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AS ORIGENS DA IDADE MÉDIA UNIDADE 1 O ESTADO E A IGREJA NA IDADE MÉDIA TÓPICO 4 1 INTRODUÇÃO O período compreendido entre os séculos V e X, aproximadamente, costuma ser denominado pelos historiadores de Alta Idade Média. Foi um período marcado pela criação de reinos que, em um lento processo, promoveriam a integração entre as culturas tão diferentes dos romanos e dos germânicos, por meio da religião cristã. Esses reinos, no entanto, não tinham a unidade e a estabilidade que havia tido o Império Romano, de modo que, por volta do ano 1000, a ordem política da Europa era claramente fragmentada. A única instituição que se manteve unida, nesse momento de fragmentação, foi a Igreja. De fato, a única noção de unidade que havia entre os homens medievais era a Cristandade. Neste tópico vamos estudar esse duplo processo de desagregação política e a unidade religiosa. SUGESTÃO DE LEITURA Prezado(a) acadêmico(a), uma boa obra de referência para aprofundar seus conhecimentos acerca dos temas abordados neste tópico é: LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2005. 2 OS REINOS BÁRBAROS Unidade 1 - Tópico 4 Como vimos no tópico anterior, a presença dos bárbaros completou o processo de desagregação do Império Romano do Ocidente. Até o século V, diversos povos haviam invadido o Império, e começaram a criar domínios relativamente independentes (inicialmente na condição de foederati), que se tornariam os chamados reinos germânicos. Quem eram os POVOS BÁRBAROS? Constituíam os povos de origem germânica que habitavam as regiões ao norte, ao nordeste da Europa e noroeste da Ásia, na época do Império Romano. Os romanos se utilizavam da expressão "bárbaros" para designar todos aqueles que residiam nas regiões situadas além das fronteiras do Império Romano, e em especial que não falavam o latim, a língua o�cial do Império. Os reinos germânicos enfrentaram grandes di�culdades e dependiam da cooperação entre romanos e germânicos. Sem tradição de governos centralizados, os bárbaros con�avam muito mais na autoridade pessoal do líder e na sua capacidade de manter as tribos unidas do que nos preceitos do Direito Romano. A assimilação era di�cultada pelas leis romanas, que não permitiam a realização de casamentos entre romanos e estrangeiros. Sendo assim, em muitas regiões levou mais de um século para que um processo de miscigenação realmente pudesse se iniciar. Outro problema enfrentado pela maioria dos reinos bárbaros era religioso: no processo de migração, os bárbaros haviam sido, em sua maioria, cristianizados pela corrente ariana do Cristianismo. Para os católicos romanos, o arianismo era uma heresia, e os povos germânicos que a adotavam eram vistos, muitas vezes, como inimigos. S Arianismo é o nome que se dá a uma dissidência – ou heresia, na terminologia usada pelo Catolicismo romano – do Cristianismo que surgiu no início do século IV. A controvérsia gerada pelo arianismo será estudada em breve. Unidade 1 - Tópico 4 Anglo-Saxões: anglos, saxões, jutos, frísios e outros povos instalaram-se na foz do rio Reno. Alguns grupos migraram para a ilha da Grã-Bretanha no século V, dominaram as populações celtas originais e criaram reinos que durariam até a invasão dos normandos (vikings) em 1066. Burgúndios: fundaram um reino no início do século V, destruído pelos hunos. Em 443, criam novo reino que seria destruído pelos francos cerca de um século depois. Francos: criaram o mais poderoso e mais importante reino bárbaro, que será estudado em detalhes a seguir. Ostrogodos: o maior dos reis ostrogodos, Teodorico, foi educado em Constantinopla e criou na Itália o primeiro reino que reuniu paci�camente romanos e germânicos. Com a sua morte, o reino começou a decair e em 553 foi conquistado pelo Império Bizantino. Suevos: em 410, estabeleceram um reino na Galícia (norte de Portugal e costa atlântica da Espanha), destruído em 585 pelos visigodos. Vândalos: após invadirem a Península Ibérica entre 407 e 409, foram expulsos de lá pelos romanos e visigodos. Invadiram a África do Norte em FIGURA 7 - OS REINOS BÁRBAROS FONTE: Disponível em: <http://www.igm.mat.br/homepage/joao_afonso/J.A/�guras_inhumas/reinos%20 barbaros.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2013. Os principais povos germânicos a estabelecer reinos foram: Unidade 1 - Tópico 4 http://www.igm.mat.br/homepage/joao_afonso/J.A/figuras_inhumas/reinos%20barbaros.jpg http://www.igm.mat.br/homepage/joao_afonso/J.A/figuras_inhumas/reinos%20barbaros.jpg 429, onde fundaram um reino poderoso. (Santo Agostinho morreu durante essa invasão em Hipona, a segunda maior cidade do novo reino). De lá, em 455, comandaram uma expedição que saqueou Roma. A violência do saque deu ao termo vândalo o sentido de arruaceiro e violento. Visigodos: estabelecidos na Península Ibérica a partir de 418, seu reino duraria até a conquista dos muçulmanos, no século VII. Após a invasão, muitos atravessaram os Pirineus e se tornaram colaboradores dos francos. A imagem que se tem dos povos bárbaros como incapazes de criar um reino organizado, por não conhecerem as tradições e as leis romanas, não é correta. Observe-se, por exemplo, o caso de Teodorico, rei ostrogodo. Essa imagem é preconceituosa porque parte da ideia de que os germânicos eram ignorantes e incapazes de elaborar governos so�sticados, coisa que só os civilizados romanos teriam condições de fazer. 3 O REINO FRANCO No entanto, de todos os povos bárbaros, o que teve mais sucesso em criar e consolidar um reino foram os francos. As razões para isso têm a ver, entre outros fatores, com a conversão dos francos ao cristianismo católico, que facilitou a sua aceitação pelas populações galo-romanas. Os francos eram uma confederação de tribos, nem todas etnicamente aparentadas, que viviam nos limites do Império Romano pelo menos desde o século III. No �nal do século V, Clóvis, o primeiro rei franco, adotou o cristianismo católico e tornou os francos aliados naturais da Igreja de Roma. Clóvis ampliou os domínios francos e, após sua morte, os domínios foram divididos em dois reinos, Nêustria e Austrásia. O costume franco de dividir o reino entre todos os herdeiros enfraqueceu aos poucos os reinos e permitiu o fortalecimento político dos prefeitos do palácio (ou mordomos, do latim major domus). De meros administradores do palácio, com o tempo passaram a cobrar os impostos, administrar o exército e nomear os condes e duques; eram inclusive os tutores dos herdeiros do trono. O cargo terminou por se tornar hereditário. Os reis merovíngios dessa época, sem poder, �caram conhecidos como os reis indolentes. Em 732, o prefeito do palácio Carlos Martel derrotou os muçulmanos que, após destruírem o reino visigodo e ocuparem quase toda a Península Ibérica, Unidade 1 - Tópico 4 avançaram sobre os francos. A vitória em Poitiers deu a Martel um enorme prestígio, que lhe permitiu centralizar o poder sobre todos os reinos francos. Seu �lho, Pepino, o Breve, venceu os lombardos e doou terras à Igreja, que viriam a se tornar os Estados Pontifícios. Em 751, ele destronou Childerico III, o último rei merovíngio, e criou a nova dinastia Carolíngia. Com a morte de Pepino, o Breve, seu �lho Carlos assumiu o trono. Seu reinado foi caracterizado por uma grande ampliação nos domínios francos (ver mapa a seguir) e por uma valorização da cultura. Carlos Magno, como �cou conhecido, consolidou a aliança entre os francos e a Igreja e, como um prêmio à sua lealdade e às suas conquistas e forma de garantir a predominância do papado sobre o governante mais poderoso do Ocidente na época, o Papa Leão III coroou-o “imperador romano” no Natal de 800. FIGURA 8 – O REINO FRANCO DE CLÓVIS A CARLOS MAGNO FONTE: Disponível em: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Image:Frankish_empire.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2013. A coroação foi controversa, porque o papa ignorou a existência do Império Bizantino, formalmente era o legítimo continuador do Império Romano. Noentanto, o papa alegou que o trono bizantino encontrava-se vago (pois era ocupado por uma mulher), para consolidar seu poder no Ocidente. Unidade 1 - Tópico 4 http://fr.wikipedia.org/wiki/Image:Frankish_empire.jpg É claro que a explicação para a atitude do papa vai muito além do “machismo” e da “prepotência ocidental”. A coroação de Carlos Magno que atendia a um duplo propósito: o desejo dos governantes francos de expandir seu poder e a intenção dos papas de consolidar sua versão de religiosidade cristã como hegemônica. E os adversários eram os mesmos: internamente, os povos bárbaros com seus reinos rivais e seu cristianismo ariano, e externamente, muçulmanos. Depois, os próprios bizantinos, com seu desejo de expandir seus domínios e suas divergências político-religiosas com Roma. A coroação de Carlos Magno consolidou uma vinculação muito próxima entre a autoridade papal e o poder no Ocidente e separou irreversivelmente os domínios e os rituais religiosos de cristãos católicos e ortodoxos. 3.1 O REINADO DE CARLOS MAGNO Para melhor administrar seu reinado, Carlos Magno dividiu-o em condados e, nas fronteiras, as marcas, que delegou a nobres de sua con�ança (os condes e marqueses, respectivamente), com amplos poderes em suas regiões. O rei tentou criar um sistema imperial organizado, com uma reforma monetária e funcionários que �scalizavam a atuação dos nobres, os missi dominici. No entanto, essa estrutura não conseguiu centralizar o poder em suas mãos: aos poucos, os vínculos de doação e vassalagem se tornaram mais importantes do que a lealdade ao rei e o poder na Europa Ocidental tornou-se cada vez mais fragmentado. FIGURA 9 - MAPA: REINO FRANCO EM 814, MOSTRANDO SUAS DIVISÕES TRADICIONAIS E AS CIDADES QUE SERVIAM DE PARADA AO REI Unidade 1 - Tópico 4 FONTE: Disponível em: <http://www.moneymuseum.com/imgs/ximages/image/ 2010/8/I_EN_63655_8.jpg>. Acesso em: 20 out. 2012. 3.1.1 O Renascimento Carolíngio Durante os reinados de Carlos Magno e de seu �lho, Luís, o Piedoso, surgiu um movimento de renascimento cultural e intelectual que �cou conhecido como Renascimento Carolíngio. Carlos Magno trouxe estudiosos (em sua maioria religiosos) para sua corte em Aachen (Aix-la-Chapelle, em francês) e copiou muitos manuscritos antigos usando a recém-criada caligra�a carolíngia. Quase toda a herança greco-romana que era conhecida durante a Idade Média se deve a essa iniciativa. Os livros ganharam um cuidado especial, com encadernações riquíssimas e muito elaboradas. Carlos Magno, ele próprio analfabeto até a idade adulta, entendeu bem a importância da educação. Seus estudiosos, comandados por Alcuíno de York, instituíram os currículos do trivium (gramática, lógica e retórica) e do quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia) e criaram obras literárias originais em latim medieval. FIGURA 10 – MANUSCRITO DO SÉCULO X. EXEMPLO DA CALIGRAFIA CAROLÍNGIA Unidade 1 - Tópico 4 http://www.moneymuseum.com/imgs/ximages/image/%202010/8/I_EN_63655_8.jpg http://www.moneymuseum.com/imgs/ximages/image/%202010/8/I_EN_63655_8.jpg FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/7/72/CarolingianMinuscule.jpeg>. Acesso em: 14 fev. 2013. 3.1.2 A divisão do Império Após a morte de Luís, o Piedoso, em 840, seus �lhos lutaram para organizar a sucessão. Pelo Tratado de Verdun (843), a parte ocidental �cou com Carlos, o Calvo; a oriental com Luís, o Germânico; e a região central com Lotário. Após a morte de Lotário, em 855, as lutas entre seus herdeiros fragmentaram todo o Império, garantindo ainda mais poder para a nobreza rural. No leste, o reino de Luís deu origem ao Reino da Alemanha, mais tarde o Sacro Império Romano- Germânico. FIGURA 11 – DIVISÃO DO IMPÉRIO CAROLÍNGIO APÓS OS TRATADOS DE VERDUN (843) E MEERSEN (870) Unidade 1 - Tópico 4 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/7/72/CarolingianMinuscule.jpeg FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d7/843-870_Europe.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2013. O Sacro Império Romano-Germânico surgiu como uma tentativa de manter a vinculação entre o poder temporal (do rei) e o poder da Igreja. Apesar do nome, era politicamente fragmentado, aproximando-se muito mais de uma confederação de domínios feudais do que de um reino. O governante recebia o título de imperador romano, e o posto não era hereditário: o imperador era eleito pelos principais nobres. O império sobreviveu ao �m da Idade Média e foi desfeito apenas em 1806, durante as conquistas napoleônicas. 3.2 NOVOS INVASORES No �nal do século IX, nova onda de invasões aterrorizou a Europa. Do Oriente vieram os magiares, que se �xariam mais tarde na Hungria. Do norte, os temíveis vikings (ou normandos, os “homens do norte”) atingiram toda a região da Inglaterra e França até serem cristianizados e se assentarem na região conhecida Unidade 1 - Tópico 4 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d7/843-870_Europe.jpg como Normandia (na França). Sua presença, como piratas ou comerciantes, estendeu-se por toda a região do Báltico, Mar Mediterrâneo e mesmo o Oriente Médio: os vikings estabeleceram contatos comerciais com os muçulmanos e estão ligados à formação da Rússia de Kiev e da Liga Hanseática. 4 A IGREJA NA ALTA IDADE MÉDIA O Cristianismo surgiu na Palestina, no início do Império Romano, e aos poucos começou a se tornar uma força signi�cativa dentro da sociedade romana. As ideias de salvação da alma, igualdade entre os homens e caridade tinham muita repercussão entre as camadas mais pobres da sociedade, especialmente entre os escravos. As perseguições feitas pelos imperadores romanos, pela recusa dos cristãos a venerarem os deuses imperiais, aumentavam a simpatia ao movimento que, no século IV, já era majoritário entre a população do Império. Em vista disso, o Imperador Constantino proibiu as perseguições aos cristãos e, mais tarde, converteu-se ele próprio à religião. A conversão de Constantino pode ou não ter sido uma jogada política, mas o fato é que ele conseguiu, dessa forma, manter um controle sobre a religião, associando-a aos interesses do Estado romano. Em meados do século VIII, essa relação seria invocada e invertida, e a coroação de Carlos Magno simbolizava o domínio da Igreja sobre a Monarquia. 4.1 SANTO AGOSTINHO Uma das �guras mais importantes para o desenvolvimento da Cristandade medieval foi Santo Agostinho de Hipona (354-430), que elaborou grande parte dos fundamentos religiosos do Cristianismo. Para elaborar sua teologia, Agostinho baseou-se, principalmente, na �loso�a de Platão e dos neoplatônicos, adaptando- as às preocupações religiosas. FIGURA 12 - REPRESENTAÇÃO TRADICIONAL DE SANTO AGOSTINHO DE HIPONA Unidade 1 - Tópico 4 FONTE: Disponível em: <http://lifeondoverbeach.�les.wordpress.com/2011/06/augustine-of-hippo.jpg>. Acesso em: 23 out. 2012. Essa “cristianização de Platão” pode ser entendida como um símbolo da adaptação que �zeram os homens da Antiguidade Tardia e da Alta Idade Média do pensamento clássico, embora há quem veja nisso um sinal inequívoco de decadência. A Leitura Complementar, no �nal deste tópico, ajudará você a re�etir melhor sobre o assunto. 4.2 O ARIANISMO A Igreja, criada como uma analogia do Império, tinha uma estrutura rígida, que se fundou cada vez mais na primazia do bispo de Roma, considerado o sucessor de São Pedro (desde Leão I, em meados do século V), sobre os demais. Isso signi�cava a necessidade de se manter uma única autoridade suprema na Terra, assim como havia uma única divindade no Céu. Unidade 1 - Tópico 4 http://lifeondoverbeach.files.wordpress.com/2011/06/augustine-of-hippo.jpgv Isso levou a Igreja a se defrontar com algumas questões bastante delicadas, não só pela necessidade de explicá-las de um ponto de vista teológico, como pelas implicações políticas que elas traziam. Na época, não havia a separação, nem política nem �losó�ca, entre religião e poder, e as ameaças à doutrinaeram também ameaças ao poder do papa. Era necessário combater as dissidências – em grego, heresias – a �m de preservar a unidade da religião. Não estamos querendo dizer, com isso, que a motivação para combater as heresias fosse simplesmente política, ou seja, que os papas estivessem preocupados apenas em manter o seu poder diante das ameaças. Entender o combate às heresias apenas do ponto de vista político é tão incorreto quanto entendê-lo apenas do ponto de vista teológico. Como dissemos, não havia uma separação clara entre as duas categorias. Uma das heresias mais importantes da Idade Média foi o já mencionado arianismo, nome dado em razão de seu fundador, Ário de Alexandria (c. 250–336). O ponto mais controverso da teologia de Ário era a sua ideia de que Jesus Cristo tinha sido criado por Deus, não igual a Ele. Da mesma forma, o Espírito Santo seria uma criação de Deus, e estaria subordinado a Cristo, como Cristo a Deus. Em outras palavras, o arianismo negava a ideia da Santíssima Trindade, o que era potencialmente destrutivo para a Igreja Católica. Para tentar solucionar a controvérsia gerada pelo arianismo, o Imperador Constantino convocou o primeiro Concílio Ecumênico da história do Cristianismo, em Niceia (325), na atual Turquia. O resultado do Concílio foi avassalador: dos 250 a 318 bispos que se estima que compareceram (de acordo com as várias contagens), apenas dois apoiaram Ário. O Concílio estabeleceu o chamado Credo Nicênico, que rea�rmava toda a doutrina católica e que, com modi�cações, é recitado até hoje, em praticamente todas as denominações religiosas do Cristianismo. Caro(a) acadêmico(a), veja a seguir uma tradução do conteúdo original do Credo Nicênico (em itálico, os trechos que hoje não fazem parte do Credo regular, mas que eram, como se verá, os pontos centrais): Creio em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai; pelo Unidade 1 - Tópico 4 qual todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e foi cruci�cado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá �m. E no Espírito Santo, Senhor e Vivi�cador, que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glori�cado, que falou através dos profetas. Creio na Igreja una, universal e apostólica, reconheço um só batismo para remissão dos pecados; e aguardo a ressurreição dos mortos e da vida do mundo vindouro. FONTE: Extraído de ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos, 1998, p. 179-80. 4.3 OS BÁRBAROS E A IGREJA O rei, entre os bárbaros, tinha um papel sagrado: visto como de origem divina, era o chefe dos ofícios religiosos, muito mais do que um simples líder militar. Por isso, a conversão dos povos bárbaros era uma tarefa relativamente simples: bastava converter o líder, e o seu povo se converteria com ele. Isso tornava o trabalho dos missionários mais fácil, em um primeiro momento, mas exigia um longo trabalho de catequização para que a nova tradição religiosa fosse assimilada adequadamente, sem alterações ou deturpações. O arianismo teve um papel especialmente importante na Idade Média, porque a maioria dos povos bárbaros que entravam no Império foi cristianizada sob essa forma. Quando os reinos germânicos foram formados, no século V, alguns de seus criadores eram arianos havia mais de um século. Os romanos, no entanto, eram majoritariamente trinitários (católicos), e isso gerou sérias di�culdades de adaptação com os recém-chegados. 4.4 A REGRA DE SÃO BENTO Como dissemos, o trabalho de cristianização dos povos germânicos não se resumia à conversão do rei. Após esse processo, que era antes uma formalidade, era preciso ensinar a religião a todo o povo, o que levou décadas ou até mesmo séculos, em alguns casos. A conversão dos povos germânicos implicava, mais do que o ensinamento de preceitos religiosos, a introdução de uma cultura completamente diferente, que terminou por ser mesclada às culturas locais, criando-se uma forma híbrida de cultura e de práticas religiosas, que passou a ser o modo de vida medieval. FIGURA 13 - SÃO BENTO DE NÚRCIA, AUTOR DA REGRA QUE ORGANIZAVA A VIDA DOS MOSTEIROS MEDIEVAIS. A PINTURA É DE FRA ANGÉLICO Unidade 1 - Tópico 4 FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/73/Fra_Angelico_03 1.jpg/220px-Fra_Angelico_031.jpg>. Acesso em: 23 out. 2012. Para essa tarefa, foi muito importante a constituição de um clero regular, ou seja, submetido a regras, a uma rígida disciplina. Em 534, São Bento de Núrcia (480-547) elaborou a sua Regra, baseando-se em algumas já existentes, mas com muito mais clareza e simplicidade. Hilário Franco Júnior (2004, p. 70) faz a seguinte re�exão sobre a Regra: Por ela, a vida do monge beneditino transcorre em função do preceito do ora et labora. Oração e trabalho num duplo sentido, numa dupla forma de alcançar Deus: rezar é combater as forças malé�cas, contribuindo para a salvação não apenas da alma do próprio monge, mas também de toda a sociedade; trabalhar é afastar a alma de seus inimigos, a ociosidade e o tédio, é alcançar por meio dessa forma de ascese uma fonte de alegria. Tanto quanto o trabalho manual, o intelectual, a leitura de textos sagrados, prepara a alma para a oração. En�m, orar é uma forma de trabalhar, trabalhar é uma forma de orar. VOCÊ SABIA? Unidade 1 - Tópico 4 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/73/Fra_Angelico_031.jpg/220px-Fra_Angelico_031.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/73/Fra_Angelico_031.jpg/220px-Fra_Angelico_031.jpg Quando o Papa Bento XVI explicou, dias após a sua eleição, em 2006, a razão para escolher seu nome, mencionou o trabalho importantíssimo de São Bento na evangelização da Europa. Os centros monásticos constituídos dessa forma passaram a ser, então, os locais onde os monges pudessem conviver com os pagãos (ou com os arianos) e trazer auxílio e soluções para os seus problemas quotidianos. Assim, os religiosos ganhavam reputação entre os bárbaros e, de quebra, promoviam a fusão das culturas de uma forma mais intensa e duradoura. Os monges que atuavam nessa verdadeira frente de batalha foram muito mais do que simples transmissores de uma mensagem religiosa, verdadeiros agentes de transformação cultural. Buscavam completá-la com uma atuação direta e constante nas comunidades, de modo a demonstrar a superioridade do modo de vida cristão sobre as antigas práticas pagãs. Perceba que esses monges serviram como o elo de ligação entre essas duas culturas tão diferentes, o que explica, em parte, o caráter central que a religião teve durante a Idade Média. Caro(a) acadêmico(a), apresentamos um trecho de William C. Bark sobre Santo Agostinho e a difícil tarefa de adaptar a cultura clássica às necessidades medievais. LEITURA COMPLEMENTAR A vida intelectual do novo mundo na Idade Média teve um molde inteiramente diverso da antiguidade clássica — principalmente helênica. Um dos pontos cruciais da história do pensamento foi o momento em que os gregos não só começaram a adquirir conhecimento, como ocorrera até então, mas a especular sobre ele, a unir a ciência e a �loso�a. O legado dessa união não se exauriu nunca, embora os romanos não o pudessem apreciar devidamente e embora desde o início da Idade Média os europeus ocidentais o tivessem por vezes utilizado de uma forma que sem dúvida pareceria estranha aosque originalmente recolheram aquela fortuna. No Último Império, o fogo grego ardeu muito obscuramente. A ciência perdeu a vitalidade e a velha união com a �loso�a se dissolveu. Houve novas necessidades a serem satisfeitas: para os intelectuais, a recordação das glórias da Academia não Unidade 1 - Tópico 4 tinha mais utilidade do que para os fazendeiros desapropriados de Salviano a lembrança da grandeza do nome romano e da liberdade de seus ancestrais. A �loso�a contraiu nova aliança, dessa vez com a teologia. A partir de então, durante alguns séculos, a vida intelectual se processaria sob a orientação da Igreja. O conhecimento do passado foi em parte mantido e transformado, em parte virtualmente ignorado. Os líderes cristãos, acima de todos Santo Agostinho, lutaram com energia e êxito para reorganizar os padrões do pensamento e adaptar o conhecimento clássico e as realizações intelectuais que se conservaram aos novos objetivos da vida humana. Uma vida na qual a salvação se havia tornado a principal �nalidade do homem educado. Santo Agostinho tem, merecidamente, um lugar de destaque. De todas as tarefas impostas ao intelecto humano, talvez a mais difícil seja a de perceber, em período de enormes modi�cações fundamentais, o que está morto e destituído de sentido, e então conceber, aperfeiçoar e propagar valores mais adequados à nova era. A maioria dos homens, em todas as épocas, e muito mais em épocas de agitação do que nas de estabilidade, se apega �rme e cegamente àquilo que lhe é familiar e aceito, evitando o frio desconforto do reajustamento mental e espiritual. Ao reconhecer o que estava morto, ou agonizante, e ao dar sentido ao que estava vivo e nascia, Santo Agostinho teve poucos pares. As Con�ssões e a Cidade de Deus bastam para nos mostrar como lhe era poderosa a atração do passado. Sua superioridade está no reconhecimento de que, para a sua geração e para as gerações futuras, nas condições de vida que deviam imperar, as vozes de Platão e do resto eram apenas ecos de um túmulo. Não repudiou a inspiração de Platão, utilizou-a. Mas escolheu apenas aquilo que considerava de valor, adaptou-o às novas condições e fez dele parte da estrutura intelectual que teria sido incompreensível à Academia. É cabível indagar da história se há alguma razão válida para supor que o gênio humano chamejou com menos brilho quando os homens, por boas razões pessoais e da época, transferiram o pensamento especulativo da ciência-�loso�a para a teologia-�loso�a. Presumivelmente, os homens do Último Império e do princípio da Idade Média nasceram com a mesma capacidade de pensar, inquirir e evoluir intelectualmente que os homens de qualquer outra época. A questão, então, não é se tinham capacidade, mas se podiam ou desejavam usá-la, e como a usavam. Devemos fazer aqui uma distinção entre a atitude de �ns do período clássico e início do medieval, tal como mencionada na discussão das opiniões de Pirenne sobre a decadência da cultura clássica. É perceptível, antes do século IV, um declínio não universal, mas generalizado, da qualidade das obras intelectuais e literárias pertencentes à tradição clássica. Essa Unidade 1 - Tópico 4 tradição perdera muita vitalidade e seus adeptos já não pareciam convictos de que os assuntos de que tratavam tivessem muito sentido. Os pensadores e autores da tradição patrística, ao contrário, estavam imbuídos de uma completa fé na força daquilo que para eles era vital -, e sobre isso escreveram com energia e segurança, na apologética, na exegese, na homilética, em obras sobre a organização eclesiástica, sobre ascetismo e hagiogra�a, sobre controvérsias doutrinárias. Nossa época supõe geralmente que essa produção, particularmente na última forma, representa uma perda de tempo. Tal não é, porém, a opinião daqueles que conhecem tais obras bem e reconhecem o lugar que lhes cabe no desenvolvimento dos processos de pensamento do homem ocidental. Muitas das controvérsias versaram assuntos fúteis e áridos, muitas foram inspiradas por motivos econômicos e políticos, ou por interesses pessoais, e seu estilo se reveste mais de paixões do que de inteligência. Não obstante, é certo que as polêmicas teológicas frequentemente se ocuparam de assuntos de imorredouro interesse para a humanidade, que frequentemente eram cheias de sinceridade e brilhantismo e que deram um estímulo grande ao desenvolvimento de um método de pensamento que é agudo, inquisitivo e lógico. Sua contribuição para a formação, nos séculos posteriores, da �loso�a escolástica — um dos pontos altos na evolução do pensamento ocidental — é bastante bem conhecida para ser descrita aqui. Devemos, portanto, ser extremamente cautelosos no julgamento das realizações intelectuais da Idade Patrística, em comparação com as da antiguidade clássica. Devemos reconhecer as divergências dos antigos padrões, a simpli�cação e mesmo o abandono de certas áreas do conhecimento. Formular, porém, uma condenação geral da vida intelectual da época como decadente, retrogressiva e obscura é simplesmente abrir caminho para a deformação da realidade histórica e tornar sua compreensão impossível. Não há como negar que certos males como pobreza, instabilidade e violência se tornaram piores após a época de São Jerônimo e Santo Agostinho, antes que melhorassem, e que os empreendimentos intelectuais sofreram, como todas as outras manifestações vitais. O essencial é que pelo século IV uma nova atitude intelectual para com o mundo já se �rmara, e que essa atitude não era necessariamente superior ou inferior à da antiguidade clássica, mas simplesmente diferente, e que as circunstâncias e natureza de seu desenvolvimento eram da maior importância. É de duvidar que qualquer atitude mental e espiritual menos consistente, agressiva e menos convencida de sua missão pudesse ter preparado as tempestades que iam envolver a Europa ocidental nos séculos futuros. Unidade 1 - Tópico 4 RESUMO DO TÓPICO Os reinos bárbaros que se formaram com o �m do Império Romano do Ocidente tiveram grandes di�culdades por causa do choque cultural com os romanos, das tradições políticas germânicas e dos con�itos religiosos. O reino bárbaro mais poderoso foi o dos francos, que conseguiu o apoio da Igreja e consolidou o seu domínio sobre grande parte do Ocidente. O maior dos reis francos, Carlos Magno, promoveu um movimento de recuperação cultural chamado Renascimento Carolíngio. A Igreja medieval, preocupada em fortalecer seu poder e a�rmar-se como a única via de salvação, teve que enfrentar diversas heresias; a mais importante delas foi o arianismo, que questionava a divindade de Jesus Cristo. Os grandes responsáveis pela evangelização da Europa foram os monges, especialmente os beneditinos. Nesse processo, eles ajudaram a desenvolver uma cultura totalmente nova, fundindo os elementos cristãos, romanos e germânicos. AUTOATIVIDADES FONTE: Bark (1979, p. 102-105) Neste tópico você viu que: UNIDADE 1 - TÓPICO 4 1 Quais as razões da forte aliança celebrada entre a Igreja e os reis francos? Unidade 1 - Tópico 4 Responder Responder Tópico 3 Tópico 5 Conteúdo escrito por: 2 Discorra sobre o papel da Igreja na organização da sociedade medieval. Todos os direitos reservados © Prof. Fabiano Dauwe Prof. Thiago Juliano Sayão Unidade 1 - Tópico 4 g J y Prof. Itamar Siebert Unidade 1 - Tópico 4
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