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Padrões de saúde e doença Apresentação Conforme a sociedade foi se transformando, os conceitos de saúde foram sendo modificados. Em determinados períodos da história e de contextos culturais, a saúde de uma população era atribuída aos bons e maus espíritos que pairavam sobre os indivíduos. Atualmente, embora criticado, o conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde direciona as políticas públicas de promoção e prevenção, que são pautadas também pelos estudos epidemiológicos. Aliados aos princípios de estado de pleno bem-estar físico, emocional e social, encontram-se os profissionais de Educação Física. Uma das principais tarefas desses profissionais é a realização e o acompanhamento dos estudos epidemiológicos, direcionando e promovendo as políticas de promoção da saúde e prevenção de doenças. Nesta Unidade de Aprendizagem, você conhecerá os conceitos atribuídos à saúde, as principais características da promoção da saúde e da prevenção de doenças, os principais aspectos e, também, a importância dos estudos epidemiológicos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Discutir os conceitos básicos e ampliados de saúde.• Explicar promoção e prevenção no âmbito da saúde.• Listar as evidências e os benefícios de estudos epidemiológicos para a promoção da saúde.• Desafio A obesidade é uma doença crônica não transmissível e tem como principal característica o acúmulo excessivo de gordura, que pode afetar a saúde. Esse acúmulo tem causas diversas, como, por exemplo: causas genéticas, metabólicas, ambientais e/ou comportamentais. Geralmente, a condição apresentada pela obesidade é fruto da associação entre uma dieta hipercalórica e uma vida sedentária. Como consequências dessa doença, são comuns as complicações no sistema circulatório (hipertensão, aterosclerose, insuficiência cardíaca), no sistema respiratório (apneia do sono, dificuldade de respirar, embolia pulmonar), alterações metabólicas (hiperlipidemia, diabetes), entre outras. Uma Prefeitura Municipal realizou uma pesquisa em conjunto com a Secretaria de Saúde do Município para identificar os padrões de saúde e de qualidade de vida dos habitantes daquela localidade. Com esses estudos, foi possível identificar uma população apresentando altas taxas de obesidade, acima dos índices nacionais, que, atualmente, indicam a incidência dessa doença em 8% dos indivíduos adultos. Imagine que você foi contratado por essa Prefeitura para coordenar um programa de ação intersetorial de modo a combater a obesidade nesse Município. Frente a isso, responda as seguintes questões: a) Considerando a incidência da obesidade em indivíduos adultos, quais ações poderiam ser propostas para reverter esse quadro? b) Considerando que muitos indivíduos obesos já apresentavam excesso de peso na infância e na adolescência, quais ações poderiam prevenir a incidência de novos adultos obesos? c) Como poderia ser realizada uma avaliação da eficiência das ações propostas por você à população do Município? Infográfico O conceito de saúde é muito amplo, encontrando-se várias definições na literatura. Nos programas governamentais voltados à prevenção de doenças e à promoção da saúde, frequentemente nos deparamos com a abordagem da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nessa perspectiva, os estudos epidemiológicos ganham destaque para identificar, compreender e abordar determinadas doenças. No Infográfico a seguir, você poderá vislumbrar os principais aspectos dos conceitos de promoção da saúde, prevenção de doenças e de estudos epidemiológicos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/41ec4658-8b4f-4dd5-8c6c-9326fc99e706/44e00802-9af0-42a1-937a-ac0a54bbd08f.png Conteúdo do livro Qual a definição de saúde? Quais as diferenças entre promoção da saúde e prevenção de doenças? Quais os objetivos dos estudos epidemiológicos? Essas questões são muito recorrentes no âmbito dos profissionais que lidam com a saúde pública. No capítulo a seguir, você responderá a essas e outras questões, que são fundamentais de serem compreendidas pelos profissionais de Educação Física. Aprofunde seus conhecimentos lendo o capítulo Padrões de saúde e doença, do livro Saúde e prescrição do exercício físico, base teórica para esta Unidade de Aprendizagem. Boa leitura. SAÚDE E PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO FÍSICO Patrick da Silveira Gonçalves Padrões de saúde e doença Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Discutir os conceitos básicos e ampliados de saúde. � Explicar promoção e prevenção no âmbito de saúde. � Listar as evidências e benefícios de estudos epidemiológicos para a promoção da saúde. Introdução A saúde está geralmente está em pauta nas ações governamentais. Recorrentemente, os discursos de autoridades públicas e dos setores privados atentam para a importância de programas voltados à promoção da saúde e da prevenção de doenças. Mas, afinal, qual seria o conceito de saúde? Quais seriam as diferenças conceituais em promoção e prevenção no âmbito da saúde? E como os programas voltados à saúde podem encontrar formatos eficientes para a sua exequibilidade? Neste capítulo, você vai estudar a evolução histórica dos conceitos de saúde até os das atuais, onde muitos governos se utilizaram das de- finições encontradas nas conferências organizadas pela Organização Mundial de Saúde; explicar as diferenças conceituais e práticas nas ações de prevenção de doenças e promoção da saúde; e, além disso, conhecerá os estudos epidemiológicos que fornecem dados intersetoriais sobre as características da população. Conceitos de saúde Os conceitos que buscam definir a saúde são bastante diversos e atravessam os campos sociais, econômicos, políticos e culturais. Ou seja, a saúde pode apresentar-se e ser apresentada por formas distintas por grupos sociais dife- rentes. Essas diferenças ocorrem também em função do tempo histórico em que a sociedade se encontra. Ao longo dos tempos, várias foram as causas e conceitos demandados à saúde dos indivíduos e das populações. Nesta seção, buscaremos realizar uma aproximação à evolução histórica destas compreensões. Embora saúde e doença estejam relacionados, um indivíduo que não esteja doente não necessariamente goza de boa saúde. Em outras palavras, a saúde não se trata apenas de ausência de doenças, mas de gozar de um estado de completo bem-estar físico, mental e social, ainda que isso possa ser algo inatingível. Evolução histórica dos conceitos de saúde Junto às modificações dos conceitos de saúde, os conceitos de doença, uma das negações à saúde, também se transformam. Scliar (2007) nos conta que, em determinado período histórico, a masturbação era considerada uma prática associada à condição de doença, relacionada à perda de nutrientes proteicos presentes no esperma e a distúrbios mentais. O tratamento para esses quadros ocorria através de imobilização do paciente com aparelhos que despendiam descargas elétricas ao paciente que tentasse manipular a própria genitália. Acompanhando essa elaboração, o mesmo autor ainda lembra que o desejo que os escravos mantinham de fugir das situações escravagistas em que se encontravam, e a “pouca disposição para o trabalho” também foram apresen- tados como enfermidades, sustentadas por diagnósticos médicos, sobretudo na época do apartamento racial dos Estados Unidos. O tratamento, como se pode imaginar, ocorria através do açoite, até que o escravo demonstrasse o desejo em servir ao seu senhorio, ou seja, demonstrando estar saudável. Retrocedendo um pouco mais na história da humanidade, podemos evi- denciar que as doenças, alheias a uma boa saúde, poderiam ser entendidas a partir de concepções diversas. De todo modo, elas eram causadas por ameaças alheias ao organismo do próprio indivíduo. Paraos hebreus, as enfermidades que retiravam a condição de saúde dos homens eram causadas pela cólera divina, devido aos pecados dos homens. No mesmo âmbito, a dieta privativa de alguns frutos do mar e de suínos, características da religião judaica, além de buscar uma coesão como grupo e obedecer às leis divinas, também esta- Padrões de saúde e doença2 vam relacionadas à obtenção da saúde, uma vez que esses animais poderiam transmitir algum tipo de doença. Em alguns grupos indígenas, como os Sarrumá, que habitam a fronteira entre Brasil e Venezuela, as mortes, provocadas por qualquer que seja a causa, são resultantes de maldições de tribos inimigas. A saúde, portanto, era con- siderada a partir da força que os espíritos protetores da aldeia exerciam sobre os maus espíritos. Quando os males pairavam, era necessária a evocação de espíritos capazes de afastar o mal. Nesses casos, o xamã, uma espécie de curandeiro de todos os males, é responsável por convocar os espíritos capazes de enfrentar o mal que foi lançado sobre sua tribo. Além disso, é o responsável por coletar plantas e preparar substâncias alucinógenas, capazes de facilitar a entrada dos bons espíritos e combater as moléstias que pairam sobre sua tribo (SCLIAR, 2007). No entanto, a visão que rompe com a ligação espiritual, ainda que possamos encontrá-la nos dias atuais, começa a se desenhar na Grécia Antiga. Hipócrates de Cós (460–377 a.C.), considerado o pai da medicina, atribuía a saúde ao pleno equilíbrio de quatro fluídos corporais: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue (Teoria Humoral de Hipócrates). As desordens nesse equilíbrio causavam as diversas doenças que afetavam a saúde dos seres humanos. A partir de sua empiria, evidenciou que algumas doenças atingiam indivíduos em condições específicas de idade e de localização nas quais viviam. Na sua interpretação, as doenças que afetavam a saúde dos seres humanos eram desenvolvidas a partir de desordens biológicas causadas pelo ambiente (ARAÚJO; XAVIER, 2014). Durante a Idade Média (476–1492), a forte presença da Igreja alertava para o pecado como forma de contrair doenças. No entanto, as ideias de Hipócrates continuaram a se difundir na sociedade ocidental, em especial aquelas que aler- tavam para a necessidade de cuidados quanto às questões sanitárias, higiênicas e alimentares. Nessa época, o desenvolvimento dos estudos anatômicos do corpo humano, que buscavam entender melhor o funcionamento dos órgãos, permitiu compreender melhor como o organismo reagia a determinadas doenças. No entanto, esses estudos só ganharam profundidade ao final do século XIX, na denominada Revolução Pasteuriana (SCLIAR, 2007). O microscópio, até então pouco utilizado, apesar de ter sido desenvolvido ainda no século XVII, revelou a Louis Pasteur (1822–1895) a presença de microrganismos e a possibilidade de combatê-los através de soros e vacinas. Os novos entendimentos etiológicos passam a definir a doença como uma contaminação de organismos externos. 3Padrões de saúde e doença Nessa mesma época, os estudos epidemiológicos começaram a surgir como forma de transformar as causas e consequências das doenças em números, motivados pela estatística, uma nova ciência que também começava a surgir. Em 1826, Louis René Villermé (1782–1863) buscou identificar as doenças e mortes em diferentes bairros de Paris, tendo como resultado a relação entre as diferentes faixas de renda. Em 1850, nos Estados Unidos, o livreiro Lemuel Shattuk elaborou um relato sobre as condições sanitárias de Massachusetts, fazendo surgir uma diretoria de saúde, composta predominantemente por médicos, naquele estado. Na Inglaterra, sobre os efeitos da Revolução In- dustrial, como a crescente urbanização, industrialização e proletarização, chegou-se aos mesmos entendimentos através dos estudos de William Farr (1807–1883) e das denúncias nos manuscritos de Friedrich Engels. No mesmo sentido, Karl Marx, durante seu período na França, indicava os males que o capitalismo causava à saúde dos mais pobres em decorrência das mazelas que se apresentavam à época. Otto von Bismarck, estadista alemão, alertava os latifundiários quanto à sua ganância, que levava ao sacrifício da própria mão-de-obra. Durante o seu mandato, instaurou a polícia médica, um sistema de seguridade social onde o Estado poderia estar a par das condições de saúde da população alemã, criando um conceito de saúde autoritário e paternalista (ROSEN, 1979). Esse modelo inspirou outros países a implantarem em seus territórios programas que pudessem manter a vigilância sanitária e médica de suas populações, proporcionando a saúde e a melhor qualidade de vida para seus cidadãos (SCLIAR, 2007). Aspectos atuais dos conceitos de saúde Ainda que diferentes nações tenham desenvolvido suas atenções aos sistemas que visavam manter padrões de qualidade de vida para a população, era neces- sário um consenso mundial acerca da saúde. Podemos constatar que os avanços em medicina foram bastante evidentes à medida que a tecnologia avançava no século XX. No entanto, as guerras ocorridas nesse período dificultavam o diálogo entre os diferentes países. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, surge a Organização das Nações Unidas (ONU), uma instituição criada com o objetivo de promover a cooperação internacional. Entre as diversas agências que integram a ONU, há a Organização Mundial da Saúde (OMS), que possui o objetivo de promover a saúde de todos os povos. Padrões de saúde e doença4 O processo de constituição da OMS foi realizado em Nova Iorque, em 22 de Julho de 1946, com a elaboração da Carta de Princípios. No entanto, esse documento passou a vigorar em 1948, no dia 7 de abril, data que passou a ser considerada o Dia Mundial da Saúde. Na busca de um conceito que pudesse ser amplamente aceito e que superasse o entendimento de que, para ter saúde, basta não apresentar algum quadro patológico, a OMS propôs a compreensão de que “[...] a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1946, documento on-line). Esse conceito trouxe importantes avanços ao en- tendimento de saúde. Primeiramente, como discutimos, há uma superação do conceito de saúde relacionado à ausência de doenças. Em um segundo momento, podemos perceber que a saúde deixa de ser algo estritamente relacionada ao corpo biológico, englobando também aspectos psicológicos e sociais. No entanto, a definição da OMS, ainda que possa propor um ideal a se buscar no campo da saúde e definir padrões acerca do que é e do que não é caracterizado como saúde, sendo internacionalmente aceito, o conceito elaborado gera algumas dúvidas e críticas. As controvérsias geradas por essa concepção alegam que é praticamente impossível delimitar o que possa ser identificado como um bem-estar ou mal-estar psicossocial, uma vez que essas compreensões variam de acordo com os significados, percepções e entendimentos de cada sujeito. Também devido à amplitude que esse conceito gera na dificuldade de implantar políticas sociais em saúde que atendam às premissas expostas (ARAÚJO; XAVIER, 2014). Buscando delimitar o conceito de saúde, permitindo a sua aplicabilidade no meio social, Marc Lalonde, titular do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá, propôs em 1974 o princípio dos campos da saúde. Para ele, tais critérios devem se pautar nos seguintes campos: Biologia humana: que compreende a herança genética e os processos bioló- gicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento; Meio ambiente: inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho; Estilo de vida: decisões que afetam a saúde, como fumar ou deixar de fumar, beber ou não, praticar ou não exercícios; 5Padrões de saúde e doença Organização da assistência à saúde: envolve as ações relacionadas à pro- moção de saúde que não necessariamente se encontram em hospitais ou ambulatórios,como acesso e consumo de água potável e alimentos saudáveis, assim como a adoção de uma vida fisicamente ativa e de hábitos saudáveis (SCLIAR, 2007, p. 37). Os conceitos ampliados de saúde, elaborados após o pronunciamento da OMS, e as críticas e desconfianças ao papel desta agência na organização polí- tica e social dos Estados guiaram as ações em saúde coletiva em algumas partes do mundo. Primeiramente, a OMS, em cooperação com os estados membros, fugiu às suas atribuições meramente normativas e consultivas, elaborando um plano de atuação para o combate de duas doenças amplamente transmissíveis. Nessa situação, foram escolhidas a malária e a varíola. O combate à malária baseou-se no uso de um inseticida que, alguns anos mais tarde, foi banido por sua pouca eficácia no combate aos mosquitos e nos riscos que poderia trazer aos seres humanos. Por outro lado, a varíola, que se encontrava em milhões de infectados, teve sua vacina desenvolvida, e sua transmissão, de pessoa à pessoa, eliminada. Com o habitat do vírus eliminado, o último caso de varíola registrado foi em 1977. A erradicação de uma doença que afetava milhões de pessoas fez com que a OMS, ganhasse crédito junto aos países membros (ARAÚJO; XAVIER, 2014). Mais tarde, esperava-se que a OMS realizasse alguma ação que pudesse promover a erradicação de outra doença infectocontagiosa. Contudo, a ne- cessidade de progresso social fez com que a agência ampliasse seus objetivos, destacando a responsabilidades governamentais em promover programas de saúde coletiva em cada uma das nações, em especial aquelas que apresentavam características de subdesenvolvimento, onde as condições sociais se demons- travam mais precárias. Scliar (2007) explica que as orientações às nações na promoção de programas voltados à saúde baseiam-se nos seguintes pontos: 1. As ações de saúde devem ser práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis; 2. Devem estar ao alcance de todos, pessoas e famílias - portanto, disponíveis em locais acessíveis à comunidade; 3. A comunidade deve participar ativamente na implantação e na atuação do sistema de saúde; 4. O custo dos serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do país (SCLIAR, 2007, p. 38). Embora o conceito de saúde aí não esteja explícito, é possível compreender que a saúde deve ser promovida a partir de ideais comunitários, favorecendo a abertura de instituições responsáveis pela sua promoção de forma decentra- Padrões de saúde e doença6 lizada. Essa perspectiva está presente na constituição brasileira, que também não elabora uma conceituação para a saúde, ao estabelecer que: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promo- ção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988, art. 196, documento on-line). Nesse viés, surgem as diferentes políticas de saúde brasileiras, como, por exemplo o Sistema Único de Saúde (SUS), os Centros de Referência em As- sistência Social (CRAS), o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) e a Política Nacional do Esporte, que fornecem o atendimento especializado para a promoção do bem-estar físico, mental e social da população. Atualmente, a visão simplista e dualista entre saúde e doença predomina na sociedade. Para muitas pessoas, a ausência de doença ainda é sinônimo de saúde. Isso faz com que os programas sociais busquem apenas tratar as condições patológicas em si, não adotando práticas e hábitos que busquem o pleno estado de bem-estar físico, social e mental. Assim, as políticas de prevenção encontram muitas dificuldades de atuação, uma vez que a ausência de doenças não faz com que a população procure e mantenha a busca contínua da saúde. No entanto, podemos destacar que as ações que visam o desenvolvi- mento da saúde populacional existem. De modo geral, essas propostas podem ser divididas entre políticas de prevenção e de promoção da saúde, as quais daremos ênfase na próxima seção. Promoção e prevenção no âmbito de saúde As ideias de promoção da saúde surgem com maior ênfase no decorrer da década de 1980, motivadas por discussões que ocorreram predominantemente nos Estados Unidos, no Canadá e em muitos países da Europa Ocidental em decorrências das mudanças de hábito e do contínuo envelhecimento da população. As recorrentes propostas voltadas à melhoria da qualidade de vida das pessoas têm sido ampliadas significativamente, sobretudo, como aponta Buss (2000), devido a avanços políticos, econômicos, sociais e ambientais. Esse fenômeno é evidenciado, conforme o mesmo autor, através da evolução das expectativas de vida dos países subdesenvolvidos. Na América Latina, por exemplo, o último século representou um aumento de 50 para 67 anos na média de vida nesses países no período que compreende o final da Segunda Guerra e 7Padrões de saúde e doença o final do século. Podem estar atrelados a isso os avanços na medicina, capazes de produzir medicamentos e tecnologias necessários à manutenção da vida. Ainda que as expectativas de vida tenham avançado mundialmente, as condições de mortalidade em alguns casos denotam a permanência de algu- mas doenças que em determinados locais já foram superadas e apresentam, ainda, o avanço de alguns problemas para a qualidade de vida, como aqueles relacionados ao câncer, às doenças cerebrovasculares, à drogadição, às do- enças sexualmente transmissíveis e ao estresse. Como resposta, uma série de organizações governamentais e não-governamentais têm agido e investido em ações que visam prevenir os problemas mencionados e que podem promover a qualidade de vida da população. Essas reordenações das propostas em saúde têm empreendido um novo entendimento para o campo da medicina: ela não deve tratar apenas uma doença, em um sujeito isolado, mas promover a prevenção dos eventos que possam colocar em xeque a saúde, articulando ações sociais com toda a população. Promoção da saúde Como vimos ao final da seção anterior, os conceitos de saúde passaram a abordar um enfoque de múltiplas responsabilidades que devem ser desen- volvidas pelo Estado, de forma a garantir esse direito a cada cidadão. Nesse sentido, quatro conferências ganharam destaque na busca por conceitos que abordassem e pudessem orientar os Estados nas proposições de políticas de promoção da saúde, realizadas em Ottawa (CARTA..., 1986), Adelaide (DECLARAÇÃO..., 2002), Sundsvall (DECLARAÇÃO..., 1991) e Jacarta (DECLARACIÓN..., 1997). As conferências realizadas em diversos momentos históricos buscaram elaborar de forma coletiva, por representantes de diversas nações, os preceitos orientadores da promoção da saúde. O link a seguir direcionará você para um documento que reúne os textos resultantes de cada uma das conferências na íntegra, constituindo um importante instrumento de fundamental referência para gestores, gerentes, profissionais de saúde, pesquisadores e demais atores interessados nas questões pertinentes ao tema. https://goo.gl/qJfRoz Padrões de saúde e doença8 Podemos destacar que a busca por um conceito de promoção da saúde, que hoje baliza as práticas políticas nesse campo, parte de alguns anos anteriores a essas conferências. Na década de 1940, Henry Sigerest, influente historiador em medicina, foi um dos pioneiros na conceptualização da promoção em saúde. Para ele a medicina deveria se preocupar com quatro eventos fundamentais: a promoção da saúde, a prevenção das doenças, a recuperação dos enfermos e a reabilitação. Nessas atribuições, a promoção da saúde se encaixa na oferta de condições de vida adequadas ao desenvolvimento humano, boas condições de trabalho, cujas jornadas não devem apresentar riscos à saúde física ou mental, educação, possibilidades de atividades voltadas ao bom desenvolvimento físico e formas de lazer e descanso (ROSEN, 1979). No mesmo sentido, Leavell e Clark, em 1976, elaboravamum conceito de promoção da saúde focado no indivíduo, e que era projetado para suas famílias e para os grupos sociais de que participavam. Nessa perspectiva, a promoção da saúde desenvolvia-se a partir de uma boa nutrição, elaborada para cada fase do desenvolvimento humano, das influências positivas exercidas pelos pais, das atividades sociais e em grupos, da educação sexual, de moradia adequada, da recreação e das condições adequadas nas experiências do lar e do trabalho. Na perspectiva dos autores, a orientação sanitária, através de exames de saúde periódicos e do contato contínuo entre pacientes e médicos, deveria compor a promoção da saúde (BUSS, 2000). As compreensões desenvolvidas no século XX englobaram as conferências realizadas pela OMS e acompanharam as concepções globais de promoção de saúde, voltadas ao coletivo social e à promoção de ambientes adequados, que não se limitam apenas ao campo físico, mas se estendem aos espectros sociais, políticos, econômicos e culturais. Tais concepções estão ancoradas nos princípios de promoção de saúde através das políticas públicas e das condições de desenvolvimento da saúde adequadas, estas promovidas pelo Estado, e pelo empowerment, a capacidade de engajamento dos indivíduos e das comunidades em atitudes saudáveis. Prevenção em saúde Nesse contexto de promoção de saúde, surge o conceito de prevenção, que, para Czeresnia e Freitas (2009), denota sentidos diferentes na forma de abordar a saúde, contudo complementares. Para os autores, a promoção da saúde é um processo mais amplo, que tem vistas a identificar e enfrentar os macrodetermi- nantes ambientais, econômicos, culturais e sociais, transformando-os de modo favorável na direção da saúde. Para tanto, a promoção da saúde busca modificar 9Padrões de saúde e doença as condições de vida, direcionando ações individuais e coletivas para o bem- -estar e a qualidade de vida. Convergindo nessa direção, a prevenção busca modos de isentar a população, de maneira individual, de fatores que possam contrariar a saúde. Nesse sentido, não contrair uma doença é o produto final e o principal objetivo. A detecção, o controle e o enriquecimento de fatores de risco são os principais modos de conduzir as políticas de prevenção em saúde. Nesse aspecto, a prevenção ocorre em diferentes níveis. � Prevenção primária: relacionada ao controle de incidência; nessa perspectiva, ocorrem ações para evitar as enfermidades. Por exemplo, os programas de imunizações, como as vacinas para sarampo, polio- mielite, entre outras. � Prevenção secundária: relacionada ao controle da duração e das preva- lências; após a identificação de impossibilidade de evitar determinadas enfermidades, a prevenção em saúde busca modos de curar determinadas patologias. Nessa situação, podemos evidenciar os exames preventivos ao câncer, que buscam identificar esta patologia em uma fase inicial de desenvolvimento. � Prevenção terciária: também denominado de controle de complica- ções adicionais, busca amenizar os efeitos que determinadas doenças possam apresentar na sociedade. Como exemplo para esse nível de prevenção, podemos destacar as ações voltadas ao público diabético, que geralmente apresenta complicações em decorrência do descuido da nutrição, gerando problemas associados à doença. Promoção e prevenção: estabelecendo diferenças Com o foco predominantemente nas doenças e nos seus efeitos, é possível pensar que a saúde, em uma perspectiva preventiva, é tomada a partir da ausência de doenças. Por outro lado, a promoção em saúde não se relaciona apenas ao campo da medicina, propondo abordagens que fogem a esse setor e que englobam a participação da sociedade, de modo geral, na construção de ambientes e fatores favoráveis ao desenvolvimento de seu bem-estar e qualidade de vida (BRASIL, 2002). Para melhor elucidar as diferenças que se evidenciam entre a promoção e a prevenção em saúde, o Quadro 1 demonstra um comparativo entre essas duas concepções. Padrões de saúde e doença10 Fonte: Adaptado de Czeresnia e Freitas (2009, p. 39). Categoria comparativa Promoção da saúde Prevenção de doenças Conceito de saúde Multidimensional Ausência de doença Modelo de intervenção Participativo Médico Alvo Toda a população, no seu ambiente total Principalmente os grupos de alto risco Incumbência Rede de temas da saúde Patologias específicas Estratégias Diversas e complementares Geralmente únicas Abordagens Facilitação e capacitação Direcionadas e persuasivas Direcionamento das medidas Oferecidas à população Impostas a grupos-alvo Objetivos dos programas Mudanças nas situações dos indivíduos e nos seus ambientes Foco em indivíduos ou grupos de pessoas Executores dos programas Organizações não profissionais, movimentos sociais, governos locais, municipais, regionais e estaduais, entre outros Profissionais da saúde Quadro 1. Diferenças entre promoção e prevenção Com base no Quadro 1, percebemos que a promoção e a prevenção, embora semelhantes e complementares, traduzem conceitos diferentes. Prevenir, no sentido literal do termo, quer dizer “[...] preparar; chegar antes; chegar antes de maneira que se evite o dano ou o mal; impedir que se realize determinado feito” (CZERESNIA; FREITAS, 2009, p. 49). A prevenção, no âmbito da saúde, trata das intervenções que orientam as ações capazes de evitar doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência em determinadas populações. A base das ações preventivas são os estudos e conhecimentos epidemiológicos, que buscam, em síntese, o controle de doenças infecciosas e a redução dos riscos de doenças degenerativas. Os projetos de ações preventivas em saúde buscam a 11Padrões de saúde e doença divulgação de conhecimentos produzidos a partir de estudos epidemiológicos e as recomendações de mudanças de hábitos dos indivíduos. Por outro lado, o termo promoção remete a ideia de “[...] dar impulso; fomentar; originar; gerar” (CZERESNIA; FREITAS, 2009, p. 49). A promo- ção é um processo mais amplo em saúde, não se referindo a uma doença em específico, mas oportunizando melhorias estruturais nas condições de vida e no bem-estar geral. As estratégias de ação na promoção da saúde visam, portanto, a melhoria ambiental e de condições de trabalho, abrangendo ações intersetoriais. Para melhor exemplificar os conceitos de promoção e prevenção de saúde, imagine um ambiente corporativo em uma empresa qualquer. A perspectiva de promoção da saúde passaria pelas ações ambientais, que podem fornecer uma melhor qualidade de vida aos trabalhadores, como os recursos físicos adequados, salários e jornadas de trabalho favoráveis aos momentos de lazer e culturais e a boa relação social entre os empregados e os fatores psicossociais. As ações voltadas à prevenção de doenças se enquadrariam nos aspectos relacionados com evitar doenças que atingem a população em situações de trabalho, como campanhas de vacinação. Os conceitos de promoção e prevenção orientam as políticas públicas, privadas e público-privadas voltadas à saúde. Esses elementos pautam os estudos epidemiológicos, que buscam, sobretudo, a identificação de arquétipos da ocorrência de doença em populações humanas e fatores que determinam e formam tais padrões. Na próxima seção, vamos debater como os estudos epidemiológicos articulam-se aos conceitos de saúde discutidos ao longo deste capítulo. Os estudos epidemiológicos buscam identificar padrões de recorrên- cia patológica em determinadas populações. A partir dos dados fornecidos por tais estudos, os órgãos de saúde pública podem planejar e realizar ações, procedimentos e métodos que promovem programas e tecnologias voltadas à saúde e ao controle e diminuição de incidência de determinados riscos à saúde. Padrões de saúde e doença12 Evidências e benefícios de estudos epidemiológicos no âmbito de saúde O termo epidemiologia deriva do grego (epi = sobre; demos = população; logos = estudo), que significao estudo sobre populações. Trata-se de uma ciência que gera conhecimento e respostas às diferentes questões envolvidas no processo saúde-doença, fornecendo suporte técnico aos profissionais e sistemas de saúde. O estudo epidemiológico esteve presente por boa parte da história da humanidade. Contudo, apenas no século XIX passou por avanços significativos. John Snow, considerado o pai da epidemiologia moderna, desenvolveu uma pesquisa que revolucionaria os achados nessa área da saúde. O bairro em que abriu seu consultório, Soho, em Londres, apresentava muitos moradores sofrendo com a cólera, uma doença infectocontagiosa que atinge o intestino e tem como consequência diversos sinais e sintomas, como diarreia, perda de voz, dores na barriga e, em casos mais graves, a hipotensão decorrente da perda de volume sanguíneo, podendo levar à morte. Até então, acreditava-se que a cólera era transmitida pelo ar, em uma espécie odores fétidos que pro- vinham de pântanos e locais com matéria orgânica em putrefação (miasma), como propunha a teoria miasmática, muito difundida no século XVII. Em contraposição a esta teoria, Snow propôs investigar a causa da cólera, partindo da ideia que alguns indivíduos apresentavam os sinais e sintomas e outros não. Assim, utilizou-se de mapas, gráficos e de dados colhidos junto aos doentes e familiares daqueles que haviam falecido para identificar onde os casos ocorriam e qual a relação entre eles. Identificou que muitos dos indi- víduos que apresentavam a doença, haviam consumido água de uma mesma fonte e que os médicos que tratavam os pacientes não apresentavam sinais de contaminação. Após alguns anos de investigação, foi descoberto que a fonte de uma das ruas do bairro havia sido contaminada pela fossa de uma casa. Evidentemente, muitos anos se passaram para que Snow tivesse sua teoria aprovada pela comunidade médica. A exposição de sua teoria ocorreu em 1849 e o fechamento da fonte apenas em 1856, demonstrando a incredibilidade da sociedade médica à época. Ainda que tenha surtido efeito no controle da cólera naquela localidade, somente em 1866 ela foi socialmente aceita, quando Londres enfrentou mais uma ampla epidemia da doença (JOHNSON, 2008). 13Padrões de saúde e doença Pode-se dizer que o modo como Snow conduziu sua pesquisa, fazendo ques- tionários, realizando buscas por incidências da doença e elencando estratégias, está presente nas estratégias epidemiológicas atuais. Podemos encontrar ações parecidas no controle da transmissão do vírus da Aids/HIV atualmente. Em grande escala, os dados coletados apresentam os números de casos a partir de regiões geográficas, sexo, idade, renda, ocupação entre outros determinantes. No mesmo sentido, podemos verificar ações parecidas no controle de doenças transmitidas por mosquitos, como a Dengue e o vírus Zika, e também naquelas transmitidas a partir do contato próximo entre um infectado e um sujeito não infectado, como o sarampo, por exemplo. A epidemiologia, portanto, contribui com os avanços médicos no sentido de identificar as doenças, as populações suscetíveis e as melhores formas de controlar ou diminuir a contaminação. No Brasil, estes estudos começam a ganhar força ainda no período co- lonial, quando a sede portuguesa foi transferida para nosso país, trazendo a Família Real Portuguesa. O controle das doenças que se desenvolviam em uma população crescente, em um território onde cada vez mais as atividades comerciais ocorriam, com a consequente ampliação dos portos, era uma ne- cessidade para proteger a saúde da corte real. Nesta época, D. João VI criou o primeiro órgão que se propunha a erradicar as doenças que se apresentavam no solo brasileiro. Consultando os médicos, foi elaborada a perspectiva de que as doenças se transmitiam pelo ar, seguindo a teoria miasmática, e a origem de bactérias que afetavam a saúde dos seres humanos estava nos cemitérios das zonas centrais da cidade e nos pântanos de águas paradas, onde a matéria orgânica animal e vegetal se decompunha, liberando gases prejudiciais. Para combater esses males, D. João VI propôs padrões de urbanização da cidade, envolvendo aterro de águas paradas, normas de saúde para enterro de mortos e a demarcação de ruas, estabelecendo padrões de vigilância que permanecem nos dias atuais (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999). A vigilância é o processo realizado para coletar, gerenciar, analisar, interpre- tar e relatar informações relacionadas à saúde. As ações em vigilância envolvem diferentes órgãos e instituições, em geral públicos. O propósito principal das ações de vigilância é estabelecer informações basais para compreender e controlar a saúde da população. De modo a aprofundar a interpretação dos dados referentes à saúde de determinada população, são necessários estudos epidemiológicos, estabelecendo evidências fidedignas dos fatores que englobam a saúde de determinada população em determinada região. Padrões de saúde e doença14 Abrangência da epidemiologia A ciência epidemiológica busca respostas aos problemas da saúde. Para tanto, utiliza-se de diversas outras ciências para formular tais entendimentos, como a estatística, a antropologia, a biologia, entre outras. Os estudos epidemioló- gicos são desenvolvidos em duas áreas principais: estudos epidemiológicos descritivos e estudos epidemiológicos analíticos. De modo geral, podemos estabelecer que a epidemiologia trata das relações entre uma tríade formada pelo agente causador das doenças, como os vírus, bactérias ou disfunções orgânicas, que incidem em determinadas populações; o ambiente no qual o agente se desenvolve também está pautado pelos hábitos e condições de cada ser humano e pelos hospedeiros, referentes aos indivíduos e populações específicas (Figura 1). Figura 1. Tríade epidemiológica. Hospedeiro AgenteAmbiente Os estudos epidemiológicos descritivos buscam entender a distribuição da frequência de doenças através da tríade: tempo, lugar e pessoas. Ou seja, objetiva compreender de que forma uma determinada doença se encontra agrupada em determinado período temporal, em determinado grupo social e/ ou determinada região, assim como a quantidade de ocorrências dessa doença. Utilizando um evento recente na realidade brasileira, podemos vislumbrar a aplicabilidade desse estudo no levantamento de recém-nascidos que foram afetados pela epidemia do vírus Zika, em 2015. Para tanto, evidentemente, utilizam-se variáveis como tempo, espaço e número de indivíduos. Esses estudos buscam responder três questões fundamentais (STEFFENS, 2018), descritas a seguir. 15Padrões de saúde e doença 1. “Quem são as pessoas afetadas pelas doenças em questão?”: busca identificar padrões de recorrência em determinados indivíduos, como idade, hábitos, sexo, raça, etc. 2. “Quando a doença se mostra recorrente?”: busca identificar períodos de recorrência das doenças, como os períodos sazonais em que os casos aumentam, por exemplo. 3. “Onde a doença possui maior prevalência?”: busca identificar as regiões em que as doenças se demonstram mais evidentes e recorrentes, assim como quais localidades colocam as pessoas em situações mais suscetíveis para contrai-las. Por sua vez, os estudos epidemiológicos analíticos buscam comprovar cientificamente uma hipótese anteriormente formulada através da tríade hos- pedeiro, ambiente e agente. Nesse caso, os métodos estatísticos atestam as relações entre a doença, os sujeitos em sua exposição e os fatores de risco. Utilizando o exemplo anterior, acerca do vírus Zika, podemos evidenciar que esse agente é transmitido através de um mosquito que habita as regiões mais quentes do país, explicando sua maior incidência em determinadas regiões. Nessa abordagem, duas perguntas guiam o estudo (STEFFENS, 2018). 1. “Com que frequência os eventos ocorrem?”: busca comparar a in- cidência de indivíduos expostos aos fatores de risco em relação aos indivíduos não expostos. 2. “A exposição e o desfecho estão relacionados?”:busca entender se a hipótese formulada acerca da exposição de indivíduos está relacionada à incidência da doença. Objetivos e benefícios da epidemiologia Como viemos discutindo até aqui, é possível pensar que os estudos descritivos buscam apenas analisar e descrever os casos clínicos, enquanto o método analítico busca a experimentação e explicação desses casos. Ao compreen- dermos as bases que orientam esse estudo, é possível delimitar alguns dos objetivos dessa ciência, que se apresentam como benefícios para a promoção e prevenção de saúde, quais sejam: Padrões de saúde e doença16 Descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de saúde nas popu- lações humanas; Identificar e entender o agente causal e os fatores relacionados aos agravos à saúde; Identificar e explicar os padrões de distribuição geográfica das doenças; Estabelecer metas e estratégias de controle; Estabelecer medidas preventivas; Auxiliar no planejamento e desenvolvimento de serviços de saúde ao elencar as prioridades (STEFFENS, 2018, p. 17). A partir desses objetivos, é possível coletar diferentes informações para compreender as doenças e suas incidências na população, além de delimitar as tomadas de decisão para melhor prevenir, reduzir e controlar os seus efeitos. Os estudos epidemiológicos, portanto, elucidam algumas questões-chave para a promoção da saúde e prevenção de doenças, como, por exemplo (GOMES; LI; CARVALHO, 2005): � anormalidade — verificado o desvio ao padrão de normalidade, busca- -se a definição de se, de fato, trata-se de uma doença; � diagnóstico — busca identificar se a precisão do diagnóstico é consi- derada significativa; � frequência — estabelece indicadores de frequência em uma população específica; � fatores de risco — compreende relacionar os fatores de risco ao de- senvolvimento da doença; � prognóstico — identifica as consequências que a doença gera em um indivíduo ou em uma população específica; � tratamento — identifica o melhor tratamento a ser conduzido; � causa — corresponde aos elementos que originam a situação a ser enfrentada. Esses elementos, resultantes da soma das informações biológicas e estatís- ticas, constituem evidências que guiam o processo preventivo e promotor de saúde de modo a otimizar os resultados das ações e a minimizar de prejuízos. Nesse sentido, as indagações generalistas e precisas das doenças, aliadas ao entendimento dos aspectos individuais de cada sujeito, pautam a condução das ações em saúde. É possível compreender, portanto, que o conceito de saúde, 17Padrões de saúde e doença ARAÚJO, J. S.; XAVIER, M. P. o conceito de saúde e os modelos de assistência: Consi- derações e perspectivas em mudança. Revista Saúde em Foco, Teresina, v. 1, n. 1, p. 117-149, jan./jul. 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. As cartas da promoção da saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002. (Série B. Textos Básicos em Saúde). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. 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Padrões de saúde e doença18 manos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/ constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 4 nov. 2018. ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1979. ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. A. Epidemiologia e saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999. SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Saúde Coletiva, v. 17, n. 1, p. 29-41, 2007. STEFFENS, D. Epidemiologia: contexto histórico. In: MARTINS, A. A. B.et al. Epidemiologia. Porto Alegre: SAGAH, 2018. Leituras recomendadas FLETCHER, R. H.; FLETCHER, S. W.; FLETCHER, G. S. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. HAYNES, R. B. et al. Epidemiologia clínica: como fazer pesquisa clínica na prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. HULLEY, S. B. et al. Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. Porto Alegre: Artmed, 2008. 19Padrões de saúde e doença Conteúdo: Dica do professor Os estudos epidemiológicos podem ser analíticos ou descritivos. Entre os estudos analíticos, que buscam examinar a existência de associações entre uma exposição e uma doença ou condição relacionada à saúde, podemos determinar diversos delineamentos de pesquisa. No vídeo a seguir, você conhecerá as características e diferenças fundamentais entre os estudos ecológicos, os estudos seccionais, os estudos caso-controle e os estudos de coorte, algumas das principais abordagens metodológicas em epidemiologia. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/1dc08dba4a130862011ff0cf5d1fd78e Exercícios 1) Ao longo da história, podemos destacar o fato de que os conceitos de saúde foram se modificando conforme as transformações sociais. Desse modo, assinale a alternativa que apresenta o conceito elaborado por diversos Estados, resultante das conferências organizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A) Os conceitos apontados pela OMS indicam que a saúde é um processo contrário à doença. Ou seja, o Estado com menos incidência de doenças é considerado o que tem maiores avanços em saúde. B) Segundo a OMS, a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo apenas na ausência de doenças ou de enfermidades. C) Dentro dos princípios da OMS, os dados de avanço da saúde consistem na elaboração de evidências que indiquem o avanço econômico e tecnológico das nações. D) Os principais indicadores de saúde, conforme orientado pelo conceito da OMS, devem prever apenas as condições de trabalho da população. E) Considerando a abrangência do conceito de saúde formulado pelas conferências da OMS, podemos considerar que apenas a visão da medicina é necessária para constatar os avanços em saúde. 2) A Organização Mundial da Saúde (OMS) participou ativamente, articulando ações no combate a algumas doenças, como a malária e a varíola. Após obter sucesso nas ações, principalmente no casoda varíola, esperava-se que a OMS elegesse outra doença para direcionar suas ações; no entanto, ela apenas estabeleceu diretrizes para que os países membros da ONU pudessem desenvolver seus programas de saúde. Entre as alternativas a seguir, assinale aquela que apresenta uma das orientações da OMS aos Estados. A) Os sistemas de saúde devem ser implantados pelos governos, sendo vedada a participação da comunidade, de modo que o senso comum não interfira nas ações propostas. B) O custo dos serviços deve ser elevado, garantindo a qualidade do serviço prestado. C) As ações de saúde devem ser práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis. D) Os programas e instituições de saúde devem estar apenas em regiões de altos indicadores econômicos, evitando a contaminação dos espaços voltados à promoção e prevenção. E) As ações de saúde devem ser direcionadas apenas aos indivíduos que se encontram na infância ou na adolescência, tendo em vista a suscetibilidade dessas populações. 3) Muito utilizados, os conceitos de promoção e prevenção, no âmbito da saúde, são deveras parecidos. No entanto, algumas características diferenciam essas duas concepções. Entre as alternativas abaixo, assinale aquela que se apresenta como correta quanto à diferenciação da promoção da saúde e da prevenção de doenças. A) Nas ações de promoção da saúde, o alvo geralmente é um grupo específico, enquanto na prevenção de doenças o alvo é toda a população. B) Nas ações de promoção da saúde, as propostas são direcionadas e persuasivas, enquanto na prevenção de doenças as propostas visam à facilitação e à capacitação. C) Nas ações de promoção da saúde, os objetivos estão pautados nas mudanças das situações dos indivíduos e de seus ambientes, enquanto na prevenção de doenças os objetivos focam as doenças em indivíduos ou grupos de pessoas. D) Nas ações de promoção da saúde, o enfoque se dá, predominantemente, por meio dos saberes médicos, enquanto na prevenção de doenças o enfoque é multidimensional. E) Nas ações de promoção da saúde, a execução dos programas é feita apenas por profissionais da saúde, enquanto na prevenção de doenças a execução se dá em regime participativo por parte de vários setores da sociedade. 4) A prevenção ocorre em diferentes níveis de ação. Considerando uma população hipertensa, cujo programa voltado à saúde se dá no sentido de evitar as complicações decorrentes da sua condição, como, por exemplo: a arteriosclerose; podemos constatar que o nível de prevenção, nesse, caso é o: A) primário, uma vez que a hipertensão pode ser revertida. B) secundário, uma vez que busca identificar possíveis doenças que os sujeitos podem vir a desenvolver. C) terciário, uma vez que as medidas a serem adotadas ocorrem no sentido de evitar que novas complicações em decorrência da hipertensão possam surgir. D) primário, pois as ações devem ocorrer antes do início da manifestação da hipertensão. E) secundário, pois medidas como exames preventivos e campanhas de vacinação são necessárias nesse caso. 5) Os estudos epidemiológicos podem ser divididos em dois grandes grupos: os descritivos e os analíticos. Embora tenham algumas diferenças substanciais, ambos apresentam objetivos em comum. Entre as alternativas a seguir, assinale aquela que apresenta um objetivo dos estudos epidemiológicos. A) Descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de saúde nas populações humanas. B) Desconsiderar o agente causal e fatores relacionados aos agravos à saúde. C) Estabelecer medidas de prevenção que tenham a mesma prioridade. D) Buscar a cura da doença sem elaborar metas e estratégias de controle. E) Estabelecer medidas preventivas, desconsiderando aspectos relacionados à cura. Na prática Os estudos epidemiológicos são muito importantes para identificar os hábitos da população e direcionar ações por meio de programas de intervenção. O exemplo a seguir mostra Rafaela, uma profissional de Educação Física engajada na qualidade de vida dos habitantes de sua cidade. Rafaela propôs um estudo, realizado em diferentes bairros do Município no qual reside, com pessoas de diversas classes sociais e de diferentes idades, buscando identificar a frequência de atividades físicas e os problemas relacionados ao sono, dois indicadores de qualidade de vida. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/c96e26d5-266a-48c0-b407-ef43d11d881d/b880252e-208c-47f8-b6ac-363329fe4895.png Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Bases e conceitos da epidemiologia O objetivo da epidemiologia é fornecer os conceitos, o raciocínio e as técnicas para os estudos populacionais no campo da saúde. No vídeo a seguir você assistirá a um vídeo-aula que busca realizar uma síntese do histórico, dos objetivos e das especificidades da epidemiologia. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Epidemiologia, atividade física e saúde Para melhor proporcionar intervenções efetivas na sociedade, é necessário compreender as relações entre epidemiologia, atividade física e saúde. No link, a seguir, você terá acesso a um capítulo do livro Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis, elaborado pelo Instituto Nacional do Câncer, que debate essas questões. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Aspectos históricos e conceituais da epidemiologia, atividade física e saúde Os estudos epidemiológicos em atividade física visam a descrever as condições de saúde da população, investigar os fatores determinantes da situação de saúde, bem como avaliar o impacto das ações para alterar a situação de saúde. Para melhor compreender essas relações e objetivos, é necessária uma aproximação conceitual desses fenômenos. O artigo a seguir traz uma revisão dos principais estudos epidemiológicos em atividade física, contemplando, também, a evolução conceitual e as diferentes abordagens dessa temática. https://www.youtube.com/embed/eLAPSl36OmY https://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/saude_coletiva_cap1.pdf Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. http://www2.fct.unesp.br/docentes/edfis/ismael/ativ.fis%20e%20saude/Epidemiologia%20da%20atividade%20f%EDsica.pdf
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