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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 1 1 Sumário DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ............................................................. 3 Distúrbios de Aprendizagem: uma questão de nomenclatura .......................... 11 Dificuldades de Aprendizagem em uma Perspectiva Interacionista ................. 16 Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade/Impulsividade (TDAH/I) 23 O PSICOPEDAGOGO E AS INTERVENÇÕES NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ............................................................................................. 30 A PSICOPEDAGOGIA E AS INTERVENÇÕES NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ............................................................................................. 32 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO FRACASSO ESCOLAR ........... 32 AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ...................................................... 34 DÉFICIT DE APRENDIZAGEM ........................................................................ 35 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E ALGUMAS INTERVENÇÕES POSSÍVEIS ...................................................................................................... 36 O TRABALHO E A INTERVENÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NA ESCOLA .... 36 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA SALA DE AULA ........................ 38 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA JUNTO À FAMÍLIA ......................... 40 A CLÍNICA PSICOPEDAGÓGICA E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ......................................................................................................................... 42 Modalidades de aprendizagem ........................................................................ 46 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 49 2 FACUMINAS A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 3 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Essa breve reflexão sobre dificuldades de aprendizagem pretende abordar aspectos que explicarão porque alguns alunos se sentem bloqueados ou encontram dificuldades no processo natural de aprendizagem. Um aluno com insucesso escolar transporta um peso frustracional muito grande convertendo-se em um sentimento de autodesvalorização que se não for percebido acarretará ainda mais prejuízos no desenvolvimento da sua personalidade. Se o convívio familiar for adequado e qualitativamente estimulado, a criança conseguirá desenvolver melhor suas aptidões que terão um papel imprescindível na aprendizagem, pois desta forma busca-se atingir a superação das situações-problema da escolaridade. Segundo Fonseca (1995), muitas das aprendizagens se adquirem por imitação e por simples interação social, outras, porém, só se adquirem em situações estruturadas, que exigem a participação e midiatização de um adulto científica e culturalmente preparado. Será que todos os alunos se beneficiam do ambiente adequado antes de entrar para a escola? Durante o período de aprendizagem escolar, estarão os pais disponíveis para proporcionar os reforços emocionais necessários? Baseado nestas questões, Fonseca comenta a etiologia das dificuldades de aprendizagem que pode ser abordada em dois níveis: endógeno e exógeno. O aspecto endógeno é de origem biológica e sua influência em termos de desenvolvimento e o aspecto exógeno é de origem social desencadeada por condições de pobreza e privação cultural. 4 Quanto aos fatores endógenos (biológicos), pode-se afirmar que as causas genéticas são indispensáveis para esclarecer as causas relacionadas às dificuldades de aprendizagem. Desta forma, oportuniza-se um diagnóstico detalhado em busca de maiores informações para o processo de intervenção do psicopedagogo. Nesta perspectiva de descobrir as causas das dificuldades de aprendizagem é importante enfatizar que neurologicamente até os trinta meses de vida, o cérebro está em acelerada formação, razão pela qual, qualquer lesão poderá comprometer irreversivelmente o potencial de aprendizagem, quer verbal ou não verbal. Justamente pelo processo natural em que o cérebro se desenvolve é de suma importância que a escola não insista na maturação precoce do hemisfério esquerdo uma vez que o seu desenvolvimento se dá num ritmo mais acelerado a partir dos seis anos. Este lado do cérebro sendo responsável pelas regras, organização, lógica, símbolos (letras e números), parâmetros, compreensão do tempo, relatividade, apresenta um amadurecimento lento. É comprovado pela neuropsicologia que a criança começa a aprender a partir das funções do hemisfério direito que amadurece mais precocemente desde o nascimento. A fase inicial do processo ensino aprendizagem (5 a 6 anos) deve ter como objetivo o raciocínio e a aprendizagem assistemática e não a aprendizagem de conteúdos formais. Até os sete anos o desenvolvimento primordial é do hemisfério direito, tendo ainda um raciocínio pré-lógico, necessitando de um trabalho concreto, pois este hemisfério consegue assimilar a linguagem das cores, formas, criatividade, música, arte, dramatização, jogo e imaginação. É de extrema importância que os profissionais da educação tenham consciência de que não adianta exigir do cérebro o que ainda não pode 5 5 proporcionar, pois se não tiver maturação, a assimilação da aprendizagem não acontece. Luria defende a ideia de que a motivação abre as estruturas de aprendizagem, tendo em vista que aumenta a capacidade dos neurônios de estabelecerem sinapses. Portanto, para ser motivado o aluno precisa ser respeitado no seu aspecto neurológico, não sendo então confrontado com o conteúdo de forma antecipada, respeitando assim o seu tempo maturacional. O processo de aprendizagem é desencadeado a partir da motivação e está intimamente ligado às relações de troca que se estabelece com o meio, principalmente, seus professores e colegas. Nas situações escolares, o interesse é indispensável para que o aluno tenha motivos para se apropriar do conhecimento. Da mesma forma que o cérebro apresenta sequelas quanto ao seu aspecto maturacional, também será prejudicado devido à má nutrição neste período crítico da vida. A deficiência proteica nessa fase poderá deixar rastros de perturbação, de descontrole da atenção, motricidade, hiperatividade, de instabilidade emocional, etc. O reflexo dessas condições alimentares será refletido não só no tamanho do cérebro, como no desenvolvimento intelectual. Justificam-se certos comprometimentos no cérebro, tendo em vista que as células do cérebro são incapazes de se regenerarem, ao contrário da dos outros órgãos. No que se refere às questões neuropsicológicas, não podemos deixar de destacar agrande importância dos fatores emocionais e afetivos e a relação com a mãe durante o período crítico do desenvolvimento da linguagem. A interação afetiva e linguística entre a mãe e o filho de zero a quatro anos determinará a maturidade emocional e o desenvolvimento cognitivo. Se a mãe não fala com o filho durante os anos iniciais de sua formação, não se interessará pelos estímulos auditivos e não captará a informação necessária para compreender e 6 falar, resultando assim em limitações linguísticas, afetando a maturidade neurológica das áreas associativas do cérebro. Os fatores exógenos (origem social) são também desencadeantes das dificuldades de aprendizagem, pois as condições desfavoráveis que vivem o aluno são indutoras de atrasos de maturação neurobiológica. As condições de pobreza provocam privações nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais e como consequência temos dificuldades de aprendizagem nos alunos oriundos de meios socioeconômicos desfavorecidos. Quanto aos fatores de envolvimento e de privação cultural, temos como resultado para o desenvolvimento do aluno consequências devastadoras. Lamentavelmente sofrem desvantagens culturais em relação às famílias das classes mais favorecidas, pois são privados de uma estimulação auditiva e linguística. As dificuldades de processamento da informação auditiva, atenção seletiva, discriminação, identificação, sequencializada, retenção, etc. tendem a prejudicar o desenvolvimento da linguagem e a elaboração de estruturas cognitivas. Como consequência de todas as questões citadas, temos por parte dos alunos, conhecimento reduzido, pensamento concreto não conceitualizado, linguagem pouco utilizada em termos introspectivo e reflexivo, falta de hábitos de leitura e de escrita, repetências escolares frequentes, poucas experiências representacionais ou simbólicas, ausência de curiosidade cultural, alienação cotidiana e outros. Estes são alguns fatores de privação cognitiva que se refletem desde muito cedo no potencial de aprendizagem dos alunos desfavorecidos. Ocorre então uma acomodação quanto às exigências curriculares, tanto por parte dos professores que veem o aluno na sua limitação, bem como por parte do próprio aluno que se esquiva dos desafios propostos por se achar incapaz; portanto acaba naturalmente excluindo a si próprio do processo ensino-aprendizagem. 7 7 É imprescindível que as escolas criem uma perspectiva preventiva das dificuldades escolares, pois é no princípio da escolarização e não no fim, que se deve otimizar o potencial de aprendizagem dos alunos. Nesta perspectiva muito se pode economizar, quer em potencial humano, quer em dinheiro. A identificação precoce das dificuldades de aprendizagem fará com que a escola não seja seletiva, uma vez que o “insucesso escolar é sinônimo de insucesso social, pois sem as aquisições escolares, o aluno fica impedido de participar eficientemente no progresso da sociedade”. Segundo pesquisas realizadas, 15% dos alunos precisam de apoio no início da escolaridade, todavia se tal intervenção tardar, a porcentagem duplica e o insucesso escolar será a tendência normal. Não é justo que esses alunos sejam excluídos porque não aprendem pelo método ou ritmo imposto pelos professores. Nesta perspectiva, podemos encontrar vultos como Einstein, Newton, Thomas Edison, Walt Disney, Abraão Lincoln, Winston Churchill e outros que foram considerados “maus alunos e repetentes”. Pergunta-se então, quantos alunos com potenciais intelectuais se perderam e se continuarão a perder? A escola, portanto, deve ser acolhedora, para inserir o aluno, fazendo-o se sentir parte do contexto escolar e que está ali para se construir enquanto sujeito. Segundo Fonseca (1995), a condição de errar é a condição de ser humano. O aluno não pode ser sistematicamente um “falhado crônico”. O insucesso deve ser projetado em termos construtivos e não em termos humilhantes, pois o aluno deve experimentar o erro sem interiorizar o sentimento de autodesvalorização. 8 Sendo assim, se faz necessário diversificar os instrumentos utilizados com aluno e manter-se vigilante para que não perca a motivação e curiosidade em aprender. Por isso, a importância da identificação precoce das dificuldades de aprendizagem citadas anteriormente para que o professor então organize uma ação efetiva sobre as necessidades do aluno. A identificação e a observação devem ser rotineiras na prática do professor, de modo a permitir amplo entendimento do desenvolvimento acadêmico e social do aluno. Paralelo a essas percepções cabe ao professor a responsabilidade de no seu planejamento oportunizar a assimilação do conteúdo, planejando suas aulas de forma diversificada e significativa, pois muitos casos de insucesso escolar é espelho do insucesso pedagógico, questão que será abordada posteriormente. É importante que os professores tenham clareza que não há método bom ou ruim. Há sim métodos que servem para determinados alunos e não para outros. Não é porque um aluno não aprende por um método que concluiremos que não aprenderá. Não podemos nos fechar num único método e sim priorizar diversas formas de ensinar, tendo em vista que cada ser humano é único, individual e tem sua forma, ritmo e momento de aprender. Precisamos criar novos contextos que se adaptem às individualidades dos alunos, partindo do que cada um sabe, de suas potencialidades e não de suas dificuldades. Para isso então, se faz necessário uma mudança de metodologia por parte dos professores, mediando os conhecimentos de forma significativa. O professor precisa ter uma visão subjetiva do aluno para poder avaliar seus avanços na aprendizagem, “pois dois indivíduos nunca seguem exatamente mesmo percurso educativo, mesmo se permanecerem de mãos dadas durante anos”. 9 9 O aluno com dificuldades de aprendizagem não possui uma inferioridade mental global e não pode ser classificado como deficiente, trata-se de uma criança normal que aprende num ritmo mais lento. Não pertence a nenhuma categoria de deficiência, mas possui um potencial normal que não é realizado em termos de aproveitamento escolar. É imprescindível ao professor das séries iniciais identificar os casos de dificuldades de aprendizagem e proporcionar as devidas intervenções preventivas, justamente pelo fato do cérebro estar em processo de maturação, pois quanto antes identificarmos o problema, mais rápido será o progresso. Fonseca destaca que a criança com dificuldades de aprendizagem não pode, por definição, ter qualquer deficiência na área visual, auditiva, mental, motora, emocional, etc. O aluno com dificuldades de aprendizagem tem uma inteligência normal, uma adequada percepção sensorial e um comportamento motor e socioemocional adequado. As dificuldades de aprendizagem dependem então de funções cognitivas, na maioria dos casos de origem orgânica, que direta ou indiretamente afetam o cérebro, verdadeiro órgão da aprendizagem. Portanto, as dificuldades de aprendizagem não podem ter como causa as discrepâncias socioeconômicas, pois se encontram em todas as camadas sociais, embora seja claro e implícito que maior número de dificuldades recai em crianças oriundas de classes desfavorecidas. Os alunos desfavorecidos social, cultural e economicamente são também desfavorecidos pedagogicamente, o que evidentemente é sob todos os pontos de vista, injusto. Sofrem mais de mau ensino, má instrução (dispedagogia), mais abstencionismo dos professores e de piores modelos de estimulação, identificação, motivação, orientação, etc. Fonseca complementa seu raciocínio afirmando que o “insucesso escolar dos alunos é apenas espelho do insucesso 10 social e pedagógico”. Observa-se então que a falha não estásó no aluno, mas muitas vezes, está no professor. Neste sentido Polity (2002) também faz a defesa considerando que o fracasso de quem aprende e o fracasso de quem ensina como inter- relacionados. A autora toma emprestado da medicina o termo iatrogenia dando- lhe um sobrenome: iatrogenia pedagógica, situação onde a prática educacional do professor gera novos problemas no lugar de solucionar os existentes. Como transformar a definição da dificuldade de aprendizagem, num processo que implique também o professor e sua dificuldade de ensinagem? É necessário destacar a importância do questionamento do fracasso de quem aprende, olhando também para o fracasso de quem ensina – ou seja, para a dificuldade de ensinagem, tendo em vista que a dificuldade de aprendizagem está relacionada à dificuldade de ensinagem. A autora faz uma distinção entre dificuldade de ensinagem no lugar de dificuldade de ensinar. A dificuldade de ensinar refere-se apenas a transmissão de um conteúdo específico. Já a dificuldade de ensinagem é basicamente relacional, pressupondo interação, onde os estados de intersubjetividade podem tornar-se significativos. Supõe então relacionamento e considera as trocas emocionais que permeiam o ato de ensinar. A ensinagem é, portanto, ensinar com a emoção e com a razão. Como exemplo, podemos deixar claro que um computador é capaz de ensinar, mas nunca será capaz de uma ensinagem, pois não existe relação afetiva entre máquina e aluno. Ensinagem abrange, portanto, a percepção emocional que professor tem de sua prática; não só como ele a pensa, mas a forma como ele a sente. 1 1 11 Aprender e ensinar são os dois lados de uma mesma moeda que se complementam, e que não podem se sustentar a não ser na relação dialética que estabelecem entre si. A autora então, convida os profissionais da educação para darem um mergulho num processo de autoconhecimento, tendo a coragem de debruçar-se sobre sua própria experiência e buscar a partir do resultado de sua ação, o seu próprio fazer. Este ato requer coragem, abertura, iniciativa do profissional que muitas vezes tem posturas de superioridade e defesa em relação a sua prática. Não podemos desistir dos nossos sonhos de melhoria da educação, tendo em vista que os alunos precisam ser respeitados como seres humanos. Para isso então é fundamental a participação de gestores atuantes e comprometidos com a melhoria da educação, além de um maior comprometimento e inteligência pedagógica por parte dos professores, pois são agentes principais na mediação do processo ensino-aprendizagem. Paralelo a todo esse contexto se encontra a psicopedagogia, que estuda e trabalha com as aprendizagens humanas tendo como objetivo oportunizar uma prática pautada na singularidade do aluno e desta forma poder intervir com um olhar distinto, único... buscando resgatar as lacunas que se perderam na trajetória escolar. Distúrbios de Aprendizagem: uma questão de nomenclatura Ao se elaborar um texto para professores sobre Distúrbios da Aprendizagem (DA), deve-se iniciar com breves palavras sobre o difícil ato de aprender e como a aprendizagem se dá e se desenvolve. Nas definições propostas por diversos autores encontra-se implícito no termo aprendizagem a relação bilateral tanto da pessoa que ensina, como também da que aprende. Assim sendo, pode-se definir mais claramente aprendizagem como um processo 12 evolutivo e constante que implica uma sequência de modificações observáveis e reais no comportamento do indivíduo (físico e biológico) e no meio que o rodeia (atuante e atuado). Esse processo se traduz pelo aparecimento de formas realmente novas (POPPOVIC, 1968). O interesse pela fisiologia da aprendizagem nasceu posteriormente a muitas dessas teorias, como resposta a perguntas que até então não tinham sido respondidas por leis gerais. Um dos aspectos fundamentais foi a valorização dos processos neurais envolvidos na aprendizagem. O cérebro humano é um sistema complexo, que estabelece relações com o mundo que o rodeia. São duas as suas especificidades: a primeira é referente às vias que levam, da periferia ao córtex, informações provenientes do mundo exterior; a segunda diz respeito aos neurônios. São estas características que permitem determinar áreas motoras, sensoriais, auditivas, ópticas, olfativas, etc., estabelecendo noções exatas e ricas no aprendizado. O aprender implica, portanto, certas integridades básicas, que devem estar presentes quando oportunidades para a aprendizagem são oferecidas. O termo Distúrbio de Aprendizagem tem sido usado para indicar uma perturbação na aquisição e utilização de informações ou na habilidade para solução de problemas (VALLET, 1977). Portanto, quando existe uma falha no ato de aprender, esta exige uma modificação dos padrões de aquisição, assimilação e transformação, seja por vias internas ou externas ao indivíduo. A tentativa de definir e esclarecer os termos relacionados a essa falha na aprendizagem tem sido uma tarefa bastante difícil. Todas as definições referem-se aos DA como um déficit que envolve algum componente de habilidades como: linguagem oral (fonologia, morfologia, semântica, sintaxe, pragmática), leitura (habilidade no uso da palavra, reconhecimento de letras, compreensão), escrita (soletrar, ditado, cópia), 1 3 13 matemática (habilidades de cálculo básico, raciocínio matemático), e nas combinações e/ou relações entre elas (NICHD, 2001). Para falar de DA cabe uma ressalva na definição do mesmo. Considero Distúrbio de Aprendizagem como uma disfunção do Sistema Nervoso Central. Portanto, um problema neurológico relacionado a uma falha na aquisição ou no processamento, ou ainda no armazenamento da informação, envolvendo áreas e circuitos neuronais específicos em determinado momento do desenvolvimento. E considero como tendo uma Dificuldade Escolar (DE) a criança que não aprende por ter um problema pedagógico relacionado à falta de adaptação ao método de ensino, à escola, ou que tenha outros problemas de ordem acadêmica. A porcentagem de crianças com DE no Brasil gira em torno de 30 a 40% da população que frequenta os primeiros anos escolares. A porcentagem de DA fica em torno de 5 a 7% nesta mesma população. Os números relacionados aos DA não mudam, mesmo em países mais desenvolvidos. Mas infelizmente esses mesmos números mudam, drasticamente, em relação à população com DE, que nestes países encontra-se em torno de 10 a 15% das crianças nos primeiros anos escolares. Os principais Distúrbios de Aprendizagem são: Dislexia Falha no processamento da habilidade da leitura e da escrita durante o desenvolvimento. A dislexia como um atraso do desenvolvimento ou a diminuição em traduzir sons em símbolos gráficos e compreender qualquer material escrito é o mais incidente dos distúrbios específicos da aprendizagem, com cifras girando em torno de 5 a 15% da população com distúrbio de aprendizagem, sendo dividida em três tipos: visual, mediada pelo lóbulo occipital; fonológica, mediada pelo lóbulo temporal; e mista, com mediação das áreas frontal, occipital, temporal e pré-frontal. 14 Disgrafia Falha na aquisição da escrita; implica uma inabilidade ou diminuição no desenvolvimento da escrita. Atinge de 5 a 10% da população escolar e pode ser dos seguintes tipos: disgrafia do pré-escolar; construção de frases; ortográfica e gramatical; caligrafia e espacialidade. Discalculia Falha na aquisição da capacidade e na habilidade de lidar com conceitos e símbolos matemáticos. Basicamente, a dificuldade está no reconhecimento do número e do raciocínio matemático. Atinge de 5 a 6% da população com DA e envolve dificuldades na percepção, memória, abstração, leitura, funcionamento motor; combina atividades dosdois hemisférios. Dentro dos distúrbios específicos da aprendizagem a Dislexia é, teoricamente, o mais comum. Porém na prática o que se vê com maior frequência é, sem dúvida, o distúrbio generalizado de leitura, escrita e raciocínio matemático. Quando se fala em DA, logo se associa o distúrbio à falta de atenção. De fato, existe uma enorme confusão relacionada ao Transtorno de Atenção com Hiperatividade (TDA/H) e os DA., mas estes conceitos não devem ser usados como sinônimos, porque representam duas entidades distintas. Pesquisas recentes afirmam que as áreas cerebrais envolvidas nos dois problemas também são especificas. A criança com TDA/H pode ou não ter dificuldade em aprender academicamente. Diferentemente do DA, a criança com TDA/H apresenta outros problemas específicos, tais como dificuldade de relacionamento e problemas de comportamento, entre outros. Considero importantíssimo frisar que tanto os DA como os TDA/H são compatíveis com inteligência normal, fato que não ocorre nos problemas de Retardo no Desenvolvimento Neuropsicomotor ou nas deficiências mentais. 1 5 15 As perguntas mais comuns em relação aos Distúrbios de Aprendizagem são: Como o professor pode detectar um distúrbio de aprendizagem e encontrar soluções para este aluno? O professor tem condição de sozinho, solucionar este problema ou deve procurar outros profissionais? O DA é, sem dúvida, o mais Inter e multidisciplinar dos temas, porque requer o envolvimento de vários profissionais e mescla, em seu conteúdo, as áreas de saúde, educação e assistência social. Atualmente, o professor, sozinho em sala de aula, não consegue detectar os DA, mas pode avaliar com precisão as DE. Enquanto o DA requer uma equipe de diagnóstico especializada, além de trabalhos de intervenção e remediação, a DE só requer um professor capacitado e condições para que ele possa desenvolver adequadamente o seu trabalho, fato que nem sempre acontece em nossas escolas. Se o professor, em sala de aula, puder atender as crianças com problemas de ordem acadêmica com recursos e integração de informações, com certeza apenas uma parte dessa população procurará os profissionais especializados. O professor deve estar preparado para a árdua tarefa de lidar com disparidades. Antes de tudo é preciso saber avaliar, saber distinguir, saber e querer mudar, respeitar cada criança em seu desenvolvimento, habilidades, necessidades e individualidade, porque só dessa forma a aprendizagem será efetiva e a escola cumprirá o seu papel. Como a família e a escola podem ajudar o aluno com distúrbio de aprendizado? A família tem papel fundamental na aprendizagem porque deve estimular, motivar e promover a criança. A escola deve abrir-se e enfrentar um problema real, sofrer mudanças, procurar soluções e parcerias. 16 Não existe criança que não aprenda. Ela sempre irá aprender, algumas de modo mais rápido, outras mais lentamente, mas a aprendizagem, com certeza absoluta, se processará, independentemente da via neurológica usada, mas utilizando-se de uma associação infalível, baseada em uma vertente básica: ambiente adequado + estímulo + motivação + organismo. Talvez essa seja a chave que procuramos para encaminhar os Distúrbios de Aprendizagem e as Dificuldades de Escolaridade. Dificuldades de Aprendizagem em uma Perspectiva Interacionista O interacionismo do qual vamos tratar aqui se funda a partir desta premissa de Vygotsky (1994): (...) desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social (...) (p. 33). Isso significa dizer que as conquistas da criança não são solitárias, se constroem a partir das primeiras interações com seus cuidadores. Nessas interações, a linguagem é a principal mediadora. Refletir sobre como o interacionismo aborda dificuldades de aprendizagem não é uma tarefa fácil. Tal dificuldade deve-se a dois fatores que se articulam: poucos são os relatos sobre práticas efetivamente interacionistas e, consequentemente, inconsistentes ainda são as conclusões a que podemos chegar a partir desses relatos. Se pensarmos historicamente, o interacionismo no Brasil só agora começa a se constituir como uma tendência educacional. Para entendermos o que significa “dificuldade de aprendizagem” é essencial que entendamos, antes, quais os pressupostos sobre aprendizagem que estão em questão. Para isso, lançaremos mão das ideias de um autor contemporâneo que investiga as origens culturais da aquisição do conhecimento humano. Tomasello (2003) acredita que: O incrível conjunto de habilidades 1 7 17 cognitivas e de produtos manifestado pelos homens modernos é o resultado de algum tipo de modo ou modos de transmissão cultural únicos da espécie (p.5). Isso significa dizer que a transmissão da cultura de geração a geração tal como acontece na espécie humana caracteriza uma “evolução cultural cumulativa”. Esse processo exige que os homens ajam criativamente sobre as invenções já existentes, aperfeiçoando-as, e as transmitam socialmente de maneira que o recém-inventado artefato ou prática preserve sua forma nova e melhorada de modo bastante fiel, pelo menos até que surja outra modificação ou melhoria. Nessa perspectiva há três tipos de aprendizagem social: 1) por imitação, quando um indivíduo vê o outro exercendo determinada atividade e é capaz de reproduzi-la; 2) por instrução, quando um indivíduo se beneficia dos ensinamentos formais de outrem para adquirir determinado conhecimento; 3) por colaboração, quando o exercício de determinada atividade se dá de maneira participativa, favorecendo a aprendizagem. Todas essas aprendizagens se devem à capacidade de cada ser humano compreender os co-específicos (outros seres humanos) como seres iguais a ele, com vidas mentais e intencionais iguais às dele. Essa compreensão permite aos indivíduos imaginarem-se “na pele mental” de outra pessoa, de modo que não só aprendem do outro, mas através do outro. Nas palavras de Tomasello (2003): Essa compreensão dos outros como seres tão intencionais como si mesmos é crucial na aprendizagem cultural humana, porque os artefatos culturais e a prática social – prototipicamente exemplificados pelo uso de ferramentas e de símbolos linguísticos – apontam, invariavelmente, para além deles mesmos (...). Os ferramentais apontam para os problemas que elas foram feitas para resolver, e símbolos linguísticos apontam para as situações comunicativas que eles se destinam a representar. Portanto, para aprender 18 socialmente o uso convencional de uma ferramenta ou de um símbolo, as crianças têm de chegar a entender por que, para que fim exterior, a outra pessoa está usando a ferramenta ou o símbolo; ou seja, têm de chegar a entender o significado intencional do uso da ferramenta ou prática simbólica – “para que” serve o que “nós”, os usuários dessa ferramenta ou desse símbolo, fazemos com ela ou ele. (p. 7) Devemos aqui ressaltar a importância atribuída por Toma-sello à necessidade de que a criança entenda para que serve a “ferramenta” que lhe está sendo disponibilizada. Ou seja, é necessário que a criança atribua significado àquilo que aprende para que, de fato, se aproprie desse conhecimento. Até aqui abordamos de maneira mais teórica a aquisição do conhecimento. A partir de agora veremos, na hipótese de toma-sello (2003), como a criança, de fato, aprende. Entre um e três anos de idade, as crianças são verdadeiras “máquinas de imitação”, já que sua resposta natural a muitas situações é fazer o que estão fazendo as pessoas à sua volta, e o que criam é ainda limitado. No entanto, por volta dos quatro ou cinco anos, o equilíbrio entre a tendência a imitar e a tendência a criar as próprias estratégiascognitivas se altera, pois nessa idade as crianças já internalizaram muitos pontos de vista diferentes, sobretudo por meio do discurso linguístico, o que lhes permite refletir e planejar sozinhas de maneira mais autorregulada – embora as ferramentas com que fazem isso sejam culturais, na origem. A cognição na primeira infância, ou seja, até os seis ou sete anos de idade, se dá a partir de três fatores: a compreensão de objetos; a compreensão de outras pessoas; 1 9 19 a compreensão de si mesmo. Nessa fase, mais precisamente aos nove meses de vida, acontece o que Tomasello (2003) chamou de “revolução”: a emergência da atenção conjunta. A atenção conjunta consiste no acompanhamento do olhar da criança para onde os adultos estão olhando. Esta, por sua vez, exige um envolvimento conjunto (a criança envolve-se com os adultos em sessões relativamente longas de interação social mediadas por um objeto) e uma referência social (a criança “usa” os adultos como pontos de referência social). A partir daí, ocorre a aprendizagem por imitação – a criança age sobre os objetos da maneira como os adultos estão agindo sobre eles. A atenção conjunta é vista como o alicerce para a cognição social. Tomasello nos leva ainda a concluir que a referência linguística é um ato social no qual uma pessoa tenta fazer com que outra dirija sua atenção para algo do mundo. O autor acrescenta que se deve reconhecer o fato empírico de que a referência linguística só pode ser entendida dentro do contexto de certos tipos de interação social ou “cenas de atenção conjunta”, tal como foi explicitada acima. Um exemplo claro sobre o contexto de interação a ser considerado vem a seguir, nas palavras do autor: Suponhamos, por exemplo, que um americano se encontra numa estação de trem húngara quando um falante nativo se aproxima e começa a falar com ele em húngaro. É muito improvável que nessa situação o visitante americano adquira o uso convencional de qualquer palavra ou frase húngara. Mas suponhamos agora que o americano vai até o guichê onde são vendidos os bilhetes de trem e começa a falar com o bilheteiro húngaro tentando obter uma passagem. Nessa situação, é possível que o visitante aprenda algumas palavras e frases em húngaro porque, nesse contexto, os dois interagentes compreendem respectivamente os objetivos interativos um do outro quanto a obter informações 20 sobre horários de trens, comprar um bilhete, trocar dinheiro, etc. – objetivos expressos diretamente por meio da execução de ações significativas e previamente entendidas, tais como dar a passagem e trocar dinheiro (...) A cena referencial simbolizada na linguagem concerne, pois, apenas a um subconjunto de coisas que ocorrem nas interações intencionais da cena de atenção conjunta. (Tomasello, 2003, p. 150) Wittgenstein, filósofo austríaco, foi o primeiro a defender a ideia de que a intenção comunicativa sempre dependerá do contexto no qual se enuncia algo. Não existe significado a priori, ou ainda: qualquer significado pode ser subvertido pelo uso que fazemos dele. Dificuldades no processo Até aqui falamos sobre o curso do desenvolvimento considerado normal para a aquisição do conhecimento. O que nos interessa mais especificamente, neste artigo, é compreender, no interior de uma abordagem interacionista, as dificuldades do processo de aprendizagem. São inúmeros os fatores que possibilitam que uma criança apresente dificuldades de aprendizagem: fatores biológicos, sociais, emocionais, pedagógicos, etc. Não pretendemos subestimar a dificuldade encontrada no trabalho pedagógico com crianças com graves déficits cognitivos. Essa discussão se funda justamente no momento em que se intensifica a discussão sobre os direitos humanos daqueles que são considerados diferentes. Não é fácil construir um contexto interativo quando um ou mais membros de um grupo de crianças possuem déficits cognitivos. Necessário é, portanto, entender que cada criança vai significar o contexto à sua volta de acordo com as suas possibilidades e não haverá grade curricular capaz de esquadrinhar esse processo. Cabe à escola e a cada profissional da educação contextualizar, 2 1 21 sempre que for possível, os conteúdos que a escola deve sistematizar para as crianças. Iniciativas interacionistas nos mostram que quase sempre é possível fazê-lo, como o professor de física que leva seus alunos para a estação do metrô para estudarem MRU (Movimento Retilíneo Uniforme), ou a professora de biologia que propõe que os alunos da quinta série do ensino fundamental criem invenções funcionais para enfrentar o racionamento de energia elétrica. Talvez o melhor exemplo de como um conteúdo vivenciado pode ser facilmente compreendido pela criança seja a aprendizagem da linguagem. Nas palavras de Alves (2001): Imaginem que o ensino da linguagem se desse em escolas, segundo os moldes de linha de montagem que conhecemos: aulas de substantivos, aulas de adjetivos, aulas de verbos, aulas de sintaxe, aulas de pronúncia. O que aconteceria? As crianças não aprenderiam a falar. Por que é que a aprendizagem da linguagem é tão perfeita, sendo tão informal e tão sem ordem certa? Porque ela vai acontecendo seguindo a experiência vi- tal da criança: o falar vai colado à experiência que está acontecendo no presente. Somente aquilo que é vital é aprendido. Por que é que, a despeito de toda pedagogia, as crianças têm dificuldades em aprender nas escolas? Porque nas escolas o ensinado não vai colado à vida. (p. 48) Ainda em Alves (2001), Albuquerque, educador e pai de alunos da Escola da Ponte, nos fala sobre como a diferença pode ser experiência nessa escola. Ele nos conta que, enquanto um de seus filhos jogava no computador, o irmão mais velho acompanhava seu desempenho, quando, de repente, ouviu-se uma frase seca dita pelo último: “Ó, Francisco, pareces deficiente!”. Francisco manteve-se impávido. Nem uma resposta, nem uma só palavra. Uma hora depois, durante o banho, Francisco perguntou ao seu pai: “Os deficientes têm cura?”. A mensagem parecia ter seguido o seu curso e uma hora depois tilintava ainda em sua cabeça. Aquela pergunta poderia estar sendo feita por várias razões. Titubeante, o pai respondeu que dependia. Que havia coisas que se 22 podiam curar e outras que não. Para dar-lhe um exemplo, pegar no concreto, para que Francisco percebesse que seu pai queria dizer, perguntou: “Sabes quem é a Rute, da sala da Mônica?” (ele se referia a uma menina com síndrome de Down que frequentava a mesma escola de Francisco). “Claro, papá!” – disse ele. E continuou o pai: “Achas que a Rute é diferente, tem alguma coisa diferente?” “Não, papá, é parecida com a Clara...” (a menina chinesa da sala do Francisco). O pai, então, desistiu do exemplo. Percebeu que essa diferença não tinha entrado ainda na vida de Francisco, e concluiu... o ensino fundamental vai tratar de lhe incutir esse conceito. Nessa escola, a Escola da Ponte, em Portugal, não há indiferença, mas também não há o discurso nem a prática da diferença, da norma ou do desvio. Na Escola da Ponte, deficiente não é adjetivo, nem substantivo. (p.p. 89-90) Para concluir, falar de dificuldades de aprendizagem em uma perspectiva interacionista pressupõe entender: • em primeiro lugar: toda dificuldade deve ser considerada, em primeiríssima instância, como uma interferência no processo de mediação. Esgotada essa possibilidade, aí sim, deve-se começar a pensar em alguma outra causa; • o conceito de inteligência de Vygotsky (1993) como uma “capacidade de beneficiar-se da instrução” deve ser sempre considerado. Se a criança não puder se beneficiar do que a escola pode proporcionar a ela, a escola – e não a criança – deve rever suas estratégias de ação; • porfim: a escola deve ser vista como o espaço, por excelência, onde a sistematização do conhecimento acontece, nada menos do que isso. Procuramos aqui tratar da dificuldade de aprendizagem em uma abordagem interacionista, sem mencionar as especificidades de cada uma delas. Cabe ressaltar, porém, que práticas multidisciplinares têm demonstrado, 2 3 23 cada vez mais, atingir os objetivos estipulados para o acompanhamento de crianças e adolescentes que apresentam algum tipo de interferência em seu processo de aprendizagem. Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade/Impulsividade (TDAH/I) O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é muito mais comum do que se imagina, mas muito pouco conhecido pelos pais e professores. A imprensa e os programas de televisão têm divulgado várias matérias sobre o assunto, mostrando as dificuldades do diagnóstico e explorando o uso de excitantes para o tratamento, gerando muita confusão tanto para pais quanto para professores em torno do TDAH. O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é nosso conhecido há muito tempo. Já em 1865, o médico alemão Heinrich Hoffman descreveu em seu livro infantil “Pedro despenteado” características de crianças hiperativas e desatentas, nas histórias de “Felipe irrequieto” e “João olha para o ar”. Frequentemente, os pais se queixam que seu filho é muito agitado, não pára quieto um minuto, não fixa atenção em qualquer tarefa, anda pela sala perturbando o irmãozinho, todos os brinquedos estão quebrados, não consegue aguardar a sua vez, quando vê televisão incomoda quem está ao lado, mexe-se o tempo todo, parece que não escuta o que não lhe interessa mas está ligado em tudo ao redor; não avalia o perigo, não fica sentado quieto, não obedece a ordens, não sabe ouvir um não, atrapalha os colegas durante as aulas, seus trabalhos escolares são mal feitos e bagunçados, não gosta de estudar em casa, seu rendimento escolar é baixo. Por vezes, enfrenta e desafia os adultos. Esta é a criança tida como avoada, estabanada, que vive no mundo da lua, tem bicho carpinteiro. 24 Por muitos séculos, este tipo de criança foi punida, discriminada e considerada como um enorme desafio para os pais e professores. Incidência O TDAH é o distúrbio do neurodesenvolvimento mais comum na infância. A prevalência do TDAH é de 3 a 7% das crianças em idade escolar. Isto quer dizer que, em escolas pequenas com 200 alunos, de 6 a 14 crianças apresentam esse quadro. O início é precoce, geralmente antes dos 5 anos de idade. Ocorre mais em meninos que em meninas, em uma relação de 4:1, segundo alguns autores, mas observamos até 2:1. Os sintomas de hiperatividade estão mais presentes nos meninos e os de desatenção mais presentes em meninas. O TDAH não é restrito à infância. Em adultos, constitui o transtorno neuropsiquiátrico, não diagnosticado, mais frequente. Os sintomas de TDAH se modificam com a maturidade. As crianças apresentam hiperatividade motora, agressividade, baixa tolerância à frustração e impulsividade. Adolescentes e adultos apresentam sintomas de distração, desatenção, mudança frequente das atividades, irritabilidade, impaciência, agitação. Pelo menos 50% das crianças com TDAH continuam a apresentar o quadro na vida adulta. O transtorno acompanha a maioria dos pacientes ao longo de suas vidas, nos diversos contextos. As consequências individuais (incluindo a baixa estima), familiares e sociais geram sempre algum grau de incapacidade e sofrimento, associado a prejuízo significante do desempenho escolar e profissional. Entretanto, existe tratamento contínuo, objetivando melhora em todas as áreas prejudicadas pelo TDAH. Histórico 2 5 25 Estudada detalhadamente desde o século retrasado, vem sofrendo várias alterações de nomenclatura. Em 1902, George Still descreveu com detalhes vários casos de crianças com TDAH. Em 1934, Eugene Kahn e Louis Cohen, estudando a encefalite letárgica que ocorrera em 1917/1918 e que deixara nas pessoas atingidas sequelas como hiperatividade, impulsividade e labilidade emocional, suspeitaram da existência de uma lesão neurológica que, a partir de 1960, foi denominada de Lesão Cerebral Mínima, a famosa DCM. Na década de 70, os termos mais utilizados foram Síndrome Hipercinética e Hiperatividade. Em 1987, o distúrbio recebeu o nome de Distúrbio de Déficit Atenção/hiperatividade (DDA/H) pelo Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DSM-III). Atualmente, a Classificação Internacional das Doenças (CID-10) denomina o distúrbio de Transtorno Hipercinético. O Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DSM IV) denomina o distúrbio de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Impulsividade (TDAH/I). A causa do transtorno não é totalmente conhecida até o momento, existindo várias teorias para seu aparecimento, tais como: predisposição genética, comprometimento do lobo frontal e anormalidades nos gânglios da base, sugerindo a hipótese de uma disfunção fronto-estriata. As pesquisas mais recentes apontam para disfunções em neurotransmissores dopaminérgicos e no adrenérgicos, que atuam na região cortical do lobo frontal do cérebro, justamente uma região relacionada à inibição de comportamentos inadequados, à capacidade de prestar atenção, ao autocontrole e ao planejamento. Estudos em gêmeos idênticos adotados por duas famílias diferentes, têm apontado para os genes como causa do TDAH. 26 Algumas das crianças portadoras desta doença foram bebês que apresentaram distúrbio do sono e irritabilidade sem causa definida. Diagnóstico O diagnóstico do TDAH é essencialmente clínico, envolvendo critérios específicos. Os sintomas centrais do TDAH são: graus inadequados no desenvolvimento da atenção, da atividade motora e da impulsividade, resultando em comprometimento clinicamente significativo das funções sociais, acadêmicas ou profissionais. Os sintomas surgem antes dos 7 anos de idade e persistem por pelo menos 6 meses, em dois ou mais ambientes (como casa, escola, locais de lazer). Os critérios para determinação da idade de início dos sintomas têm sido questionados. Embora a hiperatividade, geralmente, seja notada antes dos sete anos, pode não acontecer mesmo com a falta de atenção. É fundamental para o diagnóstico que os sintomas persistam por, pelo menos seis meses, em dois ou mais ambientes (casa, escola, locais de lazer). O déficit de atenção tem sido definido pela presença de, pelo menos, seis de nove características descritas abaixo: DESATENÇÃO • Frequentemente, falha em dar atenção a detalhes ou comete erros por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou em outras atividades. • Frequentemente, tem dificuldades em manter a atenção nas tarefas ou nas brincadeiras. • Frequentemente parece não escutar, quando não falam diretamente com ele. 2 7 27 • Frequentemente, não consegue seguir instruções, deixando de terminar as tarefas escolares, domésticas ou deveres no trabalho (não devido a comportamento de oposição ou por não conseguir entender as instruções). • Frequentemente, tem dificuldade na organização de tarefas e atividades. • Frequentemente, evita, não gosta ou fica relutante em se envolver em tarefas que exijam esforço mental contínuo (como as lições em classe e em casa). • Frequentemente, perde objetos necessários às tarefas ou atividades (brinquedos, solicitações da escola, lápis, livros ou apetrechos pessoais). • Frequentemente é facilmente distraído por estímulos externos. • Frequentemente se esquece de suas atividades diárias. A hiperatividade-impulsividade é definida pela presença de seis de nove comportamentos, seis dos quais se relacionam com hiperatividadee três com impulsividade. HIPERATIVIDADE • Frequentemente, mexe as mãos ou os pés, ou se mexe muito quando sentado. • Frequentemente sai da carteira em sala de aula, ou em outras situações em que se espera que permaneça sentado. • Frequentemente, corre ao redor ou trepa nas coisas em situações em que essa atitude não é apropriada (em adolescentes ou adultos, isso pode ser limitado a sensações subjetivas de inquietação). • Frequentemente, tem dificuldades em brincar ou de se envolver em atividades de lazer de forma tranquila. 28 • Frequentemente, está “pronto para decolar” ou age como se estivesse “movido por um motor”. • Frequentemente, fala excessivamente. IMPULSIVIDADE • Frequentemente, responde de forma intempestiva antes que as perguntas sejam terminadas. • Frequentemente, tem dificuldade em esperar a vez. • Frequentemente, se intromete ou interrompe os outros (conversas ou jogos). Os critérios diagnósticos são divididos em dois grupos: 1. desatenção 2. hiperatividade/impulsividade. Sendo assim podemos ter três subtipos de TDAH: a) TDAH com predomínio de sinais de Desatenção b) TDAH com predomínio de sinais de Hiperatividade/impulsividade c) TDAH do tipo combinado O papel da equipe O tratamento é multidisciplinar e enfoca as áreas cognitiva, emocional, social e pedagógica, visando evitar os desajustes sociais (uso de drogas, furtos, alcoolismo, agressões), que aparecem com frequência na evolução destas crianças. Aproximadamente, 70% das crianças com TDAH/I respondem às drogas estimulantes do SNC, tais como metilfenidato. Outras drogas como imipramina, nortriptilina, bupropiona, clonidina e atomoxetina, constituem importantes 2 9 29 adjuvantes ao tratamento clínico, com melhora no desempenho escolar, diminuição da atividade motora, impulsividade e agressividade. O papel do neuropediatra consiste, essencialmente, em reconhecer a forma de tratamento prioritário para cada criança, lembrando que, em nosso país, onde não existem centros de reabilitação unificados, é preciso usar o bom senso para não correr o risco de sobrecarregar a criança e a família com excesso de terapias, agravando, ainda mais, o problema já existente. Dependendo da criança, a indicação para tratamento pode ser variada: psicomotricista, psicopedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo. O papel da escola O TDAH apresenta um grande impacto no desenvolvimento educacional da criança. O risco de fracasso escolar é duas a três vezes maior em crianças com TDAH do que em crianças sem o transtorno e com inteligência equivalente. Déficits de atenção significativos, associados ou não à hiperatividade, frequentemente comprometem o rendimento escolar, uma vez que a atenção seletiva é essencial para a aprendizagem em geral. As crianças com TDAH têm dificuldade em manter a atenção durante um tempo prolongado e selecionar informações relevantes para estruturar e realizar uma tarefa determinada. A dificuldade acentua-se em trabalhos com o grupo, uma vez que nestes casos é necessária a atenção sustentada e seletiva, para a absorção da quantidade e variedade de informações apresentadas. Os sintomas do TDAH, na escola, evidenciam a dificuldade em terminar os trabalhos na sala de aula ou de participar tranquilamente de uma equipe de esportes. A criança se envolve em atividades improdutivas, tanto durante a aula, como no recreio, se comparada a seus colegas. O professor pode observar uma discrepância entre o potencial intelectual e o desempenho escolar do aluno, mesmo em crianças com inteligência acima da média. O professor é, com 30 frequência, quem primeiro percebe quando um aluno apresenta problemas de atenção, aprendizagem, comportamento, ou emocional/afetivo e social. O primeiro passo a ser dado é verificar o que realmente está ocorrendo. É importante evitar situações de fracasso contínuo que levem a uma desvinculação progressiva do processo de aprendizagem e ao aumento da dificuldade de interação com os adultos e mesmo com os colegas. Atualmente, não se concebe uma escola exclusiva para portadores de TDAH, uma vez que o convívio com colegas da mesma idade é benéfico. Assim lhes é apresentada a oportunidade de aprender a lidar com regras e com os limites de uma estrutura organizada. A escola que melhor atende as necessidades destas crianças é aquela que tem como objetivo o desenvolvimento do potencial de cada um, respeitando as características individuais, sempre reforçando os pontos fortes e auxiliando na superação dos pontos fracos, evitando que os problemas da criança sejam personalizados e que o aluno seja rotulado (preguiçoso, avoado, indisciplinado, dispersivo, agressivo, desajeitado e desastrado). A comunicação entre a escola e a família é muito importante, permitindo a troca de experiências entre pais e professores. Saber que se passa com a criança ou o adolescente durante o tempo em que está em um dos dois ambientes (lar/escola) é extremamente útil para a composição do quadro real. Alguns autores recomendam a comunicação escrita diária, se necessária, tendo como objetivo a cooperação e não a cobrança ou rivalidade. O PSICOPEDAGOGO E AS INTERVENÇÕES NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM O psicopedagógico: escutar, olhar, deter-se nas fraturas do discurso, observar e relacionar com o que aconteceu previamente à fratura, descobrir o 3 1 31 esquema de ação subjacente, ou seja, busca-se a repetição dos esquemas de ação, e interpretar a operação mais do que o conteúdo. Averígua-se que a psicopedagogia utiliza os termos “ensinantes e aprendentes" para denominar o par educativo que comumente conhecemos por professor e aluno. Pensa-se que para a psicopedagogia esses papéis alternam- se o tempo inteiro, no processo ensino- aprendizagem vista pela psicopedagogia também se aprende sobre nós, sobre a nossa forma de ensinar, na qual, o outro nos serve de espelho. Deseja-se como todo professor querer que os alunos acertem sempre, mas deve-se adquirir um novo olhar sobre o erro na aprendizagem, estuda-se que o erro é um indicador de como o aluno está pensando e como ele compreendeu o que foi ensinado. Analisa-se com mais cuidado os erros dos alunos, pode-se elaborar a reformulação e práticas docentes de modo que elas fiquem perto da necessidade dos alunos e atender as dificuldades que o mesmo apresenta. A pesquisa aqui desenvolvida vem fundamenta-se nos seguintes teóricos aqui mencionados. Refletiremos nas percepções de Coll (1995), utilizaremos dos recursos da psicopedagogia de Bossa (2002) e Scoz (1994); buscaremos fundamentos teóricos metodológicos com base nas intervenções Psicopedagógicas de Rubinstein (1996). Procura-se nesse trabalho desenvolver uma pesquisa ação, onde o foco da temática é o aluno inserido no primeiro do ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Evaldo Gomes, diagnosticando os fatores maléficos que interferem na aprendizagem, seus diferentes estágios, e as diferentes teorias que podem transformar o trabalho do professor em processo científico e assim ele percorrerá o caminho prática- teoria- prática e conseguirá ter êxito em sua dinâmica de sala de aula. 32 Avalia-se o enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem em crianças com déficit de atenção compreende os processos de desenvolvimento e os caminhos da aprendizagem, entende-se o aluno de maneira interdisciplinar, busca-se apoio em várias áreas do conhecimento e analisa-se aprendizagem no contexto escolar, familiar e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico. A pesquisa ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativosda situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. O papel do professor, com uma visão psicopedagógica, é ser um investigador dos processos de aprendizagem de seus alunos, evitando que o problema de aprendizagem leve a um fracasso escolar. A PSICOPEDAGOGIA E AS INTERVENÇÕES NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO FRACASSO ESCOLAR Para Bossa (2002), a ideia do fracasso escolar teve seu surgimento no século XIX com a obrigatoriedade escolar decorridas das mudanças econômicas e estruturais da sociedade. Porém, cabe ressaltar que no período que antecede este século já havia crianças que não aprendiam, mas não eram conhecidas como tal. Durante muitos anos o fracasso escolar era visto simplesmente como uma falta de condição do aluno em adquirir conhecimentos, sendo somente de sua responsabilidade, porém, com o passar do tempo constatou-se que este 3 3 33 problema também era de responsabilidade da sociedade e principalmente da instituição escolar que não pode contribuir para exclusão social. Com base em todo cenário educacional do país hoje, fica claro afirmar que devemos repensar nossa prática educativa e partirmos do pressuposto que o fracasso escolar não é uma responsabilidade somente do aluno, mas também da escola, família e de todos que estão envolvidos no processo de ensinar- aprender. Se aceitarmos o fato de sermos diferentes, temos que atentar para a necessidade de construirmos práticas pedagógicas que valorizem e aproveitem toda bagagem de conhecimentos construída pelo aluno no decorrer de sua caminhada escolar. Na atualidade, várias pesquisas têm sido realizadas na busca de compreender o fracasso escolar na alfabetização tendo em vista os problemas que a leitura e a escrita apresentam à educação (PATTO, 1996; MICOTTI, 1987; SCOZ, 1994). Essas pesquisas indicam a existência de problemas no processo de ensino-aprendizagem da linguagem na primeira série, isto é, problemas relativos à alfabetização, pois é na primeira série que normalmente ocorre à alfabetização. O educando chega à escola com um grande número de experiências, de aprendizagens que são ignoradas pelo professor, pois mesmo antes de ingressar na escola a criança já possui inúmeras vivências que deveriam servir como ponto de partida das atividades do professor. A criança, mesmo não reconhecendo os símbolos do alfabeto, já "lê" o seu meio, estabelecendo relações entre significante e significado. A escola deve dar continuidade a esse processo defendendo a livre expressão da criança, pois com isso o educando enfrentará com mais tranquilidade a grande aventura do primeiro ano escolar: aprender a ler e escrever. Nesse sentido, é necessário que os educadores tenham conhecimentos que lhes possibilitem compreender sua prática e os meios necessários para 34 promoverem o progresso e sucesso dos alunos. Uma das maneiras de se chegar a isso é através das contribuições que a Psicopedagogia proporciona, pois é a área que estuda e lida com o processo da aprendizagem e com os problemas dele decorrentes. Sua nova visão vem sendo apresentada pela Psicopedagogia e vem ganhando espaço nos meios educacionais brasileiros, despertando o interesse dos profissionais que atuam nas escolas e buscam subsídios para sua prática. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM De acordo com Grigorenko; Ternem Berg, (2003, p.29): Dificuldade de aprendizagem significa um distúrbio em um ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos no entendimento ou no uso da linguagem, falada ou escrita, que pode se manifestar em uma aptidão imperfeita para ouvir, pensar, falar, ler, escrever, soletrar ou realizar cálculos matemáticos. Quando a criança começa a ler, a maioria dos alunos tende a ver as palavras como imagens, com uma forma particular ou um padrão. Eles tendem a não compreender que uma palavra é composta de letras usadas em combinações particulares, que correspondem ao som falado. É essencial que os alunos sejam ensinados e aprendam a arte básica de decodificação e soletração desde o início. A ação de escrever exige também da parte da criança uma ação de análise deliberada. Quando fala, ela tem consciência das operações mentais que executa. Quando escreve, ela tem de tomar consciência da estrutura sonora de cada palavra, tem de dissecá-la e produzi-la em símbolos alfabéticos que tem de ser memorizado e estudado de antemão. Para Smith; Strick, (2001, p.14) dificuldades de aprendizagem são “... problemas neurológicos que afetam a capacidade do cérebro para entender, recordar ou comunicar informações”. Um todo, objetivando facilitar o processo 3 5 35 de aprendizagem. O ser sob a ótica da Psicopedagogia é cognitivo, afetivo e social. É comprometido com a construção de sua autonomia, que se estabelece na relação com o seu "em torno", à medida que se compromete com o seu social estabelecendo redes relacionais. A dificuldade de aprendizagem nessa definição é entendida e trabalhada com um agente dificultador para a construção do aprendiz que é um ser biológico, pensante, que tem uma história, emoções, desejos e um compromisso político-social. "A Psicopedagogia tem como meta compreender a complexidade dos múltiplos fatores envolvidos nesse processo" (RUBINSTEIN, 1996, p. 127). Nem sempre a Psicopedagogia foi entendida da forma como aqui está caracterizada. A Psicopedagogia, inicialmente, começou tendo como pressuposto que as pessoas que não aprendiam tinham um distúrbio qualquer. Bossa, (2002, p. 42) esclarece que: A preocupação e os profissionais que atendiam essas pessoas eram os médicos, em primeira instância e, em seguida Psicólogos e Pedagogos que pudessem diagnosticar os déficits. Os fatores orgânicos eram responsabilizados pelas dificuldades de aprendizagem na chamada época "patologizante" A criança ficava rotulada e a escola e o sistema a que ela pertencia, se eximiam de suas responsabilidades: ‘Ela (a criança) tem problemas’. DÉFICIT DE APRENDIZAGEM A criança com amadurecimento intelectual, emocional e físico suficientes para aceitar com naturalidade as importantes modificações da rotina de vida que surgem com a vida escolar, que tenha sido previamente preparada para a socialização extrafamiliar e que entre em uma escola com maleabilidade suficiente para atender suas necessidades específicas, deverá se adaptar rapidamente. 36 A inadaptação geralmente é revelada por queixas do tipo: recusa em ir à escola, agressividade, passividade, desinteresse, instabilidade emocional, comportamento desordeiro, somatizações. Quando surgem dificuldades, toda a relação "família-criança-escola" encontra-se alterada. Frente a uma criança específica, em última análise, pode- se dizer que a escolha daquela escola, naquele momento, não foi adequada; a criança é normal; porém, não correspondem às expectativas da família, que escolheu a escola segundo suas expectativas; a criança é normal, mas ainda imatura para a escolarização - a criança não é normal e precisa de uma atenção mais diferenciada! A criança, com incapacidade de aprendizagem, no início, se relacionará bem com as demais crianças, não é hiperativa e geralmente gosta de escola. Desde o momento em que o jardim de infância enfoca a maior extensão do desenvolvimento social, muito mais do que o aprendizado, a criança com incapacidade de aprendizado poderá dar-se muito bem neste nível escolar. A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E ALGUMAS INTERVENÇÕES POSSÍVEIS O TRABALHO E A INTERVENÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NA ESCOLA A atuação do Psicopedagogo na instituição visa a fortalecer lhe a identidade, bem como buscar o resgate das raízes dessa instituição, ao mesmo tempo em que procura sintonizá-la com a realidade que está sendovivenciada no momento histórico atual, buscando adequar essa escola às reais demandas da sociedade. Durante todo o processo educativo, procura investir numa concepção de ensino-aprendizagem que: 3 7 37 Fomente interações interpessoais; Incentive os sujeitos da ação educativa a atuarem considerando integradamente as bagagens intelectuais e moral; Estimule a postura transformadora de toda a comunidade educativa para, de fato, inovar a prática escolar; contextualizando-a; Enfatize o essencial: conceitos e conteúdos estruturantes, com significado relevante, de acordo com a demanda em questão; Oriente e interaja com o corpo docente no sentido de desenvolver mais o raciocínio do aluno, ajudando-o a aprender a pensar e a estabelecer relações entre os diversos conteúdos trabalhados; Reforce a parceria entre escola e família; Lance as bases para a orientação do aluno na construção de seu projeto de vida, com clareza de raciocínio e equilíbrio; Incentive a implementação de projetos que estimulem a autonomia de professores e alunos; Atue junto ao corpo docente para que se conscientize de sua posição de “eterno aprendiz”, de sua importância e envolvimento no processo de aprendizagem, com ênfase na avaliação do aluno, evitando mecanismos menores de seleção, que dirigem apenas ao vestibular e não à vida. Nesse sentido, o material didático adotado, após criteriosa análise, deve ser utilizado como orientador do trabalho do professor e nunca como o único recurso de sua atuação docente. Com certeza, se almejamos contribuir para a evolução de um mundo que melhore as condições de vida da maioria da humanidade, nossos alunos precisam ser capazes de olhar esse mundo real em que vivemos interpretá-lo, decifrá-lo e nele ter condições de interferir com segurança e competência. Em sua obra “A Psicopedagogia no Brasil- Contribuições a Partir da Prática”, Nádia Bossa registra o termo prevenção como referente à atitude do profissional no sentido de adequar as condições de aprendizagem de forma a evitar comprometimentos nesse processo, Partindo da criteriosa análise dos fatores que podem promover como dos que têm possibilidade de comprometer o processo de aprendizagem, a Psicopedagogia Institucional elege a metodologia e/ou a forma de intervenção com o objetivo de facilitar e/ou 38 desobstruir tal processo, o que vem a ser sua função precípua, colaborando, assim, na preparação das gerações para viver plenamente a complexidade característica da época. Sabemos que o aluno de hoje deseja que sua escola reflita a sua realidade e o prepare para enfrentar os desafios que a vida social apresenta, portanto não aceita ser educado com padrões já obsoletos e ultrapassados. A psicopedagogia trabalha e estuda a aprendizagem, o sujeito que aprende, aquilo que ele está apontando como a escola em seu conteúdo sociocultural. É uma área das Ciências Humanas que se dedica ao estudo dos processos de aprendizagem. Podemos hoje afirmar que a Psicopedagogia é um espaço transdisciplinar, pois se constitui a partir de uma nova compreensão acerca da complexidade dos processos de aprendizagem e, dentro desta perspectiva, das suas deficiências. (FABRICIO, 2000, p. 35). Surgiu da necessidade de melhor compreensão do processo de aprendizagem, comprometida com a transformação da realidade escolar, na medida em que possibilita, mediante exercício, análise e ação reflexiva, superar os obstáculos que se interpõem ao pleno domínio das ferramentas necessárias à leitura do mundo e atuação coerente com a evolução e progresso da humanidade, colaborando, assim, para transformar a escola extemporânea, que não está conseguindo acompanhar o aluno que chega a ela, em escola contemporânea, capaz de lidar com os padrões que os alunos trazem e de se contrapor à cultura de massas predominante, dialogando com essa cultura. A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA SALA DE AULA Para tanto, juntamente com toda a Equipe Escolar, o Psicopedagogo estará mobilizado na construção de um espaço concreto de ensino- aprendizagem, espaço este orientado pela visão de processo, através do qual todos os participantes se articulam e mobilizam na identificação dos pontos principais a serem intensificados e hierarquizados, para que não haja ruptura da 3 9 39 ação, e sim continuidade crítica que impulsione a todos em direção ao saber que definem e lutam por alcançar. Considerando a escola responsável por parcela significativa da formação do ser humano, o trabalho psicopedagógico na instituição escolar, que podemos chamar de psicopedagogia preventiva, cumpre a importante função de socializar os conhecimentos disponíveis, promover o desenvolvimento cognitivo e a construção de normas de conduta inseridas num mais amplo projeto social, procurando afastar, contrabalançar a necessidade de repressão. Assim, a escola, como mediadora no processo de socialização, vem a ser produto da sociedade em que o indivíduo vive e participa. Nela, o professor não apenas ensina, mas também aprende. Aprende conteúdos, aprende a ensinar, a dialogar e liderar; aprende a ser cada vez mais um cidadão do mundo, coerente com sua época e seu papel de ensinantes, que é também aprendente. Agindo assim, a maioria das questões poderá ser tratada de forma preventiva, antes que se tornem verdadeiros problemas. Diferente de estar com dificuldade, o aluno manifesta dificuldades, revelando uma situação mais ampla, onde também se inscreve a escola, parceira que é no processo da aprendizagem. Portanto, analisar a dificuldade de aprender inclui, necessariamente, o projeto pedagógico escolar, nas suas propostas de ensino, no que é valorizado como aprendizagem. A ampliação desta leitura através do aluno permite ao psicopedagogo abrir espaços para que se disponibilizem recursos que façam frente aos desafios, isto é, na direção da efetivação da aprendizagem. No entanto, apesar do esforço que as escolas tradicionalmente dispendem na solução dos problemas de aprendizagem, os resultados do estudo psicopedagógico têm servido, muitas vezes, para diferentes fins, sobretudo quando a escola não se dispõe a alterar o seu sistema de ensino e acolher o aluno nas suas necessidades. Assim, se a instituição consagra o armazenamento do conteúdo como fator de soberania, os resultados do estudo 40 correm o risco de serem compreendidos como a confirmação das incapacidades do aluno de fazer frente às exigências, acabando por referendar o processo de exclusão. Escolas conteudistas, porém menos "exigentes", recebem os resultados do estudo como uma necessidade de maior acolhimento afetivo do aluno. Tornam-se mais compreensivas, mais tolerantes com o baixo rendimento, sem, contudo, alterar seu projeto pedagógico. Mantém, assim, o distanciamento entre o aluno e o conhecimento. Nelas também ocorre o processo de exclusão. O estudo psicopedagógico atinge plenamente seus objetivos quando, ampliando a compreensão sobre as características e necessidades de aprendizagem daquele aluno, abre espaço para que a escola viabilize recursos para atender as necessidades de aprendizagem. Desta forma, o fazer pedagógico se transforma, podendo se tornar uma ferramenta poderosa no projeto terapêutico. A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA JUNTO À FAMÍLIA Na formação do indivíduo, a família desempenha papel fundamental, pois desde o nascimento a criança começa a interagir com as pessoas que convivem, e aos poucos vão aprendendo a se socializar e adquirindo características semelhantes às dessas pessoas. Essas características irão influenciar no desenvolvimento intelectual e psicológico, por toda a vida, embora passe por constantes alterações e adaptações dependendo do meio em que conviver posteriormente. A criança sofre alterações do meioem que vive e ao crescer, começa a ter uma vida social mais ampla, como na escola, por exemplo, e nessa vivencia, descobrirá coisas novas, se relacionará com pessoas diferentes das quais está acostumada, surgindo novidades que também influenciará no seu desenvolvimento pessoal. Segundo Coll (1995, p. 251), a família, principalmente durante os anos escolares, deveria educar as crianças em um ambiente democrático: “[...] são os 4 1 41 estilos educativos democráticos, por sua judiciosa combinação de controle, afeto, comunicação e exigências de maturidade, os que propiciam um melhor desenvolvimento da criança”. Se a criança não tiver uma base sólida na família, com uma educação democrática, afetuosa, crítica, de valores positivos, as características pessoais podem sofrer alterações radicais, direcionando a mesma às boas ou más atitudes. Os pais precisam dar o suporte necessário para que a escola possa fazer a sua parte e deixar a sociedade, de uma maneira geral, satisfeita com os resultados obtidos com essa parceria. Na educação, a escola sempre teve um papel fundamental, e hoje, além da função de ensinar para a cidadania e para o trabalho, tem também que passar os valores fundamentais para a vida do indivíduo, sendo que esse papel também deveria ser de comprometimento familiar. Com o tempo, foram sendo atribuídas mais funções às escolas, principalmente pela influência econômica, política e social, e, Segundo Libâneo (2003, p. 139), “a revolução de 1930 representou a consolidação do capitalismo industrial no Brasil e foi determinante para o consequente aparecimento de novas exigências educacionais”. A intervenção psicopedagógica voltada também para a família poderá ajudar no real conhecimento delas, caso não estiverem claras ou forem apenas parcialmente compreendidas, criando a possibilidade de compreensão do outro, a adequação de papéis e de limites. Assim, o trabalho psicopedagógico requer do especialista uma real percepção de si, de maneira a não se deixar levar pelos próprios valores durante a intervenção. Isso porque o reconhecimento de um problema de aprendizagem e a intervenção mais adequada para solucioná-lo será resultado da bagagem cultural que ele traz consigo e que interferirá na sua capacidade de observação e análise de cada caso. 42 Também sua postura frente à aprendizagem terá grande influência sobre o trabalho com a família e na possibilidade de seus membros resinificarem e sentirem segurança em seus papéis de ensinantes e aprendente. A atuação psicopedagógica, enquanto protetora e facilitadora das relações, repercutirá em envolvimento na manutenção de um sistema familiar com uma saudável circulação do conhecimento, possibilitando o equilíbrio de poder entre seus membros, clareza na definição de papéis e de limites. Enfim, a intervenção psicopedagógica buscará não se limitar à compreensão da dificuldade, mas à aquisição de novos comportamentos que levem à sua superação. A CLÍNICA PSICOPEDAGÓGICA E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Existem muitos fatores que interferem no processo de aprendizagem, porém a criança não é a única responsável pelos problemas que enfrenta ou que se encontra. Mas também, não é a busca de culpados por esses problemas que permitirá encontrar soluções. Para Bossa (2002 apud ESCOTT, 2004) é preciso o psicopedagogo ter clareza de que a dificuldade de aprendizagem não se dá isoladamente, mas precisa ser compreendida como um sintoma social, cultural, epistemológico e individual, que se manifesta na dimensão da singularidade do sujeito. Na realidade, para compreender os problemas que surgem na aprendizagem, necessita-se um processo de interação, fora desse não existirá compreensão. Os problemas necessitam ser analisados considerando o processo interativo existente para haver a aprendizagem. Dessa forma o psicopedagogo precisa ter um olhar e uma escuta aprofundada a todos os momentos do processo. Segundo Paín (1989, apud ESCOTT, 2004, p. 28), 4 3 43 [...] podemos considerar o problema de aprendizagem como sintoma, no sentido de que o não-aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa numa constelação peculiar de comportamentos, nos quais se destaca como sinal de descompensação. A mesma autora aponta diferenças nas causas e manifestações da não- aprendizagem. A dificuldade de aprendizagem pode apresentar-se como um sintoma, mascarando a repressão de algum acontecimento no qual o aprender tem seu significado, outra possibilidade se dá pela inibição cognitiva, que diz respeito a uma retratação intelectual do ego. E ainda, tem-se como terceira possibilidade o comportamento reativo em relação às propostas escolares. Neste caso, a dificuldade de aprendizagem está fora do sujeito, pois corresponde às inadequações das propostas escolares às necessidades da criança e às diferenças de ideologia entre escola e grupo social familiar. Escott (2004) assinala que o sintoma do não-aprender tem um significado funcional dentro da estrutura na qual está inserido o sujeito. Nas dificuldades de aprendizagem sintoma, aprender torna-se um fato ameaçador e, portanto, fonte de sofrimento, de repulsa e de desprazer. “Podemos dizer que o que é percebido pelo próprio sujeito ou pelos outros é chamado de sintoma. Com o sintoma o sujeito sempre diz alguma coisa aos outros, se comunica, e sobre o sintoma sempre se pode dizer algo”. (WEISS, 2004, p.28). O sintoma é, portanto, o que surge da personalidade em interação com o sistema social em que está inserido o sujeito. Para Fernández e Paín (apud BOSSA, 2000a, p. 88), o problema de aprendizagem pode ser gerado por causas internas ou externas à estrutura familiar e individual, ainda que sobrepostas. Os problemas ocasionados pelas causas externas são chamados por essas autoras de problemas de aprendizagem reativos, e aqueles cujas causas são internas à estrutura de 44 personalidade ou familiar do sujeito denominam-se sintoma. Segundo as autoras, quando se atua nas causas externas, o trabalho é preventivo. Na intervenção em problemas cujas causas estão ligadas à estrutura individual e familiar, o trabalho é terapêutico. “Para entender o significado do problema de aprendizagem sintoma, deveremos descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar e aproximar-nos da história individual do sujeito e da observação de tais níveis operando”. (FERNÁNDEZ, 1991, p.82). Fernández (1991) fez uma analogia para se compreender a diferença entre o problema de aprendizagem reativo e o sintoma, podendo ser comparados com a diferença que existe entre a desnutrição e a anorexia, pois na desnutrição falta a comida, mas existe a vontade de comer e na anorexia o fator é outro, existe a comida, mas por algum motivo o sujeito não come. Em ambos existe o fato de não comerem, porém o motivo disso é diferente em cada caso. De acordo com essa comparação, no sintoma, existem as possibilidades de aprendizagem, como a comida existe para o anoréxico, porém se perdeu a vontade de aprender. E no problema chamado de reativo, pode-se comparar com o desnutrido, pois nesse caso o sujeito deseja aprender, mas não são ou não foram proporcionadas situações de aprendizagens viáveis. “Assim como em todas as classes sociais pode aparecer a anorexia, em todas as situações socioeducativas pode aparecer o problema de aprendizagem- sintoma”. (FERNÁNDEZ, 1991, p. 83). Ainda para Fernández (1991), é de grande importância ter-se claro o que é a desnutrição (fracassos escolares) e o que é a anorexia (problemas de aprendizagem), para que dessa forma se possa fazer a intervenção antes que algum deles seja produzido, pois, em muitos casos, um pode vir a surgir do outro, ou seja, um sujeito com desnutrição pode vir a
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