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@anabea.rs | Ana Beatriz Rodrigues 1 CIRURGIA DA UNHA ANATOMIA As unhas, lâminas córneas que se inserem nas extremidades dos dedos e artelhos, desenvolvem-se no feto como espessamentos epidérmicos e servem de proteção às extremidades digitais. A zona córnea apresenta uma parte distal, o corpo, e uma proximal, a raiz. A unha é aderente ao leito ungueal. Em correspondência à raiz está a matriz, a porção proximal do leito ungueal que produz queratina dura. A raiz é recoberta por prega de queratina mole, o eponíquio. Distalmente ao eponíquio, encontra-se a lúnula, zona esbranquiçada em forma de meia-lua. Lateral e medialmente, encontram-se as dobras laterais. O corpo da unha, na extremidade distal livre, forma ângulo agudo com o leito ungueal. A zona córnea nessa região é um pouco mais espessada e é denominada hiponíquio. A unha cresce cerca de 2,5 mm a 3 mm por mês. Esse processo requer considerável síntese de proteínas e é influenciado pela nutrição e por diversas afecções. PARONÍQUIA Paroníquia é a infecção em torno da unha. Pode ser classificada em aguda e crônica. O tratamento inadequado da paroníquia pode levar a complicações graves, pois, muitas vezes, infecções sérias da mão iniciam-se por pequenas lesões que não foram tratadas corretamente. PARONÍQUIA AGUDA Geralmente é causada pelo S. aureus e, menos comumente, pelo estreptococo beta-hemolítico e bactérias gram- negativas entéricas, que penetram na intimidade das dobras ungueais por pequenos traumatismos. É mais comum em mulheres devido ao cuidado das unhas em manicures ou a trabalhos domésticos. Inicialmente, o processo é limitado ao local de entrada do agente infeccioso. Edema e eritema ocorrem na borda lateral ou na base da unha, tornando a região acometida muito dolorosa. Nessa fase, a infecção pode ser resolvida clinicamente. Posteriormente, há formação de coleção purulenta, na borda lateral ou na base da unha, que levanta o eponíquio e pode propagar-se de um lado a outro. No estágio inicial, está indicado o tratamento clínico. Consiste na utilização de calor úmido (20 min, 3 a 4 vezes ao dia) e antibioticoterapia tópica. Nos casos mais graves, é mandatório o uso de antimicrobianos por via oral para evitar distrofia ungueal permanente. Para pacientes cujo dedo não foi exposto à flora oral, deve-se utilizar antimicrobiano com cobertura para a flora da pele, especialmente o Staphylococcus. Doxaciclina e cefalexina são medicamentos apropriados para áreas com baixa prevalência de MRSA (S. aureus resistente a meticilina). Para áreas com alta prevalência de MRSA, sulfametoxazol-trimetoprima representa boa escolha. Para pacientes com relato de exposição do dedo à flora oral (roedores de unha, chupadores de dedo), deve- se utilizar antimicrobiano com cobertura para S. aureus, E. corrodens, H. influenzae e bactérias anaeróbias produtoras de betalactamase. O medicamento de escolha é a amoxicilina/clavulanato. Outras opções incluem associação de doxaciclina, sulfametoxazol-trimetoprima ou quinolonas (ciprofloxacino ou moxifloxacino) com metronidazol ou clindamicina. Se, em 2 dias, não houver melhora dos sinais e sintomas e/ou houver a vigência de coleção purulenta, a drenagem cirúrgica está indicada. Esta consiste em introduzir o bisturi, de lâmina no, entre o eponíquio e a unha, o que provoca a saída da secreção purulenta. A pele solta deve ser seccionada com a lâmina do bisturi ou com tesoura de ponta fina. A drenagem e a secção superficial da pele podem ser conseguidas sem causar dor ou sangramento, sendo dispensável anestesia local. Após essa operação, faz-se curativo com gaze embebida em pomada de neomicina, e enfaixa-se a mão em posição anatômica. É aconselhável o paciente permanecer com a mão enfaixada e com tipoia alta durante 1 a 2 dias. Isto diminui o edema e impede a contaminação da lesão pelos afazeres diários. @anabea.rs | Ana Beatriz Rodrigues 2 Se a infecção não for tratada nesse estágio, pode haver propagação e formação de abscesso subungueal. Nesse caso, após anestesia por bloqueio dos nervos digitais, deve-se proceder à drenagem, afastando o eponíquio da unha nas bordas laterais em seu terço proximal e seccionando, na unha, dois pequenos triângulos de base lateral. A seguir, introduz-se pinça hemostática curva, pequena, tipo Halstead, entre a unha e o leito ungueal em seu terço proximal. Dois pequenos segmentos de borracha, medindo 20 × 3 mm, são obtidos recortando-se um dreno de Penrose. Esses pequenos drenos são introduzidos transversalmente sob a unha, de cada lado, em seu terço proximal. Outra técnica, mais traumática, consiste em extirpar todo o terço proximal da unha (técnica de Bunnell). Faz-se curativo com gaze embebida em pomada de neomicina, e enfaixa-se a mão em posição anatômica. É aconselhável o paciente permanecer com a mão enfaixada e com tipoia alta durante alguns dias. O curativo deve ser trocado diariamente. Os drenos são retirados gradativamente. Nesses casos, também está indicado o uso de antimicrobiano por via oral. Sempre que se drena uma paroníquia, deve-se colher material para exame bacteriológico (Gram e cultura com antibiograma) devido ao aumento da prevalência de MRSA. PARONÍQUIA CRÔNICA Consiste na inflamação crônica do eponíquio, que se torna arroxeado, edemaciado e deslocado cerca de 1 mm da lâmina ungueal. Pela compressão das dobras da unha, surge exsudato seropurulento, que pode secar e formar pequenas crostas. Na unha, vão surgindo sulcos transversais paralelos, distanciados entre si aproximadamente 1 mm, dando a ela aspecto ondulado. A paroníquia crônica acomete mais as pessoas cujas mãos estão sempre em contato com água ou expostas a ambientes úmidos e sujeitas a microtraumas repetidos que causam dano cuticular, como lavadeiras e cozinheiras. Quando a cutícula é lesada, ocorre perda da barreira epidérmica de proteção da prega ungueal proximal, que fica exposta a irritantes e alérgenos. Estes produzem dermatite de contato, responsável pela inflamação crônica. Com a perda da cutícula, a prega ungueal proximal torna- se separada da lâmina ungueal. Esse novo espaço tem papel importante na manutenção e agravamento da paroníquia, pois é receptáculo para microrganismos e irritantes que potencializam a inflamação crônica. Com o tempo, a unha retrai e torna-se espessada e arredondada. Pode ocorrer infecção secundária por Candida sp. e/ou bactérias (S. aureus, principalmente). O TRATAMENTO é prolongado e, sempre que possível, deve ser conduzido pelo dermatologista. O paciente deve abster-se de todo contato manual prolongado com a água ou exposição a ambientes úmidos, evitar microtraumas crônicos e contato com irritantes ou alérgenos. Aplicação de corticosteroides tópicos de alta potência (propionato de clobetasol a 0,05%, 1 vez ao dia, ao deitar) é tratamento de primeira escolha. Tacrolimo tópico a 0,1% pode ser outra opção terapêutica. @anabea.rs | Ana Beatriz Rodrigues 3 Quando ocorre colonização secundária por C. albicans, o uso tópico de derivados imidazólicos, aplicados pela manhã, está indicado. Nos casos graves, injeção intralesional de corticosteroides, ou até mesmo uso de corticosteroides sistêmicos (prednisona 20 mg/dia), pode ser utilizada por poucos dias, para obter redução da inflamação e da dor. Exacerbação aguda de paroníquia crônica não requer uso sistêmico de antimicrobianos, uma vez que ocorre melhora espontânea em poucos dias. Colonização por Pseudomonas requer tratamento com solução de hipoclorito de sódio ou ácido acético a 2%. Na necrose da unha, o material necrótico age como corpo estranho, e a infecção só pode ser controlada após a exérese parcial ou total da unha. Sempre que possível, deve-se ressecar apenas o terço proximal da unha, mas porvezes se impõe a retirada desta. Em qualquer dos casos, deve-se fazer curativo compressivo. A mão, enfaixada em posição anatômica, deve permanecer alguns dias elevada por meio de tipoia alta. O curativo deve ser trocado diariamente. ONICOMICOSE Onicomicose é o termo utilizado para denominar a infecção da unha decorrente de invasão por fungos. A maioria das onicomicoses é causada por fungos dermatófitos. Somente 10% delas são causadas por outros tipos de fungos. Estima-se prevalência superior a 10% da população ocidental, podendo acometer até 40% da população idosa e 23% da população infectada pelo HIV. Os fungos invadem a unha por diversas rotas, levando a infecções com características distintas. Os principais tipos de onicomicose são: subungueal distal e lateral, subungueal proximal, superficial, endonix e distrófica total. Hay e Baran. propõem ainda os tipos misto e secundário. O diagnóstico das onicomicoses é feito pelo encontro dos fungos, por meio de pesquisa direta e/ou cultura em meios selecionados. Excetuando-se as onicomicoses superficiais, que podem ser tratadas com antifúngicos tópicos após remoção da área afetada, o tratamento das onicomicoses requer o uso de antifúngicos sistêmicos, e deve ser conduzido pelo dermatologista. ONICOMICOSE SUBUNGUEAL DISTAL E LATERAL É o tipo mais comum de onicomicose. Os fungos alcançam o leito ungueal através do hiponíquio, pela parte distal e lateral. O sítio primário da infecção é a pele da palma das mãos ou da planta dos pés. O leito ungueal reage à invasão com processo inflamatório hiperqueratósico, resultando em hiperceratose subungueal, o sinal típico dessa afecção. Finalmente, a unha se separa do leito ungueal (onicólise). A destruição total da unha é rara, e usualmente ocorre após vários anos de infecção. Existem diversas formas de despigmentação. As mais comuns são branca e amarelada. Ocasionalmente, pode ser marrom, preta ou laranja. O agente etiológico mais comum é o T. rubrum. Pode ser causada também pelo T. mentagrophytes e E. floccosum. Outros fungos, incluindo C. albicans, Fusarium sp., Scytalidium sp. e S. brevicaulis, podem, ocasionalmente, levar a esse tipo de onicomicose. Existem OUTRAS SUBDIVISÕES da patologia: 1. Onicomicose Subungueal Proximal; 2. Onicomicose Superficial; 3. Onicomicose por Candida albicans. ONICOGRIFOSE @anabea.rs | Ana Beatriz Rodrigues 4 As unhas afetadas tornam-se irregulares, espessadas e curvas. É mais frequente nos dedos dos pés, principalmente no hálux. Nas mãos, essa doença é pouco observada. Acomete geralmente idosos e tende a piorar com a idade. Está associada a trauma local ou surge secundariamente ao desenvolvimento de exostose subungueal ou devido à hiperextensão crônica do hálux. A placa ungueal curva-se e perde a orientação para o crescimento. Isto resulta em crescimento divergente para um lado. Essas unhas são espessas e duras, e é muito difícil cortá-las. O TRATAMENTO consiste na exérese da unha e aplicação de fenol por 3 min na matriz e no leito ungueal. O fenol é utilizado para a destruição do epitélio germinativo da matriz ungueal porque a incidência de recidiva é extremamente alta. Ele destrói a matriz e as terminações nervosas locais, levando a melhora importante da dor, além de eliminar os microrganismos aí localizados. UNHA EM PINÇA Distrofia caracterizada por exacerbação da curvatura transversal das unhas, que adquirem conformação tubular. O aumento da curvatura transversal é progressivo ao longo do eixo longitudinal, e alcança sua maior proporção na ponta da unha. Neste local, as bordas laterais pinçam, aprisionam e comprimem o leito ungueal como as garras de uma pinça, sem necessariamente haver ruptura da epiderme. Eventualmente o tecido mole pode até mesmo desaparecer, às vezes com reabsorção óssea subjacente. Na maioria das vezes, a dor é moderada, mas, em alguns casos, pode ser intensa. Geralmente é provocada pela pressão. Reação inflamatória não é rara. Essa deformação idiopática e dolorosa acomete preferencialmente adultos, sobretudo mulheres. As alterações ocorrem com mais frequência nas unhas do hálux do idoso e podem estar associadas a deformidades dos pés. Se congênita, geralmente acomete todas as unhas. Pode também ser secundária à exostose subungueal ou à osteoartrite inflamatória, como também a algumas doenças dermatológicas, especialmente psoríase. O TRATAMENTO fica reservado aos casos sintomáticos e consiste em aplicação de grampos metálicos nas unhas, para regular a curvatura ungueal, ou em lixar a parte média da placa ungueal quase até o leito, para quebrar a curvatura convexa da unha, elevando suas partes laterais. Nos casos graves, pode-se remover a unha e destruir o leito ungueal com aplicação de fenol. Quando secundária à exostose subungueal, esta deve ser ressecada. UNHA ENCRAVADA Quando a margem ungueal irrita e penetra os tecidos vizinhos, há lesão da pele nas dobras laterais, com instalação de infecção crônica e formação de tecido de granulação. A esse quadro, que pode estar presente total ou parcialmente, denomina-se unha encravada. Essa afecção se verifica mais comumente no hálux. @anabea.rs | Ana Beatriz Rodrigues 5 Há discussões quanto à nomenclatura e etiologia, mas este é o termo mais aceito e usado. A maioria dos autores concorda que o corte inadequado das unhas e/ou o uso de sapatos apertados são os fatores etiológicos mais importantes. Naturalmente, essas causas terão de ser removidas para se obter bom resultado no tratamento e evitar recidivas. O uso de sapatos de salto alto agrava o problema, pois aumenta o peso e a pressão nas partes anteriores do pé. Outros fatores etiológicos incluem deformidade do artelho, traumatismos repetidos, pressão interna devida a crescimento subungueal, exostose subungueal e condições sistêmicas, como obesidade. Nos casos em que há apenas a penetração da borda ungueal na dobra lateral, com ausência de tecido de granulação, adota-se a seguinte conduta: o paciente é instruído a ter mais cuidados com os pés e a usar sapatos que não apertem a região anterior; em mulheres, o uso de sapatos de salto alto é desaconselhado; instruções são dadas quanto ao modo correto de cortar as unhas, isto é, a linha de corte deve formar ângulo de 90° com o eixo longitudinal do artelho. Nos casos em que há espícula lateral perfurando a pele da borda lateral e tecido de granulação cobrindo pequena região anterolateral da unha, procede-se do seguinte modo: após anestesia troncular, faz-se o levantamento da borda lateral da unha com pinça hemostática curva, tipo Halstead, de ponta fina, o que faz com que pequena área lateral da unha seja deslocada do leito ungueal. A seguir, secciona-se a espícula com bisturi de lâmina no 11 ou tesoura e introduz-se um pedaço de algodão sob o leito ungueal, para afastar a borda da unha da goteira lateral. O algodão deve ser embebido 2 vezes ao dia com solução de PVP-I e mantido no local até que o ressalto lateral, formado ao se seccionar a espícula, ultrapasse cerca de 2 mm o hiponíquio. Nos casos em que o tecido adjacente a toda a borda da unha apresenta-se hipertrofiado, com toda a borda encravada, a técnica recomendada inclui: após anestesia troncular, secciona-se, em cunha, o tecido hipertrofiado e coloca-se um coxim de algodão sob toda a borda ungueal acometida, deslocando a unha alguns milímetros de seu leito, desde a raiz até a extremidade distal. Se há espícula nessa borda, ela é seccionada como na técnica anterior. O algodão deve ser embebido 2 vezes ao dia com solução de PVP-I e mantido no local até a cicatrização completa da área ressecada, e até que a unha esteja de tamanho adequado para ser cortada corretamente. Essa técnica está associada a bom resultado estético,visto que, após a cura da lesão, a unha fica idêntica à que era antes da afecção. Outra técnica consiste em ressecar, após anestesia troncular, o terço da unha do lado acometido, da borda livre até a raiz, junto com o tecido hipertrofiado e de granulação. Pode-se proceder à cauterização, com fenol, da matriz ungueal, após a remoção da borda da unha. Esse tratamento vem sendo utilizado com sucesso. Um cotonete embebido em solução de fenol é aplicado na matriz da unha, permanecendo em contato pelo período de 3 min. Após esse período, o dedo é ocluído com curativo não aderente. Uma alternativa à cauterização com fenol é a ressecção em cunha do tecido de granulação e da borda ungueal até a base da unha, incluindo o epitélio germinativo. Inicialmente, após antissepsia e anestesia troncular, a borda da unha é incisada com bisturi de lâmina no 11 ou 15, desde a sua extremidade distal até a base da unha. Uma segunda incisão é feita logo abaixo da primeira, englobando o tecido de granulação e a borda da unha, que são retirados em cunha. A seguir, curetam-se o leito e a matriz ungueal com o cuidado de não deixar nenhum epitélio germinativo remanescente. A parte proximal da ferida é aproximada com pontos simples com fio de mononáilon 4-0 realizando-se, a seguir, curativo oclusivo. Nos casos em que a unha encravada não estiver associada a infecção ao longo da margem ungueal, pode-se executar a cirurgia proposta por Bartlett em 1937. Nessa técnica, após anestesia troncular, uma elipse de pele e tecido celular subcutâneo é retirada na borda lateral ou medial do artelho. A ferida cirúrgica é suturada com fio de mononáilon 4-0. A técnica tem a vantagem da menor morbidez, pois geralmente a cicatrização ocorre por primeira intenção. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Savassi-Rocha, Paulo, R. et al. Cirurgia de Ambulatório. Disponível em: Minha Biblioteca, MedBook Editora, 2013.
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