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Natalia Quintino Dias Câncer de esôfago As lesões benignas do esôfago são raras, e em geral encontradas durante exames de rotina (endoscopias ou avaliações radiográficas do esôfago). A maioria é pouco comum e não causa sintomas. Quanto à apresentação, podem ser elevadas, planas ou císticas. Alguns exemplos são leiomiomas — os mais frequentes —, schwannomas, linfangiomas, hemangiomas, pólipos fibrovasculares (fibromas, fibrolipomas, miomas e lipomas), tumores de células granulares e adenomas. Com relação às neoplasias malignas, as variantes celulares histológicas são poucas: o carcinoma espinocelular (CEC) e o adenocarcinoma de esôfago correspondem, juntos, a cerca de 95% das neoplasias malignas do órgão. Em geral, são doenças de prognóstico ruim, já que aproximadamente 50 a 60% dos pacientes com câncer esofágico apresentam doença localmente incurável ou metastática na apresentação inicial. Carcinoma espinocelular Até há algum tempo, o carcinoma epidermoide, também conhecido como carcinoma espinocelular, era o tipo histológico mais frequente, entretanto estudos americanos têm apontado incidência semelhante atualmente entre ele e o adenocarcinoma. No restante do mundo ainda predomina o CEC (ainda é a maioria dos casos no Brasil, mas aqui também se observa crescente aumento da incidência dos adenocarcinomas). As principais afecções predisponentes são megaesôfago, com risco 16 vezes maior do que a população geral (a estase esofágica aumenta a concentração de nitritos), estenose cáustica e, raramente, tilose (hiperceratose palmoplantar e papilomatose de esôfago, que constitui a única síndrome genética comprovadamente associada ao câncer de esôfago), síndrome de Plummer- Vinson e divertículos de esôfago. Fatores de risco Entre os fatores agressivos e pró-carcinógenos da mucosa esofágica, destacam-se o tabagismo e o etilismo. Outros fatores de risco, como a ingestão de compostos nitrosos, sílica e alimentos contaminados por fungos, também são conhecidos, além da ingesta de alimentos muito condimentados em grande quantidade ou em temperaturas muito altas (como exemplo, no Sul do Brasil, o chimarrão). Outros fatores dietéticos citados como de risco são a ingestão de carne vermelha e baixos níveis de zinco e selênio. Natalia Quintino Dias Adenocarcinoma É mais frequente em caucasianos e no sexo masculino (6:1). Dois fatores vêm sendo relacionados com o aumento da incidência desse tipo de câncer: a obesidade (por aumentar o risco de doença do refluxo) e a doença do refluxo gastroesofágico (a maioria origina-se da região onde há Barrett). Quanto maior o tempo de doença do refluxo gastroesofágico (acima de 20 anos) e sintomas mais graves, maior o risco. A obesidade apresenta RR maior de adenocarcinoma quanto maior o Índice de Massa Corpórea (IMC). O esôfago de Barrett, decorrente da ação prolongada do refluxo gastroesofágico, é considerado fator predisponente (risco 30 vezes maior do que na população geral, mas com risco absoluto baixo, de cerca de 0,12% ao ano). Tabagismo, obesidade, doença do refluxo gastroesofágico e baixa ingesta de frutas e vegetais estão presentes em quase 80% dos casos. Anatomia patológica O principal sítio de ocorrência do CEC de esôfago é o terço médio, com mais de 50% dos casos, seguido pelo esôfago inferior e, por último, esôfago cervical. As áreas de estreitamento anatômico são especialmente suscetíveis. Originam-se de pequenos pólipos, epitélio desnudo ou placas. Essas lesões precoces podem não ser vistas à endoscopia; a cromoscopia com lugol pode facilitar o diagnóstico, pois o iodo cora o epitélio escamoso, que contém glicogênio. As lesões malignas não se coram, devido à ausência do glicogênio. Lesões mais avançadas costumam se caracterizar por massas ulceradas e infiltrativas. É notório o comportamento biológico agressivo desse tumor, ao infiltrar-se localmente e acometer gânglios linfáticos adjacentes ou metastizar amplamente pela via hematogênica, comprometendo principalmente fígado, pulmões e ossos. A ausência de serosa favorece a disseminação local do tumor. Por contiguidade, pode ocorrer invasão da árvore traqueobrônquica, da aorta (fatores de irressecabilidade). O adenocarcinoma, relacionado ao esôfago de Barrett, costuma aparecer em indivíduos mais jovens e com melhores condições nutricionais. A maioria dos tumores está localizada próximo à Junção Esofagogástrica (JEG) e apresenta-se como úlcera, nódulo ou alteração da mucosa no Barrett. Tende a comportar-se de maneira menos agressiva do que o CEC, em especial no que tange à disseminação. Entretanto, devido às características anatômica, uma vez que ocorre a disseminação, o adenocarcinoma pode metastizar para linfonodos e órgãos a distância. Como se localiza no esôfago distal, pode ser classificado de acordo com Siewert. Classificação de Siewert Considera-se adenocarcinoma da JEG todos os tumores com um epicentro nos 5 cm proximais ou distais da linha Z anatômica. Tipo I: tumor do esôfago distal, com centro da neoplasia entre 1-5cm acima da JEG. Tipo II: tumores verdadeiros da cárdia, com centro da neoplasia entre 1-2cm abaixo da JEG. Tipo III: tumores subcardiais, com centro da neoplasia entre 2-5cm abaixo da JEG, que infiltra a JEG e o esôfago distal de baixo para cima. A cirurgia em cada caso é diferente, pelo fato de a disseminação linfonodal dos tumores também ser Natalia Quintino Dias diferente. Os tumores Siewert III são considerados neoplasias gástricas e tratados como tal. Quadro clínico A disfagia progressiva é o sintoma mais frequente, que se inicia com dificuldade para a ingestão de sólidos, evoluindo para alimentos pastosos e, em seguida, para líquidos. Disfagia geralmente é referida quando o tumor de esôfago acomete mais de 50% da luz do órgão (diâmetro menor do que 13 mm). Ocorrem, também, perda rápida de peso (devido a disfagia, alterações na dieta e anorexia associada ao tumor), odinofagia e regurgitação. Perda de sangue crônica é comum e pode resultar em anemia ferropriva (a anemia é frequentemente potencializada pela desnutrição). Sangramento digestivo agudo é raro e resulta de erosão da aorta ou das artérias brônquicas ou pulmonares pelo tumor. Na fase avançada da doença, pode ocasionar sintomas decorrentes da invasão de estruturas adjacentes, como tosse e expectoração (fístula esofagobrônquica, complicação tardia com expectativa de vida menor do que quatro semanas, e/ou aspiração), dor torácica ou rouquidão (invasão dos nervos laríngeos recorrentes com paralisia da prega vocal) e síndrome de Claude Bernard-Horner (pela invasão do gânglio estrelado). A doença pode se disseminar para linfonodos subjacentes e supraclaviculares que, quando palpáveis, recebem o nome de sinal de Troisier. Diagnóstico diferencial - Estenose por refluxo: disfagia é lenta e referida junto ao apêndice xifoide. - Megaesôfago: disfagia e os achados do exame de esôfago-estômago-duodeno (EED) e manometria fazem o diagnóstico. - Divertículo faringoesofágico: idade avançada, disfagia alta que se acentua durante a ingestão, abaulamento cervical durante a refeição e regurgitação. EED faz o diagnóstico. Diagnóstico A seriografia de esôfago-estômago-duodeno (EED) pode sugerir câncer esofágico, mas o diagnóstico definitivo é estabelecido com biópsia via endoscopia. A endoscopia digestiva alta está indicada para todos os casos suspeitos de câncer de esôfago, pois permite o diagnóstico histopatológico por biópsia. A associação de cromoscopia com lugol à EDA permite uma avaliação mais detalhada da mucosa, identificando áreas não coradas, que podem representar neoplasia, facilitando biópsias dirigidas. Lesões precoces aparecem à endoscopia como placas superficiais,nódulos ou ulcerações. As avançadas se apresentam como estenoses, massas ulceradas, massas circunferenciais ou extensas ulcerações. A biópsia confirma o diagnóstico e, quanto maior o número, maior a acurácia, a associação do escovado citológico com sete biópsias aumenta a acurácia para 100%. O EED com duplo contraste (ar + bário) pode detectar tumores de até 1 cm de diâmetro e comprovar eventuais fístulas traqueoesofágicas ou esofagobrônquicas ou, ainda, esofagomediastinais. Estadiamento Fundamental para o planejamento terapêutico, o estadiamento tem como objetivo avaliar a profundidade da invasão do tumor na parede esofágica, a presença de disseminação linfonodal e a ocorrência de metástases a distância. Tomografia computadorizada é o principal método no estadiamento da neoplasia de esôfago. A TC é um importante exame para avaliação de metástases em sítios de disseminação da doença (fígado, pulmão e suprarrenais) e visualização de linfadenomegalia. A laringobroncoscopia, para avaliar o comprometimento da árvore traqueobrônquica, deve ser realizada especialmente nos tumores proximais e médios torácicos, para comprovar histologicamente a invasão da árvore traqueobrônquica ou a fistulização. A ultrassonografia endoscópica é o método mais eficaz para definir a profundidade da lesão (T), muito útil para lesões precoces ou superficiais. Limitação é que não ultrapassa os tumores estenosantes. Utiliza-se a tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT), ou PET scan, com o objetivo de avaliar funcionalmente lesões suspeitas, assim como metástases a distância. Natalia Quintino Dias Tratamento A abordagem terapêutica deve sempre contar com cirurgia, radical ou paliativa, dependendo do estadiamento do tumor e do estado geral do paciente, além de quimioterapia e radioterapia. Atualmente a radioterapia pré-operatória é indicada principalmente para os tumores chamados localmente avançados, ou seja, que invadem estruturas adjacentes importantes e, por isso, tornam-se irressecáveis. Medidas pré-operatórias Avaliar o estado nutricional do paciente. Perdas ponderais maiores do que 20% do peso, queda dos níveis de albumina e linfopenia são indicadores para suporte nutricional prévio à cirurgia, que pode ser realizado por meio de sonda enteral por, no mínimo, 15 dias, reduzindo as complicações cirúrgicas. Devem ser avaliadas as funções pulmonar e cardíaca antes da cirurgia, de modo a diminuir o risco de complicações sistêmicas. Critérios para ressecção Deve-se considerar a esofagectomia para os pacientes clinicamente favoráveis e cuja lesão esteja distante mais que 5 cm do músculo cricofaríngeo. Câncer esofágico e da JEG ressecáveis • Tumores T1a, envolvendo a mucosa, mas sem envolver a submucosa, podem ser considerados para tratamento endoscópico e ablação ou esofagectomia; • Tumores da submucosa (T1b) ou mais profundos podem ser tratados com esofagectomia; • Tumores T1-T3 são ressecáveis mesmo com comprometimento linfonodal regional (N+), embora conglomerado linfonodal ou múltiplas estações linfonodais comprometidas sejam contraindicações relativas à cirurgia, a ser considerada levando em conta a idade e a performance status do paciente; • Tumores T4a com envolvimento do pericárdio, pleura ou diafragma são ressecáveis. Esofagectomia como 1ª linha de tratamento Pacientes com lesões T1-T2N0M0. Candidatos a esofagectomia após terapia neoadjuvante Pacientes com tumores torácicos ou da JEG com envolvimento de toda a espessura do esôfago (T3), com ou sem doença nodal. Selecionados pacientes T4 com invasão de estruturas locais (pericárdio, pleura e/ou diafragma somente), que podem ser ressecadas em bloco, sem evidência de doença metastática de outros órgãos (exemplos: fígado, cólon). Cirurgia -> Pacientes que toleram bem a indução e têm respostas radiográfica e endoscópica são candidatos a cirurgia em quatro a seis semanas após a quimioterapia ou quimiorradioterapia. Contraindicações relativas • Idade avançada está associada a grande morbidade pós-operatória; • Comorbidades com risco aumentado de mortalidade e complicações pós-operatórias (deiscência, infecção). Indicadores de irressecabilidade Tumores cT4b, com envolvimento do coração, grandes vasos, traqueia ou órgãos adjacentes incluindo fígado, pâncreas, pulmão ou baço são irressecáveis. Pacientes com tumores da JEG e linfonodomegalia supraclavicular e com metástase a distância, incluindo linfonodos não regionais, também são considerados irressecáveis. Ressecções radicais São abordagens aceitáveis para tumores ressecáveis: • Esofagogastrectomia à Ivor-Lewis (laparotomia + toracotomia direita); • Esofagogastrectomia à McKeown (toracotomia direita + laparotomia + anastomose cervical); • Esofagogastrectomia trans-hiatal (laparotomia + anastomose cervical); Esofagogastrectomia robótica; • Abordagem transtorácica esquerda ou toracoabdominal com anastomose torácica ou cervical. É consensual que independentemente da situação, a ressecção total seja a melhor opção terapêutica; deve, portanto, ser sempre utilizada. Após a ressecção do câncer de esôfago, tanto o estômago quanto o cólon podem ser utilizados na anastomose, mas é mais utilizada a esofagogastroplastia, em virtude da facilidade técnica.
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