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65 EsPCEx 2024 AULA 01 Quinhentismo, Trovadorismo, Humanismo e Classicismo Professora Luana Signorelli 2 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Sumário INTRODUÇÃO 4 1.0 CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL 4 2.0 QUINHENTISMO 6 2.1 Literatura de informação 10 2.2 Literatura de catequese 15 3.0 TROVADORISMO 23 3.1 Cantiga de amigo 25 3.2 Cantiga de amor 27 3.3 Cantiga de escárnio 29 3.4 Cantiga de maldizer 29 3.5 Prosa trovadoresca 31 4.0 HUMANISMO 35 4.1 Gil Vicente 37 5.0 CLASSICISMO 42 5.1 Luís Vaz de Camões 45 6.0 MOVIMENTOS ARTÍSTICOS MEDIEVAIS 52 6.1 Românico 53 6.2 Gótico 54 6.3 Bizantino 55 6.4 Renascimento 56 7.0 CRÍTICA LITERÁRIA 57 8.0 QUESTÕES SEM COMENTÁRIOS 61 8.1 Lista de fixação 74 8.2 Gabarito 97 9.0 QUESTÕES COM COMENTÁRIOS 98 9.1 Lista de fixação comentada 120 10.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 160 11.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 162 3 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Professora Luana Signorelli Exército Brasileiro @profa.luana.signorelli Professora Luana Signorelli /luana.signorelli Luana Signorelli @luanasignorelli1 4 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO INTRODUÇÃO Hoje nós vamos dar continuidade ao nosso Curso Extensivo de Literatura para ESA 2024. Lembrem-se sempre do nosso lema: “O segredo do sucesso é a constância no objetivo”. Segundo o nosso cronograma de aulas, hoje estudaremos o seguinte: AULA TÓPICOS ABORDADOS AULA 01 Quinhentismo, Trovadorismo, Humanismo e Classicismo Literatura de formação e de catequese. Brasil: Carta de Caminha e Padre Anchieta. Portugal: Trovadorismo. Humanismo: Gil Vicente. Temáticas Literárias: amor cortês; ética do comportamento. Literatura Clássica. Classicismo: Camões (poesia épica e poesia lírica). Intertextualidade: diálogo entre Camões e a poesia moderna. Artes: Período Medieval, estilos Gótico, Bizantino e Românico; Renascimento. Então, vamos lá, não percamos tempo! 1. Contextualização Geral A metodologia dessa aula irá se pautar nos seguintes aspectos: contextualização do período histórico, tanto brasileiro quanto português, características gerais dos movimentos e um breve resumo de autores e obras com quadros sinópticos. O quadro sinóptico (sinopse: resumo) é um material de apoio que irá poder ajudá-los pouco antes da prova, por se tratar de conteúdos concentrados. • Literatura brasileira: Quinhentismo. • Literatura portuguesa: Trovadorismo; Classicismo e Humanismo. Na aula de hoje, iremos abordar 4 movimentos literários. Honestamente, eles não costumam cair com frequência em provas. Porém, quando caem, as bancas costumam cobrá-los numa abordagem interdisciplinar, associando-os à cultura medieval. Por isso, o tratamento desses conhecimentos são importantes: porque eles podem ser o diferencial! 5 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Nesse início da historiografia literária, para além do Quinhentismo brasileiro, é importante conhecer os movimentos literários e artísticos europeus também, pois eles se relacionam com a Literatura Nacional. Logo, são instrumentos importantes no nosso estudo. Eis abaixo um esquema que pode ajudá-los. Esse quadro nos ajuda a entender que uma literatura particular pode se alçar a universal, e é nesse sentido que é importante ter uma perspectiva do todo. É como diz o russo Liév Tolstói: para se falar do mundo, é preciso primeiro saber falar da própria aldeia. Esse modo de encarar a Literatura também pode ser explicado pelo crítico literário Antonio Candido em sua obra A educação pela noite & outros ensaios: • A literatura nacional e a universal se encontram numa relação orgânica. Particular ⇌ Universal É nesse sentido ainda que podemos empregar o termo “literatura” com letra minúscula para designar um sentido lato (geral, amplo) ou “Literatura”, para nos remeter à disciplina e à área de conhecimento especificamente. LITERATURA REGIONAL Produção literária em escala local ou particular. Pode transmitir qualidades culturais próprias. Foi importante para o Modernismo, por exemplo, com Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, que retrataram o Nordeste e Minas Gerais. LITERATURA NACIONAL Literatura produzida em um contexto de Estado-Nação ou país. Por exemplo: literatura brasileira, francesa, inglesa, russa etc. É importante observar que, a depender do movimento literário, houve algumas diferenças de país para país. LITERATURA UNIVERSAL Weltliteratur (em alemão) significa Literatura Mundial. Foi um conceito desenvolvido pelo romântico Goethe (1749-1832). É a noção de que a grande literatura ultrapassa fronteiras regionais e até mesmo temporais. 6 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Fonte: Pixabay. Fonte: Shutterstock. 2.0 Quinhentismo Aqui, vocês serão convidados a adentrar o universo de sonho das grandes navegações! Julho de 1969. O estadunidense Armstrong chocava toda a humanidade quando pisava pela primeira vez na lua. Não foi tão diferente com as descobertas dos espanhóis e dos portugueses quando descobriram novos mundos antes desconhecidos. O contato com os nativos nus, de língua e costumes estranhos, as belezas naturais, os animais, as plantas e os frutos exóticos, os mistérios, as riquezas – tudo isso contribuiu para uma vasta criatividade dos escritores que para cá vinham, consistindo na primeira produção literária nacional. A expansão ultramarina foi uma das ‘soluções’ encontradas pela sociedade da Europa Ocidental para fazer frente aos graves problemas gerados pela crise do sistema feudal. A necessidade de encontrar novas fontes de riquezas, controlar novas regiões produtoras, a centralização política, foram fatores decisivos para o desencadeamento do processo expansionista. (MARQUES, 2005). Os portugueses levaram grande vantagem sobre este processo, pois lideravam a Escola de Sagres, um grupo de pessoas ligadas à arte náutica, desenvolvendo tecnologia – tais como as caravelas e o astrolábio (instrumento astronômico que funcionava como bússola) – e a tradição marítima acumulada fez com que Pedro Álvares Cabral chegasse ao Brasil em 1500. Seguem abaixo exemplos de instrumentos de navegação: a bússola e o astrolábio. As grandes navegações motivaram expansões ultramarinas. A atmosfera era de competitividade/necessidade, consistindo na primeira fase do capitalismo: mercantilismo. As metrópoles iam atrás de matérias-primas. O Brasil naturalmente logo se revelou fonte de riquezas naturais. Por isso, houve exploração desses recursos, especialmente, o Pau-Brasil. As capitais brasileiras foram respectivamente: 7 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO E depois disso, no Brasil... • Século XVI: a metrópole procurou garantir o domínio sobre a terra descoberta, organizando-a em capitanias hereditárias e enviando negros da África para povoá-la e jesuítas da Europa para catequizar os índios; • Século XVII: a cidade de Salvador, na Bahia, povoada por aventureiros portugueses, índios, negros e mulatos, tornou-se o centro das decisões políticas e do comércio do açúcar; • Século XVIII: a região de Minas Gerais transformou-se no centro da exploração do ouro e das primeiras revoltas políticas contra a colonização portuguesa, entre as quais se destacou o movimento da Inconfidência Mineira (1789-1792). O Quinhentismo é a primeira escola literária brasileira, porque as obras foram produzidas em território brasileiro, ainda que por estrangeiros (colonizadoresde várias nacionalidades, especialmente, portugueses, mas também alemães, franceses etc.). O primeiro movimento literário nacional será o Romantismo, pois só é possível falar de nacionalismo a partir da Independência de 1822. Embora a Literatura Brasileira tenha nascido no período colonial, é difícil precisar o momento em que passou a configurar como produção cultural independente dos vínculos lusitanos. Durante o período colonial, ainda não eram sólidas as condições essenciais para o florescimento da literatura em si; portanto, eram comuns na época meros registros ou diários de navegação. Geralmente, os livros produzidos por escritores nascidos no Brasil eram impressos em Portugal e depois trazidos à colônia. CONTEXTUALIZAÇÃO DO QUINHENTISMO Brasil Colônia ESTILO LITERÁRIO PRINCIPAIS AUTORES DESCRIÇÃO Quinhentismo. Duas tendências ou vertentes: literatura de formação, informação Literatura de informação: Pero Vaz de Caminha e Pero Magalhães Gândavo. Literatura de catequese: Padre José de Anchieta e Padre Manuel da Nóbrega. Literatura de informação: cunho informativo, com foco em documentar. Literatura de catequese: textos de cunho religioso. Salvador Rio de Janeiro Brasília 8 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Infográfico: Showeet. Pontos históricos mais relevantes do Brasil A LITERATURA DE INFORMAÇÃO A literatura de informação, ou de expansão, foi cultivada em Portugal à época das grandes navegações. A finalidade desses textos, escritos em prosa, era narrar e descrever as viagens e os primeiros contatos com a terra brasileira e seus nativos. Embora guardem pouco valor literário, são textos dotados de grande documentação histórica. LITERATURA DE FORMAÇÃO visava ao processo educativo e cultural dos povos nativos. É sinônimo de literatura de catequese LITERATURA DE INFORMAÇÃO testemunho que valia como documentos, cujo objetivo central era narrar e descrever as terras, os povos e os costumes Até 1499 1500 1532 História Pré-Cabralina Luzia é o fóssil da mulher pré- histórica mais antigo encontrado nas Américas. No Brasil, especificamente, regiões onde foi indicada presença de povos primitivos foram Pedra Pintada e Pedra Furada. Até pouco antes de Pedro Álvares Cabral chegar (~ 1300 d. C.), uma grande comunidade de referência era o Monte de Teso dos Bichos na Ilha do Marajó. Capitanias hereditárias Em 1532, há a criação do sistema de Capitanias Hereditárias (rei D. João III). Esse regime inicial foi de 1534 a 1549, baseando-se numa organização puramente mercantil. No início, apenas duas prosperavam: São Vicente e Pernambuco. Chegam os portugueses D. João II falece em 1495. O contexto de expulsão dos judeus se acentua, e eles eram quem bancavam grande parte das expedições portuguesas. Ainda assim, Pedro Álvares Cabral chega em terras brasileiras em 21 de abril de 1500. 1538 Chegam os escravos Em 1538, começam a chegar ao Brasil os primeiros escravos vindos da África. Em 1548, a Coroa Portuguesa cria e institui o Governo-Geral no Brasil. Chegam os holandeses Início dos ataques holandeses ao litoral brasileiro. Maurício de Nassau conquista Pernambuco (1637). O açúcar era a maior produção. 1580 1599 Domínio espanhol O Brasil passa a ser domínio espanhol. A União Ibérica vai ser um episódio na História do Brasil Colônia de 1580 a 1640. Durante esse período, governarão 3 Felipes 9 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Nem crônicas, nem memórias, pois não resultavam de nenhuma intenção literária: os escritos dos cronistas e viajantes eram uma tentativa de descrever e catalogar a terra e o povo recém- descobertos. Entretanto, permeava-os a fantasia de seus autores, exploradores europeus que filtravam fatos e dados, acrescentando-lhes elementos mágicos e características muitas vezes fantásticas. (VOGT, 1982). A LITERATURA DE CATEQUESE Os jesuítas vindos ao Brasil com a missão de catequizar os índios deixaram inúmeras cartas, tratados descritivos, crônicas históricas e poemas. Os principais deles foram José de Anchieta e o padre Manuel de Nóbrega, que chegaram juntos ao Brasil em 1553 e fundaram no ano seguinte, no planalto de Piratininga, um colégio que se tornou o núcleo da futura cidade de São Paulo. A primeira missa no Brasil (1861), de Victor Meirelles. • Tendência literária de representação da figura do indígena. Observação: isso pode ser feito de maneira diferente ao longo da História. Indianismo 10 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Pero Vaz de Caminha Nasceu em 1450 e faleceu em 1500. Foi um fidalgo português e um escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral. Sua produção mais relevante foi a carta escrita a D. Manuel I, datada de 1º de maio de 1500, na qual revela os primeiros relatos descritivos sobre a terra do Brasil. Sinopse: o filme é ambientado em 1570 e conta a história de mulheres órfãs de Portugal que eram enviadas ao Brasil para se casar com os colonizadores. Essa prática visava construir núcleos familiares cristãos e de ascendência europeia, coibindo os relacionamentos entre homens brancos e mulheres indígenas. Essa obra de arte foi criada em um movimento artístico posterior: o Romantismo. No centro do quadro, há a celebração do culto religioso católico-cristão, no caso, a Primeira Missa no Brasil, em terra de Vera Cruz, cidade de Cabrália. As vestes do padre são brancas e iluminadas. Literalmente, representação do teocentrismo, no caso, sendo o padre o representante de Deus na terra. Os indígenas, embora estejam em maior número, encontram-se marginalizados. Por meio desse posicionamento, podemos perceber criticamente o processo de aculturação: ou seja, os indígenas sendo relegados às margens, sem possibilidade de participação efetiva, a não ser um papel como espectadores. Filme: Desmundo. 2.1 Literatura de informação 11 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Carta de Pero Vaz de Caminha (1500) CATEGORIA DEFINIÇÃO ESTRUTURA Carta em 14 páginas em forma de inventário/diário de navegação, com mescla de tipologias textuais: descrição, narração e dissertação. Em se tratando de uma obra da literatura de informação quinhentista, seu objetivo principal é descrever as terras brasileiras (fauna e flora), bem como os povos nativos. O ponto de vista está na primeira pessoa, alterando a primeira pessoa do singular (o próprio autor, Pero Vaz de Caminha), e do plural (os portugueses no geral). PERSONAGENS Pero Vaz de Caminha (remetente), el-rei D. Manuel I (destinatário), Nicolau Coelho, Capitão-mor, piloto Afonso Lopes, degredado (exilado) Afonso Ribeiro, Bartolomeu Dias, padre frei Henrique, indígenas (não nomeados). TEMPO Saída em 9 de março de 1500 e chegada no dia 21 de abril de 1500. Como no ano de 1500 o mês de março tem 31 dias, quer dizer que demoraram 43 dias para chegar. O relato termina numa sexta-feira, não se especifica qual, com a celebração da Santa Missa e o fechamento. ESPAÇO Percurso até chegarem (passando por regiões geográficas como as Ilhas Canárias e as Ilhas de Cabo Verde), culminando no achamento da Terra de Vera Cruz (nome inicial do Brasil). CONFLITO Pero Vaz de Caminha é um fidalgo enviado junto com a tripulação de desbravadores com o objetivo de fazer um levantamento das descobertas. Ao chegar ao Brasil, chama a sua atenção aspectos como: choque cultural com os costumes dos povos indígenas, descrição das terras brasileiras (animais e plantas), descriçãodos hábitos dos indígenas (alimentação, dança, onde dormiam – nas ocas, meios de subsistência, armas, crenças) e os gestos dos indígenas indicando que nessas terras haveria ouro e prata (tratando-se de uma conjectura). DESFECHO Como era de praxe no catolicismo, ao descobrir novas terras os portugueses tinham como finalidade chantar uma Cruz e rezar uma missa. Pero Vaz de Caminha pretende enviar vários objetos para o el-rei D. Manuel I, como forma de comprovação do que narrou e descreveu na carta. Inclusive, faz planejamentos futuros, confabulando com o el-rei a vinda de mais pessoas para a nova terra como parte do projeto. Iriam ficar no Brasil alguns degredados. Termina mencionando que não haveria mais necessidade de enviar desbravadores para Calicute (missão às Índias), como quem está tão orgulhoso de sua missão que acha que ela seria suficiente para convencer el-rei. Com as caravelas ao fundo, o primeiro encontro diplomático no Brasil é uma troca de chapéus entre o diplomata Nicolau Coelho e o pajé, provavelmente da tribo tupi. 12 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buxos. Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz. Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro. Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. *Vocabulário Chã: terreno plano, planície Batéis e esquifes: barcos pequenos Barretes: cobertura de tecido flexível que se ajusta facilmente à cabeça e termina em ponta que pende para trás ou para o lado. 1. (Estratégia Militares 2019 – Questão Autoral – Professora Luana Signorelli) Para começar o estudo da literatura brasileira, toma-se geralmente por base o início da colonização portuguesa, pois o desenvolvimento dessa literatura se dá no contexto da transposição da cultura ocidental para a América. À luz destes conhecimentos, selecione a alternativa correta. a) A literatura colonial produzida no Brasil, na época de 1500-1700, tinha como principal gênero a poesia. b) Autores como José de Anchieta e Padre Antônio Vieira foram de importância crucial para o desenvolvimento da literatura nacional, sobretudo porque desenvolveram uma literatura de cunho jesuítico. 13 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO c) A carta de Pero Vaz de Caminha, destacada como marco da literatura colonial, demonstra uma linguagem considerada difícil para os dias atuais, pois se tratava de português arcaico. d) Pode-se concluir do texto que Nicolau Coelho foi grande amigo de Pero Vaz de Caminha e chegou com ele junto ao Brasil. e) É possível depreender do texto que, uma vez que os nativos possuíam barrete e carapuças, eles representavam séria ameaça aos viajantes. Comentários: Questão de contexto histórico-social/interpretação de texto literário. Alternativa A: incorreta. O Trovadorismo em Portugal teve como principal gênero a poesia. A produção literária do Quinhentismo no Brasil se limitou a 1500, pois em 1600 já havia outros movimentos literários, como Barroco e Arcadismo. Além do mais, a principal obra desse período é escrita em forma de prosa, tratando-se da carta de Pero Vaz de Caminha. Alternativa B: incorreta. Padre Antônio Vieira já era autor do Barroco. Alternativa C: correta – gabarito. Acompanhe abaixo as fases da História da Língua Portuguesa. 1) Arcaico: 1500 => cartas. Portugal ~ Espanha: língua de contato – galego/português; 2) Clássico: 1600 => Camões; 3) Moderno: até hoje. Alternativa D: incorreta. Não é possível concluir isso a partir do trecho. Porém, pode-se inferir o seguinte: o capitão-mor manda Nicolau Coelho como o primeiro a testar terras desconhecidas. Ou seja, ele serviu como cobaia. Na verdade, historicamente Nicolau Coelho era um comandante da armada de Pedro Álvares Cabral. Alternativa E: incorreta. A História irá comprovar que a chegada dos portugueses significou massacre para os povos indígenas, mas, em um primeiro momento, não é possível depreender isso do texto. Tanto é que houve um sinal de contato e de reconhecimento entre eles, momento simbolizado pela troca de chapéus. Gabarito: C. 2. (Estratégia Militares 2019 – Questão Autoral – Professora Luana Signorelli) O Dia Nacional do Índio é decretado no dia 19 de abril. Hoje há instituições federais que garante respaldo aos direitos humanos indígenas, tais quais a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Com base na cultura indígena, eleja a alternativa correta. a) Pero Vaz de Caminha foi importante para ressalvar os direitos indígenas. Na sua carta, considerada a primeira obra da literatura nacional, o autor exibe um profundo conhecimento indígena, e uma postura amigável aos nativos. b) As terras indígenas serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio. c) O escambo era uma prática colonial comum, e consistia em uma troca de objetos por parte do colonizador e do colonizado, sendo que cada uma das partes entregava um bem ou prestava um serviço à outra, a fim de formar um sistema de crédito. Isto pode ser facilmente evidenciado nos dois últimos parágrafos do trecho selecionado. d) Fica claro do trecho acima que os índios e os portugueses, de tradição europeia, apresentavam culturas semelhantes, por isso se entendiam com tanta facilidade. e) Para chegar ao Brasil, os portugueses percorreram o Oceano Pacífico. 14 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Comentários: Questão de atualidades/conhecimentos interdisciplinares. Há datas e documentos importantes sobre o assunto: *19 de abril: Dia Nacional do Índio *09 de agosto: Dia Internacional dos Povos Indígenas (ONU) *Decreto de Lei nº 1.775/96: dispõe sobre o procedimento administrativo da demarcação das terras indígenas. *Lei nº 11.645/2008: inclui a história e cultura indígenas na Lei de Diretrizes Básicas (LDB). Alternativa A: incorreta. A posturanão era amigável, era de desconfiança frente ao desconhecido. Alternativa B: correta – gabarito. É o artigo 1º da Lei nº 1.775/96. Alternativa C: incorreta. A prática histórica do escambo foi descrita na alternativa. Quando é assim, apenas confiem. Saber o termo nesse caso não era decisivo para gabaritar a questão. O fato é que o gesto que foi estipulado nestes dois parágrafos – a troca de chapéus, no caso um sombreiro da parte do português e um ramal (cocar) da parte do índio, representou o primeiro contato travados entre ambos, e não troca comercial de objetos. Alternativa D: incorreta. Eram culturas bastante diferentes e no geral desconfiavam uns dos outros. Alternativa E: questão interdisciplinar de Geografia. Foi o Oceano Atlântico. Gabarito: B. PROFA, MAS A CARTA É CONSIDERADA LITERATURA? SIM! A Carta de Pero Vaz de Caminha é um documento histórico, mas que conserva alguns aspectos literários também, conseguindo mesclar, ao mesmo tempo, dados subjetivos e objetivos. Seguem abaixo elencados alguns tópicos que ajudam na tentativa do enquadramento da carta no âmbito literário. Assista também ao webinário sobre a carta: aula especial de Literatura e História Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=FYj9QkRB09Y&t=4s 15 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Pero de Magalhães Gândavo Gândavo (1540-1579) foi um português de origem francesa (o nome deriva de Gand). Foi professor de Humanidades e amigo de Camões. Foi ele quem escreveu os primeiros informes sistemáticos sobre o Brasil. Sua estada aqui coincidiu com o governo Mem de Sá. Seu tratado que hoje conhecemos como História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil não foi publicado em vida do autor, apenas em 1826 na Academia Real das Ciências de História de Portugal. É comum nesse período a representação da Pietá, Nossa Senhora carregando Jesus morto em seus braços, imagem de dor profunda e desoladora. O Quinhentismo, apesar de ser um movimento literário primitivo, apresentou uma riqueza de gêneros literários. Ao lado, observamos uma poesia de Padre José de Anchieta. Sua poesia altamente descritiva, rebuscada, cheia de riqueza de detalhes, imagens e sofrimento, como a metáfora do rio de sangue, já se aproxima da linguagem do Barroco. Ao lado está apenas um trecho, mas o começo do poema está todo em latim e, ao fim dele, o eu lírico diz que deseja que todo esse sangue lhe sirva como purificação e meio de entrada para a Morada Eterna. 2.2 Literatura de catequese Padre José de Anchieta José de Anchieta (1534-1597) teve uma vasta produção. Tendo em vista a catequese, todos seus textos apresentavam intenção pedagógica. Ele escreveu poemas, hinos, canções e autos (gênero teatral originado na Idade Média), além das cartas que informavam sobre o andamento da catequese no Brasil e de uma gramática da língua tupi. EXEMPLO PRÁTICO 1 Padre José de Anchieta – Poema da Virgem Olha com que azorrague o carrasco sombrio retalha do Senhor a meiga carne a frio. (...) Vê como a dextra má finca em lenho de escravo as inocentes mãos com aguçado cravo Olha como na cruz finca a mão do algoz cego os inocentes pés com aguçado prego. Ei-lo, rasgado jaz nesse tronco inimigo, e c'o sangue a escorrer paga teu furto antigo! Vê como larga chaga abre o peito, e deságua misturado com sangue um rio todo d'água. Se o não sabes, a mãe dolorosa reclama para si quanto vês sofrer ao filho que ama. Pois quanto ele aguentou em seu corpo desfeito, tanto suporta a mãe no compassivo peito. Ergue-te pois e, atrás da muralha ferina cheio de compaixão, procura a mãe divina. 16 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO EXEMPLO PRÁTICO 2 PERSONAGENS GUAIXARÁ – rei dos diabos AIMBIRÊ SARAVAIA – criados de Guaixará TATAURANA URUBU JAGUARUÇU – companheiros dos diabos VALERIANO DÉCIO – Imperadores romanos SÃO SEBASTIÃO – padroeiro do Rio de Janeiro SÃO LOURENÇO – padroeiro da aldeia de São Lourenço VELHA ANJO TEMOR DE DEUS AMOR DE DEUS CATIVOS E ACOMPANHANTES TEMA Após a cena do martírio de São Lourenço, Guaixará chama Aimbirê e Saravaia para ajudarem a perverter a aldeia. São Lourenço a defende, São Sebastião prende os demônios. Um anjo manda-os sufocarem Décio e Valeriano. Quatro companheiros acorrem para auxiliar os demônios. Os imperadores recordam façanhas, quando Aimbirê se aproxima. O calor que se desprende dele abrasa os imperadores, que suplicam a morte. O Anjo, o Temor de Deus, e o Amor de Deus aconselham a caridade, contrição e confiança em São Lourenço. Faz-se o enterro do santo. Meninos índios dançam. (...) SARAVAIA Fui pelo sertão a dentro, lacei as almas, rapaz. ANJO De que famílias descendem? SARAVAIA Desse assunto pouco sei. Filhos de índios talvez. Na corda os enfileirei presos todos de uma vez. Passei noites sem dormir, nos seus lares espreitei, fiz suas casas explodir, suas mulheres lacei, pra que não possam fugir. (Amarra-o o anjo e diz:) 17 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Padre Manuel de Nóbrega Manuel de Nóbrega (1517-1570) foi um sacerdote jesuíta português. Chefiou a primeira missão jesuítica na América. Estudou na Universidade de Salamanca e Coimbra. Escreveu cartas e a obra Diálogo sobre a conversão do gentio. Contribuiu para o estudo dos costumes do povo Tupinambá. ANJO Quantas maldades fizeste! Por isso o fogo te espera. Viverás do que tramaste nesta abrasada tapera em que pro fim te pilhaste. O dia de São Lourenço é 10 de agosto. Ele foi diácono e mártir. Fez parte do grupo de 7 diáconos que serviam a Igreja de Roma durante o pontificado de São Sisto II, administrando os bens da Igreja e distribuindo as esmolas dos pobres. O imperador Valeriano publicou um decreto contra os cristãos, prendendo o Papa e executando-o, bem como 4 diáconos. São Lourenço foi preso no dia 10 de agosto de 257. Sua morte foi dolorosa: pouco a pouco e em brasas. A Igreja Católica usou contra seus próprios membros o método que usaria na Inquisição, que começou no século XII. São Lourenço é padroeiro dos diáconos permanentes, modelo de servidor de Cristo nos pobres e Heróis da fé provada no fogo (HOMEM, 2012, p. 317). Um dos principais gêneros literários do período estudado na aula de hoje é o teatro. A Carta de Pero Vaz de Caminha é muito conhecida e cobrada; porém, devemos ter um conhecimento mais abrangente de outras obras também. No trecho acima, observa-se uma espécie de ficha catalográfica de apresentação das personagens. Podemos observar que elas alternam nomes indígenas (pagãos) e cristãos. No caso dos textos literários brasileiros do período, é muito importante observar o sincretismo religioso. Isso indica a riqueza de culturas coexistindo no mesmo espaço e tempo, como costuma ocorrer até hoje. O que a banca pode explorar desse período é justamente o choque cultural, que sucedeu de várias maneiras, sobretudo, mediante a religião. SINCRETISMO. Fusão de cultos religiosos ou de elementos culturais diferentes com acomodação entre seus elementos; fusão de filosofias ou ideologias diversificadas; tendência a fundir ideias ou doutrinas diferentes e até mesmo antagônicas (dicionário Aulete). Alguns nomes são alegóricos, como temor e amor de Deus, por exemplo. No trecho em particular, há ambiguidade: a personagem Saraiva, que é um criado do rei dos diabos, narra maldades que fez as quais se parecem com os processos de colonização. No fim, há o caráter moralizante do Anjo: “Viverás do que tramaste /nesta abrasada tapera”. É como se houvesse uma lição de moral, o que indica o objetivo pedagógico da literatura de catequese. 18 Profa. Luana Signorelli AULA 01– QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Outras obras de destaque do período do Quinhentismo no Brasil foram: • Pero Vaz de Caminha – Carta. Endereçada a el-rei D. Manuel, referindo o descobrimento de uma nova terra e as primeiras impressões da natureza e do aborígene; • Pero Lopes de Sousa – Diário de navegação (1530). Ele foi o escrivão do primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de Sousa. • Hans Staden – Duas viagens ao Brasil (1557); • Magalhães Gândavo – Tratado da terra no Brasil (1576); • Gabriel Soares da Sousa – Tratado descritivo do Brasil (1576); • Jean de Léry – Viagem à terra do Brasil (1578); • Fernão Cardim – Narrativa epistolar e Tratados da terra e da gente do Brasil (1583). Ele foi um jesuíta. • Ambrósio Fernandes Brandão – Tratado descritivo do Brasil (1618). Ou ainda Diálogos das grandezas do Brasil. • Frei Vicente do Salvador – História do Brasil (1627). • Observação 1: percebam que, para além da colonização portuguesa, houve interesse de outras nacionalidades acerca da terra do Brasil. De fato, tudo era muito chamativo, sendo que atraiu a atenção de alemães e franceses, por exemplo. • Observação 2: a noção que as pessoas daquela época tinham sobre o conceito de “História” é diferente do que temos hoje. Isto é, para eles, descrevia-se a História Presente, os fatos que realmente estavam acontecendo, ao passo que hoje temos noção de distanciamento histórico. Ao lado, como curiosidade, foto de minha autoria da carta de Pero Vaz na cidade de Santa Cruz Cabrália (BA). Trechos da carta são dispostos em uma oca, ao lado de uma réplica da caravela de Pedro Álvares Cabral. É um ponto turístico: é possível adentrar a caravela e ver as réplicas dos canhões, por exemplo. Viajei pessoalmente para lá no ano de 2011 e conheci também a cruz onde foi celebrada a Primeira Missa no Brasil. Ao redor dela, hoje há um mercado de artesanato indígena. "PADRES" LITERATURA DE CATEQUESE "PEROS" LITERATURA DE INFORMAÇÃO 19 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO DESCOBRIMENTO DO BRASIL OU ACHAMENTO? DEPENDE DO PONTO DE VISTA! (EsPCEx – 1999) “Não se pode numerar nem compreender a multidão de barbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não acha povoações de indios armados contra todas as nações humanas, e assi como são muitos permitiu Deos que fossem contrarios huns dos outros, e que houvesse entrelles grandes odios e discordias, porque se assi não fosse os portuguezes não poderião viver na terra nem seria possivel conquistar tamanho poder de gente.” 1) O texto acima é representativo de uma fase de nossa literatura conhecida como a) indianista. b) informativa. c) jesuítica. d) romântica. e) nacionalista. Chegada Achamento Orgulho português Eurocentrismo Viés desbravador e de descoberta Mercantilismo e colonização Invasão Tupis Litoral e interior Macro-jês Norte da Bacia Amazônica Aruaques Planalto Central Cariris Região Amazônica 20 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Comentários: Alternativa A: incorreta. O indianismo é a tendência da representação da figura do indígena na literatura. Pode ocorrer na historiografia literária nessas escolas: Quinhentismo, Arcadismo, Romantismo e Modernismo. Alternativa B: correta – gabarito. A literatura de informação quinhentista tem como principal função narrar as viagens mercantilistas e descrever a terra (fauna e flora) e os povos nativos encontrados, como nesse trecho, em que há a tentativa de estabelecer um levantamento de informações. Alternativa C: incorreta. A literatura de catequese é uma outra tendência literária quinhentista, mas que não se observa no trecho. Alternativa D: incorreta. Romantismo é um movimento literário do século XIX, ao passo que o Quinhentismo é um movimento literário dos séculos XVI-XVII. Alternativa E: incorreta. O nacionalismo é uma tendência literária que, no Brasil, só se manifesta a partir da Independência de 1822. Gabarito: B. 2) Em relação ao texto, indique a alternativa correta: a) A expressão "barbaro gentio" indica uma oposição, uma antítese. b) A discórdia entre os índios foi, segundo o autor, decorrência de uma providência divina. c) Se não houvesse discórdia entre os índios, os portugueses poderiam viver na terra em paz. d) A chegada dos portugueses é que tomou os índios "contrários huns dos outros". e) No trecho "se assi não fosse", a palavra "assi" refere-se à oração "permitiu Deos". Comentários: Alternativa A: incorreta. "Gentio" significa indivíduo pagão ou indígena, o que não apresenta relação antitética (de oposição) com o termo "bárbaro" de acordo com A PERSPECTIVA EUROCÊNTRICA. Alternativa B: correta – gabarito. O que se infere de expressões como "Não se pode numerar nem compreender" e "permitiu Deus". Alternativa C: incorreta. Cuidado com informações extratextuais. Alternativa D: incorreta. Infere-se que os conflitos já ocorriam antes da chegada dos portugueses. Alternativa E: incorreta. Refere-se à oração que vem imediatamente antes: "e que houvesse entrelles grandes odios e discórdias" Gabarito: B. PARA FRENTE... Outros movimentos literários posteriores resgataram a figura do índio de formas diversas. Podemos ressaltar: • José de Alencar – O guarani (Romantismo). • Oswald de Andrade – Macunaíma (Modernismo → movimento Pau-Brasil). 21 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO É importante ressaltar que essa figura do índio no período do Quinhentismo era descritiva, ou seja, não passou por idealização como no Romantismo nem estilização como no Modernismo. Ou seja, essa visão muda ao longo da História. É ainda mais relevante compreender o principal objetivo da época: propagar a visão eurocêntrica. Logo, o ponto de vista dos textos era do colonizador e não dos indígenas. Vamos estudar a partir de dois depoimentos diferentes abaixo como que a perspectiva sobre o mesmo assunto pode mudar a depender de quem profere o discurso. PONTO DE VISTA EUROCÊNTRICO Tomai o fardo do Homem Branco Continua pacientemente Encubra-se o terror ameaçador E veja o espetáculo do orgulho; Pela fala suave e simples Explicando centenas de vezes Procura outro lucro E outro ganho do trabalho. Tomai o fardo do Homem Branco As guerras selvagens pela paz Encha a boca dos Famintos, E proclama, das doenças, o cessar; E quando seu objetivo estiver perto (O fim que todos procuram) Olha a indolência e loucura pagã Levando sua esperança ao chão. Nesse trecho, o eu lírico de Rudyard Kipling, Prêmio Nobel de Literatura de 1907, julga que o Homem Branco tem como missão levar a esperança a outros chãos, de preferência, os pagãos. Chegando aonde há fome e doença, infere-se que ele seria um herói salvador. Porém, a missão também é um peso, ou seja, um fardo, algo a que o Homem Branco estaria destinado. Este poema é de 1899. Nessa ocasião, a Europa, depois da colonização, passava por outra etapa capitalista: o Imperialismo, sendo que uma onda de competição por novos mercados competidores recomeçava. • Observação 1: o uso da letra maiúscula no termo “Homem Branco” ajuda a reforçar a importância de seu status. 22 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO • Observação 2: percebam também o uso do imperativo afirmativo na segunda pessoa do plural: “[vós] tomais”. Isso indica um apelo à coletividade, à formação de um povo, grupo ou classe específica e a sua orientação para compor a parte participativa da História. PONTO DE VISTA INDÍGENA O pensamentovazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo. Acham que o trabalho é a razão da existência deles. Eles escravizaram tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar, experimentar a vida como um dom e o mundo como um lugar maravilhoso. O possível mundo que a gente pode compartilhar não tem que ser um inferno, ele pode ser um lugar bom. E o que estamos vivendo no Brasil nos últimos anos é uma espécie de surto capitalista, como uma metástase num organismo que adoeceu. Um organismo que não consegue buscar água pra beber, uma medicina saudável; então come mais veneno, produzindo uma agricultura cada vez mais drogada. Essa espécie de metástase do pensamento do branco sobre a Terra é o maior engano. (AILTON KRENAK. Depoimento à Revista Cult). Já nesse depoimento, o filósofo indígena contemporâneo Ailton Krenak, da etnia crenaque, faz outra observação acerca do trabalho, como se este servisse como uma espécie de um vazio que o homem branco precisaria preencher. A falta de entendimento do homem branco da alteridade, isto é, do outro, repercute numa incompreensão de si próprio: escravizando os outros, não sobra outro público-alvo de escravização a não ser si próprios. Ailton Krenak chega a comparar essa visão consumista a uma doença. Uma certa preguiça, uma não disposição para ir buscar alimentos saudáveis, produz indivíduos doentes. Por outro lado, uma preguiça meramente contemplativa, por meio da qual a natureza pudesse ser apreciada, também não é aceita. Segundo o pensador, o homem branco pensa que tem domínio sobre a terra e essa perspectiva enviesada é prejudicial. É importante nessas situações identificar qual é a relação entre sujeito-objeto. Na época do Quinhentismo, quem detinha o poder da escrita e consequentemente do pensamento, eram os portugueses. A Literatura Contemporânea é o movimento literário no qual o lugar de fala do indígena enquanto sujeito cresce. A temática indígena continua sendo conteúdo da Literatura Contemporânea, como é o caso da obra Urihi: nossa terra, nossa floresta, do escritor e professor Devair Fiorotti. Esse livro de poesia conta a história de um jovem Yanomami. 23 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO 3.0 Trovadorismo Na Idade Média, tanto a educação formal quanto a produção artístico-cultural encontravam-se dominadas pela Igreja. O nascimento das cantigas trovadorescas e das novelas da cavalaria na Baixa Idade Média, pautadas na vida cotidiana ou para a fantasia de aventura, simbolizou o surgimento de uma cultura leiga. A cantiga mais antiga que se tem notícia é a “Cantiga da Ribeirinha” ou “da Guarvaia” de Paio Soares de Taveirós (1189-1198). Elas são unidas em coletâneas: os cancioneiros, sendo os mais conhecidos: Cancioneiro da Ajuda (século XIII); Cancioneiro da Vaticana (século XV). O português teve um estágio antigo chamado galego-português. As primeiras manifestações literárias nessa língua datam do século XII. As principais eram as cantigas, canções compostas e cantadas por poetas denominados de trovadores. Segundo Cereja e Magalhães (2004, p. 86), esses cantores apresentavam uma hierarquia entre si: • Trovador: membro da nobreza ou do clero, era autor da letra e da música das composições que executava para o seleto público das cortes; • Segrel: nobre de escala mais baixa, escudeiro sem recursos para ascender à cavaleiro, sobrevivia percorrendo as cortes ou acompanhando o exército real nas lutas contra os árabes. Executava composições próprias. • Jogral: cantor de origem popular, raramente compunha, limitando-se a executar composições dos trovadores. Normalmente, era acompanhado por uma soldadeira, mulher que dançava e cantava durante as apresentações e, por isso, tinha má reputação. Entre as cantigas, há a seguinte distinção: cantigas de amor e cantigas de amigo. Ainda de acordo com os autores, a cantiga de amigo é classificada da seguinte maneira: Embora o Trovadorismo também tenha reconhecido os gêneros da prosa e do teatro também, a predominância foi da lírica com as cantigas. O que favoreceu isso é que poucas pessoas à época sabiam ler e escrever, já que a Igreja detinha o conhecimento. A cantiga era fácil de ser difundida, acompanhada de música e dança, motivo pelo qual recebe esse nome. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TROVADORISMO ESTILO LITERÁRIO PRINCIPAIS AUTORES/OBRAS DESCRIÇÃO Trovadorismo Cantigas de amor; de amigo; de escárnio e de maldizer + prosa trovadoresca • Mistura de música e poesia • Repetição e paralelismo • Repetição • Forma simples • Amor cortês 24 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Abaixo, identificamos mais gêneros literários do período: CATEGORIA ERA MEDIEVAL ESTRUTURA PRIMEIRA ÉPOCA: TROVADORISMO (SÉCULOS XII – XIV) SEGUNDA ÉPOCA (SÉCULO XV E INÍCIO DO SÉCULO XVI) POESIA Lírica cantigas de amor cantigas de amigo Sátira cantigas de escárnio cantigas de maldizer • Poesia palaciana • O cancioneiro geral, de Garcia Resende PROSA • Novelas de cavalaria • Hagiografias • Cronicões • Nobiliários • Crônicas de Fernão Lopes TEATRO • Mistérios • Milagres • Moralidades • Sotties • Gil Vicente Fonte: CEREJA; MAGALHÃES, 2004, p. 102. Alguns gêneros desses períodos são: • Mistérios: encenações de episódios da vida de santos; • Milagres: episódios da vida de santos; • Moralidades: peças de fundo didático-moralizante, cujas personagens são qualidades, abstrações ou defeitos morais (Razão, Avareza, Verdade, etc.); • Sotties: peças cujas personagens, por serem consideradas loucas, têm a liberdade para dizer verdades desagradáveis ao público. Outros gêneros do período são o épico, a saga e a epopeia, que eram parecidos da antiguidade. Conforme Spina (2007, p. 70), as sagas são narrativas em verso ou em prosa, de interesse capital para a história primitiva dos povos nórdicos. Porém, este gênero se pauta na já existente epopeia, desde a Antiguidade Clássica. Segundo N. K. Sandars, os épicos podem ser caracterizados como “um tipo especial de narrativas de viagens e aventuras, sempre presentes no mundo atemporal e sem fronteiras da lenda e do romance folclórico” (ANÔNIMO, 2012, 67). Geralmente, trata-se de um contexto antes de haver nações, quando os povos costumavam ser nômades (isto é, não tinham moradia fixa, deslocavam-se e estavam constantemente em luta com outros povos pela conquista de territórios e firmada de poder). Uma das características do épico é não haver uma versão consolidada, pois funcionava como se fosse telefone sem fio, passando de povos a povos, culturas e culturas, gerações e gerações. Assim, a narrativa oral era muito valorizada, consistindo no principal meio/veículo de comunicação na época, até o advento do livro e da imprensa com Gutenberg, no século XV. A História Geral da Europa no período estava dividida da seguinte maneira: 25 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO 3.1 Cantiga de amigo As cantigas de amigo têm raízes na Península Ibérica, em festas rurais e populares, com música e dança, com vestígios da cultura árabe. São suas características: • Ambientação rural; • Linguagem simples; • Repetições; • Estrutura paralelística; • Forte musicalidade. Na cantiga de amigo, o eu lírico é geralmente feminino, e o tema mais frequente é um lamento amoroso da moça cujo namorado partiu para as guerras árabes. De acordo com Cereja e Magalhães, a cantiga de amigo é classificada da seguinte maneira: CANTIGA DE AMIGO • Pastorela: de ambiente rural, tratam do envolvimento amoroso entre uma pastora e um cavaleiro; • Bailias ou bailadas: fazem referência à dança de moças que esperam os namorados; • Romarias:referem-se às romarias feitas a lugares sagrados; • Albas ou alvas: fazem menção ao amanhecer, que muitas vezes surpreende os amantes; • Marinhas ou barcarolas: apresentam ambiente marinho. ALTA IDADE MÉDIA Séculos V-X Épicos, sagas, epopeias e grandes narrativas heroicas Narrativas orais, seguindo a tradição da Antiguidade Clássica Predomínio do paganismo BAIXA IDADE MÉDIA Séculos XI-XV Cantigas, autos, moralidades, milagres, teatro de costumes Já começaram a seguir uma nova tradição: a da escrita Forte influência do teocentrismo e da Igreja Católica 26 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO PARALELISMO As cantigas de amigo geralmente apresentam paralelismos, uma técnica frequentemente usada em literatura, que consiste em repetições de palavras ou versos ou construções sintáticas. Essas repetições podem ser de partes de versos ou até de versos inteiros. Além do refrão, as cantigas de amigo costumam apresentar dois tipos de paralelismo: o de par de estrofes e o leixa-pren. O de par de estrofes consiste na repetição de duas estrofes com uma ligeira diferença entre o verso de uma e o seu correspondente na outra estrofe. O leixa-pren é uma espécie de encadeamento entre estrofes pares e ímpares: o segundo verso da primeira estrofe se repete no primeiro da terceira estrofe, o segundo verso da segunda estrofe se repete no primeiro da quarta estrofe e assim por diante. Veja os dois tipos de paralelismo nos versos seguintes. As setas em azul correspondem ao paralelismo de par de estrofes e as setas em vermelho, ao leixa pren: Non chegou, madre, o meu amigo, E oje est o prazo saido! Ai, madre, moiro d’amor! Non chegou, madre, o meu amado, E oje est o prazo passado! Ai, madre, moiro d’amor! E oje est o prazo saido! Por que mentiu o desmentido? Ai, madre, moiro d’amor! E oje est o prazo passado! Por que mentiu o perjurado? Ai, madre, moiro d’amor! Fonte: CEREJA; MAGALHÃES, 2004, p. 84 (adaptado). Airas Nunes de Santiago O galego João Airas de Santigo (c. 1230-1293) foi poeta na corte de Sancho IV de Castela. Obra de destaque foi a pastorela “Pelo souto do Crexentes”, de natureza descritiva em que o homem participa do meio por meio de um cenário paisagístico. Estêvão Coelho Seu nascimento data de 1305. É designado nos Livros de Linhagens por Estêvão Coelho de Riba Homem e escreveu em galego-português. Casou-se com Maria Mendes Petite, ligada aos mosteiros de Canedo e de Grijó, com quem teve 7 filhos. Podemos destacar como produção sua um gênero que a canção de tear (chanson de toile) sua cantiga “Sedia la fremosa seu sirgo torcendo”. Observe um exemplo prático deste autor. Para essa cantiga, vocês poderiam aplicar as regras de paralelismo. 27 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Sedia la fremosa seu sirgo torcendo, Sa voz manselinha fremoso dizendo Cantigas d’amigo. Sedia la fremosa seu sirgo lavrando, Sa voz manselinha fremosa cantando Cantigas d’amigo. - Par Deus de Cruz, dona, sey que avedes Amor muy coytado que tan ben dizedes Cantigas d’amigo. - Par Deus de Cruz, dona, sey que andades D’amor muy coytada que tan ben cantades Cantigas d’amigo. - Avuytor comestes, que adevinhades. 3.2 Cantiga de amor Já as cantigas de amor têm origem na poesia provençal (de Provença, região do sul da França), nos ambientes finos e aristocráticos e logo estão presas a certas convenções de linguagem e de sentimentos. São suas características: • Linguagem mais refinada quanto a vocabulário e construções; • Ambiente: a corte. O eu lírico normalmente é um homem (um cavaleiro), que declara o seu amor a uma mulher inalcançável, em conformidade com as regras do amor cortês. O eu lírico masculino confessa a coita: o sofrimento amoroso por uma dama que lhe é inacessível devido à diferença social entre eles. “Coita”, em galego-português, significa dor, sofrimento e designa no português moderno o vocábulo “coitado”. O termo mesmo significa dor, aflição, desgosto, especialmente por motivo de amor; pressão das circunstâncias, compulsão física ou moral, necessidade (dicionário Houaiss). Exemplo: "Não me meta em tal coita vosso amor!” (Afonso Lopes Vieira, Romance de Amadis) (dicionário Aulete). Observação: assim como a noção de “História” não era a mesma naquela tempo, também não o era a noção de “romance”. Entende-se o romance medieval também como “romanceiro”, no sentido de composição poética. 28 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Designa a atividade poética luso-espanhola, de caráter épico e lírico, anônima, transmitida por via oral, durante a Idade Média, configurada nos romances, ou a sua compilação em romances, ou a sua compilação em volume, integral ou antológico (MOISÉS, 2013, p. 417 AMOR CORTÊS O relacionamento entre amantes pode recorrer à expressão do amor cortês, isto é, um tipo de amor convencional, cheio de regras sociais como: *Submissão absoluta à dama; *Vassalagem humilde e paciente; *Promessa de honrar e servir a dama com fidelidade; *Prudência para não abalar a reputação da dama, sendo o cavaleiro, por essa razão, proibido de falar diretamente dos sentimentos que tem por ela; *A amada é vista como a mais bela de todas as mulheres; *Pela amada o trovador despreza todos os títulos, as riquezas e a posse de todos os impérios. Fonte: CEREJA; MAGALHÃES, p. 85 (adaptado). Também é frequente identificarmos, nas cantigas de amor, a referência aos principais valores da sociedade cortês. Assim, o trovador fala da mesura (mérito, valor) de sua dama, pede que ela reconheça sua cortezia (ou prez) e lhe garanta o galardam (prêmio) a que tem direito por seguir as regras da vassalagem amorosa (ABAURRE; PONTARA, 2005, p. 91). EXEMPLO PRÁTICO Bem feminino é o proceder Dessa que me roubou a paz. Não quer o que deve querer E tudo o que não deve faz. Má sorte enfim me sobrevém, Fiz como um louco numa ponte, E tudo me foi suceder Só porque quis mais horizonte. VENTADORN, Bernart de. Verso reverso controverso. Tradução de Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 83-87. (Fragmento). 29 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO 3.3 Cantiga de escárnio Também há uma segunda distinção entre as cantigas trovadorescas: as cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer. Elas têm valor histórico, porque representam a sociedade medieval portuguesa e seus aspectos culturais, morais e linguísticos. Elas se diferem das cantigas de amor e de amigo por serem menos rígidas e seguirem menos os modelos convencionais; portanto, elas têm mais liberdade formal, são mais experimentalistas e exploram mais recursos expressivos, por exemplo, figuras de linguagem. Costumam ter como seus alvos clérigos devassos, prostitutas, os próprios trovadores etc. 3.2 Cantiga de maldizer CANTIGAS DE ESCÁRNIO CANTIGAS DE MALDIZER Crítica indireta; normalmente, a pessoa satirizada não é identificada. Crítica direta; geralmente, a pessoa satirizada é identificada. Linguagem trabalhada, cheia de sutilezas, trocadilhos e ambiguidades. Linguagem agressiva, direta, por vezes obscena. Ironia. Zombaria. Fonte: CEREJA; MAGALHÃES, 2004, p. 105. Instrumentos musicais da Idade Média. À esquerda, um alaúde e à direita, uma viela de arco. 30 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO (EstratégiaMilitares 2020 – Questão Autoral – Professora Luana Signorelli) Ai dona fea! Foste-vos queixar Que vos nunca louv'en meu trobar Mais ora quero fazer un cantar En que vos loarei toda via; E vedes como vos quero loar: Dona fea, velha e sandia! A partir do texto acima, assinale a alternativa correta. a) Pode-se classificar o texto medieval acima como sendo uma cantiga de maldizer. b) Na cantiga, há ironia tipicamente moderna, à moda machadiana. c) A ironia no trecho é sutil, pois a pessoa atacada não é identificada. d) Pode-se classificar a cantiga acima como sendo de amor, pois a moça lamenta. e) A figura de linguagem predominante no trecho é a antítese. Comentários: Questão de interpretação de texto literário/conhecimento de movimentos literários. Alternativa A: incorreta. Trata-se da “Cantiga de Escárnio” de João Garcia de Guilhade; logo, é uma cantiga de escárnio e não de maldizer. Alternativa B: incorreta. Consiste em um texto medieval e não realista. Por mais que haja ironia nele, não são do mesmo tipo, pois a ironia medieval é menos refinada. Alternativa C: correta – gabarito. A pessoa é, de fato, não identificada, sendo acusada de velha e sandia (estúpida), mas sendo denominada apenas de “dona fea”, ou seja, uma mulher feia, não identificada, portanto. Há, sim, ironia nas cantigas de escárnio. Questão de interpretação. Alternativa D: incorreta. É uma cantiga de escárnio e a mulher está sendo criticada, sendo chamada de “feia”. Alternativa E: incorreta. É a ironia. Gabarito: C. 31 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Fonte da imagem: Shutterstock. Fonte das informações: CEREJA; MAGALHÃES, 2004, p. 85 (adaptado). 3.5 Prosa trovadoresca AS NOVELAS DE CAVALARIA A prosa, em Portugal, começou entre o século XIV e o início do século XV, em forma de hagiografias, nobiliários, cronicões e novelas de cavalaria. *Hagiografias: relatos de episódios da vida de santos, cuja finalidade era catequética e didática. *Nobiliários ou livros de linhagem: compilações de genealogias de famílias nobres, feitas com o objetivo de conhecerem os graus de parentesco. *Cronicões: documentos que faziam mera ordenação de fatos históricos. *Novelas de cavalaria: são um gênero narrativo tipicamente medieval. Em geral de autor desconhecido, são resultado da transformação das canções de gesta, poemas que narravam heroicas aventuras de cavaleiros andantes. Seus temas são, portanto, as aventuras fantásticas de cavaleiros lendários e destemidos que liquidavam monstros e homens malvados em batalhas sangrentas, travadas em nome tanto de Deus quanto do amor por uma donzela. Produto de uma fértil inventividade, a novela de cavalaria descreve com abundância de detalhes a vida e os costumes da cavalaria medieval. De acordo com seus temas, as novelas de valeria compõem três ciclos: *Ciclo bretão ou arturiano: tem como personagens centrais o rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda; *Ciclo carolíngio: gira em torno da figura de Carlos Magno e os doze pares da França (a qual tem uma adaptação para o cordel brasileiro do Nordeste); *Ciclo clássico: abrange figuras e acontecimentos da Antiguidade clássica, como a Guerra de Tróia. O romance de cavalaria encontra a sua autocrítica em Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes no século XVI. Trata-se já da decadência dos valores medievais da cavalaria, que abriam espaço para o aburguesamento da sociedade. AS GUERRAS SANTAS O espírito guerreiro e aventureiro da cavalaria medieval foi fortemente marcado pelas Cruzadas, as “guerras santas” que a Europa empreendeu contra o Islão na tentativa de recuperar Jerusalém, então dominada pelos muçulmanos. Embora os motivos oficiais dessas guerras fossem religiosos, na verdade havia outros interesses em jogo: a atração pelo desconhecido e a realização de saques e pilhagens que garantiriam o reconhecimento do rei e da comunidade, além de uma vida tranquila materialmente. Fonte: CEREJA; MAGALHÃES, 2004, p. 90 (adaptado). E quem disse que a gente não pode se divertir? Elenquei abaixo uma sugestão de filmes e séries pertinentes à temática que estamos estudando hoje. Boa diversão! 32 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO SUGESTÃO SINOPSE/COMENTÁRIO Filme: Cruzada (2005) Sinopse: Balian (Orlando Bloom) é um jovem ferreiro francês, que guarda luto pela morte de sua esposa e filho. Ele recebe a visita de Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), seu pai, que é também um conceituado barão do rei de Jerusalém e dedica sua vida a manter a paz na Terra Santa. Balian decide se dedicar também à esta meta, mas após a morte de Godfrey ele herda terras e um título de nobreza em Jerusalém. Determinado a manter seu juramento, Balian decide permanecer no local e servir a um rei amaldiçoado como cavaleiro. Paralelamente ele se apaixona pela princesa Sibylla (Eva Green), a irmã do rei. O filme é importante para estudar as Guerras Santas entre os católicos e mulçumanos. Filme: Thor (2022) Sinopse: Thor: Amor e Trovão é quarta aventura solo de Thor (Chris Hemsworth), personagem da Marvel, sendo a sequência direta de Thor: Ragnarok e o 29º filme do Universo Cinematográfico Marvel. Após os acontecimentos de Ultimato, Thor ansiando por um propósito, retorna a Nova Asgard e sua aposentadoria é interrompida por um assassino galáctico conhecido como Gorr (Christian Bale), o Carniceiro de Deus, que busca a extinção dos deuses. Para combater a ameaça, Thor pede a ajuda da Rainha Valquíria (Tessa Thompson), Korg (Taika Waititi) e Jane Foster (Natalie Portman), sua ex-namorada, que - para surpresa de Thor - inexplicavelmente consegue empunhar seu martelo mágico, Mjolnir, o que imbuiu Jane com o poder de Thor. Juntos, eles embarcam em uma aventura cósmica para descobrir o mistério da vingança do God Butcher e detê-lo antes que seja tarde demais. Filme: A lenda de Beowulf (2007) Sinopse: Ilha de Sjaelland, perto de onde fica a Dinamarca. O demônio Grendel ataca o castelo do rei Hrothgar sempre que tem uma festa, cerimônia ou ocasião importante, porque não suporta o barulho gerado. Grendel sempre mata várias pessoas nos seus ataques, embora poupe Hrothgar. Com o povo aterrorizado, o rei Hrothgar ordena que o salão onde as comemorações são realizadas seja fechado. Até que chega ao local Beowulf, um guerreiro que promete eliminar o monstro. Numa filmagem especial, os atores reais que passaram por um véu/filtro de animação. O filme é importante para estudar as sagas nórdicas, pois sua época histórica é datada de 900-1000 d. C. É um assunto interessante para revisar o conteúdo histórico das migrações bárbaras. 33 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Filme: Senhor dos Anéis: a sociedade do anel (2001) Sinopse: numa terra fantástica e única, chamada Terra-Média, um hobbit (seres de estatura entre 80 cm e 1,20 m, com pés peludos e bochechas um pouco avermelhadas) recebe de presente de seu tio o Um Anel, um anel mágico e maligno que precisa ser destruído antes que caia nas mãos do mal. Para isso o hobbit Frodo terá um caminho árduo pela frente, onde encontrará perigo, medo e personagens bizarros. Ao seu lado para o cumprimento desta jornada aos poucos ele poderá contar com outros hobbits, um elfo, um anão, dois humanos e um mago, totalizando 9 pessoas que formarão a Sociedade do Anel. A saga foi baseada no livro homônimo de J. R. R. Tolkien, que usou o medievo como fuga de sua realidade, pois presenciou a o tempo das Grandes Guerras. Dica: em 2022, foi lançada a série “Os anéis do poder”. Filme:O nome da rosa (1983) Sinopse: em 1327 William de Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, e Adso von Melk (Christian Slater), um noviço, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. O filme é baseado no romance do escritor italiano contemporâneo Umberto Eco. O seu romance é de 1980. O filme é muito interessante para estudar a primazia que a Igreja Católica detinha acerca do conhecimento, com a preservação de grandes bibliotecas e inclusive via profissão do copista. Série: Vikings (2013-...) Sinopse: Ragnar Lothbrok é o maior guerreiro da sua era. Líder de seu bando, com seus irmãos e sua família, ele ascende ao poder e torna-se Rei da tribo dos vikings. Além de guerreiro implacável, Ragnar segue as tradições nórdicas e é devoto dos deuses. As lendas contam que ele descende diretamente de Odin, o deus da guerra. Há uma edição em livro também, em Língua Portuguesa, escrita originalmente por por Haukr Erlendsson e Saxo Grammaticus e traduzida por Artur Avelar (o mesmo que traduziu outro épico, chamado Edda). O título da obra é As Histórias de Ragnar Lodbrok. 34 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO Série: Guerra dos Tronos (2011-2019) Sinopse: Game of Thrones conta a história de um lugar onde uma força destruiu o equilíbrio das estações, há muito tempo. Em uma terra onde os verões podem durar vários anos e o inverno toda uma vida, as reivindicações e as forças sobrenaturais correm as portas do Reino dos Sete Reinos. A irmandade da Patrulha da Noite busca proteger o reino de criaturas que podem vir de lá da Muralha, mas já não tem os recursos necessários para garantir a segurança de todos. Conspirações e rivalidades correm no jogo político pela disputa do Trono de Ferro, o símbolo do poder absoluto. A série baseada em uma saga de livros escrita pelo estadunidense George R. R. Martin, cujo primeiro volume se intitula As crônicas do gelo e do fogo (1996). Filme: Valente (2012) Sinopse: esse é um filme para assistir com os(as) filhos(as)! A princesa Merida foi criada pela mãe para ser a sucessora perfeita ao cargo de rainha, seguindo a etiqueta e os costumes do reino. Mas ela não tem a menor vocação para esta vida traçada, preferindo cavalgar pelas planícies selvagens da Escócia e praticar o seu esporte favorito, o tiro ao arco. Quando uma competição é organizada contra a sua vontade, para escolher seu futuro marido, Merida decide recorrer à ajuda de uma bruxa, a quem pede que sua mãe mude. É um filme leve e da Disney, de animação já com tecnologia 3D, mas é importante para se estudar o papel da mulher na Idade Média. Dica: em 2022, foi lançada a série “A casa do dragão”. Filme: A espada era a lei (1963) Sinopse: esse é outro filme para assistir com a família! Filme leve e divertido, consiste numa animação da Disney, mas é interessante para compreendermos a importância do imaginário da magia na época medieval. Arthur é um jovem menino que sonha em se tornar cavaleiro. Reza a lenda que aquele que conseguir tirar a espada mágica da pedra se tornará o rei da Inglaterra. Merlin, um poderoso, mas atrapalhado mago, sabe que Arthur será o novo rei e por isso, vai até o castelo onde o garoto trabalha prepará-lo para o futuro. Ufa! E agora que já descansamos, vamos voltar ao nosso conteúdo. Ainda temos mais movimentos literários para estudar. 35 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO 4.0 Humanismo O ícone do Humanismo português foi Gil Vicente, cujas origens são incertas. Provavelmente, era alfaiate, mas Gil era um nome vulgar e São Vicente era patrono de Lisboa, sendo que podia haver um carpinteiro homônimo à época. Nessa época, é muito comum o teatro em verso à moda de William Shakespeare na Inglaterra (1564-1616). Afinal, ele também foi um escritor do movimento literário do humanista; porém, era britânico. Era comum na época a noção de world as stage (mundo como palco), ou seja, a ideia de que estaríamos encenando sempre o tempo todo, até mesmo em nossas vidas reais e especialmente em sociedade. Nesse período, era significativo o papel da performance, isto é, um desempenho típico para ser exibido, geralmente com eloquência. Um adepto será Padre Antonio Vieira no Barroco com seus sermões. E também pode ser mencionada a Comedia dell’arte, que ocorreu no século XV na Itália. Representava o mundano, já não se tratava mais de um teatro religioso (autos). Trata-se de uma modernização nesse sentido, uma laicização das artes. Personagens importantes são: Arlequino e Colombina. Por outro lado, também há os autos. “Auto” é um gênero literário. “Vinculado aos mistérios e moralidades, e talvez deles proveniente, o autor designa toda peça breve, de tema religioso ou profano, encenada durante a Idade Média: equivaleria a um ato que integrasse espetáculo maior e completo, daí o apelativo que recebeu: auto” (MOISÉS, 2013, p. 46, grifo meu). Aproximavam-se da tragicomédia, pois tinham moralizavam sem perder o teor satírico. Por participar do debate de ideias que agitavam o período histórico, é conhecido como teatro de ideias. Vejam abaixo alguns exemplos dos mais conhecidos, dos humanistas até modernistas: O auto da índia – Gil Vicente (1509) O auto da barca do inferno – Gil Vicente (1517) O auto da compadecida – Ariano Suassuna (1955) 36 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO O HUMANISMO O termo é usado para indicar duas coisas diferentes: I) o movimento literário e filosófico que nasceu na Itália na segunda metade do séc. XIV, difundindo-se para os demais países da Europa e constituindo a origem da cultura moderna; II) qualquer movimento filosófico que tome como fundamento a natureza humana ou os limites e interesses do homem. Em relação à primeira, as bases fundamentais do humanismo podem ser assim expostas: 1) Reconhecimento da totalidade do homem como ser formado de alma e corpo e destinado a viver no mundo e a dominá-lo. 2) Reconhecimento da historicidade do homem, dos vínculos do homem com o seu passado, que, por um lado, servem para uni-lo a esse passado e, por outro, para distingui-lo dele. 3) Reconhecimento do valor humano das letras clássicas. É por esse aspecto que o H. temesse nome. Já na época de Cícero e Varrão, a palavra humanítas significava a educação do homem como tal, que os gregos chamavam de paídéia; eram chamadas de "boas artes" as disciplinas que formam o homem, por serem próprias do homem e o diferenciarem dos outros animais. Essa premissa associa o significado da corrente do humanismo à erudição. 4) Reconhecimento da naturalidade do homem, do fato de o homem ser um ser natural, para o qual o conhecimento da natureza não é uma distração imperdoável ou um pecado, mas um elemento indispensável de vida e de sucesso. O pensador – Rodin Fonte: Pixabay. Em relação à outra, o segundo significado dessa palavra nem sempre tem estreitas conexões com o primeiro. Pode-se dizer que, com esse sentido, o humanismo é toda filosofia que tome o homem como “medida das coisas”, segundo antigas palavras de Protágoras. Em sentido mais geral, pode-se entender por humanismo qualquer tendência filosófica que leve em consideração as possibilidades e, portanto, as limitações do homem, e que, com base nisso, redimensione os problemas filosóficos. Fonte: ABBAGNANO, 2007, p. 518-519 (adaptado). 37 Profa.Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO CONTEXTUALIZAÇÃO DO HUMANISMO ESTILO LITERÁRIO PRINCIPAIS AUTORES/OBRAS DESCRIÇÃO Humanismo Gil Vicente: Farsa de Inês Pereira, Auto da barca do inferno, entre outros. • Traços medievais • Teatro • Crítica de costumes Classicismo Camões (Poesia lírica: sonetos; poesia épica: Os Lusíadas) • Antropocentrismo • Racionalismo • Configuração de formas poéticas mais complexas 4.1 Gil Vicente “Reza a lenda” que entre a noite de 7 para 8 de junho de 1502, nos Paços de Alcaçova de Lisboa, um homem fantasiado de vaqueiro irrompeu nos salões da rainha D. Maria, mãe do futuro rei D. João III, para manifestar a sua alegria em relação ao nascimento do menino. Os convivas gostaram tanto que pediram para o homem repetir a façanha nas festividades religiosas de Natal. Esse homem, de origem incerta, mas que se desconfia ter nascido em Belém (c. 1465) e morrido c. 1535 era Gil Vicente, o principal autor do Humanismo. Essa sua obra ficou conhecida como Auto da visitação e ela foi importante por introduzir o teatro leigo em Portugal, já que o menino homenageado era um homem, ainda que nobre. Sua influência foi Juan del Encina, de caráter pastoral e religioso. Gil Vicente escreveu mais de 40 obras para a corte, algumas bilíngues, outras em português e outra em castelhano. Mesmo ainda tendo influência da tradição religiosa, o teatro de Gil Vicente – também chamado de teatro vicentino – não apresenta caráter teocêntrico. A sua finalidade era representar o homem na sociedade e o objetivo maior era criticar os seus costumes cuja missão era menos moralizante e mais reformadora. Nem as peças religiosas pretendem difundir a religião, mas sim mostrar o ser humano, daí o nome do movimento. Ele não era contra a Igreja igualmente, mas sim contra o que se fazia dentro dela. Algumas das classes sociais retratadas por Gil Vicente eram o clérigo corrupto, o papa, o reio, o devasso, o médico incompetente, o curandeiro, a mulher adúltera, a alcoviteira, o juiz desonesto, o camponês, o bobo etc. Tecnicamente, a sua obra não é muito rebuscada e segue as leis tradicionais do teatro greco-latino: a lei das três unidades. Por isso, também é possível falar de ausência de tempo e espaço no teatro vicentino, pois eles muitas vezes se confundem. 38 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO LEI DAS TRÊS UNIDADES CATEGORIA DEFINIÇÃO Tempo: o tempo de duração deveria caber dentro do período de um sol ou pouco excedê-lo, segundo Aristóteles. Esse tempo era medido pela clepsidra, isto é, ampulheta. Cenário: o enredo deve se passar dentro dos limites de uma cidade. O cenário é basicamente descrito pela linguagem. Ação ou drama: a história deve apresentar um mesmo tipo de ação. Fonte das imagens: ícones feitos a partir de www.flaticon.com. Gil Vicente também era contemporâneo de: • Lope de Vega (1562-1635): poeta e dramaturgo espanhol. Escreveu O cavaleiro de Olmedo, A dama boba etc. Em português, pela editora Peixoto Neto, temos Fuente Ovejuna. • Tirso de Molina (1579-1648): religioso, poeta e dramaturgo do Barroco espanhol. Escreveu comédias históricas, mitológicas, filosóficas entre outros. • Calderón de la Barca (1600-1601): dramaturgo e poeta espanhol. Obra-prima: A vida é sonho. Eis agora alguns quadros sinópticos de obras que podem ser importantes e cair na sua prova. O auto da barca do inferno (1517) CATEGORIA DEFINIÇÃO ESTRUTURA Teatro em versos. Não tem divisão em atos nem em cenas. É classificado como um auto de moralidade. PERSONAGENS Diabo, anjo, fidalgo, onzeneiro (espécie de agiota), parvo, sapateiro, frade, Brízida Vaz (alcoviteira), judeu, corregedor, procurador, cavaleiros. TEMPO Pode-se dizer que atemporal. Na barca do inferno, entram humanos de todas as épocas, desde os cruzados (séc. XIV) até os contemporâneos de Gil Vicente. ESPAÇO Metafísico: o inferno. Mítico: às margens do rio da morte, o rio Letes. CONFLITO O fidalgo é o primeiro que se aproxima dos barcos sem reconhecer o diabo. Ao se apresentar, o fidalgo se recusa a entrar. Cada um que entra carrega um símbolo daquilo que representa: o fidalgo, a cadeira; o agiota, a bolsa; o frade, armas; o sapateiro, ferramentas; Brísida, apetrechos; Judeu, bode; corregedor e procurador, livros e processos. Por ora, apresenta-se uma falsa esperança de poderem entrar na Barca do Céu, mas eles são reconduzidos. CLÍMAX O livro é uma grande crítica do apego à vida material e daquilo que não conseguimos nos desfazer nem mesmo depois da morte. 39 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO DESFECHO O auto se encerra com 4 cavaleiros que morreram nas cruzadas, mas que bem poderiam representar os quatro cavaleiros do Apocalipse Bíblico. ALEGORIA. Na pintura, na escultura, enfim nas Artes Plásticas é a alegoria bastante empregada como o valor de símbolo. Uma figura de mulher, com uma balança numa das mãos e uma espada na outra, é uma alegoria de Têmis, ou seja, a Justiça. Em literatura a alegoria informa determinadas espécies genéricas como a fábula, o apólogo e a parábola, nas quais as coisas abstratas ou inanimadas personificam-se. Farsa da Inês Pereira (1523) CATEGORIA DEFINIÇÃO ESTRUTURA Teatro em versos. Não é dividida nem em ato nem em cenas. É classificada como uma farsa de folgar. PERSONAGENS Inês Pereira, Pero Marques (rico proprietário que a pedira em casamento), nobre decadente, mãe, Lianor, Latão, Vidal, escudeiro, moço, judeus, Fernando, ermitão. TEMPO É dedicada a rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, que reinou no período de 1502- 1557. Atenção: muitos dos escritores da época queriam cair “em boas graças” dos reis. Por isso, era bastante comum honrá-los, elogiá-los ou dedicar obras a eles, pois assim a chance de terem seu status aumentado era maior. ESPAÇO Na casa da mãe; no rio; na fazenda. Cenário semidefinido. CONFLITO Inês sonha em se casar com um homem educado, que soubesse cantar e agradar as mulheres, ainda que não tivesse dinheiro. Tanto é que se casa com um nobre decadente, em detrimento de Pero Marques, um rico proprietário de terra. CLÍMAX O marido de Inês a prende em casa e viaja para combater os mouros com a finalidade de enriquecer. DESFECHO O marido de Inês acaba morrendo na guerra, e ela termina por aceitar o pedido de Pero Marques, com quem casa e de quem acaba tirando proveito financeiramente. FARSA. Sutil, se não difícil de precisar, a distinção entre a farsa e a comédia. De modo genérico, pode-se afirmar que a diferença é de grau: a farsa consistira no exagero do cômico, graças ao emprego de processos grosseiros, como o absurdo, as incongruências, os equívocos, os enganos, a caricatura, o humor primário, as situações ridículas. A farsa dependeria mais da ação que do diálogo, mais dos aspectos externos (cenário, roupagem, gestos, etc. que do conflito dramático. (MOISÉS, 2013, p. 189). 40 Profa. Luana Signorelli AULA 01 – QUINHENTISMO, TROVADORISMO, HUMANISMO E CLASSICISMO RESUMINDO OUTRAS OBRAS DE GIL VICENTE O velho da horta (1512) CATEGORIA DEFINIÇÃO ESTRUTURA Farsa foi encenada em 1512, na presença de D. Manuel I, rei de Portugal (curiosidade: o mesmo para quem Pero Vaz de Caminha encaminha a carta). PERSONAGENS Parvo, alcoviteira, Alcaide, Beleguins, mocinha, mulher, velho, CONFLITO A moça vai para a horta do velho colher hortaliças, mas o velho de apaixona terrivelmente por ela. A linguagem do velho é galanteadora, e imita a linguagem da corte de Cancioneiro Geral. A linguagem da moça é zombeteira, pois tenta se esquivar. CLÍMAX Uma alcoviteira (prostituta) chamada Branca Gil promete ao velho a posse da moça e com isso
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