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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 4 2 FONÉTICA E FONOLOGIA: ABORDAGENS E INTERFACES ............... 5 3 ASPECTOS SEGMENTAIS E SUPRASSEGMENTAIS .......................... 8 4 FONÉTICA ............................................................................................ 10 4.1 Fonética articulatória ....................................................................... 11 4.2 Fonética auditiva ............................................................................. 11 4.3 Fonética acústica ............................................................................ 12 4.4 Fonética instrumental ...................................................................... 12 5 FONOLOGIA ......................................................................................... 13 5.1 Fonema ........................................................................................... 14 6 AS CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS SOBRE A EVOLUÇÃO DA LÍNGUA 18 7 PROCESSOS FONOLÓGICOS ............................................................ 22 8 REGRAS FONOLÓGICAS .................................................................... 27 9 TEORIA DA OTIMIDADE ...................................................................... 34 10 EVOLUÇÃO TEÓRICA DO CONCEITO DE DESVIO FONOLÓGICO E SUA MANIFESTAÇÃO NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM....................................... 37 11 ANÁLISE FONÊMICA: PROCEDIMENTOS BÁSICOS ...................... 41 12 FONEMAS E ALOFONES .................................................................. 44 13 PARES MÍNIMOS .............................................................................. 49 14 A FONÉTICA NO LETRAMENTO E NO RECONHECIMENTO DAS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS .................................................................................... 51 15 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE A LÍNGUA PORTUGUESA FALADA E A NORMA PADRÃO ............................................................................... 56 3 16 O ENSINO DA NORMA PADRÃO E AS VARIAÇÕES DA LÍNGUA PORTUGUESA ......................................................................................................... 60 17 BIBLIOGRAFIA .................................................................................. 64 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 FONÉTICA E FONOLOGIA: ABORDAGENS E INTERFACES Fonte: diferenca.com A língua constitui o meio mais completo de comunicação entre as pessoas. De uso diário, é tão natural como parte integrante da vida humana que sua complexidade característica passa despercebida. Os falantes de uma língua, por meio de sons da fala, veiculam significados (pensamentos, sentimentos, emoções) e interagem socialmente, sem se dar conta da sua organização interna, do sistema que a constitui (MATZENAUER, 2014). A forma sistemática como cada língua organiza os sons é o objeto de estudo da fonologia. A fonética, no entanto, tem por objeto de estudo a realidade física dos sons produzidos pelos falantes de uma língua (MATZENAUER, 2014). Assim, a fonética e a fonologia são as áreas da Linguística responsáveis pelo estudo dos sons da fala. Por terem como objeto de estudo o mesmo fenômeno, são consideradas ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado a partir de pontos de vista diferentes (MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012). A fonética, enquanto ciência, trabalha com os sons propriamente ditos, como eles são produzidos, percebidos e quais aspectos físicos estão envolvidos na sua 6 realização. A fonologia, por sua vez, opera com a função e organização desses sons em sistemas. De modo geral, a fonética analisa a produção de sons como o ‘s’, o ‘m’ e o ‘r’, a partir dos seus correlatos articulatórios, acústicos e perceptivos, enquanto que a fonologia está voltada para a análise da forma como esses sons podem se combinar e quais combinações são evitadas pela estrutura interna da língua (SOUZA; SANTOS, 2016). Dessa forma, enquanto a fonética, como ciência, possui um caráter predominantemente descritivo, a fonologia é uma ciência explicativa e interpretativa, orientada para a análise da função linguística dos sons nos sistemas (MASSINI- CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012). Como se constituem em duas abordagens distintas em relação ao mesmo objeto de estudo (os sons da fala), a maneira como um foneticista vê, analisa e transcreve os fatos da língua difere do modo como o faz o fonólogo. Por essa razão, uma transcrição fonética dos segmentos é representada dentro de colchetes [ ] e uma transcrição fonológica (fonêmica), dentro de barras simples inclinadas / / 7 (MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012). Há, portanto, dois níveis de representação dos sons: um nível fonético e um nível fonológico (MATZENAUER, 2014). Apesar de os sons aparecerem no fluxo da fala como um continuum, para fins de análise, são considerados unidades discretas. É que, na decodificação das mensagens, os falantes os interpretam como unidades cuja função constitui a base do sistema fonológico. Como os sons são meio de veiculação de significados, são empregados e percebidos pelos falantes da língua não com base em todas as suas características fonéticas, mas a partir da função que desempenham na língua (MATZENAUER, 2014). A fonética apreende os sons efetivamente realizados pelos falantes da língua em toda a sua diversidade, enquanto a fonologia abstrai essa diversidade para captar o sistema que caracteriza a língua. Por tratar dos sons como realidade diretamente apreendida, os estudos fonéticos podem auxiliar os estudos fonológicos (MATZENAUER, 2014). 8 3 ASPECTOS SEGMENTAIS E SUPRASSEGMENTAIS Fonte: Pixabay.com Ao tratar do caráter segmental de determinada palavra, estamos fazendo referência a uma sequência de sons discretos, segmentáveis, divisíveis, cujas propriedades são atribuídas a cada segmento. Acima desse nível, reconhece-se um nível suprassegmental, ou seja, que está para além do segmento. O segmento é, portanto, o som concreto e discreto, o qual denominamos fone (SOUZA; SANTOS, 2016). Ao segmentar a fala (isto é, “cortar”, “analisar em pedaços menores”), as unidades chamadas de segmentos são as que definem as vogais e as consoantes. Assim como na música, pode-se considerar que a fala também apresenta padrões melódicos (entoação, tons) e harmonia (acento e ritmo). São esses fatores que fazem a “música” da fala, por vezes descritos como prosódia e/ou aspectos suprassegmentais da fala (MASSINI-CLAGLIARI E CAGLIARI, 2012). Acima do segmento e se estendendo por ele está, por exemplo,a entoação de uma questão (“ele comeu bolo? ” versus “ele comeu bolo”). A entoação se estende por toda a sentença, não por apenas um segmento. Outro exemplo é o acento. As línguas costumam ser rítmicas, alternando sílabas fortes e fracas, mas não há como 9 definir o que seja “forte”. O “forte” é forte por oposição ao “fraco”. Assim, em uma palavra como cavaleiro, ‘ca’ e ‘lei’ são sílabas mais fortes por comparação com as sílabas ‘va’ e ‘ro’. A acentuação tem, dessa forma, valores relativos, ao passo que a sua descrição depende da comparação entre as demais sílabas que compõem a palavra, ao contrário dos segmentos, que têm valor absoluto (descrevem-se os segmentos sem levar em conta os segmentos seguintes) (SOUZA; SANTOS, 2016). Nesse sentido, a prosódia, enquanto termo que engloba as propriedades suprassegmentais da fala, está associada a fatores linguísticos como acento (capaz de estabelecer distinção entre palavras, como em sábia, sabia, sabiá) (SOUZA; SANTOS, 2016), fronteira de constituinte, ênfase, entoação e ritmo, a fatores paralinguísticos como marcadores discursivos (como “né ”, “entendo”, “an-han”) e atitudes proposicionais (como “confiante” e “duvidoso”) e sociais (como “hostil” e “solidário”), além de tratar de fatores extralinguísticos como as emoções. Todos esses fatores se combinam com aspectos sociais e biológicos indiciais como gênero, faixa etária, classe social, nível de escolaridade, entre outros (BARBOSA, 2012). Aos estudos de prosódia, cabe a análise de unidades fônicas e das suas relações a partir da sílaba até trechos do discurso. É a prosódia que molda nossa enunciação imprimindo-a, ou seja, “o que se fala” um “modo de falar” que é dirigido intencionalmente ou não ao ouvinte (BARBOSA, 2012). 10 4 FONÉTICA Fonte: https://i1.wp.com A fonética é a ciência que apresenta os métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala, principalmente aqueles sons utilizados na linguagem humana (SILVA, 2003). Podemos, assim, considerá-la como a ciência do aspecto material dos sons, independentemente da função que eles possam desempenhar em uma língua determinada. Por essa razão, os métodos de estudo da fonética se aproximam mais das ciências naturais (MORI, 2012). As principais áreas de estudo da fonética são (SILVA, 2003): Fonética articulatória; Fonética auditiva; Fonética acústica; Fonética instrumental. Em decorrência de ser a fonética articulatória a área de investigação mais antiga e, por essa razão, mais solidamente estabelecida dentro da tradição da fonética 11 linguística, remontando as suas origens aos estudos clássicos (MASSINI-CLAGLIARI E CAGLIARI, 2012), a maior parte dos livros disponíveis se dedica a uma descrição detalhada dessa subárea em detrimento das demais. Aqui, descreveremos de forma geral cada subárea desta ciência. 4.1 Fonética articulatória Compreende o estudo da produção da fala do ponto de vista fisiológico e articulatório (SILVA, 2003). De acordo com Souza e Santos (2016), a dimensão articulatória é aquela que leva em conta o que se passa no aparelho fonador durante a produção de fones. Nesse sentido, uma compreensão do mecanismo de produção da fala (órgãos e estruturas) é imprescindível para uma adequada descrição articulatória de um fone. Considerando-se, portanto, as limitações fisiológicas impostas ao aparelho fonador, podemos dizer que o conjunto de sons possíveis de ocorrer nas línguas naturais é limitado. Na verdade, um conjunto de aproximadamente 120 símbolos é suficiente para categorizar as consoantes e vogais que ocorrem nas línguas naturais. Todas as línguas naturais possuem consoantes e vogais — explicar como esses sons são produzidos com o máximo de precisão possível é, portanto, interesse da fonética articulatória (SILVA, 2003). 4.2 Fonética auditiva O estudo da percepção da fala é, em grande parte, uma tentativa de identificar as pistas acústicas que são usadas por um falante para chegar a decisões fonéticas. Por exemplo, quais são as pistas acústicas que permitem a um falante perceber que uma consoante [b] foi produzida na palavra “bye” (ou na palavra “barco”, por exemplo)? A compreensão da percepção da fala avançou muito com os aperfeiçoamentos na análise acústica da fala e na síntese de fala por máquinas. A habilidade de analisar o sinal acústico e a habilidade de produzir amostras sintetizadas da fala têm sido complementares na compreensão moderna de como os 12 humanos percebem a fala. Ao aprendermos como os humanos percebem a fala, somos mais capazes de desenvolver máquinas com capacidade para interpretar e executar decisões linguísticas a partir do sinal acústico (KENT; READ, 2015). 4.3 Fonética acústica Compreende o estudo das propriedades físicas dos sons da fala a partir da sua transmissão do falante ao ouvinte (SILVA, 2003). É difícil entender a acústica da fala independentemente da fisiologia e da percepção. Um entendimento completo da acústica da fala requer que os parâmetros acústicos sejam relacionados aos padrões fisiológicos (mecanismos envolvidos na produção das vogais e consoantes no aparelho fonador) e às decisões perceptuais baseadas no sinal acústico (KENT; READ, 2015). 4.4 Fonética instrumental Compreende o estudo das propriedades físicas da fala, levando em consideração o apoio de instrumentos laboratoriais (SILVA, 2003). Essa subárea da fonética suporta a anterior, fornecendo o aporte técnico para a sua aplicação. Os softwares de análise acústica são um exemplo de instrumentos desenvolvidos para auxiliar o foneticista nas suas análises. O uso da ultrassonografia, por exemplo, tem sido útil para auxiliar na descrição dos ajustes articulatórios mais finos. Os rastreadores oculares e o eletroencefalograma para testes de processamento da fala e os eletroglotógrafos têm sido amplamente utilizados para investigar funções vibratórias das pregas vocais durante a produção da fala. (CAVALCANTI, 2016) 13 5 FONOLOGIA Fonte: Pixabay.com A organização da cadeia sonora da fala é orientada por certos princípios. Tais princípios agrupam segmentos consonantais e vocálicos em cadeia e determinam a organização das sequências sonoras possíveis em determinada língua. Falantes possuem intuição quanto às sequências sonoras permitidas e excluídas na sua língua (SILVA, 2003). Nesse sentido, a fonologia estuda as diferenças fônicas correlacionadas com as diferenças de significado (por exemplo, [p]ato/[m]ato), ou seja, estuda os fones segundo a função que eles cumprem em uma língua específica, os fones relacionados às diferenças de significados e a sua inter-relação significativa para formar sílabas, morfemas e palavras. A fonologia se relaciona, também, com a parte da teoria geral da linguagem humana concernente com as propriedades universais do sistema fônico das línguas naturais (no que concerne aos sons possíveis de ocorrer nas línguas naturais) (MORI, 2012). 14 5.1 Fonema Cada língua dispõe de um número determinado de unidades fônicas cuja função é determinar a diferença de significado de uma palavra em relação a uma outra. Por exemplo, a palavra [‘kasa] “caça” se diferencia de [‘kaza] “casa” pelo uso de dois diferentes fones [s] e [z]. Esses tipos de segmentos que permitem diferenciar significados em uma língua são denominados fonemas. Assim, /s/ e /z/ são dois fonemas do português, porque, quando usados no mesmo contexto fonológico (mesma posição na sílaba), estabelecem distinção de itens lexicais no português (MORI, 2012). 15 Esses segmentos, denominados fones, são unidades constituintes da linguagem humana que se caracterizam por ser as mínimas unidades discretas constituintes do sistema linguístico e por se organizarem linearmente nas diversas línguas. Dizer que os segmentos são as unidades mínimasde análise não significa dizer que eles não possam ser decompostos em unidades menores. Os fones são formados por traços que se combinam. A diferença entre o nível dos fones e o nível dos traços é que, no nível dos fones, duas operações são possíveis, segmentação e substituição, enquanto, no nível dos traços, apenas a substituição é possível. Se tomarmos como exemplo o fone [p], nesse fonema, temos, entre outros, os seguintes traços (SOUZA; SANTOS, 2016): [p]: + consonantal − vocálico − nasal − sonoro Não é possível produzir um traço depois do outro (isto é, produzi-los de forma linear e contínua, o que permitiria a segmentação) — são necessários todos os traços juntos para formar o som [p]. Mas é possível substituir o valor de um traço. Se, no lugar de [−sonoro] ocorrer o [+sonoro], o som representado seria o fonema [b] (SOUZA; SANTOS, 2016). Como a língua é um sistema de signos, embora possamos, em princípio, estudar os significantes por si sós (enfocando apenas as suas propriedades físicas ou a sua materialidade, por exemplo), o estudo das relações existentes entre o 16 significante e o significado, ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo, apresenta um caráter mais marcadamente linguístico, pois toca na relação fundamental dos sistemas linguísticos: a função semiótica. Assim, os sons não são vistos apenas como sons em si mesmos, mas em termos das relações que estabelecem entre si e das relações que os unem ao plano do conteúdo (SOUZA; SANTOS, 2016). Assim, um dos objetivos da fonologia é estabelecer os sistemas fonológicos das línguas, ou seja, o conjunto de elementos abstratos relacionados entre si que o falante utiliza para discriminar e delimitar as unidades funcionais da sua língua (MORI, 2012). O procedimento habitual de identificação de fonemas é buscar duas palavras com significados diferentes cuja cadeia sonora seja idêntica. Assim, em português, definimos /f/ e /v/ como fonemas distintos (observe o uso de barras transversais para transcrevermos fonemas), uma vez que as palavras “faca” e “vaca” demonstram a oposição fonêmica. Dizemos que o par mínimo “faca/ vaca” caracteriza os fonemas /f, v/ por contraste em ambiente idêntico. Um par de palavras é suficiente para caracterizar dois fonemas (SILVA, 2003). 17 De modo geral, dois sons diferentes, mas fisicamente semelhantes, podem funcionar como se fossem o mesmo elemento ou como se fossem elementos diferentes. É a isso que Saussure fez referência quando elaborou o conceito de valor, que é algo relativo a cada sistema linguístico. O mesmo som encontrado em sistemas linguísticos distintos pode apresentar valores diferentes, dependendo de suas relações com os demais elementos existentes. Assim, o valor de um elemento não é apenas aquilo que é, mas também aquilo que ele não é, ou seja, a quais outros elementos ele é igual e de que outros elementos ele é diferente (SOUZA; SANTOS, 2016). Como conclusão, toda língua possui um número restrito de sons cuja função é diferenciar o significado de uma palavra em relação à outra. Os sons que exercem esse papel se chamam fonemas e ocorrem em sequências sintagmáticas, combinando-se entre si de acordo com as regras fonológicas de cada língua (MORI, 2012). 18 6 AS CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS SOBRE A EVOLUÇÃO DA LÍNGUA Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com A língua é um sistema vivo, logo, sofre modificações constantemente. Para analisar essas mudanças, é preciso recorrer a duas abordagens: sincrônica e diacrônica. (BIZELLO, 2019) A maior parte dos estudos linguísticos utiliza a perspectiva sincrônica. Isso se deve, em parte, à própria concepção de linguagem, que destaca a fala, devido a esta imprimir com mais evidência as diferenças linguísticas. No Brasil, por exemplo, há primazia da fala sobre a escrita. Parte dessa primazia se deve às postulações de 19 Saussure, pois, para ele, o aspecto sincrônico é a única e verdadeira realidade para o falante. (BIZELLO, 2019) Além disso, para se realizar um estudo na ótica diacrônica, seria preciso investigar os textos escritos e literários, porém esses registros da língua sempre foram vistos como material a ser cuidado e como modelo de comunicação, de modo que os pesquisadores resguardavam esses materiais e deixavam a análise diacrônica em segundo plano. No entanto, embora o falante não tenha consciência de que a língua muda — não tenha consciência histórica —, é possível que os estudiosos se dediquem a analisar a língua como um objeto variável no tempo, no espaço e na sociedade. (BIZELLO, 2019) No início do século XIX, surge, então, a filologia: ciência que estuda, de forma rigorosa, os documentos escritos antigos. Quando houve um aumento no interesse de estudar línguas diferentes e compará-las, a filologia passou também a estudar cientificamente o desenvolvimento da família de línguas e, como consequência, de uma língua específica. Os documentos escritos são o objeto de análise desses estudos. (BIZELLO, 2019) Assim, a dimensão histórica passou a ganhar prestígio e a receber credibilidade científica. Nessa abordagem, desenvolveu-se uma metodologia chamada método histórico comparativo. Mattoso Câmara (1975) informa que muitos pesquisadores se tornaram adeptos desse método, com o intuito de pesquisar as línguas indo-europeias. Um dos ganhos desse método foi a constatação da importância da fonologia e da imutabilidade e da universalidade das leis fonéticas. No entanto, o destaque recebido por esses estudiosos levou a uma tensão entre as perspectivas diacrônica e 20 sincrônica. O início do século XX foi marcado por esse conflito, que provocou uma cisão: de um lado, a sincronia, aliada ao fato estático; de outro, a diacronia, aliada ao fato mutante. Os pesquisadores que optaram pela abordagem diacrônica foram chamados pelos rivais de neogramáticos. (BIZELLO, 2019) O movimento dos neogramáticos gerou novas contribuições ao estudo e à compreensão da linguagem por meio da abordagem histórica. Seus representantes acreditavam que o estudo científico da língua somente existia se fosse feito por meio de uma pesquisa histórica, e ideias positivistas e evolucionistas influenciaram suas pesquisas. Assim, consideravam as forças fisiológicas e psíquicas como propulsoras de mudanças fonéticas. Isto é, as leis fonéticas não tinham exceções: todas as mudanças linguísticas eram vistas como empréstimos ou analogias. (BIZELLO, 2019) Alguns linguistas reagiram a esse rigor e afirmaram que as mudanças ocorrem de forma gradual e diferenciada em cada espaço geográfico, em cada nível de escolaridade, em cada faixa etária, etc. Essa rigidez metodológica provavelmente contribuiu para o desenvolvimento da linguística histórica. Esta passou a se interessar não só pela escrita, mas também pela fala, o que oportunizou que observações fonéticas fossem realizadas. Aliás, as pesquisas sobre o sânscrito também contribuíram para essas observações. (BIZELLO, 2019) Saussure, embora herdeiro dos neogramáticos, prioriza, em seu livro Curso de Linguística Geral (1970), a vertente sincrônica. Essa escolha metodológica permitiu que o estudioso analisasse as relações entre os elementos do sistema e os descrevesse. Isso só foi possível porque Saussure observou a língua em um espaço de tempo determinado, em que poucas mudanças poderiam ser constatadas. Essa decisão, portanto, revela a importância dos estudos sincrônicos, mas não ignora os diacrônicos. Além disso, esse destaque para a análise da língua em um determinado tempo favoreceu as descrições linguísticas, demonstrando que Saussure considerava fundamentais as duas abordagens e que ele tinha consciência dos aspectos mutáveis da língua. Seus estudos contribuíram com a descrição da gramática de uma língua e o estabelecimento de princípios fundamentais,que são: relações entre significante e significado e relações entre um signo linguístico e os demais signos no sistema. Essas relações ocorrem tanto no eixo sintagmático quanto no paradigmático. 21 De acordo com Virginia Sita Farias (2007, p. 51): O estudo sincrônico foi, pois, o método escolhido por Saussure para lidar com as relações no sistema, já que determinar o valor assumido pelas “peças” no jogo somente é possível através da apreensão de um momento específico no mesmo. Esse método serviu muito bem aos propósitos de Saussure, o que, no entanto, não o impedia de enxergar a sincronia como uma abstração teórica que, embora necessária, implica, em certa medida, renunciar a precisão da análise. Saussure corrobora o pensamento de que o estudo diacrônico tem princípio apenas na fala. Para ele, as modificações da língua estão essencialmente na fala e, como nem todas essas modificações têm êxito, não devem ser consideradas para se estudar a língua. Para ilustrar esse pensamento, Saussure elaborou a metáfora do jogo de xadrez: o que realmente interessa são as regras que determinam os movimentos das peças. Dessa forma, imprime-se a noção de valor: tudo se constitui dentro do próprio sistema, isto é, nada depende das situações externas à língua. Com isso, valorizou-se o estudo da linguagem e estabeleceu-se uma oposição rígida entre langue (língua – sistema) e parole (fala – uso). Saussure valorizou o estudo exclusivo da langue e, nesse sentido, demonstrou a importância dos estudos sincrônicos em oposição aos diacrônicos. Segundo Lúcia Cyranka (2014, documento on-line), para Saussure, “[...] a língua é pura forma e como tal deve ser estudada, adotando-se o princípio de que as formas que articulam os sons (significante) e os sentidos (significado) são arbitrárias em todas as línguas”. O modelo estruturalista proposto por Saussure favoreceu uma guinada nos estudos linguísticos, que passaram a ter uma base verdadeiramente científica. A separação entre sincronia e diacronia se manteve até a segunda metade do século XX. No Brasil, a linguística histórica renasceu apenas na década de 1980, pois os estudos da história da língua portuguesa costumavam apenas registrar os fatos linguísticos passados. Entretanto, a partir de 1980, buscou-se descrever esses fatos como parte de um sistema linguístico, a fim de explicá-los. O grande desafio passou a ser, portanto, ter acesso a esses fatos, já que, no Brasil, pouco se pesquisou sobre a língua ao longo do tempo. (BIZELLO, 2019) De qualquer maneira, é preciso unir as duas abordagens, de forma a obter as vantagens que cada uma delas proporciona aos estudos sobre a evolução da língua. 22 Observe um exemplo prático: o falante pode não ter consciência histórica, porém, se estiver diante de um texto escrito por Camões no século XVI, reconhecerá que a língua utilizada é a portuguesa. Essa identificação o levará também à percepção de que há muitas diferenças entre aquela língua utilizada pelo escritor português e a utilizada pelos brasileiros nos dias atuais. Assim, qualquer falante de português pode ter consciência do aspecto temporal da sua língua. Essa consciência requer que o pesquisador enxergue a língua como um objeto sistematicamente heterogêneo, pois, assim, ele poderá analisá-la no tempo aparente e na sua sucessão. (BIZELLO, 2019) Em uma análise que aborde a língua sob as duas perspectivas (diacrônica e sincrônica), fica evidente que as modificações ocorrem também com os fonemas. Essas alterações constituem os processos fonológicos, assunto da próxima seção. (BIZELLO, 2019) 7 PROCESSOS FONOLÓGICOS Fonte: Pixabay.com A língua pode sofrer alterações, as quais podem ser percebidas tanto do ponto de vista sincrônico quanto do diacrônico. Essas alterações ocorrem nos sons das 23 formas básicas dos morfemas e são explicadas por meio de regras que caracterizam os processos fonológicos. No português do Brasil, observam-se variados processos fonológicos segmentais. Cagliari (2002) apresenta e explica alguns deles em seu livro Análise fonológica. A assimilação caracteriza-se pelo processo de semelhança pelo qual um som pode passar quando está próximo a outro. Por exemplo, uma consoante velar pode se tornar palatal diante de uma vogal fechada. Veja alguns exemplos: (BIZELLO, 2019) Observe que, no quadro anterior, há exemplos de assimilação em que as palavras sofreram alterações definitivas: não se usam mais vostra e persona, e sim vossa e pessoa. (BIZELLO, 2019) A desassimilação é um fenômeno que ocorre com características contrárias à assimilação: um fone perde um ou mais traços para se distinguir de outro fone próximo a ele. Veja um exemplo: (BIZELLO, 2019) A inserção ou epêntese ocorre quando há um acréscimo de um fonema à estrutura silábica. Cagliari (2002) ilustra esse caso com situações em que uma vogal acentuada é seguida de uma fricativa alveolar surda, como ocorre com o pronome “nós”. Para o estudioso, essa condição favorece o surgimento de uma vogal extra: “nóis”. Observe outros exemplos: (BIZELLO, 2019) 24 Quando há supressão de um segmento da forma básica de um morfema, diz- se que há um processo de eliminação, ou queda, ou apagamento ou truncamento. Esse é o caso dos seguintes vocábulos: (BIZELLO, 2019) Observe que os verbos estar e olhar sofrem eliminação na fala em situações informais. As palavras chácara e xícara passam por queda em comunidades linguísticas específicas, em situações sociais também determinadas. (BIZELLO, 2019) 25 A comutação ou metátese caracteriza-se pela troca de posição de um segmento dentro de morfemas. Observe: (BIZELLO, 2019) Um processo semelhante ao da comutação é a reestruturação silábica, em que ocorre uma alteração na distribuição das consoantes e das vogais: elas são inseridas ou eliminadas. A palavra livro, por exemplo, pode ser pronunciada por alguns falantes sem o fonema /r/. (BIZELLO, 2019) Há também o processo de enfraquecimento ou redução. Cagliari (2002) explica esse fenômeno, salientando que há articulações fonéticas consideradas mais frouxas ou de menor esforço. O autor exemplifica mencionando a troca de um fonema bilabial oclusivo [b] por uma bilabial fricativa [B] em início de vocábulo, como na palavra burro: βurw. O fenômeno com características contrárias ao enfraquecimento é chamado de fortalecimento ou reforço. Cagliari (2002) exemplifica-o com os casos em que uma fricativa se torna uma oclusiva e que uma vogal se torna consoante. Na evolução histórica, também houve fortalecimento de alguns fonemas: Acutu → agudo; aurifice → ourives; acetu → azedo. Há, ainda, o processo de neutralização, em que segmentos se fundem em um ambiente específico. Em geral, esse processo se dá quando vogais não acentuadas ocorrem no final da palavra. Assim, vocábulos como júri e jure acabam recebendo a mesma pronúncia, por exemplo. (BIZELLO, 2019) 26 A palatalização ocorre quando “[...] um segmento torna-se palatal ou mais semelhante a um som palatal ao adquirir uma articulação secundária palatalizada [...]” (CAGLIARI, 2002, p. 102). Observe: O processo de labialização ocorre quando uma articulação secundária de arredondamento é acrescentada à articulação primária, ou, ainda, quando há a troca de um segmento não labial por outro labial. Esse é o caso da palavra osso: [osᵂᵁ]. Em palavras como “comer”, as consoantes seguidas de /o/ ou /u/ já são pronunciadas de forma mais arredondada, pois os lábios se preparam para articular os fonemas dessas vogais. (BIZELLO, 2019) O processo de retroflexão associa-se à soma de uma articulação secundária à articulação primária de um segmento. Veja o exemplo: (BIZELLO, 2019) A harmonização vocálica ocorre quando as vogais se tornam semelhantes por algum motivo morfológico.Há, ainda, redução vocálica, pois ocorre o enfraquecimento de uma vogal em posição átona. (BIZELLO, 2019) Sândi é a mudança fonética que um segmento sofre quando estiver em final de palavra ou em final de morfema, no interior de um vocábulo, por influência do 27 contexto fonético próximo. Exemplo: com a gente transforma-se em “cua genti”. (BIZELLO, 2019) Como visto, os processos fonológicos são representações do conhecimento dos falantes sobre a língua, isto é, eles revelam a criatividade linguística dos falantes, que conseguem construir algo novo a partir de regras utilizadas pela comunidade linguística da qual fazem parte. Essas regras, tema da próxima seção, orientam as criações linguísticas e seus processos fonológicos. (BIZELLO, 2019) 8 REGRAS FONOLÓGICAS Fonte: colegioceic.com.br A fonologia de uma língua específica é composta de representações subjacentes (do nível da competência) que expressam o conhecimento linguístico dos falantes. Com essas representações, é possível prever regras de uso da língua por esses falantes, as quais definem como essas representações emergem na superfície, ou seja, qual sua saída fonética. (BIZELLO, 2019) 28 Os processos fonológicos são resultado da aplicação de uma regra que altera a representação subjacente. Assim, é papel da fonologia definir os tipos de regras possíveis, determinar as condições de aplicação das regras e oferecer mecanismos para selecionar as melhores hipóteses. Cagliari (2002, p. 99) afirma que “[...] as alterações sonoras que ocorrem nas formas básicas dos morfemas, ao se realizarem foneticamente, são explicadas através de regras que caracterizam processos fonológicos”. A seguir, são explicadas as regras que dão base aos processos fonológicos. O processo de assimilação associa-se à seguinte regra: a consoante mais posterior adquire uma propriedade fonética que não tinha, tornando-se menos posterior (Figura 1). A palavra bravo, por exemplo, ganhou um correspondente no Brasil: brabo. Isso se deve à assimilação do único traço sonoro que diferenciava /v/ e /b/. A proximidade do fonema /b/ levou a palavra ao fenômeno da assimilação. Outro exemplo é a troca do fonema /a/ por /o/ na palavra vamos. O uso de “vomos” se deve à assimilação de um som mais arredondado e posterior. (BIZELLO, 2019) Já a regra que sustenta o processo de desassimilação é que a segunda vogal menos posterior se transforma em menos silábica, mais alta, menos posterior e mais arredondada (Figura 2). Essa é a condição para a criação de um ditongo nessas situações, como ocorre com o verbo doar conjugado na primeira pessoa do presente do indicativo: eu doo. (BIZELLO, 2019) 29 Na inserção ou epêntese, um elemento inexistente é criado como menos silábico, menos consonantal, mais alto, menos posterior e menos arredondado, desde que haja, antes, uma vogal com mais acento e, depois, um elemento menos sonoro, mais consonantal, mais contínuo e mais estridente (Figura 3). Esse é o caso da palavra rapaz. O surgimento de uma vogal (rapaiz) ocorre porque o fonema /a/ é mais acentuado do que /i/ e porque /z/ é um fone mais surdo, consonantal e contínuo. (BIZELLO, 2019) A regra para eliminação é que o fonema final seja átono e esteja depois de um som africado palatoalveolar (Figura 4). Analise a palavra pote: o fonema final, /e/, sofre apagamento, pois antes dele há um fonema africado palatoalveolar, tʃ. (BIZELLO, 2019) 30 Na comutação, fonemas semelhantes da mesma palavra trocam de lugar. No vocábulo pirulito, os fonemas /r/ e /l/ têm características fonéticas semelhantes: são sonoros e alveolares. (BIZELLO, 2019) Para ocorrer enfraquecimento, o fonema reduzido deve ter as seguintes características: ser mais consonantal, menos silábico, mais anterior, mais sonoro e menos contínuo, além de estar posicionado antes de uma vogal (Figura 5). É o caso do fonema /b/ da palavra burro. (BIZELLO, 2019) A regra para a palatalização sustenta que o fonema deve ter as seguintes características: mais consonantal, menos silábico, menos alto, menos estridente e menos palatalizado (Figura 6). Esse fonema se transforma, então, em algo mais consonantal, menos silábico, mais alto, mais estridente e mais palatalizado. Para tanto, 31 deve estar na frente de um fonema menos consonantal, mais silábico, mais alto, menos posterior, menos arredondado e mais anterior. Observe que, na palavra dia, o fonema /a/ forma sílaba sozinho, é alto e não arredondado, logo, cria as condições para a palatalização do fonema anterior. (BIZELLO, 2019) Para ocorrer labialização, a consoante deve estar entre duas vogais arredondadas (Figura 7). Isso é o que ocorre com a palavra osso, por exemplo. (BIZELLO, 2019) Para que a consoante líquida não lateral se altere para uma retroflexa, é necessário o acréscimo de uma articulação secundária à primária (Figura 8). Essa regra se refere ao processo de retroflexão e sustenta o chamado r caipira brasileiro. (BIZELLO, 2019) 32 A harmonização vocálica depende da presença de uma vogal que tenha o mesmo valor em todas as ocorrências (Figura 9). Um exemplo é o verbo [de'ver] dever, que é pronunciado na terceira pessoa como [di'via]. (BIZELLO, 2019) Para sândi, há duas regras, como mostra a Figura 10. (BIZELLO, 2019) 33 A regra 1 refere-se ao sândi que ocorre no interior do vocábulo. Exemplos são os radicais cre- (de “crer”) e le- (de “ler”), que, em contato com a desinência verbal -o, provocam o surgimento de um i eufônico para desfazer o hiato: creio e leio. Um exemplo da regra 2 é a expressão “vim aqui” (/vĩ/ + /a´ki/), que resulta em “vinhaqui” (/viña´ki ). (BIZELLO, 2019) Em síntese, os processos fonológicos são embasados por regras que constituem os processos dos sons de uma língua. Portanto, são fundamentais para que se compreenda a evolução da língua. (BIZELLO, 2019) 34 9 TEORIA DA OTIMIDADE Fonte: https://image.slidesharecdn.com Nos anos 1990, surgiu uma teoria linguística denominada Teoria da Otimidade, que articula fonologia, fonética, morfologia, sintaxe, semântica, psicolinguística e inteligência artificial. Ela foi proposta por Prince e Smolensky (1993), por meio da obra Optimality theory: constraint interaction in generative gramar, e por McCarthy e Prince (1993), por meio da obra Prosodic morphology I: constraint interaction and satisfaction. Uma das finalidades da teoria era estabelecer as propriedades que fazem parte do conhecimento inato da linguagem. Assim, seria possível verificar o grau de atuação de uma propriedade em determinada língua e apontar as diferenças entre os padrões das diferentes línguas. Dessa forma, identifica-se uma Gramática Universal, isto é, as propriedades universais compartilhadas por todas as línguas relacionadas ao conhecimento inato da linguagem. (BIZELLO, 2019) Segundo Cristófaro (2003, p. 218), De acordo com a teoria da otimização, a gramática universal consiste “do conhecimento linguístico inato que é compartilhado por seres humanos normais, que caracteriza as propriedades universais da linguagem e a variação tolerada entre línguas específicas”. Ao linguista, compete encontrar evidências para postular a existência de um determinado padrão a ser estudado e formular a natureza de tal padrão. Determina-se então uma caracterização formal para o padrão identificado e classificado. 35 Evidencia-se, portanto, que há padrões recorrentes nas línguas, mas que nem todos os padrões universais surgem da mesma maneira em todas as línguas. Dessa forma, todas as manifestações fonéticas são vistas como resultado de um ranking de restrições. O foco da Teoria da Otimidade (TO) está, portanto, nas restrições que formam a Gramática Universal e na interação entre elas. (BIZELLO, 2019)Um ponto interessante dessa teoria é que ela não se baseia em regras, como a Teoria Gerativa o fazia, por exemplo. Isso levou a uma tendência de as análises fonológicas atuais seguirem o enfoque da TO. Assim, a análise fonológica considera as restrições universais em determinada hierarquia e pondera a partir de quatro propriedades básicas: violabilidade, ranqueamento, inclusividade e paralelismo. A violabilidade informa que as restrições são violáveis de forma mínima; o ranqueamento indica que cada língua terá seu ranking e determinará seu mínimo de violabilidade a partir desse ranking; a inclusividade revela que não há considerações específicas para incluir uma análise candidata; e o paralelismo mostra que toda a hierarquia e todo o quadro de candidatos serão considerados. (BIZELLO, 2019) Esses princípios dão base às restrições na TO, que se dividem em dois grupos: restrições de fidelidade (exigem identidade entre input e output, assim, quanto mais contraste lexical, melhor para o ouvinte) e restrições de marcação (exigem que o output seja o menos marcado possível, assim, quanto menor esforço articulatório, melhor). (BIZELLO, 2019) Para estabelecer a forma de input e de output, a Teoria da Otimidade utiliza as funções que compõem a Gramática Universal. A relação entre input e output é comandada pelo GEN (generator, ou gerador) e pelo EVAL (evaluater, ou avaliador). O primeiro mecanismo cria um quadro de candidatos a output para determinado input. O segundo relaciona o melhor output para determinado input a partir do quadro de candidatos. Os dois se relacionam quando, a partir de um input, GEN cria os candidatos a output que serão avaliados por EVAL. (BIZELLO, 2019) Vale ressaltar que o gerador tem liberdade de análise, mas não pode remover nenhum elemento da forma input. Além disso, GEN caracteriza-se pela consistência de exponência, isto é, não é permitida exponência de um morfema específico. Já EVAL 36 faz a avaliação com base na hierarquia de restrições determinadas de uma língua. Para tanto, segundo Bonilha (2003, p. 20): [...] EVAL considera a restrição ranqueada mais acima na hierarquia; se os candidatos a violam igualmente, a restrição seguinte será considerada, até que um dos candidatos viole de forma pior determinada restrição. Esse candidato será, então, desconsiderado, sendo considerado ótimo o candidato que violar a restrição ranqueada mais abaixo na hierarquia. Os autores referem-se a esse procedimento como Ordenamento Harmônico, o qual implica a violação mínima de restrições pelo candidato ótimo. Como se observa, a avaliação, na Teoria da Otimidade, é feita por comparação. No ordenamento harmônico, o candidato considerado como mais harmônico é o que melhor satisfaz as restrições do ranking, ou seja, aquele que está mais acima na hierarquia. Assim, constroem-se gramáticas a partir de restrições que podem entrar em conflito. A gramática, por sua vez, soluciona o conflito por meio de uma hierarquia das restrições. Veja, na Figura 1, como isso ocorre. (BIZELLO, 2019) A Figura 1, apresentada por Matzenauer e Azevedo (2017), revela que a língua deve sempre admitir as possibilidades de entrada (input). As restrições ajudarão a constatar o melhor candidato para output. Observe que as formas básicas dos morfemas e a hierarquia de restrições pertencem à gramática de uma língua particular. Para cada input, o gerador cria um conjunto de candidatos potenciais de outputs, e o avaliador seleciona o melhor candidato do conjunto. Em síntese, a Teoria da Otimidade é um campo de estudos relativamente novo, que, por um lado, possibilita uma análise conjunta de todas as diferentes 37 subdivisões da Linguística, mas, por outro, ainda necessita de mais estudos, de modo que possa atingir sua meta principal: identificar todas as restrições que compõem a Gramática Universal. (BIZELLO, 2019) 10 EVOLUÇÃO TEÓRICA DO CONCEITO DE DESVIO FONOLÓGICO E SUA MANIFESTAÇÃO NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Fonte: https://ausenda.files.wordpress.com Durante o processo de aquisição da linguagem, a criança aprimora suas pronúncias e passa a produzir sons semelhantes aos dos adultos com quem interage. Contudo, há crianças que, embora não apresentem problemas físicos que as impeçam de articular os fonemas, realizam uma produção fonológica diferente das crianças com a sua idade. Essa diferença é denominada desvio fonológico. (BIZELLO, 2019) 38 Entretanto, essa é uma definição recente. Antigamente, os desvios fonológicos eram vistos como distúrbios de fala que estavam associados a questões físicas. Atribuía-se o termo dislalia até a década de 1990 para definir os distúrbios da palavra falada. Assim, avaliava-se se a origem era orgânica (p. ex., no caso de freios de língua e lábios e arcada dentária) ou funcional (p. ex., avaliavam-se a musculatura da língua, o palato, etc.). (BIZELLO, 2019) O termo distúrbio articulatório também já foi utilizado e referia-se ao aspecto mecânico da linguagem. Até os anos 1980, pensava-se apenas na causa orgânica. Somente na década seguinte é que a aquisição fonético-fonológica envolveu a organização dos sons produzidos em determinada comunidade linguística. Aliás, o uso do termo desvio fonológico passou a ser aplicado depois que fonética e fonologia se uniram à fonoaudiologia em debates sobre o tema. (BIZELLO, 2019) Graças às teorias linguísticas e fonológicas, constatou-se que a fala também constitui um sistema fonológico que se identifica com algum estágio da aquisição normal. Assim, durante a infância, o falante elabora pronúncias que não podem ser consideradas anormais, e sim como parte do processo de aquisição da linguagem. Aliás, são perceptíveis as substituições e trocas de fonemas realizadas pelos adquirentes da língua. Essas modificações são não só tentativas de imitar a expressão dos adultos, mas também expressões do seu sistema fonológico. Dessa forma, quando, depois do amadurecimento fonológico, a criança permanece com esses desvios, cabe uma investigação. (BIZELLO, 2019) Diferentes autores definiram desvio fonológico. Para Mota (2001), é uma simples dificuldade no domínio da fonologia. Para Préneron (2006), os desvios fonológicos referem-se a algo maior do que uma simples falha de articulação. A autora afirma que a programação fonológica afeta a escolha de sons que formam uma palavra. Lamprecht (2001) acrescenta: existem crianças que constroem o seu sistema fonológico por meio de um caminho diferente de outras crianças. Nesse sentido, seu sistema se torna inadequado em relação à fonologia do seu ambiente. Bonilha (2000) conceitua desvio fonológico a partir da Teoria da Otimidade: considera-os desvios fonológicos evolutivos. Assim, a fala fora do padrão é identificada pela idade do falante, ou seja, a análise é realizada na comparação com a fala de 39 crianças de idades diferentes e se observa se corresponde a idades anteriores. Essa análise permite que se constatem os desvios precocemente. Mas como se formam esses desvios? Primeiro, é preciso discorrer sobre como funciona a aquisição fonológica padrão. Ela ocorre, de forma geral, até os 5 anos de idade. O amadurecimento fonológico ocorre de forma gradativa, e o parâmetro dessa aquisição é o adulto-alvo, ou seja, a comunidade de falantes na qual a criança está inserida. Se o grupo social pronuncia as palavras de um jeito, e a criança, de outro, constata-se um desvio fonológico, pois é sinal de que a aquisição da linguagem não ocorreu como com os demais. A causa do desvio é a dificuldade para organizar e classificar os sons mentalmente, ou seja, dificuldade em adequar o sistema da língua- alvo ao input recebido. Assim, esse desvio se caracteriza como um afastamento de uma linha apenas, e não como um distúrbio: há um sistema, embora inadequado. Sabe-se que a inadequação surgiu no processo de aquisição,mas ainda não há estudos seguros sobre a origem dessa inadequação. (BIZELLO, 2019) A criança que apresenta desvio geralmente tem uma fala espontânea muito difícil de compreender, principalmente para quem não faz parte do seu ambiente familiar. Para Bonilha (2003, p. 130): [...] a produção com desvios também pode ser identificada pelo fato de um único fonema substituir vários outros, com a perda da contrastividade no sistema, como /pata/ e /bata/ sendo produzidas como [tata]. Além disso, a criança também pode não apresentar estruturas silábicas que já estariam adquiridas em uma determinada faixa etária, o que também traz a perda da contrastividade: /kravo/ e /kavo/, como [kavu]. Crianças com desvios fonológicos costumam fazer simplificações que interferem na compreensão da sua fala, pois não seguem um desvio padrão. Na oralidade desses falantes, encontram-se substituições de fonema pouco prováveis de se realizar com outros falantes. Por exemplo, se a criança substituir os fonemas /p/, /k/ e /g/ por /p/, não haverá diferenciação vocabular entre pato, cato e gato. Além disso, os falantes com esses desvios não formam um padrão único de substituição. Há uma variabilidade de produção: são raros os casos que fazem sempre as mesmas transformações. (BIZELLO, 2019) 40 Um dos problemas no tratamento dos desvios fonológicos é o preconceito: há diagnósticos e tratamentos que partem de um conceito de normalidade no sentido de certo e errado, conforme as normas da gramática tradicional. Contudo, esse binômio erro e acerto não dá conta de todos os fenômenos da linguagem. Assim, o que se vê como desvio pode ser apenas uma linguagem ineficiente dentro da comunidade linguística da criança. Segundo Maria Eduarda da Silva (2015, documento on-line), [...] as características de uma criança com desvios fonológicos são muito parecidas com as de crianças menores e com aquisição normal. Contudo, há alguns detalhes que podem ser observados para uma melhor caracterização dessas crianças com distúrbios de fala e diferenciá-las daquelas que possuem uma fonologia normal de acordo com seu sistema-alvo. Dessa forma, a avaliação deve contemplar uma observação sobre o que se identifica na criança, se há uma desordem fonológica. Em seguida, pode-se organizar um tratamento e recomendações. Por fim, é fundamental reavaliar a criança: como ela progrediu ao tratamento. (BIZELLO, 2019) 41 Em suma, há um grupo específico de crianças que não tem problemas de inteligência nem anomalias orgânicas, mas que tem dificuldades para emitir fonemas na fala. Quando os processos fonológicos ocorrem além da faixa etária estabelecida, diz-se que há um desvio. O papel do profissional de Letras é auxiliar o aluno a se desenvolver fonologicamente com estratégias adequadas a cada desvio. (BIZELLO, 2019) 11 ANÁLISE FONÊMICA: PROCEDIMENTOS BÁSICOS Fonte: https://www.sisteron-buech.fr Nosso aparelho vocal é capaz de produzir uma variedade de sons, os quais se ligam entre si e se misturam. Então, de que forma conseguimos nos entender? Se de uma língua para outra essa variedade de sons se modifica, o que possibilita esse entendimento? Comecemos pensando nos sons que os bebês emitem. Você é capaz de identificar uma variedade de sons que eles utilizam para se comunicar? Observe o choro dos bebês; de acordo com a intenção de comunicação, o tipo de choro se modifica. Com o passar do tempo, a criança aprende a falar e o arsenal de sons e palavras vai se ampliando, variando de acordo com os estímulos do contexto. Esse processo transcorre sem que os indivíduos tenham consciência, pois começam se 42 comunicar e a entender as variações linguísticas da comunidade em que estão inseridos (Figura 1), e falar é parte do processo. (CASTRO, 2016) Para efetuar uma análise fonêmica, existem diversos procedimentos. Primeiro, toda palavra falada é constituída de unidades mínimas de sons (OLIVEIRA, 2015). Para transpor esses sons para a escrita, utilizamos letras, mas não são todas as letras que representam sons diversos; portanto, não confunda letra com representação gráfica de som. Algumas letras correspondem aos sons emitidos na formação sonora da palavra, mas outras não. Portanto, a representação dos sons acontece por meio de letras, mas que não são em sua totalidade correspondentes ao alfabeto da língua. Considere que “[...] um é elemento gráfico e o outro é elemento acústico” (OLIVEIRA, 2015, documento on-line). Para entender essa explicação, pensa nas palavras “casa” e “sela”. A letra “s” (elemento gráfico) é utilizada nas duas palavras, mas com produção sonora distinta. Em “casa”, temos o som [z] e em “sela” temos o som [s]. (CASTRO, 2016) De acordo com Cagliari (2002), a análise fonológica deve seguir alguns passos. Primeiro, é necessário identificar o corpus, pois a análise fonológica baseia- se em dados fonéticos da língua. Então, a transcrição fonética é o primeiro passo, pois 43 vai oferecer o conjunto de dados que a fonologia precisa para construir suas teorias. Para o autor, esse corpus pode conter inicialmente palavras (cerca de 50) e enunciados curtos; depois, a complexidade pode ser ampliada e outros tipos de ocorrência podem ser considerados. O segundo passo é fazer o levantamento de todos os sons que aparecem no corpus construído. Esses sons devem ser dispostos em uma tabela fonética, a qual segue o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), desenvolvido por foneticistas com o patrocínio da Associação Fonética Internacional. O AFI apresenta: [...] uma notação-padrão para a representação fonética de todas as línguas do mundo. A maior parte de suas letras originaram-se do alfabeto romano, e algumas do grego. Seus símbolos dividem-se em três categorias: letras (representando sons básicos), diacríticos (que auxiliam a melhor especificar esses sons básicos) e suprassegmentos (que denotam características como: velocidade, tom e acento tônico) (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011, p. 62). Em seguida, os pares suspeitos e os pares mínimos devem ser observados. Os pares suspeitos são identificados em registros com sons semelhantes. De acordo com Cagliari (2002, p. 56), “[...] sobram alguns sons que, por serem muito diferentes dos demais, precisam ser investigados separadamente, para ver se não estão em distribuição complementar ou em variação livre”. Com relação aos pares mínimos, vamos estuda-los na próxima seção deste capítulo. Na sequência da análise fonológica, é preciso observar os ambientes análogos, ou seja, a definição do contexto de análise e desenvolvimento de raciocínio fonológico, por meio de hipóteses e análises das ocorrências. O objetivo é observar as variações, pois elas não são consideradas na análise fonêmica. O passo seguinte, então, compreende a elaboração do inventário de fonemas, para que seja possível desenvolver a análise fonológica da língua. Ao longo desse processo, o pesquisador lida com fonemas e alofones. (CASTRO, 2016) 44 12 FONEMAS E ALOFONES Fonte: https://blog-es.kinedu.com Agora que você já estudou que a fonologia é o estudo dos sons de determinada língua e percebeu a complexidade da análise fonológica em cada idioma, dois conceitos no processo de análise são fundamentais: fonemas e alofones. (CASTRO, 2016) Os fonemas representam sons que estão em oposição. Em “faca” e “vaca”, por exemplo, temos os sons [f] e [v]. Esses representam “[...] unidades fonêmicas distintas e são denominados de fonemas” (CRISTÓFARO SILVA, 2007, p. 126). Para entender a identificação dos fonemas na divisão dos elementos que compõem os enunciados, as palavras e assim por diante, observe a análise apresentada na Figura 2. 45 Em (2), as unidades foram divididas para análise sintática dos elementos. Em (3), a sentença foi dividida em relação às palavras que a compõem.Em (4), a separação do “s” indica plural e do “m” indica terceira pessoa do plural. Em (5), ainda é possível identificar que o “a” no final da palavra “garota” significa feminino e, da mesma forma, verificamos o tempo verbal utilizado. Outra divisão para além dessa não traz significado. Porém, conforme explicam Seara, Nunes e Lazzarotto-Volcão (2011), a sentença foi dividida nas menores unidades sonoras que possuem significado: os morfemas. Esses morfemas podem corresponder ao tamanho da palavra ou podem ser menores. Em (6), então, você pode observar que as palavras ainda foram subdivididas mais uma vez. Porém, nessa etapa não apresentam significado. São essas menores unidades sonoras, não dotadas de significado, que chamamos de fonemas. Em outras palavras, segundo Câmara Junior. (1953, p. 23): [...] para partir indutivamente do mínimo para o máximo, o vocábulo não é o termo inicial que se impõe. Ele se analisa, ou decompõe, em formas mínimas constituintes, que são os “morfemas”. Foi o que estabeleceu (evidentemente sem usar o termo), desde o séc. VII a.C., o gramático hindu Pânini para o sânscrito. Dessa forma, os fonemas (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011) são os sons que formam morfemas, os quais, quando substituídos ou eliminados, modificam o significado das palavras (mala/bala; vaca/faca; bola/mola). Você lembra que mencionamos o conceito de pares opositores anteriormente, como forma de análise fonológica? Pois bem, para podermos assinalar os fonemas da 46 língua portuguesa, recorremos ao sistema de comutação, em que se substitui um som por outro para que seja elaborada a lista de todos os sons da língua, os quais tem função de fonema, ou seja, distintiva. (CASTRO, 2016) Em conjunto com os fonemas, temos os alofones. Quando a mudança do fonema modifica a palavra (bala/mala), temos dois fonemas distintos; mas e quando a mudança do som na pronúncia não modifica o significado da palavra, o que temos? Nessas situações, constatamos a presença de alofones, variações de um mesmo fonema, representados em fonética por símbolos diferenciados. Em fonologia, porém, essa distinção não é feita. Alofones não são considerados em análises fonológicas, lembre-se disso. Observe na Figura 3 alguns exemplos de alofones que ocorrem na língua portuguesa falada em diferentes regiões do Brasil. (CASTRO, 2016) Para conhecer mais a fundo especificamente os símbolos fonéticos consonantais utilizados para transcrição em língua portuguesa, observe a Figura 4. (CASTRO, 2016) 47 Agora, observe na Figura 5 um quadro com o sistema consonantal da língua portuguesa falada no contexto do Brasil, recorrendo ao conceito de pares mínimos. (CASTRO, 2016) 48 49 13 PARES MÍNIMOS Fonte: https://image.slidesharecdn.com Os pares mínimos representam a ferramenta para que seja possível encontrar, em uma dada língua, os fonemas e os alofones. No processo de análise dos sons, os pares mínimos são empregados para distinguir os fonemas e os alofones. Ou seja, pares mínimos “[...] são duas sequências fônicas que se distinguem apenas por um fonema, como em ‘pato’ e ‘bato’” (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011, p. 76). Compreendendo esse conceito, você já está habilitado para reconhecer os morfemas, os fonemas e os alofones a partir do uso dos pares mínimos. No par mínimo “pato” e “bato”, de acordo com Seara, Nunes e Lazzarotto- Volcão (2011, p. 76), “[...] a distinção é vista somente pelo vozeamento ou sonoridade, ‘p’ é surdo e ‘b’ é sonoro”. Mas é no par mínimo “tato” e “bato”, você percebe que há mais elementos envolvidos? Sim, nesse par mínimo “[...] a diferença será observada em sonoridade e ponto de articulação, uma vez que ‘t’ é surdo e alveolar e ‘b’ é sonoro e bilabial” (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO- -VOLCÃO, 2011, p. 76). A Figura 6 traz um exemplo de análise para se identificar ou não contrastes fonêmicos a partir da aplicação de pares mínimos. 50 Os pares mínimos, portanto, como você pode perceber, possibilitam a diferenciação (ou não) dos fonemas em uma dada língua. A partir deles, é possível configurar os sons que integram o arsenal que está disponível para os falantes dessa língua. (CASTRO, 2016) 51 14 A FONÉTICA NO LETRAMENTO E NO RECONHECIMENTO DAS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Fonte: Pixabay.com Inicialmente, é preciso destacar que há diferenças entre aprender a ler e escrever, e aprender a ser competente em leitura e escrita. Antes de passarem pelo processo de escolarização, as crianças já elaboram as suas hipóteses de escrita. Conforme são alfabetizadas, passam a decodificar os sinais gráficos e a reconhecer as palavras. Entretanto, essa decodificação não garante que elas tenham um domínio qualificado sobre a leitura e a escrita, uma vez que o letramento designa um processo mais complexo: diz respeito à capacidade do indivíduo de ler e escrever em diferentes contextos de comunicação. (BIZELLO, 2019) Nesse sentido, o alfabetizador frequentemente se preocupa mais em classificar a leitura e a escrita dos seus alunos como certa ou errada sob a luz da gramática tradicional. Já o professor que busca um processo de letramento reconhece que o aluno ainda não conhece todo o sistema gráfico, e está atento aos diferentes contextos que levam a criança a escrever conforme o seu dialeto regional e social. (BIZELLO, 2019) Isso significa que, no processo de letramento, consideram-se os textos espontâneos dos alunos e observam-se as relações que os aprendizes estabelecem 52 entre as suas realidades fonéticas e os usos ortográficos. Dessa forma, nota-se o esforço da criança para conectar ortografia e fonologia, isto é, letra e fonema. Como nem sempre há uma associação direta entre som e grafia, essa conexão não é totalmente previsível — contudo, também não é aleatória. Conforme as palavras de Magda Soares (2003, documento on-line): [...] escrever é registrar sons e não coisas. Então, a criança vai viver um processo de descoberta: escrevemos em nossa língua portuguesa e em outras línguas de alfabeto fonético registrando o som das palavras, e não aquilo a que as palavras se referem. A partir daí a criança vai passar a escrever abstratamente, colocando no papel as letras que ela conhece, numa tentativa de, realmente, escrever “casa”, sem o recurso de utilizar desenhos para dizer aquilo que quer. Então, depois que a criança passa pela fase silábica para registrar o som (o som que ela percebe primeiro é a sílaba), ela vai perceber o som do fonema e chega o momento em que ela se torna alfabética. Entretanto, quando a criança se torna alfabética, precisa aprender a ler e a escrever de acordo com as regras de ortografia. Afinal, ela passa a ter a necessidade de apropriar-se do sistema alfabético e dos sistemas ortográfico e de escrita. Como esses sistemas não têm fundamentação lógica, a criança precisa passar pelo processo de aprendizagem, isto é, precisa trabalhar sistematicamente as relações entre fonema e grafema. (BIZELLO, 2019) Essa associação revela que as primeiras hipóteses de escrita das crianças têm uma relação estreita com a oralidade. Dessa maneira, nos seus escritos, geralmente não aparecem as semivogais de alguns ditongos (em palavras como louco, a semivogal u é suprimida, já que não é pronunciada de forma intensa); a palavra muito aparece nasalizada (muinto); a vogal o de final de palavra é substituída por u (bolo vira bolu), entre outras. A Figura 1 exemplifica as hipóteses de escrita das crianças. 53 Essas construções ilustram a necessidade de relacionar o letramento ao reconhecimento das variações linguísticas. Se o professor não prestar atenção ao modo como os alunos falam, corre o risco de aumentar as suas dificuldades no aprendizado das conexões entre letras e sons. Além disso, corre o risco de formarapenas codificadores e decodificadores de sinais. Para fomentar a leitura e a escrita complexas, é preciso atentar para as representações gráfica e alfabética da língua portuguesa. (BIZELLO, 2019) Segundo Cagliari (1997), tudo o que se ensina na escola está diretamente relacionado à leitura. Portanto, ela é fundamental para o desenvolvimento e a manutenção das aprendizagens e, assim, o aluno deve estar preparado para ler o mundo. Nesse sentido, a ortografia deve ser trabalhada por meio de atividades de leitura, e a pronúncia correta não deve ser prioridade — embora também seja importante ensiná-la. Faraco e Moura (2006) afirmam que o sistema gráfico do português é formado por letras que representam basicamente unidades sonoras, mas que elas não são o único critério para identificar como se escreve uma palavra. Afinal, a história etimológica pode determinar a ortografia. Entretanto, o maior obstáculo para associar grafia e fonema são as formas diferentes de pronunciar as palavras, que ocorrem em função das modificações temporais, das regiões, da faixa etária do falante, etc. Nesse sentido, esse complexo panorama influenciará no processo de letramento da criança. Como a mudança linguística é contínua e dinâmica, a sua regularidade é aleatória, e isso faz diferença para o processo de aprendizagem da ortografia de 54 acordo com a chamada norma culta. Afinal, a língua falada é muito mais utilizada, oferece acesso mais fácil e rápido e atinge situações mais variadas; já a língua escrita exige algum tipo de instrução. (BIZELLO, 2019) Portanto, as duas variantes linguísticas que mais entram em confronto no processo de letramento são as chamadas língua popular e língua culta. A língua culta tem mais prestígio social e obedece a regras determinadas pela gramática tradicional, e a língua popular é utilizada em situações informais e não segue normas convencionais. (BIZELLO, 2019) O aluno que passa pelo processo de letramento aprende a reconhecer essas diferenças e passa a considerá-las como aspectos determinantes para a interpretação de um texto, um discurso, uma informação. Além disso, ele se torna apto a se comunicar em contextos variados e a compreender diversas referências de mensagens. (BIZELLO, 2019) Assim, é possível trabalhar com o conceito de alfabetização, uma vez que a gramática normativa organiza as diretrizes para a representação escrita da língua. Essa variante é a que detém o prestígio social e, portanto, é função da escola dar acesso a esse conhecimento. Dessa forma, é possível oferecer aos alunos essa base que os levará a desfrutar dos benefícios da educação formal. (BIZELLO, 2019) Todavia, ensinar a variedade padrão não significa ensinar exclusivamente essa variedade. Uma das razões para isso é a importância de desfazer o mito da deficiência linguística, já que a noção de fracasso escolar acompanha a noção de incompetência linguística. (BIZELLO, 2019) Nesse sentido, a escola deve considerar a língua padrão como mais uma variedade e como um parâmetro de comparação com as outras. Assim, não reforçará as diferenças socialmente instituídas e oferecerá condições iguais a todos os alunos, a partir das suas dificuldades individuais. É evidente que todas as crianças que passam pelo processo de alfabetização têm dificuldades próprias de quem está internalizando o sistema de escrita da língua. No entanto, sabe-se que uma criança que escuta e pronuncia palavras de forma diferente da pronúncia padrão terá ainda mais dificuldades para escrever as palavras corretamente. (BIZELLO, 2019) 55 Portanto, o ponto crucial para a alfabetização é a proximidade entre a fala e a escrita: o aprendiz que interage numa comunidade que fala de forma semelhante à língua escrita terá mais chances de sucesso na aplicação das regras ortográficas. Em essência, para todos os usuários da língua portuguesa escrita pode ser um desafio saber com que letras se escreve a palavra exceção, pois há diferentes grafias para representar o fonema /s/. Porém, todos os falantes pronunciam essa palavra da mesma maneira. Entretanto, alguns falantes pronunciam a palavra lagartixa, por exemplo, com a troca de fonema: largatixa. Essa variedade provocará dificuldades no reconhecimento do padrão culto escrito da língua. Observe alguns exemplos: Buginganga – bugiganga Abóbra – abóbora Flauda – fralda Dible – drible Estrupo – estupro Boeiro – bueiro Carangueijo – caranguejo Prazeirosamente – prazerosamente Salchicha – salsicha Supertição – superstição (BIZELLO, 2019) Em síntese, quanto mais as crianças participarem de práticas interativas e que proporcionem a leitura de mundo, mais estarão preparadas para enfrentar as dificuldades de aquisição do sistema ortográfico. Além disso, faz-se necessário construir, inicialmente, a hipótese de uma correspondência direta entre letras e sons. Assim, falantes de variantes linguísticas menos prestigiadas também terão a mesma oportunidade de letramento e de alfabetização. (BIZELLO, 2019) 56 15 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE A LÍNGUA PORTUGUESA FALADA E A NORMA PADRÃO Fonte: Pixabay.com A língua oficial do Brasil é o português e, portanto, esse é o código mais utilizado pelos brasileiros nas situações de comunicação e interação social. Entretanto, existem diversas possibilidades de uso dessa língua, e quanto mais a pessoa que a usa tem domínio sobre ela, mais terá chances de se comunicar com eficiência. Mas o que é comunicar-se com eficiência? (BIZELLO, 2019) Você já deve ter ouvido estudantes da educação básica questionando sobre as razões de terem de ir à escola para estudar português se já sabem se comunicar nesse idioma. Essa indagação poderia virar pauta de protesto se a variante utilizada por um grupo de alunos fosse a única forma de se comunicar em língua portuguesa. Mas essa não é a realidade. Se deixarmos de lado as questões geográficas e sociais, ainda assim encontraremos diferenças entre a fala e a escrita. Por essa razão, dominar uma língua é muito mais do que aplicar e reconhecer o seu vocabulário: é preciso ter 57 acesso às diferentes formas de combinação e compreendê-las. Segundo Cereja e Magalhães (2005, p. 17): A língua pertence a todos os membros de uma comunidade; por isso faz parte do patrimônio social e cultural de cada coletividade. Como ela é um código aceito por convenção, um único indivíduo, isoladamente, não é capaz de criá- la ou modificá-la. A fala e a escrita, entretanto, são usos individuais da língua. Ainda assim, não deixam de ser sociais, pois sempre que falamos e escrevemos, levamos em conta quem é o interlocutor e qual é a situação em que estamos nos comunicando. O ser humano é um ser social, ou seja, é interativo e comunicativo. Antes de inventar a escrita, o homem já se comunicava e interagia de forma oral, utilizando signos linguísticos, mas não tinha uma forma de registrar uma ideia ou informação. (BIZELLO, 2019) Antes da escrita, as histórias eram contadas de geração em geração e se mantinham vivas por meio da tradição oral. Contudo, como cada pessoa tem uma forma de se expressar e, com o passar dos anos, a linguagem se transforma, a tradição oral não conseguiu manter muitas informações. Com a invenção da escrita, houve a possibilidade de registrar as notícias de forma duradoura. (BIZELLO, 2019) Embora a finalidade do registro escrito seja tornar-se o mais próximo possível da fala, isso não ocorre, pois, a língua é um sistema vivo e contínuo — logo, mudanças são intrínsecas a ele. As mudanças surgem dos contatos e do uso oral da língua, e a velocidade das transformações orais não pode ser acompanhada pela escrita. (BIZELLO, 2019) Para compreender melhor esse processo, faça uma analogia com o seu processo de aprendizagem da sua língua materna. Nós aprendemos a língua com as pessoas próximas: ouvimosos sons que elas produzem e, à medida que treinamos o 58 nosso aparelho fonador, começamos a tentar imitar esses sons. Em seguida, formamos palavras, frases e textos, até nos tornarmos capazes de falar e ouvir. Quando entramos em contato com outras pessoas, identificamos diferentes formas de falar e às vezes nos apropriamos dessas formas. Trata-se de um processo de transformação. Mas e a escrita? Como ela passa a fazer parte das nossas situações de comunicação? Isso se dá apenas depois de irmos à escola, isto é, depois de sermos alfabetizados e conhecermos as relações entre os sons e as letras, de acordo com as normas tradicionais. (BIZELLO, 2019) Evidencia-se, portanto, que língua falada e língua escrita são diferentes. Afinal, quando os interlocutores estão frente a frente, podem pedir uma nova explicação, questionar os pontos que não entenderam e usar outros recursos, como gestos, tom de voz, expressão facial, etc. Numa situação de fala, o texto é construído na presença do ouvinte. Já os registros escritos costumam obedecer a regras elaboradas pela gramática tradicional como uma tentativa de padronizar essa variante, de forma que os interlocutores se compreendam, embora não estejam se comunicando de forma síncrona. Isso ocorre porque, na escrita, geralmente há uma distância física entre os interlocutores, a qual impõe determinadas condições ao escritor, como organizar as ideias de forma lógica, encadear as frases sem interrupções abruptas e usar as regras gramaticais tradicionais. (BIZELLO, 2019) De forma geral, a norma padrão provoca mais insegurança no uso das regras corretas, pois a aprendizagem da língua oral não depende de escolaridade, enquanto a escrita sim. Isso ocorre porque a escrita precisa ser mais planejada, já que é complexa. Segundo Ingedore Koch (1997), na escrita as informações seguem uma elaboração contínua que não permite fragmentações, e há a predominância de frases complexas, com subordinação abundante. Já a fala não segue essa elaboração e constitui-se principalmente de frases simples. Além disso, na oralidade, é comum que o interlocutor interfira nas ideias e no texto do falante, pois a recepção da mensagem é imediata. Na comunicação escrita, porém, há uma distância de tempo e de espaço que impede essa interferência. Logo, não há espaço para ajustes do discurso que visem à eficiência da comunicação. (BIZELLO, 2019) 59 Os aspectos fonológicos associam-se à língua oral; os ortográficos, à língua escrita. A comunicação oral realiza-se por meio de sons, enquanto a escrita ocorre via recursos visuais (letras e imagens). Os recursos de entoação, pausa, ritmo e volume só podem ser utilizados pela língua oral. Em contrapartida, a disposição do texto no papel, os sinais de pontuação, a forma e o tamanho das letras aparecem apenas na língua escrita. Assim, surge a necessidade de padronizar essas formas de registro — para isso, aplicam-se as regras da norma culta e da gramática tradicional. (BIZELLO, 2019) Essas regras não cedem espaço para as variações linguísticas nem para as formas contraídas (como tá no lugar de está), por isso parecem distantes da identidade dos usuários. Contudo, os padrões normativos auxiliam na compreensão geral do registro escrito. Este é valorizado como testemunho de verdade e tem muita aceitação cultural. (BIZELLO, 2019) Essa forma de organizar o texto escrito, como você viu, diferencia-se da forma de organizar o texto oral. Dessas diferenças surgem as dificuldades e a resistência na produção de textos claros, organizados e coerentes. Portanto, estudar a norma padrão e reconhecer as variações linguísticas da língua portuguesa é fundamental para a comunicação eficiente em diferentes contextos. (BIZELLO, 2019) 60 16 O ENSINO DA NORMA PADRÃO E AS VARIAÇÕES DA LÍNGUA PORTUGUESA Fonte: Pixabay.com A oralidade é a forma mais antiga de comunicação, por meio do uso da linguagem verbal. A escrita, por sua vez, foi inventada somente em cerca de 4.000 a.C. Como a fala pode ser posta em prática por qualquer pessoa, já que não exige regras nem instrução de uso, pode ser utilizada em qualquer contexto. (BIZELLO, 2019) Conhecer e analisar a língua falada, portanto, é uma prioridade da linguística moderna, visto que ela representa as transformações pelas quais uma língua passa e ratifica os aspectos social e interacional dos seres humanos. Afinal, as sociedades humanas conhecidas demonstram capacidade de fala, mas nem todas organizaram um sistema de escrita. (BIZELLO, 2019) De qualquer forma, cada língua tem as suas particularidades, e nenhuma delas revela homogeneidade de uso. Pode-se afirmar que toda língua tem um conjunto de usos diversificados em razão das experiências históricas, sociais, políticas e 61 culturais de cada indivíduo. Essas experiências impactam no comportamento linguístico dos indivíduos dessa comunidade; logo, as línguas passam por transformações associadas ao tempo, ao espaço geográfico, ao espaço social e às situações de comunicação. Assim, a oralidade favorece o surgimento e a aplicação de diferentes variações linguísticas. (BIZELLO, 2019) Quando o professor de língua portuguesa planeja e oportuniza situações de aprendizagem com o estudo das variedades linguísticas, proporciona também a reflexão sobre o respeito às diferenças vocabulares. Se o papel do professor é potencializar as qualidades dos seus alunos para promover a sua aprendizagem, é seu dever também valorizar a individualidade de cada estudante quanto à sua maneira de falar. (BIZELLO, 2019) Essa valorização evidenciará que a escola está aberta à pluralidade de discursos, fundamental ao desenvolvimento da competência comunicativa. Situações de aprendizagem que oportunizam a interação de pessoas com diferentes valores, desejos, temores possibilitam o reconhecimento do outro e a aceitação da diferença. (BIZELLO, 2019) A função do professor de língua portuguesa é promover o desenvolvimento da competência de ler e de escrever. Assim, para ensinar a interpretar ou a produzir textos, é preciso propor atividades que pressupõem uma formação linguística diversificada. Nossa língua é plural: constitui-se de neologismos e estrangeirismos, e os seus usuários têm atitudes diversas com relação a essa pluralidade. Dessa forma, um conceito fundamental para tratar a respeito desse assunto é o preconceito linguístico. (BIZELLO, 2019) Quando se abordam as questões da língua a partir da oposição entre uso certo e uso errado, imagina-se que haja apenas uma variedade linguística (padrão), e todas as demais são ignoradas. Esse preconceito é pautado em mitos que devem ser desfeitos. Marcos Bagno (2002) trata do tema e expõe alguns desses mitos: o português tem uma unidade no Brasil; brasileiro não sabe português; é preciso saber gramática para escrever bem. Ele aponta criticamente essas teorias e demonstra que o preconceito desconsidera as diferentes formas de usar a língua, afirmando que saber 62 normas gramaticais não faz de um indivíduo um bom escritor. Portanto, é preciso uma transformação radical na sociedade em que estamos inseridos. Um dos fatores que leva a esse preconceito é a crença de que apenas a gramática tradicional deve ser considerada como legítima. Contudo, esse senso comum de considerar gramática um manual de regras que determinam o jeito certo e o errado de usar a língua é um equívoco. Gramática é um conjunto de regras que o usuário da língua reconhece de forma intuitiva. Um exemplo são as conjugações verbais das crianças pequenas: muitas usam a forma verbal “fazi” para conjugar o verbo fazer na 1ª pessoa do singular do pretérito perfeito. Essa construção demonstra que as crianças já internalizaram a regra de que os verbos conjugados na 1ª pessoa desse tempo e modo verbal terminam em i. A aplicação dessa regra levará a criança a produzir
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