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Nota do autor Introdução: Folhas de Chá 1 Tudo se torna movimento e vida 2 Klex 3 Eu quero ler as pessoas 4 descobertas extraordinárias e mundos guerreiros 5 Um caminho próprio 6 pequenas manchas de tinta cheias de formas 7 Hermann Rorschach sente seu cérebro sendo dividido 8 As ilusões mais obscuras e elaboradas 9 seixos em um leito de rio 10 Uma Experiência Muito Simples 11 Provoca interesse e agitação em todos os lugares 12 A psicologia que ele vê é Sua psicologia 13 Bem no limiar para um futuro melhor 14 Os borrões de tinta vêm para a América 15 Fascinante, Impressionante, Criativo, Dominante 16 A Rainha dos Testes 17 Icônico como um estetoscópio 18 Os Rorschachs nazistas 19 Uma crise de imagens 20 O Sistema 21 pessoas diferentes veem coisas diferentes 22 Além de Verdadeiro ou Falso 23 Olhando para a Frente 24 O teste de Rorschach não é um teste de Rorschach Apêndice: A Família Rorschach, 1922–2010 HERMANN R ORSCHACH ' S C HARACTER por Olga Rorschach- Shtempelin Agradecimentos Sobre o autor Caminhos distantes e distintos que poderiam nunca se cruzar. De um lado, a busca pela verdade e, do outro, a possível mentira bem encenada. Rorschach e Richthofen se encontram onde fatos, manchas e mentiras duelam. Em 2002, quase todos os brasileiros ficaram sabendo de um crime tenebroso e o nome de quem o orquestrou: Suzanne Von Richthofen, que organizou o assassinato dos próprios pais com ajuda do namorado e do cunhado (chamados de “irmãos Cravinhos”). Foi um acontecimento impactante na época (e ainda é hoje), com enorme repercussão midiática. Todos queriam entender os motivos dela para fazer aquilo com os próprios pais. Muitos a rotularam de “psicopata” e poucos acreditavam na versão de Suzane, que teria sido uma vítima manipulada pelo namorado e o cunhado, que queriam a fortuna da abastada família Von Richthofen. Eu mesmo, quando iniciei meus estudos de perícia facial e linguagem corporal, me deparei inúmeras vezes com o caso de Suzane. Por exemplo, nesta foto: Em um momento típico da família, podemos entender um pouco do seu estado de humor: na extrema direita, temos Manfred Albert von Richthofen (pai de Suzane), com olhar austero, leve sorriso e, com postura relaxada, envolve a esposa com o braço direito; à sua esquerda temos Marísia von Richthofen (mãe de Suzane), em sua face vemos um Grande e aberto sorriso, juntamente de contrações na região orbicular dos olhos, uma face conhecida como “sorriso de felicidade genuína”; à esquerda dela, de camiseta vermelha, vemos Andreas Albert von Richthofen (irmão de Suzane), com sorriso similar ao da mãe, gesticulando energicamente; por fim, na extrema esquerda do sofá, Suzane Von Richthofen. Repare primeiro na diferença de sua postura comparada aos demais: ela está fechada, os ombros tensionados e apoia os cotovelos nas pernas (uma postura sólida), na face vemos um leve sorriso, não observamos contrações ao redor dos olhos, como na mãe e no irmão (conhecido como “sorriso social”, ou seja, potencial indicador de ausência de felicidade genuína, hipótese reforçada pelos outros elementos de sua linguagem corporal neste momento). Apesar dessa microanálise – e de quaisquer outras que poderiam surgir com base em vídeos ou outras fotos da família Von Richthofen -, ainda restavam grandes questões, como “Suzane é genuinamente má?” e “Ela pode voltar para a sociedade?”. Tais perguntas jamais poderiam ser respondidas usando a apenas a observação de linguagem corporal de Suzane ou mesmo com outras técnicas de entender o comportamento dela. Com o passar do tempo tais questões continuavam ganhando peso, pois se aproximava o momento de Suzane solicitar o cumprimento do restante da pena em liberdade. E ela tinha chances reais de conseguir, pois como seria possível provar perante a justiça que aquela mulher era um perigo para a sociedade? Como saber de verdade quem era Suzane Von Richthofen? A própria Suzane, condenada a 39 anos por assassinato, não cometeu qualquer agressão física contra os pais. Não foi ela quem desferiu os golpes mortais, portanto era cada vez mais possível que a interpretação de mandante do crime acabasse virando coação a alguém obrigada a fazer o que fez, o que seria favorável para o pedido de regime aberto feito por ela em 2017. Então, para obter alguma evidência sobre o comportamento de Suzane, para entender suas reais intenções, que o Ministério Público solicitou testes psicológicos, o que culminou em Suzane realizar o famoso Teste de Rorschach, e foi principalmente pelos resultados obtidos com esse teste, que ela teve seu pedido de regime aberto negado. Os resultados contidos no laudo psicológico, com base no teste de Rorschach, diziam que Suzane tem personalidade egocêntrica, narcisista e é alguém influenciável por condutas violentas. Com base nos testes, a promotoria criminal recomendou que a detenta fosse mantida presa, ainda que em regime prisional mais brando. Suzane fez o teste de Rorschach outra vez, e os resultados foram similares, indicando personalidade extremamente perigosa. Pare para pensar por um momento: e se não existisse tal teste? Como seria possível entender as reais intenções dela? Quais seriam as consequências para a sociedade de considerá-la mentalmente capaz de cumprir o restante da pena em regime semiaberto? O peso do teste de Rorschach na decisão é evidente. Não é à toa que até hoje é um assunto que rende inúmeras discussões, e para realmente entender o que há por trás daquelas singelas manchas de tinta é necessário muito estudo na área da saúde mental. Por exemplo, as fichas reais do teste não são liberadas para a mídia – o que vemos em filmes, revistas ou séries, são meras variações das imagens originais. Portanto, pode ser que você nunca tenha visto as dez manchas originais, e talvez não imagine o significado por trás delas e até mesmo o histórico artístico da família de Rorschach, algo que influenciou seu pai, sua mãe, e até mesmo o então jovem Hermann Rorschach a perseguir formas de compreender o mundo que se assemelhassem a proporções e dimensões estéticas de obras de arte (o que, conforme relatado, quase levou o jovem para a carreira artística em vez da psiquiatria). Fiquei fascinado com a ideia desse teste, queria saber cada vez mais sobre ele, pois assim como muitas pessoas já tinha ouvido falar do teste das manchas de tinta, já tinha visto em um ou outro desenho animado, em filmes, ou visto designs de roupas com estampas similares aos borrões do teste de Rorschach. Eu estava admirado com a ideia de um teste, aparentemente sem sentido (alguns borrões sem padrão), ser capaz de quebrar todo o esquema racional que alguém como Suzane seria capaz de inteligentemente montar para responder positivamente a testes psicológicos e, assim, ser vista como uma personalidade inofensiva (basta levar em conta que a própria mãe de Suzane era psiquiatra e nunca teria emitido alguma opinião sobre a filha, julgando-a psicopática). Foi exatamente nesse contexto que recebi este livro, tentando atentamente perceber os detalhes que levaram o psiquiatra suíço Hermann Rorschach a criar o seu conhecido método. Assim como seu teste, a história de sua vida nos revela a mente por trás da vontade de entrar na mente alheia, nos mostra as dificuldades enfrentadas, a maturidade muito precoce, as perdas familiares, decisões pessoais e até mesmo o latente lado artístico de Hermann Rorschach. Tais momentos, similares a borrões de tinta, ora complexos demais ora simples demais para serem verdade, levam os leitores perspicazes por um caminho instigante para compreender não só a mente de Rorschach, comotambém suas motivações para querer ler o interior das pessoas, bem como o êxito em criar uma ferramenta capaz de fazê-lo. Muitas dúvidas sobre a base teórica do teste, as aplicações, as controvérsias e os sucessos estão disponíveis nesta obra para aqueles que, como Hermann Rorschach, têm interesse em conseguir, ainda que brevemente, ter um vislumbre muito verossímil do interior da mente humana alheia e, assim, realmente saber com quem está lidando. Boa leitura. Vitor Santos. Metaforando O teste de Rorschach usa dez e apenas dez manchas de tinta, originalmente criadas por Hermann Rorschach e reproduzidas em cartões de papelão. O que quer que sejam, são provavelmente as dez pinturas mais interpretadas e analisadas do século XX. Milhões de pessoas viram as cartas reais; a maioria de nós viu versões das manchas de tinta em publicidade, moda ou arte. As manchas estão por toda parte - e ao mesmo tempo um segredo bem guardado. O Código de Ética da American Psychological Association exige que os psicólogos mantenham os materiais de teste "seguros". Muitos psicólogos que usam o Rorschach acham que revelar as imagens estraga o teste, até prejudica o público em geral ao privá-lo de uma valiosa técnica de diagnóstico. A maioria das manchas de Rorschach que vemos na vida cotidiana são imitações ou remakes, em deferência à comunidade da psicologia. Mesmo em artigos acadêmicos ou exposições em museus, os borrões costumam ser reproduzidos em contorno, borrados ou modificados para revelar algo sobre as imagens, mas não tudo. O editor deste livro e eu tivemos que decidir se reproduziríamos ou não as manchas de tinta reais: qual escolha seria mais respeitosa para psicólogos clínicos, pacientes em potencial e leitores. Não há um consenso claro entre os pesquisadores de Rorschach - sobre quase tudo a ver com o teste - mas o manual para o sistema de teste de Rorschach mais moderno em uso hoje afirma que "simplesmente ter exposição prévia às manchas de tinta não compromete uma avaliação." Em qualquer caso, a questão é amplamente discutível, agora que as imagens não têm direitos autorais e estão disponíveis na Internet. Eles já estão facilmente disponíveis - um fato que muitos dos psicólogos que se opõem à divulgação das imagens parecem querer ignorar. Por fim, optamos por incluir algumas das manchas de tinta neste livro, mas não todas. É preciso enfatizar, porém, que ver as imagens reproduzidas online - ou aqui - não é o mesmo que fazer o teste real. O tamanho dos cartões é importante (cerca de 9,5 ″ × 6,5 ″), o espaço em branco, o formato horizontal, o fato de que você pode segurá-los na mão e girá-los. A situação é importante: a experiência de fazer um teste com apostas reais, ter que dizer suas respostas em voz alta para alguém em quem você confia ou não confia. E o teste é muito sutil e técnico para pontuar sem um treinamento extensivo. Não existe um Rorschach do tipo "faça você mesmo", e você não pode experimentá-lo com um amigo, mesmo sem o problema ético de descobrir lados de sua personalidade que ele talvez não queira revelar. Sempre foi tentador usar as manchas de tinta como um jogo de salão. Mas todos os especialistas no teste desde o próprio Rorschach insistem que não é um. Eles estão certos. O inverso também é verdadeiro: o jogo de salão, online ou em outro lugar, não é o teste. Você pode ver por si mesmo a aparência das manchas de tinta, mas não pode, sozinho, sentir como elas funcionam. Desde sua divulgação oficial em 1921, na Suíça, o teste de Rorschach é o mais complexo e importante instrumento psicométrico em todo o mundo; as imagens que o compõem permaneceram as mesmas e se consolidaram como uma proposta universal e atemporal para a avaliação da personalidade. A criação, a trajetória e o estabelecimento metodológico do teste de Rorschach são narrados no presente livro que o homenageia — Teste de Rorschach, de Damion Searls —, publicado em 2017 nos Estados Unidos e extremamente aclamado pela crítica internacional desde então. A publicação desta obra atende a uma demanda do movimento rorschachista nacional e internacional no sentido de revisitar estudos e abordagens sobre esse instrumento, e sua tradução chega ao Brasil em um momento muito propício, pois no ano de 2021 o uso das pranchas de Rorschach terá completado um século. O centenário da publicação do método de Rorschach será comemorado em muitas línguas e de diversas maneiras. Existem atualmente mais de 26 associações de estudiosos de Rorschach pelo mundo, e a comunidade acadêmico-científica de estudos e prática do teste de Rorschach terá a oportunidade de participar de inúmeras celebrações, incluindo eventos científicos nacionais e internacionais. Ao observar o passado, podemos visualizar aspectos futuros e entender questões de nossa atualidade, por isso o teste de Rorschach pode ser mais bem compreendido à medida que estudamos sobre seu criador e as várias Vertentes do instrumento. Os trabalhos iniciais de Hermann Rorschach, feitos em 1917 com seus pacientes psiquiátricos, envolveram uma série de critérios e preocupações para a elaboração do seu teste de percepção; desde então, foram muitos os estudos e adaptações transculturais com esse instrumento em todo o mundo. Inicialmente voltado para a análise clínica de pacientes psiquiátricos, o teste de Rorschach também passou a ser usado, posteriormente, em diversos campos da psicologia (jurídico, organizacional, hospitalar, entre outros). A obra Teste de Rorschach pode ser considerada como uma das mais importantes biografias de Hermann Rorschach na atualidade. Nela, a genialidade de Searls encontra a de Rorschach, e isso resulta em uma publicação enriquecedora, pioneira e autêntica. Além de escritor, Searls é tradutor das línguas alemã, norueguesa, francesa e holandesa, e possui formação em filosofia alemã e literatura norte-americana. Com esse currículo, não é de surpreender que o autor seja capaz de abordar conceitos tão diversos sobre a humanidade. Ele traduziu para o inglês cartas e informações originalmente em língua alemã, obtidas a partir de diários e documentos dos familiares de Hermann Rorschach; descobriu relatos antigos sobre o médico suíço e resgatou informações dos arquivos originais de sua vida e obra, muitos deles deteriorados e quase incompreensíveis. Além disso, ao descrever o percurso das pranchas de Rorschach, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, Searls propiciou uma importante reflexão sobre o tema da avaliação psicológica em contexto internacional no decorrer de praticamente um século de história. Embora a escrita de Searls seja coloquial, esta versão brasileira foi adaptada para uma formatação mais técnica e formal, além de levar em conta aspectos da cultura brasileira, porém sem descaracterizar a proposta e a essência da versão original. Em tempo, a obra de Searls não se propõe a responder ou ensinar tecnicamente sobre as maneiras de aplicação, interpretação e análise do teste de Rorschach para fins profissionais. Essa parte cabe aos manuais e guias de uso do método no Brasil e também aos informes sobre ética e bioética em avaliação psicológica, conforme preceitos dos conselhos brasileiros de psicologia. No Brasil existem especificidades tangentes à história e à aplicação do teste de Rorschach que não estão presentes na publicação de Damion Searls. A diversidade e a multiculturalidade de nossa população propiciaram o estudo de muitos métodos de Rorschach além dos indicados nesta obra: Sistema de Bruno Klopfer, Sistema de Samuel Beck, Sistema Compreensivo, R-PAS (Sistema de Avaliação da Performance no Rorschach) e a proposta da Avaliação Terapêutica com o Rorschach de Stephen Finn. O processo de adaptação, tradução e normatização desses sistemasno Brasil foi realizado por pioneiros, muitas vezes autodidatas, e teve importante repercussão nacional e internacional para a avaliação da personalidade. Os estudiosos brasileiros do teste de Rorschach sempre foram pesquisadores extremamente engajados, que superaram desafios e construíram importantes fundamentos éticos e profissionais na avaliação psicológica. O Brasil historicamente influenciou os outros países da América Latina com sua atuação em pesquisa com o teste de Rorschach e com a formação de importantes instituições e associações de estudos com esse instrumento, como são a ASBRo e a Sociedade Rorschach de São Paulo, tendo também representação na IRS, na Asociación Latinoamericana de Rorschach (ALAR) e na Society for Personality Assessment (SPA). No Brasil, existem mais dois sistemas além dos já mencionados: o Sistema da Escola de Paris e o Sistema Aníbal Cipriano da Silveira Santos. O primeiro, ainda utilizado por muitos psicólogos e pesquisadores brasileiros, foi estudado em pesquisas pioneiras, como a realizada em 1921 pela professor Helen Antipoff, e influenciado pela interpretação psicanalítica. O segundo foi criado em 1943 e deriva de teorias do modelo genético estrutural de personalidade, epistemologia positivista, psicologia geral e evolutiva, psiquiatria e neuropsicologia. A literatura brasileira sobre o uso do Rorschach é extensa, e há um crescente entusiasmo e engajamento em pesquisas e prática sobre o processo de avaliação psicológica com o uso do instrumento em benefício da população na clínica, na escola, nas organizações e na área jurídica. 1 É preciso destacar que a psicologia brasileira possui regras e critérios específicos sobre a utilização de instrumentos de avaliação psicológica, que foram adequados à nossa população com base em pesquisas normativas. Eles estabelecem que o teste de Rorschach somente pode ser aplicado por um psicólogo, e as informações sobre sua correta aplicação são fornecidas pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPS]). Além disso, foram elaboradas normas específicas sobre a divulgação de seus resultados em laudos e instruções explícitas sobre conduta ética profissional em relação a esse método de avaliação. É proibido e antiético divulgar informações sigilosas de testes de Rorschach, orientar pessoas sobre como se submeter ao instrumento, publicar respostas “certas” ou “erradas” sobre o processo de avaliação, utilizar protocolos de Rorschach em pesquisas sem o consentimento prévio do avaliado ou indicar informações de guias de Rorschach fora do contexto educacional. Ademais, aos profissionais psicólogos e alunos de psicologia, existem cursos de aperfeiçoamento, extensão, graduação e pós-graduação que instruem sobre a aplicação do teste de Rorschach de modo adequado e ético. O conhecimento e o treinamento prévios para uso desse instrumento são os principais critérios para se realizar a avaliação da personalidade com uma conduta ética e profissional 2 . Para aqueles que serão submetidos ao teste de Rorschach, a melhor sugestão que se pode dar é comportar-se da forma mais natural possível durante o exame, atendo-se às instruções dadas pelo avaliador e não se iludir com “resultados prontos” obtidos em simulações feitas pela internet, que são falsas ou descontextualizadas, confundem e sabotam a naturalidade da pessoa durante a avaliação, podendo prejudicar o resultado, e são facilmente detectadas pelos avaliadores. Existe uma grande importância em se proporcionar à comunidade uma desmistificação sobre o método de Rorschach e um conhecimento mais apurado sobre a vida de Hermann Rorschach — questões pelas quais esta obra transita em vários momentos. Os capítulos finais apresentam importantes aspectos sobre o declínio histórico do uso do instrumento, principalmente nos Estados Unidos, considerando o sucesso midiático que o teste teve naquele país e a popularidade que granjeou entre os profissionais de saúde mental das décadas passadas. Os desafios para a continuidade da avaliação da personalidade por meio do método vêm sendo discutidos por rorschachistas de todo o mundo. Muitos dos temas abordados nesta obra contribuem para o debate sobre questões éticas, científicas e profissionais envolvendo a prática e o ensino do teste de Rorschach, e devem ser considerados para futuros posicionamentos e estratégias de atuação com esse instrumento no âmbito brasileiro e internacional, respeitando cada contexto. Finalizando, Teste de Rorschach oferece uma visão abrangente da avaliação da personalidade pelo método de Rorschach para que possamos dar continuidade à divulgação responsável e cuidadosa desse formidável instrumento. Este livro é um presente a todos os que se interessam pelo teste. É também uma obra de arte e uma linda contribuição contemporânea à memória de Hermann Rorschach. Novembro de 2019. INTRODUÇÃO FOLHAS DE CHÁ Victor Norris havia chegado à rodada final de candidatura a um emprego trabalhando com crianças pequenas, mas, sendo os Estados Unidos na virada do século XXI, ele ainda precisava passar por uma avaliação psicológica. Em duas longas tardes de novembro, ele passou oito horas no escritório de Caroline Hill, uma psicóloga avaliadora que trabalhava em Chicago. Norris parecia um candidato ideal em entrevistas, charmoso e amigável, com currículo adequado e referências incontestáveis. Hill gostou dele. Suas pontuações eram normais a altas nos testes cognitivos que ela aplicou a ele, incluindo um QI bem acima da média. No teste de personalidade mais comum na América, uma série de 567 perguntas sim-ou-não chamada Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota, ou MMPI, ele foi cooperativo e de bom humor. Esses resultados também voltaram ao normal. Quando Hill mostrou a ele uma série de fotos sem legendas e pediu que ele contasse a ela uma história sobre o que estava acontecendo em cada uma - outra avaliação padrão chamada Teste de Apercepção Temática, ou TAT - Norris deu respostas um tanto óbvias, mas inofensivas o suficiente. As histórias eram agradáveis, sem ideias inadequadas e ele não sentia ansiedade ou outros sinais de desconforto ao contá-las. Quando a escuridão de Chicago caiu no final da segunda tarde, Hill pediu a Norris que se mudasse da mesa para uma cadeira baixa perto do sofá em seu escritório. Ela puxou a cadeira para a frente dele, tirou um bloco de notas amarelo e uma pasta grossa e entregou a ele, um por um, uma série de dez cartões de papelão da pasta, cada um com uma mancha simétrica. Ao entregar a ele cada cartão, ela disse: "O que pode ser isso?" ou “O que você vê?” Cinco das cartas eram em preto e branco, duas tinham formas vermelhas também e três eram multicoloridas. Para este teste, Norris foi solicitado a não contar uma história, não para descrever o que sentia, mas simplesmente para dizer o que viu. Sem limite de tempo, sem instruções sobre quantas respostas ele deve dar. Hill ficou fora de cena o máximo possível, permitindo que Norris revelasse não apenas o que viu nas manchas de tinta, mas como abordou a tarefa. Ele estava livre para pegar cada cartão, girá-lo, segurá-lo com o braço estendido ou de perto. Todas as perguntas que ele fez foram desviadas: Posso virar o jogo? Você decide. Devo tentar usar tudo isso? O que você quiser. Pessoas diferentes veem coisas diferentes. Essa é a resposta certa? Existem todos os tipos de respostas. Depois de responder a todas as dez cartas, Hill voltou para uma segunda passagem: “Agora vou reler o que você disse e quero que me mostre onde viu”. As respostas de Norris foram chocantes: cenas sexuais elaboradas e violentas com crianças; partes das manchas de tinta vistas como femininas sendo punidas ou destruídas. Hill educadamente o mandou embora - ele saiu de seu escritório com um aperto de mão firme e um sorriso, olhando-a diretamente nos olhos - então ela se virou para o bloco de notas em sua mesa, com o registro de suas respostas. Ela sistematicamente atribuiu às respostas de Norris os vários códigos do método padrão e categorizou suas respostas como típicas ou incomuns, usando as longas listas do manual. Ela então calculou as fórmulas que transformariam todas essas pontuações em julgamentos psicológicos: estilo de personalidade dominante, índice de egocentrismo, índice de flexibilidade de pensamento, constelação de suicídio. Como Hill esperava, seus cálculos mostraram que as pontuações de Norris eram tão extremas quanto suas respostas. Se nada mais, o teste de Rorschach levou Norris a mostrar um lado de si mesmo que de outra forma não mostraria. Ele tinha plena consciência de que estava se submetendo a uma avaliação, para um emprego que desejava. Ele sabia como queria aparecer nas entrevistas e que tipo de respostas brandas dar nos outros testes. No Rorschach, sua personalidade se desfez. Ainda mais revelador do que as coisas específicas que vira nas manchas de tinta era o fato de se sentir livre para dizê-las. Foi por isso que Hill usou o Rorschach. É uma tarefa estranha e em aberto, em que não fica nada claro o que as manchas de tinta devem ser ou como se espera que você responda a elas. Crucialmente, é uma tarefa visual, por isso contorna suas defesas e estratégias conscientes de auto-apresentação. Você pode gerenciar o que quer dizer, mas não pode gerenciar o que deseja ver. Victor Norris não conseguia nem mesmo dizer o que queria dizer sobre o que tinha visto. Nisso ele era típico. Hill havia aprendido uma regra prática na pós- graduação que ela repetidamente viu confirmada na prática: uma personalidade problemática pode muitas vezes mantê-la unida em um teste de QI e um MMPI, se sair muito bem em um TAT e então desmoronar quando confrontada com manchas de tinta . Quando alguém está fingindo saúde ou doença, ou suprimindo intencionalmente ou não outros lados de sua personalidade, o Rorschach pode ser a única avaliação a levantar uma bandeira vermelha. Hill não informou que Norris foi um molestador de crianças no passado ou no futuro - nenhum teste psicológico tem o poder de determinar isso. Ela concluiu que o "controle da realidade de Norris era extremamente vulnerável". Ela não poderia recomendá-lo para trabalhar com crianças e aconselhou os empregadores a não contratá-lo. Eles não o fizeram. Os resultados perturbadores de Norris e o contraste entre sua superfície encantadora e o lado escuro oculto permaneceram com Hill. Onze anos depois de aplicar o teste, ela recebeu um telefonema de um terapeuta que estava trabalhando com um paciente chamado Victor Norris e tinha algumas perguntas que gostaria de fazer a ela. Ele não precisou dizer o nome do paciente duas vezes. Hill não tinha liberdade para compartilhar os detalhes dos resultados de Norris, mas expôs as principais descobertas. O terapeuta engasgou. “Você conseguiu isso de um teste de Rorschach? Levei dois anos de sessões para chegar a essas coisas! Achei que o Rorschach fosse folhas de chá! ” - Apesar de décadas de controvérsia, o teste de Rorschach hoje é admissível em tribunal, reembolsado por seguradoras médicas e administrado em todo o mundo em avaliações de empregos, batalhas de custódia e clínicas psiquiátricas. Para os apoiadores do teste, essas dez manchas de tinta são uma ferramenta maravilhosamente sensível e precisa para mostrar como a mente funciona e detectar uma série de condições mentais, incluindo problemas latentes que outros testes ou observação direta não podem revelar. Para os críticos do teste, tanto dentro quanto fora da comunidade psicológica, seu uso contínuo é um escândalo, um embaraçoso vestígio de pseudociência que deveria ter sido descartado anos atrás junto com o soro da verdade e a terapia do grito primário. Na opinião deles, o incrível poder do teste é sua capacidade de fazer lavagem cerebral em pessoas que de outra forma seriam sensatas para que acreditassem nele. Em parte por causa dessa falta de consenso profissional e mais por causa da suspeita de testes psicológicos em geral, o público tende a ser cético em relação ao Rorschach. O pai, em um recente caso de “bebê sacudido” bem divulgado, que acabou sendo considerado inocente pela morte de seu filho, achou que as avaliações a que foi submetido eram “perversas” e particularmente “ressentidas” por receber o Rorschach. “Eu estava olhando fotos, arte abstrata e dizendo a eles o que estava vendo. Eu vejo uma borboleta aqui? Isso significa que sou agressivo e abusivo? É insano." Ele insistiu que, embora "investisse na ciência", que ele chamava de visão de mundo "essencialmente masculina", a agência de serviço social que o avaliava tinha uma visão de mundo "essencialmente feminina" que "privilegiava relacionamentos e sentimentos". O teste de Rorschach não é essencialmente feminino nem um exercício de interpretação artística, mas tais atitudes são típicas. Não produz um número definitivo como um teste de QI ou um exame de sangue. Mas nada que tente compreender a mente humana conseguirá. As ambições holísticas do Rorschach são uma das razões pelas quais ele é tão conhecido fora do consultório médico ou do tribunal. A Previdência Social é um teste de Rorschach, de acordo com a Bloomberg, assim como o calendário de futebol do Georgia Bulldogs ( Sports Blog Nation ) e os rendimentos de títulos espanhóis: “uma espécie de teste de Rorschach do mercado financeiro, em que analistas veem o que está em suas mentes o tempo ”( Wall Street Journal ). A última decisão da Suprema Corte, o último tiroteio, o mais recente defeito no guarda-roupa de uma celebridade. “O polêmico impeachment do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, está rapidamente se transformando em uma espécie de teste Rorschach da política latino-americana”, no qual “as reações a ele dizem mais do que o próprio evento diz”, diz um blog do New York Times . Um crítico de cinema impaciente com a pretensão da arte chamou as Crônicas Sexuais de uma Família Francesa um teste de Rorschach no qual ele falhou. Esta última piada usa a essência do Rorschach na imaginação popular: é o teste em que você não pode falhar. Não há respostas certas ou erradas. Você pode ver o que quiser. Isso é o que tornou o teste taquigrafia perfeita, desde os anos 60, para uma cultura desconfiada da autoridade, comprometida com o respeito a todas as opiniões. Por que deveria um meio de comunicação dizer se um impeachment ou uma proposta de orçamento é bom ou ruim, e arriscar alienar metade de seus leitores ou telespectadores? Basta chamá-lo de teste de Rorschach. A mensagem subjacente é sempre a mesma: você tem direito à sua própria parte, independentemente da verdade; sua reação é o que importa, seja expressa em um like, uma votação ou uma compra. Esta metáfora para liberdade de interpretação coexiste em uma espécie de universo alternativo do teste literal dado a pacientes reais, réus e candidatos a emprego por psicólogos reais. Nessas situações, existem respostas certas e erradas muito reais. O Rorschach é uma metáfora útil, mas as manchas de tinta também parecem boas. Estão na moda por motivos que nada têm a ver com psicologia ou jornalismo - talvez seja o ciclo da moda de sessenta anos desde a última explosão da febre do Rorschach nos anos cinquenta, talvez seja uma predileção por esquemas de cores fortes em preto e branco que parecem bom com móveis modernos de meados do século. Há alguns anos, Bergdorf Goodman encheu as janelas da Quinta Avenida com monitores de Rorschach.Camisetas estilo Rorschach foram recentemente vendidas na Saks por apenas $ 98. “ MINHA ESTRATÉGIA ”, proclamava um splash de página inteira em InStyle : “Nesta temporada, estou me sentindo muito atraída por roupas e acessórios que tenham um senso de simetria. MINHA INSPIRAÇÃO : Os padrões das manchas de tinta de Rorschach são fascinantes. ” O thriller de terror Hemlock Grove, o thriller de clonagem de ficção científica Orphan Black e um reality show de loja de tatuagem baseado no Harlem chamado Black Ink Crew estreou na TV com sequências de crédito de Rorschachy. O vídeo de Melhor Canção # 1 da Rolling Stone dos anos 2000 e o primeiro single a atingir o topo das paradas de vendas pela Internet, "Crazy" de Gnarls Barkley, foi uma animação hipnotizante de manchas preto e branco se transformando. Canecas e pratos Rorschach, aventais e jogos de festa estão disponíveis em todos os lugares. A maioria deles são manchas de tinta de imitação, mas os dez originais, agora se aproximando de seu centésimo aniversário, perduram. Eles têm o que Hermann Rorschach chamou de “ritmo espacial” necessário para dar às imagens uma “qualidade pictórica”. Criados no berço da arte abstrata moderna, seus precursores remontam à cerveja do século XIX que deu origem à psicologia moderna e à abstração, e sua influência atinge a arte e o design dos séculos XX e XXI. Em outras palavras: três histórias diferentes se juntam na história do teste de Rorschach. Primeiro, há a ascensão, queda e reinvenção dos testes psicológicos, com todos os seus usos e abusos. Especialistas em antropologia, educação, negócios, direito e militares também há muito tentam obter acesso aos mistérios de mentes desconhecidas. O Rorschach não é o único teste de personalidade, mas durante décadas foi o último: tão definidor da profissão quanto o estetoscópio para a medicina geral. Ao longo de sua história, a forma como os psicólogos usam o Rorschach tem sido um símbolo do que nós, como sociedade, esperamos que a psicologia faça. Depois, há arte e design, de pinturas surrealistas a “Crazy” a Jay-Z, que colocou uma pintura dourada de Andy Warhol chamada Rorschach na capa de suas memórias. Essa história visual parece não ter relação com o diagnóstico médico - não há muita psicologia nessas camisetas da Saks - mas o visual icônico é inseparável do teste real. A agência que apresentou um vídeo com o tema Rorschach para “Crazy” conseguiu o emprego porque o cantor CeeLo Green se lembrou de ter feito o teste quando era uma criança problemática. A controvérsia aumenta em torno do Rorschach por causa de sua proeminência. É impossível traçar uma linha dura e rápida entre a avaliação psicológica e o lugar dos borrões na cultura. Finalmente, há a história cultural que levou a todos aqueles “testes de Rorschach” metafóricos nas notícias: o surgimento de uma cultura individualista da personalidade no início do século XX; suspeita generalizada de autoridade a partir dos anos 60; polarização intratável hoje, com até mesmo fatos parecendo depender do olhar de quem vê. Dos Julgamentos de Nuremberg às selvas do Vietnã, de Hollywood ao Google, do tecido social centrado na comunidade da vida do século XIX ao desejo de conexão no socialmente fragmentado XXI, os dez borrões de Rorschach correram lado a lado, ou anteciparam, muito de nossa história. Quando outro jornalista chama algo de teste de Rorschach, pode ser apenas um clichê prático, da mesma forma que é perfeitamente natural para artistas e designers recorrerem a padrões simétricos e marcantes de preto no branco. Nenhum exemplo do Rorschach na vida cotidiana requer qualquer explicação. Mas sua presença duradoura em nossa imaginação coletiva sim. Por muitos anos, o teste foi anunciado como um raio-X da alma. Não é, e originalmente não era para ser, mas é uma janela reveladora de como entendemos nosso mundo. - Todas essas vertentes - psicologia, arte e história cultural - remetem ao criador das manchas de tinta. “O método e a personalidade de seu criador estão inextricavelmente entrelaçados”, como escreveu o editor no prefácio de Psychodiagnostics, o livro de 1921 que apresentou as manchas de tinta ao mundo. Foi um jovem psiquiatra e artista amador suíço, brincando com um jogo infantil, trabalhando sozinho, que conseguiu criar não apenas um teste psicológico de enorme influência, mas uma pedra de toque visual e cultural. Hermann Rorschach, nascido em 1884, era “um homem alto, magro, louro, rápido de movimentos, gestos e fala, com uma fisionomia expressiva e viva”. (Veja as fotos no encarte.) Se você acha que ele se parece com Brad Pitt, talvez com um pouco de Robert Redford incluído, você não é o primeiro. Seus pacientes tendiam a se apaixonar por ele também. Ele tinha o coração aberto e simpático, talentoso, mas modesto, robusto e bonito em sua túnica branca de médico, sua curta vida cheia de tragédia, paixão e descoberta. A modernidade estava explodindo ao seu redor, da Europa da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa e de dentro da própria mente. Só na Suíça, durante a carreira de Rorschach lá, Albert Einstein inventou a física moderna e Vladimir Lenin inventou o comunismo moderno enquanto trabalhava com os organizadores do trabalho nas fábricas de relógios suíças. Os vizinhos de Lenin em Zurique, os dadaístas, inventaram a arte moderna, a arquitetura moderna de Le Corbusier, a dança moderna de Rudolf von Laban. Rainer Maria Rilke terminou suas Duino Elegies, Rudolf Steiner criou escolas Waldorf, um artista chamado Johannes Itten inventou cores sazonais (“Você é primavera ou inverno?”). Na psiquiatria, Carl Jung e seus colegas criaram o teste psicológico moderno. As explorações de Jung e Sigmund Freud da mente inconsciente estavam lutando pelo domínio, tanto entre uma rica clientela neurótica quanto no mundo real dos hospitais suíços preenchidos com capacidade muito além. Essas revoluções se cruzaram na vida e na carreira de Hermann Rorschach, mas apesar de dezenas de milhares de estudos sobre o teste, nenhuma biografia completa de Rorschach foi escrita. Um historiador da psiquiatria chamado Henri Ellenberger publicou um artigo biográfico de quarenta páginas de fonte superficial em 1954, e que tem sido a base para quase todos os relatos de Rorschach desde então: como gênio pioneiro, diletante desajeitado, visionário megalomaníaco, cientista responsável e quase tudo entre. A especulação gira em torno da vida de Rorschach há décadas. As pessoas podiam ver nele tudo o que quisessem. A verdadeira história merece ser contada, até porque ajuda a explicar a relevância duradoura do teste, apesar das controvérsias que o cercaram. Rorschach previu ele mesmo a maioria das controvérsias. Esta dupla biografia do médico e suas manchas de tinta começa na Suíça, mas atinge o mundo todo, e vai até o âmago do que estamos fazendo toda vez que olhamos e vemos. 1 Tudo se torna movimento e vida Em uma manhã do final de dezembro de 1910, Hermann Rorschach, de 26 anos, acordou cedo. Ele atravessou a sala fria e empurrou a cortina do quarto para o lado, deixando entrar a luz branca pálida que vem antes do nascer do sol do norte - não o suficiente para acordar sua esposa, apenas o suficiente para revelar seu rosto e o cabelo preto espesso derramando sob Consolador. Tinha nevado durante a noite, como ele pensava que aconteceria. O Lago Constança estava cinzento há semanas; o azul da água estava a meses de distância, mas o mundo era lindo assim também, sem ninguém à vista ao longo da costa ou no pequeno caminho em frente ao seu apartamentode dois quartos arrumado. A cena não estava apenas vazia de movimento humano, mas sem cor, como um cartão-postal de um centavo, uma paisagem em preto e branco. Acendeu o primeiro cigarro da manhã, ferveu um pouco de café, vestiu-se e saiu em silêncio enquanto Olga dormia. Foi uma semana mais movimentada do que o normal na clínica, com o Natal chegando. Havia apenas três médicos para cuidar de quatrocentos pacientes, então ele e os outros eram responsáveis por tudo: reuniões de equipe, visitas aos pacientes duas vezes ao dia, organização de eventos especiais. Ainda assim, Rorschach se permitiu desfrutar da caminhada solitária da manhã pelo terreno da clínica. O caderno que ele sempre carregava consigo ficou no bolso. Estava frio, embora nada comparado ao Natal que ele passara em Moscou quatro anos antes. Rorschach estava especialmente ansioso pelo feriado deste ano: ele e Olga se reuniram; eles compartilhariam uma árvore como marido e mulher pela primeira vez. A celebração clínica seria no dia 23; no dia 24, os médicos carregariam uma pequena árvore acesa com velas de um prédio a outro, para os pacientes que não pudessem participar da cerimônia comunal. No dia 25, os Rorschachs estariam livres para voltar para a casa de sua infância e visitar sua madrasta. Ele tentou tirar isso da cabeça. A temporada de Natal no asilo significava canto em grupo três vezes por semana e aulas de dança ministradas por um enfermeiro que tocava violão, gaita e triângulo com o pé, tudo ao mesmo tempo. Rorschach não gostava de dançar, mas pelo bem de Olga obrigou-se a ter aulas. Um dever de Natal de que ele realmente gostava era dirigir peças de teatro. Eles estavam encenando três este ano, incluindo um com imagens projetadas - fotografias de paisagens e pessoas da clínica. Que surpresa seria para os pacientes ver de repente rostos que conheciam na tela, maiores do que a própria vida. Muitos dos pacientes estavam longe demais para agradecer aos parentes os presentes de Natal, então Rorschach escreveu pequenas notas em seu nome, às vezes quinze por dia. No geral, porém, seus pacientes gostavam dos feriados tanto quanto suas almas perturbadas permitiam. O conselheiro de Rorschach costumava contar a história de uma paciente tão perigosa e indisciplinada que ela havia sido mantida em uma cela por anos. Sua hostilidade era compreensível no ambiente clínico restritivo e coercitivo, mas quando foi levada para uma festa de Natal ela se comportou perfeitamente, recitando os poemas que havia memorizado especialmente para 2 de janeiro, dia de Berchtold. Duas semanas depois, ela foi liberada. Ele tentou aplicar as lições de seu professor aqui. Ele tirou fotos de seus pacientes, não apenas para seu próprio bem e para os arquivos dos pacientes, mas porque eles gostavam de posar para a câmera. Ele deu a eles materiais de arte: lápis e papel, papel machê, argila de modelagem. Enquanto os pés de Rorschach esmagavam a neve no terreno da clínica, seus pensamentos sobre novas maneiras de dar a seus pacientes algo para desfrutar, ele naturalmente refletia sobre as férias de sua própria infância e os jogos que tinha jogado então: corridas de trenó, conquistar o castelo , lebre e cães, esconde-esconde e o jogo em que você derrama um pouco de tinta em uma folha de papel, dobre-a ao meio e veja como fica. - Hermann Rorschach nasceu em novembro de 1884, um ano revelador. A Estátua da Liberdade, oficialmente intitulada Liberdade Iluminando o Mundo, foi apresentada ao embaixador dos EUA em Paris no Dia da Independência da América. Temesvár, na Áustria-Hungria, tornou-se a primeira cidade da Europa continental com postes elétricos, colocados não muito depois das de Newcastle, na Inglaterra, e Wabash, Indiana. George Eastman patenteou o primeiro rolo viável de filme fotográfico, que logo permitiria que qualquer pessoa fizesse fotos com o “Lápis da Natureza”, capturando a própria luz. Esses anos, de fotografia primitiva e filmes primitivos, são provavelmente a era mais difícil da história para nós, hoje, ver : em nossa mente, tudo parece rígido e frágil, preto e branco. Mas Zurique, onde Rorschach nasceu, era uma cidade moderna e dinâmica, a maior da Suíça. Sua estação ferroviária data de 1871, a famosa principal rua comercial de 1867, os cais ao longo do rio Limmat de meados do século. E novembro em Zurique são choques de laranja e amarelo sob um céu cinza: folhas de carvalho e olmo, bordos vermelho-fogo farfalhando ao vento. Naquela época, também, o povo de Zurique vivia sob um céu azul- claro, caminhando por prados alpinos brilhantes pontilhados de genciana e edelvais de um azul profundo. Rorschach não nasceu onde sua família estava enraizada há séculos: Arbon, uma cidade no Lago Constança cerca de 80 quilômetros a leste. Uma pequena cidade chamada Rorschach fica a 6,5 quilômetros de Arbon, na costa do lago, e deve ter sido o local de origem da família, mas os Rorschachs podem rastrear seus ancestrais em Arbon até 1437, e a história dos “Roschachs” lá remonta a outros mil anos, a 496 dC. Isso não era tão incomum em um lugar onde as pessoas permaneceram por gerações, onde você era cidadão de seu cantão (estado) e cidade, bem como do país. Alguns ancestrais vagaram - um tio-avô, Hans Jakob Roschach (1764-1837), conhecido como "o lisboeta", chegou até Portugal, onde trabalhou como designer e talvez tenha criado um pouco do hipnotizante e repetitivo padrões para os azulejos que cobrem a capital. Mas foram os pais de Hermann que realmente se separaram. O pai de Hermann, Ulrich, um pintor, nasceu em 11 de abril de 1853, doze dias depois de outro futuro pintor, Vincent van Gogh. Filho de um tecelão, Ulrich saiu de casa aos quinze anos para estudar arte na Alemanha, viajando até a Holanda. Ele voltou a Arbon para abrir um estúdio de pintor e em 1882 se casou com uma mulher chamada Philippine Wiedenkeller (nascida em 9 de fevereiro de 1854), de uma linha de carpinteiros e barqueiros com uma longa história de casamento com Rorschachs. A primeira filha do casal, Klara, nascida em 1883, morreu com seis semanas de idade, e a irmã gêmea de Philippine morreu quatro meses depois. Depois desses duros golpes, o casal vendeu o estúdio e mudou-se para Zurique, onde Ulrich se matriculou na Escola de Artes Aplicadas no outono de 1884. Para Ulrich se mudar para a cidade aos 31 anos, sem renda estável, era incomum em a sóbria Suíça, mas ele e as Filipinas deviam estar ansiosos para ter o próximo filho em um ambiente mais feliz. Hermann nasceu na Haldenstrasse, 278, em Wiedikon (Zurique), às 22h do dia 8 de novembro. Ulrich foi bem na escola de arte e conseguiu um bom emprego como professor de desenho e pintura no ensino médio em Schaffhausen, uma cidade a cerca de 50 quilômetros ao norte. No segundo aniversário de Hermann, a família estava estabelecida onde ele cresceria. Schaffhausen é uma pequena e pitoresca cidade repleta de edifícios e fontes renascentistas, situada às margens do Reno, o rio que forma a fronteira norte da Suíça. “Nas margens do Reno, prados se alternam com florestas cujas árvores se refletem, como um sonho, na água verde-escura”, diz um guia da época. Os números das casas ainda não haviam sido introduzidos, então cada prédio tinha um nome - Palm Branch, Knight's House, a Fonte - e decorações distintas: leões de pedra, fachadas pintadas, janelas salientes projetando-se como relógios cuco gigantes, gárgulas, cupidos. A cidade não ficou presa ao passado. O Munot, uma imponente fortaleza circular em uma colina coberta de vinhedos com um fosso e uma grande vista, datado do século XVI, havia sidorestaurado para o turismo no século XIX. A ferrovia havia chegado e uma nova usina de eletricidade estava explorando a abundante energia hídrica do rio. O Reno jorrava do Lago Constança nas Cataratas do Reno próximas, baixo, mas grande o suficiente para ser a maior cachoeira da Europa. O pintor inglês JMW Turner desenhou e pintou as cataratas durante quarenta anos, mostrando a água maciça como uma montanha e as próprias montanhas dissolvendo-se em redemoinhos de tinta e luz; Mary Shelley descreveu estar na plataforma mais baixa, enquanto “o spray caía espesso sobre nós ... olhando para cima, vimos ondas, e rochas, e nuvens, e o céu claro através de seu véu cintilante e sempre em movimento. Esta foi uma nova visão, superando tudo que eu já tinha visto. ” Como diz o guia: “Uma pesada montanha de água se arremessa contra você como um destino sombrio; ela despenca, e tudo o que era sólido se torna movimento e vida. ” Depois que a irmã de Hermann, Anna, nasceu em Schaffhausen, em 10 de agosto de 1888, a crescente família alugou uma nova casa em Geissberg, uma subida íngreme de vinte minutos subindo a colina para fora da cidade a oeste, onde o irmão de Hermann, Paul, nasceria ( 10 de dezembro de 1891). A casa era mais espaçosa, com janelas maiores e telhado de mansarda, mais um castelo francês do que um chalé suíço, e com florestas e campos para explorar nas proximidades. Os filhos do senhorio tornaram-se companheiros de brincadeiras de Hermann. Inspirados nas aventuras de Leatherstocking de James Fenimore Cooper, eles representaram pioneiros e índios, com Hermann e seus amigos se esgueirando por entre as árvores ao redor de uma pedreira próxima e fugindo com Anna, a única “mulher branca” que eles tinham. Este foi o cenário das memórias mais felizes das crianças. Hermann gostava de ouvir o rugido do oceano que nunca vira, em uma concha que um parente missionário de seu senhorio trouxera do exterior. Ele construiu labirintos de madeira para seus ratos brancos de estimação correrem. Quando contraiu sarampo, aos oito ou nove anos, seu pai cortou encantadores bonecos de papel de seda e Hermann os fez dançar em uma caixa com tampa de vidro. Em caminhadas, Ulrich contou a seus filhos a história dos belos edifícios antigos e fontes da cidade e o significado das imagens que eles exibiam; ele os levou para caçar borboletas, leu para eles, ensinou-lhes os nomes das flores e árvores. Paul estava se tornando um garotinho animado e gordinho, enquanto Hermann, segundo um primo, “conseguia olhar para algo por muito tempo, absorto em seus pensamentos. Ele era uma criança bem-comportada, quieta como o pai. ” Este primo contou aos contos de fadas de Hermann, de nove anos - João e Maria, Rapunzel, Rumpelstiltskin - “dos quais ele gostava porque era um sonhador”. A Philippine Rorschach, calorosa e enérgica, gostava de entreter os filhos com canções folclóricas antigas e era uma excelente cozinheira: o pudim com natas e fruta era o preferido das crianças, e todos os anos lançava um assado de porco para todos os colegas do marido. Os próprios pais de Ulrich lutaram amargamente, a ponto de Ulrich sentir que nunca se amaram; era importante para ele criar um lar amoroso para seus filhos, o tipo que ele nunca teve. Com Philippine ele fez. Você poderia brincar com ela - acender um foguete por baixo de suas saias largas, como a prima de Hermann se lembrava de ter acontecido uma vez - e ela também ria. Ulrich também era respeitado e genuinamente apreciado entre colegas e alunos. Ele tinha um pequeno problema de fala, provavelmente um ceceio, “que ele poderia, no entanto, superar quando tentasse”. Isso o tornava incomumente reservado, mas ele era gentil com os alunos durante os exames, fazendo sinais com as mãos e com a cabeça e sussurrando encorajamento. “Ainda posso ver esse homem modesto, tão pronto para ajudar, diante de meus olhos, mais de meio século depois”, um aluno se lembra. Ou então ele passava meia hora corrigindo o desenho de um aluno, fazendo pacientemente linha após linha, apagando os esforços errados do aluno, “até que finalmente a imagem apareceu diante de mim, não diferindo de forma alguma do modelo. Sua memória para formas era surpreendente; suas falas eram absolutamente certas e verdadeiras ”. Embora os artistas na Suíça não fossem treinados em universidades nem recebessem educação em artes liberais, Ulrich era um homem amplamente culto. Aos vinte anos, ele publicou uma pequena compilação de poesia, Wildflowers: Poems for Heart and Mind, escrevendo ele mesmo muitos dos poemas. Sua filha Anna alegou que ele sabia sânscrito - e se ele de alguma forma aprendeu ou falava sânscrito falso para enganar as crianças e se divertir, diz a mesma coisa sobre ele. Em seu tempo livre, ele escreveu cem páginas “Esboço de uma Teoria da Forma, de Ulr. Rorschach, Professor de Desenho. ” Esta não foi uma coleção de notas de aula ou exercícios do ensino médio, mas um tratado, abrindo com “Espaço e Distribuição Espacial” e “Tempo e Divisões Temporais”. “Luz e Cor” eventualmente mudou para “as formas primárias, criadas por concentração, rotação e cristalização”, e então Ulrich partiu em “um passeio orientador pelo reino da Forma”: trinta páginas de uma espécie de enciclopédia do visual mundo. A Parte II cobriu “As Leis da Forma” - ritmo, direção e proporção - que Ulrich encontrou em tudo, desde música, folhas e o corpo humano até escultura grega, turbinas modernas e exércitos. “Quem entre nós”, Ulrich meditou, “não voltou com frequência e com prazer nossos olhos e imaginação para as formas e movimentos em constante mudança das nuvens e da névoa?” O manuscrito terminava discutindo a psicologia humana: nossa consciência também, escreveu Ulrich, é governada pelas leis básicas da forma. Foi um trabalho profundo e cuidadoso, de pouca utilidade prática. Depois de três ou quatro anos na casa do Geissberg, os Rorschachs voltaram para a cidade, para uma nova área residencial perto da fortaleza de Munot, mais perto da escola das crianças. Hermann era ativo, um bom patinador no gelo, e havia festas de trenó onde as crianças uniam seus trenós em uma longa fila e desciam a colina ao redor do Munot em ruas largas para a cidade, antes que houvesse muitos carros. Ulrich escreveu uma peça que foi encenada no terraço da cobertura do Munot com Anna e Hermann como atores; outra vez, ele foi contratado para projetar uma nova bandeira para um clube de Schaffhausen, e as crianças procuraram flores silvestres para ele usar como modelos. Depois, eles ficaram encantados ao olhar para a bandeira bordada com seu desenho nas cores de suas papoulas e centáureas. Hermann, por sua vez, demonstrou desde muito jovem habilidade em desenhar paisagens, plantas e pessoas. De esculturas em madeira, recortes e costura a romances, peças de teatro e arquitetura, sua infância foi criativa. No verão de 1897, quando Hermann tinha 12 anos, sua mãe, Filipina, contraiu diabetes. Em uma época anterior aos tratamentos com insulina, ela morreu após quatro semanas acamada de uma sede terrível e constante. A família ficou arrasada. Uma série de governantas se mudaram para ajudar, mas nenhuma se encaixou. As crianças desprezavam especialmente uma mulher ostensivamente religiosa que passava o tempo todo fazendo proselitismo. Em uma noite, um pouco antes do Natal de 1898, Ulrich entrou na sala de jogos das crianças com um anúncio a fazer: logo teriam uma nova mãe. E nenhum estranho, mas tia Regina. Ulrich havia escolhido se casar com uma das meias-irmãs mais novas das Filipinas, a madrinha de Hermann;Hermann e Anna haviam passado as férias com ela em Arbon, onde ela tinha uma pequena loja de tecidos e tecidos. Ela viria a Schaffhausen no Natal, disse Ulrich, para uma visita. Anna começou a gritar; o jovem Paul começou a chorar. Hermann, de quatorze anos, ficava calmo e raciocinava com os irmãos: eles deviam pensar no pai, isso não era vida para ele, sem um lar feliz para onde voltar no final do dia. Naturalmente, ele não queria que essas empregadas transformassem seus filhos em hipócritas hipócritas. Tudo, disse Hermann, ficaria bem. O casamento ocorreu em abril de 1899, e um novo filho nasceu menos de um ano depois. Ela se chamava Regina, igual à mãe, e se chamava Regineli. Os irmãos deram as boas-vindas à sua nova meia-irmã “e passaram vários meses pacíficos, amáveis e harmoniosos juntos”, nas palavras de Anna - “mas, infelizmente, apenas alguns meses”. Ulrich pode já ter tido sintomas mais graves do que um ceceio: sua mão tremia na escola quando ele tirou o chapéu, a ponto de seus alunos zombarem de sua paralisia. Após o nascimento de Regineli, ele começou a sofrer de fadiga e tonturas, diagnosticadas como uma doença neurológica resultante de envenenamento por chumbo quando ele era um pintor jornaleiro. Em poucos meses, ele teve que desistir de seu ensino, e a família se mudou pela última vez, para Säntisstrasse 5, onde Regina abriu uma loja no prédio para que pudesse sustentar a família enquanto ficava em casa para cuidar de Ulrich. Hermann começou a dar aulas de latim para ganhar algum dinheiro extra e voltava da escola para casa todos os dias para ajudar a madrasta a cuidar do pai. Os últimos anos de Ulrich foram preenchidos com o que seu obituário chamou de “tormentos indescritíveis”: depressão, delírios e auto-recriminações amargas e sem sentido. Hermann ficou com o pai a maior parte do tempo no final e teve uma infecção pulmonar severa exacerbada pelo estresse e cansaço. Quando Ulrich morreu, às quatro da manhã de 8 de junho de 1903, Hermann estava doente demais para comparecer ao funeral. Seu pai foi enterrado no cemitério entre o Munot e a escola de Hermann, a poucos passos de sua casa por um caminho bonito e arborizado. Ele tinha cinquenta anos; Hermann tinha dezoito anos, seus irmãos quatorze, onze e três. Assistir impotente à doença e à morte do pai fez Hermann querer se tornar um médico, um neurologista. Mas por enquanto ele era órfão, sua madrasta viúva, sem pensão, mãe solteira de quatro filhos. Os temores de Anna de uma madrasta malvada logo se provaram justificados. Regina era rígida, severa ao ponto da crueldade. O primo de Hermann mais tarde a descreveu como "só trabalho e sem ideais", pensando apenas em como ganhar a vida: ela se casou tarde, aos 37 anos, "porque foi vendedora por trinta anos e não sabia de mais nada". Enquanto Philippine Rorschach foi o primogênito e a primeira esposa de seu marido, Regina era filha de uma madrasta, uma segunda esposa e uma madrasta de três filhos obstinados com personalidades muito diferentes da dela. Ela brigava com frequência com Paul e tornava a vida miserável da curiosa e extrovertida Anna, que agora sentia que a casa da família era "estreita e restritiva, quase sem ar para respirar". Anna mais tarde descreveu Regina como “como uma galinha com asas curtas que não pode voar. Ela não tinha asas de imaginação. ” A casa sob seu regime miserável era mantida fria, com as mãos das crianças às vezes ficando literalmente azuis. Eles não tinham tempo para brincar, seu tempo livre era dedicado ao trabalho ou às tarefas domésticas. Hermann, ainda no ensino médio, teve que crescer rápido. Quando Anna relembrou sua infância, lembrou-se de Hermann como sendo “pai e mãe” para ela. Ao mesmo tempo, era o principal sustentador de Regina, o dono da casa, que ficava horas conversando com ela na cozinha. Ele compreendeu Regina e sua incapacidade de demonstrar mais amor - “Temo que, em seu orgulho tímido, ela nunca tenha sido capaz de se apegar a ninguém” - e exortou Anna e Paul a não a criticarem muito. Eles deveriam perdoar o que pudessem e pensar na pequena Regineli. Tudo isso deixou Hermann pouco tempo para sua própria dor. Mais tarde, ele admitiria para Anna: “Eu penso no pai e na mãe - nossa mãe verdadeira - muito mais do que antes; Talvez eu não tenha sentido a morte prematura de meu pai há seis anos tão profundamente quanto sinto agora. ” Também o deixou ansioso para ir embora. Hermann viria a pensar em "toda essa luta, arranhão e varrimento do chão, tudo que suga tanta vida e mata tanta vitalidade infinitamente", como "a mentalidade de Schaffhausen". Como escreveu a Anna: “Nenhum de nós pode sequer pensar em morar com mamãe por muito tempo. Ela tem grandes e boas qualidades e merece os maiores elogios, mas - a vida com ela exige muito silêncio, não é para pessoas como nós, que precisam de liberdade para se mover. ” Todos os três filhos de Ulrich e Philippine acabariam por viajar muito mais longe do que seus pais, e Hermann foi o primeiro a partir. “Nós temos um talento para viver, você e eu”, Hermann continuou para Anna: “Nós o herdamos do Pai ... e tudo o que temos que fazer é mantê-lo, temos que fazê-lo. Em Schaffhausen, esse tipo de talento é completamente estrangulado, luta e se debate por um momento e depois morre. Mas, Deus sabe, é por isso que temos o mundo! Para que haja um lugar onde nossos talentos se revelem. ” Quando escreveu isso, Hermann já havia escapado. Mas seus anos em Schaffhausen, embora repletos de turbulência, foram importantes para o desenvolvimento de Hermann como pensador - e artista. 2 Klex Em uma reviravolta do destino que parece bom demais para ser verdade, o apelido de Rorschach na escola era "Klex", a palavra alemã para "mancha de tinta". O jovem Blot Rorschach já estava mexendo na tinta, seu destino anunciado? Os apelidos eram importantes nas fraternidades alemãs e suíço-alemãs, às quais os alunos ingressavam enquanto frequentavam a escola secundária de elite de seis anos chamada Gymnasium. Um irmão da fraternidade fez um juramento de amizade e fidelidade e foi membro vitalício, com as conexões que ali fazia muitas vezes engraxando a roda de toda a sua carreira. Em Schaffhausen, a vida social era dominada pela fraternidade de Scaphusia (o nome romano da cidade). Os membros do Scaphusia, incluindo Rorschach, vestiam-se com orgulho de azul e branco no terreno da escola, nos bares e nas trilhas para caminhadas. Eles também tinham o novo nome que receberam para marcar sua nova identidade. As iniciações de escafusia ocorreram em um bar local, na escuridão total, exceto por uma única vela montada em um crânio humano. O iniciado, conhecido como Raposa, um estudante do quarto ano de dezesseis ou dezessete anos de idade, subiu em uma caixa cheia com o equipamento de esgrima do clube, uma caneca de cerveja em cada mão, e respondeu a uma dura rodada de perguntas. Na Suíça, o trote não era pior do que isso; nas universidades alemãs a esgrima era com lâminas reais, resultando nas famosas cicatrizes de duelo de Heidelberg que marcaram os rostos da elite alemã para o resto da vida. Quando o Scaphusia Fox passou no teste, ele conseguiu seu “batismo de cerveja” - as duas canecas derramadas sobre sua cabeça, ou descartadas como de costume - e um nome: alguma piada interna óbvia sobre sua aparência física ou tendências. O patrocinador da fraternidade de Rorschach era “Chimney” Müller, porque ele fumava como um; O patrocinador de Chimney era “Baal”, um ricodemônio mulherengo. O novo nome de Hermann, Klex, significava que ele era hábil com caneta e tinta, alguém que desenhava bem e com rapidez. Klexen ou klecksen também significa "pintar, pintar pinturas medíocres" - um dos artistas favoritos de Rorschach, Wilhelm Busch, foi o autor de um livro infantil ilustrado chamado Maler Klecksel, algo como "Smudgy the Painter" - mas Rorschach estava sendo elogiado como um bom artista, não provocado como mau. Outro Fox apelidado de Klex, de outra fraternidade na mesma época, também desenhava bem e depois se tornou arquiteto. Portanto, "Klex" não significava "mancha de tinta" em Scaphusia, embora talvez tenha feito uma mancha um pouco mais provável de vir à mente enquanto Rorschach passeava pelo terreno de seu asilo uma década depois, tentando imaginar maneiras de estabelecer uma conexão com seu pacientes esquizofrênicos. De qualquer forma, o que importava era Klex Rorschach ser um Klex: um artista, com uma sensibilidade visual. - Rorschach frequentou o Ginásio de Schaffhausen de 1898 a 1904 - desde o ano após a morte de sua mãe até o ano após a morte de seu pai. Havia 170 alunos, quatorze na classe de Rorschach, e a escola era conhecida como a melhor da região, atraindo alunos de outras partes da Suíça, até mesmo da Itália, junto com professores de mentalidade liberal e inclinados à democracia da Alemanha autoritária. O currículo era exigente, incluindo geometria analítica, trigonometria esférica e cursos avançados em análise qualitativa e física. Os alunos lêem Sófocles, Tucídides, Tácito, Horácio, Catulo, Molière, Hugo, Goethe, Lessing e Dickens no original, e os mestres russos na tradução: Turgenev, Tolstoy, Dostoyevsky, Chekhov. Rorschach foi bem na escola, sem nunca parecer se esforçar muito. Ele foi classificado como o primeiro da classe em todas as disciplinas; ele aprendeu inglês, francês e latim, além de seu dialeto suíço nativo e alemão padrão e mais tarde aprenderia italiano e russo fluente. Socialmente ele era reservado, um craque nos bailes da escola, preferindo entregar seu cartão de visita e olhar, em vez de arriscar as complexas figuras e manobras da dança popular da época, a Torre Munot ("Mão direita, mão esquerda, uma, dois três"). Ele gostava de trabalhar em um ambiente silencioso e se ressentia de interrupções. O melhor amigo de Hermann na escola, um futuro advogado extrovertido chamado Walter Im Hof, achava que “era meu papel destacá-lo um pouco”; outros concordaram que socializar e beber festas com seus colegas fazia bem a Hermann. Mas Hermann e seu irmão mais extrovertido, Paul, também pregavam peças, das quais Hermann se lembraria com prazer muito tempo depois. Ele entrava na natureza sempre que podia - caminhando nas montanhas, remando nos lagos, nadando nu. As preocupações financeiras eram uma preocupação constante. A maioria dos colegas de classe de Rorschach vinha de famílias ricas e, em alguns casos, bastante proeminentes. A International Watch Company, ainda hoje conhecida como IWC Schaffhausen, foi fundada na cidade por um fabricante já rico, e a filha do fundador, Emma Rauschenbach - futura esposa de Carl Jung - era uma das herdeiras mais ricas da Suíça. Nesse meio próspero, Hermann Rorschach era visivelmente pobre. Um colega pensou erroneamente que a madrasta de Rorschach era uma “lavadeira” que “deve ter trabalhado muito, muito duro para colocar o menino na escola”; a mãe patrícia do colega desprezava Rorschach e sua família como sendo de classe baixa. Outro colega disse que Rorschach parecia um caipira do campo, “mas” era inteligente de qualquer maneira. Ainda assim, Rorschach se recusou a permitir que suas circunstâncias interferissem em sua independência. Ele foi dispensado das taxas da fraternidade e foi nomeado bibliotecário do grupo para que pudesse comprar novos livros quando necessário. Ele também teve acesso a pelo menos um assunto para experimentos científicos: ele mesmo. Tendo lido que o humor pode fazer suas pupilas crescerem ou diminuírem, o adolescente Rorschach descobriu que poderia contrair e dilatar suas pupilas à vontade. Em uma sala escura, ele se imaginou procurando pelo interruptor de luz e suas pupilas ficariam visivelmente menores; lá fora, sob o sol forte da tarde, ele poderia torná-los maiores. Em outro experimento em mente sobre a matéria, ele tentou transpor o desconforto de uma dor de dente em música, transformando as dores “latejantes” em notas baixas e as dores “agudas” em notas altas. Certa vez, curioso para saber quanto tempo era possível ficar sem comer e ainda trabalhar, ele jejuou por 24 horas, serrando e rachando lenha o dia todo. Ele descobriu que, se não trabalhasse, poderia jejuar por mais tempo. Isso foi na época do segundo casamento de seu pai. Não há recompensa em ser capaz de dilatar suas pupilas à vontade, exceto o conhecimento de que você pode. Esses exercícios eram explorações: Rorschach exercendo sua vontade sobre si mesmo, como seu pai, que conseguia superar seu ceceio ou tremor “quando tentava”. Ele estava testando seus limites, investigando como seus diferentes “sistemas” - comida e trabalho, dor e música, mente e olho - se encaixavam e podiam ser colocados sob controle consciente. Outra experiência que ele achou instigante: Tenho uma memória musical bastante fraca, por isso, quando estou a aprender uma música, posso confiar muito pouco nas imagens da memória auditiva. Costumo usar a imagem ótica das notas como forma de lembrar a melodia; outras vezes, quando eu era mais jovem, tendo aulas de violino, muitas vezes acontecia que eu não conseguia imaginar o som de uma passagem, mas ainda conseguia tocá-la de memória, ou seja, a memória de movimento era mais confiável do que a auditiva. Também tenho usado com freqüência movimentos de imitação dos dedos como uma forma de despertar memórias auditivas. Rorschach estava imensamente interessado nessas transformações de um tipo de experiência em outro. Ele também estava interessado em se colocar no lugar dos outros, tornando suas as experiências dele. Em 4 de julho de 1903, aos dezoito anos, Rorschach deu a palestra que se esperava que os membros de Scaphusia fizessem a seus pares: a sua foi chamada de “Emancipação das Mulheres”, um apelo implacável pela igualdade total de gênero. As mulheres, argumentou ele, “não eram nem física, intelectual ou moralmente inferiores por natureza aos homens”, não eram menos lógicas e pelo menos tão corajosas. Eles não existiam para "fabricar crianças", assim como os homens não eram apenas "um fundo de pensão para pagar as contas das mulheres". Fazendo referência à história centenária do movimento das mulheres e às leis e estruturas sociais em outros países, incluindo os Estados Unidos, ele defendeu direitos plenos de voto e acesso à universidade e profissões, especialmente medicina, uma vez que “as mulheres preferem revelar seus doenças íntimas para outra mulher. ” Ele reforçou seus argumentos com sagacidade e empatia, apontando que, embora os bluestockings horrorizassem a geração mais velha, "um homem intelectual exibicionista também é uma figura amarga e repelente". Quanto à alegada tagarelice das mulheres, “a questão é se há mais bate-papo em um café klatsch ou em um bar”, isto é, entre mulheres ou homens. Ele se perguntou se “nós” não éramos tão ridículos quanto “eles” - tentando, como sempre fazia, se ver de fora. Naturalmente, o filho de Ulrich contribuiu com várias obras de arte para o álbum de recortes de Scaphusia. Uma página de partitura de violino com gatos klexy brincando para cima e para baixo na pauta em vez de notas era um trocadilho, já que música cacofônica e estridenteé chamada de “música de gato” em alemão. Um confronto direto entre duas pessoas em silhueta, com a legenda A Picture Without Words, também foi assinado "Klex". As obras de arte de Rorschach fora do álbum de Scaphusia incluíam um desenho a carvão finamente detalhado de seu avô materno, datado de 1903 e copiado de uma pequena fotografia. Rostos e gestos expressivos o interessavam mais do que objetos estáticos ou texturas. Em uma foto, as roupas e os móveis de um aluno são menos convincentes do que sua postura; a fumaça do charuto não parece fumaça, mas se enrola como fumaça. Outra das palestras de Scaphusia de Rorschach, “Poesia e Pintura”, clamava por um melhor treinamento em como ver. À maneira atemporal de adolescentes em todos os lugares, ele criticava sua escola: “Há uma falta de compreensão das artes visuais entre as pessoas, mesmo entre a classe educada, uma deficiência que pode ser atribuída à nossa educação ... Procura-se em vão pela arte cursos de história em nosso currículo do Gymnasium , mas a criança pode pensar artisticamente tanto quanto alguns adultos. ” Ele também deu três palestras sobre Darwin e nossa relação com a natureza. Darwin não foi estudado na escola, então as palestras estavam fazendo um verdadeiro trabalho educacional, e novamente Rorschach se concentrou em ver. Abordando a questão de saber se o darwinismo deveria ser ensinado às crianças, Klex respondeu, de acordo com a ata da reunião, “decididamente pela afirmativa. Pois somente através do tratamento preciso desses temas, adaptado à compreensão da criança, o jovem aprende a 'ver a natureza'. Só assim sua motivação para observar será estimulada. Só assim uma verdadeira alegria da natureza será despertada nos olhos dos jovens ”. O que importava era como ver e ver com alegria. Rorschach encerrou sua palestra apreciando outro artista: “O grande discípulo de Darwin em solo alemão, Haeckel”. Ilustrando sua palestra com fotos de Formas de arte na natureza de Haeckel , ele "chamou atenção particular para como Haeckel, com seu método de observação natural, possuía um olhar aguçado para as formas de arte na natureza." Ernst Haeckel (1834–1919) foi um dos cientistas mais famosos do mundo. Um biógrafo recente escreve que “mais pessoas aprenderam sobre a teoria da evolução por meio de suas volumosas publicações do que por meio de qualquer outra fonte”, incluindo o próprio trabalho de Darwin; A Origem das Espécies vendeu menos de quarenta mil exemplares em trinta anos, enquanto a popularização de Haeckel, O Enigma do Universo, vendeu mais de seiscentos mil somente em alemão, além de ter sido traduzido para as línguas do sânscrito para o esperanto. O próprio Gandhi queria traduzi-lo para o gujarati, acreditando que era "o antídoto científico para as guerras religiosas mortais que assolam a Índia". Além de popularizar Darwin, as realizações científicas de Haeckel incluíram nomear milhares de espécies - 3.500 após apenas uma de suas expedições polares - predizer corretamente onde fósseis do "elo perdido" entre o homem e o macaco seriam encontrados, formular o conceito de ecologia e a embriologia pioneira . Sua teoria de que o desenvolvimento do indivíduo remonta ao desenvolvimento da espécie - “Ontogenia recapitula a filogenia” - foi enormemente influente tanto na biologia quanto na cultura popular. Haeckel também era um artista. Um aspirante a pintor de paisagens em sua juventude, ele acabou combinando arte e ciência em obras luxuosamente ilustradas. Darwin elogiou Haeckel em ambos os casos, chamando seu livro de dois volumes inovador de "as obras mais magníficas que eu já vi" e sua História Natural da Criação "um dos livros mais notáveis de nosso tempo". Art Forms in Nature, que Rorschach usou para ilustrar sua palestra Scaphusia, era um compêndio visual de estrutura e simetria em todo o mundo natural, sugerindo harmonias entre amebas, águas-vivas, cristais e todos os tipos de formas superiores. Publicado em livro em 1904, embora as cem ilustrações tenham sido publicadas originalmente em dez conjuntos de dez entre 1899 e 1904, foi popular e influente tanto na ciência quanto na arte, criando uma espécie de vocabulário visual para Art Nouveau enquanto sobrepunha essa visão à natureza . O fato de as formas horizontalmente simétricas parecerem “orgânicas” para nós é, em parte, um legado de sua maneira de ver. Art Forms in Nature foi uma exibição doméstica na Europa de língua alemã e além; os Rorschachs certamente possuíam pelo menos algumas das ilustrações. O "Esboço de uma teoria da forma" de Ulrich, embora não mencione Haeckel pelo nome, é praticamente um análogo em prosa ao livro de Haeckel, preenchido com seu vocabulário de "formas". Também central para a reputação de Haeckel foi sua cruzada contra a religião. Provavelmente foi devido em grande parte ao ativismo anti-religioso pessoal de Haeckel que o darwinismo se tornou a ciência ateísta definitiva, no coração da disputa entre ciência e religião, embora geologia e astronomia e outros campos do conhecimento contenham fatos igualmente não bíblicos. Isso também admirava Hermann. Como seu pai, ele era um livre-pensador tolerante em questões de fé, mas se recusava a ver o mundo natural com olhos religiosos. Em uma de suas palestras sobre Darwin, de acordo com o secretário Scaphusia, “Klex tentou rejeitar completamente o argumento contra o darwinismo de que ele mina a moralidade cristã e o significado da Bíblia”. Já trabalhando como tutor, Rorschach estava pensando em se tornar um professor como seu pai, mas estava preocupado com a necessidade de ensinar religião. Ele tomou a atitude incomum de escrever a Haeckel pedindo conselhos, e o eminente anticristão respondeu: “Suas dúvidas parecem inadequadas para mim ... Leia minha Religião Monística, um compromisso com a igreja oficial. Centenas de meus alunos fazem isso. É preciso fazer as pazes diplomaticamente com a ortodoxia reinante ( infelizmente! ). ” A abertura ousada do jovem de dezessete anos foi posteriormente exagerada em algo mais. Nas lembranças de várias pessoas próximas a Rorschach, ele perguntou a Haeckel se deveria estudar desenho em Munique ou seguir uma carreira em medicina, e o grande homem aconselhou ciências. É improvável que Rorschach tivesse colocado todo o seu futuro nas mãos de um estranho, e parece ter havido apenas uma carta para Haeckel. No entanto, um mito fundador para a carreira de Rorschach nasceu. Uma questão prática sobre o ensino havia se transformado em uma escolha simbólica entre arte e ciência, e o artista-cientista mais influente da geração anterior passara o bastão para o artista-psicólogo da nova geração. 3 Eu quero ler as pessoas “No que me diz respeito, toda aquela bolha na encosta da montanha pode deslizar para o lago com um estrondo e o cheiro de enxofre, como Sodoma e Gomorra faziam nos tempos antigos” - Rorschach não era fã de Neuchâtel, em francês - falando na Suíça ocidental, onde passou vários meses depois de se formar no colégio em março de 1904. Muitos suíços de língua alemã fizeram um semestre antes de entrar na universidade para melhorar o francês; Rorschach queria dar aulas de francês e também dar aulas de latim, para enviar dinheiro para sua família. Ele estava desesperado para ir direto para Paris, mas sua rígida madrasta recusou-se a permitir. Comparada a Schaffhausen, onde Rorschach se sentia como “um verdadeiro 'estudioso'”, a Académie de Neuchâtel era entediante: “Não havia lugar mais estúpido em que eu pudesse ter acabado do que aquela miscelânea sombria da Alemanha
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