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PROFESSOR Me. Julio Cesar de Paula Rodrigues Filosofia nas Organizações ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! EXPEDIENTE Coordenador(a) de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Nivaldo Vilela de Oliveira Junior Design Educacional Aguinaldo José Lorca Ventura Júnior Curadoria Cléber Rafael Lopes Lisboa Revisão Textual Carla Cristina Farinha Ilustração Eduardo Aparecido Alves Fotos Shutterstock DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R. dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie M.Vilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S. de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C. da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G. Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. RODRIGUES, Julio Cesar de Paula. Filosofia nas Organizações. Julio Cesar de Paula Rodrigues. Maringá - PR: Unicesumar, 2022. 168 p. ISBN 978-85-459-2188-2 “Graduação - EaD”. 1. Filosofia 2. Organizações 3. Educação 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 101 FICHA CATALOGRÁFICA Reitor Wilson de Matos Silva A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade, ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria- mente para que nossa educação à distância continue como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre quatro pilares que consolidam a visão abrangente do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o profissional, o emocional e o espiritual. A nossa missão é a de “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- mando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor- tante para o cumprimento integral desta missão: o coletivo. São os nossos professores e equipe que produzem a cada dia uma inovação, uma transforma- ção na forma de pensar e de aprender. É assim que fazemos juntos um novo conhecimento diariamente. São mais de 800 títulos de livros didáticos como este produzidos anualmente, com a distribuição de mais de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos- sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700 polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina, Ponta Grossa e Corumbá, o que nos posiciona entre os 10 maiores grupos educacionais do país. Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima história da jornada do conhecimento. Mário Quin- tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu- nidade de fazer a sua mudança! Tudo isso para honrarmos a nossa missão, que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Julio Cesar de Paula Rodrigues Olá, eu me chamo Julio Rodrigues, tenho 36 anos, sou casado e pai da Rafaela e do Miguel. Formei-me em Filosofia, em 2009, em 2015, entrei para o mestrado, concluindo em 2017, e, nesse mesmo tempo do mestrado, passei no concurso para professor do estado do Paraná. O momento mais difícil que passei foi em 2019, quando decidi, junto à minha família, mudar para Portugal para fazer doutorado em Filosofia. Foi uma decisão muito difícil e, ao mesmo tempo, desafiadora. Portugal rendeu muitos frutos, principalmente o Miguel, que é um português nato. Para contar todas as situações que passávamos em Portugal, decidimos criar um canal no YouTube para, assim, postar os vídeos que fazíamos quase diariamente, possibilitando que familiares e amigos nos acompanhassem em Portugal. O fato é que os vídeos foram sendo vistos por outras famílias que, também, gos- tariam de fazer a mesma experiência que fizemos, o que me fez aprofundar, cada vez mais, nos conteúdos e gravar vídeos quase que diariamente, com o objetivo de ajudar outras pessoas a conhecerem um pouco melhor Portugal. Hoje, posso dizer que fazer vídeos se tornou um hobby, dedico algum tempo para pensar nos assuntos, gravo os vídeos e edito, faço tudo sozinho. Nunca imaginei que um dia faria vídeos para postar no YouTube e sentiria tanto prazer e alegria em fazer isso. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11087 Por que falar sobre Filosofia nas Organizações? Talvez, seja essa a pergunta que você venha fazer ao iniciar o estudo desta disciplina. Você já deve ter se acostumado que, falando de filosofia, apresentamos muito mais perguntas do que respostas. Não que a filosofia não seja capaz de apresentar respostas, a questão é que ela não se contenta em fornecer, apenas, uma única resposta, pronta e acabada, por isso, quase sempre, ela se faz com múltiplas respostas. Eu penso que é por isso que ela, a filosofia, é tão mal vista e compreendida nos dias atuais. Em uma sociedade onde as transformações acon- tecem com a velocidade da luz, que apresenta como meta o lema “tempo é dinheiro”, tudo o que mais nos preocupamos é se isso vai, de alguma forma, servir para alguma coisa, se terá alguma utilidade para o desenvolvimento acadêmico e profissional. Se você pensa algo parecido com isso, que esse conteúdo se baseia nisso, sinto muito em lhe dizer que esse não é, necessariamente, o objetivo da Filosofia. Eu gostaria de apresentar a você dois motivos que esse conteúdo pode ser impor- tante para sua vida profissional. O primeiro motivo se dá pelas razões que desejamos realizar um curso de Filosofia. Não buscamos uma formação acadêmica, apenas, para adquirir conhecimentos que não serão possíveis colocar em prática e colher algum fruto desse esforço, seja financeiro, seja algum tipo de reconhecimento pessoal. O segundo motivo vem completar o primeiro, pois, quando buscamos colocar em prática os conhecimentos adquiridos, aqui especificamente em uma graduação em Filosofia, não fazemos de forma isolada e sozinhos, fazemos em contato com outras pessoas, dentro de uma organização, que poderá ser: escolar, religiosa, política, social, empre- sarial, entre outras. Por isso, compreender o espaço que cabe a filosofia dentro dessas organizações é fundamental para que possamos reivindicar, ainda mais, atuação da experiência filosófica e uma mudança estrutural diante dos desafios do século XXI. Adentrar o universo da Filosofia nas Organizações é a possibilidade de fazer uma filosofia prática, característica marcante do pensamento científico moderno. Outra opor- tunidade está em expandir o espanto, atributo essencial do pensamento filosófico, o que permitirá a você a elaboração de novas críticas, tornando o elemento fundamental para que a sabedoria transforme as atitudes e amplifique seus horizontes de possibilidades. FILOSOFIA NAS ORGANIZAÇÕES É fácil perceber que as inovaçõestecnológicas, aliadas ao potencial de interações causadas pela internet, junto ao poder da globalização, têm transformado, profunda- mente, a relação do ser humano com seu trabalho, com os outros e consigo mesmo. É necessário decifrar os dilemas humanos presentes nessas transformações para conse- guir equilibrar, da melhor forma, os aspectos que agregam a vida em sociedade e, es- pecialmente, a vida que se desenvolve por meio da ligação do Homem ao seu trabalho. Quando reconhecemos as transformações provocadas pela Revolução Industrial, que influenciaram fortemente o progresso, mas também os retrocessos da humani- dade, entendemos o motivo de estudar a filosofia dentro das organizações. A filosofia, como aquela capaz de apresentar uma linha mestre do conhecimento, direcionando, de forma crítica e coerente, todo o problema que dela se aproxima, não permanece alheia à necessidade de pensar e repensar esses ambientes que se relacionam diretamente com a vida de todos nós. Alguém já perguntou o que você estuda e, quando respondeu que estuda filosofia, percebeu que a pessoa ficou confusa, sem entender o que, realmente, faz alguém que estuda filosofia? Essa é uma situação que acontece bastante comigo. Por isso, com- preender a filosofia que está inserida nas organizações é, também, a possibilidade de sustentar uma noção frente à filosofia, de que ela não está desconectada da nossa realidade e do mundo que nos cerca, mas, sim, permitirá a você descontruir alguns equívocos e estereótipos que fazem da filosofia, aqueles do tipo que filosofar é olhar para o céu e pensar sobre as nuvens ou, ainda, de que todo professor de filosofia é doido que não se preocupa com a vida, que não tem muito o que fazer. Preparado(a) para começar o estudo sobre a Filosofia nas Organizações? Esse percurso terá acontecimentos históricos como ponto de apoio, aqueles que foram decisivos e influenciaram as transformações do pensamento filosófico e das próprias organizações pelo mundo. Se, em algum momento, sentir necessidade, volte, reveja alguns conceitos, questione, critique, aprofunde com leituras complementares se achar necessário, busque extrair, desse estudo, o máximo possível dos conteúdos, pois eu tenho certeza de que eles acrescentarão, de forma extraordinária, para o seu desen- volvimento pessoal e profissional. IMERSÃO RECURSOS DE Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 3 4 5 REPENSANDO O PAPEL DA FILOSOFIA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS 9 OS IMPACTOS DA QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 41 73 UTILIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: É POSSÍVEL EXISTIR MÁQUINAS PENSANTES? 101 O PRAGMATISMO FILOSÓFICO NO BRASIL 133 A NECESSIDADE DE NOVAS COMPETÊNCIAS NO AMBIENTE DE TRABALHO 1Repensando o Papel da Filosofia no Mundo dos Negócios Me. Julio Cesar de Paula Rodrigues Caro(a) estudante, a partir de agora, você iniciará o estudo da filosofia nas organizações. Nesta primeira unidade, repensaremos o papel da filosofia no Mundo dos Negócios e a influência que a indústria cul- tural exerce na construção social. Essa relação, que, aparentemente, parece pouco notável, tornar-se-á evidente ao passo que você com- preender as ideias críticas ao pensamento instrumental, apresenta- das pelos filósofos frankfurtianos Adorno e Horkheimer. UNIDADE 1 10 A principal dúvida, ainda nos anos finais da minha graduação em Filosofia, era se conseguiria um trabalho na minha área de formação, diante de tantas transforma- ções tecnológicas que o mundo do trabalho estava passando. Será que teria algum sucesso financeiro com a filosofia, diante de toda sedução e perspectivas que outras áreas que estavam surgindo poderiam me proporcionar? Não faz tanto tempo que isso aconteceu, apenas um pouco mais de uma década atrás. Era um momento em que o acesso ao mundo da computação começava a ser mais difundido, e as possibilidades da internet banda larga eram uma realidade mais acessível a todos. Caro(a) aluno(a), talvez, você, também, já se deparou com essa mesma dúvida. Vivemos um momento em que as transformações tecnológicas parecem não dar mais espaço para o pensamento filosófico. Com a nova era do conhecimento, com o desenvolvimento da inteligência artificial, intensificada com as habilidades de análise dos algoritmos, a pergunta que, muitas vezes, fazemos é: a Filosofia, ainda, é necessária? Existe espaço para a Filosofia no contexto atual? Precisamos repensar a reputação construída sobre a ideia do que é Filosofia. Ao retomarmos a máxima socrática “só sei que nada sei”, percebemos que o objetivo do filósofo Sócrates não era se fechar aos pequenos problemas corriqueiros que os gregos estavam acostumados, mas estar aberto ao conhecimento na sua mais completa totalidade. Diante disso, caro(a) aluno(a), a pergunta que precisamos fazer não é mais sobre o que eu posso fazer com a filosofia, mas, sim, o que a filosofia pode fazer comigo. Convido você para, juntos, refletirmos sobre isso, vem comigo? Você já deve ter percebido que nossa vida é orientada para o mundo do traba- lho. Somos controlados pela hora de acordar e dormir, de comer, de sair de casa, sempre guiados para cumprir as exigências do trabalho. A roupa que vestimos é fruto do trabalho de alguém, e tudo o que nos cerca (prédios, cadeiras, mesas, computadores) passou pelas mãos de alguém. Diante disso, convido você a fazer uma pesquisa na web sobre as profissões mais requisitadas neste período de pós- -pandemia. Além disso, amplie um pouco mais sua pesquisa, verificando quais são as habilidades interpessoais indispensáveis para responder à demanda dessas novas formas de trabalho. Faça uma lista em tópicos, ligando cada profissão com as habilidades interpessoais exigidas. Lembre-se de utilizar o Diário de Bordo para a resolução da sua pesquisa. 11 Desde o início da Revolução Industrial, no final do século XVIII, com o apogeu da máquina à vapor, a relação Homem versus trabalho é um problema que, ainda, precisa ser muito estudado. A mecanização do processo do trabalho iludiu os trabalhadores, fazendo com que acreditassem que conseguiriam mais liberdade e tempo de lazer com a família, mas não foi isso o que aconteceu, foram suprimidos por baixos salários e uma carga de trabalho exaustiva, ou seja, quem não fosse capaz de suportar uma jornada constante de 16 horas de trabalho era, simplesmente, descartado e substituído por outro funcionário. Descrição da Imagem: a figuraapresenta uma fotografia, em preto e branco, que mostra mulheres trabalhando em máquinas têxteis, inspecionando fios, na American Woolen Company, Boston, em 1910. No lado direito da foto, podemos observar uma mulher sentada em uma cadeira com o corpo e o rosto voltados para a esquerda, onde há uma máquina têxtil, um equipamento circular de metal onde há fios brancos em volta e, acima, um rolo de tecido branco preso em um equipamento de metal. À frente e à esquerda do maquinário, há vários rolos de tecidos brancos de vários tamanhos, de cima a baixo, da direita à esquerda. Acima, há uma roldana no teto que sustenta alguns fios brancos. Há vários maquinários do mesmo modelo até o fundo da foto, com cada mulher sentada em um maquinário. Figura 1 - Revolução Industrial Pouco mais de dois séculos se passaram, e estamos vivenciando a quarta fase dessa Revolução, cada vez mais, sem tempo para a família, para o lazer, para o ócio. A própria casa passou a ser uma extensão do trabalho, e os trabalhadores UNICESUMAR UNIDADE 1 12 tiveram que, cada vez mais, desenvolver novas habilidades, possuir o espírito de gestor/liderança/trabalho em equipe e ter mais equilíbrio emocional para ser capaz de trabalhar sob pressão. Outro fator que se intensificou ainda mais nesse período pós-pandemia é a forma de fazer compras. É muito mais comum as pessoas fazerem compras pela internet, impulsionando trabalhos por aplicativos, causando maior flexibilização dos moldes tradicionais de trabalho. Os trabalhos por aplicativos possibilitam ao trabalhador estabelecer sua própria meta salarial e fazer seu próprio horário de trabalho, e essa realidade parece ser uma novidade tecnológica que veio para ficar. Repensar o papel da filosofia, diante dessa nova realidade, é fundamental. Se olharmos para a história da filosofia, perceberemos que é o filósofo Sócrates quem propõe uma forma de filosofia que não estivesse, apenas, preocupada com as técnicas do discurso, como faziam os sofistas, mas, sim, uma filosofia preocupada com a verdade, com os problemas concretos que influenciavam, diretamente, a vida dos cidadãos e o futuro da pólis. 13 A ironia, primeira fase do método socrático, pretende interrogar os conheci- mentos prévios de quem se abre ao diálogo, com a pretensão de fazer com que o interrogado se desprenda dos falsos conhecimentos ou das ideias pré-concebidas, de forma que consiga reconhecer que muitas opiniões defendidas como certas são, no mínimo, duvidosas, quando não, totalmente, absurdas. Uma questão que Sócrates gostava de propor era se a virtude poderia ser ensinada por meio de exemplos virtuosos (WATANABE, 2006). Podemos dizer que a ironia prepara o espaço para a realização da segunda fase, a maiêutica. A palavra maiêutica significa, em grego, parto. Sócrates utili- za-se de perguntas para levar seu interlocutor, pouco a pouco, a reconhecer um conhecimento que estava dentro dele adormecido, podendo, assim, despren- der-se de opiniões infundadas, para uma certeza possibilitada pelo percurso da argumentação. De forma mais simplificada, levando à luz o conhecimento, fazendo um parto de ideias. UNICESUMAR UNIDADE 1 14 É importante reafirmar a filosofia como responsável em desenvolver as bases do conhecimento racional para desfazer as falsas certezas que carregamos no momento presente. O que é a verdade? É fundamental que essa pergunta seja respondida diante de uma onda de desinformações que vivemos, ainda mais es- timulada pelas várias formas de fake news, em que os sujeitos tenham adquirido um nível de ignorância nunca antes visto. É indispensável realizar uma análise sobre os limites da razão instrumental. Descrição da Imagem: a figura apresenta uma fotografia de uma jovem sentada no sofá, com as mãos ta- pando os ouvidos, e há vários braços em sua direção, segurando celular, tablet, computadores e megafone. Figura 2 - Excesso de Informações O pensamento produzido pela Escola de Frankfurt, que tem, como principais responsá- veis, os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer, exerceu grande influência na filoso- fia e nas ciências do século XX. Adorno e Horkheimer criaram o conceito de indústria cul- tural, que apareceu, pela primeira vez, no livro Dialética do Esclarecimento, publicado em 1947. O ponto principal dos filósofos frankfurtianos é o desenvolvimento de uma Teoria Crítica que avalia o desenvolvimento intelectual da sociedade contemporânea, incorpora- da pela indústria avançada e pelo capitalismo cada vez mais latente. Fonte: adaptado de Adorno e Horkheimer (1985). EXPLORANDO IDEIAS 15 É comum organizações, pequenas ou grandes empresas, como escolas, ongs e igrejas, fazerem uso da filosofia, para designar o conjunto de valores e regras que tal organização respeita e vê como fundamental para o desenvolvimento dos seus serviços ou produtos. Associar o pensamento filosófico a algumas práticas isoladas demonstra tamanho desconhecimento, pois representa, quase sempre, apenas uma mera jogada de marketing. A “filosofia”, nesse caso, está mais relacionada ao objetivo de transmitir a seu público uma espécie de máscara, ao proceder de maneira superficial, estimulando suas práticas com atividades isoladas e politicamente corretas, propondo bonifica- ções de metas aos melhores funcionários, ou utilizando-se de slogans de empresa amiga do meio ambiente ou, ainda, de ações que propõem ajudar os mais neces- sitados da sociedade, com a pretensão de captar a credibilidade e a sensibilização das pessoas, na intenção de valorizar, ainda mais, seus produtos e sua marca. Outra tendência, potencializada nesse momento pós pandemia, é associar a filosofia a um tipo de “especialistas” do saber, capaz de auxiliar qualquer pessoa desprovida de maiores conhecimentos a desenvolver um infoproduto qualquer e elaborar uma estratégia de marketing para fazer vendas na internet e ganhar muito dinheiro. É a tendência cada vez maior de produzir necessidades para vender soluções. UNICESUMAR UNIDADE 1 16 O uso, muitas vezes, equivocado da filosofia deve-se ao fato de que, no Brasil, a importância que é dada ao ensino de filosofia, na educação pública e privada, é de tamanho ínfimo. Se voltarmos ao passado, perceberemos que, com o início da Ditadura Militar no Brasil, a filosofia foi proibida nas escolas, voltando a ser obrigatória nos três anos do Ensino Médio, apenas, em 2008. É uma estrada ainda curta que a filosofia tem percorrido no Brasil, e a questão continua sendo a mesma: para que formar pessoas conscientes e reflexivas? Não é de hoje que a filosofia é vista como subversiva e perigosa diante das regras, na maioria das vezes, impostas nas sociedades. Caro(a) aluno(a), que tal conversarmos um pouco sobre o campo de trabalho da filosofia? Quando eu estava na graduação, fazendo o curso de Filosofia, assim como você, interessei-me muito pelo curso e decidi que seria professor. Pensei nas possibilidades de levar o pensamento filosófico para a sala de aula e contribuir, ainda que minimamente, para a construção de uma sociedade melhor. Em seguida, decidi me inscrever no programa de mestrado, para, assim, poder estudar ainda mais e conseguir ampliar os horizon- tes de trabalho. Em nosso bate-papo, posso contar a você mais sobre minha pesquisa e os desafios que encontrei. Convido-o(a), então, para essa roda de conversa!. Mas qual é o espaço que a filosofia ocupa dentro de uma organização? Afinal, o que é uma organização? Com as mudanças econômicas iniciadas no final do século XX, sob a influência do pós-guerra, potencializou-se a criação de uma nova ordem mundial com ênfase na globalização e na internacionalização da economia. O mercado e o sistema financeiro começaram a ser controlados pelas grandes empresas multinacionais, com suas sedes espalhadas pelos vários con- tinentes. Essa realidade forçou a criação de organizações internacionais, como, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU), que tem objetivo de estabelecerum ambiente de paz mundial. De forma mais próxima da nossa rea- lidade, podemos pensar em organização quando pensamos em uma escola, no ambiente político, no setor empresarial e, até mesmo, numa organização religiosa. Uma organização é pautada por princípios fundantes que estabelecem uma rela- ção entre seus membros, podendo ser empregados assalariados ou voluntários; 17 por aquilo que ela produz, dividido em produtos materiais e imateriais; e pela sociedade de pessoas a qual está inserida. De forma bastante superficial, poderíamos pensar que a filosofia inserida nesse mundo das organizações poderia contribuir para que seus representantes, enriquecidos de reflexões, fossem capazes de tomar decisões mais assertivas e agir com mais sabedoria. Mas a filosofia, ao propor questionamentos, que são próprios do seu ofício, pode confrontar-se com essas organizações, podendo encontrar conteúdos de reflexão sobre a atividade humana e, também, sobre sua própria prática (PESQUEUX, 2008). Descrição da Imagem: a figura é uma fotografia que mostra dois bonecos, representando homens conversando. Eles vestem terno e gravata e estão em cima de um caderno aberto com folhas brancas. Próximo a eles, há cinco setas de vários tamanhos, apontadas para o lado direito. Figura 3 - Em busca de sentido Caro(a) aluno(a), para realizarmos um bom estudo sobre a filosofia nas orga- nizações, é preciso darmos um passo atrás, para sairmos da cortina de fumaça e conseguirmos enxergar a realidade de forma mais concreta. Pensar a filosofia em seu desdobramento ético atrelado ao mundo das organizações e suas práticas, talvez, seja um importante passo para a compreensão dos problemas atuais, possibilitando uma visão mais ampla, essencial e oportuna. No pensamento de Platão, já havia uma proposta ética, ao pensar a organiza- ção política e social da pólis, compreendendo que, para se alcançar uma cidade UNICESUMAR UNIDADE 1 18 justa, os cidadãos deveriam se conhecer plenamente e viver de acordo com suas habilidades e necessidades, oferecendo o melhor de si e tomando, como base, a virtude. Platão entende que, para o bom funcionamento da cidade, é preciso que haja uma formação de todos os cidadãos, claro que, nesse período, é uma atividade exclusivamente voltada para os homens, em que cada um terá que des- cobrir qual alma predomina dentro de si: de bronze, prata ou ouro. Aqueles que tivessem a alma de bronze seria responsável pela agricultura e pelos serviços de manutenção da pólis. Para quem possuísse a alma de prata, seria responsável por defender e proteger a pólis, pois esse teria a coragem. Para o que atingisse o último nível e fosse detentor da alma de ouro, seria o responsável pela administração da pólis, pois esse teria atingido a sabedoria da filosofia. NOVAS DESCOBERTAS Título: O Doador de Memórias Ano: 2014 Sinopse: o filme retrata a organização de uma sociedade que vive em um mundo aparentemente ideal, em que cada pessoa desempenha uma função para o bom funcionamento da cidade, designada a partir dos seus impulsos internos. Uma pessoa é encarregada de armazenar as memórias que foram apagadas dos outros cidadãos, como forma de poupá-los do sofrimento e, também, guiá-los com sua sabedoria. De tempos em tempos, essa tarefa muda de mãos e, agora, cabe ao jovem Jonas (Brenton Thwaites), que precisa passar por um duro treinamento para provar que é digno da responsabilidade. O filme relaciona a teoria platônica ao revelar a designação de várias classes de pessoas respon- sáveis por manter uma boa organização social. Você poderá fazer os se- guintes questionamentos: para Platão, quem é o mais capaz de pensar a administração da cidade? E, no filme, qual é a principal habilidade de quem é o administrador? Poderá pensar ainda: qual a importância do conhecimento e da memória? Ainda no século IV a.C., Aristóteles avança no questionamento sobre a ética, iniciado pelo seu mestre Platão, e sistematiza esse campo de saber filosófico. Foi o primeiro a realizar uma organização dos saberes, estabelecendo dois campos do conhecimento: ciências teoréticas e ciências práticas. As ciências teoréticas, como o próprio nome diz, são teorias contemplativas, que não criam seus ob- https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/14608 19 jetos, pois se dedicam a pensar o que já existe. Nesse grupo, estão a metafísica, denominada filosofia primeira, e a física, subdividida em filosofia da natureza, biologia e psicologia. Já as ciências práticas têm, como objeto, a própria ação humana. Nesse caso, o pensar e o agir estão intimamente conectados, pois focam no próprio ser humano. Nesse grupo, foram incluídas a economia, que cuida da administração da casa, a política, responsável pela gestão da cidade, e a ética, que trata da orga- nização da vida. São três áreas integradas entre si, pois tratam das ações humanas, relativas às esferas da vida: familiar, coletiva e privada. A ética aristotélica estuda as ações humanas baseadas no caráter de cada um. Para Aristóteles, a inclinação natural de cada um viver é aprimorada com a ética, em outras palavras, é possível aprender a agir eticamente. Mas como é possível? Somos inclinados naturalmente a buscar o prazer e fugir da dor. É tarefa da ética educar os desejos desenfreados, evitando os vícios, para, assim, alcançar a virtude, por meio do exercício da prudência. Quanto maior for a reflexão sobre a finalidade de cada ação que praticamos, conduzindo nossos desejos para longe dos vícios, mais seremos prudentes, melhores e, consequentemente, felizes. A ética aristotélica reconhece a importância do hábito, pois, por meio da prática de exercícios virtuosos, aprendemos as virtudes éticas. Tornamo-nos uma pessoa virtuosa à medida que agimos de forma racional e equilibrada, sem cair no excesso ou na falta. Todas as ações nos levam a um bem, e o supremo bem, aquele que está acima de todas as coisas, para Aristóteles, é a felicidade. E falando sobre a felicidade, ele a compreende como o próprio exercício da racionalidade humana, o que nos torna diferente de todos os outros animais. Ainda falando em felicidade, frequentemente, relacionamos felicidade com o fato de possuir muito dinheiro. Não é, necessariamente, o dinheiro em si, mas, sim, aquilo que o dinheiro é capaz de comprar que poderá trazer felicidade. Para pensarmos um pouco, podemos propor a seguinte questão: será que o dinhei- ro pode mesmo comprar tudo? À primeira vista, arriscamos afirmar que sim. Podemos comprar viagens para a Europa, carros importados, roupas de marca, celulares ultramodernos e o conforto de ter uma casa luxuosa com piscina e uma grande sala de cinema. Podemos, ainda, concluir que o dinheiro é capaz de pagar melhor tratamento de saúde, caso você tenha um problema mais grave e precise de cuidados intensivos. O dinheiro possibilita, também, pagar a melhor escola, com métodos inovadores e com total segurança e conforto para as crianças. UNICESUMAR UNIDADE 1 20 Vivemos uma realidade em que quase tudo pode ser comprado e vendido. Mas, para as organizações, vale tudo pelo dinheiro? Até que ponto os negócios podem controlar nossas vidas? Ao longo das três últimas décadas, o mercado financeiro tem controlado nossas vi- das de uma forma nunca vista. A crescente ideologia de que o capitalismo é eficaz em gerar abundância e prosperidade faz com que os valores de mercado desempenhem um do- mínio cada vez maior sobre todos os aspectos da vida humana. Mas como isso começou? Descrição da Imagem: a figura é uma fotografia de uma escultura do filósofo Aristóteles, em que pode- mos ver o busto. Ele aparece de perfil, com a testa franzida, a barba pouco grande e cabelos ondulados. Um detalhe da imagem é que, na ponta do seu nariz, há uma pequena parte faltando. Figura 4 - Aristóteles 21 Há uma afirmação de que a falta de princípios éticos no mundo dos ne- gócios se deve à ganância desenfreada, por parte de alguns executivos, que levou a uma irresponsávelbusca pelo lucro acima de qualquer coisa. A solução seria conter esse excesso de ganância do mercado financeiro, insistindo numa maior integridade e responsabilidade dos seus executivos, adotando regulações mais equilibradas (SANDEL, 2015). Ainda que apareça evidente, tudo indica que essa é uma constatação bastante fragmentada. As mudanças ocorridas nas últimas três décadas e os problemas sus- citados por essas mudanças nos levam a olhar, com mais atenção, para o papel que o mercado ocupou nas esferas da vida pessoal, onde não devia fazer parte. O fato de decisões serem tomadas em torno de ganhar ou perder dinheiro não é espanto no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo. É só olharmos para o dilema criado pela pandemia. Entre ficar em casa, evitando o contato social por causa do vírus desconhecido, ou continuar trabalhando, mantendo o sistema de produção e, assim, a economia funcionando, qual é a decisão mais certa a se tomar? Precisamos esclarecer que as decisões do mundo dos negócios são feitas por pessoas. Pessoas essas que um dia foram crianças, passaram por uma escola, aprenderam, minimamente, alguns valores morais, mas, com o decorrer do tem- po, por algum motivo, passaram a medir o que é bom, apenas pela perspectiva do lucro e da expansão dos seus negócios. O filósofo Nicolau Maquiavel já, há cinco séculos, compreendeu muito bem o valor do dinheiro na vida das pessoas. Ele orienta o príncipe que seja preferível ser temido, mas que tivesse cuidado para não despertar o ódio dos seus súditos, para isso, seria importante que o príncipe evitasse servir-se das mulheres e da herança de seus súditos, porque os homens esquecem mais facilmente a morte dos pais que a perda de seus bens (MAQUIAVEL, 2019). Será que é daí que vem aquele ilustre ditado popular: mulher e dinheiro não se emprestam? Talvez, você esteja se perguntando: porque devo me preocupar com o fato de as sociedades estarem avançando para uma realidade em que o poder de comprar é o mais importante? E, ainda mais, em seu íntimo, esteja pensando: mas esse professor que escreve gostaria de viver sem dinheiro para comprar o que precisa? UNICESUMAR UNIDADE 1 22 Caro(a) aluno(a), ninguém deseja uma vida cheia de sofrimentos e dificuldades para viver com o mínimo de dignidade. Por isso, estudamos, fazemos cursos, aprimoramos nossos talentos, empreendemos, pois esperamos que todos esses esforços possibilitarão melhor domínio sobre aquilo que desenvolvemos e nos proporcionarão maior retorno financeiro, ou seja, a possibilidade de maior con- forto para nós e nossas famílias. O fato é que, numa sociedade em que tudo pode ser comprado, corremos o risco de reforçar a desigualdade e a corrupção. Ora, vejamos a desigualdade: viver em uma sociedade em que tudo está à venda é muito mais difícil para quem tem pouco dinheiro. Quanto mais forem as coisas que o dinheiro pode comprar, mais notável será a riqueza ou a percepção da falta dela (SANDEL, 2015). A corrupção é o segundo problema a ser potencializado em uma sociedade onde o dinheiro pode comprar tudo. A corrupção tem a ver com a tendência corrosiva dos mercados. Atribuir um preço a tudo aquilo que é bom pode fazer com que esse bem seja corrompido, pois o capitalismo não só distribui os bens, Descrição da Imagem: a figura é uma ilustração/montagem, na qual vemos duas mãos opostas, uma segurando um monte de moedas à esquerda, e outra segurando o globo terrestre à direita. No fundo, é possível ver nuvens escuras e a terra toda seca com rachaduras por falta de chuva. Figura 5 - Vida x Dinheiro 23 mas também promove determinadas atitudes em relação aos bens em circulação (SANDEL, 2015). Imagine que pudéssemos resolver o problema escolar, pagando um valor em di- nheiro para cada tarefa que as crianças completassem com êxito. Copiou o conteú- do do quadro, ganhou um real, realizou todos os exercícios, mais dois reais, resolveu toda a tarefa de casa, mais três e assim sucessivamente, como forma de compensar todo esforço da criança, uma forma de pagar para que a criança aprenda. Para os economistas, essa seria uma boa solução para o problema escolar. Quando tratamos de dinheiro em uma sociedade regulada pelo capitalismo, os economistas partem do pressuposto de que os valores mercantis não excluem os valores morais, será verdade? Se olharmos com atenção, perceberemos que isso já acontece na realidade de nossas escolas, não em forma de dinheiro, mas em forma de média anual. A nota bimestral não deixa de ser uma forma de recompensa. A questão a se pensar é se esse modelo de recompensa cria alunos prazerosos e interessados a aprender cada vez mais ou, apenas, alunos cheios de um estímulo momentâneo, que se esgota na falta de recompensa? Outro exemplo é oferecer a alguém um vale-presente. Uma modalidade nova de presentear, quando há dúvida do que comprar, é o oferecimento de um cartão com determinado valor, em que a pessoa poderá escolher aquilo que mais lhe agra- dar. Isso é uma enorme praticidade aos olhos dos economistas, pois, para quem tem dúvida do que a pessoa gostaria de ganhar, o vale-presente resolve esse problema, além de ganhar tempo e não precisar ficar horas na loja para escolher um presente. O problema de fundo é justamente o tempo empregado para escolher algo que agradará a outra pessoa. Por mais que, ao escolher presentear alguém, utili- zamos daquilo que nos é mais agradável, seja pela cor, seja pelo estilo que mais está sendo usado, quem escolhe dar um presente a alguém precisará se colocar no lugar do outro, reconhecer o gosto da outra pessoa, para, assim, poder pensar e escolher um presente que agradará, exclusivamente, a quem está recebendo. O fato é que não existe um consenso sobre os valores que merecem ser pre- servados na sociedade. Para poder responder sobre o que o dinheiro pode e não pode comprar, precisamos decidir que valores devem orientar os vários aspectos da nossa vida social e cívica. Quando decidimos que determinados bens podem ser comprados e vendidos, estamos a dizer que tais bens podem ser tratados como mercadorias, como objeto de uso e de lucro. Um exemplo, para isso, é pensar na escravidão: os seres humanos eram tratados como mercadorias que podiam ser UNICESUMAR UNIDADE 1 24 compradas e vendidas em uma loja. É a total não valorização do ser humano que merece ser respeitada a sua dignidade e não ser visto como objeto de uso e lucro. Algo semelhante pode ser dito em relação à venda de órgãos humanos. Não con- cordamos com a prática de compra e venda de órgãos, mesmo que seja para salvar vidas. É inconcebível essa prática, pois é uma escolha que deve partir da liberdade individual de cada um em poder escolher o que fazer com seus órgãos após a sua morte. Esses exemplos nos levam a pensar em todos os aspectos da vida que podem ser corrompidos, quando convertidos em mercadorias. Portanto, para decidir sobre quais domínios da vida o mercado pode agir e de onde deve se manter afastado, é preciso determinar o modo que devem ser valorizados os bens essenciais, como: vida familiar, saúde, educação, natureza, arte, deveres cívicos etc. Trata-se de questões morais e políticas, e não, meramente, econômicas (SANDEL, 2015). Caro(a) aluno(a), é fundamental, nesse ponto, esclarecer a absoluta diferença entre uma organização com base numa economia de mercado e uma organi- zação em que predomina a sociedade de mercado. A diferença é, basicamente, que uma economia de mercado é uma ferramenta valiosa e eficaz, na organização da atividade de produção, enquanto uma sociedade de mercado é uma forma de vida em que os valores de mercado se infiltram em todos os aspectos da ativida- de humana, fazendo com que as relações sociais sejam moldadas à imagem do mercado (SANDEL, 2015). NOVAS DESCOBERTAS O vídeo The Story of Stuff (A História das Coisas) revela como as coi- sas são produzidas pelas grandes indústrias e, depois, descartadas no meio ambiente. Apresenta aspectos econômicossobre o tratamento da riqueza natural e a vida das pessoas que fazem parte desse proces- so de produção. Caro(a) aluno(a), esse vídeo o(a) ajudará a compreen- der como a sociedade de mercado tem influenciado nossas decisões e moldado nossos comportamentos, alterando nossa relação com a natureza, com o trabalho e com as pessoas. Se pararmos um minuto e pensarmos como a nossa vida tem sido marcada pela sociedade do consumo, perceberemos que, desde o fim da Segunda Guerra Mun- dial, estamos sendo, diariamente, bombardeados por anúncios publicitários na https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12954 25 televisão, por influenciadores digitais a todo momento, dizendo como devemos nos vestir, qual é a cor com mais tendência para o verão, o melhor modelo de ce- lular. A internet conseguiu compreender aspectos fundamentais da vida humana e propor uma solução para tudo resolver. É, especialmente, sobre essa realidade que os filósofos Adorno e Horkheimer estabelecem uma profunda análise teórica, ao desenvolverem um pensamento crítico sobre como a sociedade capitalista, dominada pelo pensamento científico, passou a se desenvolver e influenciar a vida cultural. Vamos pensar como somos influenciados pela tendência de nos tornarmos cada vez mais técnicos em alguma área do conhecimento. Cada vez mais, somos levados a acreditar que, quanto mais conquistarmos o título de especialista em uma área, mais teremos sucesso e muito mais retorno financeiro. De fato, se for- mos buscar atendimento médico para resolver um problema de dor no joelho, após termos sofrido uma queda em uma partida de futebol, preferiremos um médico que seja o maior entendedor dos problemas causados no joelho, com a expectativa de que teremos o problema mais facilmente resolvido e sem sequelas. É, realmente, difícil argumentar contra esse fato, pois, sem dúvidas, um médico que passou maior tempo estudando especificamente sobre joelhos será mais entendedor do problema, quando comparado a uma pessoa que estuda, por exemplo, doenças relacionadas à visão. O fato é que, em toda carreira, mas sobretudo nas profissões liberais, os conhecimentos especializados estão, via de regra, ligados a uma mentalidade de conformismo às normas, caindo facilmente a ilusão de que os conhecimentos especializados são os únicos que contam. Na verdade, faz parte do planejamento irracional dessa sociedade reproduzir, sofri- velmente, as vidas de seus fiéis (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Essa capacidade técnica de desenvolver especificamente um ofício, seja na área médica, seja na área do direito, seja na fabricação de automóveis ou pré- dios, trouxe a convicção de que, quanto mais a humanidade progredir em conhe- cimentos, mais ela terá a possibilidade de viver de forma esclarecida, sendo livre e responsável pelo seu destino, abandonando as superstições e a imaginação dos mitos, pelo saber científico (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Essa passagem do pensamento mitológico para o pensamento filosófico, iniciado pelos pré-socráticos, parecia um caminho sem volta. Com o desenvol- vimento da escrita e da lei e, consequentemente, com a utilização da moeda e o desenvolvimento da democracia, houve a necessidade do pensamento grego UNICESUMAR UNIDADE 1 26 de buscar uma explicação sistematizada da realidade e, consequentemente, a superação do mito. A crença de que a razão seria capaz de superar os dogmas teve início com o próprio surgimento da filosofia. A proposta dos primeiros filósofos, Tales de Mileto, Parmênides e Heráclito, era a busca de um elemento universal (denominado arkhé, pelos gregos) na ten- tativa de romper com a barreira estabelecida pelos mitos, que, ainda, insuficientes num primeiro momento, pudesse colocar a razão (logos) como ponto central, na possibilidade de pensar sobre a origem e a composição do kósmos. Mas foram os fundamentos da modernidade que potencializaram a valorização excessiva da ciência e sua aplicação a todos os campos da vida humana. Essa perspectiva teve origem com o positivismo, corrente filosófica iniciada por Augusto Comte. 27 A novidade do pensamento comtiano é a formulação da “lei dos três esta- dos”. Segundo ele, no primeiro estado, denominado teológico, predomina uma explicação dos fenômenos da natureza como resultado das forças divinas e sobrenaturais. Um exemplo que pode ser usado é a tentativa de explicar a chu- va. Uma pessoa, nesse estado, tentaria fundamentar uma explicação baseada na ideia de que Deus é quem manda a chuva. O estado metafísico é a segunda fase desse processo defendido por Comte, em que as crenças e as forças sobrenaturais são substituídas por ideias abstratas adquiridas pela observação empírica e pelo uso de teorias racionais. Mas é no último estado, denominado positivo, que a humanidade estaria mais evoluída, porque utilizaria da relação causa e efeito para justificar o predomínio da ciência como guia do desenvolvimento da hu- manidade em seu estágio de maturidade (COMTE, 1978). Descrição da Imagem: a figura é um desenho da bandeira do Brasil. Esta tem as cores verde, amarelo, azul e branco. No círculo central, está escrito “ordem e progresso”, lema inspirado no positivismo de Augusto Comte. Figura 6 - Bandeira do Brasil Caro(a) aluno(a), você já ouviu falar em tecnociência? Esse termo passou a ser utilizado, a partir da segunda metade do século XX, para designar a relação entre o conhecimento científico e sua aplicação prática. Na origem da ciência moder- na, está a vontade humana de conhecer, cada vez mais, a natureza e, a partir do UNICESUMAR UNIDADE 1 28 conhecimento adquirido, poder aplicar e utilizar esse conhecimento, de maneira que ele satisfaça os anseios e as necessidades da humanidade. O fato é que as descobertas científicas, na maioria das vezes, são financiadas por empresas que objetivam muito mais que respostas e soluções para o bem geral da humanidade. É o caso da corrida espacial, uma disputa da antiga União Soviética e dos Estados Unidos, que pretendiam demarcar uma hegemonia po- lítico-econômica, numa disputa que visava chegar, primeiro, à Lua. Os Estados Unidos venceram a corrida espacial. E quais benefícios a humanidade teve com essa descoberta? Os americanos firmaram seu poder e sua força, ao cravarem sua bandeira na Lua, um domínio que sustenta até os dias atuais. Mas o que, de fato, melhorou na vida dos cidadãos americanos? Descrição da Imagem: a figura é uma fotografia que mostra um astronauta na Lua e uma bandeira dos Estados Unidos. Além disso, vemos um carro com equipamentos de exploração e uma nave maior. Figura 7 - Chegada do Homem à Lua Atualmente, a corrida dos países desenvolvidos tem sido na produção de pesqui- sas para compreender o vírus e produzir uma vacina contra a Covid-19. Diante de todos os benefícios que parecem resultar dessa descoberta científica, é inevi- tável refletir se o utilitarismo da tecnociência, nesse caso, não está beneficiando, 29 apenas, alguns grupos específicos, em vez de toda a humanidade. Questionar se os interesses econômicos e políticos estão sobrepondo os interesses coletivos, ao utilizar da ciência com objetivo exclusivamente do lucro, é tarefa da filosofia. O pensamento produzido pela Escola de Frankfurt, denominado Teoria Crí- tica, atentar-se-á aos efeitos causados pela ciência moderna nas transformações sociais e econômicas e, principalmente, à influência que a ciência passou a ter, diretamente, na vida da classe trabalhadora. Com o avanço dos meios de comu- nicação e a criação da internet, o desenvolvimento e a divulgação de uma nova teoria passaram a ser possíveis quase de forma simultânea. A questão central da crítica elaborada por Adorno e Horkheimer é a disposição massificadora da indústria cultural e sua capacidade de gerar uma espécie de “docilidade” da classe trabalhadora cada vez mais dominada pelo pensamento capitalista. A eficiência da indústria cultural, com seus mecanismos de propagação da ideologia dominante tão eficaz,é “capaz de disseminar bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais” (ADORNO; HGORKHEIMER, 1985, p. 100). Isso revela porque os padrões são aceitos com naturalidade, e o sistema de comunicação de massa (que, no período dos frankfurtianos, era o cinema, a televisão e o rádio e, hoje, é a internet) consegue gerar um de ma- nipulação e de necessidades que precisa se retroalimentar constantemente. É só olharmos para qualquer programa de televisão/rádio ou programas na in- ternet, que são mais acessados nos dias atuais, e vermos que os principais interes- ses dos seus idealizadores são o entretenimento e a venda de produtos dos seus anunciantes. Até mesmo os telejornais, que levam algum tipo de informação e conhecimento, não deixam de usar uma estratégia sensacionalista e impactante com a mera intenção de reter o seu público o mais tempo possível. Não existe espaço para discussão e debates nos meios de comunicação de massa. Perceba o que, normalmente, acontece: quando é noticiado algo muito ruim que aconteceu, como, por exemplo, a alta taxa de desemprego no Brasil, logo em seguida, já se tem uma notícia positiva, quase como função de anestesiar a dor e a reflexão. Uma outra tendência que a padronização provoca é a produção em série. Nos dias atuais, quando falamos em série, logo vem à cabeça os seriados no Netflix que tratam de algum assunto específico em vários episódios, alguns nunca ter- minam, toda hora, começa-se um novo. Ainda que seja bom exemplo para os UNICESUMAR UNIDADE 1 30 dias atuais, não é, exatamente, sobre isso que a crítica se atenta. A questão pas- sa pelo consentimento por parte dos trabalhadores, que, no período inicial da Revolução Industrial, organizaram-se como resistência e luta contra as normas impostas, mas, com a gênese da indústria cultural, passaram a aceitar, com total naturalidade e desejo, todos os padrões que lhes fossem oferecidos. É como imaginar viver sem ter um smartphone. Já parou para pensar quanta padronização é causada pelo uso diário do smartphone? Para começar, a forma de se comunicar. Quase que unicamente a comunicação acontece por mensa- gens, são poucas ligações por voz onde se consegue revelar a entonação da voz e expressar, mais nitidamente, algum sentimento. Depois, vêm as redes sociais, que servem como uma janela, onde precisam ser mostrados os acontecimentos diários por meio de post e storys, sempre baseados em outros padrões, para que o maior número de pessoas esteja, cada vez mais, engajado e seguindo aquele conteúdo, que não deixa de ser um padrão. Descrição da Imagem: a figura é uma montagem com oito fotografias, na qual vemos, lado a lado, quatro mulheres, três homens e uma criança, que estão olhando, com aparência alegre, para o celular que está em suas mãos. Figura 8 - Conectados Uma objeção é a possibilidade de fugir dos padrões porque somos dotados da liberdade de escolha. Essa convicção, alerta Adorno e Horkheimer, não passa de uma ilusão para que seja possível sustentar a concorrência entre as grandes fabricantes (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). É como pensar nas várias mar- 31 cas de smartphone que existem, suas diferenças internas são quase invisíveis, normalmente, recebem os mesmos componentes eletrônicos e estes são monta- dos na mesma fábrica. O diferencial entre uma marca e outra é um design mais arrojado, a cor, o tamanho da tela, o que expressa algumas pequenas diferenças, visualmente falando, dando, assim, a certeza de que foi utilizado de toda liber- dade na escolha de tal modelo de smartphone. Outros produtos muito disseminados pela indústria cultural são os filmes e, exclusivamente, no Brasil, a telenovela. Os filmes, em específico, possuem um roteiro qualquer, mas preenchido de efeitos sonoros e visuais, o que facilita a assimilação da sua trama com a vida do espectador. O filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual esses possam, sem perder o fio, refletir sobre a obra, permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele, para se identificar, imediatamente, com a realidade (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). UNICESUMAR UNIDADE 1 32 Com as telenovelas, não é diferente. Suas histórias são marcadas por aconte- cimentos que se assemelham aos acontecimentos comuns na vida do espectador, revelando como a “sociedade industrial instalou suas ideias e produtos na cer- teza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los atentamente” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 104). Um exemplo, para isso, é o esmalte vermelho que a atriz principal da novela usa, é impossível não o reparar. Assim, aquela mulher que acorda cedo, vai para o trabalho, volta, no final do dia, para casa, busca os filhos na escola, prepara o jantar e, com o pouco tempo que tem livre, deita no sofá e liga a televisão para assistir à novela, ao se deparar com a história, identi- fica-se com algum aspecto, mas o que mais chama sua atenção é o esmalte que a atriz está usando. Na primeira oportunidade que tiver, comprará um esmalte da mesma cor para se sentir ainda mais parecida com a atriz da novela. Adorno e Horkheimer chamam a atenção para o valor absoluto da imita- ção, difundido pelos instrumentos da indústria cultural. Os teóricos se prendem ao fator relevante que a arte propagada nas mais diversas formas influencia, di- retamente, a construção de um modelo social que se reconhece nos padrões, abomina o diferente e estabelece regras gerais a serem seguidas. A própria ideia de beleza construída pela indústria cultural é uma noção que precisa ser re- pensada. A pergunta: o que é uma pessoa bela? Comumente, será respondida de acordo com alguns padrões que são imitados de acordo com determinado consenso do grupo. Mas o que está em jogo é a significação que esses modelos possuem dentro dos mecanismos da indústria cultural. Quem são os personagens que fazem as propa- gandas publicitárias na televisão? Quem é o personagem principal de uma famosa produção cinematográfica? São aqueles que fogem à regra do conjunto de elementos de imitação? São homens e mulheres fora dos padrões estipulados pelo consumo? Pensar sobre algumas questões relacionadas ao gosto, sugere um leviano e corriqueiro argumento de que gosto é uma coisa que não se discute, cada um tem o seu. De fato, discutir qual sabor de sorvete é melhor, abacaxi ou limão, de- penderá, exclusivamente, de quem esteja consumindo o sorvete. No meu caso, o limão é mais gostoso. E não me peça para explicar o porquê. A forma de debater sobre a cor mais bonita é algo que vai ficando mais complexo. Como justificar que eu prefiro azul, e não verde? Talvez seja pelo fato de que, desde muito pequeno, tenha usado roupas e brinquedos em que predominava o azul. De fato, a cor está 33 relacionada a um processo de construção social. Mas não vamos nos prender a essa questão de gênero, pelo menos, não nesse momento. As questões relacionadas ao gosto estão, intimamente, relacionadas ao con- ceito de beleza. E aí, novamente, caímos na tentação de dizer que beleza é uma coisa que não se discute, pois cada um tem a sua. Perceba que, nesse simples argumento, estão implícitas as ideias da indústria cultural, que dizem sermos totalmente livres para escolher, mas, no fundo, somos condicionados a escolher de acordo com os padrões pré-estabelecidos. É como entrar em uma loja de sapato e dizer: tenho a liberdade para escolher o sapato que eu quiser. Mas o que não é notado é o fato de que só é possível es- colher um sapato, entre aqueles que foram projetados por um design de moda, produzido em uma fábrica e colocado na vitrine da loja para que eu pudesse escolher. O que mudará de um para o outro é algum detalhe da cor, o tipo de material que foi utilizado ou algum pequeno outro detalhe que foi colocado que agrada mais aquele que esteja escolhendo. As questões se o sapato é confortável, faz bem aos pés e diminuio impacto ao caminhar aliviando as dores da coluna são perguntas que sequer ficam para um segundo plano. Caro(a) aluno(a), esse mesmo exemplo do sapato pode ser utilizado com qualquer outro produto que compramos e utilizamos, diariamente, em nossa vida. Uma casa, um carro, a cadeira que sentamos para trabalhar e o colchão que utilizamos para dormir são, apenas, alguns artigos que passaram pela minha cabeça. Assim, a indústria cultural assume a principal ferramenta do pensamento liberal e um serviço à classe burguesa. Suas categorias e conteúdos são provenien- tes da esfera liberal, que visam domesticar e naturalizar toda a produção cultural. Imaginar ficar de fora é quase impossível. Agora, pense: como um músico sobre- viveria fora desse ciclo industrial? Existe vida fora mesmo que se tenha muito talento? Dificilmente, conseguiria. Como conseguir divulgar suas músicas fora da indústria cultural? Com toda certeza, incríveis músicos vivem no anonimato e no silêncio, pois vivem fora da grande mídia. O sistema da indústria cultural é mais, fortemente, reconhecido em países com uma economia liberal, pois encontra forças financeiras e estímulos varia- dos em todos os seus ramos, sobretudo no cinema, no rádio e, hoje, de forma ainda mais marcante, na internet. O modelo norte-americano é bom exemplo. Os principais estúdios cinematográficos estão nos Estados Unidos. A produção UNICESUMAR UNIDADE 1 34 abundante de filmes e músicas é referência para as produções artísticas do mundo todo, inclusive do Brasil. No período em que Adorno e Horkheimer estabelecem suas críticas à indús- tria cultural, identifica-se que os consumidores eram os trabalhadores, os em- pregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção capitalista é capaz de manter bem preso em corpo e alma que eles consomem sem resistência tudo o que lhes é oferecido. Obstinadamente, insistem na ideologia que as escraviza. O amor funesto do povo pelo mal que a ele se faz chega a se antecipar à astúcia das instâncias de controle (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Essa realidade não é diferente dos dias atuais. Uma característica de quem consome, regularmente, os produtos culturais é a atitude de se contentar com a reprodução sempre da mesma forma. A mesmice é o modo que regula as relações com o que passou. O que é novo, na fase da cultura de massas, em comparação com a fase do liberalismo avançado, é a exclusão do novo. A máquina gira sem sair do lugar e, ao mesmo tempo que já determina o consumo, ela descarta o que, ainda, não foi experimentado, pois é um risco, pois só a vitória universal do ritmo da produção e da reprodução me- cânica é a garantia de que nada mudará, de que nada surgirá que não se adapte. O menor acréscimo ao inventário cultural comprovado é um risco excessivo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Se olharmos para a produção musical do Brasil nos últimos 30 anos, per- ceberemos que pouca coisa mudou. O estilo sertanejo, que teve início com as histórias do povo do sertão, contadas ao som da viola, foi, aos poucos, recebendo novas roupagens, com estilos mais românticos e dançantes, chegando, mais recen- temente, ao estilo conhecido como sertanejo universitário, um estilo de sertanejo consumido por pessoas mais jovens com letras que retratam questões corriqueiras da vida, não mais dos povos do sertão, mas, agora, das grandes cidades. Na indústria cultural, todavia, permanece a indústria da diversão. Seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que essa acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo que seja mais do que ela própria. Como a absorção de todas as tendências da indústria cultural na carne e no sangue do público se realiza por meio do processo social inteiro, a sobrevivência do mercado, nesse ramo, atua, favoravelmente, sobre essas tendências (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). 35 A indústria cultural não consegue dar explicações coerentes sobre as diversas questões sociais e, muito menos, apontar algum sentido para a própria existência humana. Ela se sustenta no vazio e na busca incessante por um tipo de prazer efêmero, alimenta-se no próprio vazio que produz. Os anúncios publicitários são bons exemplos disso. A todo momento, ouvimos dizer que o nosso cabelo não está bonito, nossas roupas estão fora de moda e precisamos consultar um personal stylist para melhorar a nossa imagem. Assim, trocamos de estilo de roupas, com- pramos um relógio novo, que combina com a roupa e se conecta com o celular, assim, sentimo-nos um pouco mais felizes, até necessitarmos de um novo produto. A indústria cultural, porém, reflete a assistência positiva e negativa dispen- sada aos administrados, como solidariedade imediata dos homens. Ninguém é esquecido, todos estão cercados de vizinhos, assistentes sociais, auxílios gover- namentais, que intervêm, bondosamente, junto a cada pessoa, para transformar a miséria perpetuada, socialmente, em casos individuais curáveis. Descrição da Imagem: a figura é um desenho que mostra, à direita, uma caricatura do personagem Charles Chaplin, nas cores preto e branco, segurando uma bengala. No lado esquerdo, vemos a imaem de uma câmera de vídeo antiga, na cor branca, filmando o personagem. Da câmera, sai há uma cor branca que se expande e foca na figura do ator. Figura 9 - O filme da vida real UNICESUMAR UNIDADE 1 36 “ A manutenção de uma atmosfera de camaradagem segundo os princípios da ciência empresarial – atmosfera essa que toda fábrica se esforça por introduzir a fim de aumentar a produção – coloca sob controle social o último impulso privado, justamente na medida em que ela aparentemente torna imediatas, reprivatiza, as relações dos homens na produção (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 123). Caro(a) aluno(a), estamos chegando ao fim da primeira unidade da disciplina Filosofia nas Organizações. Você teve a oportunidade de conhecer alguns con- ceitos sobre o papel da filosofia no mundo dos negócios. No início da unidade, foi proposto que você fizesse uma pesquisa sobre as profissões mais requisitadas nos últimos anos, em especial nesse período pós-pandemia. Sem dúvidas, as profissões que tiveram maior crescimento de procura são aquelas relacionadas à tecnologia da informação. É uma realidade crescente, potencializada pelas des- cobertas científicas desse século. As habilidades que esses trabalhos exigem são as mais variadas e, em grande parte, estão relacionadas à gestão e à manipulação de supercomputadores e smartphones. Toda essa inovação tecnológica vem carregada de “facilidades” para resolver os problemas do dia a dia, mas também com muitos pontos ideológicos que pre- cisam ser analisados com bastante atenção. Esse conjunto de matéria ideológica é levado todos os dias para as escolas, passam para as crianças, chegam até as famílias, manifestam nas relações sociais. Aqui, encontra-se o papel da filosofia e de todos nós, estudantes e amantes do saber. Não podemos negar grandes feitos que todo o conhecimento científico tem alcançado, mas não é possível fechar os olhos para as grandes injustiças que estamos vivendo. Já tivemos grandes descobertas do espaço, e não vai demorar muito para que aquelas pessoas mais abastadas façam um passeio rápido até a Lua. Ao mesmo tempo, é espantosa a quantidade de catástrofes que estamos vivendo, a pandemia é um exemplo mais recente, mas a devastação da natureza, o aquecimento global, a intolerância religiosa e a polarização na política são questões que parecem não ser fáceis de resolver. A Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer, pensada e escrita há, pelo menos, 70 anos, parece ser uma previsão de tudo o que estamos vivenciando hoje. A ciência com toda sua tecnologia tem conseguido criar aviões superpotentes, pré- dios tão altos e exuberantes que chegam até as nuvens, mas, ainda, não consegue responder a questões existenciais tão frequentes, como: qual é o sentido da vida? 37 Com tanta tecnologiaque já possuímos, não dá para fazer algo para acabar com a desigualdade no mundo? São essas e outras questões que a filosofia precisa retomar e, com esse mundo cheio de mudanças, sua tarefa é, em todas as noites, desconstruir suas verdades e certezas, para poder reconstruir ao amanhecer. Somos os responsáveis por fazer da filosofia um conhecimento acessível a todos que a ela se deixar envolver. É evidente que as forças ideológicas vão dizer que não existe mais espaço para a filosofia e a tecnologia produzirá toda a ra- cionalidade, e essa poderá ser programável como qualquer sistema de compu- tador. Assim como Descartes, eu duvido dessa possibilidade, até porque, até o momento, não existe uma máquina que se produz sozinha. É essencial que um ser humano, mesmo que esteja movido pelas piores intenções, utilize-se da sua racionalidade ou irracionalidade para criar uma bomba atômica. Nossa tarefa é conduzir aqueles que estão à nossa volta. Para aqueles que escolherem o espaço acadêmico ou escolar, talvez, seja um pouco mais fácil e, para quem se enveredar por qualquer outro espaço de trabalho, terá a certeza de que a filosofia auxiliará para que, mesmo que em proporção pequena, as to- madas de decisões sejam éticas e, com o auxílio de Aristóteles, a felicidade seja a meta e seja para todos. Eu sei que é uma visão muito otimista da minha parte. Os filósofos Adorno e Horkheimer seriam bem mais pessimistas em relação ao que o sistema capitalista construiu. Da minha parte, pode até parecer uma visão individualista, mas, constantemente, refaço a mesma pergunta: o que a filosofia pode fazer comigo? UNICESUMAR 38 Caro(a) aluno(a), realizada a análise crítica sobre o papel da filosofia no mundo dos negócios, agora, é o momento de colocar esse aprendizado em prática! Leia as ques- tões a seguir e as responda com base no que foi estudado até aqui. Vamos lá? 1. A maior parte das pessoas diria que, sim, existem coisas que o dinheiro não pode comprar. Considere o caso da amizade. Suponha que quer ter mais amigos do que aqueles que já tem. Tentaria comprar alguns? Certamente, não, bastaria um mo- mento de reflexão para perceber que não resultaria. Um amigo comprado não é o mesmo que um amigo verdadeiro. De certa forma, o dinheiro que compra a amizade dissolve-a ou transforma-a noutra coisa (SANDEL, 2015). De acordo com o pensamento de Sandel (2015), é correto afirmar que: a) Comprar a amizade não é permitido, ainda que, nas redes sociais, é justificável a compra para demonstrar mais credibilidade aos negócios. b) O dinheiro transforma a amizade em relacionamentos sérios, por exemplo, quan- do a amizade é entre um homem e uma mulher. c) É importante ter muitos amigos, principalmente, com o estímulo das redes sociais. d) O dinheiro só não pode comprar a amizade, todas as outras coisas ele pode comprar. e) O dinheiro dá a sensação de que pode comprar tudo, até mesmo, amizades verdadeiras, mas isso é uma ilusão, pois uma verdadeira não pode se basear em valores econômicos. 2. Você já deve ter ouvido frases, como: “todo mundo tem seu preço”, “o mundo dos negócios é uma selva” e “toda empresa tem em vista, apenas, o lucro”. Essas afirma- ções, e muitas outras, estigmatizam o mundo dos negócios, entendido como espaço em que vence a força do dinheiro e onde tudo é permitido, embora, timidamente, já existem empresas que admitem ser possível conciliar lucro e ganhos sociais, de modo que se estenda o compromisso a todos os que estão a elas vinculados (ARA- NHA, 2016). ARANHA, M. L. de A. Filosofando: introdução à filosofia. 6. ed. São Paulo: Moderna, 2016. Sobre a ética no mundo dos negócios, é correto afirmar que: 39 a) É comum as empresas assumirem um compromisso com seus funcionários, principalmente em campanhas publicitárias, mesmo que, na prática, não melhore os salários e as condições de trabalho. b) O compromisso com os consumidores acontece pela busca de credibilidade e produtos confiáveis, às vezes, é necessário que as empresas ofereçam produtos mais baratos com qualidade inferior, pois o importante é a venda. c) A prática de concorrência desleal é comum no mundo dos negócios, e ela se justifica na necessidade de se manter no mercado. d) É possível conciliar lucro e compromisso com a comunidade e o meio ambiente. A ética nos negócios se conduz, cada vez mais, para uma reflexão dos problemas sociais e uma produção limpa que se preocupa com as pessoas. e) Para uma empresa se desenvolver, é necessário causar algum impacto ao meio ambiente, sendo permitidos, por exemplo, o desmatamento e o descarte de re- síduos tóxicos no solo. 3. Hoje, a indústria cultural assumiu a herança civilizatória da democracia de pioneiros e empresários, que tampouco desenvolveu uma fineza de sentido para os desvios espirituais. Todos são livres para dançar e se divertir, do mesmo modo que, desde a neutralização histórica da religião, são livres para entrar em qualquer uma das inú- meras seitas. Mas a liberdade de escolha da ideologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa (ADORNO; ADORNO; HORKHEIMER, 1985). A nossa liberdade de escolha, de acordo com o texto, é um(a): a) Ilusão da contemporaneidade. b) Possibilidade emancipatória. c) Patrimônio político e religioso. d) Produto da moralidade artística. e) Conquista da civilização humana. 2Os Impactos da Quarta Revolução Industrial Me. Julio Cesar de Paula Rodrigues Caro(a) estudante, a partir de agora você iniciará o estudo referente à Quarta Revolução Industrial. Nesta segunda unidade, refletiremos sobre as transformações sociais, econômicas e políticas provocadas pela Primeira Revolução Industrial e seus impactos sobre o advento da quarta fase dessa Revolução. A importância de retomar os aconteci- mentos históricos se dá pela necessidade de compreender as concep- ções filosóficas dos teóricos contratualistas, responsáveis por elaborar as bases conceituais sobre as origens da formação da sociedade mo- derna. Para sustentar uma posição de evolução e progresso, propondo fundamentos sobre a importância da Revolução Tecnológica do século XX, utilizaremos os conceitos do filósofo francês Pierre Lévy. UNIDADE 2 42 Em um dia desses, eu e minha filha, de, apenas, cinco anos de idade, estávamos brincando em um parque público, no centro da cidade, e fazia muito sol e calor. Passados poucos minutos do início das nossas atividades físicas, minha filha fez um pedido: “papai, estou com muita sede, quero beber água”. Saímos à procura de um lugar para beber água e, na falta de uma torneira pública em que pudéssemos saciar a sede, fomos até um pequeno mercado ali mesmo, próximo ao parque. Para a nossa surpresa, quando chegamos na porta de entrada do mercado, não avistamos nenhum funcionário lá dentro trabalhando, apenas uma placa, pró- ximo à porta, com a seguinte orientação: senhores clientes, baixe o aplicativo do mercado, cadastre seu cartão de crédito, pegue o que desejar, coloque na sacola e pode sair, a conta será debitada diretamente do seu cartão. Caro(a) aluno(a), talvez, você já tenha passado por uma situação parecida, se não, provavelmente, em algum momento passará. Essa modalidade de serviços com autoatendimento, associada à implantação de novos aplicativos, com o au- xílio do monitoramento de câmeras de vigilância, é uma realidade cada vez mais presente, principalmente nos grandes centros. Talvez, quando você passar por essa situação, faça as mesmas perguntas que eu fiz: será cobrado o valor correto dos produtos que eu colocar na sacola? Sem funcionários trabalhando, será que os produtos são mais baratos? Se todos os mercados tiverem essa mesma prática, o que acontecerá com tantas pessoas desempregadas? Será que a tecnologia traz melhorias ou problemas para a vida humana? 43 Convido você a iniciar esse percurso e compreender os principais impactos sociais causados pela QuartaRevolução Industrial. Para ampliar os horizontes, peço a você que faça uma pesquisa na web sobre o período histórico e as prin- cipais descobertas que cada fase da Revolução Industrial produziu. Organize as informações colocando o período histórico em que aconteceu e os principais fatores de transformações sociais, econômicas e políticas que ela provocou. Lem- bre-se de utilizar o Diário de Bordo para a resolução da sua pesquisa. Cada fase da Revolução Industrial produziu marcas e transformações signi- ficativas. A primeira, iniciada em 1776, quando James Watt criou a máquina a vapor, impactou, diretamente, o modo de produção e a ascensão de uma nova classe social, a burguesia. A Revolução Industrial chegou à sua quarta fase, nos anos 2000, com o desenvolvimento e a ampliação da capacidade de computação e combinação de tecnologias físicas, digitais e biológicas. Ela alterou suas implica- ções, inicialmente mais relacionadas ao mundo do trabalho, estendendo-se para questões ambientais, sociais, econômicas, políticas e, principalmente, éticas. Uma pergunta que precisamos fazer é: temos condições de enfrentar essas mudanças, aproveitando todo seu potencial tecnológico, mas sem esquecer o desenvolvi- mento sustentável e o pensamento ético? UNIDADE 2 UNIDADE 2 44 A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, no século XVIII, causou profundas mudanças no mundo todo, e isso não é novidade para ninguém. Podemos dizer, de forma bastante resumida, que a primeira Revolução Industrial se caracterizou pelo desenvolvimento da máquina a vapor, que transformou o modo de vida da humanidade. Nesse período, houve a expansão do comércio, e a mecanização possibilitou maior produtividade e, consequentemente, o aumento dos lucros. As indústrias expandiram-se, criando, então, um cenário de progresso constante. As descobertas possibilitaram que máquinas, trens e navios potencializassem seus mecanismos, favorecendo melhor escoamento da matéria-prima utilizada nas indústrias e facilitando o deslocamento de consumidores e a distribuição dos bens produzidos. As quatro fases da Revolução Industrial 1º Revolução industrial 2º Revolução industrial 3º Revolução industrial 4º Revolução industrial Introdução da máquina a vapor Introdução da energia elétrica Desenvolvimento de semicondutores, mainframes, computadores pessoais e internet Crescimento exponencial da capacidade de computação e combinação de tecnologias físicas, digitais e biológicas Séculos 18 e 19 Século 19 e começo do século 20 Início em 1960 Anos 2000 Descrição da Imagem: a figura apresenta um desenho que representa as quatro fases da Revolução Industrial. A primeira fase, marcada pela introdução da máquina a vapor, é representada por desenho de uma máquina a vapor; a segunda, marcada pela descoberta da energia elétrica, é representada por um plug elétrico azul; a terceira, caracterizada pelo desenvolvimento de semicondutores, computadores pessoais e internet, é representada por um desenho de um chip de computador; por fim, a quarta fase, marcada pela combinação de tecnologias físicas e digitais, é representada por um desenho de DNA. Figura 1 - As Quatro Fases da Revolução Industrial / Fonte: o autor. 45 Os principais avanços tecnológicos nessa fase foram: o uso do carvão como fonte de energia para a máquina a vapor; o desenvolvimento da máquina a vapor e a criação da locomotiva; a invenção do telégrafo; e o aparecimento de indústrias têx- teis. As primeiras máquinas que surgiram na Inglaterra buscavam soluções para o mercado têxtil. Com a possibilidade de tecer fios com velocidade muito maior que o processo manual, essas máquinas possibilitaram o aumento da produção de tecidos, de forma significativa. Com o tempo, esse desenvolvimento espalhou-se para outras áreas de produção e para outras partes do mundo, surgindo a indústria, e as transformações causadas por ela possibilitaram a consolidação do capitalismo. Mas porque tudo isso começou na Inglaterra? O pioneirismo da Inglaterra deu-se a partir de uma junção de fatores. Podemos destacar a Revolução Glo- riosa, em 1688, que marcou o fim do poder absolutista e deu início ao período da monarquia constitucional, caracterizada pela limitação do poder real. Esse acontecimento é determinante para a ascensão da burguesia como classe social e política. Com isso, os burgueses passaram a tomar uma série de medidas para beneficiar os seus negócios. A revolução converteu o país em uma monarquia constitucional parlamentarista, na qual o poder do rei estava submetido ao Parlamento. Desse modo, a burguesia, consolidada no poder, começou a tomar medidas para atender a seus interesses eco- nômicos. A economia inglesa já havia sido beneficiada por uma medida tomada pelo estadista inglês Oliver Cromwell (HOBSBAWM, 2010). Em 1651, Oliver Cromwell decretou os Atos de Navegação, uma lei que determinava exclusividade aos navios ingleses para o transporte de mercadorias compradas e vendidas pela In- glaterra. Isso alterou as rotas marítimas inglesas e trans- formou o país na maior potência comercial do mundo, dando início ao processo de acumulação de capital no país. Esse capital excedente foi utilizado no desenvolvimento das máquinas, tempos depois. UNIDADE 2 UNIDADE 2 46 Além do capital para investir no desenvolvimento industrial, era necessário, também, que houvesse grande quantidade de mão de obra para trabalhar nas indústrias. Na Inglaterra, no século XVIII, havia grande quantidade de mão de obra, fruto dos cercamentos, que forçaram os camponeses ingleses a mudarem- Descrição da Imagem: a figura retrata o general e político inglês Oliver Cromwell, que está olhando para a frente, com uma roupa que, aparentemente, parece ser uma armadura. A imagem foi desenhada nas cores preta e branca e feita com riscos. Uma das principais medidas de Cromwell foram os Atos de Navegação, que garantiam proteção aos comerciantes ingleses no comércio britânico. Figura 2 - Oliver Cromwell 47 -se para as cidades, provocando um excedente de mão de obra. Isso aconteceu porque a nobreza, em aliança com a burguesia, criou a Lei dos Cercamentos, a qual permitia que as terras comuns utilizadas pelos camponeses fossem cercadas e transformadas em pasto para a criação de ovelhas que ofereciam a lã, matéria- -prima básica para a produção de tecido. Os cercamentos resultaram na expulsão dos camponeses de suas terras, uma vez que não tinham mais como sobreviver no campo. Assim, os camponeses eram obrigados a irem para o único lugar onde poderiam obter um sustento: as cidades. Com a grande quantidade de mão de obra que alimentava as indústrias, era dado aos patrões poder de controle sobre o salário dos trabalhadores. Por último, a Inglaterra possuía uma grande reserva de carvão e ferro si- tuada próximo a portos importantes, facilitando o transporte e a instalação de indústrias baseadas na energia do carvão. Essas matérias eram essenciais para a construção das máquinas e para seu funcionamento (à base do vapor da água). Caro(a) aluno(a) , talvez, você esteja pensando: ok, mas o que, de fato, a Primeira Revolução Industrial provocou na vida do trabalhador? E, nos aspectos social, econômico e político, o que modificou? É preciso entender que, até o final da Baixa Idade Média, era o artesão que possuía a oficina e as ferramentas e detinha conhecimento de todo o processo de produção. Seu trabalho tem caráter familiar, cada artesão tem o controle total de toda a produção, desde o preparo da matéria- prima até o acabamento final. Não havia divisão de trabalho ou especialização. Foi o pensamento iluminista, convicto no progresso do conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza, que ga- nhou força constante e otimismo para as mudanças, que obtiveram, cada vez mais força, no século XVIII, sobretudo do evidente progresso da produção, do comércio e da racionalidade econômica e científica. Seus maiores defensores eram as classes
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