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All the Tides of Fate - Adalyn Grace

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Para Josh— 
Por me dizer para escrever essa série, e por acreditar 
em mim enquanto eu escrevia. 
Para Tomi— 
Porque não há mais ninguém com quem eu gostaria 
de estar fazendo isso. 
TABELA DE CONTEÚDOS 
 
CAPÍTULO UM 
CAPÍTULO DOIS 
CAPÍTULO TRÊS 
CAPÍTULO QUATRO 
CAPÍTULO CINCO 
CAPÍTULO SEIS 
CAPÍTULO SETE 
CAPÍTULO OITO 
CAPÍTULO NOVE 
CAPÍTULO DEZ 
CAPÍTULO ONZE 
CAPÍTULO DOZE 
CAPÍTULO TREZE 
CAPÍTULO QUATORZE 
CAPÍTULO QUINZE 
CAPÍTULO DEZESSEIS 
CAPÍTULO DEZESSETE 
CAPÍTULO DEZOITO 
CAPÍTULO DEZENOVE 
CAPÍTULO VINTE 
CAPÍTULO VINTE E UM 
CAPÍTULO VINTE E DOIS 
CAPÍTULO VINTE E TRÊS 
CAPÍTULO VINTE E QUATRO 
CAPÍTULO VINTE E CINCO 
CAPÍTULO VINTE E SEIS 
CAPÍTULO VINTE E SETE 
CAPÍTULO VINTE E OITO 
CAPÍTULO VINTE E NOVE 
CAPÍTULO TRINTA 
CAPÍTULO TRINTA E UM 
CAPÍTULO TRINTA E DOIS 
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS 
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO 
CAPÍTULO TRINTA E CINCO 
CAPÍTULO TRINTA E SEIS 
EPÍLOGO 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
 
ARIDA 
Ilha da magia da alma 
Representada pela sáfira 
VALUKA 
Ilha da magia elementar 
Representada pelo rubi 
MORNUTE 
Ilha da magia do encantamento 
Representada pelo bêrilo rosa 
CURMANA 
Ilha da magia da mente 
Representada pela ônix 
KEROST 
Ilha da magia do tempo 
Representada pela ametista 
SUNTOSU 
Ilha da magia da restauração 
Representada pela esmeralda 
ZUDOH 
Ilha da magia da maldição 
Representada pela opala 
 
 
CAPÍTULO UM 
Esta água é feroz. 
Ela rosna ao se debater contra o Duquesa, que se deixa levar 
pela fúria das marés de inverno. Ela testa sua nova capitã, me 
jogando contra o leme gasto pelo tempo, enquanto a água 
granulada do mar alisa a madeira e umedece meus dedos. 
Mas não vou escorregar. Não dessa vez. 
— Volte a vela principal! — Eu enfio minhas botas no convés 
e agarro o leme com força, me recusando a deixar o navio me 
provocar. Eu sou a capitã. Se o Duquesa se recusa a ouvir, não 
tenho escolha a não ser forçá-lo. 
Hoje não há promessa de ilhas vizinhas à distância. 
Nenhuma das montanhas de Mornute é visível através da 
névoa branca e leitosa que sopra do norte. Ela umedece o ar, 
infiltrando-se em meus poros e engessando os cachos úmidos 
em meu pescoço. 
O navio entorta com outro golpe das marés, e eu me preparo 
para o que está por vir quando vejo a sombra tênue da boia, 
que se aproxima rapidamente, a que ancorei no mar uma 
temporada inteira atrás. Fecho os olhos e oro baixinho a 
qualquer deus que possa ouvir enquanto nos aproximamos, 
implorando que me poupem. Implorando para que este seja o 
dia em que os limites da minha maldição sejam empurrados 
ainda mais longe. 
Mas, como sempre, os deuses se recusam a ouvir. 
No momento em que o Duquesa passa pela boia, meus 
joelhos se dobram enquanto uma dor incandescente rasga 
minha espinha e atravessa meu crânio como uma lâmina muito 
familiar cortando meu corpo. Eu mordo o interior da minha 
bochecha até sentir o gosto de sangue, fazendo tudo que posso 
para conter minha dor para que a tripulação não suspeite. Eu 
cavo minhas unhas no elmo, suor frio lambendo meu pescoço 
enquanto minha visão pisca para dentro e para fora. 
Desesperada, dou o sinal a Vataea. 
Ela se inclina sobre a popa imediatamente, sussurrando um 
canto tão forte que cada palavra que passa por seus lábios é um 
trovão. O mar a observa com curiosidade a princípio, depois 
obedece à magia de sereia de Vataea com um estalo, girando a 
direção das marés. Alguns membros da tripulação resmungam 
com irritação enquanto voltamos para as docas, perguntando-
se por que eu os faço fazer essa mesma viagem idiota todos os 
dias – nem mesmo dura meia manhã, e nunca para um destino 
específico. Mas pelo menos em voz alta, eles não reclamam. 
Eles não são tolos o suficiente para ir contra sua rainha. 
No momento em que o Duquesa segue para o sul em direção 
a Arida, a tensão contra meu crânio diminui e minha respiração 
irregular se acalma. Só quando minha visão começa a clarear é 
que afrouxo meu aperto. 
Vataea pressiona uma mão hesitante nas minhas costas. 
— Talvez seja hora de pararmos com isso. — A voz da sereia 
nunca deixa de soar como a mais doce das canções, mesmo que 
as palavras ameacem me cortar novamente. — Talvez seja hora 
de parar de lutar contra sua maldição e tirar o melhor proveito 
dela. 
Não digo nada. Até que alguém tenha metade de sua alma 
rasgada longe e amaldiçoada em outra pessoa viva, não me 
importo em ouvir suas sugestões. Vataea nunca saberá como é 
ter parte dela fundida em outra pessoa. Para poder sentir sua 
presença. Suas emoções mais fortes. Tudo dela. 
Ela não consegue ser aquela que está cansada de tentar 
quebrar essa maldição. 
A mão de Vataea escorrega das minhas costas, deixando 
minha pele fria. 
— Sinto muito pelo que aconteceu, mas ser imprudente não 
vai te curar mais rápido. 
Eu quero me arrepiar. Quero me virar e gritar sobre todas 
as coisas que ela não entende. Mas, em vez disso, o ar em meus 
pulmões murcha quando ela se vira e segue em direção à proa. 
Esses são os limites da minha maldição. Uma maldição que 
significa que metade da minha alma – e toda a minha magia – 
vive dentro de Bastian. 
E como hoje, toda tentativa de quebrá-la só termina em 
fracasso. 
As docas estão cheias de soldados reais e servos que recuam 
à medida que nos aproximamos das docas de Arida, onde a 
névoa camufla os navios visitantes, tornando suas velas opacas. 
Instintivamente, sinto um aperto no peito ao ver as figuras 
esperando por mim, sabendo que não é mais hora de ser capitã, 
mas de ser rainha. 
— Jogue as âncoras! — Giro o leme e o navio geme enquanto 
o forço contra as ondas, diminuindo nossa velocidade 
rapidamente. Minha tripulação obedece, e as duas âncoras 
alcançam o fundo da água rasa, nos sacudindo. Alguém bate na 
saliência do navio e escorrega de cara no convés, mas não 
posso ajudá-los. Eu giro o leme para o lado oposto, forçando o 
navio a se comprometer. A obedecer. 
Ele se firma e meu aperto afrouxa quando meus músculos 
relaxam. 
No momento em que atingimos a costa, minha tripulação 
entra em ação. Alguns se concentram em endireitar as âncoras 
e largar as velas, enquanto outros se jogam na costa para 
proteger o navio. Eles abaixam a rampa até a areia vermelha 
como sangue, onde Mira, minha dama de companhia, está de pé 
em uma capa preta grossa com uma gola de pelo branco de lobo 
que se estende até o queixo modesto, apertado e sufocante. 
Suas mãos enluvadas combinando estão cruzadas diante dela, 
os olhos estreitos com a preocupação perpétua a qual estou 
acostumada. 
— Você está atrasada. — Sua respiração vaporiza o ar, 
criando espirais que envolvem os rostos da equipe real, que se 
endireitam quando eu me aproximo. Dois deles seguram um 
travesseiro de safira de pelúcia com elegantes bordados de 
prata e ouro, e equilibrado em cima dele fica minha coroa – a 
cabeça de uma enguia Valuna gigante, sua boca aberta e 
esperando para sentar na minha cabeça e prender em volta do 
meu queixo. Esperando para me devorar. 
A espinha incrustada de pedras preciosas brilha com a 
umidade da névoa, fazendo minha garganta engrossar 
enquanto lembro como essa falsa coroa parecia natural para 
meu pai. É uma coroa feita para impostores e, como se ajusta 
rapidamente na minha cabeça, não posso deixar de pensar em 
como deve parecer natural para mim também agora. 
— Eu nunca estou atrasada. — Eu aperto meu casaco safira 
com força e endireito minha coroa enquanto os dentes 
irregulares da enguia roçam minha mandíbula e têmporas. — 
Eu sou a rainha. 
Eu sou rápida em corresponder ao sorriso que Mira dá para 
mim, embora nossa brincadeira não seja nada além de uma 
farsa. Esse é um jogo que estamos jogando desde o verão, 
esperado pelo meu reino. Eles sorriem e eu sorrio de volta, sem 
fazer perguntas. Sou a rainha deles agora e, apesar de tudo o 
que aconteceu, devo mostrar ao meu povo que ainda somos 
fortes. Que enquanto Visidia sofreu perdas, nos uniremos para 
superar nossas adversidadese restaurar o reino. 
— Diga isso a todos que estão esperando. É a sua primeira 
reunião de consultoria como rainha de Visidia, você deve 
causar uma impressão melhor. — Os olhos cansados de Mira 
reviram, é algo que ela nunca teria feito antes do verão 
passado, antes de quase ser morta durante o ataque de Kaven 
a Arida. Agora, porém, ela está relaxada, disposta a contar a 
qualquer pessoa o que está em sua mente – incluindo eu. 
Estou feliz por isso. Estou feliz com a cor em suas bochechas 
e a energia em seus passos. Estou feliz que ela esteja viva. Nem 
todo mundo teve tanta sorte. 
— A rainha viúva está esperando com os conselheiros na 
sala do trono — Mira começa, mas essas palavras acendem um 
calafrio perverso dentro de mim. Ele floresce em meu 
estômago e envolve minha garganta com garras. 
— Não a chame assim. — Viúva. Eu praticamente sibilo com 
o título, não precisando de um lembrete adicional de que meu 
pai está morto, os restos de seu corpo carbonizado 
alimentando os peixes enquanto ele descansa no fundo do mar. 
— Quando você estiver na minha presença, chame-a pelo 
nome. 
As bochechas de Mira ficam vermelhas e tento não deixar 
transparecer o constrangimento da minha explosão. Quando 
ela abre a boca, eu afasto suas palavras, não querendo o pedido 
de desculpas que permanece em sua língua. A última coisa que 
preciso é de mais pessoas na ponta dos pés perto de mim – 
especialmente quando eles não têm ideia do que realmente 
aconteceu na noite em que meu pai morreu. Que se eu tivesse 
sido capaz de impedir Kaven antes que ele chegasse a Arida, 
meu pai ainda estaria vivo. Eu seria a princesa e minha alma 
ainda estaria inteira. 
Mas isso está longe de ser o destino com que os deuses me 
amaldiçoaram. 
Enfio minhas mãos nos bolsos do casaco antes que alguém 
possa ver como elas tremem ferozmente, e ergo meu queixo 
bem alto para aqueles que estão assistindo. 
— Leve-me aos consultores. 
 
CAPÍTULO DOIS 
A sala do trono fica em silêncio quando eu entro, os últimos fios 
de conversa evaporando como fumaça enquanto os saltos das 
minhas botas batem contra o chão de mármore. 
O ar amargo e o formigamento dos fantasmas roçando 
minha pele me dão as boas-vindas a uma sala na qual não pisei 
desde que lutei com Kaven aqui no verão passado. É uma sala 
que não mostra mais sinais do fogo que a destruiu, ou mesmo 
uma gota de sangue que me lembro fluindo tão livremente do 
cadáver de meu pai quando ele enfiou uma espada em seu 
próprio estômago para cortar sua conexão com Kaven e dar a 
Bastian e a mim a capacidade de lutar contra ele. 
Não paro para observar os conselheiros que se levantam e 
inclinam a cabeça até eu sentar ao topo de uma mesa enorme 
de quartzo preto, esfregando os dedos sobre os ossos 
carbonizados do meu trono – recém-laqueados desde o 
incêndio para que seja resistente o suficiente para sentar. 
É um castigo cruel realizar nossa reunião do conselho aqui, 
mas ninguém diz uma palavra, provavelmente pensando na 
mesma coisa que eu: um de nós está sentado no mesmo lugar 
onde meu pai morreu. 
Minha mãe se senta depois de mim. Seus cachos estão 
penteados para trás, em tranças tão apertadas que levantam 
sua testa, deixando suas sobrancelhas altas e alertas. Uma vez, 
sua bela pele morena brilhava radiante como os penhascos à 
beira-mar ao nascer do sol. Agora está amarelada e afundada, e 
ela segura os lábios como se tivesse acabado de dar uma 
mordida em algo totalmente insatisfatório. Talvez ela sinta o 
erro desta sala tanto quanto eu. 
Conselheiros de cada uma das ilhas – com a notável, mas não 
inesperada exceção de Kerost – sentam-se ao nosso redor. 
Penas emplumadas e pergaminhos cheios de notas estão diante 
deles. Há um assento vazio à minha direita destinado ao meu 
principal conselheiro, Ferrick, mas aceno para um guarda real 
retirar sua cadeira. 
— Ferrick tem deveres em outro lugar hoje — digo aos 
conselheiros antes que eles perguntem, projetando meu queixo 
para que eu possa parecer a mais autoritária possível sob 
minha coroa. — Eu mesma falarei em nome de Arida. 
Ao meu lado, a voz de mamãe repreende em um sussurro 
que só eu posso ouvir: 
— Cuidado com o seu tom, Amora. Você não está aqui para 
lutar. Todos nós queremos a mesma coisa. 
Suas palavras forçam meus lábios em uma linha fina. Desde 
que assumi o trono, não faltaram aqueles que questionam 
minha autoridade. Mas ela está certa, confrontar os 
conselheiros de Visidia como se eu estivesse preparada para 
enfrentá-los não me fará bem. 
Mergulhando fundo em mim mesma, encontro minha 
vontade de continuar jogando o jogo que eu e Mira começamos 
nas docas – o mesmo jogo cansado que venho jogando com o 
reino desde que assumi o trono. Eu coloco um sorriso em meus 
lábios. 
— Obrigada a todos por terem vindo. — Faço-me parecer 
mais leve desta vez. Mais amigável. — Sei que as coisas estão 
difíceis para todos nós agora, então agradeço a disposição de 
todos em se encontrar. 
— Estou feliz por finalmente termos a chance. — A voz que 
fala é enganosamente tenra. Pertence a Zale, a conselheira 
recém-nomeada de Zudoh, uma ilha que estamos trabalhando 
para reintroduzir no reino depois que meu pai os baniu por 
engano há onze anos. Embora seu povo tenha sofrido 
cruelmente, Zale foi gentil o suficiente para oferecer a minha 
tripulação e a mim abrigo e proteção quando chegamos em 
Zudoh em nossa busca para encontrar Kaven – mesmo apesar 
de Bastian ser seu irmão. 
Desde que sua ilha foi libertada do reinado de Kaven, ela 
desenvolveu um brilho vivo em sua pele quente, e seus olhos 
outrora vazios se encheram de um brilho que rivaliza com a 
malaquita mais brilhante. Ela é linda em suas vestes brancas de 
seda, mas há uma ferocidade nela que não pode ser esquecida. 
Zale é uma das mulheres mais inteligentes e determinadas que 
já conheci. 
Ao lado dela, Lorde Bargas está sentado tão orgulhoso 
quanto alguém pode estar envolto em um casaco de rubi tão 
grosso que é praticamente um cobertor. Acompanhado por seu 
jovem sucessor, eles representam Valuka, o reino da magia 
elemental. Meu coração pula uma batida quando o vejo, e me 
lembro nitidamente de Bastian e como ele fingiu ser o filho do 
barão na noite em que nos conhecemos para ganhar a entrada 
para a minha festa de aniversário. O barão e sua tripulação 
foram deixados no mar, desarmados, despidos e sob a forte 
influência do pó do sono de Curmana. 
— Olá, Vossa Majestade. — Seus lábios se contraem em um 
tipo de sorriso que poderia derreter gelo durante o inverno 
mais frio. Ele é o conselheiro mais velho, quase sessenta anos, 
e vê-lo não só me lembra Bastian, mas também a maneira como 
papai gostava de brincar com o barão. A maneira como ele batia 
no ombro de Lorde Bargas e rugia com uma das suas risadas de 
fazer barulho no peito. 
— É um prazer vê-lo novamente, Lorde Bargas. — Limpo 
minha garganta e a emoção crescendo dentro dela, guardando-
a para um momento posterior, quando os olhos estarão menos 
curiosos. — Ouvi dizer que você estava dormindo da última vez 
que nos vimos. 
Isso me rendeu algumas risadas, até mesmo do senhor e da 
jovem sentada ao lado dele. 
— Eu garanto a você, não foi por escolha. — Há um brilho de 
conspiração em seus olhos. — Aquele maldito pirata até 
roubou uma das minhas espadas favoritas. Certifique-se de 
pegar de volta para mim, certo? 
Eu imito seu sorriso animado. 
— Verei o que posso fazer. Quem é essa que você trouxe com 
você? 
Ele põe a mão firme no ombro da jovem. 
— Esta é Azami Bargas, filha do meu irmão mais velho e 
minha nova sucessora. Azami assumirá totalmente o controle 
na primavera. 
— É um prazer conhecê-la, Azami. 
Ela inclina a cabeça rapidamente e de forma baixa. 
— Da mesma forma, Vossa Majestade. 
Estou surpresa ao descobrir que há outros rostos aqui que 
não reconheço. Enquanto a maioria me observa intrigado, e 
nove conselheire de Mornute coloca os dedos na mesa de 
mármore e, em seguida, bate padrões ansiosos nela. A cada 
toque de seus dedos,minúsculas constelações dançam em 
torno de suas unhas pretas laqueadas. Quando elu me pega 
olhando, elu chama a atenção. 
— Leo Gavel, Vossa Majestade! — O rosto de Leo é 
agradavelmente jovem, com bochechas salpicadas de sardas 
encantadas a parecerem estrelas. Fisicamente, Leo é baixinhe e 
rechonchude, com feições marcantes que me dão uma pontinha 
de ciúme por todos aqueles que praticam a magia do 
encantamento. Elu tem olhos amarelos penetrantes e cabelos 
penteados combinando, e usa um terninho lilás com delineado 
alado em um tom semelhante ao redor dos olhos. — Não 
conseguimos nos encontrar desde que o conselheiro anterior 
de Mornute foi morto durante o ataque, mas garanto que estou 
bem treinade. Estou ansiose para trabalharmos juntos. 
— Assim como eu. — Mas minhas palavras são forçadas 
enquanto meus pensamentos permanecem na noite do ataque, 
imaginando quantas pessoas eu deixei morrer. Porque eu não 
consegui matar Kaven na primeira vez que ele e eu lutamos em 
Zudoh, quanto sangue sou responsável por derramar? 
Há ainda outro rosto novo – o conselheiro que representa 
Curmana, a ilha da magia da mente, a julgar por suas calças 
largas de ônix e capa cintilante. 
— Eu sou Elias Freebourne e vou substituir minha irmã que 
entrou em trabalho de parto na manhã em que carregamos o 
navio para a viagem. Estou ansioso para servi-la, Vossa 
Majestade. — Há um brilho em seus impressionantes olhos 
verdes que aquece minha pele. 
Eu me afasto rapidamente. 
— Esta reunião é para discutir a unificação de Visidia — digo 
a eles. — Eu gostaria de me concentrar em nossos esforços de 
restauração com Zudoh e Kerost. Embora as relações com o 
primeiro estejam indo tão bem quanto podemos esperar, 
precisamos descobrir uma maneira de restaurar a confiança de 
Kerost em nós antes que eles se separem do reino. 
Nós os deixamos sofrer com as tempestades por muito 
tempo. Nós os ignoramos porque um comerciante de tempo 
lucrou com sua dor e roubou anos de suas vidas. Se quisermos 
compensá-los, teremos muito trabalho pela frente. 
O conselheiro de Mornute se agita. 
— Estou mais do que feliz em discutir os esforços de 
restauração, Vossa Majestade. Mas meu objetivo principal ao 
vir aqui é discutir o bem-estar de Mornute e como está sendo 
afetado pelas recentes... mudanças de Visidia. 
Imediatamente sei que Leo está se referindo à minha 
abolição da lei que impede visidianos de praticar mais de uma 
magia. Uma lei que foi elaborada com base na maior mentira do 
reino e que eu coloquei fim no momento em que assumi o 
trono. 
Por séculos, os Montaras mantiveram os visidianos fracos, 
garantindo que eles praticassem apenas uma magia – e nunca 
tivessem a habilidade de aprender a magia da alma – para que 
ninguém pudesse dominar sozinho nossa família. Eles criaram 
a lenda de uma besta que causaria a ruína de Visidia caso 
violassem a lei. Uma lenda que enganou meu povo fazendo-os 
acreditar que os Montaras sozinhos poderiam usar magia de 
alma perigosa para protegê-los. A história se tornou tão 
arraigada na fundação do nosso reino que poucas pessoas se 
desviaram. 
Mesmo agora, meu povo não sabe o que os Montaras – 
minha família – fizeram. Eles acreditam que eu venci a besta e 
liberei a magia. Se eles soubessem a verdade, eu não estaria no 
trono. Eu nunca teria a chance de consertar as coisas. 
Enquanto eu usar esta coroa, tenho apenas um objetivo: 
arrepender-me dos erros dos meus ancestrais quebrando a 
maldição Montara e libertando a magia da alma de nossa 
linhagem. Eu irei tornar este reino inteiro dando ao meu povo 
tudo o que eles sempre quiseram ter e, finalmente, contarei a 
verdade. 
E então, vou aceitar qualquer punição que eles considerem 
adequada. 
— Eu também gostaria de discutir como essas mudanças 
estão afetando nossas ilhas individuais — disse o conselheiro 
Suntosan, Lorde Garrison. Ele é um homem robusto com uma 
espessa barba ruiva que esconde metade de seu rosto. É 
meticulosamente estilizado toda vez que o vejo, e macio 
também. Como se ele colocasse óleo todas as noites. — Alguns 
de nós viajaram muito para estar aqui. É justo que possamos 
resolver nossas preocupações. 
O lembrete de mamãe ressoa em minha cabeça: você não 
está aqui para lutar contra eles. Mas, deuses, entre seu queixo 
orgulhoso e olhos avaliadores, não posso evitar. 
— Eu conheço nossa geografia, Lorde Garrison — eu digo 
laconicamente, satisfeita com a forma como seus olhos se 
estreitam em surpresa. — Estou muito ciente de quão longe 
você viajou. Estou certamente feliz em ouvir o que todos… 
— No passado — diz ele, passando por cima das minhas 
palavras como se eu não tivesse falado — o rei Audric abriria 
essas reuniões com cada um de nós apresentando seus 
próprios pensamentos e necessidades para as ilhas que 
representamos, em vez de se abrir... 
À menção do meu pai, algo em mim estala. A mão de minha 
mãe encontra meu joelho embaixo da mesa, apertando-o em 
advertência. Mas a presença dela não é suficiente para evitar a 
malícia que quebra meu sorriso. 
Lorde Garrison sempre foi leal ao meu pai, mas como o resto 
dos conselheiros, ele foi educadamente frio comigo. Até o 
outono passado, eu quase não tinha permissão para interagir 
com os conselheiros. Meu pai guardava muitos segredos; até 
que ganhasse o título de herdeira do trono, nunca me 
permitiam detalhes dessas reuniões. Foi inútil e frustrante, 
especialmente agora que estou sentada no topo de uma sala, 
destinada a liderar um grupo de conselheiros que mal me 
conhecem e cuja confiança acreditam que ainda não ganhei. 
Mas eles estão enganados. Conquistei meu lugar neste trono 
no momento em que esfaqueei Kaven. Ganhei este lugar com o 
sangue dele e o meu. Eu ganhei com minha magia e com o 
sacrifício de cada vida que tirei para chegar aqui. 
Dane-se a confiança. Eu ganhei esta coroa com minha alma. 
— Obrigada por me deixar saber como meu pai dirigia as 
coisas. Todos nós sabemos que ele era um governante perfeito, 
nunca cometendo um único erro. — Eu me endireito na 
cadeira, fixando meus olhos nos de Lorde Garrison. — E 
considerando que eu nunca fui autorizada a participar dessas 
reuniões e que ninguém pensou em me incluir, suas 
informações são muito úteis. Mas gostaria de lembrá-lo, Lorde 
Garrison, que meu pai está morto. 
Não desvio o olhar quando ele recua, nem me viro para 
mamãe quando sua mão fica mole na minha coxa. Em vez disso, 
mantenho meu foco treinado no conselheiro Suntosan 
enquanto ele muda de posição com desconforto. 
Quando ele abre a boca para falar, eu levanto minha mão e 
continuo: 
— No entanto, como o falecido rei costumava governar não 
importa, porque ele não é mais aquele que se senta no trono. 
Eu sou. Não tenho certeza se você sentiu que estava tudo bem 
em ser condescendente comigo porque eu sou uma mulher, por 
causa da minha idade, ou simplesmente porque sou nova nesta 
posição e você sentiu a necessidade de estabelecer algum tipo 
de domínio que você não tem e nunca terá. Mas, da próxima vez 
que você abrir a boca para falar comigo, lembre-se de que está 
falando com sua rainha. Você entende? 
Pelo canto do olho, pego e conselheire de Mornute 
boquiaberte enquanto os outros desviam o olhar em um 
silêncio desconfortável. O rosto de Lorde Garrison fica 
vermelho, e estou feliz por seu constrangimento. Ele merece. 
— Eu entendo, Vossa Majestade — ele praticamente bufa, 
como se não tivesse certeza se fica surpreso ou arrependido. 
— Bom. Então, suponho que podemos continuar com a 
discussão que estabeleci? — Eu empurro meus ombros para 
trás, fazendo questão de mostrar que estou relaxada, e não uma 
bobina tensa pronta para pular novamente. — Estou, é claro, 
interessada em discutir as mencionadas “mudanças” também, 
como sugeri antes da sua explosão. Podemos começar com Leo. 
E conselheire de Mornute se vira para mim e eu sorrio mais 
uma vez, tentando aliviar o choque. Embora a maioria dos 
conselheiros seja reservada, elu ainda é tão nove que mostra 
suas expressõesclaramente no rosto, e eu gosto disso. Isso me 
faz confiar nelu mais do que na maioria nesta sala. 
Leo sobressalta com atenção e agarra o pergaminho diante 
delu, vasculhando-o para organizar seus pensamentos. 
— Quero discutir como a abolição dessa lei terá um impacto 
negativo em nossa ilha. Nossa cidade portuária, Ikae, é o maior 
destino turístico de toda Visidia e nossa fonte de renda mais 
importante. Tememos que, se nossa mágica chegar a outras 
ilhas, não seremos mais capazes de gerar o mesmo turismo que 
fazemos atualmente. Se alguém pode deixar sua cidade 
deslumbrante com encantos, por que a nossa continuará a ser 
tão atraente? Estou preocupade com a possibilidade de que 
Mornute tenha uma grande redução na fonte de renda devido 
a essa mudança. 
A preocupação delu é legítima, mas já considerei. 
— Você está certe de que essa lei mudará as coisas — digo a 
Leo. — Mas Visidia deve sofrer uma mudança já faz algum 
tempo. E à medida que evolui, devemos nos concentrar em 
evoluir com ela. Embora você esteja certe de que Mornute é 
principalmente um destino turístico, acredito que você esteja 
negligenciando o valor monetário de suas exportações de 
álcool. 
O lampejo de curiosidade que desperta nos olhos de Leo me 
diz que estou certa; isso não é algo que elu tenha considerado 
profundamente. 
— O clima de Mornute se presta bem a ser uma das poucas 
áreas que podem cultivar os ingredientes necessários para 
fazer uma boa cerveja e vinho em quantidades massivas. Você 
pode se concentrar na expansão da produção. Se a taxa de 
turismo em outras cidades aumentar, o consumo de álcool 
também aumentará, e eles precisarão importar bebidas 
destiladas de algum lugar. Haverá mais demanda por seus 
produtos do que nunca, e talvez uma renda ainda maior. 
— Minha sugestão para você é começar na frente na 
preparação para mais vendas de álcool — eu continuo. — 
Expandir os vinhedos nas encostas das montanhas. Plante mais 
cevada. E enquanto você está nisso, considere desenvolver um 
estilo de álcool que seja exclusivo para Ikae. Faça com que os 
entusiastas venham diretamente para a ilha se quiserem 
experimentá-lo. 
Leo fica sentade por um momento antes de sorrir para o 
pergaminho, fazendo anotações. 
— Certamente é algo a se considerar. Vou levar essa ideia de 
volta para a ilha e ver o que podemos fazer com ela. 
Fico feliz que alguém aqui seja fácil de se comunicar. 
Contanto que Mornute possa atender à demanda, nunca 
deveria se preocupar, e minha ideia parece ter deixado Leo à 
vontade. As pessoas de Mornute, especialmente as da cidade 
portuária de Ikae, apreciam estilos de vida luxuosos. Estou 
confiante de que eles surgirão com muitas outras maneiras 
inovadoras de manter isso. 
Não tinha percebido que estava tão dura e rígida na cadeira 
até que a mão de minha mãe se afastou. Eu relaxo, sabendo que 
é um sinal de sua aprovação. Minha resposta parece apaziguar 
vários dos outros conselheiros também, todos os quais 
estavam sentados na beirada de suas cadeiras, ansiosos para 
ver como eu me sairia. 
Depois da maneira como lidei com Lorde Garrison, a maioria 
dos novos conselheiros leva tempo para reunir coragem para 
falar. Mas logo reconheço minha confiança, apreciando o 
padrão constante de conversa em que entramos. Eu relaxo na 
conversa, me mexendo apenas quando há um grito abafado nas 
portas duplas. Estou fora do meu lugar, adaga na mão, quando 
aquelas portas são abertas, para grande protesto dos guardas 
que vigiam. 
Mas meus dedos enfraquecem no punho quando vejo que 
aquele que está lá na soleira, escapando do alcance de Casem, 
é a última pessoa nesta ilha que eu quero ver agora. 
Bastian. 
 
CAPÍTULO TRÊS 
Parado na porta está o garoto que venho evitando há quase 
uma temporada inteira. 
O garoto que detém a metade que falta em minha alma. 
Vestido com calças pretas elegantes e uma camisa opala 
iridescente com vários botões de cima abertos, Bastian se 
ergue com uma arrogância orgulhosa que o faz se sentir o 
conselheiro real que fingiu ser na noite em que nos 
conhecemos. Olhos castanhos encontrando os meus, ele passa 
as mãos pela barba escura em seu rosto. O brilho em seus olhos 
é inconfundível. 
Ele é frustrantemente bonito, e o bastardo sabe disso. 
Bastian entra sem convite, hesitando por apenas um breve 
segundo ao ver a sala polida e incólume. Há um aperto rápido 
em sua mandíbula. Por causa da nossa maldição, sinto a rápida 
explosão de terror em seu peito que ecoa dentro do meu. Como 
eu, ele deve estar se lembrando da última noite em que 
estivemos nesta sala, afogando-se em um rio de sangue do meu 
pai. Mas ele não tem escolha a não ser se endireitar, puxando a 
cadeira descartada de Ferrick do canto e arrastando-a para a 
mesa. A madeira range contra o mármore, mas o som não o 
detém, nem mesmo quando os conselheiros fazem uma careta. 
Tento chamar a atenção de Bastian, mas ele não olha para 
mim, mesmo quando se senta entre mim e Zale. Só então ele 
sorri, tão irritantemente charmoso que tenho vontade de 
estender a mão e usar minhas unhas para limpá-lo dos seus 
lábios. 
— Desculpe, estou atrasado. — Ele oferece um aceno casual 
com a mão. — Por favor, continue. Não há necessidade de fazer 
uma pausa por minha causa. 
Eu pressiono minhas mãos no meu colo para que ninguém 
possa ver as unhas cravadas em minhas palmas quando 
pergunto a ele: 
— O que você está fazendo? 
Bastian ainda não olha para mim enquanto penteia os dedos 
sobre o cabelo arrumado e olha melancolicamente para a 
frente. 
— Estou aqui para a reunião. 
Cada cabelo ao longo do meu corpo se eriça. 
— Esta reunião é apenas para conselheiros, Bastian. 
— Ah, então você se lembra do meu nome. Faz tanto tempo 
que não nos falamos que eu estava começando a me perguntar. 
— Sua própria voz abaixa, e a rouquidão dentro dela faz coisas 
estranhas no meu estômago. — E eu posso fazer o que eu 
quiser, princesa. Eu ajudei a salvar este reino. 
Princesa. O apelido arrepia minha pele. 
— Além disso, o que você vai fazer? — Ele se inclina, 
sussurrando a próxima parte apenas para mim. — Me expulsar 
da ilha? 
— Você não pode se tornar um conselheiro — Zale 
interrompe, os olhos sorrindo apesar da tensão em sua 
mandíbula. — Mas eu gostaria de oferecer a você pessoalmente 
um assento, Bastian. Em nome de Zudoh, agradecemos sua 
opinião. 
Preciso de tudo em mim para relaxar minhas mãos. Sabendo 
melhor do que ir contra Zale, eu ignoro a presunção que come 
os lábios de Bastian enquanto ele tira uma pena de trás da 
orelha, lambe a ponta e coloca vários pedaços de pergaminho 
na mesa. Ele pisca quando me pega olhando. 
Nunca houve um momento em que eu quisesse aprender a 
falar na mente como a magia de Curmana mais do que agora. 
Se eu praticasse, teria a certeza de dizer a Bastian exatamente 
onde ele poderia enfiar aquela pena. 
— Temos um longo caminho a percorrer para ajudar Zudoh 
— Zale continua, conduzindo-nos rapidamente de volta aos 
trilhos. — Estamos progredindo, mas levará algum tempo para 
que nossa ilha se recupere do abandono. 
— E a água? — A presunção deixou os lábios de Bastian, e a 
sinceridade que pulsa dentro das palavras é profunda. Desde a 
morte de Kaven, o desejo de restaurar Zudoh quase o 
consumiu. Sentindo sua paixão com tanta força quanto eu sinto 
a minha própria, minha raiva diminui. 
— Os valukanos estão ajudando a limpar a água, tornando-a 
mais habitável para a vida marinha após o tributo da maldição 
de Kaven — responde Zale. — Levará algum tempo para os 
peixes reaparecerem, mas já estamos vendo melhorias. 
— Fico feliz em ouvir isso — eu digo. — Lorde Bargas, 
devemos discutir a melhor forma de dividir os esforços de 
restauração dos valukanos entre Kerost e Zudoh... 
Nós conversamos por horas, indo e voltando, 
compartilhando ideias e chegando a um acordo com as 
mudanças que precisam ser feitas. E embora a reunião tenha 
começado instável, no final dela estou relaxada em meu 
assento, tendo tirado minha coroa para me concentrarmelhor. 
Alguns dos conselheiros têm novas perspectivas, enquanto 
outros estão teimosamente fixados em seus velhos hábitos. 
Mas não existe um de nós que não queira o melhor para o nosso 
povo. E apesar da sua grande entrada, estou surpresa ao 
descobrir que todos são receptivos a Bastian. Por mais 
repugnante que seja admitir, suas ideias são valiosas e o amor 
que ele nutre por sua ilha natal é genuíno. 
Mas assim como tudo correu até agora, o desafio nos olhos 
de Lorde Garrison é suficiente para me avisar que nem tudo 
será tão fácil. 
— Leo — ele diz casualmente quando é sua vez de falar. — 
eu acredito que é hora de Sua Majestade saber sobre os papéis. 
Os olhos de Leo se arregalam. Bruscamente, elu se volta para 
Lorde Garrison. 
— Eu já disse a você, a situação está resolvida. 
Mas Lorde Garrison ignora, bufando em sua barba enquanto 
ele enfia a mão nos bolsos internos de seu casaco esmeralda. O 
pergaminho se enruga sob seus dedos calejados quando ele o 
joga na mesa diante de nós. Eu chego para frente e o agarro. 
Uma das últimas tendências da Ikae é o pergaminho que foi 
encantado com imagens em movimento para mostrar as 
últimas fofocas e moda. Vataea e meu primo Yuriel estão 
debruçados sobre eles há semanas, mas estive muito distraída 
para me concentrar no que qualquer um deles tem a dizer. 
Aparentemente, foi um erro significativo da minha parte. 
SUA MAJESTADE, AMORA MONTARA: RAINHA DO 
NOSSO REINO, OU A MAIOR AMEAÇA DE VISIDIA? 
No verão passado, a Rainha Amora virou nosso reino de 
cabeça para baixo com o anúncio de que Visidianos não seriam 
mais forçados a honrar a prática secular de usar apenas uma 
única magia. 
Embora alguns desejem essa mudança há muito tempo, 
muitos estão céticos. O anúncio veio poucos dias após a morte do 
falecido rei Audric, e depois que a rainha Amora foi forçada a 
assumir o trono, apesar de sua falha anterior em desempenhar 
as funções necessárias de um Animancer. Embora nossa rainha 
reivindique a besta que viveu dentro da linhagem Montara por 
séculos – a razão por trás de nossa lei de magia única – foi 
derrotada na mesma luta que matou o rei Audric e Kaven Altair, 
é difícil ignorar o momento conveniente. 
Desde o momento em que nossa rainha assumiu o trono, o 
estado de Visidia tem estado tumultuado, para dizer o mínimo. 
Se a rápida mudança da dinâmica da magia não é suficiente para 
preocupá-lo, o estado mutante de nosso reino deve ser. Com o 
esforço de Zudoh para se reunir ao reino acontecendo entre as 
ameaças de Kerost de tentar se separar, devemos nos perguntar 
o que Sua Majestade está pensando com todas essas mudanças. 
Talvez seja porque ela é uma mulher jovem, ou talvez seja 
porque não há ninguém por perto para domesticá-la, mas seja 
qual for o motivo, uma coisa é certa: nossa rainha está 
destruindo Visidia. E se algo não mudar com ela logo, temo que 
o pior ainda está por vir. 
Há uma foto minha do dia da minha coroação, sentada 
diante do meu povo no mesmo trono queimado em que estou 
agora. Mamãe está colocando a coroa de enguia na minha 
cabeça, e as pessoas diante de mim se curvam. Pareço severa e 
confiante, ombros para trás e queixo erguido. 
Mas eu me lembro daquele momento, e se alguém olhasse 
com atenção o canto dos meus olhos e o sulco de minhas 
sobrancelhas sob as mandíbulas da enguia, eles veriam o medo. 
Medo de não conseguir consertar Visidia sozinha. 
Medo de que meu povo descobrisse a verdade sobre os 
Montaras e me matasse antes mesmo que eu pudesse tentar 
consertar. 
Não querendo reviver a memória, desvio minha atenção na 
imagem e, em vez disso, volto rapidamente para uma única 
linha, lendo-a repetidamente. 
Nossa rainha está destruindo Visidia. 
— Nosso povo não confia em você, Vossa Majestade. — A 
presunção na voz de Lorde Garrison dificilmente é o suficiente 
para me distrair da raiva que escalda minha pele. — Desde que 
você falhou em realizar suficientemente a magia da alma 
durante sua apresentação no verão passado, eles temem que 
você seja incapaz de lidar com sua magia. 
Graças aos deuses, meu povo não sabe que não posso nem 
usar minha magia agora. Minha maldição me impede de 
acessar a magia da minha alma, visto que metade da minha 
alma está amaldiçoada dentro de Bastian. 
Eu sou a Alto Animancer. A rainha. Se eu não conseguir 
realizar a magia da alma o suficiente, há pouca coisa que 
impeça meu povo de arrancar a coroa da minha cabeça. 
O rosto da minha mãe aperta com força enquanto ela lê o 
pergaminho, eu posso praticamente vê-la mordendo a língua. 
Até Bastian abre a boca para protestar, mas as palavras 
morrem inutilmente em seus lábios enquanto ele lê 
novamente. 
— O que você propõe que eu faça para mudar a percepção 
que o reino tem de mim? — Eu aperto minhas mãos contra os 
braços da cadeira e olho Lorde Garrison mortalmente nos 
olhos. — Contar piadas mais engraçadas? Dar festas onde o 
reino pode dançar e beber alegremente? Não salvei apenas 
Visidia de Kaven, trouxe a magia de volta para este reino. E 
ainda assim eu preciso ser domesticada? — Eu bato meu punho 
na mesa. — Pelo amor dos deuses, eu sou uma rainha! 
Quando Lorde Garrison se endireita, o ressentimento 
envenena minha boca e cobre minha língua. Eu arrasto meus 
punhos para longe, para o meu colo, escondendo os nós dos 
dedos arranhados embaixo da mesa. 
— Você pode ter o título de uma rainha — Lorde Garrison 
diz friamente — mas aos olhos de muitos, você ainda é pouco 
mais do que uma garota que fugiu do seu reino, em quem não 
se pode confiar o poder que ela exerce. 
Eu o odeio por não perder a paciência. Mas eu o odeio ainda 
mais porque, depois de tudo que aprendi sobre os Montaras no 
verão passado, sei que ele fala a verdade. 
— O que Visidia precisa é de estabilidade. Não podemos 
apenas jogar dificuldades em nosso povo e esperar que eles se 
sintam confortáveis com a mera promessa de que, um dia, as 
coisas podem ser melhores. Eles precisam confiar em você. Eles 
precisam sentir que ainda não têm apenas uma rainha, mas 
uma protetora. 
Eu pressiono meus lábios e afundo de volta na cadeira. 
— Suponho que você tem uma solução em mente? 
É como se nenhum outro conselheiro estivesse na sala 
quando Lorde Garrison olha para mim, confiante e calculado. 
— Proponho que demos uma distração a Visidia, algo para 
eles se concentrarem enquanto trabalhamos para mudar a base 
do nosso reino. Quero dar a eles um motivo para torcer por 
você. 
A maneira como ele fala envia eletricidade pelas minhas 
veias. 
— Você é a rainha, agora. — Ele saboreia cada palavra. — 
Seu dever é com seu reino, e parte desse dever é que você 
deverá continuar a linhagem de Montara fornecendo o próximo 
herdeiro do trono o mais rápido possível. Por causa disso, você 
precisará ter um marido. 
Talvez seja porque ninguém está por perto para domesticá-la. 
Eu sinto o ressentimento de Bastian aumentar, tão amargo 
quanto o meu. Mas quando ele coloca as mãos sobre a mesa 
como se estivesse prestes a se levantar, eu chuto sua canela e o 
encaro com um olhar que exige que ele permaneça sentado. 
Essa não é sua batalha. 
— Tecnicamente, não preciso de um marido para produzir 
um herdeiro — começo, mas mamãe me corta com um olhar 
penetrante. Não posso deixar de notar que ela não tomou 
posição contra sua sugestão. — O que está pensando? — Eu 
pergunto a ela bruscamente. 
— Eu só quero que você fique segura — ela responde com 
cada gota de exaustão que está sacudindo meus ossos. — Se um 
marido pode estabelecer nosso reino... pode valer a pena 
considerar. 
— E daí? — Bastian rosna, me ignorando quando eu bato 
minha bota contra sua canela pela segunda vez. — Você quer 
desposá-la? Ela é sua rainha, não seu peão. 
Lorde Garrison coloca as mãos sobre a mesa, mantendo-se 
ereto. 
— A política é um jogo, filho. Todo mundo é um peão. 
Do restante dos conselheiros, um silêncio esmagador é a 
única resposta. 
— Proponho que enviemos um aviso a cada uma das ilhas — 
continua Lorde Garrison, embora eu não olhemais para ele. Em 
vez disso, pressiono a mão na testa, disposta a afastar a dor de 
cabeça que floresce nas minhas têmporas. — Nós vamos dizer 
a eles que você está a caminho de conhecer seus solteiros mais 
cobiçados. Seremos barulhentos sobre isso e garantiremos que 
a atenção de todos esteja em você. Vamos distrair o reino da 
rapidez com que tudo ao seu redor está mudando. 
— É uma ideia inteligente. — A voz de Zale é suave e 
arrependida quando ela interrompe. — Nós poderíamos usar 
isso como uma oportunidade para você conseguir favores, 
Amora, e fazer com que as ilhas te conheçam. As pessoas se 
sentiriam engajadas, como se você fosse um deles, e parte deste 
reino. O amor também a torna vulnerável. Isso a torna suave, e 
essa suavidade é o que as pessoas precisam ver de você. Isso 
pode dar esperança a Visidia. 
Leva tudo de mim para não deixá-la sentir a extensão da 
minha raiva, mesmo quando o resto dos conselheiros acenam 
em concordância. 
Mal se passaram duas temporadas desde que rompi o 
noivado com Ferrick, e eles já estão tentando me jogar em 
outro homem. Só a ideia disso é o suficiente para eu empurrar 
a mesa, levantando-me sobre as pernas que ameaçam tremer 
de raiva. 
— Passei mais de dezoito anos treinando para estar na 
posição em que estou. — Eu cerro as palavras entre os dentes, 
tendo que retroceder cada uma das minhas emoções. — 
Estudei os livros da nossa história. Os mapas. Magia. Armas. 
Estratégia. Cortes. Diga-me, que homem existente fez o 
mesmo? Que homem poderia estar pronto para sentar-se ao 
meu lado e ajudar a liderar um reino? — Tento firmar minha 
voz vacilante, que não vem dos nervos, mas do ódio. 
Não por Lorde Garrison ou pelos outros conselheiros, mas 
pelo simples fato de que, no fundo, reconheço que essa ideia 
tem seus méritos. 
O reino precisa de algo para distraí-los, e eu disse para mim 
mesma que faria o que fosse necessário para consertar os erros 
deixados pelos Montaras. Mas isso? 
Do outro lado da mesa, Lorde Garrison permanece calmo 
como o mar de verão. 
— Eu admiro sua tenacidade em fortalecer o reino, mas 
como já disse, os Visidianos precisam confiar em seu 
governante. Ninguém viu sua força. Você pode ter impedido 
Kaven, mas desde que falhou durante sua cerimônia no verão 
passado, ninguém viu sua magia. Com as prisões de Arida 
lotadas, muitos têm suas hesitações a seu respeito, Majestade. 
Rumores de que você não pode usar sua magia no nível de um 
Alto Animancer têm circulado. Muitos acreditam que você não 
tem controle sobre a magia da sua alma nem para executar 
prisioneiros, quanto mais para proteger Visidia. É hora de 
controlar os danos. É hora de mostrar ao reino que você é 
vulnerável, que está tão aberta para ouvir as preocupações dos 
plebeus que até consideraria trazer um deles para o reino como 
seu marido. 
O rosto de minha mãe relaxa enquanto eu congelo. Esta é a 
primeira vez que ouço sussurros sobre minha magia. 
— Houve preocupações mais urgentes do que a execução de 
prisioneiros. — É a voz afiada de Bastian que me interrompe, e 
estou grata pelo momento que me dá para me recompor. — A 
magia dela é boa. 
Embora Lorde Garrison acene com a cabeça, os cantos de 
seus olhos se enrugam com um escrutínio que diz que ele não 
acredita totalmente na mentira. 
— Claro. É por isso que uma viagem como esta seria tão 
benéfica, para que Sua Majestade pudesse mostrar ao reino que 
ela não é apenas poderosa, mas que é alguém em quem podem 
confiar. Que ela escuta suas preocupações e fará o que for 
melhor para o reino. 
Eu sinto o gosto de sangue no meu lábio inferior por causa 
da forma como me preocupo com isso. 
— Vou pôr fim a todos os rumores sobre a minha magia esta 
noite — digo antes que possa decidir melhor sobre isso. — Vou 
dirigir-me a todos os prisioneiros que foram condenados a uma 
execução pela minha magia e convido-o a assistir, Lorde 
Garrison. E se mais alguém aqui está preocupado com a minha 
magia, você é bem-vindo para se juntar a nós. 
Minha mãe e Bastian tentam chamar minha atenção, mas me 
recuso a prestar atenção a eles. Aqui, antes dos outros, devo 
manter minha calma mais desdenhosa, mesmo enquanto meu 
coração dispara tão ferozmente que não pode demorar muito 
para quebrar. 
Eu preciso sair daqui. Preciso planejar e pensar, longe de 
sussurros ou conselheiros e da massa turbulenta dos nervos de 
Bastian que me corroem. 
Quanto antes eu puder acabar com os rumores sobre minha 
magia, melhor. Acima de tudo, a descoberta da minha magia 
perdida é a última coisa de que preciso. 
— Vou considerar essa proposta, Lorde Garrison — anuncio 
para a mesa, escondendo minhas mãos trêmulas. — E eu te vejo 
hoje à noite. 
 
CAPÍTULO QUATRO 
Bastian me alcança antes que eu possa escapar de volta para o 
meu quarto, sem fôlego enquanto ele segura meu pulso. 
Eu pulo com o choque da sua pele na minha. Seu toque 
queima através de mim como fogo, acendendo minhas veias. 
Isso me faz querer me entregar a ele, deixá-lo me abraçar e 
apenas queimar. 
É por isso que tenho feito tudo ao meu alcance para ficar 
longe dele. 
— Você realmente vai sair correndo assim? — Ele exige, seu 
cabelo varrido pelo vento de tanto correr, olhos castanhos fixos 
nos meus. — Você não tem magia, Amora. Como você acha que 
vai se safar com isso, especialmente com os outros assistindo? 
— Você não entende, não é? — Eu tiro minha mão dele, 
como se ele fosse uma chama ameaçando queimar minha pele. 
— Eu preciso de outros para assistir. Essa é a única maneira que 
tenho, uma chance de acabar com os rumores de que algo 
aconteceu com a minha magia. 
Seus punhos estão cerrados, os músculos do pescoço tensos. 
— Mas você tem um plano? Você sabe, aquela coisa em que 
você para pra pensar sobre o que está fazendo antes de 
anunciar para uma sala inteira que vai fazer isso? 
— Claro que sim — eu argumento. — Eu tenho um... um 
plano de contingência. 
Ele inclina a cabeça para o lado. 
— Ah? Que tipo de plano de contingência? 
Eu aperto meus dentes, moderando a frustração que está 
borbulhando dentro de mim. 
— Um que vai funcionar. — Mas também, um que eu 
esperava nunca ter que usar. Um com muitas variáveis quando 
temos apenas uma chance de acertar. Eu sei muito bem o quão 
arriscado é, um passo em falso e todo o meu reinado irá cair em 
chamas antes mesmo de começar. Mas eu sabia que esse dia 
chegaria desde o momento em que assumi o trono, e essa é a 
única ideia que tem uma chance. 
Bastian suspira. 
— Você não precisa fazer isso sozinha. Apenas... fale comigo. 
Você e eu somos melhores juntos. Deixe-me ajudá-la. 
Por um momento fugaz, quero um pouco mais do que 
exatamente isso. Mas eu confiei em meu pai com tudo, e veja 
aonde isso me levou. Não vou colocar minha fé apenas em outra 
pessoa novamente. 
— Você pode me ajudar ficando longe essa noite. — Eu 
mantenho minha voz concisa, tentando ignorar a forma como 
sua dor me corta. Cada fibra do meu corpo vibra com o erro 
dessa emoção que não é minha. — Você é uma distração, 
Bastian. E não posso ter nenhuma distração quando estou na 
prisão. 
Talvez sejam palavras cruéis. Mas quando seu rosto cai, eu 
sei que elas funcionaram. Por enquanto, isso é tudo que 
importa. 
— Você tem me evitado por todo o outono. Tenho certeza 
que consigo ficar longe de você por uma noite. — Ele se afasta 
de mim e cruza os braços sobre o peito. A postura parece quase 
casual, mas não estou enganada. A frustração ferve dentro dele, 
aquecendo minha pele. — Mas e o que disseram na reunião? 
Você está... Isso é algo que você quer? 
— Casar? — Eu bufo. — Claro que não. Mas você não pode 
negar que a ideia tem mérito. 
— É uma ideia segura — ele desafia, rangendo as palavras 
entre os dentes cerrados. Sua raiva é uma tempestade negra e 
violenta de emoções que cresce dentro de mim. 
— Não há nada de errado em tentar estar segura. — Não tive 
a chance de realmente considerar a ideia, mas não posso evitar, 
mas quero que Bastian sinta uma pontada de minhas palavras.Eu quero que ele saiba que, independentemente desta 
maldição nos ligando, ele não é meu dono. Ele não é meu 
destino e, embora eu possa desejá-lo, não preciso dele. — 
Visidia perdeu muito. Minha mãe perdeu muito. O que há de 
errado em ter alguma estabilidade? 
— Não há nada de errado com a estabilidade. Mas não deve 
significar sacrificar quem você é. — Ele dá um passo à frente e 
estende a mão como se fosse me tocar. Embora cada centímetro 
do meu corpo queime por esse toque, recuo, apenas 
percebendo um pouco tarde demais o que fiz. 
Bastian se imobiliza, abatido. Seu peito não se move – por 
um momento, ele não respira. 
— Você acabou de sair de um noivado, não se prenda de 
novo. — Suas palavras se transformaram em um sussurro, 
suave e suplicante. 
— Essa não é uma sugestão repentina. — Eu mantenho 
minha voz dura. — Há uma razão pela qual minha família me 
noivou com Ferrick no verão passado, e agora há muito poucas 
opções para ser o herdeiro. Tenho que considerar isso, farei o 
que for preciso para consertar este reino, e se isso significa que 
devo colocar um anel no dedo para fazer isso, ou fingir tudo o 
que devo fingir para que meu povo possa descansar, então eu 
vou. 
Sua mandíbula se fecha, e eu praticamente posso ouvir seus 
dentes rangerem juntos. Estou prestes a me dispensar, incapaz 
de suportar a tensão por mais tempo, quando sua postura 
relaxa. 
— Tudo bem. — Bastian fala com tal finalidade que, por um 
momento, fico quase ofendida por ele não ter tentado me 
impedir com mais determinação. No mínimo, eu esperava uma 
explosão, mas sua raiva vem fria e amarga. 
— Tudo bem? 
— Foi o que eu disse. — Sua voz é calma, mas firme. — Está 
bem. Na verdade, você deve fazer isso. 
É como se ele tivesse me acertado bem no peito. Eu me 
afasto, não querendo deixá-lo ver a raiva inflamada dentro de 
mim. 
— Isso é tudo que você precisou para aceitar? Estrelas, 
talvez eu devesse ter começado a namorar há muito tempo. 
A risada de Bastian é suave como vinho. Com sua 
proximidade, posso praticamente sentir o cheiro familiar de sal 
marinho em sua pele. 
— Quem falou em aceitar? O plano seria encontrar os 
solteiros mais elegíveis de toda Visidia, certo? E ver se você tem 
uma conexão com algum deles? 
Eu o observo com cautela, olhos estreitos. 
— Está correto. 
Sua respiração se acalma. Embora seus olhos sejam escuros, 
a determinação os endureceu. O sorriso que ele dá é quase o 
suficiente para me derreter no chão, quente, rico e brilhante. 
— Então, se é isso o que você decidir fazer, não vamos 
esquecer que também sou solteiro. E eu sou muito, muito 
elegível. 
Quando o choque das suas palavras se instala, eu descubro 
que mal posso mover meus lábios, muito menos formar 
palavras. O suor cobre minhas palmas, e eu as limpo fingindo 
alisar meu vestido. Minha boca está seca e minhas bochechas 
quentes e agitadas. A última coisa que quero é que ele perceba, 
embora a tentativa seja inútil. Este menino pode sentir minha 
própria alma. 
— Se você me der licença. — Eu me afasto antes que meu 
coração trovejante possa me trair a ele e a todo o reino. — Eu 
tenho que me preparar para esta noite. 
A última coisa que vejo de Bastian é que ele inclina a cabeça. 
Há um sorriso em sua voz quando ele grita: 
— Você não será capaz de me ignorar para sempre, princesa. 
Mas até que eu possa resolver essas emoções turbulentas 
dentro de mim, tenho certeza que as estrelas vão tentar. 
 
CAPÍTULO CINCO 
Minhas botas afundam na areia vermelho-sangue enquanto 
Casem e eu levamos os conselheiros para a prisão sob o fundo 
de uma lua prateada. Apenas dois apareceram: Lorde Garrison 
e Lorde Freebourne. Quanto aos outros, tenho certeza que os 
rumores grotescos sobre minha magia superaram sua 
curiosidade. 
Enquanto eu crescia, papai e eu entramos nessas prisões 
uma vez por ano com um único propósito: livrar Visidia de seus 
criminosos mais perigosos, usando nossa magia para executá-
los. Naquela época, eu pensava que estava protegendo Visidia 
com minha magia, como meu reino ainda acredita 
erroneamente. A magia da alma que meu pai e eu praticamos 
era corrupta e grotesca, mas até o verão passado eu não 
conhecia nada melhor. Nossa magia é o resultado de uma 
maldição em nossa linhagem para punir meu ancestral Cato, 
que originalmente enganou todos fazendo-os acreditar que só 
podiam praticar uma magia para sua proteção. 
Uma vez que eu quebrar tanto a maldição Montara quanto 
minha maldição à Bastian, a magia da minha alma deve 
retornar ao modo como sempre foi destinada a ser usada: algo 
pacífico e protetor que permite que seus usuários leiam as 
almas e a intenção delas. E embora esteja animada para 
conhecer essa versão da minha magia, não posso deixar de 
reconhecer a lasca de medo. 
Por mais grotesca que minha magia possa ter sido, sempre 
acreditei que a estava usando para proteger os outros. E por 
essa razão, passei a amá-la. 
— Você está se sentindo bem com isso? — É o sussurro de 
Casem que quebra nosso silêncio, me tirando dos meus 
pensamentos. 
Não é hora de ficar triste. 
— Agora é um momento tão bom quanto qualquer outro — 
digo a ele. — Vamos acabar com isso. 
Eu conduzo os outros por um penhasco íngreme nas 
profundezas de um bosque de eucaliptos arco-íris, 
intimamente satisfeita pelos bufos e tropeços de Lorde 
Garrison. Ao contrário dele, não preciso de nada mais do que a 
luz das estrelas para me guiar por esta ilha que conheço tão 
bem. Esta ilha que se gravou dentro da minha alma. Em meus 
pulmões. No sal que queima a pele rachada das minhas palmas. 
Eu poderia fechar meus olhos e ainda conduzir os outros por 
Arida sem perder um passo. 
Construída como uma caverna na encosta do penhasco, a 
saída da prisão é vigiada por três soldados habilidosos: dois 
Valukans com afinidade com a terra e o ar e um Curmanan com 
magia mental, habilidoso na levitação. Enquanto eles se 
afastam para nos deixar passar, mais guardas esperam dentro 
da prisão. 
Normalmente, meu pai os mandaria embora para nossas 
execuções. Mas seja porque eu sou nova em fazer isso sozinha 
ou porque eles suspeitam do motivo de eu ter evitado as 
prisões por tanto tempo, vários guardas nos seguem à 
distância, como se esperassem que eu desse o comando para 
eles para sair a qualquer momento. Mas é bom que os guardas 
estejam aqui. Quanto mais pessoas testemunharem isso, 
melhor. 
O suor permeia em minhas têmporas enquanto viajamos 
pelos túneis úmidos, pegando o caminho de terra bolorento 
que leva à seção da prisão que hospeda os piores criminosos. 
Quando chegamos, o nervosismo toma conta do meu peito 
enquanto espio pela janela minúscula esculpida em uma porta 
de ferro. 
Uma mulher loira e esguia me encara de volta. Sua pele é 
pálida e seus olhos são fundos, em seu pescoço está a familiar 
tatuagem preta de um X: a marca de alguém acusado e julgado 
por assassinato premeditado. Suas mãos estão fortemente 
amarradas à sua frente, cobertas por um grosso saco de estopa. 
Cada centímetro de sua pele é coberto com um pano, e em seus 
pés há botas de metal irremovíveis que me dizem que ela é uma 
Valukan com uma afinidade com a terra. Sem ser capaz de 
conectar seu corpo com a terra por meio do toque, sua 
capacidade de controlar o elemento é inexistente. 
Há outros atrás dela, cinco no total, amarrados por correntes 
na parede. Todos os quais serão executados essa noite. 
Eu mantenho minha posição fora da cela enquanto o guarda 
abre a porta. A curiosidade está em chamas nos olhos de todos 
os guardas. A maioria deles está do lado quando eu entro, os 
braços cruzados atrás deles enquanto observam com foco de 
falcão. Os conselheiros ficam com eles, e Lorde Garrison 
observa com expectativa enquanto as mordaças da mulher são 
arrancadas dela. 
— Eu estava começando a achar que você nunca iria 
aparecer. — Ela mantém a voz brincalhona mesmo quando 
seus olhos passam de um lado para o outro, procurando a saída 
mais próxima. Com tantos guardas patrulhando a prisão, seria 
inútilpara ela fugir. Mas isso não impediu prisioneiros de 
tentar. 
Eu reduzo o espaço restante entre ela e arranco um fio de 
cabelo do seu couro cabeludo. Quando ela se esquiva do meu 
toque, vejo a marca que procuro. Em suas mãos amarradas, 
logo acima da borda da estopa que deveria cobri-la por 
completo, está uma tatuagem lilás tênue em seu antebraço. 
Dois peixes esqueléticos formando ossos cruzados sob um 
crânio. É minúsculo, quase impossível de ver, mas me dá toda 
a coragem de que preciso para prosseguir. Agarrando o cabelo 
em meu punho, faço uma prece silenciosa para que isso 
funcione. 
— Eu preciso de fogo — digo ao guarda mais próximo. 
A magia da alma é baseada na troca equivalente, se quero 
tirar um osso de alguém, devo oferecer um osso e algo da 
pessoa, geralmente um fio de cabelo. Se eu quero o dente deles, 
ofereço um dente em troca. E se eu quiser matá-los, devo usar 
seu sangue. 
No entanto, não há uma maneira de usar a magia da alma. 
Todos que já o manejaram, o fizeram de uma maneira única. 
Meu pai usava água para se afogar, minha tia engole os ossos e 
usa o ácido do estômago para destruí-los. Eu uso o fogo para 
queimar o sangue e os ossos das minhas vítimas. 
Provavelmente antecipando meu pedido, uma guarda 
Valukan obriga-se a tirar um sopro profundo do seu intestino. 
Quando ela expira de novo, é com a palma da mão estendida. 
Nela, uma pequena chama pisca e se estende para a vida, 
crescendo a cada vez que a Valukan exala. Ela coloca as chamas 
em um pequeno poço construído na cela, criado exatamente 
para esse propósito, e ele se acende intensamente. Abro a 
palma da mão e balanço o cabelo acima dela. 
— Qual é o seu nome? 
O comportamento fácil da prisioneira vacila. Sua expressão 
se torna azeda quando ela tenta se levantar, mas as botas 
pesadas a fazem tropeçar e não há nenhum lugar para ela ir. 
Apenas prisioneiros amarrados esperam atrás dela, e um 
punhado dos mais poderosos manejadores de magia de Visidia 
à sua frente. 
— Não tente — advirto enquanto seus olhos se voltam para 
a única saída. — Vou perguntar mais uma vez. Qual é o seu 
nome? 
Pego a bolsa no quadril, saboreando a forma como minha 
pele treme contra o couro polido, sem ter um motivo para pegá-
la. De dentro dela, retiro um único dente e enrolo o cabelo da 
prisioneira em torno dele. 
Para mim, os dentes são a forma mais humana que conheço 
de obter a quantidade de sangue que preciso para acabar com 
a vida de uma pessoa. Embora seja desconfortável, é bastante 
indolor. 
Eu balanço o dente sobre o fogo que se contorce, observando 
enquanto a mandíbula da mulher se contrai em resposta. Sua 
atitude dura se estilhaça. 
— Por favor, não faça isso — implora a mulher. — Por favor, 
me dê outra chance. 
Minha própria mandíbula também se contrai, embora ao 
contrário dela, a minha é de aborrecimento. Eu odeio ser feita 
de vilã, especialmente na frente de uma multidão. 
— Eu perguntei seu nome. 
— Riley — ela diz. — É Riley Pierce. 
— Riley Pierce, como a Rainha de Visidia, é meu trabalho 
manter o reino seguro. Sua alma é uma praga, se corrompeu 
com seus crimes, e o povo de Visidia escolheu a execução como 
seu castigo. Se você tem alguma última palavra, diga-as agora. 
Ela abaixa a cabeça, os ombros tremendo enquanto 
pressiono minha palma contra eles, mantendo-a de joelhos 
caso ela tente alguma coisa. 
Quando ela levanta o queixo novamente, há gelo em seus 
olhos. 
— Eu espero que você queime. 
São palavras que sacudiram minha mente duas temporadas 
antes, e penso no cadáver sem vida de meu pai queimando em 
um mar de fogo, a pele carbonizando e derretendo dos seus 
ossos. Seu sangue se acumulando e fervendo ao redor dele, 
transformando-se em alcatrão. Eu balanço quando as paredes 
da prisão se fecham e me forço a respirar fundo pelo nariz para 
me equilibrar. 
Não agora. Não aqui. As memórias podem me assombrar 
mais tarde, como sempre acontece quando fecho os olhos. Mas 
agora, devo manter minha compostura. 
— Um dia — digo à prisioneira — tenho certeza que vou. 
Os olhos de Riley piscam para mim, confusos, mas minha 
única resposta é deixar cair o dente ferido com seu cabelo na 
chama. Seu corpo sofre espasmos enquanto o sangue sai das 
suas gengivas, manchando seus dentes e escorrendo por seus 
lábios. Eu me curvo para correr meu dedo sobre ele, revestindo 
minha pele; em seguida, espalho o sangue sobre dois ossos: um 
de uma coluna vertebral humana e um pequeno fragmento de 
um crânio. 
Levando apenas um breve momento, eu me viro para olhar 
para os rostos dos conselheiros. Lorde Garrison ficou branco 
como os ossos, enquanto as sobrancelhas escuras de Lorde 
Freebourne franzem como se ele não tivesse certeza se deve 
ficar chocado ou intrigado. 
Jogo os ossos ensanguentados no fogo e, enquanto eles 
estalam, a mulher cai. Sua espinha torce bruscamente e seu 
crânio cede. Ela dá um suspiro de surpresa antes de estremecer 
no chão, morta. 
A morte pelas minhas mãos nunca é indolor — não tenho o 
luxo de dar isso às pessoas — mas certamente pode ser rápida. 
Com o corpo inerte de Riley diante de mim, me viro para os 
conselheiros para ver que Lorde Garrison se virou. Está claro 
que todas as dúvidas que ele tinha sobre minha magia se foram. 
Eu dei a ele o que ele queria, mas ele nem mesmo teve 
estômago para assistir. 
— Casem, você fica. O resto de vocês, não há necessidade de 
se torturar. — Eu me agacho diante do corpo de Riley, 
colocando minha mão sobre a bainha da minha adaga de aço. 
— A menos que você queira me ver drenar os corpos e colher 
seus ossos, saia. Eu lidarei com o resto dos prisioneiros 
sozinha. 
O alívio flui de Lorde Garrison em ondas que dão um nó no 
meu estômago. Embora Lorde Freebourne hesite, parecendo 
meio inclinado a ficar, os dois homens eventualmente acenam 
com a cabeça e partem sem protestar. Os guardas são rápidos 
em seguir, entregando a Casem o chaveiro de cobre para que 
eu possa terminar meu trabalho em paz. Esta não era nem 
mesmo minha magia verdadeira, e ainda assim os enoja. 
— Lorde Garrison? — Eu chamo quando ele está quase fora 
da porta. 
Ele está branco como um lençol enquanto ele luta contra o 
aperto de mãos, e se vira para mim, incapaz de me olhar nos 
olhos. 
— Sua Majestade? 
— Se eu ouvir um sussurro sobre minha magia, 
especialmente da boca de um Suntosan, terei que falar com 
você. 
— Sim, vossa Majestade. 
E então ele se foi. 
Casem está de pé com as mãos cruzadas atrás dele, o olhar 
firme no chão. Só quando não podemos mais ouvir os passos 
dos outros é que ele exala uma respiração presa fortemente. 
— Sangue dos deuses, não posso acreditar que você 
conseguiu. 
— Ainda não acabou. — Eu desamarro as amarras dos 
pulsos de Riley e a viro para que ela não fique mais deitada de 
cara no chão sujo, mas com a parte de trás da cabeça no meu 
colo. — Vá e guarde o perímetro. 
Casem se move para obedecer, mas algo o impede no meio 
do caminho. Baixinho, ele sussurra: 
— Você não tem que fazer o resto disso, você sabe. Podemos 
encontrar outra maneira. 
— Não há outro caminho. — Por mais que eu queira 
acreditar nessas palavras, elas são uma mentira. Este é o meu 
dever, tal como Lorde Garrison disse antes. E se não consigo 
nem fazer isso, algo que treinei por toda a minha vida, algo que 
meu povo acredita ser um ato de proteção… por que ainda uso 
esta coroa? — Certifique-se de que ninguém entre. 
Embora espere um pouco demais, Casem inclina a cabeça e 
pede licença. Só quando ele sai, pego o rosto de Riley em 
minhas mãos e aperto suas bochechas. 
— Belo show — digo a ela. — Agora levante-se, precisamos 
nos mover rapidamente. 
Ela se mexe, o loiro de seu cabelo lentamente derretendo em 
um rosa pastel suave. A tatuagem lilás em seu pulso se contorce 
e se derrete em sua pele. A mulher abre os olhos que não são 
mais castanhos, mas um rubi mágico e surpreendente, e é 
Shanty quem sorri para mim. 
Ela é uma metamorfa de Ikae que conhecemos em nossa 
jornada no verão passado. Ela ajudou anos disfarçar por tempo 
suficiente para escapar da ilha e foi quem nos disse onde 
encontrar Vataea. 
Seus dentes estão manchados de vermelho e, com as costas 
da mão, ela limpa o sangue dos lábios e retira uma pequena 
bolsa vazia de sangue de porco do topo das gengivas. 
— Para referência futura, essas coisas são revoltantes. — Ela 
cospe no chão com uma careta. — Você me deve muito. 
Os gritos dos prisioneiros que esperam atrás dela são 
abafados por suas piadas enquanto o encantamento de Shanty 
se desvanece. O resto deles, infelizmente, são reais. E aquela 
que Shanty estava interpretando, seu próprio rosto alterado 
com magia de encantamento. 
Shanty pega minha mão estendida e fica de pé, limpando a 
sujeira de sua túnica creme e calça lilás de linho. 
— Eles acreditaram. — O alívio me preenche quando digo 
em voz alta, acalmando os nervos que fizeram minha pele 
arrepiar. O alívio quase me faz rir. — Eles caíram 
completamente. Você foi incrível. 
Ela tira um cacho rosa bebê do ombro e sorri com os lábios 
vermelhos como rubis. 
— Alguma vez você duvidou de mim? — Sua voz é um 
ronronar orgulhoso. 
Embora eu estivesse hesitante em adicionar algo à lista de 
pessoas que sabem que não posso acessar minha magia, 
contratar Shanty foi uma necessidade. Ela está aqui em Arida 
desde o outono, provavelmente vivendo com um rosto novo a 
cada dia. Foi ideia de Ferrick convidá-la aqui, e manter seu 
segredo, apenas no caso de precisarmos de suas habilidades. 
Poucas pessoas sabem que ela está aqui em Arida. 
Foi uma boa ligação. Por mais frágil que Visidia esteja agora, 
é necessário garantir que meu povo ainda acredite que está 
protegido por um Animancer poderoso. E como disse Lorde 
Garrison, às vezes precisamos distrair nosso povo da verdade 
por tempo suficiente para fazer o trabalho. 
— Peça a Casem para ajudá-la a sair daqui — digo a ela. — E 
certifique-se de que você não seja vista. 
— Como se eu fosse pega antes de receber o pagamento — 
reflete Shanty. — Ficar escondida é minha especialidade, 
Majestade. Te vejo do outro lado. 
Ela faz uma pequena saudação, deixando-me focada nos 
cinco verdadeiros prisioneiros à minha frente. Ao meu lado 
estão duas adagas: Rukan, a lâmina que forjei do tentáculo 
envenenado da Lusca, uma besta marinha que abati no verão 
passado, e a lâmina de aço que tenho desde que meu pai me 
presenteou nesta prisão, há treze anos. É aquela cujo punho eu 
pego agora, agarrando-a com força enquanto me agacho diante 
do primeiro prisioneiro que devo executar. O homem levanta 
os olhos para mim enquanto eu arranco suas mordaças, 
avaliando minha coroa. 
— Seu povo sabe que sua rainha é tão mentirosa quanto o 
resto de sua família? — Ele cospe nas minhas mãos, depois olha 
para mim como se esperasse que eu recuasse. Mas está longe 
de ser a primeira vez que recebo uma cusparada. Eu limpo na 
minha calça. 
Não é assim que deveria ser. Seu sangue em minhas mãos 
não é o que eu quero, e sem minha magia, não posso nem olhar 
em sua alma para garantir que sua execução seja justa. Mas 
para fazer Visidia acreditar em mim e na minha proteção até 
que eu possa restaurar o reino e todas as suas magias, isso é o 
que devo fazer. 
Talvez Lorde Garrison estivesse certo, talvez eu não seja 
nada mais do que um peão neste jogo. 
— Que os deuses julguem cada um de vocês como merecem. 
— Sem demorar mais um momento, enfio minha adaga no 
coração do homem e giro a lâmina, pressionando uma mão 
contra seus ombros para firmar seu corpo até que a convulsão 
pare. Enquanto a vida é drenada de seus pulmões, inclino seu 
cadáver contra a parede e tiro a adaga. 
Eu passo para o próximo prisioneiro. Embora eu tente fazer 
cada morte o mais rápido possível, uma lâmina através do 
corpo está longe de ser indolor, e eu não consigo controlar o 
desejo de um corpo de viver. Alguns vão rapidamente, 
enquanto outros são lentos e dolorosos. Um homem demora 
tanto e sofre tanto que acabo cortando sua garganta para que 
ele vá logo. 
Os gemidos dos prisioneiros restantes se transformam em 
lágrimas enquanto esperam, que depois se transformam em 
soluços e gritos abafados pelo tecido que os amordaça. 
O sangue deles mancha minhas mãos em um tom tão 
violento que, não importa o quão forte eu possa esfregar, eu sei 
que nunca vai sair. Para cada coração que minha lâmina 
perfura, um pedaço de minha alma já murcha se parte. Mas não 
paro até que o último prisioneiro caia e minhas botas se 
banhem em uma poça de sangue misturado. E mesmo assim, eu 
não terminei. Deixar cinco corpos esfaqueados é muito 
suspeito quando minha magia não depende de uma lâmina 
para matar. Se eu tivesse mais fogo e um cômodo maior, 
queimaria os corpos. Mas minha única opção para esconder as 
feridas é cortando-as, drenando-as e recolhendo os valiosos 
ossos um por um. 
Para alguns, eu levo muitos ossos. Para outros, colho apenas 
alguns importantes: um na clavícula e na coluna. Apenas o 
suficiente para fazer parecer que eu tinha um bom motivo para 
esfaquear o peito de cada um deles. 
É um processo ao qual estou acostumada, mas é diferente 
desta vez, agora que sei a verdade sobre a magia da alma. Agora 
que sei que nunca precisou ser assim. 
A náusea me deixa gelada, apesar do fogo fervente, e preciso 
de tudo para não perder o estômago. Demoro horas até que eu 
esteja recolhendo os ossos ensanguentados para serem 
lavados, mantendo os corpos dos prisioneiros expostos para os 
guardas alimentarem os peixes. 
Acabo de terminar quando passos ecoam pelo túnel. Embora 
Shanty tenha ido embora e eu tenha feito tudo que posso para 
encenar minha mentira, uma onda de pânico me percorre e eu 
pulo de pé, esperando Casem ou um dos outros guardas. Mas é 
Ferrick quem corre para a prisão, seu rosto tão vermelho 
quanto seu cabelo enquanto ele tenta respirar. 
Meu peito se aperta de alívio ao vê-lo, mesmo quando seu 
nariz se torce e sua respiração para ao ver o sangue em que 
posso ter me banhado e uma pequena montanha de cadáveres 
atrás de mim. Ele fecha os olhos com força e se afasta 
imediatamente. Minhas bochechas ficam vermelhas. 
— Você não deveria estar aqui. — A vergonha afunda em 
meus ossos enquanto eu limpo minhas mãos ensanguentadas 
na sujeira. Já se passou uma temporada inteira desde a última 
vez que estivemos juntos, antes de eu dar a ele seu primeiro 
trabalho oficial como meu conselheiro principal. Eu odeio que, 
em nosso primeiro momento juntos novamente, ele tenha que 
me ver assim. 
— Nós o encontramos — Ferrick disse, ignorando minhas 
palavras. Seus ombros estremecem a cada respiração pesada. 
Eu coloco os ossos em minha bolsa e atravesso o chão até ele 
tão rapidamente que meu cérebro mal consegue acompanhar 
meus movimentos. 
— Onde ele está agora? 
— Ele está detido no navio. Nós o pegamos. 
Eu poderia beijar Ferrick por essas palavras. Eu quase jogo 
meus braços ao redor dele até que ele recua, e eu me lembro do 
sangue. 
— Vou mandar trazê-lo aqui… 
— Não. — Eu embainho minha lâmina, a determinação 
endireitando minha espinha. — Leve-me até ele. 
 
CAPÍTULO SEIS 
As docas são um fantasma do que eram ontem. 
Os céus ficaram mais claros durante minhas horas na prisão, 
e o amanhecer luta para se libertar debaixo de um pesado 
coágulo de nuvens de tempestade. Enquanto o mar mantinha 
um ritmo pacífico horas atrás, agora as marés batem 
violentamente contra as docas, borrifando meu rosto com sal 
marinho. O tipo de ondas que são uma ameaça para o 
marinheiro médio, mas um convite à aventura para o resto de 
nós. O tipo de ondas que foram feitas para serem conquistadas. 
A névoa fresca do mar é um perfume com o qual me envolvo 
quando cada onda acena. Encho meus pulmões com ela, como 
se fosse alimentar o fundo da minha alma. Embora tenha sido 
ontem que minhas mãos agarraram um elmo pela última vez, o 
desejo engrossa minha garganta. Velejar ao redor da baía, sem 
expandir os perímetros de minha maldição à Bastian, está 
muito longe da navegação que desejo. 
Olhandopara os navios atracados, meu corpo dói pelos dias 
de volta a Keel Haul. Para as manhãs em que acordei com o sol 
e as noites que passei contando as estrelas com uma sereia, um 
pirata e um clandestino ao meu lado. 
Toda a minha vida eu não quis nada mais do que um dia 
governar Visidia. Mas agora que é minha, tudo o que consigo 
pensar é no dia em que finalmente poderei passar a 
responsabilidade e ter meu corpo devolvido ao mar o qual 
pertence. 
Ferrick sobe as docas, acenando para mim em direção ao 
pequeno navio de carga que chegou. Tendo mantido a 
tripulação o mais reduzida possível, apenas alguns soldados de 
confiança esperam por nós, seus rostos sombrios e cansados. 
Eles não sabem nada sobre o homem que os mandei atrás, ou 
os crimes revoltantes dos quais ele escapou da punição por 
muito tempo. Enquanto todos os soldados são rápidos em se 
curvar, vários olham propositalmente para longe do sangue 
que mancha minha pele e roupas, enquanto outros me 
encaram. 
— Todos vocês se saíram maravilhosamente bem. — Pego a 
escada de corda pendurada no navio e me arrasto nela com a 
facilidade praticada. — Vão se limpar e voltar para suas 
famílias. Vocês ganharam uma folga. 
Alguns hesitam, surpresos por eu estar dispensando-os tão 
rapidamente. Mas eles obedecem às minhas ordens, e espero 
com Ferrick em silêncio até que estejam muito longe da costa 
para me ouvir perguntar: 
— Onde você o encontrou? 
— Na costa de Suntosu. Recebi uma dica de alguém que o 
conhecia em Kerost. Disseram que ele está viajando em busca 
de alguém. 
Eu coloco a mão no ombro de Ferrick e aperto, apenas uma 
vez, e é um gesto que chama sua atenção. Ele se vira devagar 
para me olhar. Mesmo que eu esteja coberta de sangue, ele 
envolve seus braços em volta dos meus ombros e me puxa para 
perto. Eu não luto com ele, me permitindo derreter em seu 
corpo, grata por seu retorno seguro. 
Na época em que fui forçada a ser sua noiva, nem sempre fui 
muito gentil com Ferrick. Mas depois da nossa jornada no 
verão passado, não consigo imaginar a vida sem ele. Eu o 
abraço com força, deixando-o ser o primeiro a se afastar. 
— Eu não queria que demorasse tanto. — Ele passa os dedos 
pelos cachos ruivos soltos que precisam desesperadamente ser 
aparados. — Como vão as coisas aqui? Como você está? 
Minha pele esfria, sem querer considerar o peso por trás da 
pergunta. 
— Estou feliz que você esteja em casa, mas vamos deixar o 
que está acontecendo para depois. Eu preciso vê-lo. 
A pele entre as sobrancelhas de Ferrick se enruga, mas ele 
acena com a cabeça do mesmo jeito. 
— Nós o amarramos lá embaixo. Eu posso ir com você… 
Balanço minha cabeça. 
— Fique aqui e vigie a porta. Eu não quero que Vataea 
descubra sobre ele até que venha de mim. 
— Ela está bem, então? — Ele pergunta, inocente, mas 
esperançoso o suficiente de que a luz em seus olhos aqueça 
meu coração. 
— Ela se adaptou à vida no palácio tão bem quanto 
esperávamos. E ela ficará emocionada quando descobrir quem 
você trouxe para ela. 
Com as bochechas coradas de satisfação, Ferrick balança a 
cabeça e dá um passo para o lado para que eu possa acessar as 
escadas que conduzem ao convés inferior. Eu vou rapidamente, 
e com um navio tão pequeno, não demoro muito para 
encontrar quem estou procurando. 
Ele está preso a um poste, bem amarrado na cintura e nas 
mãos. Embora eu saiba que é ele, seu rosto não é aquele que eu 
reconheço à primeira vista. Ele envelheceu significativamente 
desde o nosso último encontro, sua pele enrugada e danificada 
pelo sol. Seu rosto, antes liso e bem barbeado, agora está 
coberto por uma espessa barba grisalha que se estende por 
todo o pescoço. Mas, por mais diferente que ele pareça, eu 
reconheço seus olhos verdes cansados, a pele queimada da sua 
garganta e seu dedo esquerdo faltando. Feridas que sobraram 
da nossa briga no verão passado. 
Blarthe. 
Um homem diretamente responsável pelo comércio ilegal 
de tempo em mais de uma centena de acusações. Responsável 
por caçar uma sereia, a espécie mais ameaçada e protegida do 
nosso reino. Ele destruiu a vida de dezenas e aproveitou seu 
sofrimento em um momento de necessidade, e também 
sujeitou Vataea a anos de atrocidade. 
Esse é um homem que merece tudo o que recebeu e muito 
mais. Ele é aquele cuja execução eu não hesitaria em condenar. 
Ele merece queimar antes de todos os Kerost pelos danos que 
causou. 
— Olá, princesa. — Blarthe mostra dentes que não são mais 
brancos perolados, mas enegrecidos de podridão e cárie. 
Vários estão faltando de onde eu os queimei. 
— Você vai me chamar de rainha, agora. — Eu me agacho 
diante do comerciante de tempo, percebendo como ele 
envelheceu mal. — É assim que você realmente se parece? 
Deuses, não é de admirar que você demora a negociar. Alguém 
deveria ter chutado você do mar há muito tempo. 
Ele cospe nos meus pés mas eu não recuo. Com todo o 
sangue que os mancha agora, planejei queimar essas botas. Mas 
Blarthe precisa se lembrar de quem está no comando. 
Em um movimento fluido, tiro Rukan da bainha e coloco-a 
contra sua garganta. Seu foco se estreita na estranha lâmina 
marinha enquanto ele tenta se retrair das pequenas manchas 
iridescentes que se movem dentro dela. 
— Tenho certeza que você já ouviu falar da Lusca? Eu tirei 
isso como um presente de despedida. — Eu pressiono a lâmina 
em forma de gancho para frente o suficiente para assustá-lo, 
mas tenho o cuidado de não romper a pele. A última coisa que 
quero é envenená-lo quando ainda preciso dele vivo. Afinal, ele 
não é apenas um presente para Vataea. Sua captura é como vou 
reconquistar a confiança de Kerost. 
Pesar escurece seus olhos. 
— Eu ouvi rumores sobre você, sabe. Dizem que a nova 
rainha se recusa a usar sua magia. 
— Olhe para o sangue que uso em minhas roupas e pele e 
você verá que não passam de rumores. — Eu provoco a ponta 
de Rukan contra o topo de sua garganta, o calor fervendo 
dentro de mim. 
Mas não é o suficiente para fazê-lo calar a boca. 
— Você se esquece que eu estava lá quando Kaven tentou 
tomar Kerost. Ao contrário de muitos, eu vi o que sua magia 
podia fazer. Eu sei que ele tinha a habilidade de amaldiçoar a 
magia. 
Eu embainho Rukan antes que eu esteja tentada a envenenar 
Blarthe e acabar com isso. 
— Diga outra palavra e eu corto sua língua. 
Blarthe não vacila, embora haja um tremor em suas palavras 
que ele luta para esconder. 
— Qualquer um que conheça a magia de Kaven será capaz 
de descobrir, garota. Pegue minha língua se for preciso, mas 
saiba disso: me silencie, e você nunca terá sua magia de volta. 
Posso te ajudar. 
A risada que me atravessa é praticamente um latido. 
— Você acha que sou idiota? 
— Eu considero você alguém que sabe que nem todos os 
mitos são falsos. — Seus olhos piscam para o punho de Rukan 
e eu aperto a lâmina com mais força. — Você não está curiosa 
para saber o que eu estava procurando quando seus soldados 
me encontraram? 
— Não particularmente. Eu trouxe você aqui para ser 
julgado por seus crimes, e porque há uma sereia que tenho 
certeza que adoraria ter uma palavra a dizer sobre sua punição. 
Não tenho interesse no que quer que você esteja procurando. 
— Mas essa última parte é mentira. O tom de sua voz fez com 
que minha curiosidade explodisse mais do que gostaria de 
admitir. 
— Eu estava procurando por um artefato que as lendas 
dizem que foi deixado pelos próprios deuses. — O foco de 
Blarthe não vacila enquanto ele prossegue com o desespero de 
um homem lutando por sua vida. — É aquele que tem o poder 
de aumentar a magia mais do que você jamais poderia 
acreditar. Diz-se que, com ele, uma pessoa poderia exercer o 
poder dos deuses. 
— Nenhuma pessoa deve ter esse tipo de poder. — Deuses, 
não posso acreditar que estou entretendo ele. Eu me inclino 
para trás, pronta para buscar Vataea e acabar com isso, mas 
suas próximas palavras me congelam no lugar. 
— Mas imagine o que você poderia fazer com isso. — Ele 
inclina a cabeça para trás, contra o poste.

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