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Natalia Quintino Dias Obstrução intestinal Obstrução intestinal = ausência de trânsito, seja pode causa mecânica ou funcional, em território de intestino delgado ou cólon. Classificações e terminologias As obstruções intestinais podem ser mecânicas ou funcionais e, em relação à altura da obstrução, altas ou baixas. também podem ser chamadas de suboclusões ou obstruções em alça fechada. Obstruções mecânicas: são aquelas em que, naturalmente, existe um efeito mecânico impedindo a progressão do bolo alimentar, apesar de uma peristalse adequada e aumentada proximalmente. Obstruções funcionais: são aquelas em que, na realidade, não há um efeito mecânico gerando esse impedimento ao trânsito, mas sim um comprometimento da peristalse adequada por um quadro de base. Obstruções altas: do intestino delgado. Obstruções baixas: dos cólons. “Suboclusão” ou “semioclusão”: se refere a um quadro de obstrução parcial. Seja mecânica ou funcional, há prejuízo do trânsito, sem total interrupção, porém um mecanismo de represa. “Obstrução em alça fechada”: significa uma obstrução distal e proximal naquela alça. Um cólon obstruído, com a válvula ileocecal competente, é uma obstrução em alça fechada, assim como um volvo de sigmoide ou uma hérnia interna de intestino delgado. A alça obstruída em alça fechada tem maior chance de isquemia e complicação perfurativa. Etiologias No intestino delgado (obstrução alta), a principal etiologia é a aderência pós-operatória. Outra causa: episódios recorrentes de inflamação intracavitária e a carcinomatose peritoneal. A segunda principal causa de obstrução do delgado são as hérnias abdominais. Nos cólons (obstrução baixa), a principal etiologia obstrutiva é o câncer colorretal: um paciente maior de 45 anos, com sangramento digestivo e alteração do hábito intestinal, que, de repente, obstrui com clínica de obstrução mais baixa. Em pacientes com obstrução baixa, o toque retal pode evidenciar, além de uma ampola retal vazia, a presença de um tumor retal obstrutivo. A segunda principal etiologia, nos cólons, é o volvo de sigmoide: uma torção do sigmoide sobre o eixo do mesocólon sigmoide, gerando uma obstrução. Tal doença é mais típica em pacientes idosos, cronicamente constipados, talvez acamados ou institucionalizados. Quadro clínico Dor abdominal (é um abdome agudo) + parada de eliminação de flatos e fezes, podem ocorrer náuseas e vômitos, RHA presentes e ampola retal vazia. Quanto mais alta a obstrução, mais intensos e precoces os vômitos. Ao exame físico, há importante distensão abdominal e hipertimpanismo à percussão. Quanto mais baixa a obstrução, maior a distensão abdominal. À ausculta abdominal, numa obstrução mecânica, os ruídos hidroaéreos estão francamente aumentados (metálicos). Ruídos reduzidos apontam para um quadro funcional ou para um caso mecânico já complicado com perda da viabilidade das alças. Ao toque retal, o examinador detectará a ampola retal vazia. A presença de fezes na ampola retal fala a favor de um transtorno funcional (embora não possa se descartar um quadro com conteúdo distal à obstrução ainda não eliminado numa diarreia Natalia Quintino Dias paradoxal). Além disso, pode-se detectar um tumor obstrutivo no reto. Diarreia paradoxal: episódios de eliminação diarreica do conteúdo intestinal distal, jusante à obstrução. O que acontece: no momento em que o paciente obstruiu ainda havia conteúdo intestinal para distal. Ele, então, tenta vencer a obstrução e aumenta a intensidade e potência peristáltica – em todo o tubo digestivo. Com isso, a parte distal que não tem obstrução é eliminada numa diarreia hiperperistáltica. Conduta inicial Jejum + sonda nasogástrica para descompressão + hidratação EV vigorosa + ATB* (se necessário) + exames laboratoriais + radiológicos simples. * se febre, leucocitose ou sinais sépticos. Topografando a obstrução - radiografia A radiografia permite topografar a obstrução no delgado e/ou no cólon. Qualquer que seja a topografia, os achados abrangem as dilatações de alças e a presença de níveis hidroaéreos. Obstruções de delgado As alças dilatadas e com níveis hidroaéreos têm distribuição mais central na imagem e pode-se perceber o sinal do empilhamento de moedas, achado característico de alças de delgado dilatadas, com suas pregas coniventes salientes. Obstruções dos cólons As alças têm distribuição periférica e suas dilatações e níveis hidroaéreos são maiores. Há a identificação dos haustros colônicos – pregas não circunferenciais, incompletas, nas alças. Natalia Quintino Dias Deve-se procurar a pelve no exame de imagem. Fala muito a favor de uma obstrução mecânica a ausência de gás na ampola retal. O contrário, isto é, a presença de gás na ampola retal, sugere um transtorno funcional ou suboclusão. Tratamento definitivo Aderências Na obstrução do delgado por aderências, deve-se manter as medidas iniciais por 48 horas. Isto é, o paciente fica em jejum, com sonda nasogástrica aberta, recebendo hidratação e suporte calórico adequados, e sendo controlado do ponto de vista clínico com medidas de suporte. Nessas 48 horas, idealmente realiza-se um exame contrastado via oral, tomográfico. A tomografia contrastada oral terá valor diagnóstico, pois irá topografar a obstrução e terá ainda potencial terapêutico pelo efeito catártico de o contraste aumentar as chances de se vencer a obstrução por aderência. Caso o paciente não melhore em 48 horas (ou piore, ainda que antes), passa a ser indicado o tratamento cirúrgico: laparotomia exploradora e lise de aderências (“lise de bridas”). ● As ressecções de alças são exceção, e apenas indicadas na presença de complicações que comprometam a viabilidade de um segmento intestinal (necroses e perfurações) Hérnias Nas obstruções do delgado por hérnias, o tratamento da hérnia é o tratamento da obstrução. É importantíssimo avaliar a região inguinal e umbilical de todo paciente obstruído. O abdome cirúrgico começa na linha intermamilar e vai até a raiz das coxas. É de se esperar que essa hérnia esteja encarcerada e toda hérnia encarcerada tem potencial de estrangulamento. Portanto, a redução da hérnia não está indicada. O primeiro passo será a incisão e exploração do sítio da hérnia (inguinotomia, numa hérnia inguinal, por exemplo), seguida da avaliação do conteúdo e sua viabilidade. Se o conteúdo for viável, deve-se promover a redução cirúrgica do conteúdo, o fechamento do defeito e a hernioplastia local com tela (Lichtenstein). Se o conteúdo, porém, for inviável, deve-se realizar a enterectomia segmentar e a anastomose, ainda pela inguinotomia, e seguir na sequência ao fechamento e hernioplastia com tela. Só é necessária a laparotomia mediana e exploração da cavidade caso haja, além da necrose, perfuração da alça intestinal. Câncer colorretal O câncer colorretal apresenta-se de forma crônica. Inicialmente, há suboclusão intestinal baixa, que culmina em obstrução completa, com o crescimento do tumor. No período inicial de suboclusão, de exceção, o tratamento conservador inicial pode ser mantido no intuito de se retirar o paciente da urgência para que haja investigação adequada e um tratamento definitivo seja realizado na mesma internação. A regra aqui, porém, como em qualquer obstrução baixa, é o tratamento cirúrgico. 2 propostas cirúrgicas A escolha entre elas dependerá da gravidade do paciente e de seu prognóstico. ● A colostomia em alça, proximal ao tumor, é efetiva e segura, e se aplica na maioria dos casos: pacientes graves; comorbidades de alto risco; tumores de reto que se beneficiam de neoadjuvância posterior; e tumores de difícil ressecção. ● Em casos favoráveis, não graves, de tumores de cólon, de fácilressecção do ponto de vista técnico, o tratamento cirúrgico pode ser a ressecção cirúrgica (colectomia ou retossigmoidectomia). Feita a ressecção, a decisão por anastomose primária, ou não, passa por um raciocínio semelhante: a não anastomose (Hartmann) é o Natalia Quintino Dias procedimento seguro, e casos favoráveis podem ser anastomosados (Dixon). Paciente em estado grave, a conduta será COLOSTOMIA, DERIVAÇÃO. Se paciente em bom estado geral a despeito da obstrução, a conduta será ressecção do tumor. Colostomia em alça= um setor do intestino grosso é exteriorizado sem ressecção alguma, e tal setor, então, é aberto em sua face antimesentérica e evertido. Dessa forma, ficam expostas as 2 bocas, a proximal e a distal. A boca proximal evacuará o trânsito digestivo e a distal, de forma retrógrada, e descomprimirá o território obstruído. Volvo de sigmoide A palavra volvo/vólvulo denota rotação, torção. O volvo de sigmoide é uma torção mesoaxial (ou seja, em torno do mesocólon sigmoide). Para que isso ocorra, classicamente temos um meso com grande distância entre sua base e sua face junto ao cólon sigmoide, e cuja base é estreita, mas a face junto ao cólon sigmoide é larga, facilitando anatomicamente a torção. A obstrução por volvo de sigmoide é muito importante, pois é uma obstrução em alça fechada e há grande risco de perfuração, se não tratada a tempo. Portanto, não há conduta conservadora. Diagnosticado um volvo de sigmoide, o tratamento inicial, nos casos sem sinais de complicações, é a descompressão colonoscópica com aspiração de conteúdo fecal e passagem de sonda retal. Obtido sucesso após o procedimento, podemos aguardar até 48 a 72 horas para realizar o tratamento definitivo, que é cirúrgico: a retossigmoidectomia (com ou sem anastomose). O tratamento cirúrgico na urgência é feito quando, a princípio, há sinais de complicação: paciente grave, sinais de peritonite e um pneumoperitônio denotando a perfuração. Também é feito quando há falha da descompressão colonoscópica e insucesso na resolução do volvo. Nesses casos, realiza-se uma laparotomia exploradora de urgência e retossigmoidectomia à Hartmann (sem anastomose colorretal, com colostomia). A retossigmoidectomia à Hartmann é aquela em que se resseca o cólon sigmoide e o reto alto, sem promover anastomose. O coto retal é sepultado e o coto do cólon descendente é exteriorizado numa colostomia terminal. Pode haver volvo de ceco. Usualmente o ceco é fixo. Mas alguns pacientes têm a junção ileocecal hipermóvel, pouco fixada, predispondo ao volvo. Ele compartilha várias características do volvo de sigmoide, mas sua imagem é diferente: a base da torção aponta para a fossa ilíaca direita e há distensão do delgado associada. O tratamento não consegue ser colonoscópico, por razões técnicas, e partimos sempre para tratamento cirúrgico, preferencialmente por ressecção: hemicolectomia direita. Íleo biliar É uma causa atípica. Ocorre secundária a uma fístula colecisto-duodenal. O cálculo então atinge o tubo digestivo e causa obstrução ileal. O quadro clínico é de uma obstrução de delgado, com náuseas, vômitos, distensão abdominal, parada de eliminação de flatos e fezes, dor abdominal em cólica. Na radiografia, observa-se a Tríade de Rigler: distensão do delgado + corpo estranho na fossa ilíaca direita (o cálculo) + aerobilia (devido à fístula digestiva). O tratamento é cirúrgico, com enterotomia e retirada do cálculo. A fístula colecistoduodenal pode ser mantida de forma conservadora ou reparada num segundo momento. Transtornos funcionais O íleo adinâmico é uma obstrução alta, do delgado, que cursa com os mesmos comemorativos de uma obstrução alta mecânica (vômitos precoces, distensão moderada), porém, com RHA abolido ou reduzido (não há peristalse) → tendência a quadros suboclusivos. A Síndrome de Ogilvie é uma obstrução baixa e compartilha com sua análoga mecânica grande distensão abdominal e menores vômitos. Entretanto, na Ogilvie, além da redução dos ruídos hidroaéreos, o paciente tem, ao toque retal, fezes, e na radiografia, dilatação de todo o território colorretal, sem ponto de interrupção, com gás progredindo até o reto. O ponto de maior distensão de alças costuma ser o ceco e cólon direito → pseudo-obstrução colônica. Natalia Quintino Dias Os pacientes com obstruções funcionais têm um quadro desencadeante de base. O mais comum é o íleo adinâmico pós-operatório, relacionado ao trauma cirúrgico e sua à resposta metabólica. O paciente com íleo adinâmico pós-operatório vai se apresentar, na primeira semana após a cirurgia, com uma baixa tolerância à dieta e sintomas obstrutivos. Outras causas também são possíveis: doenças neurológicas, drogas neurotrópicas, transtornos eletrolíticos (potássio), insuficiência renal (ureia elevada), infecções, grande queimado etc. Na radiografia, as pseudo-obstruções também terão dilatação de alças de delgado e/ou cólon, com níveis hidroaéreos, com uma sutil diferença: não há ponto claro de obstrução a partir do qual não há mais distensão gasosa, e há gás até a pelve, na ampola retal. Tratamento Para a maioria dos pacientes, o tratamento é conservador: jejum, sonda nasogástrica aberta, hidratação, suporte clínico, correção de disfunções orgânicas e, sobretudo, controle do estado de base associado (medida + importante). A não resposta clínica adequada no intestino delgado tem menor gravidade. A pseudo- obstrução colônica (Ogilvie), porém, pode-se tornar grave, pois, na sobredistensão, o ceco corre risco de isquemia e de ruptura espontânea. A sobredistensão do ceco é aquela maior que 12cm na radiografia de abdome. A não resposta ao tratamento clínico inicial (ambos) ou um ceco >12cm (Ogilvie) indicam a necessidade de escalonar no tratamento: a utilização de um anticolinesterásico (prostigmina ou neostigmina) para promover trânsito. O uso de neostigima deve ser feito em ambiente intensivo pelo risco de bradiarritmia grave (deve-se ter atropina à disposição durante a realização dessa terapêutica). A Ogilvie pode necessitar de maiores intervenções na falha ao anticolinesterásico: a descompressão colonoscópica ou, em último caso, a descompressão cirúrgica (cecostomia em tubo). TC de abdome na obstrução intestinal Não solicitar TC de abdome em paciente com obstrução intestinal com sinais de peritonite. Sempre que houver dúvida diagnóstica, a tomografia será útil. Existem obstruções por fecaloma. São um misto de transtorno funcional com obstrutivo. Isso porque pacientes com perfil funcional podem não desenvolver uma pseudo-obstrução aguda, mas sim um quadro crônico constipatório e, assim, “cultivarem” um grande fecaloma que, eventualmente, obstrui. O diagnóstico se dá ao documentar-se o fecaloma de forma clínica (toque retal) ou imaginológica, num paciente com o perfil funcional. O tratamento envolve diferentes estratégias, como esvaziamento manual, diferentes métodos laxativos, colonoscopia e, em último caso, tratamento cirúrgico.