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Teste de RORSCHACH - Damion Searls

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Nota	do	autor
Introdução:	Folhas	de	Chá
1	Tudo	se	torna	movimento	e	vida
2	Klex
3	Eu	quero	ler	as	pessoas
4	descobertas	extraordinárias	e	mundos	guerreiros
5	Um	caminho	próprio
6	pequenas	manchas	de	tinta	cheias	de	formas
7	Hermann	Rorschach	sente	seu	cérebro	sendo	dividido
8	As	ilusões	mais	obscuras	e	elaboradas
9	seixos	em	um	leito	de	rio
10	Uma	Experiência	Muito	Simples
11	Provoca	interesse	e	agitação	em	todos	os	lugares
12	A	psicologia	que	ele	vê	é	Sua	psicologia
13	Bem	no	limiar	para	um	futuro	melhor
14	Os	borrões	de	tinta	vêm	para	a	América
15	Fascinante,	Impressionante,	Criativo,	Dominante
16	A	Rainha	dos	Testes
17	Icônico	como	um	estetoscópio
18	Os	Rorschachs	nazistas
19	Uma	crise	de	imagens
20	O	Sistema
21	pessoas	diferentes	veem	coisas	diferentes
22	Além	de	Verdadeiro	ou	Falso
23	Olhando	para	a	Frente
24	O	teste	de	Rorschach	não	é	um	teste	de	Rorschach
Apêndice:	A	Família	Rorschach,	1922–2010
HERMANN	 R	 ORSCHACH	 '	 S	 C	 HARACTER	 por	 Olga	 Rorschach-
Shtempelin
Agradecimentos
Sobre	o	autor
	
	
Caminhos	distantes	e	distintos	que	poderiam	nunca	se	cruzar.	De	um	lado,	a
busca	pela	verdade	e,	do	outro,	a	possível	mentira	bem	encenada.	Rorschach	e
Richthofen	se	encontram	onde	fatos,	manchas	e	mentiras	duelam.
	 	 	 Em	 2002,	 quase	 todos	 os	 brasileiros	 ficaram	 sabendo	 de	 um	 crime
tenebroso	 e	 o	 nome	 de	 quem	 o	 orquestrou:	 Suzanne	 Von	 Richthofen,	 que
organizou	o	assassinato	dos	próprios	pais	com	ajuda	do	namorado	e	do	cunhado
(chamados	de	“irmãos	Cravinhos”).
						Foi	um	acontecimento	impactante	na	época	(e	ainda	é	hoje),	com	enorme
repercussão	midiática.	Todos	queriam	entender	os	motivos	dela	para	fazer	aquilo
com	os	próprios	pais.	Muitos	a	rotularam	de	“psicopata”	e	poucos	acreditavam
na	versão	de	Suzane,	que	teria	sido	uma	vítima	manipulada	pelo	namorado	e	o
cunhado,	que	queriam	a	fortuna	da	abastada	família	Von	Richthofen.
	 	 	 	 	 	Eu	mesmo,	quando	iniciei	meus	estudos	de	perícia	facial	e	 linguagem
corporal,	me	deparei	inúmeras	vezes	com	o	caso	de	Suzane.	Por	exemplo,	nesta
foto:
	
	
					
Em	 um	 momento	 típico	 da	 família,	 podemos	 entender	 um	 pouco	 do	 seu
estado	de	humor:	na	extrema	direita,	temos	Manfred	Albert	von	Richthofen	(pai
de	Suzane),	com	olhar	austero,	 leve	sorriso	e,	com	postura	relaxada,	envolve	a
esposa	com	o	braço	direito;	à	sua	esquerda	temos	Marísia	von	Richthofen	(mãe
de	Suzane),	em	sua	face	vemos	um
	
Grande	 e	 aberto	 sorriso,	 juntamente	 de	 contrações	 na	 região	 orbicular	 dos
olhos,	 uma	 face	 conhecida	 como	 “sorriso	 de	 felicidade	 genuína”;	 à	 esquerda
dela,	 de	 camiseta	 vermelha,	 vemos	Andreas	 Albert	 von	 Richthofen	 (irmão	 de
Suzane),	com	sorriso	similar	ao	da	mãe,	gesticulando	energicamente;	por	fim,	na
extrema	esquerda	do	sofá,	Suzane	Von	Richthofen.	Repare	primeiro	na	diferença
de	sua	postura	comparada	aos	demais:	ela	está	fechada,	os	ombros	tensionados	e
apoia	 os	 cotovelos	 nas	 pernas	 (uma	 postura	 sólida),	 na	 face	 vemos	 um	 leve
sorriso,	não	observamos	contrações	ao	redor	dos	olhos,	como	na	mãe	e	no	irmão
(conhecido	 como	 “sorriso	 social”,	 ou	 seja,	 potencial	 indicador	 de	 ausência	 de
felicidade	genuína,	hipótese	reforçada	pelos	outros	elementos	de	sua	linguagem
corporal	neste	momento).
	 	 	 	 	Apesar	dessa	microanálise	–	e	de	quaisquer	outras	que	poderiam	surgir
com	base	em	vídeos	ou	outras	fotos	da	família	Von	Richthofen	-,	ainda	restavam
grandes	questões,	como	“Suzane	é	genuinamente	má?”	e	“Ela	pode	voltar	para	a
sociedade?”.
	 	 	 	 	 Tais	 perguntas	 jamais	 poderiam	 ser	 respondidas	 usando	 a	 apenas	 a
observação	de	linguagem	corporal	de	Suzane	ou	mesmo	com	outras	técnicas	de
entender	 o	 comportamento	 dela.	 Com	 o	 passar	 do	 tempo	 tais	 questões
continuavam	ganhando	peso,	pois	se	aproximava	o	momento	de	Suzane	solicitar
o	cumprimento	do	 restante	da	pena	em	 liberdade.	E	ela	 tinha	chances	 reais	de
conseguir,	pois	como	seria	possível	provar	perante	a	 justiça	que	aquela	mulher
era	um	perigo	para	a	sociedade?	Como	saber	de	verdade	quem	era	Suzane	Von
Richthofen?
	 	 	 	 	 	A	própria	Suzane,	 condenada	a	39	anos	por	assassinato,	não	cometeu
qualquer	 agressão	 física	 contra	 os	 pais.	 Não	 foi	 ela	 quem	 desferiu	 os	 golpes
mortais,	portanto	era	cada	vez	mais	possível	que	a	interpretação	de	mandante	do
crime	acabasse	virando	coação	a	alguém	obrigada	a	fazer	o	que	fez,	o	que	seria
favorável	para	o	pedido	de	regime	aberto	feito	por	ela	em	2017.
						Então,	para	obter	alguma	evidência	sobre	o	comportamento	de	Suzane,
para	 entender	 suas	 reais	 intenções,	 que	 o	 Ministério	 Público	 solicitou	 testes
psicológicos,	o	que	culminou	em	Suzane	realizar	o	famoso	Teste	de	Rorschach,	e
foi	 principalmente	 pelos	 resultados	 obtidos	 com	 esse	 teste,	 que	 ela	 teve	 seu
pedido	de	regime	aberto	negado.
	
	 	 	 	 	 	 	 Os	 resultados	 contidos	 no	 laudo	 psicológico,	 com	 base	 no	 teste	 de
Rorschach,	 diziam	 que	 Suzane	 tem	 personalidade	 egocêntrica,	 narcisista	 e	 é
alguém	influenciável	por	condutas	violentas.	Com	base	nos	testes,	a	promotoria
criminal	 recomendou	 que	 a	 detenta	 fosse	mantida	 presa,	 ainda	 que	 em	 regime
prisional	mais	brando.	Suzane	fez	o	teste	de	Rorschach	outra	vez,	e	os	resultados
foram	similares,	indicando	personalidade	extremamente	perigosa.
	 	 	 	 	 	Pare	para	pensar	por	um	momento:	e	se	não	existisse	 tal	 teste?	Como
seria	possível	 entender	as	 reais	 intenções	dela?	Quais	 seriam	as	consequências
para	 a	 sociedade	 de	 considerá-la	mentalmente	 capaz	 de	 cumprir	 o	 restante	 da
pena	em	regime	semiaberto?
					O	peso	do	teste	de	Rorschach	na	decisão	é	evidente.	Não	é	à	toa	que	até
hoje	é	um	assunto	que	rende	 inúmeras	discussões,	e	para	 realmente	entender	o
que	há	por	trás	daquelas	singelas	manchas	de	tinta	é	necessário	muito	estudo	na
área	da	saúde	mental.	Por	exemplo,	as	fichas	reais	do	teste	não	são	liberadas	para
a	mídia	 –	 o	 que	 vemos	 em	 filmes,	 revistas	 ou	 séries,	 são	meras	 variações	 das
imagens	originais.	Portanto,	pode	ser	que	você	nunca	tenha	visto	as	dez	manchas
originais,	 e	 talvez	 não	 imagine	 o	 significado	 por	 trás	 delas	 e	 até	 mesmo	 o
histórico	 artístico	 da	 família	 de	 Rorschach,	 algo	 que	 influenciou	 seu	 pai,	 sua
mãe,	 e	 até	 mesmo	 o	 então	 jovem	 Hermann	 Rorschach	 a	 perseguir	 formas	 de
compreender	o	mundo	que	se	assemelhassem	a	proporções	e	dimensões	estéticas
de	obras	de	arte	(o	que,	conforme	relatado,	quase	levou	o	jovem	para	a	carreira
artística	em	vez	da	psiquiatria).
					Fiquei	fascinado	com	a	ideia	desse	teste,	queria	saber	cada	vez	mais	sobre
ele,	pois	assim	como	muitas	pessoas	já	tinha	ouvido	falar	do	teste	das	manchas
de	 tinta,	 já	 tinha	 visto	 em	um	ou	 outro	 desenho	 animado,	 em	 filmes,	 ou	 visto
designs	de	roupas	com	estampas	similares	aos	borrões	do	teste	de	Rorschach.
						Eu	estava	admirado	com	a	ideia	de	um	teste,	aparentemente	sem	sentido
(alguns	borrões	sem	padrão),	ser	capaz	de	quebrar	todo	o	esquema	racional	que
alguém	 como	 Suzane	 seria	 capaz	 de	 inteligentemente	 montar	 para	 responder
positivamente	a	 testes	psicológicos	e,	assim,	ser	vista	como	uma	personalidade
inofensiva	 (basta	 levar	em	conta	que	a	própria	mãe	de	Suzane	era	psiquiatra	e
nunca	teria	emitido	alguma	opinião	sobre	a	filha,	julgando-a	psicopática).
	
Foi	 exatamente	 nesse	 contexto	 que	 recebi	 este	 livro,	 tentando	 atentamente
perceber	os	detalhes	que	levaram	o	psiquiatra	suíço	Hermann	Rorschach	a	criar
o	seu	conhecido	método.	Assim	como	seu	teste,	a	história	de	sua	vida	nos	revela
a	mente	por	trás	da	vontade	de	entrar	na	mente	alheia,	nos	mostra	as	dificuldades
enfrentadas,	a	maturidade	muito	precoce,	as	perdas	familiares,	decisões	pessoais
e	até	mesmo	o	latente	lado	artístico	de	Hermann	Rorschach.
	
Tais	 momentos,	 similares	 a	 borrões	 de	 tinta,	 ora	 complexos	 demais	 ora
simples	 demais	 para	 serem	 verdade,	 levam	 os	 leitores	 perspicazes	 por	 um
caminho	 instigante	 para	 compreender	 não	 só	 a	 mente	 de	 Rorschach,	 comotambém	 suas	 motivações	 para	 querer	 ler	 o	 interior	 das	 pessoas,	 bem	 como	 o
êxito	em	criar	uma	ferramenta	capaz	de	fazê-lo.
	
Muitas	dúvidas	sobre	a	base	teórica	do	teste,	as	aplicações,	as	controvérsias
e	 os	 sucessos	 estão	 disponíveis	 nesta	 obra	 para	 aqueles	 que,	 como	 Hermann
Rorschach,	têm	interesse	em	conseguir,	ainda	que	brevemente,	ter	um	vislumbre
muito	verossímil	do	 interior	da	mente	humana	alheia	e,	assim,	 realmente	saber
com	quem	está	lidando.
Boa	leitura.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Vitor	Santos.
Metaforando
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
O	teste	de	Rorschach	usa	dez	e	apenas	dez	manchas	de	tinta,	originalmente
criadas	 por	Hermann	Rorschach	 e	 reproduzidas	 em	 cartões	 de	 papelão.	O	 que
quer	 que	 sejam,	 são	 provavelmente	 as	 dez	 pinturas	 mais	 interpretadas	 e
analisadas	do	século	XX.	Milhões	de	pessoas	viram	as	cartas	reais;	a	maioria	de
nós	viu	versões	das	manchas	de	tinta	em	publicidade,	moda	ou	arte.	As	manchas
estão	por	toda	parte	-	e	ao	mesmo	tempo	um	segredo	bem	guardado.
O	 Código	 de	 Ética	 da	 American	 Psychological	 Association	 exige	 que	 os
psicólogos	mantenham	 os	materiais	 de	 teste	 "seguros".	Muitos	 psicólogos	 que
usam	o	Rorschach	acham	que	revelar	as	imagens	estraga	o	teste,	até	prejudica	o
público	em	geral	ao	privá-lo	de	uma	valiosa	 técnica	de	diagnóstico.	A	maioria
das	 manchas	 de	 Rorschach	 que	 vemos	 na	 vida	 cotidiana	 são	 imitações	 ou
remakes,	 em	 deferência	 à	 comunidade	 da	 psicologia.	 Mesmo	 em	 artigos
acadêmicos	 ou	 exposições	 em	museus,	 os	 borrões	 costumam	 ser	 reproduzidos
em	contorno,	borrados	ou	modificados	para	revelar	algo	sobre	as	imagens,	mas
não	tudo.
O	editor	deste	 livro	e	eu	tivemos	que	decidir	se	reproduziríamos	ou	não	as
manchas	 de	 tinta	 reais:	 qual	 escolha	 seria	 mais	 respeitosa	 para	 psicólogos
clínicos,	pacientes	em	potencial	e	leitores.	Não	há	um	consenso
claro	entre	os	pesquisadores	de	Rorschach	 -	 sobre	quase	 tudo	a	ver	 com	o
teste	-	mas	o	manual	para	o	sistema	de	teste	de	Rorschach	mais	moderno	em	uso
hoje	 afirma	 que	 "simplesmente	 ter	 exposição	 prévia	 às	 manchas	 de	 tinta	 não
compromete	 uma	 avaliação."	 Em	 qualquer	 caso,	 a	 questão	 é	 amplamente
discutível,	agora	que	as	imagens	não	têm	direitos	autorais	e	estão	disponíveis	na
Internet.	 Eles	 já	 estão	 facilmente	 disponíveis	 -	 um	 fato	 que	 muitos	 dos
psicólogos	que	se	opõem	à	divulgação	das	imagens	parecem	querer	ignorar.	Por
fim,	 optamos	 por	 incluir	 algumas	 das	 manchas	 de	 tinta	 neste	 livro,	 mas	 não
todas.
É	preciso	enfatizar,	porém,	que	ver	as	imagens	reproduzidas	online	-	ou	aqui
-	não	 é	 o	mesmo	 que	 fazer	 o	 teste	 real.	 O	 tamanho	 dos	 cartões	 é	 importante
(cerca	de	9,5	″	×	6,5	″),	o	espaço	em	branco,	o	formato	horizontal,	o	fato	de	que
você	pode	segurá-los	na	mão	e	girá-los.	A	situação	é	 importante:	a	experiência
de	fazer	um	teste	com	apostas	reais,	ter	que	dizer	suas	respostas	em	voz	alta	para
alguém	em	quem	você	confia	ou	não	confia.	E	o	teste	é	muito	sutil	e	técnico	para
pontuar	sem	um	treinamento	extensivo.	Não	existe	um	Rorschach	do	tipo	"faça
você	mesmo",	 e	 você	 não	 pode	 experimentá-lo	 com	um	amigo,	mesmo	 sem	o
problema	ético	de	descobrir	lados	de	sua	personalidade	que	ele	talvez	não	queira
revelar.
Sempre	foi	 tentador	usar	as	manchas	de	 tinta	como	um	jogo	de	salão.	Mas
todos	os	especialistas	no	teste	desde	o	próprio	Rorschach	insistem	que	não	é	um.
Eles	estão	certos.	O	inverso	também	é	verdadeiro:	o	jogo	de	salão,	online	ou	em
outro	lugar,	não	é	o	teste.	Você	pode	ver	por	si	mesmo	a	aparência	das	manchas
de	tinta,	mas	não	pode,	sozinho,	sentir	como	elas	funcionam.
	
	
	
	
						Desde	sua	divulgação	oficial	em	1921,	na	Suíça,	o	teste	de	Rorschach	é	o
mais	complexo	e	importante	instrumento	psicométrico	em	todo	o	mundo;	as
imagens	que	o	compõem	permaneceram	as	mesmas	e	se	consolidaram	como
uma	proposta	universal	e	atemporal	para	a	avaliação	da	personalidade.	A
criação,	a	trajetória	e	o	estabelecimento	metodológico	do	teste	de	Rorschach	são
narrados	no	presente	livro	que	o	homenageia	—	Teste	de	Rorschach,	de	Damion
Searls	—,	publicado	em	2017	nos	Estados	Unidos	e	extremamente	aclamado
pela	crítica	internacional	desde	então.
						A	publicação	desta	obra	atende	a	uma	demanda	do	movimento	rorschachista
nacional	e	internacional	no	sentido	de	revisitar	estudos	e	abordagens	sobre	esse
instrumento,	e	sua	tradução	chega	ao	Brasil	em	um	momento	muito	propício,
pois	no	ano	de	2021	o	uso	das	pranchas	de	Rorschach	terá	completado	um
século.	O	centenário	da	publicação	do	método	de	Rorschach	será	comemorado
em	muitas	línguas	e	de	diversas	maneiras.	Existem	atualmente	mais	de	26
associações	de	estudiosos	de	Rorschach	pelo	mundo,	e	a	comunidade
acadêmico-científica	de	estudos	e	prática	do	teste	de	Rorschach	terá	a
oportunidade	de	participar	de	inúmeras	celebrações,	incluindo	eventos
científicos	nacionais	e	internacionais.
						Ao	observar	o	passado,	podemos	visualizar	aspectos	futuros	e	entender
questões	de	nossa	atualidade,	por	isso	o	teste	de	Rorschach	pode	ser	mais	bem
compreendido	à	medida	que	estudamos	sobre	seu	criador	e	as	várias
	
Vertentes	do	instrumento.	Os	trabalhos	iniciais	de	Hermann	Rorschach,	feitos	em
1917	com	seus	pacientes	psiquiátricos,	envolveram	uma	série	de	critérios	e
preocupações	para	a	elaboração	do	seu	teste	de	percepção;	desde	então,	foram
muitos	os	estudos	e	adaptações	transculturais	com	esse	instrumento	em	todo	o
mundo.	Inicialmente	voltado	para	a	análise	clínica	de	pacientes	psiquiátricos,	o
teste	de	Rorschach	também	passou	a	ser	usado,	posteriormente,	em	diversos
campos	da	psicologia	(jurídico,	organizacional,	hospitalar,	entre	outros).
						A	obra	Teste	de	Rorschach	pode	ser	considerada	como	uma	das	mais
importantes	biografias	de	Hermann	Rorschach	na	atualidade.	Nela,	a	genialidade
de	Searls	encontra	a	de	Rorschach,	e	isso	resulta	em	uma	publicação
enriquecedora,	pioneira	e	autêntica.	Além	de	escritor,	Searls	é	tradutor	das
línguas	alemã,	norueguesa,	francesa	e	holandesa,	e	possui	formação	em	filosofia
alemã	e	literatura	norte-americana.	Com	esse	currículo,	não	é	de	surpreender	que
o	autor	seja	capaz	de	abordar	conceitos	tão	diversos	sobre	a	humanidade.	Ele
traduziu	para	o	inglês	cartas	e	informações	originalmente	em	língua	alemã,
obtidas	a	partir	de	diários	e	documentos	dos	familiares	de	Hermann	Rorschach;
descobriu	relatos	antigos	sobre	o	médico	suíço	e	resgatou	informações	dos
arquivos	originais	de	sua	vida	e	obra,	muitos	deles	deteriorados	e	quase
incompreensíveis.	Além	disso,	ao	descrever	o	percurso	das	pranchas	de
Rorschach,	principalmente	na	Europa	e	nos	Estados	Unidos,	Searls	propiciou
uma	importante	reflexão	sobre	o	tema	da	avaliação	psicológica	em	contexto
internacional	no	decorrer	de	praticamente	um	século	de	história.	Embora	a
escrita	de	Searls	seja	coloquial,	esta	versão	brasileira	foi	adaptada	para	uma
formatação	mais	técnica	e	formal,	além	de	levar	em	conta	aspectos	da	cultura
brasileira,	porém	sem	descaracterizar	a	proposta	e	a	essência	da	versão	original.
						Em	tempo,	a	obra	de	Searls	não	se	propõe	a	responder	ou	ensinar
tecnicamente	sobre	as	maneiras	de	aplicação,	interpretação	e	análise	do	teste	de
Rorschach	para	fins	profissionais.	Essa	parte	cabe	aos	manuais	e	guias	de	uso	do
método	no	Brasil	e	também	aos	informes	sobre	ética	e	bioética	em	avaliação
psicológica,	conforme	preceitos	dos	conselhos	brasileiros	de	psicologia.	No
Brasil	existem	especificidades	tangentes	à	história	e	à	aplicação	do	teste	de
Rorschach	que	não	estão	presentes	na	publicação	de	Damion	Searls.
	
					A	diversidade	e	a	multiculturalidade	de	nossa	população	propiciaram	o	estudo
de	muitos	métodos	de	Rorschach	além	dos	indicados	nesta	obra:	Sistema	de
Bruno	Klopfer,	Sistema	de	Samuel	Beck,	Sistema	Compreensivo,	R-PAS
(Sistema	de	Avaliação	da	Performance	no	Rorschach)	e	a	proposta	da	Avaliação
Terapêutica	com	o	Rorschach	de	Stephen	Finn.	O	processo	de	adaptação,
tradução	e	normatização	desses	sistemasno	Brasil	foi	realizado	por	pioneiros,
muitas	vezes	autodidatas,	e	teve	importante	repercussão	nacional	e	internacional
para	a	avaliação	da	personalidade.	Os	estudiosos	brasileiros	do	teste	de
Rorschach	sempre	foram	pesquisadores	extremamente	engajados,	que	superaram
desafios	e	construíram	importantes	fundamentos	éticos	e	profissionais	na
avaliação	psicológica.	O	Brasil	historicamente	influenciou	os	outros	países	da
América	Latina	com	sua	atuação	em	pesquisa	com	o	teste	de	Rorschach	e	com	a
formação	de	importantes	instituições	e	associações	de	estudos	com	esse
instrumento,	como	são	a	ASBRo	e	a	Sociedade	Rorschach	de	São	Paulo,	tendo
também	representação	na	IRS,	na	Asociación	Latinoamericana	de	Rorschach
(ALAR)	e	na	Society	for	Personality	Assessment	(SPA).
							No	Brasil,	existem	mais	dois	sistemas	além	dos	já	mencionados:	o	Sistema
da	Escola	de	Paris	e	o	Sistema	Aníbal	Cipriano	da	Silveira	Santos.	O	primeiro,
ainda	utilizado	por	muitos	psicólogos	e	pesquisadores	brasileiros,	foi	estudado
em	pesquisas	pioneiras,	como	a	realizada	em	1921	pela	professor	Helen
Antipoff,	e	influenciado	pela	interpretação	psicanalítica.	O	segundo	foi	criado
em	1943	e	deriva	de	teorias	do	modelo	genético	estrutural	de	personalidade,
epistemologia	positivista,	psicologia	geral	e	evolutiva,	psiquiatria	e
neuropsicologia.	A	literatura	brasileira	sobre	o	uso	do	Rorschach	é	extensa,	e	há
um	crescente	entusiasmo	e	engajamento	em	pesquisas	e	prática	sobre	o	processo
de	avaliação	psicológica	com	o	uso	do	instrumento	em	benefício	da	população
na	clínica,	na	escola,	nas	organizações	e	na	área	jurídica.	
1
	
					É	preciso	destacar	que	a	psicologia	brasileira	possui	regras	e	critérios
específicos	sobre	a	utilização	de	instrumentos	de	avaliação	psicológica,	que
foram	adequados	à	nossa	população	com	base	em	pesquisas	normativas.	Eles
estabelecem	que	o	teste	de	Rorschach	somente	pode	ser	aplicado	por	um
psicólogo,	e	as	informações	sobre	sua	correta	aplicação	são	fornecidas	pelo
Sistema	de	Avaliação	de	Testes	Psicológicos	(SATEPS]).	Além	disso,	foram
elaboradas	normas	específicas	sobre	a	divulgação	de	seus	resultados	em	laudos	e
instruções	explícitas	sobre	conduta	ética	profissional	em	relação	a	esse	método
de	avaliação.	É	proibido	e	antiético	divulgar	informações	sigilosas	de	testes	de
Rorschach,	orientar	pessoas	sobre	como	se	submeter	ao	instrumento,	publicar
respostas	“certas”	ou	“erradas”	sobre	o	processo	de	avaliação,	utilizar	protocolos
de	Rorschach	em	pesquisas	sem	o	consentimento	prévio	do	avaliado	ou	indicar
informações	de	guias	de	Rorschach	fora	do	contexto	educacional.	Ademais,	aos
profissionais	psicólogos	e	alunos	de	psicologia,	existem	cursos	de
aperfeiçoamento,	extensão,	graduação	e	pós-graduação	que	instruem	sobre	a
aplicação	do	teste	de	Rorschach	de	modo	adequado	e	ético.
						O	conhecimento	e	o	treinamento	prévios	para	uso	desse	instrumento	são	os
principais	critérios	para	se	realizar	a	avaliação	da	personalidade	com	uma
conduta	ética	e	profissional
2
.	Para	aqueles	que	serão	submetidos	ao	teste	de
Rorschach,	a	melhor	sugestão	que	se	pode	dar	é	comportar-se	da	forma	mais
natural	possível	durante	o	exame,	atendo-se	às	instruções	dadas	pelo	avaliador	e
não	se	iludir	com	“resultados	prontos”	obtidos	em	simulações	feitas	pela
internet,	que	são	falsas	ou	descontextualizadas,	confundem	e	sabotam	a
naturalidade	da	pessoa	durante	a	avaliação,	podendo	prejudicar	o	resultado,	e	são
facilmente	detectadas	pelos	avaliadores.
	
						Existe	uma	grande	importância	em	se	proporcionar	à	comunidade	uma
desmistificação	sobre	o	método	de	Rorschach	e	um	conhecimento	mais	apurado
sobre	a	vida	de	Hermann	Rorschach	—	questões	pelas	quais	esta	obra	transita
em	vários	momentos.	Os	capítulos	finais	apresentam	importantes	aspectos	sobre
o	declínio	histórico	do	uso	do	instrumento,	principalmente	nos	Estados	Unidos,
considerando	o	sucesso	midiático	que	o	teste	teve	naquele	país	e	a	popularidade
que	granjeou	entre	os	profissionais	de	saúde	mental	das	décadas	passadas.	Os
desafios	para	a	continuidade	da	avaliação	da	personalidade	por	meio	do	método
vêm	sendo	discutidos	por	rorschachistas	de	todo	o	mundo.	Muitos	dos	temas
abordados	nesta	obra	contribuem	para	o	debate	sobre	questões	éticas,	científicas
e	profissionais	envolvendo	a	prática	e	o	ensino	do	teste	de	Rorschach,	e	devem
ser	considerados	para	futuros	posicionamentos	e	estratégias	de	atuação	com	esse
instrumento	no	âmbito	brasileiro	e	internacional,	respeitando	cada	contexto.
					Finalizando,	Teste	de	Rorschach	oferece	uma	visão	abrangente	da	avaliação
da	personalidade	pelo	método	de	Rorschach	para	que	possamos	dar	continuidade
à	divulgação	responsável	e	cuidadosa	desse	formidável	instrumento.	Este	livro	é
um	presente	a	todos	os	que	se	interessam	pelo	teste.	É	também	uma	obra	de	arte
e	uma	linda	contribuição	contemporânea	à	memória	de	Hermann	Rorschach.
	
Novembro	de	2019.
	
	
	
	
	
	
INTRODUÇÃO
FOLHAS	DE	CHÁ
	
Victor	 Norris	 havia	 chegado	 à	 rodada	 final	 de	 candidatura	 a	 um	 emprego
trabalhando	com	crianças	pequenas,	mas,	sendo	os	Estados	Unidos	na	virada	do
século	XXI,	ele	ainda	precisava	passar	por	uma	avaliação	psicológica.	Em	duas
longas	tardes	de	novembro,	ele	passou	oito	horas	no	escritório	de	Caroline	Hill,
uma	psicóloga	avaliadora	que	trabalhava	em	Chicago.
Norris	parecia	um	candidato	ideal	em	entrevistas,	charmoso	e	amigável,	com
currículo	 adequado	 e	 referências	 incontestáveis.	 Hill	 gostou	 dele.	 Suas
pontuações	 eram	 normais	 a	 altas	 nos	 testes	 cognitivos	 que	 ela	 aplicou	 a	 ele,
incluindo	um	QI	bem	acima	da	média.	No	teste	de	personalidade	mais	comum	na
América,	 uma	 série	 de	 567	 perguntas	 sim-ou-não	 chamada	 Inventário
Multifásico	de	Personalidade	de	Minnesota,	ou	MMPI,	ele	foi	cooperativo	e	de
bom	humor.	Esses	resultados	também	voltaram	ao	normal.
Quando	Hill	mostrou	a	ele	uma	série	de	fotos	sem	legendas	e	pediu	que	ele
contasse	a	ela	uma	história	sobre	o	que	estava	acontecendo	em	cada	uma	-	outra
avaliação	padrão	chamada	Teste	de	Apercepção	Temática,	ou	TAT	-	Norris	deu
respostas	 um	 tanto	 óbvias,	 mas	 inofensivas	 o	 suficiente.	 As	 histórias	 eram
agradáveis,	sem	ideias	inadequadas	e	ele	não	sentia	ansiedade	ou	outros	sinais	de
desconforto	ao	contá-las.
Quando	a	escuridão	de	Chicago	caiu	no	final	da	segunda	tarde,	Hill	pediu	a
Norris	 que	 se	mudasse	 da	mesa	 para	 uma	 cadeira	 baixa	 perto	 do	 sofá	 em	 seu
escritório.	 Ela	 puxou	 a	 cadeira	 para	 a	 frente	 dele,	 tirou	 um	 bloco	 de	 notas
amarelo	 e	 uma	 pasta	 grossa	 e	 entregou	 a	 ele,	 um	 por	 um,	 uma	 série	 de	 dez
cartões	de	papelão	da	pasta,	cada	um	com	uma	mancha	simétrica.	Ao	entregar	a
ele	cada	cartão,	ela	disse:	"O	que	pode	ser	isso?"
ou	“O	que	você	vê?”
	
Cinco	 das	 cartas	 eram	 em	 preto	 e	 branco,	 duas	 tinham	 formas	 vermelhas
também	e	três	eram	multicoloridas.
Para	 este	 teste,	 Norris	 foi	 solicitado	 a	 não	 contar	 uma	 história,	 não	 para
descrever	o	que	 sentia,	mas	 simplesmente	para	dizer	o	que	viu.	Sem	 limite	de
tempo,	 sem	 instruções	 sobre	quantas	 respostas	 ele	 deve	dar.	Hill	 ficou	 fora	 de
cena	o	máximo	possível,	permitindo	que	Norris	revelasse	não	apenas	o	que	viu
nas	manchas	 de	 tinta,	mas	 como	 abordou	 a	 tarefa.	Ele	 estava	 livre	 para	 pegar
cada	 cartão,	 girá-lo,	 segurá-lo	 com	 o	 braço	 estendido	 ou	 de	 perto.	 Todas	 as
perguntas	que	ele	fez	foram	desviadas:	Posso	virar	o	jogo?
Você	decide.
Devo	tentar	usar	tudo	isso?
O	que	você	quiser.	Pessoas	diferentes	veem	coisas	diferentes.
Essa	é	a	resposta	certa?
Existem	todos	os	tipos	de	respostas.
Depois	 de	 responder	 a	 todas	 as	 dez	 cartas,	 Hill	 voltou	 para	 uma	 segunda
passagem:	“Agora	vou	reler	o	que	você	disse	e	quero	que	me	mostre	onde	viu”.
As	respostas	de	Norris	foram	chocantes:	cenas	sexuais	elaboradas	e	violentas
com	crianças;	partes	das	manchas	de	tinta	vistas	como	femininas	sendo	punidas
ou	destruídas.	Hill	educadamente	o	mandou	embora	-
ele	saiu	de	seu	escritório	com	um	aperto	de	mão	firme	e	um	sorriso,	olhando-a	diretamente	nos	olhos	-	então	ela	se	virou	para	o	bloco	de	notas	em	sua	mesa,
com	o	registro	de	suas	 respostas.	Ela	sistematicamente	atribuiu	às	 respostas	de
Norris	os	vários	 códigos	do	método	padrão	e	 categorizou	 suas	 respostas	 como
típicas	 ou	 incomuns,	 usando	 as	 longas	 listas	 do	manual.	Ela	 então	 calculou	 as
fórmulas	 que	 transformariam	 todas	 essas	 pontuações	 em	 julgamentos
psicológicos:	estilo	de	personalidade	dominante,	índice	de	egocentrismo,	índice
de	 flexibilidade	 de	 pensamento,	 constelação	 de	 suicídio.	 Como	Hill	 esperava,
seus	cálculos	mostraram	que	as	pontuações	de	Norris	eram	tão	extremas	quanto
suas	respostas.
Se	 nada	mais,	 o	 teste	 de	Rorschach	 levou	Norris	 a	mostrar	 um	 lado	 de	 si
mesmo	 que	 de	 outra	 forma	 não	mostraria.	 Ele	 tinha	 plena	 consciência	 de	 que
estava	se	submetendo	a	uma	avaliação,	para	um	emprego	que	desejava.	Ele	sabia
como	 queria	 aparecer	 nas	 entrevistas	 e	 que	 tipo	 de	 respostas	 brandas	 dar	 nos
outros	testes.	No	Rorschach,	sua	personalidade	se	desfez.	Ainda	mais	revelador
do	que	as	coisas	específicas	que	vira	nas	manchas	de	tinta	era	o	fato	de	se	sentir
livre	para	dizê-las.
Foi	por	isso	que	Hill	usou	o	Rorschach.	É	uma	tarefa	estranha	e	em	aberto,
em	que	 não	 fica	 nada	 claro	 o	 que	 as	manchas	 de	 tinta	 devem	 ser	 ou	 como	 se
espera	 que	 você	 responda	 a	 elas.	 Crucialmente,	 é	 uma	 tarefa	 visual,	 por	 isso
contorna	suas	defesas	e	estratégias	conscientes	de	auto-apresentação.	Você	pode
gerenciar	 o	 que	 quer	 dizer,	 mas	 não	 pode	 gerenciar	 o	 que	 deseja	 ver.	 Victor
Norris	 não	 conseguia	 nem	mesmo	 dizer	 o	 que	 queria	 dizer	 sobre	 o	 que	 tinha
visto.	 Nisso	 ele	 era	 típico.	 Hill	 havia	 aprendido	 uma	 regra	 prática	 na	 pós-
graduação	que	ela	repetidamente	viu	confirmada	na	prática:	uma	personalidade
problemática	pode	muitas	vezes	mantê-la	unida	em	um	teste	de	QI	e	um	MMPI,
se	 sair	 muito	 bem	 em	 um	 TAT	 e	 então	 desmoronar	 quando	 confrontada	 com
manchas	de	tinta	.	Quando	alguém	está	fingindo	saúde	ou	doença,	ou	suprimindo
intencionalmente	 ou	 não	 outros	 lados	 de	 sua	 personalidade,	 o	Rorschach	 pode
ser	a	única	avaliação	a	levantar	uma	bandeira	vermelha.
Hill	não	informou	que	Norris	foi	um	molestador	de	crianças	no	passado	ou
no	 futuro	 -	 nenhum	 teste	 psicológico	 tem	 o	 poder	 de	 determinar	 isso.	 Ela
concluiu	que	o	"controle	da	 realidade	de	Norris	era	extremamente	vulnerável".
Ela	 não	 poderia	 recomendá-lo	 para	 trabalhar	 com	 crianças	 e	 aconselhou	 os
empregadores	a	não	contratá-lo.	Eles	não	o	fizeram.
Os	 resultados	 perturbadores	 de	 Norris	 e	 o	 contraste	 entre	 sua	 superfície
encantadora	e	o	 lado	escuro	oculto	permaneceram	com	Hill.	Onze	anos	depois
de	 aplicar	 o	 teste,	 ela	 recebeu	 um	 telefonema	 de	 um	 terapeuta	 que	 estava
trabalhando	com	um	paciente	chamado	Victor	Norris	e	tinha	algumas	perguntas
que	 gostaria	 de	 fazer	 a	 ela.	 Ele	 não	 precisou	 dizer	 o	 nome	 do	 paciente	 duas
vezes.	Hill	não	 tinha	 liberdade	para	compartilhar	os	detalhes	dos	 resultados	de
Norris,	 mas	 expôs	 as	 principais	 descobertas.	 O	 terapeuta	 engasgou.	 “Você
conseguiu	 isso	 de	 um	 teste	 de	 Rorschach?	 Levei	 dois	 anos	 de	 sessões	 para
chegar	a	essas	coisas!	Achei	que	o	Rorschach	fosse	folhas	de	chá!	”
-
Apesar	de	décadas	de	controvérsia,	o	 teste	de	Rorschach	hoje	é	admissível
em	 tribunal,	 reembolsado	 por	 seguradoras	 médicas	 e	 administrado	 em	 todo	 o
mundo	em	avaliações	de	empregos,	batalhas	de	custódia	e	clínicas	psiquiátricas.
Para	 os	 apoiadores	 do	 teste,	 essas	 dez	 manchas	 de	 tinta	 são	 uma	 ferramenta
maravilhosamente	 sensível	 e	 precisa	 para	 mostrar	 como	 a	 mente	 funciona	 e
detectar	 uma	 série	 de	 condições	 mentais,	 incluindo	 problemas	 latentes	 que
outros	 testes	ou	observação	direta	não	podem	revelar.	Para	os	críticos	do	 teste,
tanto	 dentro	 quanto	 fora	 da	 comunidade	 psicológica,	 seu	 uso	 contínuo	 é	 um
escândalo,	 um	 embaraçoso	 vestígio	 de	 pseudociência	 que	 deveria	 ter	 sido
descartado	anos	atrás	junto	com	o	soro	da	verdade	e	a	terapia	do	grito	primário.
Na	opinião	deles,	 o	 incrível	poder	do	 teste	 é	 sua	 capacidade	de	 fazer	 lavagem
cerebral	em	pessoas	que	de	outra	 forma	seriam	sensatas	para	que	acreditassem
nele.
Em	parte	por	causa	dessa	falta	de	consenso	profissional	e	mais	por	causa	da
suspeita	de	testes	psicológicos	em	geral,	o	público	tende	a	ser	cético	em	relação
ao	Rorschach.	O	pai,	 em	um	 recente	 caso	de	 “bebê	 sacudido”	bem	divulgado,
que	 acabou	 sendo	 considerado	 inocente	 pela	morte	 de	 seu	 filho,	 achou	 que	 as
avaliações	a	que	foi	submetido	eram	“perversas”	e	particularmente	“ressentidas”
por	receber	o	Rorschach.
“Eu	estava	olhando	fotos,	arte	abstrata	e	dizendo	a	eles	o	que	estava	vendo.
Eu	 vejo	 uma	 borboleta	 aqui?	 Isso	 significa	 que	 sou	 agressivo	 e	 abusivo?	 É
insano."	 Ele	 insistiu	 que,	 embora	 "investisse	 na	 ciência",	 que	 ele	 chamava	 de
visão	de	mundo	"essencialmente	masculina",	a	agência	de	serviço	social	que	o
avaliava	tinha	uma	visão	de	mundo	"essencialmente	feminina"	que	"privilegiava
relacionamentos	e	sentimentos".	O	teste	de
Rorschach	não	é	essencialmente	feminino	nem	um	exercício	de	interpretação
artística,	mas	 tais	atitudes	são	 típicas.	Não	produz	um	número	definitivo	como
um	 teste	 de	 QI	 ou	 um	 exame	 de	 sangue.	Mas	 nada	 que	 tente	 compreender	 a
mente	humana	conseguirá.
As	ambições	holísticas	do	Rorschach	são	uma	das	 razões	pelas	quais	ele	é
tão	conhecido	fora	do	consultório	médico	ou	do	tribunal.	A	Previdência	Social	é
um	teste	de	Rorschach,	de	acordo	com	a	Bloomberg,	assim	como	o	calendário	de
futebol	do	Georgia	Bulldogs	(	Sports	Blog	Nation	)	e	os	rendimentos	de	títulos
espanhóis:	“uma	espécie	de	 teste	de	Rorschach	do	mercado	financeiro,	em	que
analistas	veem	o	que	está	em	suas	mentes	o	 tempo	”(	Wall	Street	Journal	 ).	A
última	 decisão	 da	 Suprema	Corte,	 o	 último	 tiroteio,	 o	mais	 recente	 defeito	 no
guarda-roupa	de	uma	celebridade.	“O	polêmico	 impeachment	do	presidente	do
Paraguai,	Fernando	Lugo,	está	rapidamente	se	transformando	em	uma	espécie	de
teste	Rorschach	da	política	 latino-americana”,	no	qual	 “as	 reações	 a	 ele	dizem
mais	do	que	o	próprio	evento	diz”,	diz	um	blog	do	New	York	Times	.	Um	crítico
de	cinema	impaciente	com	a	pretensão	da	arte	chamou	as	Crônicas	Sexuais	de
uma	Família	Francesa	um	teste	de	Rorschach	no	qual	ele	falhou.
Esta	última	piada	usa	a	essência	do	Rorschach	na	 imaginação	popular:	é	o
teste	em	que	você	não	pode	falhar.
Não	há	respostas	certas	ou	erradas.	Você	pode	ver	o	que	quiser.	Isso	é	o	que
tornou	 o	 teste	 taquigrafia	 perfeita,	 desde	 os	 anos	 60,	 para	 uma	 cultura
desconfiada	 da	 autoridade,	 comprometida	 com	 o	 respeito	 a	 todas	 as	 opiniões.
Por	 que	 deveria	 um	meio	 de	 comunicação	 dizer	 se	 um	 impeachment	 ou	 uma
proposta	de	orçamento	é	bom	ou	ruim,	e	arriscar	alienar	metade	de	seus	leitores
ou	telespectadores?	Basta	chamá-lo	de	teste	de	Rorschach.
A	mensagem	subjacente	é	sempre	a	mesma:	você	 tem	direito	à	sua	própria
parte,	independentemente	da	verdade;	sua	reação	é	o	que	importa,	seja	expressa
em	 um	 like,	 uma	 votação	 ou	 uma	 compra.	 Esta	 metáfora	 para	 liberdade	 de
interpretação	 coexiste	 em	 uma	 espécie	 de	 universo	 alternativo	 do	 teste	 literal
dado	a	pacientes	reais,	réus	e	candidatos	a	emprego	por	psicólogos	reais.	Nessas
situações,	existem	respostas	certas	e	erradas	muito	reais.
	
O	Rorschach	é	uma	metáfora	útil,	mas	as	manchas	de	tinta	também	parecem
boas.	 Estão	 na	 moda	 por	 motivos	 que	 nada	 têm	 a	 ver	 com	 psicologia	 ou
jornalismo	 -	 talvez	 seja	 o	 ciclo	 da	 moda	 de	 sessenta	 anos	 desde	 a	 última
explosão	da	febre	do	Rorschach	nos	anos	cinquenta,	talvez	seja	uma	predileção
por	esquemas	de	cores	fortes	em	preto	e	branco	que	parecem	bom	com	móveis
modernos	de	meados	do	século.	Há	alguns	anos,	Bergdorf	Goodman	encheu	as
janelas	 da	 Quinta	 Avenida	 com	 monitores	 de	 Rorschach.Camisetas	 estilo
Rorschach	 foram	 recentemente	 vendidas	 na	 Saks	 por	 apenas	 $	 98.	 “	MINHA
ESTRATÉGIA	 ”,	 proclamava	 um	 splash	 de	 página	 inteira	 em	 InStyle	 :	 “Nesta
temporada,	estou	me	sentindo	muito	atraída	por	roupas	e	acessórios	que	tenham
um	senso	de	simetria.	MINHA	INSPIRAÇÃO	:	Os	padrões	das	manchas	de	tinta
de	Rorschach	são	fascinantes.	”	O	thriller	de	terror	Hemlock	Grove,	o	thriller	de
clonagem	 de	 ficção	 científica	 Orphan	 Black	 e	 um	 reality	 show	 de	 loja	 de
tatuagem	 baseado	 no	 Harlem	 chamado	 Black	 Ink	 Crew	 estreou	 na	 TV	 com
sequências	de	crédito	de	Rorschachy.	O	vídeo	de	Melhor	Canção	#	1	da	Rolling
Stone	dos	anos	2000	e	o	primeiro	single	a	atingir	o	topo	das	paradas	de	vendas
pela	 Internet,	 "Crazy"	 de	 Gnarls	 Barkley,	 foi	 uma	 animação	 hipnotizante	 de
manchas	preto	e	branco	se	transformando.	Canecas	e	pratos	Rorschach,	aventais
e	jogos	de	festa	estão	disponíveis	em	todos	os	lugares.
A	 maioria	 deles	 são	 manchas	 de	 tinta	 de	 imitação,	 mas	 os	 dez	 originais,
agora	se	aproximando	de	seu	centésimo	aniversário,	perduram.	Eles	 têm	o	que
Hermann	Rorschach	chamou	de	“ritmo	espacial”	necessário	para	dar	às	imagens
uma	 “qualidade	 pictórica”.	 Criados	 no	 berço	 da	 arte	 abstrata	 moderna,	 seus
precursores	 remontam	 à	 cerveja	 do	 século	 XIX	 que	 deu	 origem	 à	 psicologia
moderna	e	à	abstração,	e	sua	influência	atinge	a	arte	e	o	design	dos	séculos	XX	e
XXI.
Em	outras	palavras:	três	histórias	diferentes	se	juntam	na	história	do	teste	de
Rorschach.
Primeiro,	 há	 a	 ascensão,	 queda	 e	 reinvenção	 dos	 testes	 psicológicos,	 com
todos	os	seus	usos	e	abusos.
Especialistas	 em	 antropologia,	 educação,	 negócios,	 direito	 e	 militares
também	há	muito	tentam	obter	acesso	aos	mistérios	de	mentes	desconhecidas.	O
Rorschach	 não	 é	 o	 único	 teste	 de	 personalidade,	 mas	 durante	 décadas	 foi	 o
último:	 tão	definidor	da	profissão	quanto	o	estetoscópio	para	a	medicina	geral.
Ao	 longo	de	 sua	história,	 a	 forma	 como	os	 psicólogos	 usam	o	Rorschach	 tem
sido	um	símbolo	do	que	nós,	como	sociedade,	esperamos	que	a	psicologia	faça.
Depois,	 há	 arte	 e	 design,	 de	 pinturas	 surrealistas	 a	 “Crazy”	 a	 Jay-Z,	 que
colocou	uma	pintura	dourada	de	Andy	Warhol	chamada	Rorschach	na	capa	de
suas	memórias.	Essa	história	visual	parece	não	ter	relação	com
o	diagnóstico	médico	-	não	há	muita	psicologia	nessas	camisetas	da	Saks	-
mas	o	visual	 icônico	é	 inseparável	do	 teste	 real.	A	agência	que	apresentou	um
vídeo	com	o	tema	Rorschach	para	“Crazy”	conseguiu	o	emprego	porque	o	cantor
CeeLo	 Green	 se	 lembrou	 de	 ter	 feito	 o	 teste	 quando	 era	 uma	 criança
problemática.	A	controvérsia	aumenta	em	torno	do	Rorschach	por	causa	de	sua
proeminência.	 É	 impossível	 traçar	 uma	 linha	 dura	 e	 rápida	 entre	 a	 avaliação
psicológica	e	o	lugar	dos	borrões	na	cultura.
Finalmente,	 há	 a	 história	 cultural	 que	 levou	 a	 todos	 aqueles	 “testes	 de
Rorschach”	metafóricos	nas	notícias:	o	surgimento	de	uma	cultura	individualista
da	personalidade	no	início	do	século	XX;	suspeita	generalizada	de	autoridade	a
partir	dos	anos	60;	polarização	intratável	hoje,	com	até	mesmo	fatos	parecendo
depender	 do	 olhar	 de	 quem	 vê.	 Dos	 Julgamentos	 de	 Nuremberg	 às	 selvas	 do
Vietnã,	de	Hollywood	ao	Google,	do	 tecido	 social	 centrado	na	comunidade	da
vida	do	século	XIX	ao	desejo	de	conexão	no	socialmente	fragmentado	XXI,	os
dez	borrões	de	Rorschach	correram	lado	a	lado,	ou	anteciparam,	muito	de	nossa
história.	 Quando	 outro	 jornalista	 chama	 algo	 de	 teste	 de	 Rorschach,	 pode	 ser
apenas	 um	 clichê	 prático,	 da	 mesma	 forma	 que	 é	 perfeitamente	 natural	 para
artistas	 e	 designers	 recorrerem	 a	 padrões	 simétricos	 e	 marcantes	 de	 preto	 no
branco.	 Nenhum	 exemplo	 do	 Rorschach	 na	 vida	 cotidiana	 requer	 qualquer
explicação.	Mas	sua	presença	duradoura	em	nossa	imaginação	coletiva	sim.
Por	muitos	anos,	o	 teste	 foi	 anunciado	como	um	raio-X	da	alma.	Não	é,	 e
originalmente	 não	 era	 para	 ser,	 mas	 é	 uma	 janela	 reveladora	 de	 como
entendemos	nosso	mundo.
-
Todas	 essas	 vertentes	 -	 psicologia,	 arte	 e	 história	 cultural	 -	 remetem	 ao
criador	das	manchas	de	tinta.	“O
método	 e	 a	 personalidade	 de	 seu	 criador	 estão	 inextricavelmente
entrelaçados”,	como	escreveu	o	editor	no	prefácio	de	Psychodiagnostics,	o	livro
de	1921	que	apresentou	as	manchas	de	tinta	ao	mundo.	Foi	um	jovem	psiquiatra
e	artista	amador	suíço,	brincando	com	um	jogo	infantil,	trabalhando	sozinho,	que
conseguiu	criar	não	apenas	um	teste	psicológico	de	enorme	influência,	mas	uma
pedra	de	toque	visual	e	cultural.
Hermann	Rorschach,	nascido	em	1884,	era	“um	homem	alto,	magro,	louro,
rápido	 de	movimentos,	 gestos	 e	 fala,	 com	 uma	 fisionomia	 expressiva	 e	 viva”.
(Veja	as	fotos	no	encarte.)	Se	você	acha	que	ele	se	parece	com	Brad	Pitt,	talvez
com	 um	 pouco	 de	 Robert	 Redford	 incluído,	 você	 não	 é	 o	 primeiro.	 Seus
pacientes	 tendiam	a	se	apaixonar	por	ele	 também.	Ele	 tinha	o	coração	aberto	e
simpático,	 talentoso,	 mas	 modesto,	 robusto	 e	 bonito	 em	 sua	 túnica	 branca	 de
médico,	sua	curta	vida	cheia	de	tragédia,	paixão	e	descoberta.
A	 modernidade	 estava	 explodindo	 ao	 seu	 redor,	 da	 Europa	 da	 Primeira
Guerra	 Mundial	 e	 da	 Revolução	 Russa	 e	 de	 dentro	 da	 própria	 mente.	 Só	 na
Suíça,	 durante	 a	 carreira	 de	 Rorschach	 lá,	 Albert	 Einstein	 inventou	 a	 física
moderna	e	Vladimir	Lenin	inventou	o	comunismo	moderno	enquanto	trabalhava
com	os	organizadores	do	trabalho	nas	fábricas	de	relógios	suíças.	Os	vizinhos	de
Lenin	 em	 Zurique,	 os	 dadaístas,	 inventaram	 a	 arte	 moderna,	 a	 arquitetura
moderna	de	Le	Corbusier,	a	dança	moderna	de	Rudolf	von	Laban.
Rainer	 Maria	 Rilke	 terminou	 suas	 Duino	 Elegies,	 Rudolf	 Steiner	 criou
escolas	 Waldorf,	 um	 artista	 chamado	 Johannes	 Itten	 inventou	 cores	 sazonais
(“Você	 é	 primavera	 ou	 inverno?”).	 Na	 psiquiatria,	 Carl	 Jung	 e	 seus	 colegas
criaram	o	teste	psicológico	moderno.	As	explorações	de	Jung	e	Sigmund	Freud
da	 mente	 inconsciente	 estavam	 lutando	 pelo	 domínio,	 tanto	 entre	 uma	 rica
clientela	neurótica	quanto	no	mundo	real	dos	hospitais	suíços	preenchidos	com
capacidade	muito	além.
Essas	revoluções	se	cruzaram	na	vida	e	na	carreira	de	Hermann	Rorschach,
mas	apesar	de	dezenas	de	milhares	de	estudos	sobre	o	teste,	nenhuma	biografia
completa	de	Rorschach	foi	escrita.	Um	historiador	da	psiquiatria	chamado	Henri
Ellenberger	 publicou	 um	 artigo	 biográfico	 de	 quarenta	 páginas	 de	 fonte
superficial	 em	 1954,	 e	 que	 tem	 sido	 a	 base	 para	 quase	 todos	 os	 relatos	 de
Rorschach	 desde	 então:	 como	 gênio	 pioneiro,	 diletante	 desajeitado,	 visionário
megalomaníaco,	cientista	responsável	e	quase	tudo	entre.	A	especulação	gira	em
torno	da	vida	de	Rorschach	há	décadas.	As	pessoas	podiam	ver	nele	tudo	o	que
quisessem.
A	 verdadeira	 história	 merece	 ser	 contada,	 até	 porque	 ajuda	 a	 explicar	 a
relevância	 duradoura	 do	 teste,	 apesar	 das	 controvérsias	 que	 o	 cercaram.
Rorschach	previu	 ele	mesmo	a	maioria	das	 controvérsias.	Esta	dupla	biografia
do	médico	e	suas	manchas	de	tinta	começa	na	Suíça,	mas	atinge	o	mundo	todo,	e
vai	até	o	âmago	do	que	estamos	fazendo	toda	vez	que	olhamos	e	vemos.
1	Tudo	se	torna	movimento	e	vida
	
Em	uma	manhã	do	final	de	dezembro	de	1910,	Hermann	Rorschach,	de	26
anos,	 acordou	 cedo.	Ele	 atravessou	 a	 sala	 fria	 e	 empurrou	 a	 cortina	 do	 quarto
para	o	lado,	deixando	entrar	a	luz	branca	pálida	que
vem	 antes	 do	 nascer	 do	 sol	 do	 norte	 -	 não	 o	 suficiente	 para	 acordar	 sua
esposa,	 apenas	 o	 suficiente	 para	 revelar	 seu	 rosto	 e	 o	 cabelo	 preto	 espesso
derramando	 sob	 Consolador.	 Tinha	 nevado	 durante	 a	 noite,	 como	 ele	 pensava
que	aconteceria.	O	Lago	Constança	estava	cinzento	há	semanas;	o	azul	da	água
estava	a	meses	de	distância,	mas	o	mundo	era	lindo	assim	também,	sem	ninguém
à	vista	ao	longo	da	costa	ou	no	pequeno	caminho	em	frente	ao	seu	apartamentode	 dois	 quartos	 arrumado.	 A	 cena	 não	 estava	 apenas	 vazia	 de	 movimento
humano,	mas	sem	cor,	como	um	cartão-postal	de	um	centavo,	uma	paisagem	em
preto	e	branco.
Acendeu	o	primeiro	cigarro	da	manhã,	ferveu	um	pouco	de	café,	vestiu-se	e
saiu	em	silêncio	enquanto	Olga	dormia.	Foi	uma	semana	mais	movimentada	do
que	o	normal	na	clínica,	com	o	Natal	chegando.	Havia	apenas	três	médicos	para
cuidar	 de	 quatrocentos	 pacientes,	 então	 ele	 e	 os	 outros	 eram	 responsáveis	 por
tudo:	reuniões	de	equipe,	visitas	aos	pacientes	duas	vezes	ao	dia,	organização	de
eventos	 especiais.	Ainda	 assim,	Rorschach	 se	permitiu	desfrutar	 da	 caminhada
solitária	da	manhã	pelo	terreno	da	clínica.	O	caderno	que	ele	sempre	carregava
consigo	 ficou	no	bolso.	Estava	 frio,	 embora	nada	 comparado	 ao	Natal	 que	 ele
passara	em	Moscou	quatro	anos	antes.
Rorschach	estava	especialmente	ansioso	pelo	feriado	deste	ano:	ele	e	Olga	se
reuniram;	eles	compartilhariam	uma	árvore	como	marido	e	mulher	pela	primeira
vez.	A	celebração	clínica	seria	no	dia	23;	no	dia	24,	os	médicos	carregariam	uma
pequena	árvore	acesa	com	velas	de	um	prédio	a	outro,	para	os	pacientes	que	não
pudessem	participar	da	cerimônia	comunal.	No	dia	25,	os	Rorschachs	estariam
livres	para	voltar	para	a	casa	de	sua	 infância	e	visitar	sua	madrasta.	Ele	 tentou
tirar	isso	da	cabeça.
A	 temporada	 de	Natal	 no	 asilo	 significava	 canto	 em	 grupo	 três	 vezes	 por
semana	e	aulas	de	dança	ministradas	por	um	enfermeiro	que	tocava	violão,	gaita
e	triângulo	com	o	pé,	tudo	ao	mesmo	tempo.
Rorschach	 não	 gostava	 de	 dançar,	mas	 pelo	 bem	de	Olga	 obrigou-se	 a	 ter
aulas.	 Um	 dever	 de	 Natal	 de	 que	 ele	 realmente	 gostava	 era	 dirigir	 peças	 de
teatro.	 Eles	 estavam	 encenando	 três	 este	 ano,	 incluindo	 um	 com	 imagens
projetadas	 -	 fotografias	 de	 paisagens	 e	 pessoas	 da	 clínica.	 Que	 surpresa	 seria
para	os	pacientes	ver	de	repente	rostos	que	conheciam	na	tela,	maiores	do	que	a
própria	vida.
Muitos	dos	pacientes	estavam	longe	demais	para	agradecer	aos	parentes	os
presentes	de	Natal,	então	Rorschach	escreveu	pequenas	notas	em	seu	nome,	às
vezes	 quinze	 por	 dia.	 No	 geral,	 porém,	 seus	 pacientes	 gostavam	 dos	 feriados
tanto	 quanto	 suas	 almas	 perturbadas	 permitiam.	 O	 conselheiro	 de	 Rorschach
costumava	contar	a	história	de	uma	paciente	tão	perigosa	e	indisciplinada	que	ela
havia	sido	mantida	em	uma	cela	por	anos.	Sua	hostilidade	era	compreensível	no
ambiente	clínico	restritivo	e	coercitivo,	mas	quando	foi	levada	para	uma	festa	de
Natal	 ela	 se	 comportou	 perfeitamente,	 recitando	 os	 poemas	 que	 havia
memorizado	 especialmente	 para	 2	 de	 janeiro,	 dia	 de	Berchtold.	Duas	 semanas
depois,	ela	foi	liberada.
Ele	 tentou	 aplicar	 as	 lições	 de	 seu	 professor	 aqui.	 Ele	 tirou	 fotos	 de	 seus
pacientes,	 não	 apenas	 para	 seu	 próprio	 bem	 e	 para	 os	 arquivos	 dos	 pacientes,
mas	porque	eles	gostavam	de	posar	para	a	câmera.	Ele	deu	a	eles	materiais	de
arte:	lápis	e	papel,	papel	machê,	argila	de	modelagem.
Enquanto	os	pés	de	Rorschach	esmagavam	a	neve	no	terreno	da	clínica,	seus
pensamentos	sobre	novas	maneiras	de	dar	a	seus	pacientes	algo	para	desfrutar,
ele	naturalmente	 refletia	 sobre	as	 férias	de	 sua	própria	 infância	e	os	 jogos	que
tinha	 jogado	 então:	 corridas	 de	 trenó,	 conquistar	 o	 castelo	 ,	 lebre	 e	 cães,
esconde-esconde	e	o	jogo	em	que	você	derrama	um	pouco	de	tinta	em	uma	folha
de	papel,	dobre-a	ao	meio	e	veja	como	fica.
-
Hermann	 Rorschach	 nasceu	 em	 novembro	 de	 1884,	 um	 ano	 revelador.	 A
Estátua	 da	 Liberdade,	 oficialmente	 intitulada	Liberdade	 Iluminando	 o	Mundo,
foi	apresentada	ao	embaixador	dos	EUA	em	Paris	no	Dia	da	Independência	da
América.	Temesvár,	na	Áustria-Hungria,	tornou-se	a	primeira	cidade	da	Europa
continental	com	postes	elétricos,	colocados	não	muito	depois	das	de	Newcastle,
na	 Inglaterra,	 e	 Wabash,	 Indiana.	 George	 Eastman	 patenteou	 o	 primeiro	 rolo
viável	de	filme	fotográfico,	que	logo	permitiria	que	qualquer	pessoa	fizesse	fotos
com	o	“Lápis	da	Natureza”,	capturando	a	própria	luz.
Esses	anos,	de	fotografia	primitiva	e	filmes	primitivos,	são	provavelmente	a
era	mais	 difícil	 da	 história	 para	 nós,	 hoje,	 ver	 :	 em	 nossa	mente,	 tudo	 parece
rígido	 e	 frágil,	 preto	 e	 branco.	Mas	Zurique,	 onde	Rorschach	nasceu,	 era	 uma
cidade	moderna	 e	 dinâmica,	 a	maior	 da	Suíça.	 Sua	 estação	 ferroviária	 data	 de
1871,	a	famosa	principal	rua	comercial	de	1867,	os	cais	ao	longo	do	rio	Limmat
de	meados	do	século.	E	novembro	em	Zurique	são	choques	de	laranja	e	amarelo
sob	um	céu	cinza:	folhas	de	carvalho	e	olmo,	bordos	vermelho-fogo	farfalhando
ao	 vento.	Naquela	 época,	 também,	 o	 povo	 de	Zurique	 vivia	 sob	 um	 céu	 azul-
claro,	 caminhando	 por	 prados	 alpinos	 brilhantes	 pontilhados	 de	 genciana	 e
edelvais	de	um	azul	profundo.
Rorschach	não	nasceu	onde	sua	família	estava	enraizada	há	séculos:	Arbon,
uma	cidade	no	Lago	Constança	cerca	de	80	quilômetros	a	 leste.	Uma	pequena
cidade	chamada	Rorschach	fica	a	6,5	quilômetros	de	Arbon,
na	 costa	 do	 lago,	 e	 deve	 ter	 sido	 o	 local	 de	 origem	 da	 família,	 mas	 os
Rorschachs	podem	rastrear	seus	ancestrais	em	Arbon	até	1437,	e	a	história	dos
“Roschachs”	lá	remonta	a	outros	mil	anos,	a	496	dC.	Isso	não	era	tão	incomum
em	 um	 lugar	 onde	 as	 pessoas	 permaneceram	 por	 gerações,	 onde	 você	 era
cidadão	de	 seu	cantão	 (estado)	e	cidade,	bem	como	do	país.	Alguns	ancestrais
vagaram	-	um	 tio-avô,	Hans	Jakob	Roschach	 (1764-1837),	conhecido	como	"o
lisboeta",	 chegou	 até	 Portugal,	 onde	 trabalhou	 como	 designer	 e	 talvez	 tenha
criado	 um	 pouco	 do	 hipnotizante	 e	 repetitivo	 padrões	 para	 os	 azulejos	 que
cobrem	a	capital.	Mas	foram	os	pais	de	Hermann	que	realmente	se	separaram.
O	pai	de	Hermann,	Ulrich,	um	pintor,	nasceu	em	11	de	abril	de	1853,	doze
dias	 depois	 de	 outro	 futuro	 pintor,	 Vincent	 van	 Gogh.	 Filho	 de	 um	 tecelão,
Ulrich	saiu	de	casa	aos	quinze	anos	para	estudar	arte	na	Alemanha,	viajando	até
a	Holanda.	 Ele	 voltou	 a	Arbon	 para	 abrir	 um	 estúdio	 de	 pintor	 e	 em	 1882	 se
casou	 com	 uma	 mulher	 chamada	 Philippine	 Wiedenkeller	 (nascida	 em	 9	 de
fevereiro	 de	 1854),	 de	 uma	 linha	 de	 carpinteiros	 e	 barqueiros	 com	 uma	 longa
história	de	casamento	com	Rorschachs.
A	primeira	filha	do	casal,	Klara,	nascida	em	1883,	morreu	com	seis	semanas
de	 idade,	 e	 a	 irmã	 gêmea	 de	 Philippine	 morreu	 quatro	 meses	 depois.	 Depois
desses	 duros	 golpes,	 o	 casal	 vendeu	 o	 estúdio	 e	mudou-se	 para	Zurique,	 onde
Ulrich	 se	 matriculou	 na	 Escola	 de	 Artes	 Aplicadas	 no	 outono	 de	 1884.	 Para
Ulrich	se	mudar	para	a	cidade	aos	31	anos,	sem	renda	estável,	era	incomum	em	a
sóbria	 Suíça,	mas	 ele	 e	 as	 Filipinas	 deviam	 estar	 ansiosos	 para	 ter	 o	 próximo
filho	 em	 um	 ambiente	mais	 feliz.	Hermann	 nasceu	 na	Haldenstrasse,	 278,	 em
Wiedikon	(Zurique),	às	22h	do	dia	8	de	novembro.	Ulrich	foi	bem	na	escola	de
arte	 e	 conseguiu	 um	 bom	 emprego	 como	 professor	 de	 desenho	 e	 pintura	 no
ensino	médio	em	Schaffhausen,	uma	cidade	a	cerca	de	50	quilômetros	ao	norte.
No	 segundo	 aniversário	 de	 Hermann,	 a	 família	 estava	 estabelecida	 onde	 ele
cresceria.
Schaffhausen	é	uma	pequena	e	pitoresca	cidade	repleta	de	edifícios	e	fontes
renascentistas,	situada	às	margens	do	Reno,	o	rio	que	forma	a	fronteira	norte	da
Suíça.	“Nas	margens	do	Reno,	prados	se	alternam	com	florestas	cujas	árvores	se
refletem,	 como	 um	 sonho,	 na	 água	 verde-escura”,	 diz	 um	 guia	 da	 época.	 Os
números	das	casas	ainda	não	haviam	sido	introduzidos,	então	cada	prédio	tinha
um	nome	-	Palm	Branch,	Knight's	House,	a	Fonte	-	e	decorações	distintas:	leões
de	pedra,	fachadas	pintadas,	janelas	salientes	projetando-se	como	relógios	cuco
gigantes,	gárgulas,	cupidos.
A	 cidade	 não	 ficou	 presa	 ao	 passado.	 O	Munot,	 uma	 imponente	 fortaleza
circular	em	uma	colina	coberta	de	vinhedos	com	um	fosso	e	uma	grande	vista,
datado	do	século	XVI,	havia	 sidorestaurado	para	o	 turismo	no	século	XIX.	A
ferrovia	 havia	 chegado	 e	 uma	 nova	 usina	 de	 eletricidade	 estava	 explorando	 a
abundante	 energia	 hídrica	 do	 rio.	 O	 Reno	 jorrava	 do	 Lago	 Constança	 nas
Cataratas	 do	 Reno	 próximas,	 baixo,	mas	 grande	 o	 suficiente	 para	 ser	 a	maior
cachoeira	da	Europa.	O	pintor	inglês	JMW	Turner	desenhou	e	pintou	as	cataratas
durante	 quarenta	 anos,	 mostrando	 a	 água	 maciça	 como	 uma	 montanha	 e	 as
próprias	montanhas	dissolvendo-se	em	redemoinhos	de	tinta	e	luz;	Mary	Shelley
descreveu	estar	na	plataforma	mais	baixa,	enquanto	“o	spray	caía	espesso	sobre
nós	...	olhando	para	cima,	vimos	ondas,	e	rochas,	e	nuvens,	e	o	céu	claro	através
de	 seu	 véu	 cintilante	 e	 sempre	 em	 movimento.	 Esta	 foi	 uma	 nova	 visão,
superando	tudo	que	eu	já	tinha	visto.	”	Como	diz	o	guia:	“Uma	pesada	montanha
de	 água	 se	 arremessa	 contra	 você	 como	 um	 destino	 sombrio;	 ela	 despenca,	 e
tudo	o	que	era	sólido	se	torna	movimento	e	vida.	”
Depois	que	a	 irmã	de	Hermann,	Anna,	nasceu	em	Schaffhausen,	em	10	de
agosto	de	1888,	 a	 crescente	 família	 alugou	uma	nova	casa	em	Geissberg,	uma
subida	 íngreme	de	vinte	minutos	 subindo	a	colina	para	 fora	da	cidade	a	oeste,
onde	o	irmão	de	Hermann,	Paul,	nasceria	(	10	de	dezembro	de	1891).	A	casa	era
mais	 espaçosa,	 com	 janelas	 maiores	 e	 telhado	 de	 mansarda,	 mais	 um	 castelo
francês	 do	 que	 um	 chalé	 suíço,	 e	 com	 florestas	 e	 campos	 para	 explorar	 nas
proximidades.	Os	filhos	do	senhorio	 tornaram-se	companheiros	de	brincadeiras
de	Hermann.	 Inspirados	 nas	 aventuras	 de	 Leatherstocking	 de	 James	 Fenimore
Cooper,	eles	 representaram	pioneiros	e	 índios,	com	Hermann	e	seus	amigos	se
esgueirando	 por	 entre	 as	 árvores	 ao	 redor	 de	 uma	 pedreira	 próxima	 e	 fugindo
com	Anna,	a	única	“mulher	branca”	que	eles	tinham.
Este	foi	o	cenário	das	memórias	mais	felizes	das	crianças.	Hermann	gostava
de	 ouvir	 o	 rugido	 do	 oceano	 que	 nunca	 vira,	 em	uma	 concha	 que	 um	parente
missionário	 de	 seu	 senhorio	 trouxera	 do	 exterior.	 Ele	 construiu	 labirintos	 de
madeira	 para	 seus	 ratos	 brancos	 de	 estimação	 correrem.	 Quando	 contraiu
sarampo,	aos	oito	ou	nove	anos,	seu	pai	cortou	encantadores	bonecos	de	papel	de
seda	 e	 Hermann	 os	 fez	 dançar	 em	 uma	 caixa	 com	 tampa	 de	 vidro.	 Em
caminhadas,	Ulrich	contou	a	seus	filhos	a	história	dos	belos	edifícios	antigos	e
fontes	da	cidade	e	o	significado	das	imagens	que	eles	exibiam;	ele	os	levou	para
caçar	borboletas,	leu	para	eles,	ensinou-lhes	os	nomes	das	flores	e	árvores.	Paul
estava	 se	 tornando	 um	 garotinho	 animado	 e	 gordinho,	 enquanto	 Hermann,
segundo	um	primo,	“conseguia	olhar	para	algo	por	muito	tempo,	absorto	em	seus
pensamentos.	Ele	 era	uma	criança	bem-comportada,	 quieta	 como	o	pai.	 ”	Este
primo	contou	aos	contos	de
fadas	de	Hermann,	de	nove	anos	-	João	e	Maria,	Rapunzel,	Rumpelstiltskin	-
“dos	quais	ele	gostava	porque	era	um	sonhador”.
A	 Philippine	Rorschach,	 calorosa	 e	 enérgica,	 gostava	 de	 entreter	 os	 filhos
com	canções	 folclóricas	 antigas	 e	 era	 uma	 excelente	 cozinheira:	 o	 pudim	com
natas	e	fruta	era	o	preferido	das	crianças,	e	todos	os	anos	lançava	um	assado	de
porco	 para	 todos	 os	 colegas	 do	 marido.	 Os	 próprios	 pais	 de	 Ulrich	 lutaram
amargamente,	a	ponto	de	Ulrich	sentir	que	nunca	se	amaram;	era	importante	para
ele	 criar	 um	 lar	 amoroso	 para	 seus	 filhos,	 o	 tipo	 que	 ele	 nunca	 teve.	 Com
Philippine	ele	fez.	Você	poderia	brincar	com	ela	-	acender	um	foguete	por	baixo
de	suas	 saias	 largas,	 como	a	prima	de	Hermann	se	 lembrava	de	 ter	acontecido
uma	vez	-	e	ela	também	ria.
Ulrich	 também	 era	 respeitado	 e	 genuinamente	 apreciado	 entre	 colegas	 e
alunos.	Ele	tinha	um	pequeno	problema	de	fala,	provavelmente	um	ceceio,	“que
ele	poderia,	no	entanto,	 superar	quando	 tentasse”.	 Isso	o	 tornava	 incomumente
reservado,	mas	ele	era	gentil	com	os	alunos	durante	os	exames,	 fazendo	sinais
com	 as	mãos	 e	 com	 a	 cabeça	 e	 sussurrando	 encorajamento.	 “Ainda	 posso	 ver
esse	 homem	modesto,	 tão	 pronto	 para	 ajudar,	 diante	 de	 meus	 olhos,	 mais	 de
meio	 século	 depois”,	 um	 aluno	 se	 lembra.	 Ou	 então	 ele	 passava	 meia	 hora
corrigindo	 o	 desenho	 de	 um	 aluno,	 fazendo	 pacientemente	 linha	 após	 linha,
apagando	os	esforços	errados	do	aluno,	“até	que	finalmente	a	imagem	apareceu
diante	 de	mim,	 não	 diferindo	 de	 forma	 alguma	do	modelo.	 Sua	memória	 para
formas	era	surpreendente;	suas	falas	eram	absolutamente	certas	e	verdadeiras	”.
Embora	 os	 artistas	 na	 Suíça	 não	 fossem	 treinados	 em	 universidades	 nem
recebessem	educação	em	artes	liberais,	Ulrich	era	um	homem	amplamente	culto.
Aos	vinte	anos,	ele	publicou	uma	pequena	compilação	de	poesia,	Wildflowers:
Poems	for	Heart	and	Mind,	escrevendo	ele	mesmo	muitos	dos	poemas.	Sua	filha
Anna	 alegou	 que	 ele	 sabia	 sânscrito	 -	 e	 se	 ele	 de	 alguma	 forma	 aprendeu	 ou
falava	sânscrito	 falso	para	enganar	as	crianças	e	se	divertir,	diz	a	mesma	coisa
sobre	ele.
Em	 seu	 tempo	 livre,	 ele	 escreveu	 cem	páginas	 “Esboço	 de	 uma	Teoria	 da
Forma,	de	Ulr.	Rorschach,	Professor	de	Desenho.	”	Esta	não	foi	uma	coleção	de
notas	 de	 aula	 ou	 exercícios	 do	 ensino	 médio,	 mas	 um	 tratado,	 abrindo	 com
“Espaço	e	Distribuição	Espacial”	e	“Tempo	e	Divisões	Temporais”.	“Luz	e	Cor”
eventualmente	mudou	para	“as	 formas	primárias,	criadas	por	concentração,
rotação	 e	 cristalização”,	 e	 então	Ulrich	 partiu	 em	 “um	passeio	 orientador	 pelo
reino	 da	 Forma”:	 trinta	 páginas	 de	 uma	 espécie	 de	 enciclopédia	 do	 visual
mundo.	A	Parte	II	cobriu	“As	Leis	da	Forma”	-	ritmo,	direção	e	proporção	-	que
Ulrich	encontrou	em	tudo,	desde	música,	folhas	e	o	corpo	humano	até	escultura
grega,	 turbinas	modernas	e	 exércitos.	 “Quem	entre	nós”,	Ulrich	meditou,	 “não
voltou	com	frequência	e	com	prazer	nossos	olhos	e	imaginação	para	as	formas	e
movimentos	 em	 constante	 mudança	 das	 nuvens	 e	 da	 névoa?”	 O	 manuscrito
terminava	discutindo	a	psicologia	humana:	nossa	consciência	também,	escreveu
Ulrich,	 é	 governada	 pelas	 leis	 básicas	 da	 forma.	 Foi	 um	 trabalho	 profundo	 e
cuidadoso,	de	pouca	utilidade	prática.
Depois	de	três	ou	quatro	anos	na	casa	do	Geissberg,	os	Rorschachs	voltaram
para	a	cidade,	para	uma	nova	área	residencial	perto	da	fortaleza	de	Munot,	mais
perto	da	escola	das	crianças.	Hermann	era	ativo,	um	bom	patinador	no	gelo,	 e
havia	 festas	 de	 trenó	 onde	 as	 crianças	 uniam	 seus	 trenós	 em	uma	 longa	 fila	 e
desciam	 a	 colina	 ao	 redor	 do	Munot	 em	 ruas	 largas	 para	 a	 cidade,	 antes	 que
houvesse	muitos	carros.	Ulrich	escreveu	uma	peça	que	foi	encenada	no	terraço
da	 cobertura	 do	Munot	 com	Anna	 e	Hermann	 como	 atores;	 outra	 vez,	 ele	 foi
contratado	para	projetar	uma	nova	bandeira	para	um	clube	de	Schaffhausen,	e	as
crianças	procuraram	flores	silvestres	para	ele	usar	como	modelos.	Depois,	eles
ficaram	encantados	ao	olhar	para	a	bandeira	bordada	com	seu	desenho	nas	cores
de	suas	papoulas	e	centáureas.	Hermann,	por	sua	vez,	demonstrou	desde	muito
jovem	 habilidade	 em	 desenhar	 paisagens,	 plantas	 e	 pessoas.	De	 esculturas	 em
madeira,	recortes	e	costura	a	romances,	peças	de	teatro	e	arquitetura,	sua	infância
foi	criativa.
	
No	 verão	 de	 1897,	 quando	 Hermann	 tinha	 12	 anos,	 sua	 mãe,	 Filipina,
contraiu	 diabetes.	 Em	 uma	 época	 anterior	 aos	 tratamentos	 com	 insulina,	 ela
morreu	após	quatro	semanas	acamada	de	uma	sede	terrível	e	constante.	A	família
ficou	arrasada.	Uma	série	de	governantas	se	mudaram	para	ajudar,	mas	nenhuma
se	 encaixou.	 As	 crianças	 desprezavam	 especialmente	 uma	 mulher
ostensivamente	religiosa	que	passava	o	tempo	todo	fazendo	proselitismo.
Em	uma	noite,	um	pouco	antes	do	Natal	de	1898,	Ulrich	entrou	na	sala	de
jogos	 das	 crianças	 com	 um	 anúncio	 a	 fazer:	 logo	 teriam	 uma	 nova	 mãe.	 E
nenhum	estranho,	mas	tia	Regina.	Ulrich	havia	escolhido	se	casar	com	uma	das
meias-irmãs	mais	novas	das	Filipinas,	a	madrinha	de	Hermann;Hermann	e	Anna
haviam
passado	 as	 férias	 com	 ela	 em	Arbon,	 onde	 ela	 tinha	 uma	 pequena	 loja	 de
tecidos	 e	 tecidos.	 Ela	 viria	 a	 Schaffhausen	 no	 Natal,	 disse	 Ulrich,	 para	 uma
visita.	 Anna	 começou	 a	 gritar;	 o	 jovem	 Paul	 começou	 a	 chorar.	 Hermann,	 de
quatorze	anos,	ficava	calmo	e	raciocinava	com	os	irmãos:	eles	deviam	pensar	no
pai,	isso	não	era	vida	para	ele,	sem	um	lar	feliz	para	onde	voltar	no	final	do	dia.
Naturalmente,	ele	não	queria	que	essas	empregadas	 transformassem	seus	filhos
em	hipócritas	hipócritas.	Tudo,	disse	Hermann,	ficaria	bem.
O	casamento	ocorreu	em	abril	de	1899,	e	um	novo	filho	nasceu	menos	de	um
ano	 depois.	 Ela	 se	 chamava	 Regina,	 igual	 à	 mãe,	 e	 se	 chamava	 Regineli.	 Os
irmãos	 deram	 as	 boas-vindas	 à	 sua	 nova	meia-irmã	 “e	 passaram	 vários	meses
pacíficos,	 amáveis	 e	 harmoniosos	 juntos”,	 nas	 palavras	 de	 Anna	 -	 “mas,
infelizmente,	apenas	alguns	meses”.
Ulrich	 pode	 já	 ter	 tido	 sintomas	mais	 graves	 do	 que	 um	 ceceio:	 sua	mão
tremia	na	escola	quando	ele	tirou	o	chapéu,	a	ponto	de	seus	alunos	zombarem	de
sua	paralisia.	Após	o	nascimento	de	Regineli,	ele	começou	a	sofrer	de	fadiga	e
tonturas,	 diagnosticadas	 como	 uma	 doença	 neurológica	 resultante	 de
envenenamento	 por	 chumbo	 quando	 ele	 era	 um	 pintor	 jornaleiro.	 Em	 poucos
meses,	ele	teve	que	desistir	de	seu	ensino,	e	a	família	se	mudou	pela	última	vez,
para	 Säntisstrasse	 5,	 onde	 Regina	 abriu	 uma	 loja	 no	 prédio	 para	 que	 pudesse
sustentar	 a	 família	 enquanto	 ficava	 em	 casa	 para	 cuidar	 de	 Ulrich.	 Hermann
começou	 a	 dar	 aulas	 de	 latim	 para	 ganhar	 algum	 dinheiro	 extra	 e	 voltava	 da
escola	para	casa	todos	os	dias	para	ajudar	a	madrasta	a	cuidar	do	pai.
Os	 últimos	 anos	 de	 Ulrich	 foram	 preenchidos	 com	 o	 que	 seu	 obituário
chamou	de	 “tormentos	 indescritíveis”:	 depressão,	 delírios	 e	 auto-recriminações
amargas	 e	 sem	 sentido.	Hermann	 ficou	 com	 o	 pai	 a	maior	 parte	 do	 tempo	 no
final	e	 teve	uma	 infecção	pulmonar	severa	exacerbada	pelo	estresse	e	cansaço.
Quando	Ulrich	morreu,	 às	 quatro	 da	manhã	 de	 8	 de	 junho	 de	 1903,	Hermann
estava	 doente	 demais	 para	 comparecer	 ao	 funeral.	 Seu	 pai	 foi	 enterrado	 no
cemitério	entre	o	Munot	e	a	escola	de	Hermann,	a	poucos	passos	de	sua	casa	por
um	 caminho	 bonito	 e	 arborizado.	 Ele	 tinha	 cinquenta	 anos;	 Hermann	 tinha
dezoito	anos,	seus	irmãos	quatorze,	onze	e	três.	Assistir	impotente	à	doença	e	à
morte	 do	 pai	 fez	Hermann	querer	 se	 tornar	 um	médico,	 um	neurologista.	Mas
por	 enquanto	 ele	 era	 órfão,	 sua	 madrasta	 viúva,	 sem	 pensão,	 mãe	 solteira	 de
quatro	filhos.
Os	 temores	 de	 Anna	 de	 uma	 madrasta	 malvada	 logo	 se	 provaram
justificados.	 Regina	 era	 rígida,	 severa	 ao	 ponto	 da	 crueldade.	 O	 primo	 de
Hermann	 mais	 tarde	 a	 descreveu	 como	 "só	 trabalho	 e	 sem	 ideais",	 pensando
apenas	 em	 como	 ganhar	 a	 vida:	 ela	 se	 casou	 tarde,	 aos	 37	 anos,	 "porque	 foi
vendedora	 por	 trinta	 anos	 e	 não	 sabia	 de	 mais	 nada".	 Enquanto	 Philippine
Rorschach	foi	o	primogênito	e	a	primeira	esposa	de	seu	marido,	Regina	era	filha
de	uma	madrasta,	uma	segunda	esposa	e	uma	madrasta	de	três	filhos	obstinados
com	personalidades	muito	diferentes	da	dela.
Ela	brigava	com	frequência	com	Paul	e	tornava	a	vida	miserável	da	curiosa	e
extrovertida	 Anna,	 que	 agora	 sentia	 que	 a	 casa	 da	 família	 era	 "estreita	 e
restritiva,	quase	sem	ar	para	respirar".	Anna	mais	tarde	descreveu	Regina	como
“como	uma	galinha	 com	asas	 curtas	que	não	pode	voar.	Ela	não	 tinha	 asas	de
imaginação.	”	A	casa	sob	seu	 regime	miserável	era	mantida	 fria,	com	as	mãos
das	 crianças	 às	 vezes	 ficando	 literalmente	 azuis.	 Eles	 não	 tinham	 tempo	 para
brincar,	seu	tempo	livre	era	dedicado	ao	trabalho	ou	às	tarefas	domésticas.
Hermann,	 ainda	 no	 ensino	 médio,	 teve	 que	 crescer	 rápido.	 Quando	 Anna
relembrou	sua	 infância,	 lembrou-se	de	Hermann	como	sendo	“pai	e	mãe”	para
ela.	Ao	mesmo	tempo,	era	o	principal	sustentador	de	Regina,	o	dono	da	casa,	que
ficava	 horas	 conversando	 com	 ela	 na	 cozinha.	 Ele	 compreendeu	Regina	 e	 sua
incapacidade	de	demonstrar	mais	amor	-	“Temo	que,	em	seu	orgulho	tímido,	ela
nunca	tenha	sido	capaz	de	se	apegar	a	ninguém”	-	e	exortou	Anna	e	Paul	a	não	a
criticarem	muito.	Eles	 deveriam	perdoar	 o	 que	pudessem	e	 pensar	 na	 pequena
Regineli.
Tudo	isso	deixou	Hermann	pouco	tempo	para	sua	própria	dor.	Mais	tarde,	ele
admitiria	para	Anna:	“Eu	penso	no	pai	e	na	mãe	-	nossa	mãe	verdadeira	-	muito
mais	do	que	antes;	Talvez	eu	não	tenha	sentido	a	morte	prematura	de	meu	pai	há
seis	 anos	 tão	 profundamente	 quanto	 sinto	 agora.	 ”	 Também	 o	 deixou	 ansioso
para	 ir	 embora.	 Hermann	 viria	 a	 pensar	 em	 "toda	 essa	 luta,	 arranhão	 e
varrimento	 do	 chão,	 tudo	 que	 suga	 tanta	 vida	 e	 mata	 tanta	 vitalidade
infinitamente",	como	"a	mentalidade	de	Schaffhausen".	Como	escreveu	a	Anna:
“Nenhum	 de	 nós	 pode	 sequer	 pensar	 em	 morar	 com	 mamãe	 por	 muito
tempo.	Ela	tem	grandes	e	boas	qualidades	e	merece	os	maiores	elogios,	mas	-	a
vida	com	ela	exige	muito	silêncio,	não	é	para	pessoas	como	nós,	que	precisam	de
liberdade	para	se	mover.	”
Todos	os	três	filhos	de	Ulrich	e	Philippine	acabariam	por	viajar	muito	mais
longe	do	que	seus	pais,	e	Hermann	foi	o	primeiro	a	partir.	“Nós	temos	um	talento
para	viver,	você	e	eu”,	Hermann	continuou	para	Anna:	“Nós	o	herdamos	do	Pai
...	e	tudo	o	que	temos	que	fazer	é	mantê-lo,	temos	que	fazê-lo.	Em	Schaffhausen,
esse	 tipo	 de	 talento	 é	 completamente	 estrangulado,	 luta	 e	 se	 debate	 por	 um
momento	e	depois
morre.	Mas,	Deus	 sabe,	 é	 por	 isso	que	 temos	o	mundo!	Para	 que	haja	 um
lugar	onde	nossos	talentos	se	revelem.	”
Quando	 escreveu	 isso,	 Hermann	 já	 havia	 escapado.	 Mas	 seus	 anos	 em
Schaffhausen,	 embora	 repletos	 de	 turbulência,	 foram	 importantes	 para	 o
desenvolvimento	de	Hermann	como	pensador	-	e	artista.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
2	Klex
	
Em	uma	reviravolta	do	destino	que	parece	bom	demais	para	ser	verdade,	o
apelido	 de	Rorschach	 na	 escola	 era	 "Klex",	 a	 palavra	 alemã	 para	 "mancha	 de
tinta".	 O	 jovem	 Blot	 Rorschach	 já	 estava	 mexendo	 na	 tinta,	 seu	 destino
anunciado?
Os	 apelidos	 eram	 importantes	 nas	 fraternidades	 alemãs	 e	 suíço-alemãs,	 às
quais	os	alunos	ingressavam	enquanto	frequentavam	a	escola	secundária	de	elite
de	seis	anos	chamada	Gymnasium.	Um	irmão	da	fraternidade	fez	um	juramento
de	amizade	e	 fidelidade	e	 foi	membro	vitalício,	 com	as	conexões	que	ali	 fazia
muitas	vezes	engraxando	a	roda	de	toda	a	sua	carreira.	Em	Schaffhausen,	a	vida
social	era	dominada	pela	fraternidade	de	Scaphusia	(o	nome	romano	da	cidade).
Os	 membros	 do	 Scaphusia,	 incluindo	 Rorschach,	 vestiam-se	 com	 orgulho	 de
azul	e	branco	no	terreno	da	escola,	nos	bares	e	nas	trilhas	para	caminhadas.	Eles
também	tinham	o	novo	nome	que	receberam	para	marcar	sua	nova	identidade.
As	 iniciações	 de	 escafusia	 ocorreram	 em	 um	 bar	 local,	 na	 escuridão	 total,
exceto	 por	 uma	 única	 vela	 montada	 em	 um	 crânio	 humano.	 O	 iniciado,
conhecido	como	Raposa,	um	estudante	do	quarto	ano	de	dezesseis	ou	dezessete
anos	 de	 idade,	 subiu	 em	 uma	 caixa	 cheia	 com	 o	 equipamento	 de	 esgrima	 do
clube,	uma	caneca	de	cerveja	em	cada	mão,	e	respondeu	a	uma	dura	rodada	de
perguntas.	Na	Suíça,	o	trote	não	era	pior	do	que	isso;	nas	universidades	alemãs	a
esgrima	 era	 com	 lâminas	 reais,	 resultando	 nas	 famosas	 cicatrizes	 de	 duelo	 de
Heidelberg	que	marcaram	os	rostos	da	elite	alemã	para	o	resto	da	vida.	Quando	o
Scaphusia	Fox	passou	no	teste,	ele	conseguiu	seu	“batismo	de	cerveja”	-	as	duas
canecas	derramadas	sobre	sua	cabeça,	ou	descartadas	como	de	costume	-	e	um
nome:	 alguma	piada	 interna	 óbvia	 sobre	 sua	 aparência	 física	 ou	 tendências.	O
patrocinador	 da	 fraternidade	 de	 Rorschach	 era	 “Chimney”	Müller,	 porque	 ele
fumava	 como	 um;	 O	 patrocinador	 de	 Chimney	 era	 “Baal”,	 um	 ricodemônio
mulherengo.
O	novo	nome	de	Hermann,	Klex,	significava	que	ele	era	hábil	com	caneta	e
tinta,	 alguém	 que	 desenhava	 bem	 e	 com	 rapidez.	Klexen	ou	 klecksen	 também
significa	 "pintar,	 pintar	 pinturas	 medíocres"	 -	 um	 dos	 artistas	 favoritos	 de
Rorschach,	Wilhelm	Busch,	 foi	o	 autor	de	um	 livro	 infantil	 ilustrado	chamado
Maler	Klecksel,	algo	como	"Smudgy	the	Painter"	-	mas	Rorschach	estava	sendo
elogiado	como	um	bom	artista,	não	provocado	como	mau.	Outro	Fox	apelidado
de	Klex,	de	outra	fraternidade	na	mesma	época,	também	desenhava	bem	e	depois
se	tornou	arquiteto.
Portanto,	 "Klex"	 não	 significava	 "mancha	 de	 tinta"	 em	Scaphusia,	 embora
talvez	tenha	feito	uma	mancha	um	pouco	mais	provável	de	vir	à	mente	enquanto
Rorschach	 passeava	 pelo	 terreno	 de	 seu	 asilo	 uma	 década	 depois,	 tentando
imaginar	 maneiras	 de	 estabelecer	 uma	 conexão	 com	 seu	 pacientes
esquizofrênicos.	De	qualquer	forma,	o	que	importava	era	Klex	Rorschach	ser	um
Klex:	um	artista,	com	uma	sensibilidade	visual.
-
Rorschach	frequentou	o	Ginásio	de	Schaffhausen	de	1898	a	1904	-	desde	o
ano	 após	 a	 morte	 de	 sua	 mãe	 até	 o	 ano	 após	 a	 morte	 de	 seu	 pai.	 Havia	 170
alunos,	quatorze	na	classe	de	Rorschach,	e	a	escola	era	conhecida	como	a	melhor
da	região,	atraindo	alunos	de	outras	partes	da	Suíça,	até	mesmo	da	Itália,	 junto
com	professores	de	mentalidade	liberal	e	inclinados	à	democracia	da	Alemanha
autoritária.	O	currículo	era	exigente,	incluindo	geometria	analítica,	trigonometria
esférica	 e	 cursos	 avançados	 em	 análise	 qualitativa	 e	 física.	 Os	 alunos	 lêem
Sófocles,	Tucídides,	Tácito,	Horácio,	Catulo,	Molière,	Hugo,	Goethe,	Lessing	e
Dickens	 no	 original,	 e	 os	 mestres	 russos	 na	 tradução:	 Turgenev,	 Tolstoy,
Dostoyevsky,	Chekhov.
Rorschach	foi	bem	na	escola,	sem	nunca	parecer	se	esforçar	muito.	Ele	foi
classificado	 como	 o	 primeiro	 da	 classe	 em	 todas	 as	 disciplinas;	 ele	 aprendeu
inglês,	francês	e	latim,	além	de	seu	dialeto	suíço	nativo	e	alemão	padrão	e	mais
tarde	 aprenderia	 italiano	 e	 russo	 fluente.	 Socialmente	 ele	 era	 reservado,	 um
craque	nos	bailes	da	escola,	preferindo	entregar	seu	cartão	de	visita	e	olhar,	em
vez	de	arriscar	as	complexas	 figuras	e	manobras	da	dança	popular	da	época,	a
Torre	 Munot	 ("Mão	 direita,	 mão	 esquerda,	 uma,	 dois	 três").	 Ele	 gostava	 de
trabalhar	 em	 um	 ambiente	 silencioso	 e	 se	 ressentia	 de	 interrupções.	O	melhor
amigo	de	Hermann	na	escola,	um	futuro	advogado	extrovertido	chamado	Walter
Im	Hof,	achava	que	“era	meu	papel	destacá-lo	um	pouco”;	outros	concordaram
que	 socializar	 e	 beber	 festas	 com	 seus	 colegas	 fazia	 bem	 a	 Hermann.	 Mas
Hermann	 e	 seu	 irmão	 mais	 extrovertido,	 Paul,	 também	 pregavam	 peças,	 das
quais	Hermann	se	lembraria
com	prazer	muito	tempo	depois.	Ele	entrava	na	natureza	sempre	que	podia	-
caminhando	nas	montanhas,	remando	nos	lagos,	nadando	nu.
As	 preocupações	 financeiras	 eram	 uma	 preocupação	 constante.	 A	 maioria
dos	colegas	de	classe	de	Rorschach	vinha	de	famílias	ricas	e,	em	alguns	casos,
bastante	 proeminentes.	 A	 International	Watch	 Company,	 ainda	 hoje	 conhecida
como	 IWC	Schaffhausen,	 foi	 fundada	na	 cidade	por	um	 fabricante	 já	 rico,	 e	 a
filha	do	fundador,	Emma	Rauschenbach	-	futura	esposa	de	Carl	Jung	-	era	uma
das	herdeiras	mais	ricas	da	Suíça.	Nesse	meio	próspero,	Hermann	Rorschach	era
visivelmente	 pobre.	 Um	 colega	 pensou	 erroneamente	 que	 a	 madrasta	 de
Rorschach	era	uma	“lavadeira”	que	“deve	ter	trabalhado	muito,	muito	duro	para
colocar	o	menino	na	escola”;	a	mãe	patrícia	do	colega	desprezava	Rorschach	e
sua	família	como	sendo	de	classe	baixa.
Outro	colega	disse	que	Rorschach	parecia	um	caipira	do	campo,	“mas”	era
inteligente	de	qualquer	maneira.
Ainda	 assim,	 Rorschach	 se	 recusou	 a	 permitir	 que	 suas	 circunstâncias
interferissem	em	sua	independência.
Ele	foi	dispensado	das	taxas	da	fraternidade	e	foi	nomeado	bibliotecário	do
grupo	para	que	pudesse	comprar	novos	livros	quando	necessário.
Ele	 também	 teve	 acesso	 a	 pelo	 menos	 um	 assunto	 para	 experimentos
científicos:	 ele	 mesmo.	 Tendo	 lido	 que	 o	 humor	 pode	 fazer	 suas	 pupilas
crescerem	 ou	 diminuírem,	 o	 adolescente	 Rorschach	 descobriu	 que	 poderia
contrair	e	dilatar	 suas	pupilas	à	vontade.	Em	uma	sala	escura,	ele	 se	 imaginou
procurando	pelo	interruptor	de	luz	e	suas	pupilas	ficariam	visivelmente	menores;
lá	 fora,	 sob	 o	 sol	 forte	 da	 tarde,	 ele	 poderia	 torná-los	 maiores.	 Em	 outro
experimento	em	mente	sobre	a	matéria,	ele	tentou	transpor	o	desconforto	de	uma
dor	de	dente	em	música,	transformando	as	dores	“latejantes”	em	notas	baixas	e
as	dores	“agudas”	em	notas	altas.
Certa	vez,	curioso	para	saber	quanto	 tempo	era	possível	 ficar	sem	comer	e
ainda	 trabalhar,	ele	 jejuou	por	24	horas,	 serrando	e	 rachando	 lenha	o	dia	 todo.
Ele	descobriu	que,	se	não	trabalhasse,	poderia	jejuar	por	mais	tempo.	Isso	foi	na
época	do	segundo	casamento	de	seu	pai.
Não	há	recompensa	em	ser	capaz	de	dilatar	suas	pupilas	à	vontade,	exceto	o
conhecimento	de	que	você	pode.
Esses	exercícios	eram	explorações:	Rorschach	exercendo	sua	vontade	sobre
si	mesmo,	como	seu	pai,	que	conseguia	 superar	 seu	ceceio	ou	 tremor	“quando
tentava”.	 Ele	 estava	 testando	 seus	 limites,	 investigando	 como	 seus	 diferentes
“sistemas”	 -	 comida	e	 trabalho,	dor	e	música,	mente	e	olho	 -	 se	encaixavam	e
podiam	ser	colocados	sob	controle	consciente.	Outra	experiência	que	ele	achou
instigante:	Tenho	uma	memória	musical	bastante	fraca,	por	isso,	quando	estou	a
aprender	 uma	 música,	 posso	 confiar	 muito	 pouco	 nas	 imagens	 da	 memória
auditiva.	 Costumo	 usar	 a	 imagem	 ótica	 das	 notas	 como	 forma	 de	 lembrar	 a
melodia;	outras	vezes,	quando	eu	era	mais	jovem,	tendo	aulas	de	violino,	muitas
vezes	 acontecia	 que	 eu	não	 conseguia	 imaginar	 o	 som	de	uma	passagem,	mas
ainda	conseguia	tocá-la	de	memória,	ou	seja,	a	memória	de	movimento	era	mais
confiável	do	que	a	auditiva.	Também	tenho	usado	com	freqüência	movimentos
de	imitação	dos	dedos	como	uma	forma	de	despertar	memórias	auditivas.
Rorschach	 estava	 imensamente	 interessado	 nessas	 transformações	 de	 um
tipo	de	experiência	em	outro.
Ele	também	estava	interessado	em	se	colocar	no	lugar	dos	outros,	tornando
suas	as	experiências	dele.	Em	4	de	julho	de	1903,	aos	dezoito	anos,	Rorschach
deu	 a	 palestra	 que	 se	 esperava	 que	 os	membros	 de	 Scaphusia	 fizessem	 a	 seus
pares:	a	sua	foi	chamada	de	“Emancipação	das	Mulheres”,	um	apelo	implacável
pela	 igualdade	 total	 de	 gênero.	 As	mulheres,	 argumentou	 ele,	 “não	 eram	 nem
física,	intelectual	ou	moralmente	inferiores	por	natureza	aos	homens”,	não	eram
menos	 lógicas	 e	 pelo	 menos	 tão	 corajosas.	 Eles	 não	 existiam	 para	 "fabricar
crianças",	 assim	como	os	homens	não	 eram	apenas	 "um	 fundo	de	pensão	para
pagar	 as	 contas	 das	 mulheres".	 Fazendo	 referência	 à	 história	 centenária	 do
movimento	das	mulheres	e	às	leis	e	estruturas	sociais	em	outros	países,	incluindo
os	Estados	Unidos,	ele	defendeu	direitos	plenos	de	voto	e	acesso	à	universidade
e	 profissões,	 especialmente	 medicina,	 uma	 vez	 que	 “as	 mulheres	 preferem
revelar	seus	doenças	íntimas	para	outra	mulher.	”	Ele	reforçou	seus	argumentos
com	 sagacidade	 e	 empatia,	 apontando	 que,	 embora	 os	 bluestockings
horrorizassem	 a	 geração	 mais	 velha,	 "um	 homem	 intelectual	 exibicionista
também	 é	 uma	 figura	 amarga	 e	 repelente".	 Quanto	 à	 alegada	 tagarelice	 das
mulheres,	“a	questão	é	se	há	mais	bate-papo	em	um	café	klatsch	ou	em	um	bar”,
isto	 é,	 entre	 mulheres	 ou	 homens.	 Ele	 se	 perguntou	 se	 “nós”	 não	 éramos	 tão
ridículos	quanto	“eles”	-	tentando,	como	sempre	fazia,	se	ver	de	fora.
Naturalmente,	o	 filho	de	Ulrich	contribuiu	com	várias	obras	de	arte	para	o
álbum	de	recortes	de	Scaphusia.
Uma	página	de	partitura	de	violino	com	gatos	klexy	brincando	para	cima	e
para	baixo	na	pauta	em	vez	de	notas	era	um	trocadilho,	já	que	música	cacofônica
e	estridenteé	chamada	de	“música	de	gato”	em	alemão.
Um	 confronto	 direto	 entre	 duas	 pessoas	 em	 silhueta,	 com	 a	 legenda	 A
Picture	 Without	 Words,	 também	 foi	 assinado	 "Klex".	 As	 obras	 de	 arte	 de
Rorschach	fora	do	álbum	de	Scaphusia	incluíam	um	desenho	a	carvão	finamente
detalhado	 de	 seu	 avô	 materno,	 datado	 de	 1903	 e	 copiado	 de	 uma	 pequena
fotografia.	 Rostos	 e	 gestos	 expressivos	 o	 interessavam	 mais	 do	 que	 objetos
estáticos	ou	texturas.	Em	uma	foto,	as	roupas	e	os
móveis	de	um	aluno	são	menos	convincentes	do	que	sua	postura;	a	fumaça
do	charuto	não	parece	fumaça,	mas	se	enrola	como	fumaça.
	
Outra	das	palestras	de	Scaphusia	de	Rorschach,	“Poesia	e	Pintura”,	clamava
por	um	melhor	treinamento	em	como	ver.	À	maneira	atemporal	de	adolescentes
em	todos	os	lugares,	ele	criticava	sua	escola:	“Há	uma	falta	de	compreensão	das
artes	 visuais	 entre	 as	 pessoas,	mesmo	 entre	 a	 classe	 educada,	 uma	 deficiência
que	pode	ser	atribuída	à	nossa	educação	...	Procura-se	em	vão	pela	arte	cursos	de
história	 em	 nosso	 currículo	 do	 Gymnasium	 ,	 mas	 a	 criança	 pode	 pensar
artisticamente	tanto	quanto	alguns	adultos.	”	Ele	também	deu	três	palestras	sobre
Darwin	 e	 nossa	 relação	 com	 a	 natureza.	 Darwin	 não	 foi	 estudado	 na	 escola,
então	 as	 palestras	 estavam	 fazendo	 um	 verdadeiro	 trabalho	 educacional,	 e
novamente	Rorschach	se	concentrou	em	ver.
Abordando	 a	 questão	 de	 saber	 se	 o	 darwinismo	 deveria	 ser	 ensinado	 às
crianças,	Klex	respondeu,	de	acordo	com	a	ata	da	reunião,	“decididamente	pela
afirmativa.	Pois	somente	através	do	tratamento	preciso	desses	temas,	adaptado	à
compreensão	 da	 criança,	 o	 jovem	 aprende	 a	 'ver	 a	 natureza'.	 Só	 assim	 sua
motivação	 para	 observar	 será	 estimulada.	 Só	 assim	 uma	 verdadeira	 alegria	 da
natureza	será	despertada	nos	olhos	dos	jovens
”.	O	que	importava	era	como	ver	e	ver	com	alegria.	Rorschach	encerrou	sua
palestra	apreciando	outro	artista:
“O	 grande	 discípulo	 de	Darwin	 em	 solo	 alemão,	Haeckel”.	 Ilustrando	 sua
palestra	 com	 fotos	 de	Formas	 de	arte	 na	 natureza	 de	Haeckel	 ,	 ele	 "chamou
atenção	particular	para	como	Haeckel,	 com	seu	método	de	observação	natural,
possuía	um	olhar	aguçado	para	as	formas	de	arte	na	natureza."
Ernst	Haeckel	 (1834–1919)	 foi	um	dos	cientistas	mais	 famosos	do	mundo.
Um	biógrafo	recente	escreve	que
“mais	 pessoas	 aprenderam	 sobre	 a	 teoria	 da	 evolução	 por	 meio	 de	 suas
volumosas	 publicações	 do	 que	 por	meio	 de	 qualquer	 outra	 fonte”,	 incluindo	 o
próprio	trabalho	de	Darwin;	A	Origem	das	Espécies	vendeu	menos	de	quarenta
mil	exemplares	em	trinta	anos,	enquanto	a	popularização	de	Haeckel,	O	Enigma
do	Universo,	 vendeu	mais	 de	 seiscentos	mil	 somente	 em	 alemão,	 além	 de	 ter
sido	 traduzido	para	as	 línguas	do	sânscrito	para	o	esperanto.	O	próprio	Gandhi
queria	traduzi-lo	para	o	gujarati,	acreditando	que	era	"o	antídoto	científico	para
as	guerras	religiosas	mortais	que	assolam	a	Índia".	Além	de	popularizar	Darwin,
as	 realizações	 científicas	 de	Haeckel	 incluíram	 nomear	milhares	 de	 espécies	 -
3.500	após	apenas	uma	de	suas	expedições	polares	-	predizer	corretamente	onde
fósseis	 do	 "elo	 perdido"	 entre	 o	 homem	 e	 o	 macaco	 seriam	 encontrados,
formular	o	conceito	de	ecologia	e	a	embriologia	pioneira	 .	Sua	 teoria	de	que	o
desenvolvimento	 do	 indivíduo	 remonta	 ao	 desenvolvimento	 da	 espécie	 -
“Ontogenia	recapitula	a	filogenia”	-	foi	enormemente	influente	tanto	na	biologia
quanto	na	cultura	popular.
Haeckel	também	era	um	artista.	Um	aspirante	a	pintor	de	paisagens	em	sua
juventude,	 ele	 acabou	 combinando	 arte	 e	 ciência	 em	 obras	 luxuosamente
ilustradas.	Darwin	elogiou	Haeckel	em	ambos	os	casos,	chamando	seu	livro	de
dois	volumes	inovador	de	"as	obras	mais	magníficas	que	eu	já	vi"	e	sua	História
Natural	da	Criação	"um	dos	livros	mais	notáveis	de	nosso	tempo".
Art	 Forms	 in	 Nature,	 que	 Rorschach	 usou	 para	 ilustrar	 sua	 palestra
Scaphusia,	 era	um	compêndio	visual	 de	 estrutura	 e	 simetria	 em	 todo	o	mundo
natural,	sugerindo	harmonias	entre	amebas,	águas-vivas,	cristais	e	todos	os	tipos
de	 formas	 superiores.	Publicado	em	 livro	em	1904,	 embora	as	 cem	 ilustrações
tenham	 sido	 publicadas	 originalmente	 em	 dez	 conjuntos	 de	 dez	 entre	 1899	 e
1904,	 foi	 popular	 e	 influente	 tanto	 na	 ciência	 quanto	 na	 arte,	 criando	 uma
espécie	de	vocabulário	visual	para	Art	Nouveau	enquanto	sobrepunha	essa	visão
à	 natureza	 .	 O	 fato	 de	 as	 formas	 horizontalmente	 simétricas	 parecerem
“orgânicas”	para	nós	é,	em	parte,	um	legado	de	sua	maneira	de	ver.	Art	Forms	in
Nature	 foi	 uma	 exibição	 doméstica	 na	 Europa	 de	 língua	 alemã	 e	 além;	 os
Rorschachs	 certamente	 possuíam	 pelo	 menos	 algumas	 das	 ilustrações.	 O
"Esboço	de	uma	teoria	da	forma"	de	Ulrich,	embora	não	mencione	Haeckel	pelo
nome,	é	praticamente	um	análogo	em	prosa	ao	livro	de	Haeckel,	preenchido	com
seu	vocabulário	de	"formas".
	
Também	 central	 para	 a	 reputação	 de	 Haeckel	 foi	 sua	 cruzada	 contra	 a
religião.	 Provavelmente	 foi	 devido	 em	 grande	 parte	 ao	 ativismo	 anti-religioso
pessoal	de	Haeckel	que	o	darwinismo	se	 tornou	a	ciência	ateísta	definitiva,	no
coração	 da	 disputa	 entre	 ciência	 e	 religião,	 embora	 geologia	 e	 astronomia	 e
outros	campos	do	conhecimento	contenham	fatos	 igualmente	não	bíblicos.	 Isso
também	admirava	Hermann.	Como	seu	pai,	ele	era	um	livre-pensador	tolerante
em	questões	de	fé,	mas	se	recusava	a	ver	o	mundo	natural	com	olhos
religiosos.	 Em	 uma	 de	 suas	 palestras	 sobre	 Darwin,	 de	 acordo	 com	 o
secretário	Scaphusia,	“Klex	tentou	rejeitar	completamente	o	argumento	contra	o
darwinismo	de	que	ele	mina	a	moralidade	cristã	e	o	significado	da	Bíblia”.
Já	 trabalhando	 como	 tutor,	 Rorschach	 estava	 pensando	 em	 se	 tornar	 um
professor	 como	 seu	 pai,	mas	 estava	 preocupado	 com	a	 necessidade	 de	 ensinar
religião.	Ele	tomou	a	atitude	incomum	de	escrever	a	Haeckel	pedindo	conselhos,
e	 o	 eminente	 anticristão	 respondeu:	 “Suas	 dúvidas	 parecem	 inadequadas	 para
mim	...
Leia	 minha	 Religião	 Monística,	 um	 compromisso	 com	 a	 igreja	 oficial.
Centenas	de	meus	alunos	fazem	isso.
É	 preciso	 fazer	 as	 pazes	 diplomaticamente	 com	 a	 ortodoxia	 reinante	 (
infelizmente!	).	”
A	abertura	ousada	do	jovem	de	dezessete	anos	foi	posteriormente	exagerada
em	 algo	 mais.	 Nas	 lembranças	 de	 várias	 pessoas	 próximas	 a	 Rorschach,	 ele
perguntou	 a	 Haeckel	 se	 deveria	 estudar	 desenho	 em	Munique	 ou	 seguir	 uma
carreira	em	medicina,	e	o	grande	homem	aconselhou	ciências.	É	improvável	que
Rorschach	tivesse	colocado	todo	o	seu	futuro	nas	mãos	de	um	estranho,	e	parece
ter	havido	apenas	uma	carta	para	Haeckel.	No	entanto,	um	mito	fundador	para	a
carreira	 de	 Rorschach	 nasceu.	 Uma	 questão	 prática	 sobre	 o	 ensino	 havia	 se
transformado	em	uma	escolha	simbólica	entre	arte	e	ciência,	e	o	artista-cientista
mais	 influente	da	geração	anterior	passara	o	bastão	para	o	 artista-psicólogo	da
nova	geração.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
3	Eu	quero	ler	as	pessoas
“No	que	me	 diz	 respeito,	 toda	 aquela	 bolha	 na	 encosta	 da	montanha	 pode
deslizar	 para	 o	 lago	 com	um	 estrondo	 e	 o	 cheiro	 de	 enxofre,	 como	Sodoma	 e
Gomorra	faziam	nos	tempos	antigos”	-	Rorschach	não	era	fã	de	Neuchâtel,	em
francês	 -	 falando	 na	 Suíça	 ocidental,	 onde	 passou	 vários	 meses	 depois	 de	 se
formar	no	colégio	em	março	de	1904.	Muitos	suíços	de	língua	alemã	fizeram	um
semestre	 antes	 de	 entrar	 na	 universidade	 para	 melhorar	 o	 francês;	 Rorschach
queria	 dar	 aulas	 de	 francês	 e	 também	dar	 aulas	 de	 latim,	 para	 enviar	 dinheiro
para	sua	família.	Ele	estava	desesperado	para	ir	direto	para	Paris,	mas	sua	rígida
madrasta	recusou-se	a	permitir.	Comparada	a	Schaffhausen,	onde	Rorschach	se
sentia	como	“um	verdadeiro
'estudioso'”,	a	Académie	de	Neuchâtel	era	entediante:	“Não	havia	lugar	mais
estúpido	em	que	eu	pudesse	 ter	 acabado	do	que	aquela	miscelânea	 sombria	da
Alemanha

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