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AULA 2 ÉTICA APLICADA À PRÁTICA PASTORAL Prof. Roberto Rohregger 2 TEMA 1 – A CRIAÇÃO E A RESPONSABILIDADE ÉTICA DO SER HUMANO Um dos principais elementos que podemos utilizar para fundamentar os aspectos éticos no Antigo Testamento está na forma como o homem foi criado. O ser humano foi planejado e criado com características especiais e, de forma especial, somos basicamente seres relacionais, dotados de consciência e, consequentemente, vivemos em comunidades e, dessa forma, somos seres históricos e culturais. Essas características implicam que já fomos criados como seres éticos, isto é, que necessitam compreender as relações e suas implicações com o desenvolvimento da vida. Quando lemos o Antigo Testamento, percebemos o quanto Deus trabalha com o povo e o quanto se manifesta historicamente dentro de uma realidade social. No desenrolar da história de Israel, percebemos a preocupação em seguir as orientações de Deus e como o povo era afetado nos momentos de desobediência e afastamento da Lei. Deus apresentou um sistema de valores em que ficava claro a diferença entre o bem e o mal. Segundo Johns e White (2001, p. 195): Baseado em Deus e sua relação com a humanidade, o Antigo Testamento salienta as disposições humanas, as atitudes, as intenções e motivações, oferece esperança e julgamento em algum momento futuro e aplica o padrão de Deus par todas as pessoas. O Antigo Testamento também destaca o seguinte: O caráter de Deus, especialmente como santo; o concerto entre Deus e seu povo; relacionamento justos pessoais e em sociedade; a família e a comunidade; e a Lei de Moisés. Podemos perceber a constituição de uma Nação no Antigo Testamento. Essa nova nação precisaria de um sistema ético ao qual deveria seguir para ter sucesso, tanto para a conquista de sua posição territorial quanto para a manutenção e organização do povo. E a formação dessa nação está alicerçada nos princípios apresentados por Deus, e igualmente caracterizados pela forma como Deus cria o homem. Para compreendermos a proposta da ética cristão com base nos fundamentos apresentados no Antigo Testamento, precisamos compreender melhor o relato da criação do homem e da responsabilidade que o ser humano tem pela sua criação com relação a Deus, ao próximo e com toda a criação. A Bíblia apresenta a criação do homem no livro de Gênesis, que significa “no princípio”, e é dessa forma que livro inicia: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” e passa a relatar todo o processo da criação. No versículo 26 aparece pela primeira vez o relato da criação do ser humano: “E disse Deus: ‘Façamos o 3 homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra’” (Bíblia..., 2009). O que viria a ser a imagem e a semelhança de Deus? Nas características peculiares do ser humano: a razão, a criatividade, a capacidade de comunicação, a autonomia, e principalmente que a principal característica da imagem e semelhança seja a nossa capacidade de relacionar-nos uns com os outros e com Deus. Em que sentido o ser humano é “imagem de Deus?” Tomada em si, a expressão em primeiro lugar e basicamente, indica uma correspondência ente o ser humano e Deus. O caráter peculiar do ser humano na criação deve ser entendido a partir de sua relação especial com Deus (Wolff, 2008, p. 246). Como seres relacionais, Deus coloca o cuidado pela criação como responsabilidade do ser humano, pelo que é explícito no próprio texto, já que o significado da palavra kabash tem como significado “governar”, “ter domínio”, “submeter”, enquanto a palavra dominar (radu), segundo Oliveira (2008, p. 277): Os textos indicam que “radu” pode significar, conforme os contextos: conquistar e fazer escravos; dominar sobre outros reis, sobre regiões; pisar pesadamente, esmagar. A palavra “dominar” tem conotações negativas, mas ao mesmo tempo encontramos as indicações que o domínio pode ser exercido sem tirania e com o temor de Deus. Domínio não seria assim sempre de uma forma negativa, de poder abusar dos recursos naturais, mas também de forma positiva: cuidar da terra em que entramos. Podemos perceber dessa forma que há uma entrega ao domínio humano da criação e, com essa entrega, o ser humano assume a responsabilidade do zelo pela natureza e pelo desenvolvimento humano. Junto a essa liberdade está atrelada a ética, uma vez que o ser humano é um ser comunitário e suas relações passam obrigatoriamente pela ética. Diferente seria se este ser vivesse isolado do contato de outros seres, pois a ética nasce dos relacionamentos. E essa liberdade, que é inerente ao homem e que tem origem divina, exige um relacionamento ético, tanto no relacionamento com o próximo quanto na concepção de relacionamento com Deus. E esse relacionamento tem um objetivo, uma meta, um desejo, e não raras vezes conflitante, entre Deus e o ser humano. É o desejo na construção do futuro objetivado por Deus, que se baseia no relacionamento livre. Por ser livre, isso implica desconhecimento desse final, não o final da história como patamar para um novo começo, mas o desconhecimento da forma como esse relacionamento irá se desenvolver. Segundo Wolff (2008, p. 253), o encargo do ser humano não está plenamente cumprido: 4 Mas o ser humano como imagem de Deus está ameaçado, porque há o perigo de o domínio lhe escapar das mãos pelo desconhecimento das tarefas que correspondem a esse domínio. A própria fundamentação da proibição de derramar sangue humano indicava basicamente tais limites recorrendo à criação do ser humano como imagem de Deus. A responsabilidade do ser humano está no desenvolvimento humano e no cuidado com a criação. Desta forma, essa responsabilidade não está restrita ao momento histórico em que estamos, mas se estende também às gerações futuras (Jonas, 2006, p. 47). O ser humano foi chamado para cuidar da criação, gestor da vida. Cabe a nós o zelo pela manutenção das condições de vida com dignidade para a geração presente e futura. Com relação a essa responsabilidade, Wolff (2008, p. 253) comenta sobre dois aspectos: 1. A sujeição do mundo não deve trazer perigo ao ser humano, como acontece em proporções ameaçadoras devido à poluição do meio ambiente; o domínio do ser humano sobre os outros adultera a imagem de Deus. 2. A sujeição do mundo não deve levar a que o ser humano seja dominado pelo mito de uma técnica que produza aquilo que pode ser produzido pela mão humana apenas por causa dessa possibilidade, submetendo, com isso, pessoas humanas a coações técnico- econômicas. Nunca foi tão importante a reflexão sobre a responsabilidade humana pela criação do que na atualidade. A capacidade técnico-científica apresenta desafios éticos que necessitam de uma profunda avaliação sobre a forma como foi implantada. O consumismo extremamente estimulado provoca uma profunda pressão sobre a natureza, chegando ao ponto de quase esgotar a capacidade de renovação são indicativos perigosos do grande problema que podemos estar transferindo para gerações futuras. TEMA 2 – CARACTERÍSTICAS DA ÉTICA DO VELHO TESTAMENTO A ética que encontramos nas Escrituras é fundamenta em um fator determinante: Deus é o criador, isto é, todas as coisas vieram à existência por vontade e ação de Deus, e a Ele devemos a vida. É uma ética teísta, ou seja, a conduta ideal do ser humano não deve ser baseada em observações meramente humanas, empíricas, mas observadas em decorrência das determinações específicas que foram dadas por Deus. Assim sendo, a ética que encontramos é uma ética normativa, orientativa. Essa ética teocêntrica baseia-se no caráter de Deus e exige um compromisso com Ele, observação e obediência aos seus mandamentos. Segundo Champlin (2001, p. 577), 5 Deus baixou instruçõeséticas específicas. Os homens não inventaram sua conduta por meio de experiências. Nisto encontramos a ética teísta. Os padrões foram dados por divina inspiração. O politeísmo apresentava um padrão variado, porquanto os deuses diferiam em suas exigências. Mas a singularidade e a transcendência de Yahweh promoviam o padrão ético deste tipo. Diferente de outros povos, o povo hebreu foi escolhido e chamado para constituir uma nação com uma missão que era fazer Deus conhecido. Esse povo se constitui a partir da revelação que Deus fez de Si. Já falamos que a ética apresentada nas Escrituras é normativa, uma ética do dever. Porém quando observamos o Antigo Testamento, percebemos que este é mais que um sistema ético, pois é um sistema ético revelado por Deus. Dessa forma, não é simplesmente orientativo; é obrigatório. A Bíblia nos mostra que, em determinado momento, Deus inicia o processo para a criação de uma nação na qual a sua revelação deveria ser preservada. Esse momento se dá no chamado de Abraão, que deverá constituir essa nação, e em que o desenvolvimento de uma ética voltada às características humanas, que é a vida em sociedade. Conforme Hoff (1983, p. 47), Tanto o mundo antediluviano como o da torre de Babel ressaltam que a despeito do progresso material e do nascimento das civilizações, o homem fracassava moral e espiritualmente. Até aqui o Senhor havia posto os olhos sobe diferentes indivíduos, que eram os meios apropriados para conservar a “semente da mulher” e o conhecimento de Deus. Agora ele muda seus métodos. Chama a um homem para fundar a raça escolhida mediante a qual realizaria a restauração da humanidade. Nesse momento, inicia-se a ética dos patriarcas, a qual tem sua marca na promessa futura de que Abraão se transforma em decorrência da revelação Divina e da promessa da constituição de uma grande nação. Essa promessa vem com o desafio à perfeição e de ser uma bênção para as nações, isto é, a revelação de Deus para o mundo ocorrerá por meio da nação que está sendo constituída naquele momento. Abraão tem o seu primeiro desafio ético: sair de sua terra para obedecer ao seu chamado, deixando sua segurança em Harã e partindo como peregrino nômade na vasta Canaã. Esse desafio para Abraão será o desafio da fé. É a primeira vez em que se deverá dar um salto no escuro para viver a experiência com Deus como aquele que provê. Está fé na providência divina será o fundamento da visão ética que marcará a construção dessa nação pela solidariedade comum e pelo compromisso com a verdade. 6 Deus relaciona-se com Abraão por meio de alianças, notadamente uma forma de acordo, “usualmente sobre questões políticas e militares; uma aliança envolvia questões pessoais e religiosas” (Champlin, 2001, p. 111), como um contrato que tem a exigência ética do compromisso de ambas as partes. Em vários momentos da história hebraica vamos perceber alianças, que nem sempre são cumpridas pela parte humana. É dessa forma, com a afirmação de alianças, que a nação hebraica surge e inicia o relacionamento com Deus, de um Deus que se relaciona com um povo e que exige que esse povo o siga. Podemos afirmar que um dos momentos em que o povo hebreu tem o seu maior relacionamento direto com Deus é no momento em que começa a se desenvolver como um povo, porém escravo no Egito, e é no êxodo que esse povo surge como nação. É sobre a liderança de Moisés que, nesse difícil momento histórico, os hebreus desenvolvem uma particular compreensão ética a partir da presença de Deus que age na história e salva a nação. Podemos reparar em Moisés, que Deus prepara para ser um líder. Segundo Hoff (1983, p. 108), podemos ver algumas características éticas e morais desenvolvidas em Moisés, pois: a. Fora criado em um lar piedoso, pelo menos durante os primeiros anos de sua vida, onde pode aprender a fé, e também a ter simpatia e amor por seu povo oprimido; b. Foi criado no palácio e poupado da morte pela providência divina. Pôde ter contato com uma alta educação e também desenvolver suas habilidades, perdendo o espírito servil que seria de se esperar se fosse criado como escravo; e c. Adquiriu experiência no deserto e no relacionamento com Deus. E novamente Deus estabelece uma aliança, agora com um povo que ainda terá que enfrentar uma grande peregrinação para o aprimoramento daqueles que irão constituir a conquista da terra prometida. Segundo Pesch (2016), Após o povo ter sido liberto do Egito pela mão forte de Deus, durante a peregrinação pelo deserto, uma aliança é estabelecida. Esta seria chamada de a aliança do Sinai. Esta aliança é compreendida, e com razão, como um acordo exclusivo, indissolúvel, entre Deus e seu povo. Por meio deste acordo, Israel se diferencia claramente dos mitos da natureza das religiões politeístas do seu ambiente. Assim como as alianças que Deus realizou, a ética no Antigo Testamento está firmada na compreensão de um Deus único e criador de tudo, bem como na sua revelação, ação na história e consequentemente na exigência de obediência. 7 Deus apresenta no Antigo Testamento a constituição de uma nação e as orientações ético/morais para o seu desenvolvimento. TEMA 3 – O CARÁTER DA LEI DE ISRAEL A lei mosaica em geral (e principalmente o Decálogo) foi, sem nenhuma dúvida, um grande marco na história hebraica e um marco na história da ética. É por meio da lei que Israel começa a se estruturar como nação formada. Agora não era mais um povo escravo, mas uma nação que necessitava viver em comunidade e fundamentar suas leis. Champlin (2001, p. 759) afirma que “O AT encerra passagens que prometem a vida eterna mediante a observância da lei, não duvidemos disso: e é evidente que muitos têm compreendido que isso se torna literalmente possível”. A importância da lei para Israel é inegável, pois é por meio da sua observância que a cultura da nação hebreia não se deixou moldar pelas influências morais de outras nações, como a egípcia e a babilônica. A ética teísta israelita tinha profundas diferenças das demais, uma vez que estava incorporada na sua legislação, isto é, a revelação de Deus através da orientação do seu agir estava incorporada tanto religiosa quanto legislativamente. Israel tinha na sua fundamentação a obrigação de obediência que havia assumido para com Deus, diferente da grande maioria das outras nações. Segundo Van Gemeren (2003, p. 32), o Livro da Aliança (Ex. 20.22 – 23.33) se desenvolve em 3 direções: Em primeiro lugar, há o desenvolvimento complexo de leis criadas por acaso de precedência. Essas leis começam com “se” ou “quando” e descrevem brevemente uma situação que pode ocorrer na vida real(...). Em segundo lugar as leis criminais especificam a penalidade no caso de alguém transgredir os mandamentos. Em terceiro lugar, o Livro da Alianã revela a complexidade da lei de Israel. As leis morais (aquelas que refletiam no Decálogo) estão entrelaçadas com as leis civis, com o código penal e com as leis cerimoniais. A Lei em Israel estava profundamente interligada tanto com os aspectos legislativos, cerimoniais quanto éticos. A vida cotidianamente estava relacionada às observações da Lei, e os sacerdotes serviam como modelos para o padrão de santidade e pureza, pois eram estes que entravam no Santo dos Santos para representar o povo. Segundo López (2006, p. 23), As leis do Pentateuco nasceram no seio da comunidade israelita. Uma comunidade de pessoas livres, que experimentaram o poder de Deus no momento da libertação do Egito e a sua presença próxima na ratificação da aliança, acontecimentos decisivos para que o povo crescesse em Javé, o reconhecesse como o seu Deus e aceitasse as suas leis como norma de vida. Por isso, a legislação bíblica não 8 somente aparece como um dom de Deus mas também como uma tarefa para Israel. Dessa forma, compreendemos que o agir de Deus produz um comprometimentodo povo com a observação da lei. Apesar dessa compreensão, em determinados momentos históricos vemos o relato do afastamento do governante ou do próprio povo de Deus. Nesses momentos em que Israel se afastava da observação da lei, a nação passava por dificuldades imensas por causas muitas vezes naturais do afastamento das instruções que lhes garantiam prosperidade e também pelo castigo que Deus aplicava na nação, até que voltassem pelo arrependimento a observar novamente as instruções divinas. O modo de vida deve ser de reverência e temor a Deus. Cada um tem sua responsabilidade diante de Deus, e isso reflete também no povo como um todo. A observação das normas deve ser rígida, e observada com zelo, porém nem todos conseguem seguir todas as observações decorrentes da Lei, uma vez que os ensinamentos judaicos incorporam 613 mandamentos específicos, sendo que, destes, 248 eram positivos, isto é, devem ser feitos, e 365 negativos, que não devem ser feitos, cobrindo praticamente todas as questões da vida diária. Apesar de algumas distorções na interpretação da Lei, como podemos ver quando Jesus é questionado sobre a observação do sábado, esta foi extremamente necessária, primeiro para a constituição da nação de Israel e para que o ser humano pudesse perceber que ele não teria condições de cumpri-la de modo integral e que necessitaria da graça. TEMA 4 – FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA BÍBLICA: OS 10 MANDAMENTOS Iremos tratar neste tópico o que podemos intitular como a base para a ética cristã, e como um marco para a ética universal: os 10 mandamentos. Nessas instruções, o povo é orientado com relação ao relacionamento com Deus e com o próximo. Através dos 10 mandamentos, a ética cristã tem o seu fundamento com o próximo com base no relacionamento com Deus. Segundo López (2006, p. 160): No marco da teofania, o decálogo é como “uma das formas da vinda de Deus”. Colocado na boca de Deus, os dez mandamentos – em sua origem independentes e equiparáveis às outras leis – adquirem o aspecto da lei revelada. Esta concepção constitui um fato insólito e excepcional em relação a outras culturas e religiões do contexto de Israel. Nas leis do antigo Oriente, os deuses nunca aparecem como autores do direito, mas tão somente como garantias. No Antigo Testamento, por sua vez, Javé é a fonte e a origem da lei. 9 Dessa forma, o decálogo apresenta-se acima de uma orientação ou sistema ético fruto da reflexão humana, mas orientação de Deus para a vida. No decálogo estão os princípios naturais imprescindíveis para a vida em sociedade. Sua declaração se encontra no livro de Êxodo, cap. 10, vers. 1-17. Podemos separar dois grandes blocos de orientações que encontramos nos 10 mandamentos: Relação a Deus Nos quatro primeiros mandamentos encontramos referências as obrigações dos homens para com Deus. Relação à vida em comunidade Nos demais seis mandamentos podemos perceber a responsabilidade do ser humano para com o seu próximo. Vamos compreender melhor cada dos 10 mandamentos: 1. Não terás outros deuses diante de mim. Aponta para a singularidade e exclusividade de Deus. Há apenas um Deus e deve-se conhecer a Deus, isto é, conhecer a sua vontade, dedicar-se a Ele e Obedecê-Lo. Para conhecer a vontade de Deus, é preciso conhecer a sua revelação, e a sua vontade encontra-se expressa na Bíblia. 2. Não farás para ti imagem de escultura. Não se deve tentar dar expressão visível e tangível a elementos e atributos de Deus, uma vez que o caráter de Deus não tem origem nas concepções humanas. Toda a comparação que fazemos das qualidades ou predicados humanos são apenas sombras que não conseguem expressar na totalidade à Deus. As imagens acabam por adulterar o verdadeiro conceito de Deus. 3. Não tomarás em vão o nome do Senhor O nome de Deus é Santo, por isso invocar ou tomar o nome do Senhor como garantia de afirmações humanas é rebaixar o nome de Deus às concepções humanas que são falhas e injustas. Devemos tomar com extremo cuidado sempre que atribuímos a Deus qualquer ação ou acontecimento, não temos condições como humanos de discernir o agir de Deus. 4. Lembra-te do dia do sábado, para santificá-lo. A lei do sábado é ensinada em todo o Antigo testamento e tinha uma dupla finalidade: possibilitar o descanso e que as famílias se concentrassem na adoração ao Senhor (Levítico 23:1-3). No hebraico, a palavra sábado tem o 10 significado de “descansar, folgar, respirar, cessar, desistir, parar.” Assim, o significado de shabbat é “descanso”, “fôlego”, que nos ensina da necessidade do repouso, do descanso, da reflexão e meditação em Deus e, inclusive, de autoavaliação. 5. Honra a teu pai e a tua mãe. É no ambiente familiar que se constroem os valores que o ser humano levará para a vida. A família constitui-se como a base da sociedade, onde se aprende o respeito ao próximo e se reconhece o princípio da autoridade. A desestruturação da família representa um risco para a sociedade. 6. Não matarás. Matar o semelhante é uma das atitudes mais condenadas em todas as sociedades, pois compreende-se que a vida humana tem um valor imensurável. Todas as declarações em que Deus ordena a morte estão relacionadas ao seu contexto e não é a liberação para que o homem mate, já que sempre encontramos nas Escrituras que o ato de tirar uma vida humana é sempre condenado, e quando inevitável um ato extremo que carece de arrependimento. É responsabilidade do cristão sempre levar a paz, demonstrando que toda a vida humana é digna de respeito e extremamente preciosa. 7. Não cometerás adultério. No matrimônio há um pacto, uma aliança. Esse pacto realizado entre um homem e uma mulher tem Deus por testemunha e é sancionado por Ele. O casamento é uma instituição instituída por Deus, e mesmo entre os povos que não tiveram a revelação direta de Deus, sempre se teve o casamento como uma união que representa a fidelidade, e até mesmo onde é aceita a poligamia, que também tem um limite. Uma sociedade em que não há o compromisso da fidelidade, da confiança no matrimónio não se desenvolve de forma saudável. 8. Não furtarás. Em uma sociedade livre, o indivíduo tem o direito de ter garantida a posse de sua propriedade, de seus bens. A propriedade privada é um direito constituído e historicamente elaborado. O alienamento da propriedade privada para transformá-la em propriedade estatal representa a retirada de um direito do indivíduo. A lei estabelecida por Deus apronta para o respeito com o que é do outro. O cristão deve saber que tomar posse de qualquer coisa que não lhe pertence é uma grave transgressão da lei divina. 11 9. Não dirás falso testemunho. Testemunhar em falso representa um sério risco para a Justiça. Os julgamentos em boa medida dependem de depoimentos pessoais em que se espera que o indivíduo fale a verdade. A mentira é um sério problema, e para o cristão, é maior ainda. Há vários debates sobre o uso da mentira, que poderia ser considerada benigna, mas sabemos que uma sociedade conivente com a mentira não se sustenta. 10. Não cobiçarás. O mandamento de não cobiçar não é difícil de identificar e, mesmo sendo um tanto subjetiva, a cobiça como inveja, como desejo de algo que é de outro, conforme nos orienta as Escrituras, é pecado, pois este começa na intenção. O roubo, o adultério e a mentira normalmente nascem incitados pelo desejo do que é do outro, e não há sistema ético que se possa se apoiar na cobiça pelo que é do outro ou que possa justificá-la. TEMA 5 – OS PROFETAS E OS ENSINAMENTOS ÉTICOS A origem da profeta vem do hebraico nabi, que vem da raiz verbal naba, que significa “anunciador”, “declarador” e, por analogia, àquele que anuncia as mensagens de Deus, que habitualmente eram recebidas por alguma revelação ou discernimento intuitivo. Os profetas poderiam usar vários tipos de adivinhação e consultaa oráculos. O termo nabi é usado mais de trezentas vezes no Antigo Testamento (Podemos citar como exemplo as passagens de Gn 20.7, Ex 7:1, Num. 12.6, Dt. 13:1, Jz 6.8, I Sm 3.20, II Sm 7.2, Jr. 1.5). É provável que essa palavra também fosse usada para indicar a missão profética. Outra forma de denominar os profetas era de “homem de Deus”, o que ocorre por cerca de setenta e seis vezes no Antigo Testamento (Champlin, 2001, p. 423). Os profetas eram levados por Deus para comunicar uma mensagem, anunciar algum vaticínio divino, normalmente um aviso sobre as consequências de determinada ação do povo ou do rei. Abraão foi o primeiro a ser chamado de profeta (Gn. 20.7), sendo que Moisés acabou sendo o primeiro profeta nacional de Israel (Dt. 18:15-19). Um dos principais temas que podemos observar nas profecias é o do comportamento moral. Há uma clara preocupação por parte de Deus para que o seu povo não se desvie daquilo para o qual ele os havia constituído como nação, e, desde a sua libertação da escravidão no Egito, eles deveriam viver segundo os mandamentos que Deus lhes havia concedido, polis essa era a sua parte na 12 aliança, conforme afirma o texto “Raízes bíblicas do agir cristão”, da Pontifícia Comissão Bíblica: O justo comportamento moral é um tema fundamental em todos os profetas, mas não o tratam jamais por si mesmo nem de modo sistemático. Eles ocupam-se da ética sempre em relação com o fato de que Deus conduz Israel através da história. Isso funciona de modo retrospectivo: tendo em conta o fato de que Deus libertou Israel da escravidão no Egito e o conduziu à sua própria terra, os israelitas devem viver segundo os mandamentos que Deus deu a Moisés no monte Sinai (cf. a moldura dos dez mandamentos em Dt 5,1-6.28-33). Entretanto, porque não procediam assim e adotavam os costumes das nações, Deus dispunha-se a mobilizar contra eles invasores estrangeiros para devastarem sua terra e levarem o povo ao exílio (Os 2; Jr 2,1—3,5). Funciona também de modo prospectivo: Deus salvará um resto do povo da dispersão entre as nações e o fará retornar à sua terra onde viverão, finalmente, como uma comunidade fiel em torno ao Templo e obedientes aos antigos mandamentos (Is 4; 43). Essa conexão fundamental entre ética e história, seja passada seja futura, é elaborada em Ez 20, que constitui a magna carta de Israel renascido (Pontifícia Comissão Bíblica, 2008). Quando Israel adotava os costumes das nações do seu derredor ou afastava-se dos mandamentos, na sequência Deus “pesava sua mão” sobre a nação, e os profetas eram os incumbidos de levar a orientação ética, alertando para qual deveria ser o padrão de Deus para a sociedade e qual seriam as consequências da desobediência aos preceitos divinos. A mensagem era ou individual para o Rei ou coletiva para o povo. Normalmente a preocupação, além dos desvios dos mandamentos, era o abuso com que os reis agiam com relação ao povo. Assim, a mensagem tinha um cunho social, pois Deus se opõe ao agir sem misericórdia e justiça e estes são os aspectos extremante importantes, normalmente presentes nas profecias. Enquanto os sacerdotes agiam como professores, os profetas tinham a característica de pregadores avivalistas. Os sacerdotes informavam, e os profetas reformavam. Eram os sacerdotes que instruíam o povo, porém os profetas agiam com profunda veemência e energia quando a Lei era negligenciada pelos líderes e pelo povo (Ellisen, 1991, p. 212) A importância dos profetas no Antigo Testamento é enorme. Poderíamos identificá-los como “guardiões” da conduta ética e moral de Israel. Havia uma sincera preocupação com a vida do povo, como podemos ver em Isaías 10: 1-2: “1 Ai daqueles que fazem leis injustas, que escrevem decretos opressores, 2 para privar os pobres dos seus direitos e da justiça os oprimidos do meu povo, fazendo das viúvas sua presa e roubando dos órfãos!”. Com a prática da justiça, como podemos constatar em Amós 4:1, “Ouçam esta palavra, vocês, vacas de Basã que estão no monte de Samaria, vocês, que oprimem os pobres e esmagam os 13 necessitados e dizem aos senhores deles: ‘Tragam bebidas e vamos beber!’” . Com os desvios do povo em Amós .2:7: “Pisam sobre a cabeça dos necessitados como pisam no pó da terra, e negam justiça ao oprimido. Pai e filho possuem a mesma mulher e assim profanam o meu santo nome”. Com o desgoverno dos reis em Isaías 56.10 “As sentinelas de Israel estão cegas e não têm conhecimento; todas elas são como cães mudos, incapazes de latir. Deitam-se e sonham; só querem dormir.”. Com a desonestidade dos comerciantes em Miqueias 6:11-13 “Poderia alguém ser puro com balanças desonestas e pesos falsos? Os ricos dentre vocês são violentos; o seu povo é mentiroso, e as suas línguas falam enganosamente. Por isso, eu mesmo os farei sofrer e os arruinarei por causa dos seus pecados”. Esses são apenas alguns fragmentos dos alertas que os profetas realizavam para corrigir o povo e os governantes. A profecia sempre estava alinhada com a revelação da lei de Deus e tinha como objetivo alertar quanto às desigualdades ou opressões que o povo sofria, relembrando a aliança com Deus e a importância de sua obediência, alertando para a compreensão de que Israel serve a Deus, que criou os céus e a terra e que tudo é D’Ele e para Ele, nada pode ser feito fora da sua soberana vontade. Compreendemos, dessa forma, que a ética cristã tem sua fundamentação em uma ética da responsabilidade, a qual podemos encontrar desde a libertação do povo hebreu do Egito em formar uma nação e proclamar o Deus verdadeiro. Nos 10 mandamentos, Deus entrega os aspectos fundamentais para gerir a vida em sociedade, que passa pelo preceito do relacionamento com Deus que deve refletir no relacionamento com o próximo. Nos profetas, podemos compreender a função ética que exerciam em alertar os descaminhos que o povo e os governantes tomavam e as consequências que essas decisões poderiam levar, que se resumem em observar a lei de Deus como um preceito ético básico para a vida. 14 REFERÊNCIAS BÍBLIA de estudo de palavras-chave (hebraico – grego) Almeida. Revisada e Corrigida. Curitiba: CPAD, 2009. CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia. 5. ed. São Paulo: Hagnos, 2001. ELLISEN, S. A. Conheça melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 1991 HOFF, P. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 1983. JOHNS, C. B; WHITE, V. W. A ética de ser: caráter, comunidade, práxis. In: PALMER, M. D. (Org.) Panorama do pensamento cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. JONAS, H. O princípio responsabilidade. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006. LÓPEZ, F. G. O Pentateuco. 2. ed. São Paulo: A.M., 2006 OLIVEIRA, M. M. de. A palavra “domínio” no texto sacerdotal da criação. Kairós - Revista Acadêmica da Prainha, v.2, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://www.catolicadefortaleza.edu.br/wp-content/uploads/2013/12/3.-Marcos- Mendes-A-Palavra-dominio-formatado-10-pag.-ok.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2019. PESCH, E. H. Aspectos da ética humanitária do Antigo Testamento. II Simpósio Internacional da ABHR, jul. 2016. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. Raízes bíblicas do agir cristão. Vaticano, 2008. Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con _cfaith_doc_20080511_bibbia-e-morale_po.html#PRIMEIRA_PARTE_>. Acesso em: 2 jan. 2019. VANGEMEREN, W. A. O ponto de vista reformado não-teonômico. In: GUNDRY, S (Org.). Lei e Evangelho. São Paulo: Vida, 2003. Coleção Debates Teológicos. WOLFF, H. W. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008 http://www.catolicadefortaleza.edu.br/wp-content/uploads/2013/12/3.-Marcos-Mendes-A-Palavra-dominio-formatado-10-pag.-ok.pdf http://www.catolicadefortaleza.edu.br/wp-content/uploads/2013/12/3.-Marcos-Mendes-A-Palavra-dominio-formatado-10-pag.-ok.pdf
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