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A REFORMA CAPANEMA: FRAGMENTAÇÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL O período que teve início com a regulamentação das Leis Orgânicas do Ensino (Reforma Capanema), na década de 1940, inaugurou uma série de transformações na educação brasileira, entre as quais pode ser destacada a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional do Comércio (SENAC), órgãos que motivaram e influenciaram a criação de instituições de cunho profissionalizante. Nessa mesma época, foi promulgado o Decreto n. 4.036/1942, que ampliou a abrangência do SENAI para setores além da indústria, inserindo também a pesca, o transporte e a comunicação. Esses decretos potencializaram a configuração de uma rede de escolas técnicas organizadas e gerenciadas por órgãos de representação empresarial. Esse conjunto de decretos e ações são considerados o núcleo formador do conjunto de instituições denominadas Sistema S1 (MANFREDI, 2002). Em termos gerais, observa-se que houve transformações no ensino técnico profissionalizante durante a Era Vargas, que podem ser visualizadas na Figura 3, que apresenta um resumo da estruturação da educação brasileira a partir da década de 1940, com as alterações trazidas pelas Leis Orgânicas do Ensino: Fonte: Ghiraldelli Júnior (2009) Figura 3: Estruturação da educação brasileira – década de 1940 Pode ser observado na Figura 3 que, a partir das Leis Orgânicas, o ensino técnico profissional foi estruturado em três setores da economia (industrial, comercial e agrícola). Na 1 Sistema S” designa um conjunto de instituições de caráter privado que são mantidas por contribuições das categorias profissionais e recursos públicos, as quais têm por meta ofertar melhorias e aperfeiçoamento na formação profissional dos trabalhadores. Podem ser destacadas, entre essas instituições, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC); o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT); o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC), entre outros. Como a maioria das instituições tem sua sigla iniciada pela letra "S", convencionou-se chamar este conjunto de instituições de Sistema S (BRASIL, 2014). mesma Figura também é apresentada a área do magistério, denominada normal, o ensino secundário, e na parte de cima o ensino primário. De maneira geral, os cursos do ensino profissional se organizavam em dois ciclos: um fundamental, de quatro anos, e outro técnico, que poderia ter de três a quatro anos. Também destaca-se o caráter de seletividade aplicado, principalmente devido à obrigatoriedade de exames de admissão que constituíam, no período, um pré-requisito para que o sujeito tivesse acesso à etapa posterior, que poderia ser o ginásio, no caso do ensino secundário, o 1º ciclo do normal ou o 1º ciclo dos cursos técnicos da área industrial, comercial e agrícola. (ROMANELLI, 2014). No caso do ensino primário, também apresentado na Figura3, vê-se que, como o Decreto-lei n. 8.529, de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Primário) foi promulgado em momento posterior à saída de Getúlio Vargas do governo, tornava-se possível um retorno à democracia e à abertura de novos rumos para o acesso à educação. Dessa forma, a estruturação do ensino primário, organizado em fundamental e supletivo, com duração de quatro e dois anos, respectivamente, representava essa nova possibilidade. De acordo com a afirmação de Shiroma (2004), a partir da regulamentação do Decreto- lei n. 8.529/1946 nos Artigos 2º ao 9º, o ensino primário fundamental seria destinado a crianças de sete a doze anos, e o ensino primário supletivo aos adolescentes e adultos que não receberam esse nível de educação na idade considerada adequada. O ensino secundário, regulamentado pelo Decreto-lei n. 4.244, de 1942, era dividido em ginásio, com a duração de quatro anos, e o 2º ciclo, estruturado em clássico ou científico, com a duração de três anos. O clássico intencionava oferecer a formação voltada para a área de humanidades, enquanto o científico tinha como foco principal a formação que privilegiava as ciências naturais e exatas (ROMANELLI, 2014). Em ambos os casos – clássico e científico — os cursos não possuíam caráter de formação profissional, pois o objetivo era proporcionar condições para o ingresso em cursos superiores. Em Romanelli (2014) e Shiroma (2004) podem ser visualizadas diversas observações sobre o ensino secundário regulamentado pelo Decreto-lei n. 4.244/1942, cujo ponto central seria formar as “individualidades condutoras” do país. Assim, segundo as autoras, o Decreto só reafirmava a tradição do ensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático, refletindo o momento político do Estado Novo, caracterizado por uma ideologia autoritária e populista. No ensino industrial, além do 1º ciclo (básico) de quatro anos, existia o curso de mestria, que tinha duração de dois anos e estava incluso nesse ciclo básico. O ensino técnico pedagógico, inserido no 2º ciclo, tinha a duração de um ano, e visava a formação de professores para atuação nas escolas com foco industrial, complementando assim a parte técnica da área. Ainda inseridos no ensino industrial, havia os cursos artesanais, de duração curta e variável, e os cursos de aprendizagem, destinados à qualificação de aprendizes industriais, com a intenção de manter vínculo direto com possíveis empregadores. Quanto à questão do acesso ao ensino superior, é enfatizado por Romanelli (2014) que só era permitido o ingresso em cursos superiores de áreas correlatas, então denominadas como Ensino Superior Técnico, caracterizando inflexibilidade e diminuição de possibilidades aos que optavam pelo ensino industrial. O ensino comercial e o ensino agrícola tinham o 1º ciclo com duração de quatro anos e vários cursos técnicos de três anos no 2º ciclo, tais como propaganda, estatística, administração, contabilidade e secretariado na área comercial; e horticultura, agricultura, zootecnia e prática veterinária na área agrícola. Assim como no ensino industrial, no ensino agrícola havia o curso de mestria no ciclo básico, com duração de dois anos, e cursos agrícolas pedagógicos, como didática do ensino agrícola e administração de ensino agrícola, com duração de um ano. De maneira distinta dos outros cursos, no caso do ensino comercial e do ensino agrícola não havia cursos superiores que pudessem ser oferecidos aos que quisessem prosseguir tendo feito estes percursos de ensino, aumentando a precariedade existente nestas áreas de conhecimento. No ensino normal também havia o 1º ciclo (básico), de quatro anos, oferecido nas chamadas Escolas Normais Regionais; e o 2º ciclo, com duração de três anos, ofertado nas Escolas Normais e também nos Institutos de Educação, sendo que nestes últimos funcionariam o 1º e o 2º ciclos, cursos de especialização para professor primário, habilitação de administradores escolares, além do jardim da infância e a escola primária como cursos anexos. Sobre a questão da continuidade de estudos e da falta de flexibilidade desses cursos, Romanelli (2014) destaca que a formação de estudantes normalistas era limitada apenas a alguns cursos da Faculdade de Filosofia, aspecto que restringia o acesso a determinadas áreas de conhecimento. Em termos práticos, para quem cursasse o normal e quisesse continuar os estudos em outras áreas fora da Faculdade de Filosofia, havia a necessidade de realizar concomitantemente o ensino secundário (clássico ou científico) ou, ainda, realizar exames de madureza, para se equiparar às possibilidades de acesso de quem tinha concluído o ensino secundário. Também podem ser visualizadas outras contradições relativas à Lei Orgânica do Ensino Normal, verificadas na discriminação imposta pelo Art. 21 do Decreto n. 8.530, de 1946, que regulamentou o ensino normal nopaís. O artigo determinava que não fossem admitidos, em qualquer dos dois cursos, fosse no 1º ou 2º ciclo, candidatos maiores de vinte e cinco anos (ROMANELLI, 2014). Considerando a realidade brasileira da década de 1940, na qual a maioria do pessoal empregado no magistério primário não possuía formação para a função e pertencia a uma faixa etária que excedia o limite de vinte e cinco anos, observa-se que esse dispositivo impedia a qualificação de quem já exercia o magistério sem possuir a formação oficial (ROMANELLI, 2014). Deste modo, vê-se mais um caso de o Estado, por meio de dispositivos legais, negar o direito do acesso à educação e à formação profissional aos cidadãos. De maneira geral, podem ser percebidas algumas diferenças com relação aos direcionamentos do período do Estado Novo e o imediatamente posterior, principalmente em termos de possibilidades de se fazer cumprir o direito à educação para o público adolescente e adulto. Assim, de acordo com indicações de Romanelli (2014), a organização do ensino primário supletivo, implementado em 1947, contribuiu efetivamente para a diminuição da taxa de analfabetismo no final da década de 1940 e em toda a década de 1950. Com estas observações a autora (ROMANELLI, 2014, p. 165), ratifica que “esse foi um dos aspectos da lei que, por sinal, foi aplicado de forma positiva”. REFERÊNCIAS BRASIL. SENADO FEDERAL. Sistema S. Disponível em: <www.12.senado.gov.br>. 2014. Acesso em: 19 jun 2020. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e história da educação brasileira: da colônia ao governo Lula. São Paulo: Manole, 2009. MANFREDI, Silvia Maria. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil: (1930-1973). 40 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia Marcondes de; EVANGELISTA, Olinda. Política educacional.4. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004. 128 p.