INICIAL
Olá, seja bem-vindo(a)! Nesta disciplina trataremos sobre diversos temas. No primeiro
momento, falaremos sobre “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”. No segundo momento,
falaremos sobre “Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses”,
“Esclarecimento Sexual das Crianças”, “Teorias Sexuais das Crianças”, “Organização Genital
Infantil” e “Algumas consequências na distinção anatômica dos sexos”. Na sequência, falaremos
sobre o Pequeno Hans, denominado “Análise de uma fobia em um menino de 5 anos”, “Leonardo da
Vinci e uma lembrança de sua infância” e “Duas mentiras contadas por crianças”. Adiante,
falaremos sobre “O caso Schreber”, “História de uma neurose infantil” (conhecida como Homem dos
Lobos) e “O retorno do Totemismo na Infância”. Depois, falaremos sobre “Algumas Reflexões sobre
a Psicologia do Escolar”, “Uma recordação de infância de Dichtung und Wahrhei”, “Uma criança é
espancada”, “Associações de uma criança de 4 anos de idade” e o material psíquicos dos contos de
fada. Por fim, faremos uma breve revisão sobre o conteúdo apresentado nas aulas anteriores dessa
disciplina e os principais conceitos que precisam ficar gravados, a primeira e a segunda tópica,
alguns conceitos de “O Ego e o Id”, Spitz com sua teoria sobre os organizadores psíquicos no
primeiro ano de vida, as hipóteses kleinianas e lacanianas sobre o desenvolvimento infantil e o tema
da morte enquanto objeto de investigação infantil.
Na aula de hoje, nos concentraremos em falar sobre os Três Ensaios. Esse texto foi escrito em
1905, porém ele passou por uma série de revisões feitas por Freud posteriormente, o que fez com
que o documento contenha alguns conceitos que só serão efetivamente trabalhados na obra
freudiana muitos anos depois. Em função disso, faremos uma breve explicação para cada uma
dessas terminologias apenas para esclarecer o significado delas dentro do contexto dos “Três
Ensaios”, embora uma explicação mais completa seja feita em outras disciplinas que irão tratar
diretamente dos textos fundamentais para cada um desses conceitos. É importante trazer aqui
também que esse texto ensaia a transição da primeira para a segunda tópica freudiana, na medida
que traz o conceito de pulsões e transcende a ideia de um consciente (cs), subconsciente (Pcpt) e
inconsciente (Ics) com representações e afetos. Nesse texto, Freud vai além da ideia de sexualidade
das histéricas e traz a diferenciação entre sexo e sexualidade, que não necessariamente envolve o
órgão sexual em si e que se constitui ao longo da infância, desde o nascimento até a puberdade e a
vida adulta. Como esse texto é denso e cheio de detalhes, separamos o primeiro ensaio ao longo dos
dois primeiros temas, o segundo ensaio nos temas 3 e 4 e o terceiro ensaio no Tema 5.
TEMA 1 – AS ABERRAÇÕES SEXUAIS EM FREUD
Segundo Freud (1905), há nos homens a existência do que ele chama de pulsão sexual, ao que
ele compara com a pulsão de nutrição que seria a fome. O equivalente dessa fome, na pulsão sexual,
Freud dá o nome de “libido” (que seria como uma energia que impulsiona o desejo). Segundo o autor,
a opinião popular da época acreditava que essa libido estaria ausente na infância, surgindo na
puberdade e direcionada ao ato sexual. No entanto, os estudos de Freud (1905) demonstraram a
existência de dois tipos de desvios dessa libido: referentes ao objeto sexual (de quem procede a
atração sexual) e ao alvo sexual (ato a que a libido conduz).
É importante destacar, aqui, que essa classificação de Freud não é mais utilizada pelos
profissionais da saúde. No último documento do DSM-5 (2013) e do CID-11 (2020), a nomenclatura
hoje utilizada para o que Freud chamou de perversões é “transtornos da preferência sexual” e
“transtornos parafílicos”, sendo que em ambos a homoafetividade deixou de ser considerada como
um transtorno, e a transexualidade (que não será tratada aqui) é considerada como um transtorno na
medida que gera sofrimento ao indivíduo, não sendo a mesma coisa que a não identificação com o
gênero de origem (ou seja, um homem que se percebe como mulher ou mulher que se percebe como
homem). Como o objetivo aqui é apresentar os textos de origem freudianos, manteremos as
terminologias apenas para facilitar na compreensão desse texto.
1.1 DESVIOS RELATIVOS AO OBJETO E AO ALVO SEXUAL
O desvio do objeto é quando o desejo não é pelo sexo oposto em idade madura, ou seja, de um
homem para uma mulher e vice-versa. Em seu primeiro exemplo, Freud (1905) aborda a
homoafetividade, a que ele chama naquele momento de “invertidos” (embora hoje vemos a
terminologia como inadequada para abordar o tema). Esse é um tema delicado na psicanálise, sobre
o qual iremos expor também no tópico “Na prática”. Freud (1905), naquela época, afirmava que a
comunidade homoafetiva podia tratar de sua condição sexual com naturalidade (ou seja, com a
mesma aceitação natural que um heterossexual tem de sua condição) ou com revolta (ou seja,
tratando de sua condição como se fosse uma patologia). Para o autor, a origem dessa condição
poderia surgir junto com o indivíduo, numa época remota de sua vida ou pouco antes da puberdade;
além disso, poderia persistir por toda a vida ou ocorrer apenas durante determinado tempo.
A princípio, a homossexualidade (termo que Freud usa nesse texto) foi considerada como
contendo dois elementos: o caráter inato e a “degeneração”, sendo esse último termo devendo ser
dissociado de sua forma pejorativa como um desvio grave da norma ou com baixa capacidade de
sobrevivência. Segundo o autor, entende-se como degenerado aqui apenas o desvio no caráter
sexual, uma vez que essa condição não tem qualquer relação com o desempenho laboral, intelectual
ou ético do indivíduo. Já o caráter inato pode ser somente para os que Freud chama como
“absolutos” (ou seja, aqueles que já nasceram com essa condição e que a escolha por outra pessoa
do mesmo sexo é a única opção possível), enquanto para o demais ele afirma a possibilidade de
aquisição durante a infância, como se a pessoa mantivesse a bissexualidade após a idade adulta.
No entanto, ele admite que possuía pouco material para considerar suas observações como
conclusivas.
Em um primeiro momento, Freud (1905) tentou usar do hermafroditismo como um protótipo
para explicar a existência da bissexualidade humana, mas foi infeliz nessa primeira tentativa. Depois,
avaliou os estudos que afirmavam que nos homoafetivos se teria um cérebro contrário ao corpo
presente (ou seja, um cérebro feminino em um corpo masculino ou um cérebro masculino em um
corpo feminino). No entanto, para Freud, seria como substituir o problema psíquico pelo problema
anatômico, o que segue sem resolver a questão. Por fim, o autor considerou a teoria de Kraft-Ebing
como a mais próxima de uma explicação razoável:
Segundo Kraft-Ebing (1895, 5], a disposição bissexual dota o indivíduo tanto de centros cerebrais
masculinos e femininos quanto de órgão sexuais somáticos. Esses centros começam a
desenvolver-se na época da puberdade, na maioria das vezes sob a influência das glândulas
sexuais, que independem deles na disposição [originária]. (Freud, 1905, p. 135)
Isso explicaria por que o comportamento e a organização psíquica de uma pessoa independem
de sua condição sexual: ou seja, uma mulher pode sofrer uma transformação psíquica que a torne
mais masculina, ou um homem pode se comportar exatamente como um homem heterossexual
normal.
Embora naquele momento se acreditasse que a homoafetividade fosse oposta ao normal, essa
explicação só poderia funcionar para uma parcela das pessoas, assim como o é para a
heterossexualidade (pois a pessoa vai contra seus desejos para buscar a aceitação social). Assim,
para Freud (1905), a melhor explicação seria a de que o objeto sexual não é o mesmo sexo, mas uma
conjugação dos caracteres de ambos os sexos eum reflexo especular da própria natureza bissexual.
O objetivo sexual dos invertidos é diverso, sendo menos relevante o órgão sexual em si, pois nos
homens heterossexuais também há o prazer intenso na relação sexual anal e masturbação, assim
como nas mulheres heterossexuais há também uma preferência com o contato bucal.
Por fim, e aqui devemos excluir que a homoafetividade seja um desvio, Freud (1905) inclui no
grupo dos desvios de objeto as pessoas que escolhem os animais e as crianças. Segundo o autor,
essas escolhas muitas vezes se dão com mais frequência em pessoas com mais oportunidades
para sucumbirem a esses comportamentos (como professores e camponeses), e a diferença entre
pessoas com esses comportamentos e as consideradas loucas é somente o grau de intensidade do
transtorno sexual. Embora Freud (1905) afirme nesse texto que os distúrbios sexuais nos loucos não
são diferentes dos distúrbios sexuais das pessoas consideradas sãs, é importante frisar que esses
dois últimos exemplos posteriormente foram enquadrados fora do grupo da normalidade, uma vez
que esse tipo de desvio sexual foge das regras e limites sociais, podendo ser comparado ao próprio
incesto.
1.2 DESVIOS RELATIVOS AO ALVO SEXUAL
Para Freud (1905), o objetivo ou alvo sexual normal é o sexo genital, que leva ao alívio da tensão
e a extinção temporária da pulsão (semelhante a quando comemos e saciamos nossa fome). A
sexualidade normal pode incluir o uso temporário de outras partes do corpo antes do início do coito
(conhecidas dentro das famosas “preliminares”: o beijo, as carícias etc.), e se distinguem dos
exemplos que serão dados a seguir quando elas se tornam o objetivo final que não o contato genital.
Existem dois tipos de perversões aqui, que na verdade podem ser consideradas como a mesma
coisa, pois terminam com o desvio do objetivo sexual em si: I) as transgressões ou o uso de outras
partes do corpo obter prazer, e; II) as demoras das preliminares. Melhor explicando:
I. As transgressões aqui são consideradas como um enfraquecimento do juízo, uma cegueira
lógica semelhante à obediência do paciente durante a hipnose (e que depois ele aprofunda em
seu texto “Psicologia das Massas”: a submissão que passa pela credulidade amorosa; a
substituição da figura de autoridade que deveria ter desembocado em um vínculo amoroso
com uma pessoa do outro sexo, mas que se transforma na obediência cega a uma figura
supervalorizada. Essa correlação se dá na medida que, em ambos os casos, ocorre a restrição
do objetivo sexual em si – a união de órgãos sexuais – para o desvio da libido para outros fins).
Alguns dos exemplos aqui são: o sexo oral, pois embora a pessoa não compartilhe da escova
de dentes do outro por asco, a libido rende o sentimento de asco em prol da obtenção de
prazer; o sexo anal, criando uma sensação [imaginária] semelhante em homens e mulheres –
ou seja, ambos os sexos se igualam nessa experiência; e o fetichismo, como a obtenção de
prazer por partes do corpo como pés e cabelos, ou mesmo o desejo por pessoas com defeitos
físicos específicos, peças de roupa ou objetos em particular, que por alguma razão do próprio
pervertido conservam uma relação com o objeto sexual. Ele se origina na primeira infância ou a
partir de uma conexão simbólica, e passa a ser um transtorno quando gera sofrimento ou dor
ao outro contra a sua vontade, além de colocar a saúde e a vida do indivíduo em risco.
II. Aqui, o excesso de preliminares criticadas por Freud inclui o tocar, o olhar (como no caso dos
voyeurs), o sadismo e o masoquismo (ter prazer em provocar dor no outro ou com o próprio
sofrimento ou dor). O sadomasoquismo será mais bem trabalhado em outros textos de Freud
(como “O problema econômico do masoquismo”, escrito em 1924), mas serve como um
modelo de esclarecimento da perversão. O masoquismo é oposto ao sadismo, mas sempre o
acompanha, pois na perversão, o objetivo sexual pode ocorrer nas formas ativa e passiva
conjuntamente no mesmo indivíduo, o que faz com que alguém que sente prazer em infligir dor
em seu objeto sexual também terá prazer em dores que virá a sofrer ele próprio durante suas
relações sexuais.
TEMA 2 – PERVERSÕES E PSICONEUROSES
A perversão é classificada como uma doença, um transtorno. Segundo Freud (1905), existem
perversões dos mais variados tipos, incluindo algumas muito distanciadas do normal (como
necrofilia e coprofagia), e que vão muito além de sentimentos como vergonha, repugnância, horror,
nojo ou dor. A perversão se caracteriza pela existência desses transtornos no âmbito sexual, mesmo
que em outros aspectos o indivíduo se apresente plenamente dentro da normalidade. A natureza
patológica da perversão está em sua relação com o normal, o que significa que ela se torna um
transtorno quando apresenta um grau mais elevado de fixação e exclusividade do comportamento.
Nas neuroses, a pulsão e o recalque são os principais responsáveis na formação dos sintomas:
na histeria, os sintomas são deslocamento de desejos, por associação; na neurose obsessiva e nas
fobias, os sintomas representam a autocensura por medo e nojo, e na paranoia ocorre a projeção
dos desejos recalcados sob a forma de alucinações. Nas cartas sobre as psiconeuroses de defesa, o
autor também comenta sobre a cronologia dessas psiconeuroses, ou seja, quando elas se
estabelecem. Se considerarmos que existe uma maturação do corpo humano em paralelo a essas
experiências, poderíamos estabelecer uma correspondência entre as experiências com o próprio
corpo e essas psiconeuroses. Com isso, Freud então cria o conceito de zonas erógenas.
As zonas erógenas se comportam como uma porção do aparelho sexual, e podem servir como
aparelhos subordinados aos órgãos genitais ou como substitutos deles quando há a formação
dessas psiconeuroses. Embora a maioria dos psiconeuróticos adoeça após a puberdade, o processo
de recalque se dá durante a infância e se estabelece com o retorno do recalcado, geralmente
associado com fatores externos tardios como limitação da liberdade, perigos em geral e
inacessibilidade do objeto sexual normal, os quais pervertem pessoas que, de outra forma, poderiam
ter sido normais. Assim, podemos dizer que a neurose é uma junção do genético com a experiência
prévia do indivíduo. Já as perversões podem se originar de características inatas ou surgir de
fetichismo, e se expressam desde cedo em crianças.
O conceito das zonas erógenas, embora já tenha surgido nas cartas a Fliess, é trabalhado pela
primeira vez aqui. De modo geral, significa qualquer parte do corpo suscetível de se tornar uma fonte
de excitação sexual: a boca, o ânus, o pênis ou a vagina, ou qualquer outra parte, já que na
psicanálise todo o corpo, pele e membros pode se tornar uma fonte potencial de prazer. Iremos
tratar em detalhes sobre as fases na sequência.
TEMA 3 – A SEXUALIDADE INFANTIL
A opinião popular julga erroneamente que a pulsão sexual está ausente nas crianças e só se
desenvolve na puberdade, e que muitas das doenças dos adultos surgem em consequência de
hereditariedade; ou que a presença de pulsões sexuais em crianças ocorre como casos excepcionais
de depravação precoce. Segundo Freud, nós nos esquecemos de grande parte do que nos acontece
na infância, restando apenas fragmentos (a amnésia infantil). Durante essa época, reagimos de
maneira vívida (com amor, raiva e tristeza) ao que nos acontece, e constituem o princípio da nossa
vida sexual. O esquecimento dessas experiências infantis ocorre como um processo semelhante ao
da amnésia neurótica em relação a eventos emocionalmente relevantes: mais do que isso, a
amnésia neurótica existe porque traços de memória, interligados entre si, foram recalcados,
misturando memórias recentes com memórias precoces. Assim, a amnésia neurótica não existe sem
a amnésia infantil.
As pulsões sexuais começam desde o nascimento e se desenvolvem durante a infância. Nesse
período, a formação de traumas associados à amnésia infantil faz com que asexperiências sejam
recalcadas, podendo ser futuramente uma fonte de sintomas dependendo das características
individuais. A educação está diretamente relacionada com a formação do recalque, pois é a principal
fonte para a criança aprender sobre as regras sociais e como deve se estabelecer sua sexualidade
nesse contexto. Como vimos antes, todo material recalcado necessita ser extravasado, podendo ser
por meio dos sonhos, dos sintomas, das fantasias e da sublimação, além do próprio sexo. A
sublimação é uma forma socialmente aceita e que se expressa na forma de talentos individuais para
os esportes, para as artes ou para a literatura, por exemplo.
3.1 AS MANIFESTAÇÕES INFANTIS DA SEXUALIDADE
Uma das primeiras manifestações da sexualidade infantil é o que Freud (1905) chama de
chuchar com deleite, que é o comportamento do infante de fazer o movimento de mamar sem estar
realmente se alimentando do leite materno. Outro comportamento é o chupar o dedo ou a chupeta,
às vezes acompanhado de segurar a própria orelha ou a orelha de outra pessoa. Esse
comportamento aparece na primeira infância e espera-se que se encerre na maturidade. Esse
chuchar (seja o peito, o dedo ou a chupeta) tem o objetivo de acalmar o bebê, de levá-lo ao sono ou a
uma reação semelhante ao orgasmo. O autor considera que as crianças que buscam o sugar como
uma forma de prazer autoerótico tendem a, quando adultos, dar uma importância erógena para os
lábios. Assim, o objetivo da pulsão sexual infantil é obter prazer, tranquilidade e satisfação por meio
de uma parte do corpo que for escolhida (erógena) para estimular essa sensação.
Assim como a zona labial (ou oral), a zona anal também pode atuar como uma via sexual. Um
exemplo disso são as crianças que seguram as fezes até que seu acúmulo provoque intensas
contrações musculares que provocam dor e prazer, como se fosse um comportamento
masturbatório do ânus. Sobre a masturbação, na psicanálise distinguem-se três fases de
masturbação infantil: uma pertencente à primeira infância, outra por volta dos quatro anos e uma
terceira na puberdade. A excitação sexual relativa da primeira infância, assim como as demais,
busca satisfação pela masturbação ou pela polução noturna, mas cada uma delas deve ter uma
separação marcada no desenvolvimento infantil.
A continuidade desse comportamento masturbatório ao longo da infância pode representar um
desvio de conduta e posteriormente se transformar em um transtorno. As crianças podem ter todo
tipo de irregularidades sexuais, já que barreiras como a vergonha, a repugnância e a moral ainda não
foram formados. Nesse sentido, são chamadas, portanto, de perverso-polimorfas. Laplanche e
Pontalis (2001, p. 342) esclarecem que a perversão faz parte do comportamento infantil e é
esperado como parte de sua interação com o ambiente. E, na medida que essa perversão está ligada
às pulsões parciais pertencentes às zonas erógenas durante o desenvolvimento infantil, se
apresenta, portanto, como uma disposição perverso-polimorfa.
As crianças, durante seus primeiros anos, têm muito prazer em expor seus corpos, com ênfase
nas suas partes genitais. Quando adquirem a capacidade de sentir vergonha, essas crianças passam
a exibir curiosidade pelas genitais de outras pessoas e pelas diferenças anatômicas entre os sexos.
Além disso, outra característica das crianças é a crueldade, pois o sentimento de piedade se
desenvolve somente mais tarde. Esse impulso de crueldade surge do desejo de domínio (sadismo
infantil), o que leva algumas crianças a um desejo de bater em animais e coleguinhas, e pode levar
ao prazer de apanhar nas nádegas, relacionado à passividade (masoquismo).
Entre três e cinco anos a criança chega no primeiro ápice sexual. Nesse momento, surge a
necessidade de fazer perguntas, e essa necessidade pode ser despertada por diversos motivos,
como a chegada de um novo bebê. Nesse sentido, a primeira dúvida costuma ser de onde vêm os
bebês (para as pessoas que têm filhos adotados, por exemplo, não é incomum a criança perguntar
sobre seu processo e como ela poderia ter se tornado filha daqueles pais sem ter sido gerada no
ventre da mãe). Ao perguntar sobre a origem dos bebês, a criança começa a compreender a própria
constituição sexual, a diferença anatômica dos sexos e o papel fertilizante do esperma. Segundo
Freud (1905), essa curiosidade pode ser comparada ao enigma da Esfinge (chamado de Complexo de
Édipo quando Freud for apresentar o caso do Pequeno Hans). Ao descobrir as diferenças sexuais
entre homens e mulheres, surge o complexo de castração (nas meninas se refere à frustração de não
ter pênis, e nos meninos se refere ao medo de perder seu pênis) e a inveja do pênis.
TEMA 4 – FASES E FONTES DO DESENVOLVIMENTO SEXUAL
Existem quatro fases de desenvolvimento sexual humano: a fase oral (que envolve o desejo de
incorporar o objeto), sádico-anal (que inicia a relação ativa e passiva), fálica e genital. Entre as fases
fálica e genital há o período de latência, pois na fase fálica há a organização genital infantil sob o
primado das pulsões parciais (e, nesse sentido, o falo é o único órgão genital), e na fase genital
constitui-se a genitalidade propriamente dita para os sexos. A escolha de um objeto é difásica, uma
entre as idades de dois a cinco anos (infantil) e outra no início da puberdade e que determinará o
resultado da vida sexual. Essas determinadas partes do corpo são escolhidas como zonas erógenas
principais por causa de sua relevância e determinadas idades: assim, a boca é o ponto de contato
afetivo e de nutrição com o corpo da mãe desde o nascimento; o ânus representa a fase quando a
criança precisa aprender a controlar seus esfíncteres e, com isso, controlar seu próprio corpo
(normalmente, após os dois anos), e a fase genital ocorre na puberdade e no término do
amadurecimento sexual, na adolescência. Nesse sentido, Freud amplia e traz a existência de dois
tipos de pulsões: sexuais e de autoconservação, como o amor e a fome. Dentro das pulsões sexuais,
estão inseridas as pulsões parciais, as quais estão ligadas a cada órgão de acordo com a idade, e
que se juntam para se tornarem pulsões totais somente na vida adulta. Posteriormente, em “Pulsões
e seus destinos”, Freud irá mudar essa divisão das pulsões para pulsões de vida e de morte, mas
isso é tema para uma outra aula.
A excitação sexual pode ter diversas origens: na repetição de um prazer já experimentado; pela
estimulação das zonas erógenas; como expressão de algumas pulsões como a crueldade. Essa
excitação pode ser adquirida pela agitação do corpo e na estimulação sensorial desse corpo (olhos,
ouvidos, pele e músculos), por isso as crianças também têm muita satisfação e necessidade em
praticar exercícios físicos. A tarefa intelectual também pode provocar prazer, pois toda atividade
praticada ou experimentada com intensidade pode gerar prazer e estimular a sexualidade. Mas é
importante frisar que a estimulação só ocorre dependendo da qualidade dos estímulos, do quanto a
criança está satisfeita em praticá-los (ou seja, não adianta forçar a criança a uma atividade que não
a faz feliz porque isso não a irá estimular adequadamente).
TEMA 5 – AS TRANSFORMAÇÕES DA PUBERDADE
Até antes da adolescência, as pulsões sexuais são autoeróticas. Com a chegada da puberdade,
um novo objetivo sexual aparece, pois um dos principais processos da puberdade é o
desenvolvimento dos genitais externos. Na adolescência, a pessoa passa a ter a capacidade de se
estimular sexualmente de três formas: externamente (p. ex., pela masturbação), internamente (p. ex.,
uso de substâncias) e mentalmente (p. ex., vídeos, filmes e sonhos). Essa excitação independe da
capacidade fértil do indivíduo e está diretamente relacionada com a libido (que já mencionamos
antes), que é a responsável pela geração de prazer e desprazer: prazer pela eliminação da tensão, e
desprazer porque cria mais desejo de prazer (semelhante ao uso de drogas: quanto mais usamos,
maisqueremos experimentar). A libido pode ser considerada como uma força quantitativamente
variável, com caráter qualitativo. Aqui, Freud (1905) estabelece que na infância há uma libido do ego,
ou libido narcísica (na medida que há um autoinvestimento) e depois surge uma libido do objeto.
Portanto, temos aqui dois tipos de libido (vale informar que, quando Freud escrever seu texto “Além
do princípio do prazer”, ele passará a trazer o conceito de libido como Eros, ligado às pulsões de
vida, em oposição às pulsões de morte).
5.1 A DIFERENCIAÇÃO ENTRE HOMENS E MULHERES
As disposições sexuais de meninos e meninas são percebidas na infância. E, embora seja
possível identificarmos diferenças entre eles, a atividade autoerótica é idêntica em ambos
(lembrando que, aqui, não estamos discutindo a concepção moderna de gênero, mas como se dá o
comportamento infantil com os órgãos sexuais, pênis e vagina/ clitóris). Com a puberdade, o
objetivo sexual deixa de ser autoerótico e focado na mãe e passa a ser em um outro diferente da
mãe.
As relações afetivas que permeiam a vida das crianças é que irão formar um modelo de suas
relações afetivas futuras – por meio do modelo que a criança concebe com a pessoa que cuida dela,
acaricia-a, beija-a, essa criança buscará no futuro um objeto sexual substituto dessa relação.
Quando a criança experimenta relações não saudáveis, como excesso de mimos ou privação de
afeto, isso pode desencadear futuramente comportamentos como ansiedade e carência afetiva
intensa, ou ser despertada sexualmente mais cedo. É claro que seria muito mais fácil para a criança
manter o direcionamento de seus impulsos sexuais para as pessoas que cuidaram dela; porém, a
barreira do incesto impede esse tipo de relação. O período de latência até a puberdade auxilia a
criança a impedir o desenvolvimento desse tipo de relação incestuosa e ajuda a criança a criar
moldes para o relacionamento com outras pessoas. Durante a escolha do objeto, que ocorre em
paralelo ao amadurecimento sexual, há também o desejo de independência em relação aos pais
(mas isso não ocorre em todos os jovens). Nos psiconeuróticos, o desligamento dos pais e o
impedimento incestuoso causam repúdio à sexualidade, e a escolha do objeto se mantém no
inconsciente, procurando sempre uma relação assexual e se mantendo apegado às suas antigas
relações infantis. As pessoas normais também sofrem influência do incesto, porém contornam essa
frustração ao buscarem uma pessoa madura com características de seu pai, mãe ou cuidador.
Durante a escolha do objeto, na adolescência, irá contar a atração sexual pela constituição
anatômica e psicológica antagônica, a repressão da sociedade, o desenvolvimento de uma relação
hostil com pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto, além de experiências infantis como divórcio,
morte etc. Ou seja, tudo que acontece na infância pode influenciar os relacionamentos futuros da
criança, muito embora eles não sejam determinantes (nem todo mundo que vivencia um luto ou um
trauma terá as mesmas escolhas objetais).
NA PRÁTICA
A proposta prática desse tema é vasta, mas aqui gostaríamos de trabalhar sobre o tema da
homoafetividade. Mais especificamente, a forma como as instituições psicanalíticas lidaram com
esse tema controverso durante o século XX. No texto “A psicanálise ‘no armário’, a autora comenta
que na década de 1920 era sabido que as sociedades de psicanálise recusavam candidatos às
escolas que fossem assumidamente gays ou que revelassem essa informação durante o processo
seletivo. Isso porque a homossexualidade era considerada uma doença, constando inclusive no DSM
(Manual Diagnóstico dos Transtornos Mentais) até 1973. E a autora continua, em referência à IPA
(Associação Psicanalítica Internacional):
Em circular enviada a todos os membros do secreto comitê, Ernest Jones relatava ter aconselhado
contra a admissão, pela Sociedade Holandesa de Psicanálise, de um membro que “se sabia
manifestamente homossexual”. Otto Rank e Freud discordavam da posição do colega, pois, para
eles, a homossexualidade não era razão suficiente para a rejeição. Por outro lado, porém, a
contratação não poderia tornar-se uma lei, “considerando os vários tipos de homossexualidade e
os diferentes mecanismos que a causam”. Já para os berlinenses Karl Abraham, Hanns Sachs e
Max Eitingon, esses indivíduos só deveriam ser admitidos se tivessem “outras qualidades a seu
favor”. (Oliveira, 2016, p. 39)
Com isso, conclui-se que o principal problema é o risco de apropriação e simplificação da teoria
psicanalítica (podendo ampliar essa simplificação para outros discursos que fazem parte do saber
histórico da humanidade) para discurso com viés preconceituoso, intolerante e parcial. Já
discutimos no caso Dora como ela sofria por se sentir reprimida intelectualmente, pela frustração de
sua condição como mulher na sociedade e, portanto, com o casamento como sua única opção. Da
mesma forma, Freud (1905) também comenta em seu texto sobre o risco de desenvolvimento de
psicopatologias em filhos de pais separados, algo que na época era considerado um desvio familiar.
Ayouch e Bulamah (2013) trouxeram uma série de exemplos ao longo da história da IPA, dentre
outras instituições ao redor do mundo, nas quais somente em 1992 foi possível que essa exclusão
caísse e as instituições finalmente aceitassem a presença de homossexuais. Assim podemos
concluir que modelos teóricos são protótipos que precisam ser constantemente revistos e
adaptados, ou como psicanalistas incorreremos no risco de nos colocarmos fora de contexto, fora
daquilo que é relevante, pertinente e adequado para a sociedade atual e para nossos clientes,
criando assim um falso problema, ou seja, uma questão que não pertence de fato à psicanálise e
que não deveria ser considerada um problema em si. Não é a homoafetividade que traz uma falha de
caráter ou social, ou mesmo fazendo parte de um erro genético; são as escolhas que fazemos, que
provocam dor e constrangimento no outro, que precisam ser vistas como um problema real, tanto do
ponto de vista da psicanálise quanto da sociedade como um todo.
FINALIZANDO
Nosso objetivo foi trazer de maneira detalhada o estudo de Freud “Três Ensaios sobre a Teoria
da Sexualidade”, emblemático para compreendermos o desenvolvimento psicossexual infantil e a
formação sexual de homens e mulheres. Embora alguns tópicos pretendam ser tratados somente
em outras aulas, como o Complexo de Édipo e o sadismo-masoquismo, alguns desses tópicos foram
mencionados aqui para que os alunos compreendam sua conexão com o tema desenvolvido na aula
de hoje uma vez que, ao longo da construção da teoria psicanalítica, Freud foi, aos poucos,
revisitando e aprofundando sobre cada um desses conceitos, até que fosse possível ter uma
proposta mais coerente sobre a estrutura do aparelho psíquico, a dinâmica das estruturas psíquicas
e dos principais transtornos, e sobre a prática clínica. Os conceitos mais importantes apresentados
aqui foram o conceito de libido, os tipos de desvios dessa libido (ao objeto e ao alvo), a natureza
bissexual da criança e sua disposição perverso-polimorfa, as fases do desenvolvimento (oral, anal,
fálica e genital), o período de latência, zonas erógenas/ pulsões parciais, as perversões e as
psiconeuroses no desenvolvimento infantil, a amnésia infantil como protótipo da amnésia neurótica,
a diferença entre pulsões sexuais e pulsões de autoconservação, o complexo de castração/ inveja
do pênis, o complexo de Édipo e a curiosidade infantil, a libido narcísica (ou do ego) versus libido do
objeto e a função da masturbação na infância, e a necessidade de contextualizar a teoria
psicanalítica na sociedade, enquadrando e ponderando temas dentro do período histórico em que
foram analisadas.
Esperamos que tenha aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco
mais das origens da psicanálise, e o convidamos a continuar acompanhando as aulas para saber
mais sobre esse campo dosaber tão envolvente como é a psicanálise.
REFERÊNCIAS
APA. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders
DSM-5. Washington: APA, 2013.
AYOUCH, T.; BULAMAH, L. C. A homossexualidade dos analistas: história, política e
metapsicologia. Revista Percurso, n. 51, dezembro 2013, p. 115-126.
FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud
(1886-1899) – livro VII. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
v. 1, v. 2 e v. 3.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001. 552 p.
OLIVEIRA, A. A psicanálise “no armário”. Revista Psico. USP, n. 2/3, jul. 2016. p. 38-42.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998. 874 p.
WHO. World Health Organization. ICD-11, 2022.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991.
MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980. 350 p.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
AULA 2
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Raquel Berg
CONVERSA INICIAL
Bem-vindos(as)!
Na aula de hoje, o primeiro texto trará um fechamento sobre o tema dos “Três Ensaios”,
apresentado em conteúdo anterior, e falaremos sobre a importância das fantasias na formação da
sexualidade infantil. Embora os “Três Ensaios” já tenha começado a ser idealizado nas cartas a
Fliess, após sua publicação em 1905, Freud continuou a revisá-lo, tendo concluído a última versão
em 1925, pouco antes de sua morte. Em função das constantes revisões, os “Três Ensaios” se
tornou um texto denso e em alguns pontos confuso, pois muitas informações foram inseridas sem
considerar a cronologia da própria obra psicanalítica, como pudemos observar quando Freud insere
sua teoria sobre o masoquismo e sobre o narcisismo infantil, tópicos que só serão tratados mais
tarde. Depois, falaremos sobre Esclarecimento Sexual das Crianças e sobre as Teorias Sexuais das
Crianças.
TEMA 1 – MINHAS TESES SOBRE O PAPEL DA SEXUALIDADE NA
ETIOLOGIA DAS NEUROSES
Nesse texto, Freud (1905) traz a importância do conhecimento sobre o fator sexual na etiologia
das neuroses. Originalmente, a hipótese freudiana sobre a importância do fator sexual surgiu no
estudo sobre as neurastenias. Antes de continuarmos, vamos fazer um breve esclarecimento sobre a
neurastenia e a diferenciação das neuroses. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001, p. 295), a
neurastenia “compreende um quadro clínico centrado numa fadiga física de origem ‘nervosa’ e
sintomas dos mais diversos registros (...) cefaleias, dispepsia, prisão de ventre, parestesias
espinhais, empobrecimento sexual”. Segundo os autores, a neurastenia se enquadra no grupo das
neuroses atuais que, como o próprio nome diz, são neuroses cuja origem está no presente e não na
infância; elas são a expressão simbólica de insatisfações sexuais e, além da neurastenia, possuem a
neurose de angústia (baseada em sintomas como espera ansiosa crônica, acessos de angústia ou
equivalentes somáticos) e a hipocondria. As neuroses atuais se diferenciam das psiconeuroses,
sendo as últimas de origem infantil (neurose histérica, neurose obsessiva, fobias e paranoia).
Quando tratamos das neuroses atuais, aqui a neurastenia e a neurose de angústia, observou-se
como a questão sexual tinha uma grande importância e influência na origem dos sintomas. Como já
comentamos anteriormente, em uma sociedade como Viena do início do século XX, repressora e
machista, não era difícil compreender por que os transtornos se davam com mais frequência na
esfera sexual e em mulheres. Nesses transtornos atuais, a causa dos sintomas estava
frequentemente associada à masturbação frequente, polução noturna e ao coito interrompido. Já
nas psiconeuroses, em seus estudos com as histéricas, Freud (1905, p. 259) percebeu que os
sintomas “eram efeitos persistentes de traumas psíquicos, e de que, por circunstâncias especiais, as
somas de afeto a eles correspondentes tinham sido desviadas da elaboração consciente, com isso
facilitando para si um caminho anormal para a inervação somática”. Ou seja, ainda que houvesse
fatores sexuais envolvidos na formação do sintoma, o trauma desencadeante nem sempre tinha um
conteúdo sexual em si, e por meio do método catártico, era possível identificar como experiências
banais poderiam ter se conectado de alguma forma com a vida sexual do paciente e, com isso,
desencadeado a doença.
No entanto, ao longo dos estudos, Freud (1905, p. 260) percebeu que nem sempre as
lembranças suscitadas eram reais:
Desde então, aprendi a decifrar muitas fantasias de sedução como tentativas de rechaçar
lembranças da atividade sexual do próprio indivíduo (masturbação infantil). Esclarecido esse
ponto, caiu por terra a insistência do elemento “traumático” presente nas vivências sexuais infantis,
restando o entendimento de que a atividade sexual infantil (seja ela espontânea ou provocada)
prescreve o rumo a ser tomado pela vida sexual posterior à maturidade.
Essa mudança no entendimento de Freud significa que, se antes ele acreditava que a formação
das neuroses se dava por experiências traumáticas vividas na infância, agora ele passa a considerar
o desenvolvimento sexual infantil como o efetivo formador das neuroses. Além disso, ele traz o
conceito das fantasias (ficções mnêmicas) como construções feitas a partir de lembranças infantis
e que se transformam, na puberdade, em sintomas. Ou seja, os traumas sexuais infantis são
substituídos pelo “infantilismo da sexualidade” (Freud, 1905, p. 261). Segundo Laplanche e Pontalis
(2001), as fantasias representam roteiros imaginários, deformações de lembranças recalcadas por
processos defensivos. Na histeria e na neurose obsessiva, eles retornam na forma de sintomas no
corpo ou em comportamentos compulsivos, e na paranoia eles são projetados para fora como
delírios. Assim, Freud retoma sua concepção de que, para uma lembrança se tornar patogênica, ela
deveria parecer intolerável ao ego. E uma vez que a defesa seja bem-sucedida, as lembranças
intoleráveis são expulsas da consciência. Porém, uma vez que a lembrança inconsciente redobra
seus esforços e se modifica, ela consegue voltar sob a forma de sintomas.
Ao avaliar pessoas saudáveis, Freud (1905) percebeu que a experiência de sedução infantil não
diferia das pessoas doentes. O que era diferente era a reação dessas pessoas a essas experiências.
Assim, uma pessoa normal ou saudável, durante seu desenvolvimento sexual infantil, foi capaz de
ter uma certa dose de recalcamento sexual que se exteriorizou diante das experiências obtidas no
mundo real. Já os doentes não souberam lidar com essas experiências, sua consciência não teve a
habilidade adequada para lidar e recalcar as experiências aflitivas, mostrando aqui a importância da
terapia infantil e a relevância disso mesmo quando a criança parece lidar bem com desafios,
traumas e rupturas (como luto, bullying, violência doméstica, acidente etc.).
Em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud (1905) trouxe que a sexualidade infantil
é variada e, por isso, chamada de perverso-polimorfa. A constituição saudável se dá a partir do
recalcamento de certas lembranças, certas pulsões parciais, bem como à subordinação dessas
pulsões parciais às zonas genitais. Quando há o desenvolvimento excessivo e compulsivo das
pulsões parciais, ocorre a perversão, e o excesso de recalcamento acarreta na neurose (pois a
perversão é o negativo da neurose). Assim, podemos concluir que “os sintomas representam a
atividade sexual do doente” (Freud, 1905, p. 264), pois a formação das doenças se dá quando
ocorrem perturbações nos processos sexuais, ou seja, quando há desvios na formação e no
direcionamento da libido. Nesse sentido, Freud (1905) associaas psiconeuroses à dependência
química, na medida em que a pessoa fica vulnerável à intoxicação e síndrome de abstinência.
TEMA 2 – ESCLARECIMENTO SEXUAL DAS CRIANÇAS
Esse texto foi escrito em 1907 como uma carta, na qual Freud pretendia elucidar se as crianças
deveriam ser esclarecidas sobre os fatores que envolvem a vida sexual, qual a melhor idade para
essa comunicação e como fazer isso. Como o próprio Freud (1907, p. 123) afirmou, fugir da questão
da sexualidade humana é estranho e incoerente, já que é a dúvida é comum e perfeitamente razoável
a partir de determinada idade:
Que propósito se visa atingir negando às crianças, ou aos jovens, esclarecimento desse tipo sobre
a vida sexual dos seres humanos? Será por medo de despertar prematuramente seu interesse por
tais assuntos, antes que o mesmo [sic] irrompa de forma espontânea? Será na esperança de que o
ocultamento possa retardar o aparecimento do instinto sexual por completo, até que este possa
encontrar seu caminho pelos únicos canais que lhe são abertos em nossa sociedade de classe
média? Será que acreditamos que as crianças não se interessarão pelos fatos e mistérios da vida
sexual, e não os compreenderão, se não forem impelidos a tal por influências externas? Será
possível que o conhecimento que lhes é negado não as alcançará por outros meios? Ou será que
se pretende genuína e seriamente que mais tarde elas venham a considerar degradante e
desprezível tudo que se relacione com o sexo, já que seus pais e professores quiseram mantê-las
afastadas dessas questões o maior tempo possível?
Para aqueles que têm filhos ou que convivem com crianças, já sabemos que esconder esse tipo
de informação é infrutífero. Nos tempos de Freud, as crianças podiam obter as informações sobre o
que diz respeito à vida sexual dos adultos com irmãos ou crianças mais velhas, nas bancas de
revista, nos livros e nas ruas, além da própria observação dos adultos sexualmente ativos. Hoje, além
dos exemplos dos tempos de Freud, esse acesso se dá também na televisão, na internet,
praticamente em qualquer lugar. E o próprio Freud (1907) comenta que omitir essa parte da vida das
pessoas não irá manter a pureza e a imaginação das crianças, pelo contrário, irá deixá-las ainda
mais curiosas. E de fato a orientação que damos a todos os pais em consultório é que precisam
tratar do tema com naturalidade, pois é com essa naturalidade que a criança irá entender a
dimensão que esse tema realmente precisa ter em sua vida. Para o autor, a sexualidade acompanha
o indivíduo desde seu nascimento. As crianças percebem que o pênis endurece e entendem como
cócegas, elas se satisfazem manipulando seus genitais, segurando as fezes ou chupando os dedos
– ou seja, estimulando as zonas erógenas, canalizando e satisfazendo suas pulsões parciais. Criar
mentiras de que não é nada cria insegurança e fantasias nocivas sobre o sexual, pois a criança tem
necessidade de entender o próprio corpo e as relações humanas em todos os espectros. Segundo o
autor, “a puberdade apenas concede aos genitais a primazia entre todas as outras zonas e fontes
produtoras de prazer, assim forçando o erotismo a colocar-se a serviço da função reprodutora”
(Freud, 1907, p. 125).
A curiosidade das crianças sobre o sexual começa desde muito cedo. Aqui, ao trazer o caso do
“Pequeno Hans” (que falaremos em conteúdo posterior), Freud comenta que o menino nunca havia
sido exposto à sedução de uma babá ou de uma irmã mais velha, mas desde cedo demonstrava
interesse pelo “pipi”. Perguntava à sua mãe se ela também tinha um “pipi” como o seu, e perguntava
várias vezes para se certificar da resposta. Depois, começou a fazer associações com as partes do
corpo dos animais, como as tetas da vaca como se fossem “pipis”. Após muito refletir sobre o
assunto, ele trouxe a primeira conclusão de que as vacas e os cavalos também tinham “pipis”, mas
as mesas e cadeiras não o tinham. Ao ver sua irmã tomando banho, ele pensou que ela também
poderia ter pipi, mas que ainda era muito pequeno e precisava crescer mais. Segundo o autor, esse
questionamento é comum entre as crianças, e isso não as torna com problemas patológicos ou com
uma sensualidade exacerbada, mas apenas crianças normais com curiosidades normais.
O autor também traz que as mentiras sobre esse assunto podem abalar a confiança das
crianças nos adultos, e faz com que queiram esconder seus desejos e temores mais íntimos, pois
não sentem que podem confiar nas pessoas que estão ao seu redor. Em uma carta que Freud (1907)
compartilhou em sua carta, ele trouxe o exemplo de uma menina órfã que pedia para a tia lhe dizer
de onde vinham os bebês, já que a explicação da cegonha não lhe parecia convincente. Segundo o
autor, a tentativa de enganar a curiosidade de uma criança, usar da religião ou de outros artifícios só
irá contar para a formação de neuroses ou tornar a criança um futuro adolescente revoltado.
Outro exemplo que o autor trouxe em seu texto foi o raciocínio de uma criança que não
acreditava que as cegonhas traziam os bebês porque o ser humano é um animal e a cegonha não
carrega os filhotes dos demais animais (embora alguns desenhos infantis ilustrem as cegonhas
como realmente entregando todos os filhotes de animais). Por fim, Freud (1907) aconselha em seu
livro que as escolas introduzam o tema em suas grades, em vez de tratarem do tema como um
assunto proibido, pecaminoso.
TEMA 3 – TEORIAS SEXUAIS DAS CRIANÇAS
E, dando continuidade ao texto anterior, algumas das teorias sexuais das crianças estudadas
por Freud (1908) trouxeram hipóteses interessantes sobre a origem dos bebês. Algumas das fontes
dos estudos aqui apresentados são da observação direta das crianças, do que fazem e o que dizem,
dos relatos dos pacientes neuróticos quando se recordam de suas experiências infantis, e dos
sonhos apresentados nessas consultas, que também apresentam um vasto conteúdo sobre essas
teorias. Entende-se que não necessariamente as lembranças e sonhos irão representar com
fidedignidade as experiências passadas, mas o formato como essas recordações surgem
esclarecem muito sobre como se procedeu as pressões educacionais, as exigências culturais e
familiares e, com isso, o processo de recalque. Segundo o autor, ademais, todas as pessoas passam
por essa experiência porque não é possível impedir ou prevenir uma criança de passar pelo interesse
na sexualidade. No caso das pessoas saudáveis, essa passagem se dá de forma mais ou menos
tranquila, e nos neuróticos e psicóticos, essa experiência se dá de forma distorcida, degenerada, “à
custa de dispendiosas formações substitutivas, isto é, do ponto de vista prático trata-se de um
fracasso” (Freud, 1908, p. 192).
A curiosidade das crianças pelo aspecto sexual não surge de modo espontâneo, mas a partir de
alguma surpresa – o nascimento de outra criança, por exemplo – que a faz temer pelo amor de seus
pais e das outras pessoas.
Essa rivalidade faz com que a criança queira saber como a nova criança chegou para poder
desejar que ela seja devolvida caso ameace as relações de afeto (ou seja, a chegada de um novo
irmão pode fazer a criança mais velha querer saber de onde vêm os bebês para poder devolver o
irmão que está competindo pela atenção dos pais). Quando essa rivalidade é atenuada pelo carinho
dos pais ou pela relação nova que se estabelece entre os irmãos, a pergunta continua como tentativa
de compreender sua própria origem. E, na medida em que as respostas a essa pergunta sobre de
onde vêm os bebês é evasiva ou permeada de mitos e fantasias, a criança não se dá por convencida
e segue na empreitada de descoberta desse segredo e, consequentemente, da própria sexualidade.
Conta Freud (1908) que uma criança ouviu de sua babá que os bebês eram retirados da água e
levados por cegonhas; imediatamente, a criança foi até o lago mais próximo de sua casa e olhou
dentro da água para tentar ver se conseguia achar crianças no fundo.
Ao referenciar o caso do Pequeno Hans, Freud(1908) trouxe que Hans, ao ver sua mãe grávida,
percebeu que a história da cegonha não era condizente com o fato do bebê estar dentro da barriga
de sua mãe. De fato, as crianças continuam a observar o comportamento dos adultos a respeito do
tema para checar a veracidade das informações. A primeira teoria infantil é de que todas as pessoas,
inclusive as mulheres, possuem um pênis. No Pequeno Hans, o menino acreditava que o pênis de
sua irmã recém-nascida era muito pequeno, por isso não era possível vê-lo ainda. Assim, o principal
temor dos meninos seria então o complexo de castração, o medo de perder o pênis. As meninas,
embora tenham o clitóris no lugar do pênis, esse representa um pênis propriamente dito em todos os
quesitos exceto a forma, podendo ser estimulado desde cedo pela menina, e na puberdade essa
sexualidade precisa ser parcialmente reprimida para que as características masculinas do impulso
sexual cedam para que surja a figura da mulher.
A segunda teoria sexual diz respeito a como os bebês saem da barriga de suas mães. Em um
primeiro momento, a conclusão lógica das crianças é a saída pelo ânus, como um excremento,
conectando o erotismo anal à atitude feminina. A terceira teoria sexual envolve a visão da criança de
seus pais em uma relação sexual, que lhe leva a uma concepção sádica do coito. Junto a isso tem-
se as hipóteses sobre o casamento e como se dá a suposta perda de pudor entre o casal – pessoas
urinando uma na frente da outra, mostrando seus traseiros, misturando sangue – e o desafio de
acreditar que os próprios pais sejam praticantes dos mesmos métodos que os pais de outras
crianças (a famosa dificuldade da criança e do adulto aceitarem que suas mães precisaram fazer
sexo para que elas fossem concebidas). Essas hipóteses são demonstradas em brincadeiras e jogos
infantis, ou em sintomas tardios de fobias ou sintomas correlatos.
TEMA 4 – ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL
Muito embora esse texto tenha sido escrito somente em 1923, ele constitui um acréscimo aos 3
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1905. Em uma breve recapitulação, Freud (1923) comenta
que nos “Três Ensaios” ele trouxe a perspectiva bifásica da sexualidade infantil (ou bissexual), as
teorias sexuais das crianças e o desfecho da sexualidade após a vivência das zonas erógenas e das
pulsões parciais, por volta dos 5 anos. Daí em diante, até a puberdade, a criança entra no período de
latência até chegar à fase genital. Além disso, é na infância que se dá a escolha de objeto, escolha
essa que se concretiza quando a criança entra na fase genital.
Nos meninos, suas teorias sexuais são baseadas no seu próprio pênis, e é pela comparação
com o pai, com a mãe, com animais e objetos inanimados que esse menino começa a construir suas
hipóteses sexuais. A exibição do corpo nu e a agressividade infantil também são formas de testar a
curiosidade sexual, e é a percepção das mulheres e da sua falta de pênis que a criança inicia seus
primeiros temores – o complexo de castração. Porém, “o significado do complexo de castração só
pode ser corretamente apreciado se sua origem na fase da primazia fálica também for levada em
consideração” (Freud, 1923, p. 159-60). Em consequência do complexo de castração derivam a
depreciação das mulheres e a disposição patológica ao homossexualismo. Para a criança, a
castração ou perda do pênis representa uma mutilação, uma punição, sobre a qual muitas pessoas
inclusive usam para fazer as crianças obedecerem (não é incomum ouvir adultos dizendo a crianças
desobedientes que eles tirarão o “pipi” delas se não passarem a obedecê-los). Com esse raciocínio,
conclui-se que as mulheres foram punidas com a perda do pênis por terem descumprido alguma
regra.
Depois, quando a criança se dá conta de que as mães são capazes de gerar bebês, aceita-se a
falta do pênis e começa a hipótese de que o bebê, de alguma forma, substitui esse pênis perdido.
Ainda na fase anal, anterior à fálica, a criança não diferencia o masculino do feminino, mas entre o
ativo e o passivo, entre ter um pênis ou ser castrado; na fálica, o feminino volta a ter algum respeito e
o útero passa a representar o valor do feminino. Por isso, em terapia, quando uma mulher que não
pode ter filhos diz se sentir castrada, desprovida de ser mulher na completude, podemos
compreender essas afirmações como uma nova elaboração da perda do pênis e o encontro de um
substituto tardio.
TEMA 5 – ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS NA DISTINÇÃO DOS SEXOS
Esse texto é uma continuação dos textos anteriores, agora com a discussão sobre o
desenvolvimento sexual nas mulheres. Tanto nos “Três Ensaios” quanto no estudo sobre as teorias
sexuais infantis, Freud afirma que suas hipóteses são para o desenvolvimento sexual infantil dos
homens. Em um primeiro momento, ele tentou estabelecer uma analogia entre o desenvolvimento
sexual feminino como análogo ao masculino (usando, por exemplo, o clitóris como um órgão
análogo ao pênis): isso se mostrou em diversos textos, nos quais Freud tentou definir que, assim
como o vínculo do homem era para com sua mãe, o vínculo da mulher era para com seu pai – o que
alguns tentaram chamar de Complexo de Electra (nome dado por Jung, com base na mitologia grega
na qual Electra, filha de Agamenon, pediu ao irmão que matasse sua mãe para vingar a morte do
pai). No entanto, com o tempo, Freud percebeu que a sexualidade feminina não poderia
simplesmente ser uma cópia da sexualidade masculina, tanto que no texto do capítulo anterior Freud
declarou que “infelizmente, podemos descrever esse estado de coisas apenas no ponto em que
afeta a criança do sexo masculino; os processos correspondentes na menina não conhecemos”
(Freud 1925, p. 275).
Segundo Strachey (1925), depois dos estudos com as histéricas, Freud nunca mais se deteve
para o desenvolvimento feminino, até 1924 com o texto “A dissolução do complexo de Édipo”. Freud
tentou estabelecer o seio como o primeiro objeto sexual de ambos os sexos e protótipo para todo o
modelo de relação posterior, e aqui ele cria o protótipo de uma fase pré-edipiana para explicar como
se dá o desenvolvimento sexual feminino, como se no caso das mulheres houvesse uma mudança
no órgão sexual principal e no objeto de amor, o que altera como se dão o complexo de Édipo, o
complexo de castração e a construção do superego. O superego, que vocês verão mais a fundo em
outras disciplinas, faz parte da segunda tópica (ou segunda teoria do aparelho psíquico, composta
de id, ego e superego), na qual o superego é responsável pela censura do ego, pela consciência
moral e pela formação de ideais, que são a interiorização das regras e exigências parentais, sociais).
No resumo da construção sexual dos meninos, Freud resumiu da seguinte forma: o seio da mãe
é o primeiro objeto sexual que canalizou sua libido para o prazer de ser alimentado e cuidado. Ao
mesmo tempo, o pai surge como um rival, o que precisa ser afastado ou substituído. O Complexo de
Édipo ocorre durante a fase fálica e se conclui com o complexo de castração; durante esse período,
o autoerotismo e o narcisismo se constituem, o menino desenvolve uma capacidade ativa e passiva
(masculina e feminina) e, com isso, aprende a também amar o pai e desejar o lugar da mãe como
objeto de amor do pai (não é incomum vermos meninos começarem apegados às mães e
posteriormente tentarem se identificar com os pais).
Nas meninas, Freud (1925) considera o processo um pouco mais complexo. Quando entram na
fase fálica, diferentemente dos meninos que se envolvem na masturbação e se encaminham para o
Complexo de Édipo, as meninas percebem que seu órgão sexual é diferente dos meninos, que é
“inferior”; nesse momento, elas caem vítimas da inveja do pênis. No menino, a percepção da falta de
pênis nas meninas causa estranheza, mas ele não se preocupa com isso até o momento que se vê
diante do complexo de castração. A partir daí, ele poderá ter desprezo pelo feminino ou horror à
condição. Já nas meninas, elas percebemdesde o início que não possuem um pênis, mas desejam
tê-lo. Esse desejo se torna uma ferida narcísica, e a cicatriz dessa ferida produz um sentimento de
inferioridade.
Em um primeiro momento, ela acredita que essa falta é uma punição individual, depois ela
percebe que a diferença é universal e passa a compartilhar com os homens um sentimento de
desprezo pelas mulheres e o desejo de ser também um homem. Freud (1925) também associa a
inveja do pênis ao ciúme, na medida em que o ciúme é o medo da perda do objeto de prazer,
remetendo à masturbação e ao medo simbólico da castração. Pela falta do pênis, Freud conclui que
as mulheres se encontram mais afastadas que os homens da masturbação, sendo o clitóris um local
de eliminação parcial da libido. Esse afastamento auxilia as meninas a se afastarem das
características masculinas e desenvolverem a feminilidade. A menina também diminui seu vínculo
com a mãe, na medida em que essa mãe é considerada a responsável por ter produzido uma criança
sem todos os atributos necessários, e na vida adulta a menina vai substituir o desejo do pênis pelo
desejo de um filho, fazendo-a tomar, por fim, o pai como objeto de amor.
Portanto, Freud conclui que nas meninas o complexo de Édipo é uma formação secundária, pois
“enquanto, nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração, nas meninas
ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração (Freud, 1925, p. 285). Além
disso, enquanto nos homens o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração e
substituído pelo superego, nas meninas Freud levanta que talvez o complexo de Édipo não seja de
todo destruído, o que explicaria um senso de justiça e uma percepção sobre a ética diferente dos
homens, e uma maior pessoalidade e vínculo emocional em comparação com o masculino. E
considerando que tanto a formação masculina quando feminina são constructos teóricos, nada
impede que parte dessas formações se dê tanto em homens quanto em mulheres.
NA PRÁTICA
A questão sobre como abordar o tema da sexualidade é antigo, e embora Freud tenha trazido
essa discussão na época, ainda hoje ela é pertinente para os pais que são questionados por seus
filhos, em algum momento, sobre sua origem, como trata a brincadeira abaixo:
Figura 1 – Origem dos bebês
Créditos: Tatyana Vyc/Shutterstock.
Figura 2 – Origem dos bebês
Créditos: Anna-Kharchenko/Shutterstock.
Figura 3 – Origem dos bebês
Créditos: ayelet-keshet/Shutterstock.
Para a experiência prática, trarei um pouco da minha própria experiência na maternidade. Meu
filho mais velho tinha 2 anos e meio quando fiquei grávida novamente. Um pouco mais cedo que a
idade de Hans quando sua mãe ficou grávida novamente. Lembro-me de que sua curiosidade era
entender como o irmão tinha entrado ali, ele queria ver se alguém o tinha colocado ali, mas não
conseguia entender como um bebê de tamanho normal poderia entrar dentro de mim. Ele me
perguntava se eu havia engolido o bebê ou empurrado por baixo, mas ainda assim não entendia
como poderia ter passado um bebê pela minha boca ou pela minha vagina, já que a cabeça dele não
passava por nenhum dos dois buracos. Depois que explicamos como eram feitos um bebê, ele
queria entender como o papai guardava os bebês, como ele os fazia, e depois quis entender como
ele mesmo poderia fazer os dele.
Ambos os meus filhos, em diferentes momentos, também quiseram entender as diferenças
sexuais entre homens e mulheres. Por um tempo, acreditavam que os pênis das mulheres ficavam
escondidos dentro das vaginas, como nas tartarugas cujos pênis ficam escondidos dentro dos
cascos. Depois, quiseram saber se o xixi e o cocô das mulheres saíam pelo mesmo lugar como nas
aves, e depois quiseram entender se as meninas que conheciam ficariam como as mamães e os
meninos, como os papais. Tive, mais recentemente, um grande desafio para explicar a questão de
gênero para as crianças, pois eles queriam entender se casais homossexuais podiam fazer seus
próprios filhos e se os homens trans podiam passar a engravidar.
Por fim, tive que explicar como vinham as crianças adotadas (disse meu filho em um momento:
“papai não está aqui e eu aprendi na escola que para fazer um bebê precisa do papai e da mamãe.
Como poderei ter um irmão sem ele aqui?”; em outro momento, ele viu uma criança com cor de pele
diferente dos pais e dos irmãos e perguntou se era possível escolher como queria nascer), o que me
deu um novo desafio para explicar sobre crianças adotadas, madrastas e padrastos. Infelizmente,
esse tópico veio acompanhado das histórias infantis (pois ambos queriam saber se todas as
madrastas eram malvadas como nos contos de fada). Também quiseram saber se podiam
encomendar irmãos e pais pela internet, o que foi uma conversa divertida e que mostra o quanto as
crianças se aprofundam para tentar entender esse tema, desde cedo.
FINALIZANDO
Nosso objetivo foi trazer de maneira detalhada a sequência dos estudos e publicações que
foram feitas a partir dos “Três Ensaios”, emblemático para compreendermos o desenvolvimento
psicossexual infantil e a formação sexual de homens e mulheres. Alguns dos tópicos trazidos hoje
foram como se dão a neurose atual e as psiconeuroses na formação sexual infantil, a importância
das fantasias de sedução, a característica intrínseca de todo ser humano de ter a perversão em sua
constituição (o perverso-polimorfo). Também comentamos as principais dúvidas das crianças sobre
a origem dos bebês, as diferenças entre homens e mulheres/entre o feminino e o masculino de todo
ser vivo, a questão das pequenas mentiras contadas por adultos para esconder a questão sexual,
como se dá a organização genital e como se forma o complexo de Édipo/complexo de castração em
meninos e meninas, suas diferenças e semelhanças.
Esperamos que tenham aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco
mais das origens da psicanálise, e convidamos a todos a continuar acompanhando as aulas para
saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente como é a psicanálise.
REFERÊNCIAS
BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991.
FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud
(1886-1899) – livro VII e IX. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
v. 1; v.2; v. 3.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
AULA 3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Raquel Berg
CONVERSA INICIAL
Bem-vindos(as)!
Na aula de hoje, falaremos sobre os textos “análise de uma fobia em um menino de cinco anos”,
“Leonardo Da Vinci e uma lembrança de sua infância” e “Duas mentiras contadas por crianças”. O
texto do Pequeno Hans tem sua importância no contexto da formação psicossexual infantil pelo fato
de trazer de modo aprofundado a questão do Complexo de Édipo e do Complexo de Castração,
associados à fobia que o menino desenvolve por cavalos. Já o texto sobre Leonardo da Vinci segue
com os questionamentos de Freud a respeito da sexualidade infantil e do narcisismo. Para a prática,
falaremos do desafio do desmame e do desfralde de meninos e meninas.
TEMA 1 – ANÁLISE DE UM MENINO DE CINCO ANOS: DESCRIÇÃO
O caso do Pequeno Hans (que Freud inicialmente chamou de Pequeno Herbert) foi baseado no
relato do pai desse menino. Freud chegou a ver a criança somente uma vez, porém, o
acompanhamento e as observações foram compartilhados pelo pai, que realizou toda a análise
juntamente com Freud. A partir desse estudo, Freud concluiu que na observação das crianças somos
capazes de identificar impulsos e desejos sexuais que depoisaparecem na análise de adultos,
especialmente de forma distorcida nos neuróticos. Para que o tratamento fosse possível, Freud
havia dado um desafio aos pais, que era o de evitar a coerção na educação da criança, a menos que
isso fosse inevitável. E, à medida que Hans cresceu, observou-se que o menino evoluiu de modo
satisfatório e feliz. Embora a maior relevância desse estudo seja a análise da fobia, nesse primeiro
tópico apresentaremos Hans e como ele se enquadra nas características comportamentais das
crianças em geral, incluindo nas de hoje em dia.
Os relatos começaram quando a criança tinha três anos de idade. Nessa época, o menino já
demonstrava um vivo interesse pelo seu “pipi”. Em um momento, ele perguntou à mãe se ela tinha
um “pipi” e ela confirmou; depois, ele viu uma vaca sendo ordenhada e concluiu que ela tinha vários
“pipis”. O menino também passou a querer se tocar frequentemente. Um dia, ao ver ele com esse
comportamento, a mãe ameaçou cortar o pênis fora se ele continuasse a fazer aquilo. E, ao
perguntar como ele depois poderia fazer xixi, ele respondeu que seria com o bumbum. Embora a
resposta parecesse não ter culpa, esse foi o momento quando se iniciou o complexo de castração.
Com três anos e meio, Hans foi passear no zoológico e viu um leão na jaula, e gritou que estava
vendo o “pipi” do leão. Para Freud (1909), além dessa contestação mostrar que as crianças também
observam os animais como provedores de informações que os adultos muitas vezes tentam omitir,
também mostra a capacidade de pensamento abstrato e derivação de conhecimento (se eu tenho
um pipi, aquilo que vejo em um leão também pode ser um pipi). Depois, ao ver uma locomotiva,
perguntou-se onde estava o pipi dela, pois tinha a impressão de que ela estava fazendo xixi. Depois,
concluiu que animais têm pipi, mas objetos não têm, fazendo então uma diferenciação entre objetos
animados e inanimados.
Com três anos e nove meses, Hans perguntou a seu pai se ele tinha pipi e o pai confirmou.
Depois, ao observar a mãe sem roupa, Hans comentou que achava que ela teria um pipi como o de
um cavalo, pois ela era maior que ele. Uma das experiências marcantes na vida de Hans foi o
nascimento da irmã. Hans, em um primeiro momento, acreditava que a irmã seria trazida pela
cegonha. Porém, depois de ver o médico na casa, além de recipientes com água e sangue, Hans
começou a questionar da veracidade da história da cegonha. Depois, começou a sentir ciúmes da
irmã, ciúmes esses demonstrados nos comentários sobre o fato do bebê não ter dentes, e começou
a ter sonhos e fantasias de que duas amigas suas tinham se tornado suas filhas.
Hans, desde pequeno, também tinha dificuldade de evacuação. Tomava remédios
frequentemente e precisou ter a alimentação alterada, com poucos efeitos. Por isso, durante a
análise clínica, Freud também identificou a relação de Hans com o “lumf” (nome dado ao cocô) e sua
relação de prazer e nojo ao ver o próprio “lumf” ou o de outras pessoas, e como isso poderia ter
relação com o nascimento de crianças, pois ambos poderiam sair do ânus (o que era sua conclusão
lógica, já que a mãe não tinha “pipi”).
Aos quatro anos, começou a apresentar as relações de objeto: ao ver as filhas de um casal de
amigos dos seus pais, as chamava de “minhas meninas”; ao encontrar seu primo, ficava abraçando-o
e dizendo como gostava desse primo (numa demonstração de afeto homossexual); ao ver uma
vizinha de sete anos no pátio, ficava admirando-a pela janela todos os dias. Durante uma viagem,
quis dormir com uma das amigas. Quando lhe disseram que não podia, pediu para que ela dormisse
com seus pais; e quando novamente disseram que não, ele decidiu que iria dormir com ela e com os
pais dela, em uma demonstração que queria que ela fizesse parte da família, como “um adulto
apaixonado” (Freud, 1909, p. 25), que ruborizava ao encontrar a amada.
Para todos aqueles que já conviveram com uma criança em idade pré-escolar ou que está nos
primeiros anos da escola, sabemos como é comum as crianças trazerem o relato de novas
namoradas ou namorados, e como os pais se divertem ao verem a relação de amor que algumas
vezes se estabelece entre essas crianças, com cartas apaixonadas, presentes e encontros
familiares. Também não é incomum as crianças andarem de mãos dadas como os adultos fazem, e
darem beijos e abraços de carinho, embora saibamos que uma disputa de brinquedos pode ser o
suficiente para uma ruptura drástica da relação. Tanto nos meninos quanto nas meninas também é
comum vermos o interesse pelos órgãos genitais, e como é desafiador nos consultórios quando as
crianças decidem mostrar seus próprios genitais e ver os genitais das outras crianças, e isso é
interpretado pelos pais como tentativa de abuso sexual ou algo do gênero, embora saibamos que
nessa fase a criança não tem entendimento sobre o ato sexual em si, nem capacidade de efetuá-lo
mesmo que queira. Além disso, é importante enfatizar que, nessa idade, as demonstrações de afeto
também podem ocorrer entre meninos ou entre meninas, e essa demonstração de
homossexualidade não representa qualquer demonstração de tendência futura da criança (assim
como gostar de rosa ou de azul também não demonstra qualquer tendência de gênero), apenas
mostra a disposição de todo ser humano para amar homens e mulheres sem distinção – fato esse
que se confirma na vida adulta de todas as pessoas pela capacidade de ter amigos e amigas, e pelo
fato de amarmos pais e familiares. A interpretação do comportamento sexual, até determinada
idade, se dá muito mais por parte dos adultos, pois nas crianças não há uma compreensão de tudo o
que implica as escolhas sexuais.
TEMA 2 – O CASO CLÍNICO DO PEQUENO HANS
Hans começou a desenvolver o temor de sair de casa, sendo que isso veio depois do
nascimento de sua irmã. Ao ser questionado sobre o motivo de ter medo de sair, o menino explicou
que, na verdade, tinha medo de que um cavalo o mordesse. O pai acreditava que esse
comportamento poderia ter se dado pelo excesso de amor da mãe pelo menino, ou por causa de sua
excessiva preocupação com pênis, ou mesmo pela possibilidade de ter visto alguém nu na rua, um
tipo de exibicionista. Segundo o pai, tudo começara quando Hans acorda chorando porque tinha tido
um pesadelo, sonhara que a mãe tinha ido embora e ele não a teria mais para acariciá-lo (ou seja, um
sonho de ansiedade). Depois, durante um passeio com a babá, começou a chorar e disse que queria
voltar para casa para ver a mamãe. Quando sua mãe o levou para passear, o menino começou a
chorar e disse que tinha medo de que um cavalo o mordesse. À noite, colocou a mão no pipi e a mãe
o advertiu, mas ele o fez mesmo assim e depois se desculpou. Esse é o início da fobia.
Quando o médico da família examinou o menino, concluiu que a ansiedade se devia apenas à
masturbação. No entanto, a extração de prazer pela masturbação (seja no adulto ou na criança) não
pode ser tirada como a causa em si de uma neurose, seja ela qual for. Freud (1909) combinou com o
pai que ele diria ao menino, usando o método da sugestão, que deveria esquecer os medos, que sua
mãe voltaria a levá-lo para a cama e que os seres femininos não tinham “pipi”. Hans aceitou as
informações, teve um breve período de calma e logo voltou a ter sua fobia.
Depois de um tempo, Hans deixa de acreditar que todos os cavalos poderiam morder, mas
apenas os brancos. Depois, perceberam que isso se relacionava com um dia no qual ele tentou
colocar a mão na boca de um cavalo branco e o pai de sua amiga disse que se colocasse a mão na
boca do cavalo, o cavalo morderia. Na mesma época, o pai esclareceu que não podia pôr a mão na
boca do cavalo, assim como não poderia colocar a mão no “pipi”, criando a associação entre as
proibições. Hans concordou com o pai que o seu medo se devia provavelmente ao hábito da
masturbação, mas a fobia não desaparece com isso, pois a causa estava ligada à fantasia de
castração, ou seja, o temor de perder os dedosestaria associada ao medo de perder o pênis. O
cavalo aqui comparece como animal totêmico. Quando Hans conhece Freud, o médico pede que o
menino desenhe um cavalo. Ao desenhar, o menino desenha um grande facho na boca desse cavalo,
que Freud associa na hora ao fato de o pai do menino ter um bigode, e lhe pergunta se o menino
tinha medo de seu pai ou achava que ele não gostava dele por também amar sua mãe. Hans
confirma, e aqui se apresenta uma ambivalência, no sentido de que o menino gostava de seu pai,
mas tinha medo de que ele pudesse ir embora por causa do desejo de querer ficar sozinho com a
mãe. O pai surge como um obstáculo na relação com a mãe, que levou ao desenvolvimento de uma
fobia, associada ao sentimento ambíguo de amor e medo desse pai. Freud também associa o medo
fóbico à visão do sangue que saíra da mãe no nascimento da irmã, além de suas hipóteses sobre o
coito (que ele traz no sonho da girafa grande e da girafa amarrotada que ele precisava tirar do local e
se sentar em cima, fazendo referência ao ato sexual dos pais e à necessidade de tirar a girafa
amarrotada – a mãe – debaixo da girafa grande e se sentar em cima como uma demonstração de
posse).
Hans depois passa a ter medo de cavalos que puxavam carroças, e dizia que tinha medo de que
a carroça fosse se desvincular do cavalo e quebrar. Essa associação era feita a uma área de
depósito na qual passavam cavalos com carroças e eles tinham que fazer um contorno para passar
pelos portões e sair. Aqui, Freud (1909) entende que a fobia evolui, como se ele entendesse que a
mãe estava se desvinculando dele e se aproximando do pai. Depois, Hans estabelece uma conexão
entre um encanador e a banheira da irmã, e com isso Freud conclui que a fobia estava se resolvendo,
pois Hans estava encontrando um lugar para si e compreendendo o contexto no qual se dava as
relações sexuais.
TEMA 3 – LEONARDO DA VINCI
Freud se detém no estudo da vida de Leonardo da Vinci para trabalhar o conceito das fantasias,
trazendo também um consistente estudo que depois daria as bases para a psicanálise da arte.
Leonardo da Vinci é uma figura única para a história. Viveu no século XV, foi cientista, inventor,
anatomista, pintor, dentre tantos outros. Segundo Freud (1910, p. 73): “Leonardo da Vinci (1452 –
1519) foi admirado, até mesmo pelos seus contemporâneos, como um dos maiores homens da
renascença italiana [...] Era um gênio universal, ‘cujos traços se podia apenas esboçar, mas nunca
definir’)”. Seus trabalhos mais conhecidos foram as pinturas de Monalisa e A última ceia, seu estudo
anatômico O homem vitruviano, além dos protótipos de helicóptero, tanque de guerra e da calculadora.
Sua vida afetiva era tratada com muita discrição, e nunca se soube ao certo se ele era heterossexual,
homossexual ou simplesmente desinteressado nas questões sexuais de modo geral, o que acabou
por criar especulações em diversos estudiosos como o próprio Freud.
Leonardo da Vinci teve uma vida desafiadora. Apreciava as coisas boas da vida, era um homem
eloquente e agradável, de belas feições e que sabia aproveitar a vida, segundo relato de
historiadores. No entanto, pouco compreendido por seus contemporâneos, que acreditavam que ele
desperdiçava o tempo criando projetos impossíveis de serem executados, sendo que ele poderia
dedicar melhor o tempo para a arte e para fazer fortuna com o talento que possuía para a pintura.
Depois que precisou sair da Itália e fugir para a França, seu talento foi diminuindo à medida que
vivenciava decepções.
Segundo Freud (1910), quando estudamos personagens como Leonardo da Vinci, nos
perguntamos como a questão da sexualidade se encaixa em sua vida, já que ela se apresenta de
maneira muito peculiar em comparação com as outras pessoas. Ao estudar os neuróticos, o autor
supõe que seu instinto de saber já tinha uma força excessiva e supremacia tal, desde a primeira
infância, que foi capaz de substituir uma grande parcela de sua vida sexual. Assim, “uma pessoa
desse tipo poderia, por exemplo, dedicar-se à pesquisa com o mesmo ardor com que uma outra se
dedicaria ao seu amor, e seria capaz de investigar em vez de amar” (Freud, 1910, p. 86). Ou seja, a
intensificação do desejo de saber substituiria de modo intenso o próprio desejo sexual e poderia,
desde a infância, substituir por completo os impulsos sexuais tão comuns, e essa atrofia se
completaria na vida adulta pelo impulso dominante do conhecimento e da arte. Para aqueles que já
tiveram um contato com pessoas excessivamente inteligentes e sagazes, a percepção sobre a
eventual falta de interesse delas nas questões sexuais, ou a presença de um interesse temporário,
muitas vezes gera dúvida sobre sua sexualidade devido a essa falta de interesse no sexual, que fica
canalizada quase que na totalidade na investigação e na necessidade de saber.
Assim, ao analisarmos essas crianças superinteligentes, Freud diz que a curiosidade infantil é
guiada pelo instinto supremo de investigar, seja referente às questões sexuais, seja referente a
qualquer outra questão que ela vivencie em seu cotidiano. Assim, a criança tem prazer em fazer
perguntas, e ela as faz de maneira repetitiva e para diferentes pessoas apenas para se certificar de
que as respostas são condizentes entre si e a ajudam a esclarecer o funcionamento do mundo. É
difícil e desafiador respondermos a todas as perguntas, e hoje inclusive nos deparamos com uma
quantidade infinita de desenhos infantis e programas dedicados a responder a cada uma dessas
perguntas, o que poderia esclarecer em partes a ligação quase que imediata que as crianças fazem
com a internet e com os programas infantis que podem ser assistidos na televisão.
A maioria das crianças, segundo Freud (1910), ou ao menos as crianças com intelecto dentro ou
acima da normalidade, passa pela fase das pesquisas sexuais infantis. Em geral, a curiosidade surge
por alguma experiência externa que ameaça seus interesses egoístas, como o nascimento de um
irmão ou irmã. Quando as crianças recebem respostas e não se satisfazem, passam elas mesmas a
investigar e ligar os fatos, criando assim suas hipóteses. Nessa fase, criam hipóteses inclusive sobre
o ato sexual, como algo violento e hostil. Quando a criança se sente fracassada em suas hipóteses,
ela abandona essa primeira tentativa de independência intelectual e desenvolve um caráter posterior
mais depressivo com relação à sua própria capacidade de inteligência, conectado à repressão sobre
poder falar desse tema. Quando então termina esse período de repressão, o impulso de pesquisa
pode ter três diferentes destinos: no primeiro, a pesquisa e o desejo de saber passa a participar do
destino da sexualidade, e pode ser recalcada pela influência religiosa na inibição do sexo (criando os
primórdios da neurose); no segundo, o desenvolvimento intelectual é forte o suficiente para resistir
ao recalque primário, prevenindo a própria repressão sexual, e retorna mais tarde sob o formato de
um desejo compulsivo de estudar e pesquisar, que pode inclusive substituir o ato sexual em si e
erotizar o próprio pensamento. O terceiro, mais raro, escapa tanto à inibição do pensamento quanto
à compulsão de saber, e ainda que o sexo esteja inibido, a libido não é recalcada, simplesmente
sublima desde suas origens para a curiosidade, e se fortalece com a maturidade. E esse terceiro é o
modelo que Freud acredita estar mais em sintonia com Leonardo.
Nesse sentido, responderia um pouco porque temos a impressão de que as crianças nos dias de
hoje parecem ser mais inteligentes que as crianças de gerações anteriores – ou seja, possivelmente
as primeiras hipóteses sexuais não foram frustradas, mas respondidas adequadamente, e essa
tentativa de independência intelectual passou a representar não uma frustração, mas um primeiro
sucesso e conexão de prazer com o aprendizado.
TEMA 4 – UMA REFLEXÃO SOBRE AS MEMÓRIAS DE LEONARDO
Segundo Strachey (1910), uma parte importante desse estudo foi a lembrança [ou

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