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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (CCH) FACULDADE DE FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA (DEFIL) 1ª AVALIAÇÃO DE LÓGICA – SOLUÇÃO DAS QUESTÕES DA PROVA BACHARELADO EM BIBLIOTECONOMIA NOITE – 2023.1 (Professor: Rodolfo Petrônio / Monitor: Jakler Nichele) 1. (4,0 pontos) Nos parágrafos a seguir analise o argumento contido em cada um deles, reescrevendo-os de forma a separar explicitamente as premissas e a conclusão (somente há um único argumento em cada caso, constituído de duas ou mais premissas e uma única conclusão). Se julgar necessário, indique premissas ocultas que devem ser consideradas para que o argumento faça sentido. A partir disso, caracterize-os como inferências dedutivas ou indutivas, justificando sua escolha pelo tipo identificado. a) Nem todas as asserções podem ou precisam ser justificadas. Há asserções que podemos considerar “gratuitas", lançadas ao acaso, numa conversação, apenas para romper um silêncio embaraçoso, algo como “O dia está bonito”, numa sala em que se encontram pessoas estranhas. E há asserções que poderíamos considerar “absurdas”, pelo menos em certos contextos. É o que se dá, digamos. com “A quadruplicidade bebe procrastinação” (para citar um exemplo famoso). Em condições que se diriam “normais”, asserções gratuitas e absurdos nem sequer chegam a colocar a questão da justificativa: tais asserções dispensam qualquer consideração a respeito de justificativa. (Leônidas Hegenberg, Lógica) P1: Nem todas as asserções podem ou precisam ser justificadas. P2: Há asserções que podemos considerar “gratuitas”, lançadas ao acaso, numa conversação, apenas para romper um silêncio embaraçoso. Exemplo sobre P2: (São) algo como “O dia está bonito”, numa sala em que se encontram pessoas estranhas. P3: E há asserções que poderíamos considerar “absurdas”, pelo menos em certos contextos. Exemplo sobre P3: É o que se dá, digamos. com “A quadruplicidade bebe procrastinação” (para citar um exemplo famoso). P4: Em condições que se diriam “normais”, asserções gratuitas e absurdos nem sequer chegam a colocar a questão da justificativa. C: Tais asserções dispensam qualquer consideração a respeito de justificativa. TRATA-SE DE UMA DEDUÇÃO Comentário e Justificativa: Observem que a premissa P1 está na forma de uma negação, ao passo que P2 e P3 são afirmações. A conclusão, por sua vez, é uma negação, o que fornece o equilíbrio entre premissas e conclusão quanto ao número de negativas presentes no argumento. O argumento é uma dedução, pois conclui tão-somente o conteúdo explicitado nas premissas, embora o nexo não seja estritamente necessário, pois se supõe que a conclusão segue as premissas em condições “normais”. Justamente por isso, não existe a pretensão de que, a partir de observações singulares sobre certas asserções, se conclua de modo generalizado ou universal, mas apenas que, sob certas condições (as “normais”), não se faz necessária uma justificação de certas asserções. A conjunção coordenativa “e” em realce articula explicitamente as premissas P2 e P3. b) Todas as ciências, percebe Descartes, usam a ordem ou a medida, que são operações próprias da aritmética e da geometria, respectivamente. Mas, se todas as ciências são, de algum modo, expressões da ordem ou da medida, é possível pensar num único método que discipline e oriente todo o conhecimento humano em função dessas duas operações. Deve existir, portanto, uma disciplina universal que determine que o conhecimento científico permaneça restrito à ordem e à medida, isto é, um conhecimento que determine ambas, a ordem e a medida, como estrutura de todo o saber científico. (Érico Andrade, A Ciência em Descartes: fábula e certeza) P1: Todas as ciências, percebe Descartes, usam a ordem ou a medida, que são operações próprias da aritmética e da geometria, respectivamente. P2: Se todas as ciências são, de algum modo, expressões da ordem ou da medida, é possível pensar num único método que discipline e oriente todo o conhecimento humano em função dessas duas operações. C: Deve existir, portanto, uma disciplina universal que determine que o conhecimento científico permaneça restrito à ordem e à medida, isto é, um conhecimento que determine ambas, a ordem e a medida, como estrutura de todo o saber científico. TRATA-SE DE UMA DEDUÇÃO Comentário e Justificativa: Observem que a premissa P2 está sob a forma de um condicional hipotético (se...então). O argumento é uma dedução, pois a conclusão decorre do nexo lógico necessário entre as premissas articuladas e a conclusão que delas de segue. A conjunção coordenativa “mas” em realce articula explicitamente as premissas, ao passo que a expressão “deve + verbo no infinitivo – ou poderia ser no particípio – seguida de “portanto” indicam que o enunciado que se segue é a conclusão. c) A biblioteca foi criada para atender a necessidades reais da civilização moderna. Hoje é uma peça necessária ao mecanismo social. A cultura tem que transcender o indivíduo, pois constitui-se essencialmente de um acúmulo social da experiência através do qual os membros de cada geração possuem, pelo menos potencialmente, tudo que seus predecessores já aprenderam. Os livros são um dos mecanismos sociais para a preservação da memória racial e a biblioteca é um aparelho social para transferir isso ao consciente dos indivíduos. Qualquer interpretação da sociedade tem de incluir uma explicação deste elemento social e de sua função na vida comunitária. Assim a Biblioteconomia toma o lugar que lhe cabe entre os fenômenos a serem discutidos em qualquer sistema de ciência social. (Pierce Butler, Introdução à Ciência da Biblioteconomia). P1: A biblioteca foi criada para atender a necessidades reais da civilização moderna. P2: Hoje é uma peça necessária ao mecanismo social. P3 (oculta): (A cultura) constitui-se essencialmente de um acúmulo social da experiência através do qual os membros de cada geração possuem, pelo menos potencialmente, tudo que seus predecessores já aprenderam. C1 = P4: A cultura tem que transcender o indivíduo. P5: Os livros são um dos mecanismos sociais para a preservação da memória racial e a biblioteca é um aparelho social para transferir isso ao consciente dos indivíduos. P6: Qualquer interpretação da sociedade tem de incluir uma explicação deste elemento social e de sua função na vida comunitária. C2 = Cfinal: Assim a Biblioteconomia toma o lugar que lhe cabe entre os fenômenos a serem discutidos em qualquer sistema de ciência social. TRATA-SE DE UMA INDUÇÃO Comentário e Justificativa: O argumento é uma indução, pois apresenta uma série de ponderações bastante razoáveis que deveriam ocorrer para que uma ciência ou técnica (ora uma coisa ora outra, dependendo do que se decida investigar ou fazer) como a Biblioteconomia fosse considerada parte das ciências ou estudos sociais, a partir da existência singular daquilo que chamamos de “livro”. O fato de ser um argumento indutivo em nada reduz sua força; o que está em discussão é a relevância com que deve ser observada uma ciência ou técnica dos livros como elemento de compreensão e registro da cultura, uma vez que esta, no entender do autor do argumento, transcende os indivíduos. Neste caso, se o aluno optou por afirmar ser uma dedução, uma vez que o argumento parece indicar que a conclusão não extrapola o conteúdo das premissas, eu considerarei como correta a resposta, desde que ela se restrinja a afirmar apenas isto, a saber, que o conteúdo da conclusão não excede o das premissas. d) O pior é estarem orquestras como quartetos ou corais nas mãos de diretores estrangeiros ou pouco menos que estrangeiros, tudo vestido de guarani, mas indiferentes à coisa local, ignorantes dela, incapazes de compreendê-la e se integrar nela. O que apenas pretendem esses diretores é conservar a todo o custo o lugar conseguido, obedecendo servilmenteao gosto de um público de capitais internacionalizadas como São Paulo e Rio. Público em que além da porcentagem de ouvintes nacionais não ser talvez nem sequer predominantemente, o péssimo é ser um público preguicento, inerte, ignaro, que exige só as obras mais tradicionalmente fáceis e os pinchos malabarísticos da brilhação e da virtuosidade. Tschaikowski. Tsssssssssschaikowski. De modo que quando um regente desse ou um quarteto (excluo aqui apenas o conjunto Borghert) condescende em executar uma obrazinha de compositor nacional, o faz apenas para se descartar de uma imposição legal, repudiando no íntimo o trabalho, e se queixando dos poucos ensaios por fingimento. E as obras são executadas tão à pressa e tão mal, que o compositor nunca pode saber ao certo se não ouviu o seu malsinado contracanto porque este não se ouve mesmo, ou porque a peça foi mal compreendida, e ainda mais pessimamente executada. E assim ele não pode melhorar a experiência da sua técnica. (Mário de Andrade, Evolução Social da Música Brasileira) Opinião: O pior é estarem orquestras como quartetos ou corais nas mãos de diretores estrangeiros ou pouco menos que estrangeiros, tudo vestido de guarani, mas indiferentes à coisa local, ignorantes dela, incapazes de compreendê-la e se integrar nela. P1: Público em que além da porcentagem de ouvintes nacionais não ser talvez nem sequer predominantemente, o péssimo é ser um público preguicento, inerte, ignaro, que exige só as obras mais tradicionalmente fáceis e os pinchos malabarísticos da brilhação e da virtuosidade. Tschaikowski. Tsssssssssschaikowski. P2: De modo que quando um regente desse ou um quarteto (excluo aqui apenas o conjunto Borghert) condescende em executar uma obrazinha de compositor nacional, o faz apenas para se descartar de uma imposição legal, repudiando no íntimo o trabalho, e se queixando dos poucos ensaios por fingimento C1 = P3: E as obras são executadas tão à pressa e tão mal, que o compositor nunca pode saber ao certo se não ouviu o seu malsinado contracanto P4: Este (malsinado contracanto) não se ouve mesmo. P5: A peça foi mal compreendida. P6: E ainda mais (a peça foi) pessimamente executada. C2 = P7: E assim ele não pode melhorar a experiência da sua técnica. Cfinal: O que apenas pretendem esses diretores é conservar a todo o custo o lugar conseguido, obedecendo servilmente ao gosto de um público de capitais internacionalizadas como São Paulo e Rio. TRATA-SE DE UMA INDUÇÃO Comentários e Justificativa: O argumento é uma indução, pois apresenta natureza retórica. Observem que, a rigor, o argumento não articula premissas bem fundamentadas, seja em observações singulares seja em sentenças universais, que visem sustentar ou justificar a conclusão de que os diretores ensejam manter um status quo e regalias, a despeito da má condução das peças musicais. O “argumento” é um conjunto de opiniões sob a forma de enunciados assertivos, alguns deles de viés emocional, que parecem se articular com vistas a provocar um estado de comoção na alma de quem o lê, com o objetivo de gerar um mosaico total de impressões parciais, algumas delas como se fossem conclusões que preparam o desfecho de desalento com a situação do público e dos gestores das orquestras, os quais são de certo modo cúmplices de um estado de coisas lamentável. Pode acontecer que algum aluno conjecture se não se trataria na verdade da descrição de um quadro geral de impressões pessimistas. De fato, a articulação e o “tom” emotivo parecem ensejar uma descrição. Todavia, é evidente que o autor pretende dar conta ou explicar a situação total da condução das orquestras pelos músicos, mas em especial pelos gestores (afinal, se são gestores, então são responsáveis pelo estado de coisas), o que se realiza pelo recurso a artifícios de natureza retórica que enumeram certas situações para delas retirar uma causa geral (situações particulares ou efeitos > induzem uma causa geral). 2. (4,5 pontos) Apresente os argumentos a seguir sob a forma silogística tradicional, e indique, para cada um deles, a qualidade e a quantidade das premissas e da conclusão, a figura e o modo. a) Nenhum remédio que possa ser comprado sem receita médica é uma droga suscetível de criar dependência, portanto, alguns narcóticos não são drogas que criem dependência, porque alguns narcóticos são remédios que podem ser comprados sem receita médica. [E] Nenhum remédio que possa ser comprado sem receita médica (M) é uma droga suscetível de criar dependência (P) [I] alguns narcóticos (S) são remédios que podem ser comprados sem receita médica (M) [O] alguns narcóticos (S) não são drogas (suscetíveis de criarem) que criem dependência (P) Maior – Universal negativa [E] Menor – Particular afirmativa [I] Conclusão – Particular negativa [O] Modo EIO 1ª Figura M – P S – M S – P b) Alguns filósofos são homens de ação; daí, alguns soldados são filósofos, porque todos os soldados são homens de ação. [I] Alguns filósofos (P) são homens de ação (M) [A] Todos os soldados (S) são homens de ação (M) [I] alguns soldados (S) são filósofos (P) Maior – Particular afirmativa [I] Menor – Universal afirmativa [A] Conclusão – Particular afirmativa [I] Modo IAI 2ª Figura P – M S – M S – P c) Nenhum homem cujo interesse primordial seja vencer eleições é um verdadeiro liberal, e todos os políticos ativos são homens cujo interesse primordial é ganhar eleições, o que implica que nenhum liberal verdadeiro é político ativo. [A] Todos os políticos ativos (P) são homens cujo interesse primordial é ganhar eleições (M) [E] Nenhum homem cujo interesse primordial seja vencer eleições (M) é um verdadeiro liberal (S) [E] Nenhum liberal verdadeiro (S) é político ativo (P) Maior – Universal afirmativa [A] Menor – Universal negativa [E] Conclusão – Universal negativa [E] Modo AEE 4ª Figura P – M M – S S – P d) Todas as coisas boas devem ser aceitas. Nenhuma ditadura é uma coisa boa. Consequentemente, algumas ditaduras não devem ser aceitas. [A] Todas as coisas boas (M) são coisas que devem ser aceitas (P) [E] Nenhuma ditadura (S) é uma coisa boa (M) [O] Algumas ditaduras (S) não são coisas que devam ser aceitas (P) Maior – Universal afirmativa [A] Menor – Universal negativa [E] Conclusão – Particular negativa [O] Modo AEO 1ª Figura M – P S – M S – P e) Nenhum dos jogadores foi ferido. Alguns dos jogadores erraram os exercícios. Assim, ninguém que errou os exercícios ficou ferido. [E] Nenhum jogador (M) é uma pessoa que ficou ferida (P) [I] Alguns jogadores (M) são pessoas que erraram os exercícios (S) [E] Nenhuma pessoa que errou os exercícios (S) é uma pessoa que ficou ferida (P) Maior – Universal negativa [E] Menor – Particular afirmativa [I] Conclusão – Universal negativa [E] Modo EIE 3ª Figura M – P M – S S – P 3. (1,5 pontos) Para o enunciado “Alguns não-fumantes não são bêbados” indique: a) a sua contraditória b) a sua subcontrária c) a sua contrária da contraditória d) a sua obversa e) a sua obversa da subcontrária escrevendo explicitamente cada uma das sentenças solicitadas, e apontando o seu tipo geral no quadrado das oposições. Observem que a sentença original é um enunciado particular negativo [O], sendo Sujeito (S): não-fumantes Predicado (P): bêbados Portanto, fazendo uso do quadrado das oposições, temos que: a) a sua contraditória é uma [A], Todo S é P: Todo não-fumante é bêbado b) a sua subcontrária é uma [I], Algum S é P: Algum não-fumante é bêbado c) a contrária de [A] é uma [E], Nenhum S é P: Nenhum não-fumante é bêbado d) a obversa de [O] é uma [I], Algum S é não-P: Algum não-fumante é não-bêbado (= eq.lógica) e) a obversa da subcontrária é uma [O], Algum S não é não-P: Algum não-fumante não é não-bêbado
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