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RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL Eduardo Antonio Resende Homem da Costa Sociedade de consumo e cidadania Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Relacionar sociedade de consumo com cidadania. Reconhecer os impactos negativos do consumismo em nossa sociedade. Explicar como as empresas podem contribuir para um consumo mais consciente e cidadão. Introdução Consumo e cidadania estão mais relacionados do que aparentam, o que não se refere à ideia equivocada de que só é cidadão quem consome, mas, sim, à reflexão de que o cidadão pode se manifestar também no seu consumo, com suas escolhas conscientes, e na concretização de seus direitos como consumidor e como cidadão ao, por exemplo, cobrar posturas empresariais responsáveis. Neste capítulo, você vai estudar a relação entre consumo e cidadania, assim como os impactos negativos do consumo na sociedade e de que forma as empresas podem contribuir positivamente para uma relação saudável entre ser cidadão e consumidor consciente. 1 A relação entre sociedade de consumo e cidadania Consumir é um ato inerente ao ser humano, é parte fundamental na satisfação das necessidades de um indivíduo e também uma importante maneira de posicionamento social. Isso ocorre porque, quando escolhemos um produto, seguimos a orientação do que consideramos que seja importante para nossa integração e diferenciação em um grupo social. No entanto, consumir é mais que isso: trata-se de um circuito de geração de valor e riqueza em que as partes envolvidas têm ganho. Simplifi cadamente, as empresas produzem e comercializam produtos dos quais a sociedade precisa, geram empregos, impostos, enfi m, alimentam uma cadeia de negócios benéfi ca a todos, e o seu crescimento deveria ser a ampliação de todos esses aspectos positivos. Entretanto, atualmente, o consumo é considerado um problema grave exa- tamente devido ao seu crescimento, sendo tema tão importante que constitui o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 12 da Organização das Nações Unidas: “Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis” (NAÇÕES UNIDAS, 2017, documento on-line). Assim, não é algo que possa ser desprezado, já que, além disso, a voraci- dade com que consumimos não afeta exclusivamente o meio ambiente, como é comum imaginarmos, mas vai além do impacto na natureza, que já gera fortes consequências em nossas vidas. Se o modelo econômico predominante na atualidade se baseia no crescimento constante das atividades econômicas, é consequência um volume de negócios sempre crescente, que, por sua vez, tem como base o consumo das pessoas. Para manter isso girando em harmonia, as empresas trabalham para influenciar as tendências e o comportamento dos consumidores, que, então, localizam-se no centro de uma relação cujo papel atribui ênfase apenas em adquirir e consumir, independentemente dos outros papéis e das relações que possa desempenhar na sociedade. O ato de consumir assume uma dimensão de importância que consagraria um individualismo, que, por sua vez, tenderia a ignorar o coletivo, supervalorizando o “eu”, o indivíduo. Hoje, os patrões tendem a não gostar dos empregados onerados de compromis- sos pessoais com os outros — em especial aqueles com compromissos firmes, sobretudo os de longo prazo. As severas exigências da sobrevivência profis- sional muitas vezes confrontam homens e mulheres com escolhas moralmente devastadoras entre as demandas de suas carreiras e o gostar dos outros. Chefes preferem empregar indivíduos desonerados, livres para a errância, prontos para romper todos os laços diante de uma exigência de momento, que nunca pensem duas vezes quando devem se sacrificar “exigências éticas” em nome de “exigências do trabalho. Vivemos hoje numa sociedade global de consumidores, e os padrões de comportamento de consumo só podem afetar todos os outros aspectos de nossa vida, inclusive a vida de trabalho e de família. Somos todos pressionados a consumir mais, e, nesse percurso, nós mesmos nos tornamos produtos nos mercados de consumo e de trabalho (BAUMAN, 2011, p. 44-45). Isso não favorece a ideia de cidadania; nessa ótica, o “eu” tende a se so- brepor ao coletivo. Note que ser cidadão é um conceito multidisciplinar que, independentemente das bases em que seja assentado, pauta-se por integrar um indivíduo a uma comunidade ou sociedade. Sociedade de consumo e cidadania2 Para uma melhor compreensão, podemos pensar nos direitos políticos, civis e sociais, que são importantes para a discussão da ideia de cidadania. Não existe exatamente uma hierarquia entre esses direitos, que estão relacio- nados, mas um deles pode estar presente sem que os outros o acompanhem. Simplificadamente, podemos entender direitos civis como, por exemplo, o direito à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Em relação aos direitos políticos, temos o direito de votar e ser votado e, finalmente, os direitos sociais, tão discutidos atualmente, são representados comumente pelo direito a educação, saúde, aposentaria, entre outros. A conquista desses três direitos, portanto, faria um indivíduo tornar-se cidadão pleno. Todavia, um dos elementos básicos da construção da cidadania atualmente é o de que ela seja o fruto da conquista dos direitos por eles próprios definidos. Nesse sentido, o conteúdo da cidadania tem sido debatido, e o seu significado vem se modificando e ampliando para incorporar, por exemplo, o direito à diferença, o direito do consumidor, entre outras demandas de grupos sociais. Nesse sentido, trata-se de ser um sujeito com direitos e deveres consagra- dos, legitimados e preservados, um cidadão que se insere em uma sociedade imbuído de um sentimento de pertencimento que concretamente se mani- festa na sua relação com os seus pares (os demais cidadãos) em seu ambiente (socioambiental). Observe, por exemplo, o direito à vida e ao trabalho justo. Nesse caso, o seu consumo pode financiar empresas que exploram o trabalho infantil ou pessoas em condições análogas à escravidão. Pressões de consumidores são importantes para mudar essa relação de exploração laboral, mas, para que isso ocorra, o “eu” deve dar lugar ao “nós” — por exemplo, abandonar o produto mais barato (porque explora mão de obra ou porque é ilegal) para optar por outro que beneficie a sociedade, e não o contrário. Mas por que os cidadãos fariam isso? Por não pensarem exclusivamente em si mesmos, mas na sociedade em que estão inseridos. Se isso não for suficiente, pode-se adotar ainda uma lógica utilitarista, em que adquirir produtos de uma empresa que sonega impostos, explora mão de obra infantil ou é irresponsável com o meio ambiente representa obter um ganho de curto prazo (preço ou satisfação no produto) e um prejuízo para a sociedade no longo prazo. O consumo é tão importante para o desenvolvimento de uma sociedade que no Brasil existe um instrumento específico que fornece amparo legal e contribui para que a produção e o consumo sejam problemas ou questões do interesse de todos. Trata-se do o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), cujo propósito é garantir a segurança, a saúde, a vida e a dignidade do consumidor. 3Sociedade de consumo e cidadania Visto tudo isso, deve-se compreender que, por mais importante que seja, por mais evidente que os problemas possam parecer, nada é implementado de maneira simples: a empresa não quer abrir mão do foco no lucro e o consumidor não quer abrir mão das suas escolhas. Ocupados em ganhar mais para comprar novas coisas de que creem neces- sitar para ficar felizes, homens e mulheres têm menos tempo para a empatia e as negociações intensas, por vezes tortuosas e amarguradas, mas sempre prolongadas e cansativas, para não falar em tempo para resolver seus mal- -entendidos e desacordos mútuos (BAUMAN, 2011, p. 45). Para que isso tenha sucesso, deve-se promover mudanças de atitude com base na conscientização dos indivíduos.Em outras palavras, mudar o sistema de valores, o que nem sempre é tarefa fácil. Os indivíduos, então, deveriam ser incentivados a consumir com base em decisões com consciência do impacto coletivo e socioambiental. Ao fazerem isso, escolheriam a sociedade ou o mundo em que desejam viver — aqui, o consumo pode ser um ato de cidadania em oposição aos dos que não se importam com sua comunidade, sem qualquer inclinação a sacrificar seus interesses individuais. O baixo consumo é um problema que afeta não apenas os lucros de uma empresa, mas toda a sociedade, porque gera desemprego, menos impostos, enfim, menos riqueza para todos. Contudo, o excesso de consumo também pode gerar inflação em economias pouco equilibradas ou controladas. 2 Impactos negativos do consumismo na sociedade Ao contrário do consumo, que é um ato natural e inerente ao ser humano, o consumismo é caracterizado pelo artifi cialismo. Trata-se de comportamentos, muitas vezes inconscientes, que conduzem uma pessoa a um ciclo de compras regular, com apego superfi cial e de satisfação transitória pelo produto adqui- Sociedade de consumo e cidadania4 rido. Em geral, é uma compra acrítica, feita compulsivamente e sem análise crítica das consequências socioambientais e pessoais. O consumismo é um ato negativo, ao contrário do consumo, porque seus custos são altos para o meio ambiente e, naturalmente, para o ser humano. [...] há sinais evidentes de que em muitos casos os limites aceitáveis foram ultrapassados, como atestam diversos problemas ambientais gravíssimos, como o aquecimento global, a destruição da camada de ozônio estratosfé- rico, a poluição dos rios e oceanos, a extinção acelerada de espécies vivas, bem como os sérios problemas sociais, como a pobreza que afeta bilhões de humanos, os assentamentos urbanos desprovidos de infraestruturas mínimas para uma vida digna, a violência urbana, o tráfico de drogas e as epidemias globalizadas, como a AIDS e o ebola (BARBIERI, 2015, p. 53). Podemos agrupar os impactos negativos em três dimensões principais: individual, social e ambiental. Essas dimensões não estão isoladas, mas in- fluenciam e são influenciadas entre si. Pensemos, por exemplo, na dimensão individual: de que maneiras pode haver um impacto negativo em um indivíduo? Somos impactados de maneiras diferentes, portanto, podemos considerar, a título de exemplo, que uma pessoa pode ser afetada emocionalmente por não ter condições de adquirir um produto. Tristeza, baixa autoestima e isolamento social são formas preocupantes, muitas vezes invisíveis ou não perceptíveis pelo próprio indivíduo ou por seu círculo de amizades. Somos o que compramos ou consumimos: não é o “ser”, mas o “ter” que comanda o fluxo da vida, e a nossa identidade é construída e realizada mediante o consumo. Nesse sentido, o trabalho ganhou uma dimensão de importância na vida dos indivíduos exatamente porque, por meio dele, alguém pode comprar produtos. Por isso, o desemprego tem um peso emocional enorme: sem renda, sem consumo; sem consumo, sem a vida social projetada. Muitas vezes, no entanto, não é o desemprego, mas o endividamento que adoece emocionalmente uma pessoa. Comprar, parcelar, financiar, pagar valores mínimos em cartão de crédito são atos que vão girando uma dívida com multas e taxas administrativas que a maior parte da população ignora. Isso faz com que uma dívida raramente seja quitada, mas substituída por outra continuamente. Assim, o sonho do objeto adquirido pode se dispersar em dívidas não pagas, objetos que não mais existem quando ainda há o fi- nanciamento, nomes em listas de serviços de análises de crédito bloqueando o acesso a produtos, entre outras consequências dramáticas emocionalmente. 5Sociedade de consumo e cidadania Se os indivíduos são afetados, inevitavelmente a sociedade também o será. No consumismo, o indivíduo busca prazer no que consome, e a sua autoima- gem é uma consequência de suas conquistas materiais. Por mais complicada que possa parecer a separação entre o consumo e o consumismo — afinal, o que é desnecessário para uns pode ser vital para outros —, o impacto na sociedade vem do comportamento “egoísta”. Uns podem ser mais que outros, mas o comportamento geral orienta o indivíduo a trabalhar para manter um nível de consumo em detrimento das relações sociais e do seu tempo de lazer. Quanto mais inserido estiver nesse contexto, menos se percebe e valoriza uma inserção cidadã. Dito de outra forma, os trabalhadores em tempo integral, no tempo que lhes resta, acabam por agir mais centrados em si, sem preocupação com as suas escolhas. O “ser cidadão” dá lugar ao “ser consumidor”, e a obrigação é estar atualizado. Quando muito, o cidadão luta pelos seus direitos de consu- midor quando um produto não funciona como deveria. Se o produto emprega trabalhadores ilegais, se a empresa sonega impostos ou tem o assédio moral e sexual como prática, pode até existir uma indignação, mas ela, geralmente, não impede o produto de estar na geladeira, por exemplo. Aos impactos individual e social, junta-se o mais evidente pela mídia em geral: o impacto ambiental. Para atender a produção, matérias-primas são retiradas da natureza, e não há mágica nesse processo: o que entra na linha de produção para ser transformado em produto sai da natureza. Mesmo uma empresa de serviços impacta com o uso de energia elétrica e o descarte de material de consumo, de água. A isso, soma-se, ainda, o deslocamento de trabalhadores, vendedores; mesmo os que trabalham de casa apenas transferem as contas para a residência. Não podemos esquecer, no entanto, que o problema não é apenas a matéria- -prima, mas o que sobra do consumo. O descarte é uma tragédia ambiental, mas o aproveitamento máximo de produtos, reuso, reciclagem, entre outras formas de mitigar os danos, não parece fazer frente ao consumismo; o problema, portanto, não é resolvido, mas adiado ou esquecido. Isso é uma consequência de o indivíduo estar centrado absolutamente em si, afastando o consumidor do cidadão e, com isso, afastando-o também do impacto do consumismo. A degradação ambiental e o desaparecimento de espécies não lhe diz respeito; ocorre apenas uma indignação, que raramente alcança os limites da mobilização, ou o abandono/troca de um produto de empresa com problemas ambientais. Sociedade de consumo e cidadania6 Em 1992, foi assinado o documento denominado Agenda 21 no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como Rio 92. Destaca-se o capítulo 4, que demonstra a enorme preocupação com os padrões de consumo para o desequilíbrio ambiental e social: Enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de pressão ambiental, as principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados. Motivo de séria preocupa- ção, tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos desequilíbrios (AGENDA 21, 1992, documento on-line). 3 Como as empresas contribuem para um consumo mais consciente e cidadão Conforme o conceito de sustentabilidade foi migrando da área fi nanceira para a de “visão estratégica”, foi acontecendo o “esverdeamento” das empresas, as organizações sustentáveis (BARBIERI, 2015), isto é, aquelas que criariam valor de longo prazo aos acionistas por serem organizações cujo impacto no meio em que estão inseridas seria positivo. Uma empresa pode (e deve) fazer muito para um consumo ético, consciente e cidadão, mas, para que isso possa se concretizar, é importante uma mudança de mentalidade, e é dentro da empresa que isso nasce. Caso contrário, será apenas algo parecido com o greenwashing (banho verde, em tradução literal), isto é, uma apropriação indevida do discurso de proteção ambiental. Como se percebe, fica mais no discurso e nada ou quase nada no plano concreto das realizações e, porisso, seria mais visível nos relatórios e na comunicação que nas ações em si. Com essa perspectiva de mudança de mindset (mentalidade), diversos modelos podem guiar uma empresa. Por isso, é preciso ter em mente que a responsabilidade social empresarial não pode ser desassociada da questão ambiental. O consumo consciente e cidadão é benéfico para o meio ambiente e para o ser humano, e uma empresa, para ser responsável socialmente, deve ser responsável com o ambiente em que está inserida. Como o modelo do triple bottom line (TBL) demonstra, há que existir um equilíbrio das partes. O triple bottom line (formado por lucro, pessoas e planeta) nos dá uma ideia 7Sociedade de consumo e cidadania dos caminhos a serem trilhados; uma empresa pode e deve ser lucrativa, mas isso não deve sacrificar a sociedade nem o planeta. Segundo Barbieri (2015, p. 3), o TBL “[...] objetiva organizar e articular as atividades da empresa para que ela obtenha resultados líquidos positivos em termos econômicos, sociais e ambientais”. É possível conciliar o lucro com o bem-estar da sociedade? É possível ser ambientalmente sustentável? Sim, mas o caminho para que isso ocorra é a mudança de mentalidade incorporada à cultura empresarial, o que deve ser transversal às organizações. Para Clegg, Kornberger e Pitsis (2011), é intrínseco ao ser humano a busca de um sentido para as coisas, para a vida, o mundo ao seu redor. Nesse con- texto, a cultura empresarial tem que ser apreendida e percebida como legítima por todos; só assim o esforço não será dispersado e todos remarão na mesma direção — por isso deve ser transversal. Trata-se, então, de uma conciliação, não de submissão. Mas como isso pode ser feito? Deve-se criar uma cultura corporativa com valores de respeito a cliente, acionista, meio ambiente, socie- dade e colaboradores. Esses cinco grupos devem ser observados no que diz respeito aos impactos que as atividades de uma empresa tem, e o equilíbrio nas propostas e ações a serem tomadas é importante para evitar a preponderância de um grupo em relação a outro. Outro ponto a ser percebido é que, por mais que possa ser desenhado um modelo analítico, as respostas tendem a ser diferentes porque são espaços geográfico-culturais e produtivos diferentes. Pensemos no caso de uma em- presa de extração de petróleo, de um supermercado e de uma barbearia: são negócios diferentes, com impactos diferentes, mas todos, a seu modo, podem contribuir para um consumo ético. Por exemplo, os espaços de compra podem ser espaços educativos. Uma loja pode dar bônus a clientes que devolvam embalagens usadas, que levem as suas sacolas ou caixas para transporte dos produtos, incentivando o uso de refis, entre outras formas de evitar o desperdício de embalagens. As empresas ainda podem incluir na sua comunicação o consumo consciente de seus produtos, e instituições financeiras podem fazer campanhas sobre os impactos de empréstimos sem planejamento, formações específicas no uso de um produto, entre outras formas que ajudem o consumidor a evitar excessos desnecessários. Pode-se, também, inserir informações sobre as matérias-primas utilizadas ou a seleção de fornecedores, a origem de seus produtos, o impacto positivo da empresa na sociedade e como o cliente contribui com isso. Santos (2015) considera que no plano interno é importante implantar sistemas de gerenciamento de resíduos sólidos ou uma gestão de logística Sociedade de consumo e cidadania8 reversa, conseguir certificações ambientais e ainda desenvolver e implantar uma contabilidade ambiental. Ponto importantíssimo é que uma empresa não carregue consigo os de- feitos naturalizados em tantos espaços de negociação. Por exemplo, como uma empresa poderá ser considerada legítima no tema cidadania se cede à corrupção para ganhar uma licitação? Com que autoridade poderá “educar” um consumidor se atropela a meritocracia em uma rotina de favores pessoais ou mesmo ilegais, como assédio sexual e moral? É adotar uma abordagem, na visão de Jones e George (2012), proativa, ao usar os recursos da empresa para promover os interesses de todos, e não o contrário. Muitos desses pontos podem ser norteados por um código de ética, mas, tal qual o greenwashing, devem sair das palavras e se manifestar na rotina diária empresarial, sendo constantemente monitorados. Além disso, desvios de conduta não podem ser tolerados sob pena de perda de legitimação e des- controle do que ocorre internamente. Por fim, é preciso demonstrar liderança consciente, dar mostras concretas de um propósito além do lucro e do discurso e, acima de tudo, demonstrar a importância de respeitar a legislação e ir além do que esta preconiza, contri- buindo para formar, e não deformar, o cliente. Confira, a seguir, um trecho da campanha “Manifesto pelo Bom, São e Local”, do Grupo Auchan, uma empresa francesa de distribuição comercial que assumiu um compromisso pela sustentabilidade humana e ambiental: Humana, numa lógica de maior justiça no mercado de trabalho e da preocupação pelo bem-estar físico e psicológico do indivíduo visto como um todo – trabalhador, pai, filho, ser livre. Ambiental, porque nunca, até então, se assistiu a uma energia tão alinhada daquilo que são os interesses para o nosso planeta, regido pelo respeito pelas práticas de não-poluição e não-destruição. Neste esforço mundial pela defesa dos direitos humanos e ambientais, é evidente o papel da Grande Distribuição no equilíbrio dos ecossistemas, não só pela forma como consumimos, mas também como nos relacionamos. Foi ciente da sua quota parte de responsabilidade que a marca Auchan desafiou toda a equipa a pensar em soluções construtivas. Eis que nasceu o Manifesto do Bom, São e Local (É UMA..., 2019, docu- mento on-line). 9Sociedade de consumo e cidadania AGENDA 21. Rio de Janeiro: [S. n.], 1992. Disponível em: http://www.direitoshumanos. usp.br/index.php/Table/Agenda-21-RIO-92-ou-ECO-92/. Acesso em: 12 abr. 2020. BARBIERI, J. C. Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática. Porto Alegre: Saraiva, 2015. BAUMAN, Z. A ética é possível num mundo de consumidores?. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8078.htm/. Acesso em: 12 abr. 2020. CLEGG, S.; KORNBERGER, M.; PITSIS, T. Administração e organizações. Porto Alegre: Book- man, 2011. É UMA marca, é consciente e quer mudar o mundo. Sabe qual é? In: OBSERVADOR. [S. l.: s. n.], 2019. Disponível em: https://observador.pt/2019/09/23/manifesto-do-bom-sao- -e-local-tambem-quer-mudar-o-mundo/. Acesso em: 12 abr. 2020. JONES, G. R.; GEORGE, J. M. Fundamentos da administração contemporânea. Porto Alegre: AMGH, 2012. NAÇÕES UNIDAS. Conheça os novos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. [S. l: s. n.], 2017. Disponível em: https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos- -de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/. Acesso em: 12 abr. 2020. SANTOS, F. de A. Ética empresarial: políticas de responsabilidade social em 5 dimensões. São Paulo: Atlas, 2015. Veja o Quadro 1. Quadro 1. Manifesto pelo “Bom, São e Local” do Grupo Auchan Bom Propondo produtos e serviços de qualidade ao melhor preço, de forma transparente, para permitir decisões conscientes. São Atuando de forma ética com os colaboradores e clientes, no sentido de promover o equilíbrio e o bem-estar do indivíduo e da sua família. Local Valorizando os produtores e produtos locais, evidenciando o que é ca- racterístico de cada região. Assim, neste círculo de prazer de quem serve e quem compra, a ideia é que tudo se encaixe na perfeição e funcione como motivação para uma economia global sustentável, em que o indiví- duo está no centro de tudo. Fonte: Adaptado de É uma... (2019). Sociedade de consumo e cidadania10 Os links para sites da web fornecidos neste capítuloforam todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 11Sociedade de consumo e cidadania
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