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Fundamentos do Ensino-Aprendizagem
das Ciências Naturais e da Matemática:
o novo Ensino Médio
Orgs.
Isauro Beltrán Nuñez
Betania Leite Ramalho
Fundamentos do Ensino-Aprendizagem
das Ciências Naturais e da Matemática:
o Novo Ensino Médio
Todos os direitos desta edição reservados à Editora Meridional Ltda.
Av. Osvaldo Aranha, 440 cj 101. Cep: 90035-190 Porto Alegre-RS
Tel: (51) 3311 4082 - Fax: (51) 3264 4194
www.editorasulina.com.br
sulina@editorasulina.com.br
Novembro / 2004 Impresso no Brasil / Printed in Brazil
© Editora Meridional, 2004
Capa: FOSFOROGRÁFICO / Vitor Hugo Turuga
Projeto Gráfico e Editoração: Clotilde Sbardelotto
Editor: Luis Gomes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960
 F981 Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da
Matemática: o Novo Ensino Médio / Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho (orgs.). – Porto Alegre: Sulina, 2004.
300 p.
 ISBN: 85-205-0392-6
 1. Educação. 2. Aprendizagem - Matemática. 3. Aprendizagem -
Ciências Naturais. 4. Ensino - Fundamentos I. Nuñez, Isauro
Beltrán. II. Ramalho, Betania Leite
 CDD: 370
 371.39
 CDU: 37.01
 372.85
Apresentação ............................................................................................... 9
 PARTE I
Fundamentos psicológicos e didáticos
da aprendizagem ........................................................................ 15
O ensino tradicional e o condicionamento operante ...................................... 17
 Tereza Cristina Leandro de Faria
e Isauro Beltrán Nuñez
A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Naturais ..................... 29
Raimunda Porfírio Ribeiro
e Isauro Beltrán Nuñez
A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget .............................................43
Tereza Cristina Leandro de Faria
e Isauro Beltrán Nuñez
O enfoque sócio-histórico-cultural da aprendizagem:
os aportes de L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin .................... 51
Isauro Beltrán Nuñez
e Tereza Cristina Leandro de Faria
A aprendizagem como processamento de informação ................................... 69
Isauro Beltrán Nuñez,
Márcia Adelino da Silva Dias
e Tereza Cristina Leandro de Faria
O Construtivismo no ensino de Ciências da Natureza e da Matemática ........ 84
Analice de Almeida Lima,
José Paulino Filho
e Isauro Beltrán Nuñez
SUMÁRIO
 PARTE II
Pensando a formação de competências
e a aprendizagem no Novo Ensino Médio ........................ 103
Os saberes escolares e a formação
das competências no Ensino Médio ......................................................... 105
Márcia Adelino da Silva Dias,
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho
A noção de competência nos projetos pedagógicos
do Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos ..................................... 125
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho
O uso de situações-problema no ensino de Ciências ................................. 145
Isauro Beltrám Nuñez,
Marcelo Pereira Marujo,
Lidiane Estevam Lima Marujo
e Márcia Adelino da Silva Dias
Metacognição: aprender a aprender? ....................................................... 172
Betania Leite Ramalho,
Isauro Beltrán Nuñez
e Analice de Almeida Lima
A flexibilidade do pensamento,
pensamento crítico e criatividade.
Generalização e transferência de aprendizagem ....................................... 186
Tereza Cristina Leandro de Faria,
Anadja Marilda Gomes Braz
e Isauro Beltrán Nuñez
Pensando a aprendizagem significativa:
dos mapas conceituais às redes conceituais .............................................. 201
Raimunda Porfírio Ribeiro
e Isauro Beltrán Nuñez
Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem
como pesquisa orientada ......................................................................... 226
Márcia Gorette Lima da Silva,
Antônia Francimar da Silva
e Isauro Beltrán Nuñez
Aprendizagem por modelos: utilizando modelos e analogias ....................... 245
Analice de Almeida Lima
e Isauro Beltrán Nuñez
Ensino por projetos: uma alternativa para
a construção de competências no aluno ................................................... 265
José Paulino Filho,
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho
A história da Ciência e da Matemática
na formação de professores ..................................................................... 284
Arlete de Jesus Brito,
Luiz Seixas das Neves
e André Ferrer Pinto Martins
Os autores .............................................................................................. 297
8
9
APRESENTAÇÃO
O Ensino Médio constitui a última etapa de escolarização da Educação Bá-
sica no Brasil. As condições da expansão do Ensino Fundamental, e as novas exi-
gências do mundo do trabalho têm sido, dentre outros fatores, responsáveis pela
expansão significativa da matrícula de alunos (crescimento de 84%) nos dez últi-
mos anos no Ensino Médio. Esse crescimento aponta para o ingresso de alunos
que procuram esse nível de ensino não só como via para acessar à universidade,
mas como possibilidades para uma melhor inserção no mercado de trabalho e para
construção de sua cidadania. Sendo assim, o Ensino Médio voltado para preparar
os alunos para a universidade, cede espaço à busca de uma nova identidade.
O grande contingente de alunos no Ensino Médio e sua diversidade, assim
como as Reformas Curriculares, têm influenciado os professores, pesquisadores,
alunos e a sociedade, na construção da identidade desse nível de escolaridade me-
diada pelo conhecimento, pela informação, pelas novas tecnologias de um mundo
“globalizado”. A busca de uma nova identidade do Ensino Médio se movimenta
numa rede complexa de fatores e exigências, que nos levam a formular perguntas-
problemas, tais como:
– Como educar e atender às necessidades formativas e educativas dos alu-
nos no Ensino Médio de maneira que possa contribuir na construção da sua cida-
dania, inseri-los no mundo do trabalho e prepará-los para o estudo na Educação
Superior?
– Quais são os objetivos/finalidades desse nível de educação? Que conteú-
dos são necessários face ao crescimento da informação em ordem exponencial e
ao tempo disponível?
– É possível formar competências no Ensino Médio? Quais devem ser essas
competências?
A procura de respostas para essas e outras questões, talvez mais complexas
nos obriga, necessariamente, a considerar as orientações curriculares do Ministério
de Educação para o Ensino Médio.
A LDB/96, e a Resolução CNE/98, bases das novas diretrizes curriculares
para o Ensino Médio, focalizam três eixos básicos para a sua organização curricu-
lar: a formação de competências, a interdisciplinaridade e a contextualização do
conhecimento.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) se
apoiam numa concepção construtivista da aprendizagem, mediada por um discurso
plural, uma vez que integra conceitos de diferentes perspectivas da aprendizagem e
da educação dando referências para se pensar em Projetos Pedagógicos.
A implementação de uma nova Reforma na Educação como é o caso do
Novo Ensino Médio, pressupõe uma análise das condições objetivas e subjetivas,
necessárias para se trabalhar na construção de uma nova cultura escolar. Nessa
10
lógica, se discute hoje a importância que ganha a formação dos professores(as)
para atender às novas exigências das propostas curriculares que levam os/as docen-tes, necessariamente, a novas formas de trabalho e de agir. Portanto, faz sentido
procurarmos identificar as novas necessidades formativas desses docentes.
Nessa perspectiva uma pesquisa, intitulada: Estudos das Necessidades
Formativas de Professores(as): o Caso do Novo Ensino Médio, foi desenvol-
vida no âmbito do grupo de Pesquisa Formação e Profissionalização docente
da UFRN, nos anos 2001/2003, financiada pelo CNPq. Os resultados, de forma
geral, evidenciam que há fragilidades conceituais/didático-pedagógicas a serem
superadas na base formativa dos/as docentes de maneira que possibilitem, a
estes(as), um novo olhar para o ensino das Ciências Naturais e de Matemática,
assim como a compreensão das teorizações que fundamentam a aprendizagem
dessa área de conhecimento nos PCNEM. Reconhecemos que isso implica na
construção, pelos/as professores(as), não só de novos saberes e competências,
como também de um novo referencial sobre o profissionalismo.
Nesse sentido, a busca de novos saberes não está dissociada dos contextos
do exercício da profissão. Este alerta é necessário, uma vez que o ensino/apren-
dizagem não pode ser reduzido a problemas de natureza didático-psicológica.
Não obstante, as teorizações da didática do Ensino das Ciências e da Matemá-
tica podem ser um elemento que contribua com os professores na compreensão da
aprendizagem de seus alunos e conseqüentemente na escolha de referências teó-
ricas para organizar as situações de aprendizagem dos alunos.
As referências teóricas possibilitam construir o planejamento de ensino
como hipóteses de trabalho, uma vez que a sala de aula é um dos espaços de
construção de saberes dos professores(as). Refletir de forma crítica, sistematizar,
socializar os resultados da aprendizagem dos alunos sob os diferentes fatores
dos contextos escolares possibilita mecanismos de validação desses saberes na
busca da inovação educativa. A presente pesquisa esteve fortemente influen-
ciada por este princípio.
Este livro pretende estimular o debate dos professores (as) do Ensino Mé-
dio, na área de conhecimentos das Ciências Naturais e de Matemática na busca
de “mudanças” significativas da prática docente no ensino da Física, da Química,
da Biologia e da Matemática. Assumimos a intencionalidade de apresentar uma
obra perceptível de aperfeiçoamento na qual se discutem idéias por vezes polê-
micas, superadoras e superadas (de outras e por outras idéias) expressas nas re-
flexões dos autores, dos diferentes artigos.
Os autores dos capítulos que compõem esta obra são professores-pesqui-
sadores e alunos do Programa de Pós-Graduação, vinculados à Base/Linha de
Pesquisa Formação e Profissionalizarão Docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFRN. Esse grupo tem participado, de forma comprometida, na
busca de alternativas para melhorar a educação científica dos alunos do Ensino
Básico, na perspectiva de contribuir com idéias que norteiem os professores(as) a
11
pensar na sua formação. Com esses autores compartilhamos momentos de refle-
xão, de discussão e muito trabalho conjunto foi desenvolvido para se chegar na
sistematização dos textos aqui presentes.
Por razões metodológicas, a obra se organiza em duas partes: na primeira
parte, “Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem” tem-se como
intencionalidade subsidiar com referências da psicologia da aprendizagem os textos
da segunda parte. Na segunda parte : “Pensando a formação de competências e a
aprendizagem no Novo Ensino Médio”, se discutem algumas estratégias que po-
dem contribuir com uma aprendizagem que desenvolva capacidades cognitivas
e afetivas necessárias ao exercício da cidadania, e à formação de habilidades/
competências no Ensino Médio, nas disciplinas de Matemática, Física, Química
e Biologia.
As discussões da Parte I procuram fornecer uma visão didática e de ten-
dências para o ensino dessas disciplinas, sendo apresentados, para tanto, 6
textos.
No primeiro texto, “O ensino tradicional e o condicionamento operante”, é
feita uma reflexão sobre o ensino das Ciências Naturais baseado na tradição
pedagógica que assume como base o condicionamento operante da psicologia. O
texto não pretende caracterizar uma forma de “ensino tradicional”, da qual muitos
procuram afastar-se, por vezes sem reconhecer de forma crítica as possibilidades
e limitações dos mecanismos transmissivos da informação.
O segundo texto, “A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Na-
turais”, discute idéias de P. D. Ausubel sobre a aprendizagem significativa como
estratégia superadora do ensino memorístico. Diferencia tipologias de conceitos,
procura esclarecer diferenças entre conteúdo significativo e aprendizagem signi-
ficativa, idéias por vezes tomadas como semelhantes.
O terceiro texto, “A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget”, discute
os conflitos cognitivos, suas possibilidades e limitações em relação ao ensino de
ciências, revelando as contribuições da teoria da Equilibração para explicar a
aprendizagem.
O quarto texto, “O enfoque sócio-histórico-cultural”, fornece o marco dos
trabalhos de L.S. Vigotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin sobre a aprendiza-
gem como tipo específico de atividade que acontece em contextos sócio-históri-
cos mediados pelos outros e por ferramentas culturais. Mostra de forma sintética
a discussão sobre: o caráter social da aprendizagem, a formação de conceitos cien-
tíficos, a internalização da atividade externa em interna, assim como indicadores
qualitativos que caracterizam as habilidades como tipo de atividade.
No quinto texto, “A aprendizagem como processamento da informação”,
é apresenta como uma alternativa para se compreender os processos mentais
que operam a aprendizagem e com a intencionalidade de abrir a “caixa preta”
da psicologia condutista. O processamento da informação enquanto enfoque
psicológico da aprendizagem é objeto de reflexões nesse artigo que traz uma
12
distinção entre conhecimento e informação, discutindo como o aluno aprende en-
quanto sujeito que processa informação, os tipos de memórias e os mecanismos
da “armazenagem da informação”. Essa dimensão procura nos situar na pro-
blemática de como favorecer uma aprendizagem duradoura e não esporádica.
Para concluir a Parte I do livro se faz uma breve apresentação da polis-
semia da categoria “construtivismo” tomando-se por base diferentes tipos de
construtivismo no ensino das Ciências Naturais e da Matemática. Em resumo, a
Parte I do livro nos chama a atenção para pensar que não devemos assumir uma
única possibilidade de se pensar como o aluno aprende. Os artigos dessa parte
do livro, procuram mostrar que o professor deve ter domínio dessas referências
como subsídios para suas escolhas na hora de ensinar e refletir em relação aos
processos da aprendizagem dos alunos.
A Parte II do livro focaliza sua atenção para discutir algumas estratégias
que podem contribuir com a formação de capacidades, habilidades, competên-
cias, etc. na área de conhecimento do Ensino Médio CNMT.
No primeiro texto, intitulado “Os saberes e a formação de competências
no Ensino Médio”, discute-se a questão do conteúdo escolar, como este se confi-
gura a partir de outros saberes. O lugar do conhecimento científico no conteúdo
escolar é o foco de atenção desse capítulo, um tema que requer reflexões de dife-
rentes naturezas: epistemológica, sociológica, psicológica, histórica, na procura
de pensar melhor como deslocar a atenção da escola de hoje (responsabilizada
em transmitir um grande volume de informações) para uma escola que eduque e
desenvolva estratégias de aprendizagem, de convívio social com um conteúdo
significativo voltado para a educação.
O segundo texto, “A noção de competência nos projetos pedagógicos do
Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos”, abre um espaço à polêmica dos
sentidos que se atribuem a noção competência, assim como a necessidade de se
refletir sobre o que pode significar formar competência no Ensino Médio e sobre
as possibilidades e limitações dessa noção como estruturadorado Currículo.
O terceiro texto, “O uso de situações-problemas no ensino de Ciências”,
percorre reflexões teóricas sobre as categorias: situação-problema, problema, a
tarefa-problema e o problemático. Essas categorias se vinculam a “métodos” para
o trabalho com situações-problema no ensino. No ensino das Ciências Naturais e
da Matemática o uso de problemas se constitui numa estratégia que pode contri-
buir com a criatividade, assim como com atitudes positivas para a aprendizagem.
Esse assunto se analisa desde um, dentre outros, enfoques do trabalho com pro-
blema para ensinar.
O quarto texto, intitulado “Metacognição: aprender a aprender?”, parte do
pressuposto de que um dos objetivos da Escola Básica é desenvolver nos alunos
capacidades de aprender a aprender. A formação dessas capacidades são anali-
sadas desde a ótica da metacognição no ensino de Ciências Naturais.
Na linha de pensamento em relação à formação de capacidades cogni-
13
tivas/afetivas como elemento da educação no Ensino Básico, o quinto capítulo
“A flexibilidade do pensamento. Pensamento crítico e criatividade. Generali-
zação e transferência da aprendizagem” discute estratégias para contribuir com
a criatividade, a flexibilidade do pensamento, a generalização e a transferência
da aprendizagem, para pensar nessas capacidades como necessárias à educação
escolar. Esse artigo nos ajuda a sair de uma visão instrumental da noção de com-
petências como organizadora do currículo uma vez que volta nosso olhar para
pensar sobre o que se fala quando se fala, de formar competências nesse nível
escolar.
O sexto texto, “Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas concei-
tuais às redes conceituais”, constitui uma reflexão sobre as possibilidades do uso
dos mapas conceituais como estratégia da aprendizagem significativa. Apresen-
tam-se as limitações dessa estratégia discutida nas perspectivas de aprendizagem
como processamento da informação que reconhece as redes de conhecimentos
como formas de se organizar a informação na memória.
No sétimo texto, “Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem
como pesquisa orientada”, ao se discutir as bases dos modelos de mudança
conceitual e suas limitações, se analisam as propostas da aprendizagem como
pesquisa orientada, a qual supõe não só uma mudança conceitual como também
procedimental a atitudinal para favorecer a aprendizagem. Essas reflexões apon-
tam para dificuldades de se construir o conhecimento científico escolar. Orien-
tações construtivistas sobre o ensino das Ciências propuseram os modelos de
mudança conceitual baseados em conflitos cognitivos como formas dos alunos
substituírem os conceitos do cotidiano, as idéias prévias, pelo conhecimento
científico.
No oitavo texto, se discute a “Aprendizagem por modelos: utilizando
modelos e analogias”, é desenvolvida uma reflexão sobre essas ferramentas
metodológicas para o ensino das Ciências Naturais. O uso de modelos e analogias
se revela hoje como um campo de pesquisa da Didática das Ciências Naturais,
uma vez que reconhece o caráter de modelo-representação do conhecimento.
Embora hoje se tenha escrito muito sobre o ensino usando projetos, o nono
capítulo intitulado “Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de
competências no aluno” se insere no sistema de estratégias didáticas do livro,
segundo as orientações curriculares dos PCNEM.
A história das Ciências e da Matemática e os estudos sobre as epistemolo-
gias do conhecimento científico se apresentam como importantes ferramentas do
conhecimento pedagógico-didático do conteúdo dos professores de Ciências Na-
turais e da Matemática. No texto “A história da Ciência e da Matemática na for-
mação de professores” se relata uma experiência de trabalhar a história da ciência
para o ensino, focalizando a atenção para os processos de “construção do conhe-
cimento” na formação de professores.
Os diferentes textos das duas partes do livro sinalizam para a necessidade
14
de se dispor de um leque de referências teóricas, ao se pensar e refletir de forma
crítica a prática, na busca de novas práticas inovadoras no caminho da educação
científica dos alunos do Ensino Médio. O livro prioriza algumas dessas referências
teóricas, algumas inconclusas, outras conflitantes. A finalidade do livro é promover
a reflexão e discussão conjunta de professores na área das Ciências Naturais e da
Matemática como uma estratégia para contribuir com a profissionalização do
trabalho docente.
 Isauro Beltrãn Nuñez
 Betania Leite Ramalho
Organizadores
15
Parte I
Fundamentos psicológicos
e didáticos da aprendizagem
16
17
O ENSINO TRADICIONAL
E O CONDICIONAMENTO OPERANTE
Tereza Cristina Leandro de Faria
e Isauro Beltrán Nuñez
Introdução
A pedagogia tradicional começou a gestar-se no século XVIII, com o
surgimento das escolas na Europa e na América Latina. Trata-se de uma tendência
pedagógica que não se fundamenta em teorias empiricamente validadas, mas numa
prática educativa baseada na tradição. Tal pedagogia, além de ter fornecido um
quadro referencial a todas as tendências que a ela se seguiram, ainda persiste no
tempo. Entretanto, como explicam Pozo e Crespo (1998) não é conveniente pensar
que existe uma única pedagogia tradicional. A tradição pedagógica apresenta-se
de formas diferentes. Mesmo assim podemos enumerar as características mais
marcantes desse movimento, evitando qualquer “caricatura”.
O pressuposto básico dessa pedagogia é considerar que a aquisição de co-
nhecimentos se realiza principalmente na escola, cuja tarefa é preparar intelectual
e moralmente o aluno para assumir seu papel na sociedade. O caminho em direção
ao “saber” é o mesmo para todos os alunos, havendo necessidade de que estes
apenas se esforcem. Nessa perspectiva, quem sabe (o professor) ensina a quem
não sabe (o aluno).
Os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociais acumu-
lados ao longo das gerações passadas, que devem ser repassados ao aluno como
verdades absolutas. Esses conteúdos, geralmente pouco relacionados com a expe-
riência de vida do aluno e com sua realidade social, têm um caráter seqüencial,
que se expressa nos programas curriculares, embora suas partes não apresentem
interação entre os temas, os quais, inclusive, podem aparecer de forma isolada,
sem relação entre si.
O ensino ancora-se na exposição verbal da matéria e na demonstração,
oferecendo ao aluno uma grande quantidade de informações, que devem ser
memorizadas, o que faz com que a pedagogia tradicional seja chamada enciclo-
pedista e intelectualista. É o que Freire (1985, p.66) chama de Educação Bancária
interpretada, em tom de crítica, na linha de seu discurso, tal como segue:
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração
os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo
18
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem do-
cilmente “encher” tanto melhores educandos serão.
A seguir, uma representação do que afirma Freire.
Figura 1 – No ensino tradicional, os alunos devem memorizar um grande número
de informações como se fossem recipientes a serem enchidos pelo professor
Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998) afirmam que uma
aprendizagem desse tipo parte de um conjunto de crenças generalizadas que en-
tendem o fato de aprender como um ato de apropriação cognitiva, mediante o qual
o sujeito que aprende toma do exterior (seja de outra pessoa, de um texto escrito ou
da própria realidade) determinados significados. Supõe que a comunicação de
significados é um processo neutro e objetivo, em que as mensagens não são altera-
das no processo que vai do emissor ao receptor. Essa aprendizagem supõe também
que cada conceito, processo ou dado que é conveniente ensinar e aprender é único,
ou seja, só tem um significado correto. Quem aprende algo, aprende porque não
possui ditos significadosou os que tem são incorretos. Essas idéias sobre a apren-
dizagem têm sido representadas pela metáfora da mente em branco.
No “ensino tradicional”, tanto a exposição quanto a análise das informações
são realizadas pelo professor, observado-se os seguintes passos:
19
Figura 2 - Passos característicos do ensino tradicional
Conseqüentemente, esses procedimentos estimulam a aprendizagem recep-
tiva e mecânica. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de
exercícios sistemáticos e pela recapitulação da matéria. A generalização e a trans-
ferência da aprendizagem são limitadas e dependem do treino, sendo indispensá-
vel a memorização, a fim de que o aluno possa responder a situações similares da
mesma maneira.
O relacionamento professor-aluno é vertical, predominando a autoridade
do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e não estimula a comunicação
entre eles no decorrer da aula. Assim sendo, a classe, como conseqüência, torna-se
intelectual e afetivamente dependente do professor.
Em virtude do pressuposto de que aprender é um processo individual, em
que os alunos progridem de forma similar (homogeneidade da aprendizagem) e em
pequenos passos, a avaliação consiste em constatar se o aluno aprendeu e atingiu
os objetivos propostos, de forma mais adequada, quando o programa chega ao
fim. A avaliação está, pois, diretamente ligada aos objetivos propostos e normal-
mente se realiza no início, meio e fim do processo de ensino-aprendizagem. Avalia-
se, no início do processo, com a intenção de se verificar o que o aluno conhece
para, a partir daí, planejar e executar as etapas seguintes; no decorrer do processo,
para, em função dos dados obtidos, planejarem-se os reforços que a aprendizagem
requer, e, no final do processo, com o propósito de verificar se a aprendizagem
realmente se efetivou.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
• preparação do aluno (definição do trabalho, recordação 
 da aula anterior, despertamento do interesse); 
• apresentação (realce de pontos-chave, demonstração); 
• associação (combinação do conhecimento novo 
 com o já conhecido por comparação e abstração); 
• aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou 
 resolução de exercícios). 
20
1. Os fundamentos psicológicos do ensino
tradicional: o condicionamento operante
Durante o seu desenvolvimento e aprimoramento, a pedagogia tradicional
foi recebendo influências, procurando dar caráter científico ao trabalho didático
na sala de aula. Vale destacar as contribuições advindas do modelo psicológico
condutista ou behaviorista, que surge e se desenvolve nas primeiras décadas do
século XX. Para Ribes (1982, apud Río,1996, p.33),
o condutismo, diferentemente das teorias psicológicas formuladas como
um todo acabado, constitui uma filosofia da ciência psicológica e, como
toda filosofia da ciência genuína, não é mais do que a reflexão sobre o
próprio desenvolvimento teórico da disciplina. Esta filosofia concebe
o homem como um ser unitário, em contínua relação funcional com
seu meio e cujo comportamento encontra-se regido por leis naturais,
passíveis de serem abordadas a partir de uma metodologia científica.
Watson (1924, apud Río, 1996), com base nos princípios da reflexologia
russa de Pavlov, foi o fundador do movimento condutista ou behaviorista na
Psicologia, a qual definiu como a ciência do comportamento e este como sendo a
resposta do organismo a um estímulo presente no meio ambiente. O estímulo
constitui toda modificação do ambiente percebida pelo indivíduo e resposta à
modificação que ocorre no organismo como conseqüência do estímulo.
Para a Psicologia de Watson, o importante é a relação entre estímulos e
respostas, ou seja, fatos exteriores que possam ser empiricamente observados, e
não o que ocorre no interior do organismo, pois o que não pode ser visto e mensurado
não interessa aos psicólogos behavioristas (princípio da aprendizagem como caixa
preta). Ressaltamos, entretanto, que Watson não negou a existência de processos
mentais internos, ele apenas não os estudou por acreditar que esses estudos eram
de responsabilidade da Fisiologia.
O condutismo ou behaviorismo preocupa-se, portanto, em prever a res-
posta quando conhece o estímulo e identificar o estímulo quando conhece a res-
posta. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p.25), “o estudo do comportamento
deve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, das quais ele é
o resultado”.
A aprendizagem, tema fundamental para os behavioristas, é entendida como
um processo que, em suas unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando o
indivíduo, em virtude de determinadas experiências que incluem necessariamente
inter-relações com o contexto, produz respostas novas ou modifica as já existen-
tes. A aprendizagem está sintetizada em Estímulo-Resposta-Reforço, como mos-
tramos abaixo:
21
 Estímulo Resposta 
Reforço 
 Esquema 1 – Representação da aprendizagem por mecanismo condutista
Os elementos desse processo são o impulso, os estímulos ambientais, a
resposta e a recompensa. O impulso corresponde a estímulos internos muito for-
tes que levam o organismo a agir; na maioria das vezes, são associados à moti-
vação. Os estímulos ambientais dirigem a resposta, que é a reação do organismo
e deve ocorrer primeiro, para posteriormente ligar-se a um estímulo. A resposta
pode ser natural (ligada ao repertório inato do organismo) ou aprendida (resul-
tante da experiência). A recompensa ou reforço, por sua vez, corresponde à con-
seqüência da resposta.
Thorndike (1913, apud Talízina,1988, p.259), um dos teóricos desse mo-
vimento, preocupou-se com o estudo da aprendizagem em situação escolar e
sintetizou o controle exercido pela conseqüência da resposta ao elaborar a Lei
do Efeito, assim concebida:
Quando o processo de estabelecimento da relação entre a situação e a
reação recíproca é acompanhado ou substituído pelo estado de satisfa-
ção, a solidez da relação aumenta; quando esta relação é acompanhada
ou substituída pelo estado de insatisfação, sua solidez diminui.
O maior expoente da teoria condutista ou behaviorista foi Burrhus Frede-
ric Skinner (1904-1980). Ele é o mais influente representante do movimento
comportamentalista, e seus seguidores constituem o mais bem organizado grupo
de psicólogos nas áreas aplicadas. Apesar de suas proposições terem sido alvo de
inúmeras críticas (estas consideradas extremamente radicais), Skinner ainda é
atualmente um dos autores mais estudados em Psicologia. Ao contrário da maioria
dos psicólogos contemporâneos seus, explicitou as implicações políticas de sua
obra, chegando inclusive a descrever uma sociedade utópica onde o controle do
comportamento fosse utilizado para promover o bem-estar dos indivíduos. A teo-
ria behaviorista aplicada resultaria em “uma tecnologia para levar as pessoas a
fazerem o que queremos que elas façam” (Goulart,1987, p.55). A idéia básica aí
subentendida seria a de que o comportamento é modelado e mantido devido às suas
conseqüências e, por isso, cabe ao psicólogo, professor ou pai propiciar os estímulos
para que o indivíduo emita ou omita o comportamento desejado ou indesejado.
22
São dois os tipos de aprendizagem para Skinner: por condicionamento
clássico e por condicionamento operante.
A aprendizagem por condicionamento clássico abrange as reações inatas do
organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio. Envolve um tipo
de comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também
determinado, como mostra o exemplo a seguir:
E R 
Assim, se toda vez que houver sopro nos olhos soar uma campainha, pode
acontecer de o indivíduo piscar os olhos ao ouvir a campainha, mesmo na ausência
do sopro. Diz-se, então, que o indivíduo aprendeu a piscar ao ouvir a campainha.
Conclui-se, pois, que à medida que o sopro é associado a um determinado som,
essesom passa a ser um estímulo que também provocará uma resposta do orga-
nismo. Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas de estímulo con-
dicionado, porque ele, por si só, não provoca nenhuma reação, mas o faz quando
associado a outro estímulo.
Como nem todos os comportamentos aprendidos podem ser explicados por
meio do condicionamento clássico, foi necessária a formulação de novas explica-
ções para a formação dos comportamentos mais complexos. Isso foi o que fez
Skinner com a sua teoria do condicionamento operante, segundo a qual os indiví-
duos aprendem por meio das conseqüências de suas ações (Coutinho, 1995).
A aprendizagem por condicionamento operante acontece quando compor-
tamentos emitidos pelo organismo são seguidos por algum tipo de conseqüência.
Caso a conseqüência seja agradável, o comportamento tende a se repetir; se a con-
seqüência for desagradável, o comportamento possui menos probabilidade de se
repetir. Cabe ressaltar que, para Skinner, a grande maioria dos comportamentos
é aprendida por condicionamento operante. Como não é possível interferir na pri-
meira emissão de uma resposta operante, utiliza-se a manipulação da conseqüência
para modificar a probabilidade de sua ocorrência no futuro. Qualquer estímulo
pode ser considerado um reforçador, desde que contribua para a ocorrência do
comportamento desejado. A Figura 3 abaixo ilustra o condicionamento operante
ou instrumental de Skinner em animais.
Sopro nos olhos Piscar de olhos
23
Figura 3 – Caixa de Skinner
 Fonte: Ross ([1995?], p.79)
Tendo em vista estudar a programação do reforço no condicionamento ope-
rante, Skinner utilizava em suas pesquisas com ratos uma caixa em cujo interior
havia um dispositivo que, quando acionado, liberava água ou comida. Essas caixas,
com isolamento contra ruídos e controle rigoroso de temperatura e iluminação,
conhecidas como “caixas de Skinner”, serviam para programar de modos diferentes
a liberação de reforçadores e estudar como cada programação afetava o compor-
tamento do animal: qual era a mais eficiente para levar à aprendizagem de um
comportamento novo; qual era a mais adequada para manter esse comportamento
por mais tempo; qual representava a melhor forma de extinguir um dado com-
portamento, etc.
O procedimento adotado era o seguinte: inicialmente, toda vez que o rato
se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava-lhe, por meio de um
dispositivo, um pouco de água. Após determinado tempo, estando o rato próximo
à barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em
seguida, reforçava-se apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e,
depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se que o rato
tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água. Esse procedimento
ficou conhecido como “Modelagem do comportamento”. Conseguia-se modelar
o comportamento proporcionando reforçadores após a resposta que se desejava
obter do animal (Fontana; Cruz, 1997).
As idéias do condicionamento operante constituem o suporte psicológico do
Ensino Programado e da Programação Educativa que, de acordo com Skinner,
possuem os seguintes passos (Río, 1996):
24
· formulação de objetivos terminais, em termos operativos;
· análise e avaliação da situação inicial dos alunos, considerando os conhe-
cimentos prévios e relativos aos objetivos formulados;
· seqüência da matéria e análise das tarefas;
· avaliação do programa, dos processos de ensino e avaliação final dos alunos,
em termos de comparação com os objetivos propostos.
Desde as primeiras formulações teóricas sobre o condicionamento operan-
te e a Análise Experimental do Comportamento, a influência do condutismo ou
behaviorismo se fez sentir na prática pedagógica. Em se tratando do ensino de
Ciências, pode-se dizer que não fugiu à regra devido, tanto à formação recebida
por seus professores quanto à própria cultura da escola. A Figura 4 ilustra a orga-
nização típica de uma sala de aula tradicional de base condutista.
 
 Figura 4 – Organização da sala de aula tradicional de base condutista
2. Implicações didáticas do ensino tradicional de Ciências
O ensino de Ciências, como sucede com outras áreas, parte do princípio de
que o conhecimento científico é um saber absoluto, cópia da realidade, portanto
aprender Ciências significa adquirir esse conhecimento, reproduzindo-o da ma-
neira mais fiel possível (concepção empirista). E a via mais direta para isso é apre-
sentá-lo mediante uma exposição clara e rigorosa. Assim sendo, ainda privilegia a
transmissão de conhecimentos verbais, prevalece a lógica interna das disciplinas
sobre qualquer outro critério de organização dos conteúdos e ao aluno fica reser-
vado um papel meramente reprodutivo.
25
O professor explica Ciências aos alunos, que copiam e repetem. Para Pozo
e Crespo (1998), as classes magistrais baseiam-se em exposições do professor
diante de uma escuta mais ou menos interessada, que tenta tomar nota do que ele
diz e acompanhar os exercícios e demonstrações que servem para ilustrar e apoiar
as explicações. Portanto, toda dinâmica da aula é dirigida e controlada pelo pro-
fessor, que vai levando, passo a passo, o aluno em sua aprendizagem. De acordo
com Giordan e De Vecchi (1996, p.218), “apóia-se esse modo de fazer na idéia
comum de que para o professor ensinar um fato ou um princípio significa enun-
ciá-lo, e o aluno ser capaz de repeti-lo é conhecê-lo”.
O critério para organizar os conteúdos permanece o “conhecimento disci-
plinar”, entendido como o corpo de conhecimento aceito pela comunidade cientí-
fica. O calor, a energia ou a ionização ensina-se não pelo valor formativo para os
alunos mas porque são conteúdos essenciais da ciência, sem os quais esta não tem
sentido. Assim, quanto mais científico ou acadêmico, melhor o currículo. Além do
mais, os conhecimentos são apresentados como saberes acabados, estabelecidos,
proporcionando aos alunos uma cisão estática e absoluta do saber cientifico. Vale
salientar, em se tratando de teorias já superadas, essas não são ensinadas ou então
são apresentadas como saberes abandonados, que não são científicos, portanto,
não se faz necessário aprender. O conhecimento científico apresenta-se como pro-
duto e se desconhecem os processos de sua produção.
No ensino tradicional de Ciências, o trabalho experimental e as demonstra-
ções práticas têm como objetivo motivarem os alunos para os conhecimentos a
serem transmitidos pelo professor ou comprovar esses conhecimentos, no sentido
de mostrar na prática os conhecimentos teóricos.
 Figura 5 – No ensino tradicional de Ciências, as atividades experimentais
 têm como objetivo mostrar na prática os conhecimentos teóricos
26
Nesse tipo de ensino, a avaliação conduz o aluno a devolver ao professor o
conhecimento que dele recebeu da forma mais precisa possível, isto é, mais repro-
dutiva possível. Também são utilizados na avaliação exercícios repetitivos para
comprovar o grau que o aluno domina de uma rotina ou de um sistema de resolução
previamente explicado pelo professor. É uma avaliação seletiva e somativa que
trata de determinar quais alunos superam o grau mínimo exigido, o que tem a ver
com o grau em que são capazes de reproduzir o conhecimento científico tal como
o receberam. A seguir, uma representação do ensino tradicional que Giordan e
De Vecchi (1996, p.217) apresentam:
 Figura 6 – Representação do ensino tradicional
27
É importante mencionar que, segundo Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin
Del Pozo (1998), o enfoque tradicional representa uma concepção acientífica dos
processos de ensino-aprendizagem, segundo a qual, no melhor dos casos, basta
que o professor tenha uma boa preparação nos conteúdos das disciplinas e certas
qualidades humanas relativas à atividade de ensinar, para que o sistema funcione.
Quando o sistema fracassa, esse fracasso se deve ao professor, que não reúne os
requisitos mencionados,ou então os alunos são deficientes ou têm suas capaci-
dades intelectuais reduzidas. Nesse enfoque didático, o eixo fundamental sobre
o qual gravita a organização e o desenvolvimento das tarefas de classe é o eixo
temático dos conteúdos, daí a denominação, que às vezes recebe, de pedagogia
por conteúdos.
Conclusões
A escola que ainda se baseia nesses princípios oferece resistência à mudança,
mesmo quando as limitações do ensino tradicional já são bastante conhecidas e se
vêm colocando em prática experiências pedagógicas novas, que buscam suporte
teórico/metodológico em teorias de aprendizagem bem mais adequadas à prepa-
ração do homem para enfrentar as constantes transformações culturais, sociais,
políticas e econômicas pelas quais passam as sociedades no século XXI.
O ensino tradicional de base condutista ou behaviorista não assegura um
uso dinâmico e criativo dos conhecimentos fora da aula. Com freqüência, existe
uma distância entre as metas e os motivos do professor e as metas e os motivos dos
alunos, o que faz com que estes se sintam “desconectados” e desinteressados, ao
mesmo tempo em que o professor se sente mais frustrado. É comum os professores
dizerem que os alunos não os escutam, possivelmente porque cada vez menos os
alunos entendam o que aqueles estão pretendendo. Em se tratando da motivação,
não é só um problema de falta de disposição prévia por parte dos alunos, mas
principalmente o desinteresse em compartilhar metas e motivos de aprendizagem e
instrução na aula. Entretanto, abordar esse problema requer, dentre outros requisi-
tos, adotar concepções de ensino-aprendizagem que se centrem mais nos próprios
alunos (Pozo, 1998).
Referências
COUTINHO, M.T. da C. Psicologia da educação: um estudo dos processos psicológicos
de desenvolvimento e aprendizagem humanos voltados para a educação. Ênfase na
abordagem construtivista. Belo Horizonte: Lê, 1995.
FONTANA, R.; CRUZ, M. N. de. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual,
1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. As origens do saber: das concepções do aprendente
aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
28
GOULART, I.B. Psicologia da educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática
pedagógica. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987.
PORLÁN ARIZA, R.; RIVERO GARCIA, A.; MARTIN DEL POZO, R. Conocimiento
Profesional y Epistemología de los Profesores II: estudios empíricos y conclusiones.
Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v.16, n.2, p.271-288, 1998.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano
al conocimiento científico. Madrid: Ediciones Morata, 1998.
ROSS, O. H. Calidad educativa y enfoques constructivistas. Peru: San Marcos,
[1995?].
RÍO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL,
C. et al. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996, v.2, p.25-44. (Desen-
volvimento Psicológico e Educação).
TALIZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988.
29
A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS
Raimunda Porfírio Ribeiro
 e Isauro Beltrán Nuñez
Introdução
No ensino médio trabalha-se com uma série de conteúdos, como os de
Física, Química, Biologia, entre outros, com a preocupação de que os alunos
aprendam essas disciplinas. No entanto, nem sempre se ensina como desenvolver
uma atividade de estudo que permita a utilização de estratégias de aquisição e
apropriação dos conhecimentos científicos como um sistema de relações e seus
devidos níveis de aprofundamento. Ensinar, considerando os aspectos destaca-
dos, é necessário. Também, faz-se necessário repensar a educação nesse nível,
refletindo sobre a sua organização escolar, analisando como vem sendo trabalha-
do o conteúdo específico das diversas disciplinas e a possibilidade de utiliza-
ção de estratégias para reorientar a ação educativa e a formação de conceitos1
escolares de forma mais significativa.
A aprendizagem significativa tem como precursor David P. Ausubel, criador
de uma nova teoria da aprendizagem em resposta à aprendizagem memorística
mecânica e a aprendizagem por descobrimento. Esse tipo de aprendizagem (em
relação aos dois tipos destacados) apresenta uma contribuição relevante na com-
preensão e mudança do modo de ensinar e aprender no contexto escolar. Podemos
entender que é uma aprendizagem auto-regulada, que privilegia estratégias cogni-
tivas mediante componentes metacognitivos e motivacionais.
A metacognição relaciona-se com a gestão e evolução de níveis de conhe-
cimento, mediante o desenvolvimento de metas parciais de aprendizagem e aplica-
ção organizada das estratégias adequadas à resolução das dificuldades cognitivas
encontradas durante o processo de aquisição do conhecimento. A motivação vincula-
se diretamente aos interesses epistêmicos dos aprendizes referentes ao domínio do
conhecimento envolvido na atividade de estudo, no sentido de auto-eficácia e de
êxitos que se podem alcançar nesse tipo de trabalho, o que pode criar uma disposi-
ção para aprender.
1 Os conceitos são elementos importantes do pensamento lógico. Podem ser considerados
como uma categoria que representa uma classe de objetos, como expressão da generalização do
pensamento. Nos conceitos, expressam-se a experiência social e os conhecimentos sistematizados
pela cultura, como forma de reflexão do mundo.
30
David Ausubel, em sua Psychology of Megningful Verbal Learning e no
Educacional Psychology: a cognitive view apresentou uma coerente teoria cogni-
tiva da aprendizagem humana, especialmente em instituições escolares. Essa teoria,
uma década mais tarde, foi parcialmente modificada (Novak e Hanesian, 1983).
1. Aprendizagem significativa
A ação educativa pode ser melhorada a partir da construção de um novo
saber, saber fazer não só para aprender, mas para aprender a aprender. Nessa
perspectiva, a aprendizagem dá-se por significação. O mecanismo interno do pen-
samento vinculado à aprendizagem significativa é explicado pela teoria de assi-
milação de David P. Ausubel (1989) mediante a relação entre a estrutura cognitiva
do aprendiz e as novas informações com as quais estabelece relações não-arbitrá-
rias e substantivas. Ou seja: a construção de sentidos para a nova informação dá-
se a partir dos conhecimentos que os(as) alunos(as) já têm sobre o objeto de estudo,
como se ilustra no Esquema 1, a seguir.
A estrutura cognitiva contém as informações armazenadas pelos(as) alu-
nos(as), e apresenta uma determinada organização. Esse conteúdo informacional,
previamente assimilado, transforma-se em uma estrutura que permite a inclusão
de novos dados (a compreensão pelas relações que se estabelecem), mecanismo
necessário ao processo de aprendizagem significativa.
As informações conceituais incorporadas por uma estrutura cognitiva são
consideradas o ponto de partida da assimilação, uma vez que possibilitam intera-
ção entre o novo e o que já se conhece, isto é, o material novo integra-se àquilo
que o(a) aluno(a) já tem assimilado, resultando num processo interativo entre o
conhecimento já existente na mente e os dados novos. Essa inter-relação entre o
que já se sabe e as novas idéias transforma-se em um processo de associação de
informações e construção de sentidos para nova informação, denominada por
Ausubel (1989) de aprendizagem significativa.
A aprendizagem significativa pode ser por recepção, quando o aluno rece-
be as informações e consegue relacioná-las com suas estruturas cognitivas, criando
novos significados. Também pode ocorrer aprendizagem significativa por des-
coberta, quando o aluno por si só constrói conhecimento relacionando as novas
informações com aquelas já existentes em sua mente, como idéias prévias.
Em contrapartida, a teoria de Ausubel (1989) não nega a aprendizagem me-
cânica no contexto escolar, mas reconhece que esse tipo de aprendizagem diferen-
cia-se de sua proposta, visto que a primeiraconsidera muito pouca ou nenhuma
informação prévia da estrutura cognitiva, de modo a estabelecer relações. Assim,
na aprendizagem mecânica, a informação é armazenada de maneira arbitrária,
não relacionada à informação anterior.
31
A aprendizagem significativa, comparada à aprendizagem mecânica, demons-
tra maiores possibilidades de compreensão, visto que, em vez de assimilar conceitos
sem estabelecer relações entre eles, de forma arbitrária, tornando-se de difícil com-
preensão, encontra um ponto de inclusão na estrutura cognitiva, facilitando a ati-
vidade de assimilar e compreender o que se aprende no contexto escolar.
As principais diferenças entre os tipos de aprendizagens comparadas podem
ser conferidas no Quadro 1.
Esquema 01 – Mapa conceitual: processo de modificação da estrutura cognitiva
esclarece as relações entre
pressupõe uma
recebe o conhecimento de forma é
mediante
a construção de
relacionada com o
por meio deassimilados
por meio de um contínuo
transforma-se em
transforma-se em novos
 
 aprendizagem significativa 
significativa 
aprendizagem por 
recepção 
aprendizagem por 
descoberta 
estrutura cognitiva 
memorística 
 significados 
espontânea 
 
conhecimento 
anterior 
 
 
relações 
não-arbitrárias 
 
relações 
substantivas 
32
Quadro 1– Diferença entre a aprendizagem significativa e a aprendizagem por recepção mecânica
Ausubel (1989), na sua teoria de assimilação, acredita que conceitos prévios
precisam estar presentes na estrutura cognitiva para viabilizar a aprendizagem
significativa. Tais conceitos, denominados inclusores, são estruturas específicas
altamente organizadas e possuem uma hierarquia conceitual (que guarda simboli-
camente as experiências prévias dos(as) alunos(as), na qual uma nova informação
pode ser integrada. Caso isso não ocorra, se os conceitos são inteiramente novos
para quem está aprendendo, a aprendizagem memorística tem lugar nesse processo
de assimilação. Preocupado com esse tipo de aprendizagem, que geralmente ocorre
de maneira mecânica e isolada, o autor procura estabelecer um contínuo entre dois
extremos: memorização e significação. A memorização é a possibilidade da criação
de um vínculo com a nova informação, transformando-se em uma relação signi-
ficativa. Se, por exemplo, o(a) aluno(a) memoriza a fórmula da lei da gravitação
universal, sem estabelecer nenhuma relação significativa com ela, terá dificulda-
des para resolver problemas com essa equação pelo mecanismo de entendimento
e compreensão. No entanto, se for construída uma nova significação na aplicação
da fórmula, estabelecem-se relações com a nova informação.
A assimilação na aprendizagem significativa decorre de rela-
ções estabelecidas intencionalmente entre o material novo
potencialmente significativo e as idéias já existentes na estru-
tura cognitiva do(a) aluno(a). Essas idéias são os conheci-
mentos prévios utilizados como conceitos inclusores da nova
informação num processo de interação e ampliação desses
conceitos.
Aprendizagem
significativa
Aprendizagem
por recepção
mecânica
A assimilação na aprendizagem mecânica decorre da acu-
mulação de informações de forma arbitrária. O aluno recebe
o conhecimento e não relaciona com sua estrutura cognitiva.
Os conhecimentos são armazenados por meio de estímulo
resposta ou do resultado entre conduta e o reforço.
33
Quadro 2 – Aprendizagem por recepção significativa
Fonte: Peligrini, 1999, p.131-136; Gaspar, 2002, p.260-274
Esse tipo de informação pode ter um significado para os(as) alunos(as), se
os(as) professores(as) criarem situações de aprendizagem que possibilitem a
operacionalização com o material novo. Isto é, à medida que as informações são
assimiladas, estabelecem-se relações significativas para reestruturar os conheci-
mentos existentes na estrutura cognitiva, isto porque o processo significativo é um
processo continuado de inclusão
1.1. Tipos de conceitos
As orientações didáticas vinculadas à aprendizagem significativa de Ausubel
(1989) referem-se à aprendizagem de conceitos. O autor também dá atenção especial
à aprendizagem verbal, visto que nas palavras encontram-se generalizados os
 Fórmula da lei da gravitação universal
Considerações na busca de significados
Ensinar fórmulas aos(as) alunos(as) requer o estabelecimento de uma
relação significativa com elas. Quem aprendeu na escola essa fórmula,
enuncia logo a lei da gravitação universal. No entanto, é importante saber
o que significa para o aluno dizer: F é a força diretamente proporcional a
cada uma das massas? As explicações geralmente são assim formuladas:
para obter o valor da força F, deve-se multiplicar a constante G pelas duas
massas, M e m, que estão no numerador do lado direito da fórmula. E o
que significa dizer que a força é inversamente proporcional ao quadrado
da distância? Outra explicação é que a força F diminui do seguinte modo:
quando a distância d aumenta, temos de elevar a distância d ao quadrado,
no denominador, e, depois, divide-se o numerador pelo denominador.
Assim, se a distância entre dois corpos dados passar para o dobro, a
força entre eles passa a ser quatro vezes menor! E se passar para o triplo,
a força passa a ser nove vezes menor. Essas explicações dadas pelos(as)
professores(as) nem sempre são relacionadas com a estrutura cognitiva
dos alunos. Qual o significado dado pelos(as) aluno(as) ao opera-
cionalizarem com esses conceitos? Qual é o nível de entendimento e
compreensão quando resolvem tarefas ou problemas de lápis e papel?
Eles conseguem alcançar esse nível de abstração? Como?
F é a força diretamente proporcional
a cada uma das massas, G é uma
constante universal, M é a massa do
primeiro corpo, m é a massa do
segundo corpo e d é a distância entre
os centros dos dois corpos.
 
F = G x
M x m
 d2
34
significados socialmente construídos por um determinado grupo.
Quando se fala de conceitos é preciso saber qual o tipo referido, se são
aqueles com estrutura de classe logicamente definida, ou os que representam
um protótipo dos membros de uma classe. Essa segunda categoria apresenta as
características familiares da classe.
O primeiro tipo de conceito reflete o conjunto de propriedades necessá-
rias e suficientes, que permitem generalizar uma classe de objetos, pela fór-
mula apresentada [C = f (x,y,z...)]: “C” representa o conceito que é função “ f ”
do conjunto de propriedades necessárias e suficientes (x , y e z ). Um exemplo
desse tipo de conceito é o conceito de triângulos, figuras geométricas planas
fechadas, de três lados e três ângulos. Equivalendo a dizer que os triângulos são
polígonos de três lados e três ângulos, como no Quadro 3.
Triângulos = Polígonos de três lados e três ângulos
C = f (x,y, z).
X = polígono conjunto de propriedades
Y = três lados necessárias e suficientes
Z = três ângulos
 Quadro 3 – Conceito com estrutura de classe logicamente definida
O segundo tipo de conceito toma como base os aspectos comuns compar-
tilhados entre o protótipo e os exemplares analisados, ou seja, uma certa “seme-
lhança familiar”, um grau de probabilidade. No processo de aprendizagem, usa-se
o protótipo para buscar as semelhanças com outros membros da família. A
categorização é do tipo que não tem uma estrutura determinada pela lógica dos
atributos necessários e suficientes. No lugar de classes definidas, formula-se
a existência de um mecanismo de categorização de estímulos baseado em
protótipos.
Para Rosch, (1973 a; 1976, apud Pozo, 1998) os protótipos são, no ge-
ral, os casos mais claros de pertinência a uma determinada classe. São definidos
operacionalmente pelo juízo das pessoas em relação a sua inclusão nessa classe
(Pozo, 1998). O modelo é o protótipo construído pelo sujeito e a partir dele é
possível identificar a pertinência ou não de outros exemplares à classe. Os exem-
plos do Quadro 4 representam diferentes tartarugas no processo de elaboração
conceitual, possibilitando ao sujeito construir um“protótipo” que se constitui a
referência conceitual da classe.
 
35
Exemplo 1 Protótipo Exemplo 2
Exemplo 3 Exemplo 4 Exemplo 5
Quadro 4 – O protótipo e seus análogos na família do conceito de “tartaruga mordedora”
Fonte: Dutra (2004)
Na busca da semelhança entre os exemplares e uma tartaruga, que é assu-
mida como modelo, apresenta-se a base da formação do conceito da espécie. Nessa
perspectiva, a elaboração dá-se pela “semelhança familiar”. Dentre esses exemplos
procuram-se estabelecer relações intracategoriais entre o modelo e os exemplos,
apresentados. Aqueles que são mais representativos são considerados como bons
exemplos por apresentarem maior número de características perceptíveis. Os
maus exemplos são aqueles cujas características não são diretamente perceptíveis,
como sendo similar ao modelo. Para a identificação e classificação dos exempla-
res, faz-se a descrição do modelo, podendo ser destacadas as características físicas,
observando-se o tipo de alimentação, o movimento, entre outros atributos. Os exem-
plos que demonstram maior quantidade de características similares ao protótipo
apresentam a maior probabilidade de fazer parte do conceito.
 Na análise de formação de conceitos, no texto, assumimos a perspectiva
do conceito como uma construção da lógica na ótica dialética.
Ensinar, tomando como base o fundamento de estrutura de classe,2
corresponde a levar em consideração o conteúdo e a extensão do conceito,3 como
 
2 Estrutura de classe ou conteúdo é a estrutura do conceito definida por um conjunto de proprie-
dades necessárias e suficientes.
3 A extensão do conceito é a totalidade de objetos que pertencem ao dito conceito (a mesma
classe).
36
parte de um plano didático de orientação ao(à) aluno(a) para atribuir significado
ao novo conhecimento. No entanto, se o trabalho funda-se no modelo sem classe
definida por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, a lógica da
orientação da aprendizagem conceitual, dá-se pelo maior número de caracterís-
ticas semelhantes para estabelecer relações entre o protótipo apresentado e os
exemplares do conceito (Pozo, 1998).
Seguindo uma lógica ou outra, o diagnóstico do que sabe o(a) aluno(a)
(nesse caso, o domínio do conceito inclusor, a partir do qual se atribui novo sentido
à nova informação) é a base para criar situações de aprendizagem, de modo que
possibilitem uma determinada elaboração do conhecimento, mediante relações
substanciais entre o novo e o conhecimento prévio de quem aprende. O processo
de interação, em que o material novo encontra significado mediante um conceito
já assimilado (tipo de conceito definido por classe), ou mediante a estrutura corre-
lacional, que permite estabelecer maior nível de semelhança objetiva (tipo de con-
ceito definido por semelhança familiar) pode ser susceptível às novas construções.
1.2. Tipos de aprendizagens
Aprender significativamente é estabelecer relações entre os conceitos que
o(a) aluno(a) dispõe na sua estrutura cognitiva e as novas informações; isso requer
uma atitude favorável à construção do conhecimento, vinculada à disposição
psicológica para relacionar as informações novas aos conhecimentos prévios.
Essa forma ativa e pessoal de aprender os conteúdos pressupõe três condições
básicas, representadas no Quadro 5.
Ausubel (1978 apud Antória, 1994) reflete sobre três tipos de aprendiza-
gem significativa:
– a aprendizagem de representações – refere-se basicamente a uma asso-
ciação simbólica em nível primário. Nesse sentido, vão se atribuindo significados
a símbolos, como por exemplo: valores sonoros vocais e caracteres lingüísticos;
– a aprendizagem de conceitos – esta é uma extensão da representação, mas
os alunos vão se conscientizando das propriedades necessárias e suficientes ou dos
traços comuns entre o protótipo e os exemplares do novo conceito. Esse nível é mais
abrangente e mais abstrato. Como, por exemplo, o significado que é atribuído aos
mamíferos como uma categoria conceitual, a partir de animais (conceito inclusor);
– a aprendizagem de proposições – aquela que promove a compreensão de
uma proposição,4 por meio da relação entre dois ou vários conceitos numa uni-
dade semântica.5
4 Proposição é entendida por nós como uma sentença formada por conceitos e palavras de en-
laces, que ajudam a estabelecer relações entre os conceitos.
5 Unidade semântica é uma unidade de sentido, formada pela proposição.
37
1.3. Mecanismos de aprendizagem significativa
A aprendizagem significativa, segundo a teoria de assimilação de Ausubel
(1989), toma como referência dois mecanismos básicos: a diferenciação progres-
siva e a reconciliação integradora.
A diferenciação progressiva é um tipo de mecanismo de diferenciação de
conceitos (Ausubel, 1989), que se fundamenta no princípio da relação de inclusão,
estabelecida entre o conceito mais geral (inclusor), já assimilado por quem aprende,
e os conceitos mais específicos, que progressivamente vão sendo incluídos como
extensão do conhecimento mais geral. Nesse mecanismo, os conceitos inclusores são
ampliados, o aprendizado ocorre em um movimento do geral ao particular, num
processo hierarquizado. Para exemplificar a elaboração dessa relação com o conceito
de mamíferos e outros conceitos subordinados, destaca-se o Esquema 2 a seguir.
1) O conhecimento
novo deve ser
potencialmente
significativo.
2) A estrutura
cognitiva prévia
deve comportar
a existência de
inclusores prévios.
O(a) aluno(a) deve apresentar uma disposição para esta-
belecer relações e não memorizações mecânicas (Ausubel,
1982). Isto é, no processo de aprendizagem, com os conteú-
dos específicos das disciplinas do currículo escolar. Nesse
sentido, as idéias prévias dos alunos devem ser considera-
das como propriedades de organização imediata. A motiva-
ção e a orientação da atividade possibilita a assimilação
de novos significados.
Encontrar na estrutura cognitiva possibilidade de inclusão
para estabelecer uma relação lógica ou substancial (aspecto
relevante da estrutura cognitiva como: imagem, conceito
ou proposição) com as idéias prévias já existentes na mente
daquele que aprende (Antória, 1994).
3) Predisposição,
uma atitude ativa a
respeito do conteúdo
da aprendizagem.
Os conceitos já assimilados de forma sistematizada são os in-
clusores. À medida que se vão tornando potencialmente inclu-
sores, aumentam a capacidade cognitiva, porque incorporam
a nova informação e ampliam as idéias já existentes na men-
te (Antória, 1994; Galagovysky, 1993; Galagovysky, 2002).
Quadro 5 – Condições básicas para assimilação significativa
38
Esquema 2 – Relação conceitual como resultado do mecanismo de diferenciação progressiva
 À medida que o conceito é assimilado na aprendizagem significativa, os
conceitos inclusores expressam-se pela diferenciação progressiva. No mecanismo de
diferenciação progressiva, as gradações progressivas de inclusividade são explicadas
pelas relações de diferenciação entre os objetos de uma mesma classe, para formação
de subclasses. As diferenciações progressivas possibilitam a organização de conceitos
subordinados, permitindo as hierarquias conceituais, (Antória, 1994). Desse modo,
as idéias gerais podem incorporar as menos gerais expressas por meio das novas
informações (novas propriedades necessárias e suficientes, que delimitem o novo
conceito). A nova propriedade vai sendo incorporada ao conceito geral, possibilitando
 
 mamíferos 
carnívoros herbívoros 
canídeos felídeos 
raposas 
orelhuda comum vermelha 
Inclui-se a nova 
propriedade da 
ordem (come carne 
de outros animais). 
 
Incluem-se as novas 
propriedades da família 
(dentes caninos 
pontiagudos; dentição 
para regime carnívoro 
e adaptação ao regime 
onívoro). 
Incluem-se as novas propriedades do gênero 
(focinho esguio, caça a sua presa e mata para 
comer no próprio dia e esconde o resto para 
consumir em outro momento, é considerada 
esperta pela suaagilidade). 
Incluem-se as novas 
propriedades relativas à 
espécie (cada espécie 
apresenta propriedades que a 
distinguem uma da outra). 
Existe na mente de 
quem aprende a idéia 
geral da classe 
(animais vertebrados 
que possuem 
glândulas mamárias e 
sangue quente). 
onívoros 
podem ser
incluem
encontram-se as
das espécies
39
a elaboração de um novo conceito mais particular e derivado do primeiro, permitindo
estabelecer as relações hierárquicas entre os conceitos de maior e menor inclusão.
Na reconciliação integradora, quando dois ou mais conceitos relacionam
os seus significados de uma forma significativa, tem lugar a reconciliação integra-
dora. Esse mecanismo dá-se por níveis de integração, reconciliadora, visto que no
processo de aprendizagem nem sempre é possível seguir a linearidade (dos conceitos
inclusores aos conceitos inclusivos); é preciso estabelecer relações entre os conceitos
específicos assimilados pelos alunos e ir integrando novas informações que permitem
a ampliação e evolução desses conceitos em níveis de formulação mais geral. Apren-
der mediante esse mecanismo significa que durante o processo se encontra problema
ou dissonância entre a nova informação e o conceito inclusor, mas é percebido pelo
aprendiz que os conceitos que aparentemente estão em contradição, e não têm ne-
nhuma ligação, estão na realidade ligados. A aprendizagem do novo conceito (mais
geral) produz-se pela integração das características (propriedades) dos conceitos
mais particulares em um movimento ascendente.
Nesse sentido, a apresentação do material ao aluno deve ser feita de maneira
que haja exploração de relações entre as idéias, destacando semelhanças e diferenças
entre os conceitos relacionados, para integração em uma nova reformulação con-
ceitual. Como no exemplo do Esquema 3 , o conceito de mamífero é assimilado a
partir do conceito de raposa “comum”, ou “vermelha”, ou “orelhuda”.
.
Esquema 3 – Construção de conceito pelo mecanismo de reconciliação integradora
 mamíferos 
carnívoros herbívoros 
 canídeos felídeos 
 raposas 
 orelhuda comum vermelha 
40
No mecanismo de reconciliação integradora, tem-se como ponto de partida
os conceitos particulares (que o aluno conhece), tais como raposa vermelha. Assim,
estabelecem-se novas relações entre aquilo que se conhecia de maneira particular
e algo mais geral, pelo mecanismo ascendente.
Os dois mecanismos discutidos são necessários à aprendizagem significa-
tiva dos(as) alunos(as). O aprendiz integra e diferencia conceitos nos processos de
atribuir novos significados aos conceitos que se aprende.
Na aprendizagem por assimilação significativa, é importante que o(a)
aluno(a) assimile o significado não como um pacote de informação a ser guardado
na memória e utilizado quando necessário, mas de forma significativa, de modo
que o incorpore em sua estrutura cognitiva de caráter relacional, pressupondo
uma atitude mais criativa. Nesse tipo de assimilação, é necessário que o aprendiz
esteja interessado e disposto, mas isso não é suficiente; é preciso ter na sua estru-
tura significados prévios ou seja, os conceitos inclusores que permitem construir
novos significados com sucesso.
2. Considerações finais
A aprendizagem significativa de Ausubel (1989), vinculada às teorias cog-
nitivas, desempenha um papel predominante no desenvolvimento de estratégias
de aprendizagem do conhecimento. Esse tipo de aprendizagem limita-se a explicar
a organização do conhecimento na memória, relacionada aos esquemas concei-
tuais, com base, tanto nas semelhanças familiares como na hierarquia dos concei-
tos. Desse modo, apresenta uma limitação: centra sua atenção na aprendizagem
de conceitos (por reconciliação e diferenciação progressiva) em detrimento do con-
teúdo procedimental.
As investigações sobre as idéias prévias têm revelado que os conhecimen-
tos dos alunos(as), relacionados com os conhecimentos científicos, geralmente
apresentam-se problemáticos, nem sempre são potencialmente significativos,
como recomenda Ausubel (1989). Alguns pesquisadores, como Campanario e
Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) detectaram que os aprendizes
às vezes apresentam idéias errôneas, que, em vez de facilitar o processo de assi-
milação, têm interferido negativamente na aprendizagem escolar.
Outra polêmica instala-se sobre a disposição para a aprendizagem signi-
ficativa, postulada por Ausubel (1989). Os estudos de Shuell (1990) já apontavam
a pouca disposição dos alunos(as) para a aprendizagem significativa. Do mesmo
modo, o estudo das idéias prévias, realizado por Campanario (1993 b); Campanario
e Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) alertam para essa condição
dos conceitos inclusores. As suas pesquisas apresentam resultados com estudantes
que processam superficialmente os conteúdos científicos, a ponto de não detectar
inconsistência em textos curtos.
Nesse caso, apontado pela pesquisa, quando os pesquisadores revelam que
41
nem sempre os conceitos inclusores possibilitam aprendizagem significativa, é
importante outra reflexão sobre os níveis de formulações conceituais dos alunos,
os quais nem sempre estão coerentes com os conteúdos ministrados no contexto
escolar; muitas vezes, essa inconsistência ocorre devido ao nível de entendimento
e compreensão daqueles que chegam em níveis escolares mais avançados, sem a
construção do conhecimento necessário, a operacionalização de novos significados
vinculados ao nível de exigência do ensino médio ou de outro nível escolar.
Apesar das reflexões dos pesquisadores da Didática das Ciências quanto
aos aspectos que limitam a aprendizagem significativa, reconhece-se a teoria de
Ausubel (1989) como uma contribuição para a aprendizagem construtivista, visto
que o aprendizado ocorre com base em uma atividade ativa dos significados.
Na tentativa de superação da superficialidade e construção de uma apren-
dizagem significativa, teóricos da Didática das Ciências fazem algumas suges-
tões, como: a) relacionar sempre a nova informação com os conhecimentos pré-
vios do(as) alunos(as); b) favorecer as reconciliações integradoras e as diferen-
ciações progressivas; utilizar recursos como os mapas conceituais, entre outros;
utilizar provas de evolução, que exigem estratégias da aprendizagem significativa,
como aplicação de conhecimentos; e c) utilizar leis e princípios científicos mais
do que como simples reprodução memorística.
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43
A APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DE JEAN PIAGET
Tereza Cristina Leandro de Faria
 e Isauro Beltrán Nuñez
Introdução
Jean Piaget, biólogo e psicólogo, interessou-se pela filosofia e pela teoria do
conhecimento: o que é conhecimento? o que conhecemos? como evoluem nossos
conhecimentos? Nessa busca, sintetizou uma teoria interacionista e construtivista
do desenvolvimento da inteligência: os conhecimentos não são resultantes de
condições inatas ou da experiência com os objetos, mas construções sucessivas,
com constantes elaborações de novas estruturas.
Para Gomez e Sanmartí (1996), as idéias de Piaget postulam a existência de
estruturas cognitivas comuns aos membros da espécie humana e a idéia de que o
desenvolvimento se produz segundo leis naturais que possibilitam superar etapas
fixas, cada uma delas com suas estruturas cognitivas características, correspondendo
a idades determinadas: a etapa sensório-motora, a da inteligência representativa
(pré-operatória e das operações concretas) e a etapa das operações formais. Essa
classificação, para os autores, introduz determinações que não explicam aprendi-
zagens não naturais, como as da disciplina Ciências.
1. Assimilação, acomodação e equilibração:
conceitos-chave da teoria
A teoria de Piaget (1977) é dinâmica e procura explicar como se gera o
conhecimento e se constrói a inteligência, como forma de adaptação do indivíduo
ao meio em que vive. A adaptação produz-se por dois mecanismos: a assimilação
e a acomodação, mediada pela equilibração dos esquemas cognitivos. A aprendi-
zagem, nessa perspectiva, está relacionada a quatro fatores comportamentais: a
maturação, a transmissão social, a experiência e a equilibração das estruturas
cognitivas esquematizados a seguir.
44
Figura 1 – Fatores comportamentais relacionados à aprendizagem
Assim, a Teoria da equlilibração da escola piagetiana baseia-se em princí-
pios tais como:
· a aprendizagem é um processo de construção interna, ativa do sujeito;
· a aprendizagem é um processo de reorganização cognitiva, um processo de
auto-regulação;
· os conflitos cognitivos, bem como sua tomada de consciência, desempe-
nham um papel importante;
· a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento e das estruturas
cognitivas;
· as relações sociais (com colegas e adultos) são importantes para o desen-
volvimento, como geradoras de contradições e conflitos cognitivos.
As estruturas são sistemas mentais cognitivos com leis de transformação
que se aplicam ao sistema como um todo, não apenas aos seus elementos. São
caracterizadas por três propriedades: totalidade, transformação (relações entre
partes, como uma se torna outra) e auto-regulação (as estruturas buscam a
automanutenção, organização e fechamento). A formação de esquemas e/ou
estruturas cognitivas é resultante dos processos de assimilação, acomodação e
equilibração, como está representado na Figura 2.
 
Equilibração 
das estruturas 
cognitivas 
 
Experiências 
 
Transmissão 
social 
 
Maturação 
 
45
Figura 2 – Representação do equilíbrio da estrutura cognitiva
Piaget (apud Pozo, 1998) distingue dois tipos de aprendizagem: no sentido
estrito, a aquisição de informação específica sobre o meio; e, no sentido amplo, o
progresso das estruturas cognitivas segundo processos de equilibração. É impor-
tante ressaltar que, para Piaget, se produz aprendizagem quando ocorre um dese-
quilíbrio ou conflito cognitivo. O conflito cognitivo é um estado psicológico que
contradiz a experiência (as estruturas cognitivas), ou seja, entra em contradição
com as idéias que o aluno tem sobre o objeto ou fenômeno. A situação de apren-
dizagem promove uma contradição quando as idéias de que o indivíduo dispõe
para explicar um fato mostram-se insuficientes para explicar um novo fato, que
aparentemente era explicável por essas mesmas idéias. As idéias, diante do novo
fato, não só são insuficientes como também são contraditórias.
Figura 3 – O conflito cognitivo é um estado psicológico que contradiz as idéias que o aluno tem
sobre o objeto ou fenômeno
O que está em equilíbrio e pode entrar em conflito são as estruturas cogni-
tivas. O conflito põe em ação os processos complementares de assimilação e aco-
modação. “A assimilação é a incorporação de um elemento exterior (objeto, acon-
tecimento, etc.) num esquema sensório-motor ou conceitual do sujeito” (Piaget,
 Assimilação Acomodação 
 Equilibração Esquema / Estrutura 
cognitiva 
46
1977, p.16). Dito de outra forma, é o processo por meio do qual o sujeito interpreta
a informação que vem do meio, em função de conhecimentos anteriores disponí-
veis na estrutura cognitiva.
“A acomodação é a necessidade em que a assimilação se encontra de
considerar as particularidades próprias dos elementos a assimilar” (Piaget, 1977,
p.17). Para considerar as particularidades dos elementos, a estrutura cognitiva se
modifica, dando origem à acomodação. Conforme Pozo (1998, p.180), “a acomo-
dação pressupõe não somente uma modificação dos esquemas prévios em função
da informação assimilada, mas também uma nova assimilação, ou reinterpretação
dos dados ou conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas construí-
dos”. Portanto, a acomodação é um processo reflexivo, integrador, que muda a es-
trutura cognitiva anterior para que funcione em relação a um novo equilíbrio. Os
dois processos constituem a adaptação do indivíduo que atua e reage para compensar
as perturbações geradas em seu equilíbrio interno pela estimulação do ambiente;
logo,“a adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é o equilíbrio progressivo
entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar” (Azenha, 1994,
apud Fontana,1997, p.46).
A equilibração consiste em um processo auto-regulado, uma propriedade
intrínseca e constitutiva da vida mental, que garante o equilíbrio (adaptação) em
relação ao meio. É o mecanismo que o indivíduo ativa para restabelecer um novo
estado de equilíbrio, face às situações desestabilizadoras de conflito cognitivo,
portanto, é o motor do desenvolvimento, como mostra a Figura 4.
Equilíbrio 
cognitivo 1 Desequilibração 
Equilíbrio 
cognitivo 2 
Esquemas 
prévios 
Conflito 
cognitivo 
Mediador Nova informação 
Redefinição dos 
esquemas prévios 
Novos 
conhecimentos 
Solução do 
conflito cognitivo 
Contradição 
Figura 4 – Dinâmica da construção do conhecimento por conflito cognitivo
contradição
 
47
Quando uma nova informação entra em conflito com as idéias do aluno
(na sua estrutura cognitiva 1) produz-se o desequilíbrio dessa estrutura cognitiva.
Os processos de assimilação e acomodação durante a solução do conflito podem
levar à construção de uma nova estrutura e, conseqüentemente, a um novo equilí-
brio. Esse processo de construir novas estruturas cognitivas e novas representa-
ções sobre o objeto de estudo é um “processo construtivista”.
A partir da tomada de consciência e da solução dos conflitos, os sistemas
se reequilibram dando origem a estruturas cognitivas que envolvem novas repre-
sentações sobre o objeto de estudo. A superação dos conflitos tem lugar pela ativi-
dade de processos tais como: a abstração reflexionante, as generalizações, a to-
mada de consciência e a tematização, a necessidade operacional, etc. É impor-
tante destacar que a teoria piagetiana enfoca a neutralização de perturbações
dos estados de equilíbrio do sistema de conhecimento.
A abstração reflexionante pode ser assim explicada: no processo de re-
equilibração das estruturas cognitivas, podem ser produzidas novas possibilidades
(de ação ou expressão), que, exploradas, levam à construção de correspondências
e/ou padrões, como conseqüência da tendência auto-organizadora dos indivíduos.
A reflexão subseqüente sobre a correspondência pode levar a mudanças estrutu-
rais das estruturas cognitivas originais ou, como explica Fosnot (1998, p.33-34),
levar a “uma acomodação que transforma a estrutura cognitiva original e explica
por que o padrão ocorre, capacitando deste modo a sua generalização para além
da experiência específica na qual se insere inicialmente”.
O desenvolvimento do conhecimento é a construção de estruturas intelec-
tuais ordenadas que regulam as trocas do sujeito com o meio. Esse processo obedece
ao princípio de equilibração majorante. A nova estrutura cognitiva possibilita um
maior intercâmbio entre sujeito e meio e novas aprendizagens.
O desenvolvimento cognitivo constitui um processo de construção de estru-
turas lógicas em ordem ascendente de complexidade. As estruturas lógicas (ou
estruturas cognitivas) são recursos da inteligência para lidar com a realidade e
compreendê-la. No decorrer de sua obra, Piaget elaborou vários modelos do fun-
cionamento desse processo de equilibração; no último, sustenta que o equilíbrio
entre assimilação e acomodação rompe-se em três níveis de complexidade crescente,
explanados em Pozo (1998).
No primeiro nível, os esquemas que o sujeito possui devem estar em equilí-
brio com os esquemas que assimila. Assim, quando a conduta de um objeto – por
exemplo, um objeto pesado que flutua – não se ajusta às predições do sujeito, pro-
duz-se um desequilíbrio entre seus esquemas de conhecimento, uma vez que é o
peso absoluto o que determina a flutuação dos corpos e os fatos que assimila.
No segundo nível, deve existir um equilíbrio entre os diversos esquemas
do sujeito, que se devem assimilar e acomodar reciprocamente; caso contrário,
produz-se um conflito cognitivo ou desequilíbrio entre os dois esquemas. Assim
acontece, por exemplo, com os sujeitos que pensam que a força da gravidade é a
48
mesma para todos os corpos; no entanto, os objetos mais pesados caem mais
rapidamente.
Por último, o nível superior de equilíbrio consiste na integração hierárquica
de esquemas previamente diferenciados. Assim, por exemplo, quando o sujeito
adquire o conceito de força, deve relacioná-lo a outros conceitos que já possui
(massa, movimento, energia), integrando-o em uma nova estrutura de conceitos.
Nesse caso, a acomodação de um esquema produz mudanças no restante dos
esquemas assimiladores. Se isso não ocorresse, produzir-se-iam contínuos dese-
quilíbrios ou conflitos entre esses esquemas.
Nos três casos, os desequilíbrios deixaram evidente a insuficiência dos
esquemas assimiladores, o que faz ser necessário acomodar esses esquemas com
vistas à recuperação do equilíbrio rompido.
Os alunos podem ter diferentes comportamentos face a uma situação de
conflito cognitivo. De acordo com Piaget (1977), as respostas aos desequilíbrios ou
perturbações podem ser: não-adaptativas, que acontecem quando o indivíduo não
toma consciência do conflito existente, isto é, não leva a perturbação a um estágio
de contradição e, assim sendo, não faz nada para modificar seus esquemas; e adap-
tativas, quando o indivíduo toma consciência do conflito e tenta resolvê-lo. As res-
postas adaptativas podem ser de três tipos, conforme mostramos na Figura 5.
Figura 5 – Respostas aos conflitos cognitivos
Vale salientar que a tomada de consciência do conflito cognitivo pode ser
empírica, tomada de consciência das propriedades do objeto (abstração empírica),
ou reflexiva, tomada de consciência das próprias ações ou dos conhecimentos apli-
cados aos objetos (abstração reflexionante).
Nova
informação
Produz 
conflito 
cognitivo
Resposta 
adaptativa
(regulação da 
perturbação)
Não produz conflito 
cognitivo
Produz 
conflito 
cognitivo
Resposta 
adaptativa
(regulação da 
perturbação)
Não produz conflito 
cognitivo
NÃO ACEITAÇÃO
Perturbação leve. Corrige-se
sem modificar o sistema. Se 
a perturbação é forte,
ignora-se ou não é
considerada 
INTEGRAÇÃO
A perturbação é
integrada ao 
sistema de
conhecimentos 
como uma variação
MODIFICAÇÃO DAS 
ESTRUTURAS
Transformação do sistema:
reestruturação
amplificação; não-
reestruturação
ACOMODAÇÃO
Qualquer modificação de um
esquema assimilador ou de
uma estrutura
NÃO ACEITAÇÃO
Perturbação leve. Corrige-se
sem modificar o sistema. Se 
a perturbação é forte,
ignora-se ou não é
considerada 
INTEGRAÇÃO
A perturbação é
integrada ao 
sistema de
conhecimentos 
como uma variação
MODIFICAÇÃO DAS 
ESTRUTURAS
Transformação do sistema:
reestruturação
amplificação; não-
reestruturação
ACOMODAÇÃO
Qualquer modificação de um
esquema assimilador ou de
uma estrutura
49
Uma das implicações dos princípios piagetianos de grande importância
para o ensino de Ciências consiste no fato de que ensinar significa provocar o
desequilíbrio no organismo (mente) do sujeito aprendente para que ele, procuran-
do o reequilíbrio (equilibração majorante), se reestruture cognitivamente e apren-
da. O mecanismo de aprender do indivíduo é sua capacidade de reestruturar-se
mentalmente buscando um novo equilíbrio (novos esquemas de assimilação para
adaptar-se à nova situação). Portanto, o ensino deve ativar esse mecanismo.
Conclusões
A teoria da equilibração de Piaget possui algumas limitações que preci-
sam ser mencionadas. A primeira delas diz respeito à permanência de concepções
alternativas depois de estas terem sido submetidas, de modo sistemático, a con-
flitos cognitivos. Existem várias causas possíveis para essa relativa inércia nas
mudanças, uma das quais pode ser a interpretação equivocada, feita pelos pro-
fessores, dos pressupostos construtivistas do modelo. A outra refere-se à natureza
das próprias idéias, resistentes às mudanças. O construtivismo tem sido entendido
e praticado pelos professores, de maneira geral, como um ensino a partir das idéias
prévias dos alunos sem que seja necessário modificaras metas na organização do
currículo nem a forma de avaliar. As idéias prévias são levantadas, porém pouco
utilizadas no decorrer da aula, que continua centrada na explicação do professor e
na conseqüente avaliação do que foi transmitido. Outra limitação diz respeito ao
princípio da eliminação ou erradicação das concepções alternativas pelo conheci-
mento científico. No entanto, a eliminação do conhecimento intuitivo possivelmente
não só é difícil, mas às vezes é impossível e inconveniente em numerosos domí-
nios. O conhecimento intuitivo tem uma lógica cognitiva que se faz insubstituível;
portanto, em vez de se tentar substituí-lo, em muitos casos, será necessário inte-
grá-lo hierarquicamente nas teorias científicas.
A teoria de Piaget introduz a polêmica do paradoxo da aprendizagem: se a
aprendizagem se produz por reestruturação, deve-se supor que o que se aprende já
estava presente na estrutura cognitiva antes da aprendizagem; conseqüentemente,
não há aprendizagem.
Para Castorina (1998), o paradoxo apresenta-se com clareza quando se quer
aprender um conceito “primitivo”, que não se pode representar a partir de outro
conceito, pois é impossível formular uma hipótese a seu respeito sem o próprio
conceito permitir.
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51
O ENFOQUE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL
DA APRENDIZAGEM: OS APORTES DE L. S. VYGOTSKY,
A. N. LEONTIEV E P. YA GALPERIN
Isauro Beltrán Nuñez
e Tereza Cristina Leandro de Faria
Introdução
Embora tenha falecido há mais de 50 anos, Lev S. Vygotsky deixou um
número considerável de trabalhos que se tornam mais modernos à medida que o
tempo passa. Sua teoria ofereceu respostas a questões que pareciam insolúveis
para a Psicologia de sua época e atualmente pode proporcionar aos professores
referências para que possam pensar a “educação”. Por educação, Vygotsky enten-
dia não apenas o desenvolvimento do potencial do indivíduo, mas sobretudo a
expressão histórica e o crescimento da cultura humana a partir da qual o “homem”
emerge (Moll, 1996). Devido à sua prematura morte, antigos e fiéis colaborado-
res deram continuidade ao seu programa de pesquisa, dentre eles sobressaindo-
se Alexei N. Leontiev, que elaborou uma teoria da Atividade e Piotr Ya Galperin,
com a Teoria da Assimilação de Ações Mentais por etapas (Pacheco, 1991).
O espaço limitado do capítulo de um livro não permite uma ampla explanação
dessas idéias, portanto privilegiaremos as que podem contribuir para os professores
planejarem aulas que proporcionem ao aluno uma aprendizagem mais adequada
às demandas educativas do século XXI.
1. Aprendizagem segundo Vygotsky
A obra de Vygotsky apresenta valiosa contribuição para a educação, na
medida em que traz importantes reflexões a respeito do processo de formação das
funções psicológicas superiores e, como conseqüência, aponta diretrizes sobre a
aprendizagem, os mecanismos desse processo, a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento, pensamento e linguagem e entre os componentes cognitivos e
afetivos.
Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social,
uma atividade de construção e reconstrução da cultura, mediante a qual o indiví-
duo assimila os modos sociais de atividade, e, quando na escola, os conhecimen-
tos científicos, sob condições de orientação, mediação, interação social e cultural.
Nas relações sociais, mediadas pela história, produz-se a cultura, objeto de conhe-
cimento e ponto de partida para sua construção.
52
Figura 1 – Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social
Vygotsky (1998a) deu expressiva atenção às relações existentes entre de-
senvolvimento e aprendizagem. Para ele, desde o nascimento da criança, desen-
volvimento e aprendizagem se relacionam, constituindo-se a aprendizagem um
aspecto necessário do processo de desenvolvimento das funções psicológicas tipi-
camente humanas. O desenvolvimento está condicionado em parte pelo processo
de maturação biológica, entretanto é a aprendizagem que suscita o despertar de
processos internos de desenvolvimento, os quais não ocorreriam, se não fosse o
contato do indivíduo com um determinado ambiente cultural – como, por exem-
plo, a escola – e sob determinadas condições. Assim, entre aprendizagem e
desenvolvimento existem relações recíprocas de natureza dialética.
A concepção de que a aprendizagem suscita o despertar de processos in-
ternos liga o desenvolvimento do indivíduo à sua relação com o ambiente so-
ciocultural em que vive e, ao mesmo tempo, à condição de um organismo que
não se desenvolve plenamente sem a ajuda de outros indivíduos de sua espécie.
A importância atribuída ao papel do outro social no desenvolvimento do indiví-
duo fica evidente no conceito de zona de desenvolvimento proximal.
2. Zona de desenvolvimento proximal
Vygotsky (1998a, p.112) define a zona de desenvolvimento proximal como
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de pro-
blemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com com-
panheiros mais capazes.
O nível de desenvolvimento real de um indivíduo define funções mentais
que já amadureceram, que são os produtos finais do desenvolvimento. A zona de
desenvolvimento proximal define funções que ainda não amadureceram, que estão
53
em processo de maturação, considerada não em termos biológicos, mas sim como
modos de atividades internalizadas. A noção de zona de desenvolvimento proxi-
mal permite propor uma nova fórmula para a aprendizagem. Considerando que
“o bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento, cabe
aos professores esforçarem-se em ajudar os alunos a expressarem o que por si
sós não sabem fazer, mas podem, em interação com o outro, aproximar-se do
desenvolvimento potencial. O esquema seguinte representa a estrutura da zona
de desenvolvimento proximal.
Esquema 1 – Representação da zona de desenvolvimento proximal
Vygotsky (1998b) faz uma distinção entre os conhecimentos construídos
na experiência pessoal e cotidiana dos indivíduos, que ele chama de conceitos
espontâneos, e aqueles elaborados na sala de aula por meio do ensino sistemático,
que ele chama de conceitos científicos (conceitos escolares). Apesar de diferentes,
os dois tipos de conceitos se relacionam e se influenciam mutuamente, pois são
partes de um único processo, o do desenvolvimento de formação de conceitos. O
desenvolvimento de conceitos científicos ocorre a partir de conceitos espontâneos
internalizados pelo aluno; daí a importância atribuída às idéias prévias na formação
de conceitos científicos. Vygotsky, ao diferenciar a aprendizagem natural da apren-
dizagem escolar, atribui à escola um papel fundamental na formação de conceitos.
O processo de formação de um conceito científico é longo, complexo e nunca
alcançadopor meio de uma aprendizagem receptiva e memorística, mas sim por
meio de uma “atividade” produtiva, mediada e social do aluno. A atividade hu-
mana caracteriza-se por modificar, transformar o objeto (a natureza, o pensamento,
etc.), portanto vai além de uma passiva adaptação ao meio. É a atividade o motor
principal do desenvolvimento humano. De acordo com Leontiev (apud Nuñez;
Pacheco, 1997, p.38),
 Nível de 
desenvolvimento real 
(NDR) 
Nível de 
desenvolvimento 
potencial (NDP) 
Zona de 
desenvolvimento 
proximal (ZDP) 
O indivíduo 
pode agir 
sozinho 
O indivíduo 
precisa da 
ajuda do 
outro 
54
todo conceito, como formação psicológica é fruto da atividade. Cabe
organizar e cabe estruturar no aluno uma atividade adequada ao con-
ceito e que o situe em relação correspondente com a realidade. Não
surge a atividade conceitual na criança porque ela domine o conceito,
mas, pelo contrário, domina o conceito porque aprende a atuar concei-
tualmente, porque, se cabe expressar-se assim, sua prática mesma deve
ser conceitual.
A formação de novos conceitos científicos (escolarizados) leva à ressignificação
de conceitos já existentes, provocando contínua reestruturação cognitiva e o desen-
volvimento de funções psicológicas superiores. Vygotsky (1998a) chama de funções
psicológicas superiores aquelas funções tipicamente humanas, tais como a linguagem
oral, o jogo simbólico, a leitura e a escrita, a reflexão, a consciência das ações, etc.
A linguagem é o signo principal e de maior valor funcional como mediador
da cultura. Na atividade, o sujeito atua sobre a realidade para adaptar-se a ela e,
ao transformá-la, transforma a si mesmo por meio de instrumentos psicológicos
mediadores. Esse processo, chamado de mediação instrumental, realiza-se por
meio de “ferramentas” que Vygotsky (1998a) classifica como mediadores simples
(recursos materiais) e mediadores sofisticados (a linguagem). Os mediadores são
instrumentos para transformar a realidade e não só para imitá-la, sendo adquiridos
pelo indivíduo no seu meio sociocultural. A linguagem é um instrumento essencial
no processo de internalização da atividade e nos mecanismos de aprendizagem
por compreensão.
Como não é qualquer ensino que garante o desenvolvimento intelectual em
sua totalidade, também não é qualquer “atividade” que proporciona a construção
do conceito científico pelo aluno. O conceito só se forma num determinado tipo
de atividade. Vygotsky (Pacheco, 1991) não discute uma teorização sobre a “ativi-
dade” como condição necessária à formação de conceitos científicos. Leontiev
(1983), com base nas experiências das pesquisas de Vygotsky e nos princípios do
materialismo dialético e histórico, elabora uma teoria sobre a atividade humana.
Assim, a aprendizagem passa a ser compreendida como um tipo de atividade.
A aprendizagem como uma atividade é um enfoque adequado à posição
construtivista, uma vez que é na atividade que se produzem as interações do
indivíduo como objeto de conhecimento. Quando a aprendizagem implica uma
atividade caracterizada por sua expressiva novidade, e para a qual os alunos não
têm as representações necessárias para apropriar-se do objeto de estudo, o pro-
cesso de internalização da atividade externa com objetos para a atividade interna
como representação mental tem um significado vital. A interiorização da atividade
externa em interna, ou melhor, o mecanismo teórico do processo de internalização
foi desenvolvido por Galperin (1986). Para Nuñez e Pacheco (1997), somando-se
essas relevantes contribuições, a obra de Vygotsky alcança uma nova dimensão no
contexto de um enfoque teórico que constitui uma escola da Psicologia, ou seja, a
Escola Sócio-Histórico-Cultural.
55
3. A aprendizagem como um tipo de atividade
A atividade humana é o processo que medeia a relação entre o sujeito (ser
humano) e o objeto (como realidade a ser transformada) pela ação do sujeito.
Nesse processo dialético, o sujeito é também transformado, pois se formam ou
modificam qualidades do pensamento, atitudes, valores, etc.
A aprendizagem de uma habilidade como atividade pode ser pensada como
um conjunto de ciclos concatenados e, para cada ciclo, pode-se separar para sua
análise quatro momentos ou ações principais: a orientação (segundo os esquemas
de referência do indivíduo para planejar a futura ação); a realização ou execução
da atividade no plano prático (ação); a regulação da ação (durante o processo e o
controle sobre o resultado) e o momento final de correção ou ajuste. Cada um
desses ciclos, na seqüência, avança como uma espiral no processo de construção
do conhecimento. Assim, o novo ciclo está relacionado com o anterior (idéias prévias,
recursos cognitivos e afetivos, etc.), que é o ponto de partida na construção do
conhecimento. Esses momentos estão representados no esquema seguinte.
Esquema 2 – Momentos do ciclo cognitivo de aprendizagem e seu desenvolvimento dialético
O momento de orientação é de vital importância para a atividade de apren-
dizagem; por ser uma orientação técnica, é crucial para a sua execução. É nessa
etapa que o indivíduo planeja como vai realizar a atividade; vale salientar que a
qualidade da execução depende desse planejamento, portanto o aluno deve refletir
de forma crítica sobre a atividade, sua estrutura, as condições, os recursos de que
dispõe e os indicadores qualitativos ou as qualidades da ação. A Base Orientadora
da ação (B.O.A) possibilita o autocontrole, a regulação, o aprender a aprender.
Durante a execução, o aluno deve regular sua ação pelo sistema de padrões
e indicadores da B.O.A., segundo critérios pessoais e sociais. A B.O.A. constitui
um modelo teórico que fundamenta a execução da atividade. O controle da execução,
segundo os indicadores qualitativos, possibilita as correções necessárias durante a
Ciclo 1
 
Orientação Execução 
Ajuste Regulação 
 
(B.O.A.)
56
aprendizagem, assim como a compreensão dos erros e sua natureza e, quando é
preciso, a reconstrução da própria orientação. No ensino tradicional, a atividade
do aluno prioriza a execução, sem uma boa compreensão da parte orientadora.
 
 Figura 2 – Importância da orientação da ação
4. Os componentes da atividade de aprendizagem
Para Leontiev (1983), a atividade de aprendizagem (como habilidade) pos-
sui determinados componentes:
· Um sujeito da atividade: esse sujeito refere-se àquele que realiza a ação.
No caso da atividade de aprendizagem (da atividade de estudo), é o aluno quem
realiza as ações para alcançar determinadas transformações como conseqüência
dessa atividade e para assimilar um dado conteúdo, para formar novas atitudes,
valores, formas de comportamento, etc. O sujeito da atividade não é um indivíduo
isolado, mas o conjunto das relações sociais que estabelece com os outros. Na
aprendizagem, quando se formam atitudes, valores, como conseqüências da pró-
pria atividade cognitiva do aluno com o objeto da aprendizagem, o aluno não é só
sujeito mas também objeto da atividade. Nesse sentido, sujeito e objeto constituem
um par dialético. Essa dinâmica possibilita uma compreensão complexa da estru-
tura da atividade.
· Um objeto da atividade: a característica básica de qualquer atividade é
seu caráter objetal. O objeto da atividade é para onde está dirigida a ação. Constitui
a matéria prima necessária para que o sujeito da atividade possa obter um produ-
to determinado. O objeto é o produto da transformação. No caso da atividade de
estudo, refere-se aos conteúdos e qualidades da personalidade que a escola deve
mobilizar nos alunos no processo educativo. A aprendizagem como atividade hu-
mana tem uma peculiaridade em relação a outras atividades: não só se transfor-
mam os objetos materiais inanimados, como também se modifica o aluno nas
 
A orientação da ação 
(B.O.A) possibilita o 
autocontrole, a regulação, o 
aprender a aprender 
57
interações que estabelece com “os outros”. Assim, não só o conteúdo a assimilar
é objeto da atividade como também o é o próprio aluno. O aluno tem umpapel
dual na atividade de aprendizagem: é o sujeito e objeto da atividade. Os objetos
da atividade podem ser de diferente natureza. Pode ser um objeto específico na-
tural, uma instituição social ou o próprio aluno, quando a atividade se orienta a
transformar características da sua personalidade.
· Os motivos para realizar a ação: os motivos como componentes da ati-
vidade têm que existir no sujeito, pois se não existirem motivos e necessidades, não
haverá ação. Para os psicólogos, a motivação tem sua origem numa necessidade.
Como explica o próprio Vygotsky (1998a, p.121),
se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são efica-
zes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de compreender
seus avanços de um estágio evolutivo para o próximo, pois cada avanço
está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências
e incentivos.
Ela determina a direção do comportamento para os objetivos apropriados
à sua satisfação. Leontiev (1983) interpreta o motivo da atividade como uma
necessidade do estudante, como uma necessidade objetivada, como o objeto que
move o sujeito para a ação nas situações-problema que envolvem a aprendiza-
gem. No encontro com o objeto que a satisfaz, a necessidade pode orientar e re-
gular a atividade, uma vez que essa necessidade se objetiva, faz-se consciente.
· Um objetivo: é a representação imaginária dos resultados possíveis a se-
rem alcançados com a realização de uma ação concreta. Toda atividade humana
se realiza a partir de finalidades ou objetivos que orientam as ações humanas em
direção às suas metas. A correlação entre o objetivo da atividade e os motivos que
levam o sujeito à execução da ação permite revelar os diferentes sentidos pessoais
que a aprendizagem tem para o aluno. Talízina (1985) afirma que uma ação se
converte em atividade, quando o objetivo e o motivo coincidem, possibilitando o
desenvolvimento de habilidades e capacidades relacionadas com determinados
conhecimentos. Quando não coincidem, o ensino e a aprendizagem são ações e não
atividades. Na atividade de aprendizagem, os objetivos de aprendizagem devem
ser explicitados para o aluno ter clareza da atividade que deve realizar para aprender,
questão que contribui com a possibilidade de auto-regulação da aprendizagem.
Muitas vezes, dificuldades para aprender derivam-se do fato de o aluno não saber
“o que não sabe”, o que pode impossibilitá-lo de procurar estratégias em busca da
construção do desconhecido e, conseqüentemente, auto-regular sua aprendizagem.
Os objetivos da aprendizagem devem estar em correspondência com os objetivos
do ensino, ou seja, com as finalidades do professor e do projeto de aprendizagem,
podendo ser expressos em torno das atividades (habilidades) que deve aprender o
aluno no plano da integração conceitual, procedimental e atitudinal, uma vez que
o afetivo não se separa do cognitivo.
58
· Um sistema de operações: corresponde aos procedimentos, métodos,
técnicas e estratégias para realizar a ação e com eles alcançar a transformação do
objeto em produto; são os procedimentos como sistema que o aluno deve executar
para a atividade de aprendizagem. Essas operações são um sistema de microações
que dão à ação o caráter de processo contínuo. Leontiev (1983) concebe as opera-
ções como métodos por meio dos quais se executa a ação. A ação se realiza via
operações; não obstante, ação e operação têm identidades próprias. Distinguem-se
em relação ao objetivo a atingir. As operações dependem das condições nas quais
o objetivo da ação se expressa, enquanto que a ação é determinada pelo objetivo.
Uma mesma ação pode ser executada por diferentes operações e, por sua vez, uma
mesma operação pode responder a diferentes ações. Conseqüentemente, a ação
tem certa independência relativa.
Quando uma pessoa assimila a experiência das gerações anteriores, assimila
não somente os objetos do mundo exterior (conceitos) como também a parte ope-
rativa que se encontra por trás desses conhecimentos e objetos (procedimentos).
· A Base Orientadora da Atividade (B.O.A.): constitui para o sujeito a
imagem da ação que ele irá realizar, a imagem do produto final ligada aos pro-
cedimentos assim como ao sistema de condições exigidas para a ação. Na B.O.A.,
expressa-se o modelo teórico da atividade de aprendizagem como um sistema de
operação que regula e dirige a aprendizagem. O aluno, antes de fazer, deve ter
clara a compreensão do que vai fazer, com possibilidades de argumentar as ações
que conformam a atividade que vai desenvolver. Ao construir o referido modelo
teórico, pelo qual poderá desenvolver a atividade, o aluno precisa conscientizar-se
da estrutura da atividade.
Na Base Orientadora da Ação, inclui-se o sistema de condições no qual se
apóia o indivíduo para cumprir uma atividade. O aluno pode construir o sistema
de conhecimentos e estabelecer os modelos das ações a executar visando à realiza-
ção da atividade, assim como a ordem de realização dos componentes da ação:
orientação, execução e controle. Diferentemente do behaviorismo, para o qual se
privilegia a parte executiva da atividade, na perspectiva sócio-histórico-cultural, a
orientação que o sujeito constrói para a atividade determina, dentre outros fatores,
a qualidade da aprendizagem.
Na teoria de assimilação por etapas, de Galperin (1988), foram estudados
oito possíveis tipos de Bases Orientadoras da Ação, levando-se em conta três
parâmetros fundamentais: o grau de plenitude, o grau de generalidade e o grau de
independência. As Bases Orientadoras mais estudadas têm sido as conhecidas co-
mo B.O.A. I, B.O.A. II e B.O.A. III.
O primeiro tipo, B.O.A. I, caracteriza-se por uma composição incompleta
da orientação. As orientações estão representadas de forma particular. O processo
de assimilação, segundo esse tipo de orientação, caracteriza-se por ser lento e por
apresentar um grande número de erros na solução das tarefas. A transferência dos
conhecimentos é limitada.
59
No segundo tipo de orientação, B.O.A. II, característica do ensino tradi-
cional, dá-se aos alunos, de forma elaborada, toda a condição necessária para o
cumprimento correto da ação, porém essas condições são particulares, só servem
para a orientação de um caso determinado. A formação da ação, segundo essa
orientação, avança rapidamente e com poucos erros, porém a esfera de transferên-
cia é limitada. Para cada tipo de exercício ou tarefa, o aluno precisa construir uma
orientação.
O terceiro tipo, ou B.O.A. III, tem uma composição completa e generalizada,
aplicável a um conjunto de fenômenos e tarefas de uma determinada classe. Nela
está contida a essência da atividade, porque se trata de uma orientação teórica. A
B.O.A., como modelo teórico da atividade (habilidade), expressa os nexos entre o
singular, o particular e o geral da atividade na qual entra o conceito em formação,
propiciando o trabalho com estratégias metodológicas que distinguem o fenômeno
da essência, o acesso do abstrato ao concreto e vice-versa, como via de formação
do pensamento teórico. O aluno constrói a B.O.A. de forma independente com
ajuda de métodos gerais sob a orientação do professor. A atividade, segundo esse
tipo de orientação, forma-se rapidamente com poucos erros e se caracteriza por
sua estabilidade, alto nível de generalização e, portanto, por uma maior transferên-
cia. É uma orientação completa, que dá possibilidade de orientação não só na
solução de tarefas concretas como também em todo um conjunto de tarefas de uma
mesma classe.
Na vida cotidiana, as pessoas antes de fazer algo procuram compreender
como se faz, construindo assim o modelo teórico (B. O. A.) da atividade, quando
a aprendizagem é por compreensão. A escola geralmente presta pouca atenção a
esse momento de orientação, de investigação, necessário para uma aprendizagem
por compreensão, prestando maior atenção à própria execução da atividade, por
vezes não compreensível, levando a uma aprendizagem reprodutiva.
· Os meios para realizar uma atividade: os sujeitos usam os instrumentos
adequados nosquais se apóiam na atividade de aprendizagem. Os meios como
elementos encontram-se entre o objeto e o sujeito da atividade. Existem meios
materiais (objetos e instrumentos) e meios de natureza informativa ou simbólica.
Os instrumentos que os alunos utilizam para desenvolver suas atividades de
aprendizagem pertencem ao grupo de tecnologias, no sentido amplo desta última
categoria. Os recursos lingüísticos e objetos materiais são recursos necessários
para o sucesso da atividade. Por isso há necessidade de compreender que função
e quais são as potencialidades e limitações de cada tecnologia e recurso, no
planejamento e execução da atividade.
· As condições: representam o conjunto de situações em que o sujeito reali-
za a atividade. Refere-se às condições ambientais (espaço, iluminação, ventilação,
etc.) e ao clima psicológico no qual se desenvolve a atividade. O agir com sucesso
depende do contexto de realização da atividade. Para a Psicologia Educacional, é
conhecida a influência das condições e do contexto na atividade de aprendizagem.
60
As decisões práticas e teóricas têm sentido em relação ao contexto no qual se
desenvolve a atividade de aprendizagem. O conhecimento e a análise, pelo sujeito
da atividade, desses elementos são essenciais para a compreensão e o desenvol-
vimento do processo de formação de habilidades.
· O produto: é o resultado obtido com as transformações ocorridas com o
objeto (matéria prima da atividade) por meio dos procedimentos (ações) os quais
podem coincidir com o objetivo da atividade. Representa as transformações na
personalidade do aluno, resultado de sua atividade de aprendizagem, dos conteú-
dos assimilados, das novas formas de agir de modo competente, das atitudes, dos
valores formados, relacionados com as intencionalidades educativas. A atividade
humana (material ou mental) está cristalizada no seu produto.
O esquema seguinte apresenta os componentes estruturais da atividade de
aprendizagem anteriormente explicitada, sob a perspectiva dessa atividade.
Atividade de 
aprendizagem
Produto
Condições
Meios / 
Recursos
Objetivo
Base 
Orientadora da 
Ação
Motivo
Sujeito
Objeto
Atividade de 
aprendizagem
Produto
Condições
Meios / 
Recursos
Objetivo
Base 
Orientadora da 
Ação
Motivo
Sujeito
Objeto
Esquema 3 – Componentes estruturais da atividade de aprendizagem
Pacheco (1993, p.45) diz que organizar a aprendizagem sob a perspectiva
da atividade supõe delimitar:
· o papel que tem o sujeito que aprende no processo de aprendizagem, seus
motivos, interesses, possibilidades físicas, intelectuais e volitivas, nível de desen-
volvimento de suas estratégias de aprendizagem e de suas habilidades para o estudo;
61
· as características do objeto, como parte da realidade que é necessária se
aprender e transformar na aprendizagem;
· os procedimentos, técnicas, estratégias de aprendizagem e de estudo
necessários para a atividade;
· os meios disponíveis (materiais, cognitivos e afetivos) para a atividade;
· os resultados esperados (objetivos e propósitos) e os resultados atingidos;
· a situação ou contexto espaço-temporal no qual tem lugar a aprendizagem;
· os resultados e efeitos da atividade.
5. As características qualitativas das habilidades
O processo de formação de uma atividade (como a aprendizagem escolar) é
visto como um processo de direção; por conseguinte, para avaliar a qualidade da
formação da atividade, faz-se necessário estabelecer as características qualitativas
das ações. De acordo com Nuñez e Pacheco (1997, p.46),
o grande mérito de P. Ya Galperin, como criador da teoria da assimilação
de ações mentais por etapas, foi precisamente haver delimitado o
conjunto de indicadores qualitativos a ter em conta na formação de
habilidades, os quais funcionam como parâmetros qualitativos para
elevar a qualidade das ações formadas.
Na teoria de Galperin (1988), as principais características da atividade
(ações) são:
· forma em que se realiza a ação: no plano material (com objetos materiais)
ou materializado (por meio da representação do objeto, como desenhos, esquemas,
filmes ou modelos que expressem atributos necessários e essenciais do objeto de
assimilação), no plano da linguagem verbal externa (oral ou escrita) ou no plano
mental (com representações, conceitos);
· grau de generalização: toda atividade e todos os conceitos possuem limites
de aplicação, assim sendo, o grau de generalização diz respeito à relação entre as
situações nas quais o sujeito aplica a atividade e os conceitos e as situações em que
realmente é possível essa aplicação;1
· grau de detalhamento: no processo de assimilação de novas ações, toda
ação inicial deve ser realizada da forma mais detalhada possível para que se tenha
consciência dos elementos que a integram, só depois é que se começa o processo de
redução, que culmina com a forma mental;
· grau de consciência: diz respeito à possibilidade de o sujeito fazer a ação
e saber dizer por que a fez ou está fazendo. Para Vygotsky (1998b), o pensamento
1 A qualidade de generalização se discute com mais detalhes no capítulo sobre a transferência da
aprendizagem.
62
científico implica a manipulação consciente de relações entre objetos. Esse grau
de consciência pode ser relacionado com a metacognição.2 Na aprendizagem, o
conhecimento que o aluno e o grupo têm dos recursos e possibilidades, de suas for-
ças, desejos, motivos, limitações, etc., para participar de forma ativa na sociedade,
e de sua formação como personalidade histórica e social, pode ser compreendido
quando se conscientizam os elementos estruturais e funcionais da atividade. Essa
conscientização possibilita aos sujeitos regular os processos de aprendizagem e de
formação, de forma crítica;
· grau de independência: como uma ação nova não pode ser formada sem
algum tipo de ajuda, o grau de independência diz respeito à passagem progressiva
da ação com ajuda para uma ação sem ajuda;
· solidez: diz respeito à possibilidade de uma sólida aprendizagem. Quanto
mais completa seja a passagem da forma material ou materializada para a forma
mental do grau de consciência, maior será a possibilidade de solidez da ação,
mesmo se tendo passado algum tempo de sua formação.
O esquema a seguir mostra as principais características da atividade,
de acordo com a teoria de Galperin, conforme foi discutido anteriormente.
Esquema 4 – Características da atividade na teoria de Galperin
2 A partir da perspectiva da aprendizagem como processamento de informação, a metacognição
ou consciência da aprendizagem pode ser interpretada nos pressupostos da escola sócio-histórico-
cultural.
 
 
 
Solidez 
 
Grau de 
independência 
 
 
Grau de 
consciência 
 
Grau de 
detalhamento 
 
Grau de 
generalização 
 
Forma em 
que se realiza 
a ação 
 
Características 
da atividade 
63
6. A aprendizagem como processo de internalização
da atividade externa em interna
Pelo que foi apresentado até o momento sobre a aprendizagem no enfoque
sócio-histórico-cultural, percebe-se que, para aprender novos conceitos, gene-
ralizações e habilidades, o sujeito precisa realizar determinada atividade, que,
primeiramente, acontece num plano material externo e, posteriormente, como
conseqüência da internalização, num plano material interno. Vale salientar que
essa necessidade de se iniciar o processo pelo plano material ou materializado só é
essencial quando não estão formadas na mente as imagens correspondentes, os
conceitos e as operações necessárias para a nova atividade. Esse processo de
passagem de um plano a outro foi denominado por Vygotsky (1998a) de “inter-
nalização”. Entretanto, em suas pesquisas, não são encontradas explicações a
respeito de como se realiza essa passagem. De acordo com Nuñez e Pacheco
(1997, p.54), isso foi explicado por Galperin, que
elaborou um dos estudos mais detalhados das etapas de formação da
atividade interna a partir da externa, o papel de cada um dos momentos
funcionais da atividade – orientação, execução e controle – das trans-
formações que sofrea ação neste processo de abreviação, generalização
e automatização, como resultado do qual adquire um caráter especifi-
camente psíquico.
A teoria de Galperin (1988) explica a gênese da nova atividade interna,
quando os recursos cognitivos são insuficientes, ou seja, revela o mecanismo de
formação de esquemas, habilidades, estruturas cognitivas a partir do plano externo,
na interação com os objetos culturais. Diferentemente da teoria da equilibração
de Piaget, a aprendizagem de uma nova habilidade não resulta unicamente de
transformações de estruturas cognitivas preexistentes.
De acordo com Galperin (1986), o processo de internalização da atividade
externa em interna (aprendizagem como atividade) é concebido como um ciclo
cognoscitivo em que se destacam cinco etapas.
Na primeira etapa, a motivacional, o aluno se dispõe para a aprendiza-
gem pela motivação como condição necessária. Nessa etapa, a principal tarefa
do professor é preparar os alunos para assimilarem3 novos conceitos, atitudes e
habilidades. Atualmente, existe praticamente unanimidade entre os professores
quanto ao fato de que, se o aluno não for adequadamente preparado para o estudo,
ele pode não aceitar a atividade proposta ou realizá-la de maneira formal. Por
3 Ao contrário de Piaget, Vygotsky (essencialmente no enfoque sócio-histórico-cultural) não fala
de assimilação, mas sim de apropriação, portanto quando usamos a palavra assimilação no texto
não é com o mesmo significado piagetiano, mas como apropriação da cultura (aprendizagem nos
termos vygotskyanos).
64
conseguinte, criar nos alunos uma disposição positiva para o estudo é condição
necessária no processo de assimilação.
Na segunda, a etapa de estabelecimento do esquema da Base Orienta-
dora da Ação (B.O.A.), o aluno constrói a orientação para a atividade.
Galperin (1959, p.27) assinala que
a parte orientadora é a instância diretiva e, precisamente, no funda-
mental, depende dela a qualidade de execução. Se elaborarmos um
conjunto de situações em que se deva aplicar essa ação conforme o
plano de ensino, essas situações ditarão um conjunto de exigências
para a ação que se forma e, juntamente com elas, um grupo de proprie-
dades que respondem a essas exigências e estão sujeitas à formação.
A Base Orientadora da Ação (B.O.A.) constitui o modelo da atividade e
assim sendo deve refletir todas as partes estruturais e funcionais da atividade. É o
sistema de condições em que o homem realmente se apóia ao exercer a atividade. O
aluno pode construir o sistema de conhecimentos e estabelecer os modelos das
ações a serem executadas com vistas à realização da atividade, assim como a
ordem de realização dos componentes da ação: orientação, execução e controle.
Essa etapa deve ser estabelecida num processo de elaboração do conhe-
cimento, de tal modo que o aluno possa construir, junto com o professor, o modelo
da atividade que realizará (a habilidade em formação). O aluno deve dispor de to-
dos os conhecimentos necessários sobre o objeto da ação, as condições, as ações
que compreendem a atividade a ser realizada, os meios de controle e deve conhecer,
nesta etapa, os limites de aplicação de tal atividade. Para Galperin (1959), a orien-
tação é sinônimo de compreensão pelo papel objetivo que desempenha na ação.
 Vale salientar que o ensino “construtivista” responde a uma B.O.A. tipo
III, que não é uma orientação dada pronta e acabada, mas construída pelo aluno
com a orientação do professor, como necessária à atividade produtiva.
Na terceira, a etapa de formação da ação no plano material ou materia-
lizada, a forma material é aquela em que se trabalha com o próprio objeto de estudo
e a forma materializada é aquela em que se trabalha com a representação do objeto,
que deve possuir os aspectos necessários e essenciais deste. Nesse momento, o aluno
começa a realizar a ação propriamente dita no plano externo e, de forma detalhada,
vai realizando todas as operações que a constituem. É a etapa em que, trabalhando
em dupla ou sob a supervisão do professor, o aluno se relaciona com os próprios
objetos e fenômenos ou com a sua representação, realizando ações externas, pois é
na atividade que está a fonte da construção dos conhecimentos humanos.
Na quarta, a etapa de formação da ação no plano da linguagem externa,
os elementos da ação são apresentados de forma verbal (oral ou escrita). Nessa
fase, o aluno não trabalha com os objetos concretos nem com suas representações,
mas sim com os sistemas simbólicos que os representam. O aluno deve resolver a
tarefa oralmente ou utilizando a linguagem escrita. A ação se converte em uma
65
ação teórica, baseada em palavras e conceitos verbais. É o momento em que o
aluno pode reconstruir a compreensão dos conceitos e procedimentos em diferentes
domínios, articulando os pensamentos enquanto resolve um problema ou quando
atua como crítico ou monitor na atividade de grupo. É também uma etapa que deve
ser realizada de forma detalhada, porém sem apoio externo, como, por exemplo,
cartões de estudo.
A etapa mental, a última no caminho da transformação por etapas da ação
externa em interna (imagens, representações mentais, etc.), é o momento em que a
ação começa a reduzir-se e pode automatizar-se muito rapidamente, tornando-se
inacessível à auto-observação. Agora se trata de ato do pensamento, no qual o pro-
cesso está oculto e só se revela o seu produto. Por sua origem, a ação interna está
relacionada com a ação externa, e é o seu reflexo. Substituindo as coisas reais,
agora o objeto da ação, assim como sua composição operacional, têm caráter ideal,
caráter de imagem. A ação pode ser trasladada totalmente para o plano mental, ou
somente em sua parte de orientação. Nesse segundo caso, a parte executiva da
ação permanece no plano material e pode converter-se num hábito motor.
O processo de assimilação da nova atividade realiza-se segundo a figura
a seguir.
REDUZIDADETALHADA
GENERALIZADANÃO GENERALIZADA
INDEPENDENTECOMPARTILHADA
FORMA INTERNAFORMA EXTERNA
MENTALMOTIVACIONAL
LINGUAGEM 
EXTERNA
AÇÃO 
MATERIAL
B.O.A.
REDUZIDADETALHADA
GENERALIZADANÃO GENERALIZADA
INDEPENDENTECOMPARTILHADA
FORMA INTERNAFORMA EXTERNA
MENTALMOTIVACIONAL
LINGUAGEM 
EXTERNA
AÇÃO 
MATERIAL
B.O.A.
Figura 3 – Etapas do processo de assimilação da nova atividade
Fonte: Nuñez; Pacheco (1997, p.114).
A aprendizagem de uma habilidade, segundo os critérios que discutimos,
deve organizar-se de forma tal que facilite nas etapas iniciais (de orientação, material
ou materializada e da linguagem externa) o trabalho dos alunos em duplas ou em
grupos pequenos. Pacheco (1993) assinala dentre as características do grupo:
· o grupo, como grupo de aprendizagem, é sujeito de sua própria aprendi-
zagem e não só objeto do ensino;
· são produzidos no grupo três processos de influência mútua: a aprendi-
zagem de cada sujeito, o processo do grupo e o processo de ensino;
· o docente, no trabalho com o grupo de aprendizagem, precisa conhecer sua
estrutura, dinamismo mecânico de mudanças e estratégias para sua orientação e
transformação, pois assume na sua relação com o grupo a função de coordenador.
66
Figura 4 – Trabalho em grupos pequenos
Conclusões
 A aprendizagem, na perspectiva sócio-histórico-cultural, é compreendida
como um processo de construção de conhecimento, de habilidades, hábitos, valores,
etc., que se produz em condições de interação social (mediada), na dependência
dos recursos cognitivos de que dispõe o aluno. A aprendizagem não é só registro
e sim interpretação da informação na dependência dos interesses, construções
cognitivo-afetivas prévias e do próprio controle desse processo pelo aluno que
aprende. Caracteriza-se por ser um tipo específico de atividade humana, interligada
a outros tipos de atividades (trabalho, estudo, etc.), que se produz em condições
socioculturais vinculadas ao desenvolvimento integral do aluno.
Diante disso, podemos concluir que, se considerarmos apenas os estudos de
Vygotsky na explicação do processo de aprendizagem, estaremos cometendouma
injustiça com a psicologia soviética, pois a aprendizagem como processo é expli-
cada sob vários postulados teóricos de psicólogos e especialistas, dentre eles
Leontiev, Galperin e Talízina, que contribuíram para a formação da escola sovié-
tica de Psicologia da Educação. Entendendo-se dessa forma, Vygotsky pode trazer
relevantes contribuições para pensar de forma crítica as práticas tradicionais de
ensino-aprendizagem de Ciências e Matemática.
Para que a “teoria” de Vygotsky seja utilizada como referência pelos pro-
fessores, devem ser levadas em consideração algumas de suas limitações. Embora
Vygotsky (1998a) tenha o mérito de ter demonstrado a estreita relação que existe
67
entre desenvolvimento e aprendizagem por meio do conceito de “zona de de-
senvolvimento potencial (proximal)” e isso tenha proporcionado um outro olhar
para essa questão, torna-se difícil utilizar esse conceito de forma específica em
um contexto educativo. A medição do desenvolvimento real é possível, entretanto
a determinação do desenvolvimento potencial está sujeita a uma certa circulari-
dade. Caso o professor utilize mediadores externamente proporcionados, pode-
se fixar o nível potencial, mas, se não é assim, isso se deve ao fato de que o aluno
carece de potencialidades nesse aspecto ou de que os mediadores utilizados não
são adequados? Como saber quais são os mais adequados? Ainda que válida,
sua aplicação efetiva é limitada pela ausência de medições independentes do
desenvolvimento potencial (Pozo, 1998).
Outra limitação da teoria de Vygotsky diz respeito às relações entre os di-
versos tipos de aprendizagem. Embora sejam postuladas interações entre eles, ele
não especificou qual a natureza dessas interações. Quando as aprendizagens
por associação e por reestruturação se complementam, apóiam-se mutuamente?
E quando atuam em direções opostas? Ele afirmou que os conceitos espontâneos
facilitam o trabalho descendente (do científico para o espontâneo), mas não parece
que seja sempre assim. Quando são facilitadores e quando funcionam como
obstáculos? Tendo em vista que os conceitos científicos só podem ser adquiri-
dos por meio da instrução formal, que técnicas de instrução devem ser utiliza-
das? (Pozo,1998).
Entretanto, para Moreira (1999), apenas a maneira como ele teoriza acerca
da premissa de que o desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido sem re-
ferência ao contexto social, histórico e cultural em que ocorre, já é motivo suficiente
para justificar o estudo e utilização, como referência, dessa teoria pelos professores,
principalmente levando-se em conta que os trabalhos de Leontiev e Galperin ten-
tam superar algumas dessas limitações (Nuñez; Pacheco, 1997).
Referências
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conceptos”. Informe de la Academia de Ciencias Pedagógicas de la RSFSR, Moscú,
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I.; LIAUDIS, V. Ya. Antología de la psicología pedagógica y de las edades. La Habana:
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LEONTIEV, A. N. Actividad, conciencia, personalidad. La Habana: Pueblo y Educación,
1983.
MOLL, L. C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-
histórica. Porto Alegre; Artes Médicas, 1996.
68
MOREIRA, M. A.Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
NUÑEZ, I. B.; PACHECO, O. G. La formación de conceptos científicos: una perspec-
tiva desde la teoría de la actividad. Natal: EDUFRN, 1997.
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pedagógica”. In CANFUX, V. et al Tendencias pedagógicas contemporáneas. La Habana:
Ediciones ENPES, 1991, p.92-113.
__________. El saber aprender. La Habana: CEPES UH Editora, 1993.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano
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TALÍZINA, N. F. Conferencias sobre los fundamentos de la enseñanza en la educación
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__________. Psicología de la Enseñanza. Moucú: Editorial Progreso, 1988.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
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__________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998b.
69
A APRENDIZAGEM COMO PROCESSAMENTO
DE INFORMAÇÃO
Isauro Beltrán Nuñez,
Márcia Adelino da Silva Dias
e Tereza Cristina Leandro de Faria
Introdução
O século XX, para a Psicologia da Aprendizagem, caracterizou-se ini-
cialmente pelo domínio do condutismo e posteriormente pela psicologia cognitiva.
O avanço desse paradigma deu-se, primeiramente, em virtude das limitações
empíricas do condutismo para explicar os processos internos da aprendizagem
e também em conseqüência do mundo científico, aberto pelas “Ciências do Artifi-
cial” (POZO, 1998). De acordo com Bruner (1983, apud POZO, 1998, p.39),
hoje parece-me claro que a “revolução cognitiva” configura uma
resposta às demandas tecnológicas da “Revolução Pós-Industrial”. O
novo movimento cognitivo adotou um enfoque de acordo com tais de-
mandas, e o ser humano passou a ser concebido como um processador
de informação.
Assim, se o condutismo surge como resposta aos métodos de intros-
pecção na psicologia, na qual não se consideravam as explicações hipotéticas
das funções mentais, o processamento da informação foi uma resposta às limi-
tações do condutismo, na busca de explicações dos processos mentais que me-
deiam entre Estímulo e Resposta; nessa perspectiva, a aprendizagem é consi-
derada como um processo de aquisição de conhecimentos. O estudo cognitivo
da aprendizagem nasce presidido pela comparação da mente humana com o
computador enquanto as teorias condutistas se baseiam fundamentalmente no
estudo da aprendizagem como comportamento pelo mecanismo de Estímulo-
Resposta (E-R).
O processamento de informação tem o organismo (O), incorporado entre o
estímulo (E) e a resposta (R), tendo por objetivo estudar a aprendizagem como
forma específica de representação (Esquema 01). O fenômeno cognitivo pode ser
descrito e explicado em termos de processos mentais e representacionais que se
situam entre o estímulo e a resposta ou conduta observável; assim, a informação é
representada e manipulada pelos processos mentais.
70
 Estímulo Organismo Resposta
 Sistema que processa a informação
 Esquema 01 – O organismo como entidade entre o estímulo e a resposta
As teorias do processamento de informação
A psicologia cognitiva procura explicar como se processa a informação
durante a aquisição do conhecimento. Durante o processamento da informação,
podem-se distinguir três momentos:
· recepção inicial da informação (input);
· funções de processamento (processos cognitivos como associação,
pensamento, tomada de decisões, memória, solução de problema, etc.);
· saída da informação (output, ou ações de comportamento).
Segundo Pérez Gómez (1998, p.44), uma diferença entre o processamen-
to da informação em relação ao condutismo é que “o modelo de processamento de
informação considera o homem como um processador de informação, cuja atividade
fundamental é receber informação, elaborá-la e agir de acordo com ela”.
Entretanto, apesar das diferenças, os dois enfoques coincidem ao abordar a
mudança no indivíduo. No condutismo, insistia-se na mudança de comportamento,
enquanto que nos enfoques cognitivos insiste-se na mudança de conhecimento.
Nessa nova visão de aprendizagem, a comparação entre o homem e o computador
fez surgir a “concepção multiarmazém”, cuja idéia central baseia-se na existência
de uma série de fases na aquisição da informação,a qual permaneceria, durante
um certo tempo, em um “armazém” (memória), correspondente a cada fase,
possibilitando a distinção entre memória sensorial, memória a curto prazo e me-
mória a longo prazo (Figura 01). As teorias do processamento da informação geram
teorias sobre a memória, esta considerada como uma estrutura básica do sistema
que processa a informação. Não obstante, embora seja o conceito de memória um
conceito-chave nessas teorias, elas não aportam elementos teóricos sólidos para
explicar suas estruturas complexas.
 
71
MEMÓRIA MULTIARMAZÉM
 Figura 01 – Representação do processo de aquisição da informação segundo a
 concepção multiarmazém
O homem é um ativo processador de sua experiência mediante um complexo
sistema no qual uma informação é recebida, transformada, acumulada, recuperada
e utilizada. Apesar de ter incorporado muitos dos princípios do modelo condutista
(Pozo, 1998; Pérez Gómez, 1998), o processamento de informação caracteriza-se
como uma perspectiva cognitiva, quando implica a primazia dos processos internos,
mediadores, localizados entre o estímulo (E) e a resposta (R). Da mesma forma
que o condutismo foi convertido quase que exclusivamente no estudo da aprendi-
zagem, o cognitivismo transformou-se em um estudo quase exclusivo da memória.
As teorias do processamento da informação trabalham com vários tipos de conhe-
cimentos, dentre eles:
· conhecimento declarativo;
· conhecimento procedimental;
· conhecimento explicativo;
· conhecimento do contexto.
A informação é a “matéria prima” da aprendizagem; a transmissão dessa
informação ocorre por emissores de diferentes naturezas: o professor, os colegas,
os livros, as famílias, os bancos de dados, os meios audiovisuais, a própria reali-
dade, etc. Por esses meios, a informação entra no sistema, circula, dissipa-se, é
transformada, armazenada, ativada, etc.
O tipo de conhecimento a ser mobilizado na aprendizagem está relacio-
nado com o tipo de memória na qual será armazenado. Entre outras memórias,
destacamos:
· a memória sensorial (M.S.) – recebe as informações internas e externas
NÍVEL 
SUBMICROSÓ
PICO 
Diferentes níveis de 
Processamento de Informação 
 
Informação 
72
e tem uma duração de meio segundo, aproximadamente, sendo responsável por
uma primeira impressão da informação;
· a memória a curto prazo (M.C.P.) – oferece breves armazenamentos da
informação selecionada, apresentando uma capacidade limitada, de sete elemen-
tos (mais ou menos dois) e uma duração que varia entre vinte e trinta segundos;
· a memória a longo prazo (M.L.P.) – organiza e conserva disponível a
informação durante períodos mais longos. Caracteriza-se por não possuir limi-
tes, nem em sua duração, nem em sua capacidade. Supõe-se que contém toda
a informação que se é capaz de armazenar ao longo da vida.
Os conhecimentos organizados e hierarquizados oportunizam mais espaço
em cada tipo de memória, em que a utilização de quadros, esquemas e redes de
conhecimentos entrelaçados podem facilitar o dimensionamento do conteúdo, para
uma unidade de memória de curto prazo. Um outro meio eficaz é a automatização
do conteúdo, uma operação que faz com que os conhecimentos passem rapidamente
da memória de curto prazo (M.C.P.) para a memória de longo prazo (M.L.P.).
Levando-se em consideração que os conhecimentos não ocupam todo o espaço da
memória a curto prazo (M.C.P.), essas unidades estão disponíveis para outras
tarefas, principalmente aquelas que, no plano cognitivo, representam a repesca-
gem dos conhecimentos na memória de longo prazo (Gauthier, 2003).
Na Memória de Curto Prazo (M.C.P.) acontece a codificação lingüística
da informação, que é preservada nela por um curto período. Já na Memória de
Longo Prazo (M.L.P.), a codificação é semântica e está configurada em vários
subsistemas (Figura 02), que se apresentam a seguir:
· memória episódica – é um tipo de memória autobiográfica, caracterizada
por armazenar os fatos do passado de um indivíduo;
· memória semântica – é a memória na qual se conceitualiza a linguagem
como representação do verbal;
· memória declarativa – é a memória em que se reconhece ou se repre-
senta externamente pela palavra;
· memória procedimental – manifesta-se de forma externa, pela ação;
· memória explicita – é um tipo de memória declarativa, que inclui o fator
consciente e explicativo;
· memória implícita – é a memória que se diferencia da memória pro-
cedimental, pela ação consciente.
73
 
 Figura 01 – Subsistemas da Memória de Longo Prazo (M.L.P.)
A informação que não se retém na memória a curto prazo se perde. Como
fazer, então, para que uma boa parte do que se transmite ao aluno passe à sua
bagagem de conhecimentos ou à memória a longo prazo? De acordo com Sierra
e Carretero (1996, p.124), isso se dá
obviamente, mediante a utilização de estratégias destinadas a que tal
informação se mantenha na mente do aluno e possa relacionar-se com
a informação que já possui. Uma delas consiste em agrupar a infor-
mação, de maneira que ocupe menos espaço na memória.
O aluno não precisa recordar as informações uma a uma (de forma iso-
lada), mas formando blocos e grupos de informações, à medida que obtém as
informações o que lhe permite armazenar muito mais, sem custo para as limita-
ções do sistema de memória. Salienta-se que o armazenamento não se realiza de
forma isolada e arbitrária, mas por assimilação significativa das novas informa-
ções aos próprios sistemas de categorias e significados previamente construídos
e armazenados na memória.
Como se organiza a informação na memória do longo prazo (M.L.P.)
tem sido um desafio para a Psicologia Cognitiva. Mc Lelland e Rumelhart (apud
Campanario, 2004), têm proposto que a informação na memória de longo prazo
se armazena como uma estrutura hierárquica de categorias, ou como uma cole-
Memória implícita
Memória
declarativa
Memória
procedimental
Memória
episódica
Memória explícita
Memória
semântica
74
ção de protótipos representativos das categorias junto com exemplares mais ou
menos diferenciados.1 Outros autores têm proposto os “esquemas” como forma
de organização da informação na memória de longo prazo (Campanario, 2004).
Em relação aos estudos sobre a aprendizagem das ciências naturais, Posada
(1997) diferencia a memória semântica em memória semântica experiencial e
memória semântica academicista. Para o autor, na memória semântica academi-
cista, armazenam-se os conhecimentos, produto da aprendizagem memorística,
não substantivos. Estes são os conhecimentos que o aluno reproduz sem com-
preensão e que geralmente se ativam na memória quando a pergunta é direta e
explícita, ou seja, quando o estímulo se relaciona com elementos diretos da me-
mória. Exemplo: Quando perguntamos aos alunos como se desloca o equilí-
brio químico na reação
 N2 (g) + 3H2 (g) 2NH3 (g)
pelo aumento da concentração de H
2
(g) no sistema fechado. Os alunos, geral-
mente de forma memorística, reproduzem elementos do Princípio de Le Chatelier
e, como resposta típica, declaram que o aumento de concentração de um reagente
desloca o equilíbrio para os produtos.
Na memória semântica experiencial, armazenam-se os conceitos incor-
porados de forma substantiva, relacionados com experiências e fatos conheci-
dos. É uma memória que pode gerar conhecimentos explicativos e procedi-
mentais. Os conceitos são produto de uma aprendizagem significativa. Quando
o aluno explica um fenômeno, como, por exemplo, a flutuação de um corpo,
baseado nos princípios físicos, essa explicação está relacionada à ativação de
conhecimentos da memória semântica experiencial. O ensino de ciências naturais,
segundo essa perspectiva, deve facilitar para que a informação seja codificada
e armazenada na Memória Semântica, como também promover o passo dos
conhecimentos da Memória Academicista para a Memória Semântica.
Para argumentar como a memória perceptiva e as aprendizagens anterio-
res condicionam a nova aprendizagem,assim como para explicar as possíveis
distâncias entre o que se ensina e o que os alunos aprendem, Johnstone (1999,
apud Galagovsky e Rodriguez, 2003) propõe utilizar o modelo de aprendiza-
gem que é mostrado no Esquema 03, a seguir:
 
1 A implicação do conceito (informação) como representativo (protótipo) de uma família se discute
no capítulo sobre aprendizagem significativa.
75
 
 
F 
I 
L 
T 
R 
O 
 
P 
E 
R 
C 
E 
P 
T 
U 
A 
L 
Interpretar 
Acomodar 
Comparar 
Guardar 
Preparar 
Por vezes, muito 
relacionada. 
Por vezes, 
fragmentada. 
Guardar
Recuperar 
Memória de Longo 
Prazo 
Memória de 
Trabalho 
Circuito de retroalimentação do 
filtro perceptual 
Eventos 
Observações 
Instruções 
 Esquema 03 – Modelo de aprendizagem de Johnstone (1999)
 Fonte: Galagovsky, Rodriguez, Stamati e Morales (2003, p.108)
Segundo Galagovsky et al. (2003, p.18), o modelo de Johnstone apoia-se
nas premissas a seguir:
a) as percepções que o sujeito registra por meio dos sentidos não são objetivas,
estando filtradas e interpretadas de forma idiossincrática;
b) dar sentido a algo é relacioná-lo com o que já é conhecido ou em que se
acredita;
c) o que está armazenado na memória de longo prazo (M.L.P.) é o que
sabemos, é ela quem controla a significação que damos às novas informações
sensoriais que recebemos, ou seja, é o nosso próprio filtro;
d) a memória de trabalho (M.T.) é a parte de nossa atividade mental, através
da qual, conscientemente, prestamos atenção a uma situação dada e pensamos
sobre ela. É a memória que se fixa na percepção do que tem entrado no sistema de
informação procurando outorgar-lhe sentido;
e) a M.T. tem duas funções: uma é manter momentaneamente a informa-
ção no foco de atenção da memória de curto prazo (M.C.P.) e a outra é dar formato
a essa informação para que seja armazenada, utilizada ou descartada. Essa memó-
ria de trabalho tem capacidade limitada, e é saturada se a quantidade de informação
ultrapassar suas possibilidades ou se o processamento for complicado demais;
76
f) uma informação que satura ou sobrepassa a capacidade da M.T. do su-
jeito não poderá ser processada.
Para os autores, esse modelo tem sido utilizado para explicar processos de
aprendizagens nas ciências, em especial a construção de representações, que se
vincula a três níveis (Esquema 04), que formam um triângulo: o nível macroscópico,
o nível submicroscópico e o nível simbólico.
· O nível macroscópico corresponde-se com as representações mentais
construídas a partir das experiências sensoriais diretas.
· O nível submicroscópico relaciona-se com as representações abstratas,
com os modelos que se tem na mente o “expert” na área disciplinar. Exemplo: o
modelo de partículas das substâncias.
· O nível simbólico expressa os conceitos por fórmulas, equações químicas,
físicas, matemáticas, gráficas, etc.
 Esquema 04 – Os níveis aos quais se vincula a construção de representações
 nos processos de aprendizagens das ciências
Uma reação química pode ser explicada em cada um dos três níveis. No
nível macroscópico, como descrição da situação empírica, é utilizado o conhe-
cimento declarativo, podendo-se explicá-la, também, pelo modelo de partículas.
No nível simbólico, representa-se a reação química por equações e palavras.
Segundo Galagovsky et al. (2003), os professores, ao explicarem em cada nível,
devem considerar as demandas que a memória de trabalho (M.T.) dos alunos pode
suportar, a fim de facilitar o processamento da informação. Existe uma tendência
dos alunos para explicar esse fenômeno químico no plano macroscópico, pois não
dispõem dos recursos simbólicos, no plano mental, para a compreensão das reações
químicas.
Diversos modelos têm sido propostos para demonstrar como os indivíduos
processam informações, desde a perspectiva da psicologia cognitiva. Um dos
modelos de processamento da informação foi desenvolvido por Atkinson e Shriffin
NÍVEL MACROSCÓPICO
NÍVEL SIMBÓLICO NÍVEL SUBMICROSCÓPICO
77
(1968), (Esquema 02), em que se propõe que a informação é processada e arma-
zenada em três etapas: memória sensorial, memória de curto prazo e memória de
longo prazo.
Esquema 02 – Modelo de processamento da informação de Atkinson e Shriffin (1968)
A aprendizagem efetiva depende das capacidades que têm os sujeitos para
dar significado às experiências, como estímulos do meio exterior. Para Escoriza
(1998), os processos cognitivos implicados na interpretação das experiências, nos
contextos específicos, incluem:
· atenção aos aspectos selecionados (atenção seletiva);
· identificação e interpretação da informação (percepção);
· organização da informação de forma tal que possa ser lembrada (memória);
· reconstrução da informação em níveis superiores e mais complexos para
sua aplicação na solução de problemas (representação do conhecimento).
informação
resposta
ao estímulo
 
 
Memória de Longo 
Prazo 
Memória de 
Curto Prazo 
Informação 
Esquecimento 
Repetição 
Memória 
Sensorial Estímulo 
INFORMAÇÃO QUE PERMANECE 
NA M.C.P 
I
n
f
o
r
m
a
ç
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Ativação 
Elaboração 
e codificação 
Processamento 
inicial 
 
E
s
q
u
e
c
i
m
e
n
t
o 
.
78
A teoria dos esquemas como processamento
da informação
A teoria dos esquemas procura elaborar descrições para os processos
cognitivos dos sujeitos como uma das formas de superar as limitações do condu-
tismo. É uma teoria baseada no princípio da “caixa branca”, uma vez que procura
modelos explicativos que explicitem como se produz a aprendizagem na mente
dos sujeitos. Tem como princípio considerar o sujeito como um “ente que processa
a informação”, baseada na analogia do sujeito com os computadores. Dessa forma,
a aprendizagem é resultado da geração de “esquemas mentais” como conseqüên-
cia do processamento da informação no sistema cognitivo. Segundo a teoria dos
esquemas como processamento da informação, o sistema cognitivo do sujeito se
estrutura em:
· um sistema de entrada da informação;
· uma base de dados na qual se disponibilizam a informação e as regras
para trabalhar essa informação;
· a saída da informação.
De acordo com essa teoria, o conhecimento é resultado do processamento
da informação e se organiza em redes de proposições constituídas por esquemas.
Os esquemas se formam como conseqüência da interpretação que os sujeitos dão
às situações específicas e são as “teorias” dos sujeitos relativas às suas experiências.
O processo de formação de esquema obedece a leis associativas, e o desenvolvimento
cognitivo produz-se por acúmulo de novas informações. Para Luffiego (2001), o
conhecimento é toda informação gerada pelo cérebro, o que fica nele e que pode ou
não ser manifestado. O conhecimento possui um significado que contém os esquemas
(as representações e os conceitos).
Os esquemas são representações cognitivas, nos quais estão os conheci-
mentos que se tem do mundo (adquiridos pela experiência como os outros), em
diferentes situações e por nossa experiência individual. São recursos cognitivos
para interpretar a informação, possibilitando ao sujeito relacionar-se com o mundo.
O esquema possibilita a seleção das informações, ou seja, o sujeito seleciona a
informação que é consistente com seus esquemas. Nos processos de codificação e
recuperação, os esquemas possibilitam a seleção, abstração e interpretação das
informações.
Como características comuns aos esquemas, podemos relacionar as seguintes:
· são pacotes de informações genéricas e flexíveis a várias situações;
· são unidades cognitivas de alto nível de abstração, como entidades con-
ceituais complexas e sistêmicas;
· são relacionados uns com os outros, ou seja, são estruturas organizadas;
· têm caráter multifuncional;
· são estruturas do conhecimento e da ação.
79
Os autores fazem vários tipos de classificação de esquemas. Assim, por
exemplo, pode-se falar de:
· esquemas visuais;
· esquemas situacionais;
· esquemas sociais;
· esquemas de sucesso;
· esquema de soluçãode problemas, etc.
Na aprendizagem como processamento de informação, o aluno apresenta
um papel ativo e consciente na validez de seus conceitos e dos processos, para
dar significado à informação, dependente dos conteúdos informativos.
O processo de aprendizagem
Para o processamento de informação, a aprendizagem é o resultado das mo-
dificações provocadas nas representações da memória pela aquisição de novos
conteúdos, assim como pela ativação e aplicação do conhecimento existente (Sierra
e Carretero, 1996). Segundo a Teoria dos esquemas, a aprendizagem é um processo
contínuo de incremento do número de esquemas preexistentes e do aperfeiçoa-
mento desses esquemas. Rumelhart (1984, apud Sierra e Carretero, 1996) considera
que a aprendizagem pode acontecer por acréscimo, reestruturação e ajuste.
· Aprendizagem por acréscimo – aprende-se por acréscimo quando não é
preciso modificar os esquemas existentes para codificar os conteúdos da informa-
ção; nesse processo, não se geram novos esquemas. A codificação resultante pro-
duz um novo vestígio de memória que, posteriormente, serve de chave para
reconstruir o input original. O conhecimento assim adquirido modifica o esquema,
na medida em que o capacita a responder questões anteriormente desconhecidas;
por isso diz-se que o sistema aprendeu algo novo. Essa é a forma de aprendiza-
gem mais comum e a menos profunda, uma vez que não exige a criação de novos
esquemas ou a modificação dos já existentes.
· Aprendizagem por reestruturação – aprende-se por reestruturação
quando a aquisição de novos conteúdos exige a reorganização dos esquemas exis-
tentes ou a criação de novos. É uma aprendizagem produzida por intermédio de
dois mecanismos: por indução (quando se aplicam regras de inferência), ao detec-
tar-se que uma dada configuração do esquema acontece simultaneamente; e por
geração de padrões (quando se utilizam velhos esquemas). Nesta última, criam-se
novos esquemas de conhecimento a partir dos já existentes. Exemplificando: quando
o aluno recorre às analogias para compreender e adquirir novas informações que
levam a reestruturar o esquema anterior.
· Aprendizagem por ajuste – aprende-se por ajuste quando mudanças
são introduzidas nos valores das partes variáveis dos esquemas, para poder pro-
cessar a informação.
80
A aprendizagem é um processo gradual que envolve, de forma simultânea, o
acréscimo, a reestruturação e o ajuste, mas a importância de cada um varia segun-
do as especificidades temporais da informação. No início da aprendizagem de uma
área de conteúdos conceituais, predomina o acréscimo. O acúmulo de conhecimen-
tos poderá levar à reestruturação dos esquemas para uma terceira etapa, que por
acréscimo dos esquemas gerados, levará ao seu ajuste progressivo.
Existem três formas de evolução ou mudança nos esquemas, de acordo
com Norman e Rumelhart (1975, p.137).
a) Melhorando a precisão. Uma forma de aprendizagem por ajuste consiste
em precisar os valores que podem tomar as partes variáveis do esquema. Mediante
a especificação dos conceitos, que se associam às variáveis com melhor exatidão,
as aplicações dos esquemas são cada vez mais precisas.
b) Generalizando a aplicação. Uma segunda forma de aprendizagem por
ajuste consiste em substituir uma variável do esquema, com valores fixos ou cons-
tantes, por outra com valores opcionais. Isso faz com que o esquema amplie sua
categoria de aplicação a situações e conceitos semelhantes aos quais representa.
c) Especializando a aplicação. Outra forma de aprendizagem por ajuste
consiste em restringir o nível de aplicação dos esquemas, ou limitando os valores
que podem tomar algumas de suas variáveis, ou substituindo variáveis com valores
opcionais, por outras com valores fixos ou constantes.
As estratégias de aprendizagem dos alunos estão relacionadas ao sucesso no
processamento da informação. Essas estratégias constituem processos de tomada
de decisão, nos quais os alunos selecionam e recuperam os conhecimentos neces-
sários para cumprimento de uma tarefa e objetivos específicos. As estratégias de
aprendizagem são explicadas pelos principais processos cognitivos do processa-
mento da informação: aquisição, codificação e recuperação, em relação às seqüên-
cias integradas de procedimentos mentais que facilitam esses processos cognitivos.
Limitações das teorias do processamento
da informação
O Processamento de Informação, assim como as demais teorias explica-
tivas da aprendizagem, possui limitações que precisam ser mencionadas (Pérez
Gómez, 1998).
1ª) A debilidade do paralelismo entre a máquina e o homem, pois, por mais
que uma máquina realize um trabalho inteligente, isso não significa que o faça
igual ao ser humano. Além do mais, no computador não existe mais do que o sis-
tema computacional (um sistema algorítmico de representações simbólicas e re-
gras ou instruções de atuação), enquanto que no homem existe a consciência, o
conhecimento do que conhece e do próprio ato de conhecer.
2ª) A ausência de vida afetiva. Nesse modelo, não existe a dimensão ener-
81
gética da conduta humana, ou seja: as emoções, os sentimentos, os desejos, etc.
De acordo com Piaget e Inhelder (2002), esse aspecto está presente e implícito em
toda ação, constituindo esta última o cerne de todo o desenvolvimento humano, e o
ponto central de sua teoria. Não se pode entender a aprendizagem escolar igno-
rando parcela importante do comportamento do aluno no grupo social da aula.
3ª) A exigência metodológica derivada da metáfora do computador e da
pretensão de comparação experimental das hipóteses restringe o modelo à análise
de um tipo de comportamento aparentemente racional.
4ª) Suas propostas têm uma orientação puramente cognitiva, ignorando a
dimensão executiva e comportamental do desenvolvimento humano.
Gómez e Sanmarti (1996, p.162) apontam as seguintes críticas às teorias
do processamento da informação:
· não apresentam uma visão global do pensamento humano;
· a analogia do sujeito com um computador limita os pressupostos do
modelo. Os problemas que o sujeito resolve são diferentes dos problemas que o
computador resolve. A mente humana procura informação e elabora respostas que
levam em conta suas metas; assim, pode aprender estratégias de aprender. O
computador é um receptor passivo que processa informações codificadas, responde
de forma simbólica e precisa da modificação do programa para mudar de estratégia;
· não explica como o processamento da informação no sujeito se afeta
pelos fatores afetivos, que têm um papel importante na aprendizagem humana;
· o paradigma do processamento da informação absolutiza o conheci-
mento humano como produto da percepção, da recepção, do armazenamento
(memória) e de recuperação da informação. Dessa forma, não valoriza o caráter
subjetivo da aprendizagem humana. É um enfoque no qual o ensino e a apren-
dizagem estão fundamentalmente no acúmulo de informações.
Não obstante as limitações do modelo de processamento de informação,
não há dúvidas quanto à sua importância como uma referência para se entender a
aprendizagem e a conduta inteligente do homem e, naturalmente, para a elabora-
ção de teorias e práticas didáticas. A informação codificada é armazenada e a utili-
zação da informação só é eficaz quando o seu acesso for pertinente no momento
oportuno. O processo de recuperação apropriado da informação é essencial na
aprendizagem; no entanto, a recuperação da informação depende do modo como a
informação foi armazenada na memória. Conseqüentemente, os processos de arma-
zenamento e recuperação da informação caminham lado a lado (Soares, 1997), e
são objeto de ativação nos processos de aprendizagem.
Conclusões
A aplicação da Teoria dos Esquemas na aprendizagem dos alunos é conve-
niente como modelo, uma vez que ela procura explicar as diferenças dos esque-
82
mas que a mente produz e que caracterizam o conhecimento científico e o conhe-
cimento do cotidiano. Essas duas formas de conhecimento têm estrutura e orga-
nização diferente e apresentam como resultado o fatode os alunos, por vezes,
demonstrarem dificuldades para ativar esquemas apropriados face a situações no-
vas. Os processos de atuação dos esquemas depende, dentre outros fatores, da
concordância entre um esquema prévio e a nova informação. (Campanario, 2004).
Quando essa relação resulta difícil de estabelecer, a aprendizagem não é signi-
ficativa.
Os estudos da psicologia cognitiva, baseados no processamento da infor-
mação, têm apontado para quatro atitudes que diferenciam a execução experta,
competente, num domínio dado. Essas quatro categorias são:
· conhecimentos básicos em domínios específicos, bem organizados e acesso
flexível, relativo a fatos, conceitos, princípios, regras, etc., que constituem os con-
teúdos básicos da matéria;
· estratégias heurísticas para a análise de problemas que possam incremen-
tar a probabilidade de encontrar as soluções corretas, pois induzem a enfoques
sistêmicos para a solução;
· metacognição;
· componentes afetivos, como crenças, atitudes e emoções relacionadas com
a matéria, objeto da aprendizagem.
Dessas categorias que norteiam a aprendizagem dos sujeitos competentes
(experts), podem-se deduzir algumas estratégias de ensino que facilitam a apren-
dizagem, tais como:
· uso de mapas e redes conceituais;
· solução de problemas contextualizados;
· metacognição;
· motivação pela aprendizagem;
· uso de projetor para o trabalho em grupo, etc.
Face às críticas ao processamento da informação, os paradigmas constru-
tivistas assumem o pensamento como resultado de uma atividade entre os sujeitos
e o contexto, ou seja, um processo social, culturalmente situado e contextualizado.
Diferentemente do processamento de informação, para o qual a aprendizagem é
uma construção ativa e individual do aluno, nas perspectivas construtivistas, esses
processos resultam da transformação do conhecimento como construção e não
como aquisição.
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84
O CONSTRUTIVISMO NO ENSINO DE
CIÊNCIAS DA NATUREZA E DA MATEMÁTICA
Analice de Almeida Lima,
José Paulino Filho
e Isauro Beltrán Nuñez
Introdução
Com base nos conhecimentos construídos em diferentes campos, como
o da epistemologia, psicologia da aprendizagem e história das ciências, nos
anos 80, surge no Ocidente uma perspectiva denominada construtivismo, que
propiciará um outro olhar no processo de ensino-aprendizagem, até então bas-
tante influenciado por uma perspectiva tradicional marcada pela transmissão-
recepção de informações.
O construtivismo tem como antecedente o movimento da Escola Nova,
que vai tecer críticas à pedagogia tradicional, assumindo uma concepção refor-
mista e uma atitude transformadora dos processos escolares (Arroyo, 2004).
No que se refere à epistemologia, destacamos as contribuições trazidas por
filósofos críticos ao positivismo como Kuhn, Lakatos, Toulmin, Bachelard, entre
outros. Em termos de contribuições psicológicas, devem ser ressaltados os traba-
lhos de Piaget (1997), no sentido de que a inteligência atravessa fases qualita-
tivamente distintas; de Vigotsky (1998), ao enfatizar que o conhecimento é um
produto da interação social e da cultura, concebendo o sujeito como um ser emi-
nentemente social, e de Ausubel (1978), ao evidenciar a importância das idéias
que os sujeitos trazem para a construção do conhecimento. Para os teóricos
mencionados, aprender é um processo de construção de novos significados, de
atribuir novas representações para o objeto de estudo.
O construtivismo sustenta a idéia de que o homem, tanto nos aspectos cog-
nitivos e sociais do comportamento como nos afetivos, não é um mero produto do
ambiente nem um simples resultado de suas disposições, mas sim uma construção
da interação ativa deste com o ambiente em que vive. O conhecimento, portanto,
não é uma cópia da realidade, mas uma construção humana.
Buscaremos neste capítulo apresentar algumas considerações iniciais acer-
ca do construtivismo no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática (que
serão discutidas com mais detalhes em outros capítulos), procurando apontar
os elementos comuns às diferentes discussões sobre o construtivismo, pois, para
sermos precisos, deveríamos falar de “construtivismos”. Inicialmente, lançare-
mos um breve olhar pela história do ensino das Ciências da natureza, de modo
85
a situar o surgimento do construtivismo como um paradigma que orienta o en-
sino-aprendizagem; em seguida, discutiremos questões importantes acerca do
construtivismo, auxiliando a compreensão sobre o seu sentido no ensino das
Ciências e da Matemática, o que nos ajudará a entender a aprendizagem dos alu-
nos. No tópico seguinte, apresentaremos uma breve discussão relacionada ao
construtivismo e à matemática e, finalmente, apontaremos algumas estratégias
de ensino que podem subsidiar o processo de construção do conhecimento cien-
tífico por parte dos alunos.
1. Ensino de Ciências: situando o construtivismo
No Brasil e em outros países do mundo Ocidental, o ensino de Ciências,
no período de 1950 a 1960, foi bastante influenciado pelas transformações decor-
rentes da Segunda Guerra Mundial, como a industrialização, o desenvolvimento
tecnológico e científico, tendo como um importante marco o lançamento da Sputinik,
em 1957 (Krasilchick, 1987).
A partir desse período, para o ensino de ciências, que, na maioria das escolas,
era teórico, livresco, memorístico, passam a ser exigidas algumas modificações,
como a incorporação nos currículos de Física, Química e Biologia das descober-
tas nessas áreas, bem como a introduçãode métodos ativos em que preponderava
o uso de laboratório.
Figura 01 – O ensino memorístico e livresco procura ser substituído por uma metodologia ativa
Essa tendência de propor uma metodologia ativa, segundo Gil (1993), mar-
ca a década de 1960-1970, no contexto anglo-saxão, conhecida como ensino por
descoberta, que se centrava na realização de atividades em que os alunos traba-
lhavam de modo autônomo.
Na tentativa de superar a metodologia predominante no ensino-aprendizagem
86
de Ciências até então marcado pela transmissão-recepção de informações, a
aprendizagem por descoberta, ao contrário do que se esperava, passa a ser alvo de
muitas críticas por vários pesquisadores, em virtude de limitações apresentadas
ao ensino de Ciências, entre as quais podemos destacar a visão distorcida sobre a
ciência e trabalho dos cientistas que eram transmitidos aos alunos.
Hodson (1992), por exemplo, destaca que as limitações em relação a esse
tipo de aprendizagem vão além do campo epistemológico. Esse autor ressalta que
os alunos não irão por si só descobrir conceitos científicos, pois eles estão envol-
vidos na aprendizagem de um dado aspecto do conhecimento científico (fatos esta-
belecidos), o que caracterizaria, portanto, a redescoberta, em que é importante a
mediação do professor.
As críticas ao ensino por descoberta conduziram a um novo olhar para o
ensino por transmissão. Em tal perspectiva, sobressaem-se os trabalhos de Ausubel
(1978) e Novak (1979 apud Gil, 1993), que apontam como positiva a metodolo-
gia caracterizada pela transmissão-recepção de informações, desde que as novas
informações estejam relacionadas significativamente com os conhecimentos
preexistentes na estrutura cognitiva do sujeito.
Nessa perspectiva, Gil (1993) considera que os trabalhos de Ausubel têm
uma importante contribuição, tanto em relação a uma fundamentação teórica que
questiona a visão reducionista do ensino por descoberta (pois não há garantia de
que os conceitos a serem descobertos serão significativos para o sujeito) quanto
na apresentação de um modelo coerente baseado na transmissão-recepção.
Por outro lado, as questões discutidas por Ausubel (1978) receberam im-
portantes críticas, pois se observou que os alunos apresentavam erros conceituais
em conteúdos de ciências, remetendo à necessidade de se repensar o processo de
ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção de informações.
Inicialmente, as investigações eram centradas em evidenciar a extensão e
natureza dos erros conceituais, bem como na necessidade de desenvolver estraté-
gias que superassem os resultados decorrentes desses erros. Posteriormente, as
pesquisas buscaram explicar a existência de idéias prévias sobre os temas científicos
antes de os estudantes estarem inseridos na instituição escolar (Gil, 1993).
Na década de 1970, inicia-se uma série de pesquisas em relação às concepções
alternativas dos estudantes ou idéias prévias, norteadas por questões que carac-
terizam essas idéias, as quais destacamos no Esquema 01.
87
Esquema 01– Características das idéias prévias
As idéias prévias são consideradas como provenientes das experiências
cotidianas dos alunos, tanto em relação às suas experiências físicas como às so-
ciais referentes à constituição de um conhecimento pré-científico, e/ou origi-
nadas a partir do próprio contexto educativo (Gil, 1993).
As questões citadas acima ratificam todas as fragilidades discutidas, tanto
as do ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção quanto aquelas nor-
teadas pela descoberta, pois as idéias prévias, tão enraizadas nas estruturas cog-
nitivas, não são resgatadas nesses modelos de ensino e sua permanência, de acordo
com Bachelard (1996), podem constituir-se em obstáculos epistemológicos à cons-
trução do conhecimento. Esse autor esclarece que os obstáculos epistemológicos
são subjetivos, pois normalmente estão relacionados a crenças, geralmente incons-
cientes, que os sujeitos têm e que impedem de avançar em seus conhecimentos.
Esses obstáculos enraízam-se em diversas fontes, como as primeiras experiências
infantis, o processo de ensino-aprendizagem durante a educação escolar, etc.
O movimento das concepções alternativas ou idéias prévias sinaliza para a
necessidade de uma concepção diferenciada às já adotadas para o processo de
ensino-aprendizagem, de modo a subsidiar a mudança das concepções prévias dos
estudantes pelo conhecimento científico.
Uma das propostas é a de Posner et al. (1982), conhecida como mudança
conceitual, que se fundamenta no paralelismo existente entre o desenvolvimento
conceitual de um indivíduo e a evolução histórica dos conhecimentos científicos.
São persistentes
e dificilmente são
modificadaas durante o
ensino-aprendizagem
tradicional
Apresentam
uma certa
coerência interna
IDÉIAS
PRÉVIAS
Têm semelhança,
algumas vezes, com as
concepções aceitas em períodos
da História das Ciências
São comuns a
aluno de
diversos meios
e idades
88
Para que essa mudança ocorra, os autores destacam postulados importantes, tais
como:
- deve-se produzir uma insatisfação com os conceitos já existentes;
- deve haver, por parte do estudante, uma compreensão sobre a nova
concepção;
- deve-se oportunizar momentos para que os novos conceitos sejam utilizados.
Para Carretero e Limón (1996 apud Gil et al., 1999), atualmente, algumas
interpretações simplistas das idéias construtivistas têm destacado que propostas
baseadas na aplicação da seqüência: partir dos conhecimentos prévios dos alunos;
proporcionar conflitos cognitivos e mudar as idéias iniciais resolveriam muitos
dos problemas educativos. É importante, porém, ressaltar que essas estratégias,
que, na atualidade, aparecem como fórmulas simplistas, não foram apresentadas
por seus autores de uma forma tão esquemática (Posner et al., 1982; Pozo, 2002).
Apesar de apresentar avanços em relação ao ensino baseado na transmissão-
recepção de informações, algumas críticas são feitas em relação à mudança con-
ceitual. Os estudos de Gil (1993), por exemplo, têm mostrado que algumas idéias
prévias são resistentes a mudanças e em outros casos concepções que foram tidas
como superadas, reaparecem.
Gil (1993) ressalta que se olharmos historicamente a construção do conhe-
cimento na ciência, a mudança conceitual não ocorreu de modo fácil e, assim, é
óbvio que essa mudança não acontecerá de maneira fácil com os estudantes. É
necessário propor situações em que eles possam construir hipóteses, planejar,
realizar e analisar os resultados dos experimentos; portanto, a mudança conceitual
deve estar associada a uma mudança metodológica que supere a forma de pensar
do senso comum, de modo a aproximar-se de uma metodologia científica e não
simplesmente da modificação de idéias.
A perspectiva de investigação dirigida é uma proposição mais atual do para-
digma construtivista, concebendo a aprendizagem como tratamento de situações
problemáticas abertas que sejam interessantes para os alunos. As situações de
conflito cognitivo não são geradas por um questionamento externo às idéias dos
estudantes, nem pela ratificação da insuficiência do próprio pensamento com as
implicações afetivas, mas por um trabalho de aprofundamento no qual as idéias
tomadas como hipóteses são substituídas por outras, tão pessoais como as ante-
riores. Não se trata de eliminar os conflitos cognitivos, mas de evitar que adqui-
ram um caráter de confrontação entre as idéias dos estudantes (tidas como erradas)
e os conhecimentos científicos (externos ao aluno e corretos).
Hodson (1992) considera que os alunos desenvolvem melhor a sua compreen-
são conceitual e aprendem mais sobre a natureza da ciência quando participam de
investigações científicas, com oportunidades suficientes para a investigação.
Esse modelo, para Gil et al. (1999), permite tanto a reconstrução dos conhe-
cimentos científicos, que normalmente são transmitidos já elaborados, quanto afasta
a idéia de que as proposições construtivistas são simples receitas.
89
Essa breve retrospectiva, na qual foi apresentadoo movimento das idéias
alternativas, o modelo de mudança conceitual e o modelo de investigação dirigida,
auxilia a nossa compreensão em relação à aprendizagem dos nossos alunos de
maneira diferenciada daquela proposta no ensino tradicional, baseada na trans-
missão-recepção de informações, uma vez que os alunos constroem ativamente os
seus conhecimentos sob determinadas condições.
 Nesse sentido, Rodrigo e Cubero (2000) apresentam princípios básicos
das diferentes concepções construtivistas, que se podem assim resumir:
- o sujeito interpreta suas experiências com base em seus próprios conhe-
cimentos e é o protagonista ativo de sua aprendizagem;
- a construção do conhecimento na sala de aula é um processo social e
compartilhado;
- o contexto influencia a construção do conhecimento e as capacidades dos
alunos, porque é nele que se dá sentido à experiência e se relacionam os signifi-
cados que se geram nele.
Arroyo (2004) diz que o construtivismo não conta em si com um objeto de
estudo, mas com premissas, como já destacamos, das obras de Piaget, Vigotsky,
Ausubel e dos precursores das ciências cognitivas que contribuem com o sistema
educativo com duas questões centrais:
- oferece pistas importantes para compreender os processos humanos de
criação, produção, reprodução de conhecimentos;
- abre a possibilidade, com base na questão anterior, de desenvolver novos
enfoques, aplicações didáticas e concepções curriculares em qualquer âmbito da
educação escolarizada, assim como uma série de inovações dirigidas às práticas
educativas.
2. Construtivismo ou construtivismos:
em busca de um sentido
Atualmente, na literatura referente ao ensino de ciências, encontramos
publicações que discutem os sentidos que o termo construtivismo tem assumido
na área educacional. Entre outros podemos destacar, Rodrigo e Cubero (2000),
Galiazzi (2000), Carretero (1997) e Gil et al. (1999).
Rodrigo e Cubero (2000) identificam três níveis de análise para os postula-
dos dos “diversos construtivismos”: o epistemológico, o psicológico e o educativo.
Esses autores destacam, inicialmente, que o construtivismo é uma perspec-
tiva epistemológica que procura explicar a natureza do conhecimento, como este é
gerado e como muda. O conhecimento é resultado da interação entre o sujeito e a
realidade, interação esta que é necessária à construção das representações e
expectativas dos sujeitos. Assim, o sujeito é quem constrói o conhecimento de
forma ativa.
90
Nos sentidos psicológico e educativo, existem diferentes expressões, tais
como o construtivismo piagetiano, o construtivismo cognitivo (baseado na teoria
dos esquemas e no processamento de informação); o construtivismo sociocogni-
tivo; o enfoque sociocultural; a aprendizagem significativa e a teoria da constru-
ção do conhecimento em domínios específicos.
Galiazzi (2000, p.151) aponta uma multiplicidade de significados, citando
quinze acepções construtivistas diferentes, destacando que
[... ] existem vários construtivismos. E em todos os campos teóricos
entendo-os como um modo de pensar sobre como ocorre o conhecimen-
to no indivíduo, no grupo, na pesquisa, na sala de aula. Em todos os
domínios é uma referência, não um modelo. É um ponto de partida não
de chegada. [...] cada professor constrói o seu modelo construtivista de
ser professor e este modelo não é estático, pode ser testado, reformu-
lado, construído e reconstruído.
A multiplicidade de perspectivas construtivistas também é assinalada por
Carretero (1997), ao ressaltar três tendências que apresentamos no Esquema 02.
 Esquema 02 – Diferentes perspectivas construtivistas encontradas
 na literatura (Carretero, 1997)
Carretero (1997) destaca que a perspectiva individual (Esquema 02) é
influenciada pela visão de Piaget, Ausubel e da Psicologia Cognitiva, ao se basear
na idéia de um indivíduo que aprende à margem de seu contexto social. A perspec-
tiva coletiva é sustentada por pesquisadores que adotam uma posição vigotskyana
radical que, na atualidade, conduziu a posições como a “cognição situada” (em um
contexto social), que enfatiza o social. A terceira perspectiva integra as dimen-
sões coletiva e individual, sendo influenciada por construtivistas que podem ser
considerados “a meio caminho” entre as postulações piagetianas, cognitivas e
vigotskyanas.
Neste texto, enfatizamos a relevância da terceira perspectiva, por conce-
ber a aprendizagem como um processo que depende das dimensões individual e
 
 
 
 
Perspectiva 
Individual 
Perspectiva 
Coletiva 
Perspectiva 
Coletiva e 
Individual 
CONSTRUTIVISMO 
91
coletiva. Assim, a aprendizagem não ocorre apenas no social, ainda que se atri-
bua uma importância significativa à linguagem e à cultura.
Buscando questões que subsidiem a compreensão da orientação construti-
vista, apresentamos as considerações de Driver e Oldham (1986), ao destacarem
quatro características em relação ao processo de aprendizagem apoiando-se em
uma posição construtivista:
– os estudantes têm suas idéias explicativas sobre os fenômenos físicos e
químicos, mesmo antes de chegarem à escola;
– a mudança conceitual produzir-se-á em uma situação na qual as idéias
não conseguem explicar o fenômeno. A nova teoria será formada por reestrutu-
ração da teoria prévia e deve superá-la quando estabelecer novas e melhores rela-
ções entre as idéias;
– a aprendizagem ativa de significados supõe uma seqüência de situações
de equilíbrio e desequilíbrio ou de conflito cognitivo, embora seja importante des-
tacar que nem todos os conflitos cognitivos conduzem a uma re-estruturação da
teoria inicial;
 – o aluno deve ser protagonista de sua própria aprendizagem e isso deve
manifestar-se necessariamente em sua tomada de consciência e na existência de
um conflito cognitivo. Embora esta seja uma condição necessária, não é sufi-
ciente, porque falta determinar quais são os processos que intervêm na solução
do conflito para que este gere compreensão.
Contribuindo ainda nessa direção, Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig,
1996) aponta dois princípios básicos em relação ao pensamento construtivista, que
são apresentados na Figura 02.
 Figura 02 – Princípios básicos em relação ao pensamento
 construtivista Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig, 1996)
O aluno constrói formas próprias de ver e
explicar o mundo, o que é diferente de se pen-
sar por meio de sua atividade. O aluno redes-
cobre os conceitos e teorias próprias da ciência
A aprendizagem é mais uma conse-
qüência de um processo mental do
que de um acúmulo de informações
 
92
As considerações feitas anteriormente ressaltam a importância de que nas
aulas de ciências: 1) haja a participação ativa dos alunos nas atividades propostas
pelo professor; 2) o professor conheça as idéias que os alunos trazem para a escola,
de modo a subsidiar a organização de atividades que auxiliem à aprendizagem dos
alunos e 3) haja a relevância do diálogo para o avanço da aprendizagem.
3. Construtivismo no ensino de Ciências: uma reflexão
sobre as estratégias de ensino
Para Moliné e Puig (1996), o professor, durante as aulas de ciências, deve
organizar atividades relevantes para a aprendizagem dos alunos e acompanhar o
trabalho destes nas diferentes fases da seqüência planejada. Considerando essa
visão, é importante que o professor possa propor estratégias que subsidiem a
construção do conhecimento por parte dos seus alunos nessas aulas. Em Driver e
Oldham (1986), encontramos contribuições nesse sentido, quando sinalizam algumas
questões importantes que devem ser consideradas no ensino-aprendizagem em
ciências:
– encontrar as idéias anteriores dos alunos e determinar as relações neces-
sárias entre o que se vai ensinar e o que alunos já sabem, visto que os nossos
alunos não são tábulas rasas;
– encontrar os pontos de vista alternativos dos alunos, apresentando outras
considerações, de tal forma que fiquem estimuladosa reconsiderarem ou modifi-
carem tais pontos de vista e possam encontrar sentido para estabelecer relações;
– encontrar os significados e conceitos gerados pelos alunos, já que a partir
de seus conhecimentos, de suas atitudes, habilidades e experiências pode-se subsi-
diá-los a gerar novas significações e conceitos que sejam de utilidade pessoal.
Sanmartí (1993 apud Moliné; Puig, 1996) apresenta fases para organização
de atividades, de acordo com uma orientação construtivista, que podem nortear a
organização das atividades nas aulas de ciências, conforme o Esquema 03.
93
 Esquema 03 – Fases para organização de atividades
 Fonte: (Sanmarti, 1993 apud Moliné; Puig, 1996)
Na fase de exploração, é importante que o professor conheça o que os alu-
nos compreendem sobre o tema a ser estudado, a linguagem que utilizam, os racio-
cínios que aplicam, etc. As perguntas contextualizadas e abertas podem ser boas
atividades de exploração, sempre que sejam acompanhadas de discussões em
pequenos grupos e finalmente na totalidade do grupo.
A fase posterior tem por objetivo provocar a evolução do pensamento do
aluno, mediante as confrontações, o uso de analogias e a introdução de novos pon-
tos de vista por parte do docente e dos alunos, subsidiando os alunos a integrarem
conceitos e procedimentos que se aproximam dos utilizados na ciência.
A fase de estruturação e formalização objetiva encontrar uma imagem men-
tal ou uma estratégia operativa ou matemática, que podem ser figuras geométri-
cas, características comuns de uma série, proporcionalidades, etc. Para facilitar
a estruturação e formalização do conhecimento, existem instrumentos muito úteis,
como os mapas conceituais e, em geral, qualquer instrumento de resumo ou síntese
construído pelo aluno, visto que se pretende que este reconheça o que sabe e o que
não sabe.
A última fase relaciona-se com o fato de que, ao acontecer uma aprendi-
zagem significativa, o aluno pode aplicar seus conceitos reestruturados a novas
situações, bem como compará-los com o conceito inicial, a fim de reconhecer seu
progresso e avaliar as vantagens da nova posição.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 – FASE DE 
EXPLORAÇÃO 
2 – FASE DE 
INTRODUÇÃO DE 
NOVOS PONTOS DE 
VISTA 
3 – FASE DE 
ESTRUTURAÇÃO E 
DE FORMALIZAÇÃO 
4 – FASE DE 
APLICAÇÃO E 
AVALIAÇÃO 
94
É importante conceber essas considerações como orientações que po-
dem auxiliar a construção do conhecimento por parte dos alunos e não como um
algoritmo, uma receita.
4. O construtivismo, a matemática e o seu ensino
A educação matemática está atualmente estabelecida em todo o mundo
como importante área de estudo e pesquisa, com um grande número de produção
que se tem voltado para a problemática do ensino e aprendizagem da Matemá-
tica e para o próprio edifício da Matemática como ciência. Nessa perspectiva, a
educação matemática tem se constituído num campo disciplinar, situado no lugar
de confluência de outras áreas do conhecimento, dentre as quais podemos citar a
Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Educação, a Matemática, etc.
Nas três últimas décadas, uma perspectiva teórica que surgiu nessa área
foi o Construtivismo. O Construtivismo tornou-se um termo amplo que abrange
uma multiplicidade de teorias e concepções de conhecimentos, de aprendiza-
gem, criando uma zona densa de significados. Podemos afirmar, então, que é um
termo polissêmico. Em virtude da necessidade de uma análise crítica mais cuida-
dosa e elaborada a respeito das várias concepções, sob a égide construtivista, os
currículos educacionais estruturados sob suas orientações a respeito da realidade,
conhecimento e valor podem apresentar dissonâncias internas.
Olhando-se o Construtivismo sob a ótica da Filosofia e de uma perspectiva
interna, seus procedimentos divergem quando são colocadas questões sobre a
realidade à qual o conhecimento se refere. Questões do tipo: a linguagem repre-
senta a realidade? Representa a construção do conhecimento ou o conhecimento
em construção? O social é o real? Como conhecer o social? A realidade é cons-
truída? As respostas a essas questões são divergentes, dependendo da perspectiva
teórica ou concepção que se assume sobre o Construtivismo.
Em meio à ampla diversidade de concepções consideradas como constru-
tivistas, voltaremos nosso foco, inicialmente, para o Construtivismo Radical e sua
versão para o ensino da matemática, uma vez que é uma das tendências constru-
tivistas de maior influência num meio acadêmico educativo. Reservaremos uma
atenção particular às posições e aos trabalhos de Ernst Von Glasersfeld, como re-
presentante largamente reconhecido, tanto pela sua produção teórica como pelas
influências que esta tem no ensino da Matemática.
O Construtivismo Radical é uma abordagem não convencional dos proble-
mas do conhecimento e do ato de conhecer. É uma posição teórica que implica a
reconstrução radical dos conceitos de conhecimento, verdade, comunicação e
entendimento, sendo abertamente instrumentalista. Substitui a noção de verdade
(como representação verdadeira de uma realidade independente) pela noção de
viabilidade dentro do mundo experiencial dos sujeitos (Glasersfeld, 1995). O autor
parte da posição de que o conhecimento, independentemente da forma como for
95
definido, está na cabeça das pessoas e o sujeito pensante não tem alternativa se não
construir o que já conhece com base na sua própria experiência. Aquilo que faze-
mos da experiência constitui o único mundo onde vivemos de maneira consciente.
O Construtivismo Radical é uma perspectiva teórica sobre o modo de co-
nhecer com muitas potencialidades. Uma delas é que assume uma posição céptica
em epistemologia que incorpora uma visão falibilista da Matemática. Os céticos
sustentavam que o que chegamos a conhecer passa por nosso sistema sensorial, e
nosso sistema conceitual nos brinda com um quadro ou imagem, mas, quando
queremos saber se este quadro ou imagem é correto, se é uma imagem verdadeira
de um mundo externo, ficamos completamente confusos, já que, cada vez que
contemplamos o mundo externo, o que vemos é visto de novo através do nosso
sistema sensorial e nosso sistema conceitual.
Assim, não temos maneira de chegar ao mundo externo senão por meio de
nossas experiências dele. Para os céticos, não havia nenhum problema em que a
ciência criasse modelos racionais, mas sempre seriam modelos de nosso mundo de
experiência e não do mundo real. Para a visão falibilista, a matemática é uma
atividade humana, imperfeita e sujeita a erros, que cresce através de críticas e
correções em um constante refinamento.
FIigura 03 – O conhecimento matemático é passível de erros e sujeito à refutação
Desde a Grécia Antiga, a Matemática tem se desenvolvido lado a lado com
a Filosofia, sendo fonte de inúmeras questões debatidas pelos filósofos. A Filosofia
da Matemática, portanto, é um ramo da Filosofia que reflete sobre a Matemática e
lança perguntas tais como: qual é a natureza do conhecimento matemático? E qual
é a natureza da verdade na Matemática? Em que se fundamenta?
As várias respostas a essas e outras questões dão origem às diversas visões
filosóficas sobre a Matemática. O Esquema 04 a seguir mostra, segundo Ernest
(1991a) como essas visões podem ser agrupadas.
 
 
???? 
96
Esquema 04 – Visões filosóficas da Matemática segundo Ernest (1991)
Segundo a visão absolutista, “o conhecimento matemático é feito de ver-
dades absolutas e representa o domínio único do conhecimento incontestável”
(Ernest, 1991a, p.7). A visão falibilista, por outro lado, considera o conhecimento
matemático falível, isto é, não estático, muda, é corrigível e está em contínua
expansão, como qualquer outro tipo de conhecimento humano.
Entre as concepções absolutistas, que vêem a Matemática como o domínio
do conhecimento incontestável, Ernest (1991a) aponta o platonismo, o logicismo,
o intuicionismo e o formalismo.
Figura 04 – Nas concepçõesabsolutistas, a Matemática
apresenta a verdade sobre o mundo de forma irrefutável
Na perspectiva falibilista – sustentada pelas idéias de Lakatos e, mais
recentemente, por Davis, Hersh e Tymockzo –, a Matemática é uma atividade
humana imperfeita e sujeita a erros, que cresce através das críticas e correções
feitas pela comunidade matemática. Nessa concepção filosófica, provar um teo-
rema é um processo contínuo que inicia com uma conjetura e parte para uma
prova provisória, que será refutada por contra-exemplos. Assim, a conjetura ini-
cial vai sendo refinada.
 
Visões Filosóficas 
sobre a Matemática 
 
Falibilista
 
Absolutista
97
O processo de criação de uma prova matemática é social, na medida em
que os vários passos da demonstração vão sendo criticados pela comunidade
(professores, alunos e colegas). É nessa perspectiva que a orientação do Constru-
tivismo Radical tem influenciado fortemente essa visão falibilista da Matemática.
Em Ernest (1991b, 1996a), o autor sugere as possíveis relações entre as
concepções filosóficas e as posturas pedagógicas, sendo que a oposição entre as
visões absolutista e falibilista é apresentada como a contraposição respectiva entre
o ensino de Matemática como produto e como processo.
Na abordagem absolutista, o ensino é centrado no conteúdo; o professor en-
fatiza a beleza das demonstrações, exige a prova de todos os resultados, justifica
o uso de determinados algoritmos, enfim, transmite um conhecimento estável, e
hierarquicamente estruturado, em que cada conteúdo depende dos anteriores.
Por outro lado, o ensino baseado na visão falibilista pode ser centrado na
resolução de problemas; o professor não impõe a solução. Ela é buscada, em con-
junto, pelo grupo de alunos que testam hipóteses e as refutam. E o conhecimento
desenvolve-se a partir das correções, buscando um refinamento. Evidentemente,
esta última postura pedagógica tem seus fundamentos no construtivismo, como
teoria do conhecimento e da aprendizagem.
Os princípios básicos do Construtivismo Radical, segundo Glasersfeld
(1991) estão apresentados no Esquema 05 abaixo.
 Esquema 05 – Princípios que fundamentam o Construtivismo Radical (Glasersfeld, 1991)
Esses princípios básicos do Construtivismo Radical emergem de forma
muito evidente quando se estudam de forma cuidadosa os escritos de Piaget. Estes
não podem ser adotados casualmente. Eles são incompatíveis com as noções tradi-
 
Princípios do 
Construtivismo 
Radical 
 
O conhecimento não é 
recebido passivamente seja 
por meio dos sentidos seja por 
meio da comunicação. 
 
A função da cognição é 
adaptativa, no sentido biológico 
do termo, tendendo para a 
adaptação ou viabilidade. 
 
O conhecimento 
é construído 
ativamente pelo 
sujeito cognoscente. 
 
A cognição serve à organização 
do mundo da experiência do 
sujeito, não à descoberta de uma 
realidade ontológica objetiva. 
98
cionais de conhecimento, verdade e objetividade que requerem uma ressignifi-
cação radical da concepção de realidade. Assim,
[...] ao invés de um domínio inacessível além da percepção e da cog-
nição, a realidade torna-se agora o mundo da experiência no qual nós
vivemos. Este mundo não é uma estrutura independente imutável, mas
o resultado de diferenças que geram um ambiente físico e social ao
qual, por outro lado, nos adaptamos da melhor forma que podemos
(Glasersfeld, 1991, p.33).
Dessa forma, não podemos adotar os princípios construtivistas como uma
verdade absoluta, mas como uma hipótese de trabalho que pode ou não se tornar
viável. O construtivismo é radical, porque rompe com as convenções e desenvol-
ve uma teoria do conhecimento na qual este não se refere a uma realidade ontoló-
gica, objetiva, mas exclusivamente ao ordenamento e à organização de mundo
construído por nossas experiências, como defende Glasersfeld (1991).
Embora os postulados, princípios e orientações do construtivismo radical
não tenham uma repercussão clara na prática pedagógica, existem algumas ten-
tativas de fundamentar os modelos didáticos a partir dessa perspectiva construti-
vista. Concebemos, pedagogicamente, atividade construtivista de ensino como o
encaminhamento didático dado ao processo construtivo de geração do conheci-
mento matemático, que provoca a criatividade e o espírito desafiador do aluno
para construir suas idéias sobre o que pretende aprender.
É importante mencionarmos que essas atividades construtivistas, segundo
o modelo proposto por Dockweiller (1996), devem-se constituir em um processo
construtivo, contínuo do conhecimento, considerando os três modos de represen-
tar os conceitos matemáticos: físico-visual, oral e simbólico. Dessa maneira, as
representações dos conceitos matemáticos podem ser alcançadas, inicialmente,
nas atividades de desenvolvimento, seguidas de atividades de conexão e finalizando
com as de abstração.
As atividades de desenvolvimento são aquelas que permitem ao estudante
experimentar um conceito matemático e se familiarizar com as condições formais
de descrição desse conceito. As atividades de conexão dão seqüência à aprendiza-
gem do conceito matemático, desde que conectem as compreensões conceituais
representadas física e oralmente, buscando conduzir o estudante ao processo de
representação simbólica. As atividades de abstração exploram mais profundamente
a representação simbólica de um conceito matemático, tendo em vista explorar a
capacidade do aluno em comunicar amplamente as suas idéias matemáticas.
Para ilustrar o modelo proposto por Dockweiller (1996), uma atividade inte-
ressante no ensino médio seria a exploração da Relação de Euler na sala de aula:
V + F - 2 = A
99
A atividade consiste em apresentar poliedros convexos para os alunos e
solicitar que contem as faces, vértices e arestas dos poliedros, organizando os
resultados obtidos numa tabela. Nessa oportunidade, poderão ser feitas algumas
perguntas do tipo: o que é uma aresta? E vértice? E face? Qual o número mínimo
de faces que formam um poliedro? Por quê?
Após a tabela estar preenchida, peça aos alunos que a observem e regis-
trem todas as relações entre faces, vértices e arestas que encontrarem. Pergunte a
eles se seria possível, conhecendo-se os números de faces e vértices do poliedro,
encontrar o número de arestas. A mesma situação-problema pode ser encaminhada
com relação aos poliedros não-convexos. A idéia é que os alunos reconstruam, por
meio da sua própria atividade a Relação de Euler e analisem a sua validade para
poliedros convexos e não convexos. Um dos objetivos do professor neste caso é
que os alunos cheguem à seguinte conclusão: todo poliedro convexo é euleriano,
mas que nem todo poliedro euleriano é convexo. E ainda: a Relação de Euler não
vale para todos os poliedros não convexos.
Os argumentos teóricos favoráveis a essa abordagem pressupõem que o
bom desempenho dos professores durante suas atividades educativas deve condu-
zir os estudantes a uma construção mais dinâmica e construtiva da Matemática
ensinada na sala de aula. É imprescindível então estabelecermos uma proposta de
abordagem para o ensino da Matemática que integre, no processo do raciocínio do
aluno, aspectos interativos contidos no conhecimento cotidiano, escolar e científico.
Como estratégia de ensino e aprendizagem, a Resolução de Problemas tem,
de certa forma, seus fundamentos no Construtivismo Radical. Nessa estratégia, há
uma tendência em se privilegiar os problemas abertos em detrimento de simples
exercícios, como vimos em capítulos anteriores, porque essa alternativa tem mais
potencial para um trabalho numa perspectiva construtivista, uma vez que possibilita
ao aluno momentos para desenvolver sua criatividade, a atitude de investigação, a
construção do pensamento autônomo e para lidar com verdadeiros problemas.
O encaminhamento metodológico perpassa, assim, aspectos teóricos rela-
cionados ao processo de raciocínio matemático e à atividade matemática produ-
tiva. Esse raciocínio e essa atividade configuram o modo representacional do racio-
cínio matemáticosob a forma simbólica e mental as quais, interligadas entre si,
geram abstração matemática. Além disso, cremos que tal movimento processual se
concretiza por meio da realização de atividades matemáticas organizadas a par-
tir de três componentes: intuitivo, algorítmico e formal (Mendes, 1997). Essas
são, para nós, as características que devem nortear uma proposta de ensino de
Matemática que fomente no estudante a prática da investigação como meio de
construção do seu conhecimento.
Ao se adotar com seriedade a orientação construtivista radical, devem-se
operar mudanças importantes no pensamento e nas atitudes. Não é ofensivo falar
de conhecimento, matemática e outros assuntos como se tais assuntos tivessem
status ontológico, objetivo. Admitindo-se os princípios do Construtivismo Radical,
100
não o considerar como uma representação ou descrição de uma realidade abso-
luta, mas como um possível modelo de conhecimento em seres vivos cognitivos,
que são capazes, em virtude de sua própria experiência, de construir um mundo
mais ou menos digno de confiança.
5. Considerações finais
Não tivemos a intenção neste texto de apresentar idéias acabadas do que
representa o construtivismo para o ensino de Ciências e da Matemática na atuali-
dade, mas de trazer uma série de reflexões, nossas e de outros teóricos, de modo a
buscar uma aproximação do que de fato representa essa categoria que permeia o
campo epistemológico, psicológico e educacional.
Com relação ao modo de conhecer, Glasersfeld (1991, p.18) indica que “o
que quer que entendamos sobre o conhecimento, não pode mais ser a imagem ou a
representação de um universo independente daquele vivido”. Sua afirmação nos
faz refletir acerca da incerteza ou da verdade absoluta revestida do conhecimento
matemático ensinado nas escolas. Isso significa proporcionarmos aos estudantes
várias possibilidades de reflexão sobre suas ações durante as atividades de cons-
trução do conhecimento matemático escolar.
Nesse sentido, os estudantes devem basear-se nas suas experiências ante-
riores, isto é, na base cognitiva em que se apóiam para conceber as noções mate-
máticas propostas pelos professores. Sob esse ponto de vista, então, ‘fazer mate-
mática’ é conjecturar, inventar e entender idéias sobre objetos matemáticos, testar,
debater, revisar ou substituir essas idéias.
Procuramos discutir que, em decorrência das críticas ao “ensino tradicional”
e ao “ensino por descoberta”, o construtivismo assume dois princípios básicos:
a) o pensamento é ativo na construção do conhecimento, conseqüentemente
a aprendizagem é produto da atividade mental do sujeito e não dos acúmulos de
informações e procedimentos;
b) os conceitos são mais uma construção que uma descoberta.
É importante ainda ressaltar que as diferentes concepções construtivistas
às vezes levam a ambigüidades, quando se fala no singular “construtivismo” e se
extrapola princípios das diferentes posições psicológicas à prática educativa sob
a ótica de uma mistura de idéias que resulta numa referência eclética e pouco
consistente (Rodrigo; Cubero, 2000).
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PARTE II
Pensando a formação de competências
e a aprendizagem no Novo Ensino Médio
104
105
OS SABERES ESCOLARES E A FORMAÇÃO
DAS COMPETÊNCIAS NO ENSINO MÉDIO
Márcia Adelino da Silva Dias,
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho
Introdução
Neste capítulo, propomos uma reflexão acerca de saberes que constituem
o conteúdo escolar, como recursos para o agir competente. Com esse intuito,
realizamos uma discussão em relação aos significados do saber e das diferentes
formas de mobilizar e contextualizar os saberes, a fim de mostrar que o saber
escolar é um processo em construção e não simplesmente um produto na constru-
ção das competências pelo educando. Além disso, procuramos fazer uma distinção
entre conhecer e saber, destacando diferentes tipos de conhecimentos e de saberes,
necessários à aprendizagem escolar.
Para atingir esse objetivo, partimos da problemática atual da educação em
ciências da natureza, área na qual se busca não apenas a aprendizagem de conceitos,
mas a articulação destes com procedimentos e atitudes de modo que o aluno possa
adquirir o saber fazer e o saber ser durante a sistematização dos conhecimentos no
contexto sociocultural.
1. O papel dos conteúdos escolares segundo
a nova visão de Educação em Ciências da Natureza
Estamos vivenciando um período de reformas na educação básica, como
resultado desse quadro, o Ensino Médio deve configurar-se como um momento em
que as necessidades, as curiosidades, os interesses e os saberes doaluno deverão
confrontar-se com os saberes sistematizados, resultantes do currículo escolar, no
intuito de contribuir para uma educação cidadã.
O processo educativo, hoje, reconhece a importância de uma maior ativi-
dade do sujeito, deixando de ter como base educacional a transmissão mecânica
e pouco significativa de conhecimentos curriculares, buscando atingir o desenvol-
vimento pleno das potencialidades do aluno. Nessa atmosfera de mudanças, surgem
importantes questões de debate em torno da nova função da escola e do espaço
ocupado pelos saberes escolares na formação do aluno, bem como reflexões sobre
o processo de construção dos saberes e sobre o papel dos conteúdos escolares na
formação integral do aluno.
106
Diante dessa situação, convém estabelecer, em relação aos propósitos da
educação em ciências da natureza, o de instigar uma reflexão sobre o lugar do
conhecimento científico e a sua relação com os outros tipos de saberes. Nesse
sentido, o ensino de Ciências deverá promover a articulação entre o conheci-
mento escolar e os vários tipos de saberes do aluno, para que sejam superadas as
dicotomias, por vezes estabelecidas nos livros, entre o conhecimento geral e o
específico, entre o conhecimento científico e o do senso comum, entre a ciência
e a técnica, e para que se ultrapasse a visão deturpada de que tecnologia é exclu-
sivamente aplicação da ciência, de forma que a escola incorpore tanto as culturas
técnica e geral quanto as experiências do aluno na sua formação plena.
Sabemos que alcançar esse nível de compreensão no processo de ensino
em ciências da natureza demanda tempo e que isso só ocorrerá por meio da efe-
tivação de atividades caracterizadas pela interdisciplinaridade,1 pela contextua-
lização2 e pelo uso de estratégias de resolução de problemas.3 Além disso,
faz-se necessária a sistematização do conteúdo, dentro de uma nova visão de
currículo escolar incutida numa nova cultura escolar.
Dentro da perspectiva de currículo, Weissmann (1998) destaca duas visões
de conteúdo curricular:
· a visão tradicional – em que os conteúdos escolares limitam-se exclusi-
vamente ao corpus conceitual das disciplinas que compõem o currículo, ou seja,
há dicotomia entre o conteúdo escolar e as outras tipologias do conhecimento que
compõem o elenco de saberes do aluno;
· a visão atual – na qual os conteúdos escolares não se limitam ao aspecto
conceitual, pois agregam os procedimentos, ou seja, as “habilidades, rotinas ou
mecanismos empregados pelo aluno para tratar do conteúdo” (Weissmann (1998,
p.33). Para a autora, trata-se de “um aprender fatos, conceitos, coisas das pes-
soas, da natureza, dos objetos” (idem, p.33). Em relação aos procedimentos, a
1 Ao caráter interdisplinaridade iremos considerar como sendo as diferentes relações que guar-
dam as disciplinas e conteúdos afins, favorecendo a integração de conceitos na construção do
conhecimento.
2 A contextualização dos conteúdos consiste nas relações de continuidade passíveis de serem
constituídas entre o conteúdo curricular e os conhecimentos detidos pelo aluno, decorrentes de
sua atuação em sociedade e de suas experiências pessoais.
3 Os problemas de ensino constituem-se em formas alternativas de levar o aluno a raciocinar
acerca de uma determinada situação, envolvendo os seguintes passos: 1. observação de uma
situação cotidiana e identificação de um problema; 2. processamento mental e dialética entre os
conhecimentos adquiridos na escola e os conhecimentos prévios; 3. busca de soluções práticas
e 4. resolução do problema. O uso de problemas envolve os esquemas mentais e a (re)significa-
ção de saberes na busca de solução de problemas da vida prática (saber fazer). Convém salientar
que os problemas diferem dos exercícios encontrados nos livros didáticos que, algumas vezes,
equivocadamente são chamados de problemas, devido à sua estrutura e meios de processamento
das análises e respostas.
107
autora esclarece que trata-se de “um aprender a atuar de uma determinada ma-
neira, de um saber fazer” (ibidem, p.34). Para essa abordagem de conteúdo, não
estão envolvidos somente os fatos, conceitos, generalizações e teorias, mas um
elenco de procedimentos, atitudes e de valores. Nessa perspectiva, valorizam-se
as diferentes formas de saberes e o conhecimento científico passa a ser uma,
dentre outras referências, para se explicar/compreender a natureza.
Fanfani (2002, p.03) enfatiza a importância da participação da escola na
formação do aluno para a vida, inserindo dentre as prioridades da educação esco-
lar não apenas a de “ensinar boas maneiras, mas a de formar homens de ação,
capazes de pensar corretamente para poder atuar na sociedade”, o que constitui
a base do saber contextualizado.4
Schimidt & Garcia (2002) destacam, quanto à relevância dada ao con-
teúdo que é trabalhado na escola, como um dos elementos mais importantes do
cotidiano do aluno. Apple (1997, p.05) corrobora esse pensamento, quando afirma
que, em relação à sua função, as escolas “não apenas preparam o conhecimento;
elas também preparam as pessoas”; nesse caso, o preparar o conhecimento sig-
nificaria conferir-lhe características próprias que o tornarão diferente quando
comparado às outras tipologias de conhecimentos do aluno. Tratando dessa
questão Santos (1994) chama a atenção para um aspecto importante em relação
a algumas tipologias do conhecimento – como o saber social, o conhecimento
do senso comum e o conhecimento popular – que há pouco tempo pareciam
desvalorizadas ou relegadas a um segundo plano, por isso não eram consideradas
como integrantes do currículo escolar, devendo ser atualmente elementos cons-
tituintes do conhecimento escolar.
A idéia de que a ciência produzida pelos cientistas é a ciência que deverá
ser aprendida e ensinada na escola passa a ceder o seu espaço para idéias mais
pedagógicas sobre o conteúdo de ciências a ser ensinado na escola. Pozo (1987)
afirma que não existe um isomorfismo completo entre a “ciência dos cientistas”
e a “ciência escolar”. A incorporação do conhecimento científico (produzido
pelas ciências) aos conteúdos escolares geralmente acontece de forma espontânea,
à mercê de escritores de livros didáticos e das políticas curriculares que expres-
sam ideologias dominantes. Esse processo não tem considerado quais conhecimentos
das ciências são necessários para a formação cidadã dos alunos; nem considerou
a complexidade de tornar esses conhecimentos não só ensináveis mas também
“compreensíveis” para os alunos.
Autores como Schwab (1973), Chevallard e Joshua (1982) têm chamado a
atenção para as diferenças e as especificidades do conhecimento científico e do
conhecimento escolar, a partir dos contextos de produção de cada um desses tipos
4 O saber contextualizado relaciona-se às relações existentes entre o conteúdo escolar, em sua
visão atual, e as relações com o cotidiano.
108
de conhecimento, e para as implicações de se modificar o primeiro para se estru-
turar o segundo. Essa problemática, na opinião de Cajas (2001, p.244), leva a dois
pontos importantes:
· o planejamento do conhecimento científico como saber escolar deve ser
realizado;
· o impacto social causado pelo conhecimento científico na vida cotidiana
dos alunos.
Dessa forma, durante a seleção dos conhecimentos científicos, como parte
do saber escolar, deve-se prestar atenção aos dois pontos anteriores, na busca de
funcionalidade educativa (como sistema explicativo para a reflexão crítica e a
compreensão da realidade) dos conhecimentos científicos relacionados com outros
saberes. Chevallard (1992) introduziu a idéia de “antropologia dos saberes”, a
qual se inclui na didática dos saberes, em que se procura superar a “restrição” da
epistemologia tradicional, preocupada com os processos de produção de saberes.
Portanto, para que o saber/conhecimento possa ser utilizado, ensinado e aprendido,
precisa-se de uma visão epistemológica mais ampla, que estude esses processos no
contexto da aprendizagem escolar.
Em relação à influência dos saberes do aluno ao estudaruma disciplina es-
colar, Apple (1997, p.02) destaca a importância dos seus saberes e conhecimen-
tos prévios, fazendo uma analogia entre a participação dos alunos que chegam à
escola com os “cavalos de Tróia – que atravessam os muros da escola levando
consigo suas linguagens, interesses e desinteresses, temores, sonhos e aspira-
ções”. Essa comparação é pertinente no sentido de mostrar que o aluno chega à
escola trazendo consigo um elenco de saberes, crenças, valores, etc., produtos de
sua vivência pessoal, que ao longo da vida escolar irão dialogar com os conteú-
dos curriculares, para se construir novos saberes. É necessário considerar esses
saberes na produção/construção dos novos saberes.
Nesse contexto, os novos saberes passarão a ser construídos a partir da
relação dialética entre esses saberes prévios e os que compõem o conhecimento
curricular, portanto objeto da educação escolar, com aqueles conhecimentos que
o professor entende como objeto necessário à aprendizagem. O conteúdo escolar,
nesse âmbito, constitui-se num importante fator que congrega as diferentes tipo-
logias de saberes do aluno com os saberes escolares. Pertencente à categoria dos
conhecimentos normatizados, esse conhecimento escolar constitui-se numa for-
ma de ver os conhecimentos de forma sistematizada, considerando que o conhe-
cimento construído a partir das idéias advindas do senso comum constitui um
conhecimento baseado no que Gil Pérez e Carrascosa (1985) denominaram de
metodologia da superficialidade.
A construção do conhecimento se dá a partir das relações entre os conheci-
mentos prévios do aluno e os conhecimentos sistematizados pelo currículo escolar;
nesse ponto, a contextualização dos conteúdos deve levar à aprendizagem sig-
109
nificativa5 pelo aluno. Nesse processo, também devemos considerar que os co-
nhecimentos prévios, que são o ponto de partida na construção do conhecimento,
por vezes se constituem em obstáculo epistemológico. No Esquema 01, procura-
mos dar uma visão geral da estrutura de saberes/conhecimentos do conteúdo escolar
e de suas relações.
Esquema 01 – Representação dos componentes do conteúdo escolar e das suas relações com as
formas de saber do aluno e do saber escolar na construção do conhecimento
2. Conhecimentos e saberes: reflexões
epistemológicas e didáticas
Existem várias posições epistemológicas em relação aos termos conheci-
mento e saber. Os autores, por vezes, estabelecem diferenças entre os termos saber
e conhecer, enquanto outras vezes estes são considerados como sinônimos. Para
5 Aprendizagem significativa é considerada como o nível de compreensão dos conteúdos pelo
aluno, de forma conceitual, procedimental e atitudinal.
SABER
POPULAR
 
RELAÇÕES DIALÉTICAS 
CONTEXTUALIZAÇÃO 
DO CONHECIMENTO SABER 
CONSTRUÍDO
CONHECIMENTO
CIENTÍFICO
CONHECIMENTO
DO SENSO COMUM
CONHECIMENTO
ESCOLAR
SABERES ESCOLARESSABERES DO ALUNO
CONTEÚDO
ESCOLAR
APRENDIZAGEM
PELA
METODOLOGIA DA
SUPERFICIALIDADE
CONHECIMENTO
SITEMATIZADO
NO CONTEXTO
ESCOLAR
110
explicar a posição que defendemos neste livro, discutiremos, a seguir, algumas
posições epistemológicas e suas implicações didáticas.
Galogovsky e Muñoz (2002), a partir da aprendizagem como processa-
mento da informação, distinguem conhecimento de informação, ao descrever a
Estrutura Cognitiva (EC) de um sujeito como uma configuração do tipo reticular,
composta por novos conceitos e por relações entre conceitos. Esses autores cha-
mam de conhecimento o conteúdo da EC e de informação todo tipo de conheci-
mento que é externo ao sujeito. Nesse sentido, a aprendizagem supõe a transfor-
mação da informação (externa ao sujeito) em conhecimento (interno ao sujeito).
No Esquema 02, está representado o processo de transformação da informação em
conhecimento, concebido de acordo com essa forma de entender o processo.
Esquema 02 – Representação do processo de transformação da informação em conhecimento
Grossi (1990, p.46), ao analisar os produtos da aprendizagem como ativi-
dade sistematizada e transformadora, diferencia saberes de conhecimento. Para
a autora, “saber é um produto da aprendizagem não sistematizada, porém trans-
formadora, que mobiliza energias do sujeito, para levá-lo a novas formas de vida.
O conhecimento é um produto da aprendizagem sistematizada, mas não trans-
 
INFORMAÇÃO
 Incorporação à
111
formador, que instrumentaliza, de forma teórica, a prática, e não é resultado das
ações mobilizadoras do sujeito”. O saber é pessoal e o conhecimento é social ou
socializável, na medida em que pode ser, ou é, sistematizado. O saber é mais li-
gado à ação, enquanto o conhecimento é mais ligado à reflexão e à linguagem – “o
saber tem mais a ver com as percepções e movimentos, enquanto o conhecimento
tem mais a ver com as palavras”.
O saber significa uma ação transformadora do conhecimento para si e pro-
duto da aprendizagem em interação comunicativa com os outros, nos contextos
específicos da aprendizagem. O conhecimento constitui-se numa entidade autônoma,
substantiva e independente do contexto da aprendizagem, pois é produto da atividade
de outros sujeitos – por exemplo, os conhecimentos debatidos pela comunidade
científica numa determinada área disciplinar. O conhecimento pode ser “trans-
mitido” ao sujeito que o transforma em saber, haja vista que o saber é subjetivo e
dependente das relações que o sujeito estabelece com o conhecimento, no contexto
social, cuja condição individual não faz o sujeito independente do grupo e do
contexto no qual se dá sentido ao saber. O contexto no qual ocorre a construção do
saber impõe limitações ao seu potencial epistemológico. No Quadro 01, fazemos
uma comparação entre conhecimento e saber, de acordo com as suas principais
características, segundo Grossi (1990).
CONHECIMENTO SABER
Quadro 01 – Diferenças entre conhecimento e saber, dentro de uma visão epistemológica
· É um produto da aprendizagem
sistematizada, mas não é transfor-
mador.
· Instrumentaliza, de forma teórica,
a prática e não é resultado das ações
mobilizadoras do sujeito. Pode ser
“transmitido” ao sujeito que o trans-
forma em saber.
· É social ou socializável, sendo mais
ligado à reflexão e à linguagem; tem
mais a ver com as palavras.
· Constitui-se numa entidade autô-
noma, substantiva e independente
do contexto da aprendizagem, pois
é produto da atividade de outros
sujeitos.
· É um produto da aprendizagem
não sistematizada que transforma o
sujeito, levando-o a novas formas de
vida.
· Significa uma ação transformadora
do conhecimento para si e produto da
aprendizagem em interação comuni-
cativa com os outros, nos contextos
específicos da aprendizagem.
· É pessoal e mais ligado à ação; tem
mais a ver com as percepções e mo-
vimentos.
· É subjetivo, depende das relações
que o sujeito estabelece com o conhe-
cimento, no contexto social e da sua
condição individual.
112
A nosso ver, entretanto, o saber é sistematizado e transformador, uma vez
que a aprendizagem escolar deverá possibilitar aos alunos assimilar, apropriar-se
e construir saberes, como atividade individual na interação com os outros. O saber
escolar construído pelos alunos leva consigo o conhecimento científico, os saberes
cotidianos e o do senso comum, assim como outras formas de saberes, que, refor-
mulados, propiciam novos recursos cognitivos e afetivos, assim como um “saber
escolar” para a ação.
No processo de construção de saberes, o aluno, como sujeito da aprendi-
zagem, não só transforma o objeto da aprendizagem como também ele próprio se
transforma, em termos dialéticos. As ciências naturais produzem conhecimentos
específicos que, na escola, sob processos pedagógicos, são assimilados pelos alunos
na forma de saberes, pois quando o aluno aprende, constrói saberes a partir dos
conhecimentos disponíveis nos livros, nos documentos, etc.
O conhecimento científico, juntamente com outros saberes, é mobilizado
pelo aluno no processo da aprendizagem, que consiste num processo complexo e
que implicamobilizar outros recursos cognitivos e afetivos necessários à constru-
ção do saber. O saber pode estar, e de fato está, num processo de reconstrução,
quando necessário e em determinados momentos, face às situações-problema.
Nesse processo de reconstrução, o sujeito não só mobiliza saberes no sentido de
“usar” o saber, como também faz a “transferência de aprendizagem”, conforme
ilustrado no Esquema 03.
Esquema 03 – Representação esquemática do processo de produção do saber escolar
CONTEXTO DA PRODUÇÃO DOS SABERES ESCOLARES
aplicação e transferência
 de saberes
 
Conhecimento 
científico 
Saberes 
Processo de 
construção de 
saberes 
 
Novo saber 
produzido 
Recursos 
cognitivos e 
afetivos 
MOBILIZAÇÃO DE 
CONHECIMENTOS E 
DE OUTROS RECURSOS 
113
A representação que se vê no esquema 03, tem objetivos meramente didáti-
cos, pois sabemos que a construção de saberes é um processo complexo no qual
estão inseridos vários tipos de saberes e de conhecimentos interligados em rede. Os
processos mentais envolvidos na utilização dos recursos cognitivos do sujeito são
dimensionados para a compreensão de situações relacionadas ao conhecimento
científico ou outros tipos de conhecimentos, estando interligados aos componen-
tes afetivos do aluno e dentro de um contexto no qual se dá a construção de novos
saberes.
É importante assinalar que a discussão anterior constitui um modelo expli-
cativo do que pensamos ser necessário ao processo de construção de saberes
escolares, tomando como referência o conhecimento científico escolarizado. Ex-
plicar esse processo constitui-se em um desafio para os professores e para a didá-
tica, uma vez que os argumentos que procuram para revelar como os alunos usam
o conhecimento científico escolarizado no cotidiano são limitados. Não existe
um quadro teórico e metodológico por meio do qual se possa discutir, na Didática
das Ciências e da Matemática, esse processo, central durante a formação de
competências. Os objetivos do Ensino Médio vão além da promoção da apren-
dizagem dos conteúdos curriculares e da construção dos saberes, pois buscam a
mobilização das diversas categorias de saberes na construção das competências,
explicitados por um saber fazer competente. O papel dos conteúdos escolares passa
a ter outra conotação e outras implicações para o professor, em se tratando da
capacidade de transformação assumida, de um objeto de saber (que deve ser
ensinado) em um objeto de ensino, conceituado por Chevallard (1995) como
transposição didática.
A construção de um saber fazer competente processa-se no sentido de dar
uma nova conotação aos saberes advindos da vida pessoal, social e escolar do
aluno, tendo o currículo escolar a importante função de redimensionar esses sabe-
res, a partir da sistematização dos conhecimentos. Cabe à educação em ciências,
promovida pelo Ensino Médio, oportunizar, de forma sistemática, a construção e a
aplicação dos saberes para a sua apropriação pelos alunos. Nesse sentido, a dife-
rença entre saber e conhecimento consiste basicamente no aspecto da sistematização
destes e da sua apropriação pelo aluno.
No Esquema 04, estão representadas diferentes tipologias de saberes e de
conhecimentos, que são aprendidos na escola e nas diferentes relações sociais
estabelecidas pelo aluno. A partir das interlocuções entre esses fatores, na forma
de um processo que se dá no nível do pensamento, ocorre uma transposição,
promovendo os processos relacionados à construção do saber do aluno.
114
Esquema 04 – Representação das relações existentes entre os saberes do aluno e o
conhecimento escolar na construção do saber escolar do aluno
Diante desses fatos, torna-se possível afirmar que o saber não pode ser visto
de forma isolada ou como algo que se aprende exclusivamente na escola, mas
como uma (re)leitura de conhecimentos, que irá ocorrer em diferentes momentos
da vida do aluno, conforme o contexto, os interesses pessoais, afetivos, sociais, as
crenças e os anseios, etc. Assim, é possível entender o saber como uma categoria
que incorpora conhecimentos sistematizados.
3. Tipologias de conhecimentos e saberes – a questão
da mobilização dos saberes
O saber cotidiano (do aluno) e o saber curricular, aqui descritos, serão vistos
como ferramentas na construção de competências pelo aluno, durante todo o
percurso da educação básica, que culmina com o término do Ensino Médio, tendo
continuidade na construção de suas diferentes atividades profissionais e em suas
diferentes relações sociais. Daremos destaque às tipologias de conhecimento cien-
tífico e curricular e ao saber cotidiano e às suas subcategorias: o conhecimento do
senso comum e o conhecimento popular.
a) o conhecimento científico – classificado por Martínez (2003) como aquele
que depende de um corpo de conhecimentos validados pela Ciência, de acordo com
os procedimentos científicos – reconhecidos pelas comunidades científicas. É um
conhecimento histórico e socialmente construído, formado por um corpo conceitual
e procedimental específico das diferentes áreas disciplinares. Constitui modelos
teóricos para explicar a realidade e não só para agir no cotidiano. O conhecimento
científico é baseado numa racionalidade (ou racionalidades – uma lógica discussiva/
argumentativa) e nas experiências dos pesquisadores, constituindo-se num conhe-
cimento explicativo, crítico e teórico-prático.
Esse conhecimento é reconhecido como válido pela comunidade científica,
constituído por um corpo de conceitos, métodos e teorias que podem chegar ao
aluno por meio de sua participação na comunidade escolar; nesse ponto, dependendo
do interesse do aluno e da interpretação dada, é passível de alterações, moldando-
Saberes 
do aluno 
Conhecimento 
escolar 
 
 
 
Conteúdo 
Curricular 
115
se ao seu nível de compreensão. O conhecimento científico constrói-se por meto-
dologias que têm como características, segundo Furió e Escobedo (1994, p.114):
· aceitam da natureza hipotética do conhecimento declarativo (caráter
duvidoso ou óbvio);
· primam os conhecimentos procedimental e explicativo do tipo hipotético-
dedutivo (parte-se do corpo teórico vigente);
· usam aproximações qualitativas, mas também procuram objetivar essas
aproximações por meio de observações quantitativas;
· valem-se do pensamento convergente, mas prima o divergente para falsear
o conhecimento declarativo, como busca global da coerência;
· estruturam conhecimentos procedimentais seguros (diversas estratégias);
· usam raciocínios pluricausais, mais complexos.
b) o saber curricular – é o objeto do saber a ser ensinado; consiste naquilo
que será ensinado nos diferentes níveis educacionais, como parte integrante do
currículo (objeto de ensino/currículo) ou que é vivenciado pelo aluno, por meio
das diferentes formas de ler e interpretar a ciência e seus produtos, com base no
subjetivismo e objetivismo do aluno (Martínez, 2003). Uma prioridade na hora
de pensar os diferentes saberes do conteúdo escolar e suas relações com o coti-
diano é tentar aproximar as metas da educação científica às metas da atividade
cotidiana, uma vez que esse conhecimento encontra-se disponibilizado nos livros
didáticos e em documentos oficiais. Quando essas metas diferem, reduz-se a possi-
bilidade de ativação do conhecimento científico fora da sala de aula.
 c) o saber cotidiano – é considerado por Martínez (2003) como um tipo de
saber freqüente e adquirido de forma espontânea e informal, sendo resultante da
integração entre o meio natural e o social do qual o aluno participa. O ambiente
cultural no qual vivem os alunos assume um papel fundamental nas idéias que eles
têm, as quais podem constituir-se em crenças populares, compartilhadas pelo grupo
cultural. Esse saber caracteriza-se como uma estruturação, de forma lógica, prag-
mática, adaptativa e útil no âmbito cotidiano.
É importante destacar que o saber cotidiano, construído pelo aluno, apre-
senta um componente individual de caráter procedimental e implícito, em que o
cognitivo e o afetivo estãofortemente ligados. Sob esse ponto de vista, torna-se
possível considerar esse tipo de saber como um conhecimento pessoal, embora
construído no grupo social, que possibilita ao aluno resolver problemas do coti-
diano, porém com potencial explicativo limitado.
O saber cotidiano é gerado na interação com as experiências da vida diária,
inclusive nas relações com os outros sujeitos. Esse saber representa um nível de
sistematização baseado em critérios, modos de raciocínio, propósitos e valores
que são suficientes para responder às exigências do cotidiano; é um saber idiossin-
crático (pessoal). Constitui-se num saber múltiplo, formado por diferentes saberes,
que são utilizados na vida cotidiana, ou seja, é um saber prático e acrítico (baseado
116
na experiência) e não explicativo, em termos de teorias sistematizadas e validadas
pela comunidade científica. O saber cotidiano é vinculado aos contextos particulares
e apresenta características mais orientadas para a eficácia das tarefas que para a
conceitualização. É, no contexto da atualidade de aprendizagem, no qual se esta-
belece uma rede de relações, que se dá significado às ações.
Fanfani (2002, p.02) considera-o como sendo o “âmbito dos atos vivos,
tratando-se de uma realidade compartilhada por homens que têm em comum não
apenas objetivos mas também os meios para a sua concretização. Nesse caso, a
escola participa conjuntamente com o indivíduo na reformulação desse conheci-
mento quando lhe acrescenta dados científicos ou informações sobre a ciência
produzida pelos cientistas.
d) O conhecimento do senso comum – Lopes (1999, p.149), defende o pon-
to de vista de que o senso comum “possui um caráter transclassista”, o que faz
com que as idéias preconcebidas tendam a manter-se resistentes, mesmo diante da
possibilidade de modificações que possam levar a um entendimento e/ou intro-
dução dos conhecimentos advindos por ingresso na vida escolar (conhecimento
científico/curricular). Incluem-se também as diferentes concepções de mundo,
sistemas filosóficos, crenças, conhecimentos correspondentes a uma época histó-
rica e cultural de um contexto. Fanfani (2002, p.04) considera essa forma de conhe-
cimento como uma “espécie de cumplicidade ontológica entre as coisas da vida
cotidiana e as categorias de percepção dos sujeitos que dela compartilham”.
Furió e Escobedo (1994) atribuem ao saber do senso comum uma episte-
mologia caracterizada por:
· aceitação acrítica do conhecimento declarativo assumido por todos como
veracidade;
· priorização do conhecimento procedimental e explicativo do tipo empi-
rista-indutivista (generalização a partir de casos concretos);
· preferência pelo uso de raciocínios qualitativos para estabelecer conclusões
gerais;
· favorecimento do pensamento convergente ao validar o conhecimento
declarativo (busca pontual de coerência);
· expressão de um conhecimento procedimental pouco rigoroso (uma única
estratégia);
· utilização fundamental de raciocínios do tipo causal e linear.
e) Saberes populares – são considerados por Lopes (1999, p.150) como
“fruto da produção de significados das camadas populares da sociedade”,
caracterizadas, pela autora, como “as classes dominantes sob o ponto de vista
econômico e cultural”. Para a autora a luta cotidiana pela sobrevivência como um
conjunto de práticas formadoras de diferentes saberes, caracterizando-se como
“um saber produzido pelas práticas sociais”. Diante disso, caracteriza o saber
popular como um saber cotidiano, do ponto de vista desse extrato social, porém
117
não-cotidiano em relação às outras camadas sociais, o que serve para diferenciá-lo
em relação ao conhecimento do senso-comum.
Para Wellington (1989), os conhecimentos, sob o ponto de vista filosófico,
podem ser classificados como:
· conhecimentos declarativos (descritivo ou factual) – aquele pelo qual
podemos expressar a nossa opinião sobre um determinado evento;
· conhecimento processual (procedimental) – aquele que se relaciona às
habilidades ou destrezas que constituem domínios de ação, expressadas por meio
do “saber fazer”. Para explicitar esse tipo de conhecimento, o aluno demonstra
como se deve fazer determinada atividade, fazendo-a;
· conhecimento explicativo – classificado como aquele que leva ao domí-
nio de teorias, como construções dinâmicas, ou seja, para os autores, esse tipo de
conhecimento teria a capacidade de dar significado e aprofundamento aos tipos de
conhecimento descritos anteriormente.
Para nós, o saber é considerado como o conhecimento processual e o co-
nhecimento explicativo, quando mobilizados na solução de tarefas. Segundo Paris,
Hipson e Wixson (1983), existe um outro tipo, o conhecimento condicional ou
contextual, relacionado ao conhecimento de quando e onde utilizar uma estratégia
específica. Para os autores citados, dentro de seus estudos sobre metacognição, o
conhecimento declarativo refere-se à autoconsciência do que sabem os sujeitos e
das outras categorias a utilizar. No Esquema 05, procuramos explicitar uma das
possibilidades de relação existente entre os saberes e o conhecimento no contexto
escolar.
Esquema 05 – Representação do mecanismo de re(significação) dos saberes visando à construção
do saber fazer competente
A teoria da atividade (Pérez Gómez, 1998, p.43), ao conceber a aprendiza-
gem como uma atividade contextualizada, possibilita compreender o conhecimento
Mediação
escolar
Declarativas
Processual ou
procedimental
Explicativo
Saber
 fazer
Saberes
do aluno
Conhecimentos
do aluno/escolar
 
contexto
(re)significação
118
científico e outros tipos de saberes como ferramentas para a solução de tarefas e
não os conhecimentos e saberes como fins da aprendizagem. Assim, os saberes
passam a fazer parte de atividades cotidianas. Uma questão central na organiza-
ção da aprendizagem será definir quais tipos de atividades/competências são ne-
cessárias na educação básica. Laver e Wenger (1991) mostraram como os sujeitos
que têm um bom desempenho na atividade de compra em um supermercado tive-
ram um mau desempenho na resolução de problemas desse tipo, em simulações
em sala de aula. Acrescentam ainda que os resultados foram ainda piores quando
os problemas eram do tipo exercício.
A escola “tradicional” tomou como pressuposto, nas ciências naturais, o
ensino dos conhecimentos científicos como forma de substituição do saber coti-
diano e do senso comum. Esse pressuposto é um equívoco epistemológico e ideo-
lógico, pois existem problemas do cotidiano que não são resolvidos ou explicados
pelo conhecimento científico e para os quais o saber cotidiano e o conhecimento
do senso comum são importantes. No ensino de ciências naturais, a educação
científica deve trabalhar com os alunos diferentes formas de conhecimentos e de
saberes, reconhecendo suas potencialidades e limitações, sob a ótica de uma
“múltipla racionalidade”, que visa a aperfeiçoar o saber cotidiano e o do senso
comum nas suas interações com o conhecimento científico.
As interpelações entre esses conhecimentos e saberes resultam da influên-
cia das análises pessoais, aqui favorecidas pelo diálogo entre os conhecimentos
prévios e os adquiridos na escola, que tornará possível ao aluno tirar suas pró-
prias conclusões acerca dos fatos analisados. Isso irá possibilitar-lhe atingir níveis
diferenciados de mobilização e de (re)significação de saberes – aqui entendido
segundo o que Gauthier (1996) considerou como “um produto da racionalidade
instrumental e da racionalidade interativa (comunicativa), vinculada a um saber
fazer argumentado, explicativo”. O mobilizar saberes estaria relacionado ao
dar um caráter subjetivo aos conhecimentos com os quais o indivíduo irá depa-
rar-se ao longo de sua vida (escolar, social e pessoal), para utilizá-lo num agir
competente.
4. A integração dos saberes na construção
das competências
Le Boterf (1997) considera as competências como um saber mobilizar, que
consiste em realizar operações cognitivas complexas orientadas à obtenção de
determinado resultado, que o próprio autorcaracteriza como “um saber prático
contextualizado nas situações de resolução de problemas”. Ao mobilizar saberes,
o aluno realiza operações mentais envolvendo as situações vivenciadas na es-
cola, que englobam os conteúdos curriculares e os aplica na vida prática, nos
mais diversificados ambientes e situações, para a resolução de problemas. Para
um melhor entendimento desse processo, observe o Esquema 06.
119
SABERES ESCOLARES
AS FERRAMENTAS NA CONSTRUÇÃO
DAS COMPETÊNCIAS
Esquema 06 – Representação de processos envolvidos na mobilização dos saberes escolares e do
aluno na construção das competências
Ramalho, Nuñez e Gauthier, (2004), analisam algumas características para
o que consideraram como “o novo sentido atribuído ao conceito de competência”.
Partindo dessa análise, destacam que as competências estão relacionadas com o
“saber mobilizar” recursos manifestos num tempo prolongado e em situações con-
cretas, portanto se foge do sentido técnico das competências.
Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003) apontaram novas características ao que
chamaram de novo sentido da categoria competência. Para esses autores, entre outras
características, a competência define-se por:
a) ser mostrada em um contexto real;
b) situar-se numa variação de estado que vai do simples ao complexo;
c) basear-se num conjunto de recursos;
d) não se reduzir aos recursos do indivíduo;
e) ser uma prática intencional (um saber agir);
f) ser um projeto, uma finalidade;
g) ser uma potencialidade de ação;
h) ser um ato bem sucedido (um agir competente – atuação);
i) ser um ato imediato e eficiente;
j) ser uma capacidade de agir com estabilidade.
Esses autores complementam que a formação de competências é um pro-
 RESOLUÇÃO DO PROBLEMA 
 
SABERES 
 
-ESCOLARES 
-DO ALUNO 
ANÁLISE 
DE UMA 
SITUAÇÃO 
COTIDIANA 
IDENTIFICAÇÃO 
DE UMA 
SITUAÇÃO-
PROBLEMA 
E 
CONTEXTUALIZAÇÃO 
DO CONTEÚDO 
ESCOLAR 
 
CONSTRUÇÃO 
DO PROBLEMA 
 
COMPETÊNCIA 
120
cesso complexo, que implica ações diversas entre os diferentes níveis do conheci-
mento, dos saberes, dos esquemas de ação, dos elementos afetivos, dos elementos
motores, do contexto, etc. No Esquema 7, estão destacadas as relações existentes
entre os saberes na construção das competências.
Esquema 07 – Representação dos processos envolvidos na integração entre os diversos elementos
envolvidos na construção das competências
Sobre o ensino, visando à formação das competências, Perrenoud (2002)
alerta para uma questão relevante, em relação às polêmicas criadas em torno dessa
perspectiva de formação. Isso decorre do fato de alguns pesquisadores argumen-
tarem que a competência surge como um modelo que se opõe aos saberes, tendo-
se ainda como pano de fundo a visão de que a missão da escola era primeiramente
instruir, ou seja, transmitir conhecimentos e construir saberes. Para Perrenoud
(2002, p.04), a implantação do ensino por competências “incidiria de forma con-
trária à educação baseada na construção de saberes”, considerando-se, nesse sen-
tido, que “a oposição entre saberes e competências tem fundamento, sendo ao
mesmo tempo injustificada”, pelos seguintes aspectos:
· tem fundamento, porque não se pode desenvolver competências na escola
sem limitar o tempo destinado à pura assimilação de saberes, nem sem questionar
sua organização em disciplinas fechadas;
· é injustificada, porque a maioria das competências mobiliza certos saberes,
ou seja, desenvolver competências não implica virar as costas aos saberes, ao
contrário.
O significado de competência tem como princípio a mobilização dos sabe-
res do aluno, dentre outros recursos (dentre os quais o conhecimento do senso
comum e os saberes tácitos), além das demais tipologias de saberes e conheci-
 
FORMAÇÃO DE 
COMPETÊNCIAS 
RELAÇÕES ENTRE 
CONHECIMENTOS, 
SABERES, ESQUEMAS 
DE AÇÃO, 
ELEMENTOS 
AFETIVOS, MOTORES 
E DO CONTEXTO 
 
DIALÉTICA ENTRE 
ATITUDES E 
PROCEDIMENTOS 
121
mentos incluídos no saber escolar, como forma metodológica de caracterizar os
saberes/conhecimentos, pois na mente do aluno esses saberes não se apresentam
separados, mas como um todo complexo. Nesse aspecto, o termo competência tem
sido muitas vezes confundido com o significado de habilidade, que constitui uma
categoria diferente.
As competências têm sido relacionadas a uma questão mais abrangente
e com um maior teor intelectual, quando comparadas à habilidade. Uma forma
de tentar esclarecer a diferença entre os dois processos poderia surgir a partir da
análise da situação a seguir:
O conhecimento transmitido ao aluno sobre meio-ambiente e saúde irá possi-
bilitar-lhe identificar, a partir de um enunciado em que estejam colocados os nomes
de diversas doenças humanas, se estas são provocadas por bactéria ou por vírus
(constituindo-se numa habilidade – a memorística) em contexto artificial.
Como haveria dificuldade de discernir sobre o agente etiológico da parasitose,
o seu ciclo de vida no(s) hospedeiro(s), as formas de controle e transmissão, se-
riam necessários estudos mais aprofundados e possivelmente de uma vivência
com a situação em questão, obtida em conseqüência de conhecimentos mais
elaborados, na forma de recursos cognitivos/afetivos em ação (competência).
Portanto, a competência estaria referindo-se ao domínio prático e com sucesso de
tarefas em um contexto real. Poderíamos, então, levantar um questionamento
em relação à formação promovida pela escola, quando entendemos que as com-
petências requeridas na vida cotidiana não são desprezíveis, pois boa parte dos
adultos, mesmo entre aqueles que concluíram a escolaridade básica, permanecem
despreparados diante das ciências e das tecnologias. Em relação a isso, Perrenoud
(2002, p.06) complementa: “Dessa forma, sem limitar o papel da escola a
aprendizagens tão triviais, pode-se perguntar: de que adianta escolarizar um
indivíduo durante 10 a 15 anos de sua vida se ele continua despreparado diante de
um contrato de seguro ou de uma bula farmacêutica”?
Diante dessas questões, é possível entender que a mobilização dos saberes
manifesta-se em situações complexas, que obrigam a estabelecer o problema antes
de resolvê-lo, a determinar os conhecimentos e saberes pertinentes a uma dada
situação, a reorganizá-los e extrapolar ou preencher as lacunas. Sob esse ponto
de vista, existe uma grande distância entre o aluno saber o conceito de cadeia
epidemiológica e compreender como se processa o surgimento de uma pandemia,
ou até mesmo de compreender de que forma funcionam as barreiras de bloqueio
epidemiológico. Nesse caso, a competência de resolver problemas relativos às
barreiras de bloqueio epidemiológico implica a mobilização/transferência de
diferentes saberes e conhecimentos, constituindo-se em objetivo do ensino. Dessa
forma, a escola deve pensar quais saberes são potencialmente educativos para
incorporá-los às estratégias que o aluno(a) utiliza no cotidiano a fim de contribuir
com a sua cidadania e a sua formação para o mundo do trabalho. As reflexões
necessárias a essa prática educativa têm como ponto de partida determinadas
122
questões como: de qual forma o conhecimento científico se faz necessário e con-
tribui para a educação do aluno? A resposta a essa pergunta é um problema a se
trabalhar quando procuramos compreender o papel dos saberes escolares.
Os exercícios escolares clássicos permitem a consolidação da noção de ca-
deia epidemiológica, com identificação dos ciclos de evolução das doenças, dos
vetores e dos agentes etiológicos; no entanto, dificilmente trabalham situações-
problema envolvendo os efeitos decorrentes da expansão e/ou ressurgência das
doenças em função da exploração humana aos ambientes naturais, em que se julga
a relação vetor-parasita-hospedeiro como equilibrada. A exemplo disso, poderíamos
trabalhar as questões relativas às mudanças de hábitos do homem do século XXI,
em que observamos uma verdadeira invasão humana às reservas florestais, quer
seja com objetivos meramente extrativistas ou em função da busca de uma reinte-
gração com a natureza, comoé o caso do ecoturismo ou da prática de esportes ra-
dicais (rapel, espeliologia, canoagem, camping, etc.), e relacionar esse aspecto à
recrudescência de determinadas doenças, que haviam sido controladas e com essa
prática voltaram a nos atormentar, como é o caso da febre amarela silvestre.
A partir desse ponto, o aluno irá identificar aspectos importantes da epide-
miologia das doenças, em função da interferência humana nos ambientes naturais,
passará a entender-se como parte integrante da cadeia epidemiológica de algumas
das parasitoses que acometem a espécie humana e partirá em busca da solução dos
problemas decorrentes dessa interferência humana, cuja ação será possibilitada a
partir das suas reflexões e contribuirá para desenvolver o seu agir competente.
Conclusões
Se acreditamos que a formação de competências escolares não é um pro-
cesso espontâneo e que depende, em parte, da sistematização e do “uso” do saber
durante o curso de escolaridade básica, resta decidir quais patamares desse saber
a escola deveria desenvolver prioritariamente. Ninguém pretende que todo saber
deva ser aprendido na escola, pois uma boa parte dos saberes humanos é adquirida
por outras vias; com as competências também não ocorre de forma diferente. Para
que a situação seja compreendida, torna-se necessário e indispensável explorar as
relações entre competências e currículos escolares. Uma boa parte dos saberes dis-
ciplinares ensinados na escola em contextos de ação serão, sem dúvida, no final
das contas, mobilizados por competências, que servirão de base a aprofundamen-
tos determinados no âmbito da vida social dos alunos.
O entendimento do Novo Ensino Médio, com a delimitação dos objetos e
objetivos da educação em ciências, parece constituir-se na chave do esclarecimento
de questões neurálgicas acerca das novas visões educativas, que têm como base
formativa as seguintes proposições:
1. é imprescindível que o aluno tenha uma visão conjunta e integrada das
ciências;
123
2. é necessário que ele entenda o que é, e como se processa o conhecimento
científico;
3. é importante que ele saiba distinguir a Ciência de seus produtos;
4. é fundamental que consiga utilizar a tecnologia disponível na sociedade,
por meio da alfabetização tecnológica, que deverá ser disponibilizada no ambiente
escolar;
5. é necessário que os conhecimentos construídos pelo aluno, ao longo do
convívio escolar e social, sirvam para promover o saber fazer, um dos pilares da
educação por competências;
6. é desejável e necessário conhecer e trabalhar os diferentes tipos de saberes
e de conhecimentos que devem formar o conteúdo em ciências, na escola, para dar
a cada um seu valor epistemológico no todo complexo.
Portanto, o acúmulo de saberes descontextualizados e não sistematizados
não servem, realmente, senão àqueles que tiverem o privilégio de aprofundá-los
durante anos de estudos, ou numa formação profissional, contextualizando os
conhecimentos e se exercitando para utilizá-los na resolução de problemas e na to-
mada de decisões. Eis aí o sentido dos saberes e dos conhecimentos na construção
das competências, como ferramenta da cidadania.
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125
A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS
DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES NA BUSCA DE SENTIDOS
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho
Introdução
Vivemos, na atualidade, uma grande movimentação marcada por profun-
das mudanças nas expectativas e demandas educacionais. O avanço e o uso das
tecnologias da informação e das comunicações estão repercutindo fortemente nas
formasde convivência social, na organização do trabalho e no exercício da
cidadania.
Os novos rumos da economia confrontam o Brasil com os problemas de
competitividade para os quais a existência de recursos humanos qualificados e o
acesso aos conhecimentos são condições indispensáveis. Assim, quanto mais a
sociedade brasileira consolida as instituições político-democráticas, fortalece os
direitos da cidadania e participa da economia mundializada, mais se amplia o
reconhecimento da importância da educação na chamada sociedade do conhecimen-
to e maiores se apresentam os desafios para as instituições educacionais do país.
A rapidez das transformações científicas e tecnológicas vem exigindo novas
aprendizagens, gerando desafios a serem enfrentados pelas escolas, que têm de
considerar o ritmo das novas mudanças educativas.
Nesse contexto, queremos reafirmar que não restam dúvidas de que estamos
vivendo uma etapa em que a tônica recai na necessidade de superação de antigas
referências que iluminaram os processos educativos, confrontando uma tradição
educativa que reclama por mudanças na maneira de pensar, de fazer, de ser e de
conviver com os desafios do mundo em constante transformação e tecnologica-
mente avançado. Como explicam Ropé e Tanguy (1997, p.17), baseados em opi-
niões de historiadores, as “grandes etapas da civilização se caracterizam pela pro-
liferação de termos novos e pela atribuição de novos sentidos a termos antigos”.
As reformas educativas na América Latina propõem, como ponto de partida para
a reformulação dos currículos, o desafio de construir competências no Ensino
Médio. Não obstante, como explica Braslavsky (2004, p.15), “não existe consenso
suficiente, nem experiência na definição do conceito de competência ou em sua
tradução operativa”. Conseqüentemente, parece importante rever permanente-
mente a noção de competência.
O objetivo deste texto é propor uma reflexão sobre o sentido e a repercussão
que pode ter a categoria competência no contexto do Novo Ensino Médio no Brasil.
126
Para isso, organizamos o texto em quatro pontos. O primeiro situa brevemente o
atual contexto das discussões acerca da categoria competência, trazendo o referen-
cial teórico de diversos autores que discutem o sentido dessa categoria. O segun-
do ponto insere os novos sentidos atribuídos ao termo competência. Em seguida,
são apresentados elementos-chave que caracterizam as competências segundo o
referencial teórico defendido por nós. No quarto ponto, tecemos nossas conside-
rações finais, retomando algumas questões importantes já apresentadas no texto
e enfatizando a importância dos professores(as) no debate que tenha por finali-
dade a busca da compreensão do sentido da categoria competência.
1. De que competência falamos?
Falar de competências tem sido uma constante nas discussões dos proces-
sos de construção de projetos curriculares e na práxis educativa. Não obstante, o
sentido do termo competência tem variado e se configura segundo os diferentes
contextos sócioeconômicos, perspectivas teóricas, etc. Maués, Wondje e Gauthier
(2002, p.1), em relação ao termo competência, explicam que
[...] enquanto fenômeno na moda, manobra capitalista ou estratégia
pedagógica pertinente, todos os qualificativos e os juízos mais diversos
lhe são associados, de modo que vem se tornando cada vez mais difícil
não somente conhecer a natureza e os fundamentos desse enfoque,
mas também compreender porque há interpretações tão diferentes a
seu respeito.
O conceito “competência” discute-se a partir de diferentes perspectivas
teóricas (econômica, profissional, pedagógica, etc.), na sua relação com o próprio
desenvolvimento histórico dos sentidos atribuídos, e suas implicações formativas,
no geral. Embora essa categoria não seja nova nos projetos curriculares, ela volta
hoje com diferentes conotações teóricas, epistemológicas e até ideológicas. A forte
associação da “competência” ao mundo do trabalho leva-nos a refletir sobre quais
são seus sentidos na educação básica, uma vez que a educação nesse nível de
escolaridade não está voltada só para o mundo do trabalho.
Na nossa opinião, organizar um currículo em termos de competências
significa educar os alunos para um saber fazer reflexivo e crítico, no contexto de
seu grupo social, questão que coloca a educação a serviço das necessidades reais
dos alunos para sua vida cidadã e sua preparação para o mundo do trabalho (Fi-
gura 01). A formação de competências orienta a educação para a comunidade e
suas necessidades imediatas e perspectivas. Esse trabalho de expressiva comple-
xidade exige uma postura profissional dos professores(as) na busca/construção
das referências que assumirão na proposta curricular, uma vez que os próprios
documentos oficiais das políticas e reformas educacionais são pautas para o tra-
balho; conseqüentemente, qualquer isomorfismo entre os Parâmetros Curriculares
127
Nacionais (PCN) e Propostas Curriculares dos contextos específicos pode re-
presentar uma escolha mecanicista e acrítica dos projetos educativos.
 Figura 01 – Currículo voltado à construção de competências
A noção de competência aqui tratada (no sentido atual) constitui-se num
eixo orientador da formação para a cidadania, sendo, portanto, um conceito estru-
turante dos projetos curriculares. Os processos de reforma dos sistemas de ensino
e os modelos pedagógicos, na maioria dos países do mundo desenvolvido e em vias
de desenvolvimento, estão centrados nessa categoria, o que justifica a discussão
das perspectivas teóricas que o termo assume na voz de diferentes autores. A se-
guir, buscaremos apresentar algumas definições e comentários acerca da categoria
competência.
O conceito competência, de acordo com Hirata (1994), é marcado política e
ideologicamente por sua origem empresarial, o que explica o fato de muitos modelos
de formação de profissionais terem sido orientados para a formação de competên-
cias. Essa marca está presente nos documentos oficiais da formação profissional,
da educação básica e até nos discursos dos educadores, quando falam de compe-
tências. Essa consideração ratifica a necessidade de uma reflexão crítica na trans-
ferência do termo competência para outros contextos.
Currículo voltado
à construção de
competências
Buscar as
necessidades
dos alunos
Preparar para
o mundo do
trabalho
Relação
com o contexto
social
Formar um
cidadão crítico
e reflexivo
128
Para Hirata (1994), as competências são compreendidas de diferentes formas:
como saberes (na educação); como qualificação (no campo do trabalho); como
habilidades, etc. Não obstante, as competências vinculadas às funções da produção
e da educação devem passar por processos de reconceitualização, visto que o mundo
produtivo hoje tem incorporado o “conhecimento” como uma força de choque que
exige um enfoque mais cognitivo/humanista das competências em relação às
condições físico-materiais do trabalho.
Jamati (apud Ropé e Tanguy, 1997, p.104), explicita sua compreensão de
competência por meio da caracterização de um indivíduo competente. Para a auto-
ra, competente “[...] é aquele que domina suficientemente a área na qual intervém
para identificar todos os aspectos de sua situação nessa área e para revelar
eventualmente as disfunções dessa situação.” Ainda nessa direção, a autora
esclarece:
Mas, para ser “competente”, deve também, munido desses conheci-
mentos, poder decidir a maneira de intervir a fim de obter tal resultado
com eficácia e economia de meios. Para intervir, deve apelar para
técnicas definidas, cuja extensão de aplicação ele conhece. Na maior
parte das vezes, não as criou, mas tem a possibilidade de modificar um
elemento e combinar vários esquemas preexistentes, ajustando o uso
ao caso tratado.
Parada (2004, p.1) também tece considerações acerca do termo competên-
cia. Para ele, a competência corresponde a
[...] adquirir uma capacidade. Se opõe à qualificação. Orientada à perí-
cia material, ao saber fazer. A competência combina perícia com com-
portamentosocial [...] As competências supõem cultivar qualidades
humanas para adquirir, por exemplo, capacidade de estabelecer e manter
 
Figura 02 – Para Hirata (1994), há uma forte
influência empresarial no conceito de competências
129
relações estáveis e eficazes dentre as pessoas. Competência é algo mais
que uma habilidade; é o domínio de processos e métodos para aprender
na prática, da experiência e da intersubjetividade.
No modelo técnico-positivista da educação profissional, a competência tem
sido considerada como a capacidade de aplicar os conhecimentos da ciência e da
tecnologia aos problemas instrumentais da prática. As competências são, por vezes,
compreendidas como habilidades no contexto do agir profissional, com resultados
orientados pela eficácia. Essa orientação separa as pesquisas dos novos conheci-
mentos da prática em que é aplicada, não existindo lugar para a pesquisa e a cons-
trução de saberes validados pelo grupo na prática dos profissionais. Na esfera do
trabalho, competência geralmente se identifica com a qualificação. No setor de
produção, o termo competência tem se associado à pedagogia das competências,
de perspectivas funcionalistas, condutistas e construtivistas. Essa perspectiva, na
sua essência ideológica, é individualista, imediatista, tributária ao mercado de
trabalho, que exige eficácia e eficiência dos sistemas educativos.
Para Meirieu (1998, p.184), a competência é um “saber identificado colo-
cando em jogo uma ou mais capacidades em um campo nocional ou disciplinar
determinado”. Já para Graham (apud Fernandez, 1996, p.173), a competência é a
atitude para desenvolver as atividades de uma profissão, tendo como elementos
as capacidades para transferir destrezas e conhecimentos a novas
situações na sua área ocupacional. Abarca a organização e planeja-
mento do trabalho, a inovação e a capacidade para abordar atividades
não rotineiras. Inclui as qualidades de eficácia pessoal que são ne-
cessárias no posto de trabalho para relacionar-se com os colegas, os
executivos e os clientes.
À luz das transformações da sociedade, hoje, não só pelas mudanças na
forma de organização dos sistemas produtivos contemporâneos, como também
pela própria Revolução Tecnológica e as novas formas de organização social, o
conceito de competência vai sendo reformulado, tanto em seu sentido quanto
em seu significado.
Coulon (1995, p.180) refere-se à competência como “um conjunto de co-
nhecimentos práticos socialmente estabelecidos que são utilizados no momento
oportuno para mostrar que os possuímos”.
Para Berger (2002, p.2),
competências constituem os esquemas mentais, ou seja, as ações e
operações mentais de caráter cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor
que mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou experimentais ge-
ram habilidades, ou seja, um saber fazer.
O conceito apontado por Berger (2002), que perpassa a concepção dos
documentos oficiais dos PCN para o Ensino Médio, a nosso juízo, reduz a
130
competência à uma capacidade, ao colocá-la na base da habilidade. Nós opta-
mos por uma definição próxima à tradição francesa (embora não estabeleçamos
compromissos epistemológicos com essa escola), que considera a competência
na sua ação, na dinâmica e não só como uma potencialidade.
Carbó (2000) discute a competência em termos da “metacompetência”, como
meio de construir e reconstruir as competências. A “metacompetência” refere-se
à consciência que tem o indivíduo dos mecanismos que lhe possibilitam desen-
volver suas competências. É o aprender a aprender, em relação à formação de
competências. Na Figura 03, destacamos as estratégias que podem contribuir ao
desenvolvimento das metacompetências, segundo esta autora.
 Figura 03 – Estratégias que contribuem no desenvolvimento de metacompetências
P. Perrenoud é um dos autores que mais tem influenciado os conhecimen-
tos dos docentes brasileiros do Ensino Básico em relação a suas discussões sobre
o que é competência. Esse autor define competência “como sendo uma capaci-
dade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em
conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (Perrenoud, 1999, p.7). Afirma, por
outro lado, que, para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, se deve,
via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complemen-
tares, entre os quais estão os saberes e os conhecimentos. Portanto, as competên-
 
 
 
Saber 
analisar 
 
 
Refletir 
na ação 
 
 
Justificar 
por razões 
teóricas 
 
Tomada de 
consciência 
dos hábitos 
 
Metacompetências 
131
cias manifestadas não são meras ações em si e nem tampouco, só conhecimentos
e saberes. Elas utilizam, integram, mobilizam tais conhecimentos e saberes, com
sucesso, no desenvolvimento das ações. As competências constituem qualidades
do sujeito que lhe permitem desenvolver determinadas atividades socialmente
úteis, com sucesso, ao longo do seu desenvolvimento. Nessa direção, Perrenoud
(2000, p.13) esclarece que “competente é aquele que julga, avalia e pondera; acha
a solução e decide, depois de examinar e discutir determinada situação, de forma
conveniente e adequada”.
Na dinâmica das novas formas organizativas da produção, das políticas
para a educação, no século XXI, o conceito de competência emerge como uma
noção básica na procura de unir operativamente teoria e prática, quando se assu-
me que toda teoria tem implicações práticas e toda habilidade prática tem uma
teoria (implícita ou não) que a sustenta. Essas novas exigências levam a olhar o
termo competência, num sentido mais compreensivo do que meramente técnico.
2. Situando a noção de competência: novos sentidos
Em virtude da diversidade de enfoques teóricos sobre a categoria compe-
tência, faz-se necessário que qualquer projeto curricular orientado à formação
de competências gerais deva explicitar sua posição teórica sobre a categoria e,
conseqüentemente, estabelecer os compromissos epistemológicos, os quais se
relacionam com as problemáticas sociais, políticas, culturais, econômicas, etc.
Uma competência pode ser considerada como uma qualidade da personali-
dade do indivíduo, sendo mais abrangente que uma capacidade. A competência é
mais global em relação à capacidade. A capacidade de agir eficazmente é enten-
dida como uma atividade intelectual estável e reprodutível num dado campo da
vida. A capacidade só se manifesta num fazer, ela não existe em “estado puro”.
Uma pessoa competente numa área mobiliza diferentes recursos, necessá-
rios à solução da situação-problema, num contexto dado. Por isso, a escola não
desenvolve competência quando se orienta só à formação de determinadas ca-
pacidades, como habilidades ou hábitos, num contexto artificial (contexto não
“real”). Os hábitos, as habilidades, como componentes das competências, devem
ser recursos a serem mobilizados na solução de situações novas, reais, a fim de
contribuir para a formação de competências parciais, que formarão redes comple-
xas, características de novas competências mais gerais.
No ensino de Química, no nível médio, por exemplo, é estudado o conteúdo
separação de misturas, de maneira desarticulada às situações reais presentes no
nosso cotidiano, como os desastres ecológicos provenientes do derramamento de
petróleo nos mares ou nos rios e o processo de tratamento da água (Figura 02),
entre outras situações, o que dificulta a construção de competências que subsidiem
a tomada de decisão quando o aluno vier enfrentar as situações complexas no seu
cotidiano.
132
 Figura 04 – Utilização de barreiras para evitar o espalhamento do petróleo no rio
 Fonte: http://ambicenter.com.br/petrobras02.htm
Perrenoud (2000, p.15) faz algumas considerações que auxiliam no enten-
dimento das competências:
– as competências, em si mesmas, não são saberes, savoir-faire, ou atitudes;
as competências mobilizam, integram e orquestram tais recursos;
– a mobilização de saberes só é pertinente em uma dada situação, sendo
cada situação singular, mesmo que se possa tratá-la emanalogia com outras já
encontradas;
– o exercício de competências passa por operações mentais complexas,
subentendidas por esquemas de pensamentos, que permitem determinar (mais
ou menos consciente e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz)
uma ação relativamente adaptada à situação;
– as competências constroem-se em formação, mas também ao sabor da
navegação diária, de uma situação de trabalho à outra.
Segundo o citado autor, descrever uma competência equivale, assim, na
maioria dos casos, a considerar três elementos complementares:
– os tipos de competências de situações as quais se estabelecem num
certo domínio;
– os recursos que mobilizam: os conhecimentos teóricos ou metodológi-
cos, as atitudes, o savoir-faire, e as competências mais específicas, os esquemas
motores, os esquemas de percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão;
– a natureza dos esquemas de pensamento que permitem a solicitação, a
mobilização e a orquestração dos novos recursos pertinentes em situação complexa
e em tempo real (Perrenoud, 2000).
Para nós, a competência articula cinco elementos básicos, segundo o esque-
133
ma 1: saberes, recursos afetivos, repertório de condutas, esquemas da ação e
orientação teórica da ação (base orientadora da ação: B.O.A) nas suas interações
com o contexto. Perrenoud (2000) distingue esquema de ação de saberes, repre-
sentações, teorias pessoais e coletivas (percepção, avaliação e decisão), sendo o
primeiro um elemento fundamental para atualizar os saberes a serem integrados
em novas competências a partir da, por e para a prática, como contexto da reflexão
do agir. Nessa relação, nós incluímos a orientação que o sujeito constrói em termos
de representação ou modelo teórico da ação (Esquema 1).
Esquema 1 – Elementos da competência e suas relações
O esquema de ação (Piaget, 1974) não é um hábito simples e rígido. Ele
constitui uma estrutura “invariante” de uma ação, que possibilita executar deter-
minadas atividades de um dado tipo. Ele é um padrão organizado, sistematizado,
inconsciente e prático que leva a um dado comportamento.
O modelo teórico da ação é o que P. Ya Galperin chama de Base Orienta-
dora da Ação (B.O.A.). A Base Orientadora da Ação é um modelo mental que o
sujeito constrói, para representar a ação (atividade) que vai executar, conscien-
tizando-se dos recursos a mobilizar, dos procedimentos sob a influência dos fato-
res do contexto e das reflexões afetivas/comunicativas que estabelece. Essa situa-
ção possibilita trazer ao nível da consciência, os esquemas de ação (hábitos como
recurso automatizado) e os outros recursos a serem mobilizados.
O agir competente mobiliza os esquemas de ação, mas os reconstrói, na
medida em que não são suficientes para a solução das novas tarefas, questão que
significa criatividade. A competência, como capacidade complexa manifestada
na prática, representa uma estrutura dinâmica organizada do pensamento, que per-
mite analisar, avaliar e compreender o contexto no qual o indivíduo age. É a decisão
de utilizar/modificar/acatar os recursos disponíveis para resolver determinados
problemas, mobilizando os diferentes recursos disponíveis (cognitivos, afetivos,
COMPETÊNCIA
 
Recursos 
afetivos 
SABERES 
de diferentes 
naturezas 
CONDUTAS 
ESQUEMAS DE AÇÃO 
MODELO TEÓRICO DA AÇÃO 
134
etc.). O agir competente constitui uma atividade reflexiva e crítica, que caracte-
riza o agir do indivíduo numa esfera dada de sua atividade, sem respostas auto-
máticas ou de rotina.
Delors (2000) considera que uma pessoa é competente quando é capaz de
“saber, saber fazer, e saber ser” (Figura 05).
Figura 05 – Competências no referencial de Delors (2000)
De acordo com a perspectiva defendida por Delors (2000), no agir com-
petente, é preciso mobilizar:
– o saber teórico e específico, no nível geral (experiências de vida);
– o saber fazer, aplicando um conjunto de processos e estratégias que
possibilitem uma resposta adequada. Deve mobilizar outras competências
transversais e gerais, tais como: pensamento analógico, análises e deduções em
função das situações, relações entre saberes, competências cognitivas: lógico-
dedutivas, etc.;
– o saber ser, inserindo-se nos estilos que são próprios de seu grupo social,
gerando atitudes, sentimentos, valores, estilos pessoais que lhe possibilitam,
globalmente, desenvolver, com eficácia, uma atividade considerada geralmente
como complexa. O indivíduo competente está inserido no conjunto das relações
que estabelece no contexto e com o seu grupo de trabalho, de estudo e de convi-
vência diária.
A formação de competências é um processo complexo, que implica relações
diversas entre os diferentes níveis dos recursos necessários para a ação. Dentre
esses recursos devem ser reconhecidas as relações dialéticas entre o grau de domí-
nio do conteúdo; as características do conhecimento e as situações que exigem
formas específicas de trabalho e atividade com esse conhecimento. A formação de
competências é um processo de longo prazo, um processo educativo prolongado,
que mobiliza diferentes recursos cognitivos e afetivos.
Saber fazer 
Saber ser 
Saber 
 
Competências 
135
Uma competência não se aprende e desenvolve por simples imitação ou
reprodução. Ela precisa, dentro de diversos recursos que mobiliza, de ações teó-
ricas como orientação. A atividade (ou ação) teórica permite fazer previsão dos
resultados da atividade, de avaliar as condições, os recursos, para a eleição do
fazer mais adequado. Um jogador de xadrez, só depois de avaliações mentais da
situação das possíveis variantes, é que toma uma decisão, a qual é susceptível de
justificação. Nas ações práticas, da mais simples às mais complexas, o papel da
orientação teórica (B.O.A. preliminar) é de grande importância. Muitos dos fra-
cassos dos alunos na solução de tarefas práticas encontram explicações na falta
de uma boa orientação teórica para a execução da atividade e na reconstrução
dessa orientação quando necessária (Nuñez e Pacheco, 1997).
Queremos reafirmar, portanto, que a formação de competências nos alunos,
como categoria norteadora dos processos educativos, não exclui outros tipos de
recursos que são necessários para a atividade humana. As habilidades e os há-
bitos são recursos das competências. A memorização por vezes é necessária: tudo
depende do sistema de situações selecionadas para contribuir com a educação,
orientado pelos objetivos do projeto curricular, como hipóteses de trabalho.
Novas Propostas Curriculares fazem uso da categoria competência para
orientar a educação, sob um eixo articulador teoria-prática que possibilite a apli-
cação e compreensão dos diferentes saberes nos contextos reais, questão que pre-
para para a vida na vida. A formação de competências implica a contextualização
do saber, a utilização de situações-problema reais e diálogo permanente com o
objeto de estudo. Infelizmente, observamos que durante a educação básica, apesar
de os alunos estudarem diferentes conteúdos nem sempre podem dar sentidos a
esses conteúdos no cotidiano. Muitas vezes, por exemplo, não reconhecem as
propriedades químicas nos diversos materiais presentes no cotidiano, como, por
exemplo, os produtos de limpeza, dificultando a tomada de decisões em situações
do cotidiano em que sejam necessários conhecimentos e habilidades relacionadas
a estes materiais (Figura 06).
Figura 06 – Produtos químicos utilizados no cotidiano
 Fonte: Pão de Açúcar, material de limpeza. > (2004)
136
Essa dificuldade está relacionada à própria compreensão da escola sobre
para que servem e como os alunos usam os conhecimentos científicos e outros sa-
beres escolares, nos contextos do seu dia-a-dia, como condição de cidadania.
Existem diferentes reflexões teóricas sobre as relações entre objetivo e
competência. São as competências os objetivos? Ou são os objetivos as compe-
tências? Um objetivo é a intencionalidade da atividade e faz parte de toda ativi-
dade humana. Conseqüentemente, definir objetivosnão é “tradicional”, é uma
condição necessária à atividade humana, como capacidade de antecipar-nos aos
resultados desejados. Outra questão é como definir os objetivos escolares. A Pe-
dagogia por objetivos foi alvo de diferentes críticas a ponto de alguns educadores
pensarem que definir objetivos não é uma condição necessária ao planejamento
docente.
Os objetivos educacionais estão relacionados com as competências das
disciplinas e dos projetos pedagógicos; nesse sentido, as competências são objeti-
vos da escola, objetivos de uma maior complexidade. As competências expressam
as capacidades “em ação” de um “saber fazer”, com determinados indicadores
qualitativos (características das competências), e não se opõem aos objetivos;
complementam-se em relações dialéticas.
Na nossa compreensão, os objetivos gerais podem ser formulados em termos
de competências, que têm um caráter transversal e exigem mais tempo e maiores
investimentos cognitivos e afetivos na sua formação. Os objetivos particulares são
tipos de atividades que os alunos devem aprender; nessa aprendizagem, constroem-
se recursos necessários às competências com as quais se relacionam.
3. Caracterizando competência: elementos-chave
A polissemia do termo competência e a natureza de seus diferentes senti-
dos levam-nos à opção de discutir características da “competência” da qual fala-
mos sem fechar nossa compreensão na definição de um conceito. As teorizações
sobre as características das competências podem ser contribuições interessantes
na busca de posições epistemológicas dessa categoria para se pensar as propostas
curriculares.
Gauthier (2000)1 caracteriza as competências a partir dos seguintes
elementos (Figura 07), que discutiremos a seguir.
1 Essas características foram apresentadas pelo citado autor e discutidas pelos professores Betania
Leite Ramalho e Isauro Beltrán Nuñez, no seminário “Formação e profissionalização Docente,
que saberes, que competências,” evento realizado em setembro de 2000, no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRN.
137
Figura 07 – Elementos que caracterizam as competências (Gauthier, 2000)
3.1. A competência é mostrada em um contexto real
Toda ação ou pensamento situa-se em um contexto. Todavia, é possível
qualificar o contexto, uma vez que ele se aproxima mais ou menos da situação real
e utiliza esse critério para discriminar as competências e as habilidades. Estabe-
lecer diferenças dentre competência e habilidade possibilita evitar qualquer tipo de
circularidade nas relações entre essas categorias. Uma habilidade é uma formação
psicológica que estrutura a parte executora de uma atividade de forma consciente,
não automatizada. As ações de uma habilidade constituem um sistema de opera-
ções caracterizado por sua sistematicidade, como invariante operacional. As habi-
lidades são savoir-faire que podem realizar-se numa situação em que estão pre-
sentes, não somente um certo número de variáveis como também de simulações em
laboratórios.
 
Agir com 
estabilidade 
 
Imediato e 
eficiente 
 
Ato bem 
sucedido 
 
Potencialidade 
da ação 
 
 
Projeto 
 
Prática 
intencional 
 
 
Saber mobilizar 
e Saber fazer 
 
 
 
Mobilizar no 
contexto da 
ação 
 
 
Caráter 
 coletivo 
 
 
Conjunto de 
recursos 
 
Simples ao 
complexo 
 
Contexto 
real 
 
 
Competências 
138
As habilidades constituem procedimentos estruturados da atividade que
leva a resolver situações (geralmente de rotina, sobre-aprendidas). As habilida-
des se afirmam e desenvolvem nos marcos dos limites de um grupo de tarefas
de um mesmo tipo, para as quais esse procedimento é adequado e conhecido.
Por vezes, podem não estar associadas a justificações teóricas, ou seja, as ações
teóricas nas quais se sustentam são limitadas. A habilidade pode ser formada
num contexto artificial, como a sala de aula, o laboratório docente, quando a situa-
ção, não opera em situação real.
No nosso referencial, as competências não são habilidades ou destrezas
mecânicas como manifestações do condutismo operante baseado numa visão em-
pírico-positivista, mas uma ação contextualizada, em que o conjunto de pressões
reais está presente.
A competência manifesta-se em contextos específicos de sua formação;
não obstante, para seu desenvolvimento, deve ultrapassar as condições impostas
pelo contexto e, conseqüentemente, ser atualizada, ampliada e consolidada. Essa
situação relaciona-se com a contextualização/descontextualização da aprendiza-
gem e a criatividade em situações reais. A competência é uma opção epistemo-
lógica que une a teoria e a prática.
A noção de competência vincula-se a uma atividade transformadora, ou
seja, não é só prática, mas práxis humana, no sentido filosófico. Por outro lado,
não se reduz apenas a comportamentos observáveis.
3.2. A competência situa-se numa variação de estado
que vai do simples ao complexo
Tanto a competência quanto a habilidade podem ser simples ou comple-
xas; o que as diferencia é o contexto em que são formadas. As competências são
construídas em um contexto real, enquanto as habilidades podem ser construídas
em um contexto artificial. Competências de maiores exigências cognitivas/afeti-
vas formam-se gradualmente como conseqüência da interação entre outras com-
petências (consideradas de diferentes complexidades). É importante sinalizar que
a complexidade de uma competência é relativa e varia de aluno para aluno, de
professor para professor, etc.
3.3. A competência baseia-se em um conjunto de recursos.
O ator competente faz uso de recursos e os mobiliza
no contexto da ação
Esses recursos podem ser saberes de diferentes naturezas (da experiência,
tácitos, conhecimentos científicos, de senso-comum, etc.), os quais se combinam e
recombinam para constituir um saber (atribuem-se novos significados) de maior
complexidade, construído no ato do agir competente (conhecimentos, savoir-faire,
139
atitudes), que ele utiliza dentro do seu contexto de ação. Uma competência é,
dessa forma, multidimensional. Os recursos não se constituem na competência,
mas aumentam a possibilidade desta, pois constituem as ferramentas necessárias
para o agir competente. A formação de competências na escola deve assumir a
preocupação de fazer com que o aluno seja capaz de utilizar de forma consciente,
quando necessário, sua aprendizagem escolar no seu dia-a-dia, como questão de
seu desenvolvimento integral.
O agir competente supõe desenvolver determinados tipos específicos de
atividade; logo, a competência estará ligada ao produto e à estrutura da atividade.
O conhecimento da estrutura da atividade (Leontiev, 1985) pode contribuir com a
compreensão das características e com a estrutura do agir competente. A compe-
tência não se reduz só à execução, ao comportamento observável, ela é necessária
na compreensão da situação contextual dos problemas, para se formar uma
representação sobre o problema; é, na verdade, sua solução.
3.4. A competência não se reduz aos recursos do indivíduo
O trabalho e a atividade dos indivíduos revestem-se de um caráter coletivo.
A atuação do indivíduo dependerá de sua capacidade de comunicar-se e interagir
com os outros. Os recursos sobre os quais se baseia o indivíduo não são apenas
pessoais, eles implicam também outras ferramentas que se encontram ao seu redor
(colegas, recursos pessoais, bancos de dados, literatura especializada, etc.). É na
interação com os outros que a competência do indivíduo se forma, se desenvolve
e toma sentidos.
3.5. A competência é a ordem do saber mobilizar
no contexto da ação
A competência não se reduz aos recursos. Uma competência não é um saber,
um savoir-faire, nem uma atitude, mas ela se manifesta quando um ator utiliza
esses recursos para agir em contexto com sucesso.
A competência permite a integração, a orquestração, a combinação, a trans-
ferência e a transformação desses recursos. A competência não é aplicação, mas
construção. O indivíduo competente deve construir o problema a partir de situa-
ções-problema em questão. Essa construção do problemaenvolve a representa-
ção que o aluno cria da situação, delimitando o conhecido do desconhecido para
definir estratégias de solução da situação-problema. Nesse sentido, a Base Orien-
tadora da Ação (B.O.A.) tem um papel essencial no agir competente.
De outra parte, a pessoa hábil sabe mobilizar, mas a pessoa competente
sabe mobilizar no tempo e no espaço real (complexidade, urgência, instabilidade/
estabilidade da situação) e não somente no tempo e espaço simulados ou con-
trolados.
140
3.6. A competência exige não somente o saber mobilizar
mas também o saber de seu savoir-faire (saber fazer)
Sendo que um savoir-faire pode muito bem existir na ausência de saberes
em que se baseia, uma competência exige necessariamente o saber da ação, ou
seja, a consciência da B.O.A. O esportista pode ser considerado hábil, mas isso
não quer dizer que deva ser considerado como competente. Tal como o saber não
garante o savoir-faire, o savoir-faire não significa a expressão de uma competência.
A competência não é privada, o aluno é guiado por um sistema de significações
socialmente compartilhado com seus pares. A competência exige consciência dos
recursos que são mobilizados na ação e a possibilidade de teorizar a ação, ou seja,
argumentar as escolhas, as ações, ter consciência do que leva ao processo e aos
resultados. Essa característica está ligada a processos metacognitivos.
3.7. A competência como saber agir é uma prática intencional
A competência pode ser mais que um conjunto de movimentos objetiva-
mente constatável. Ela é também a ação sobre o mundo, definida pela sua utili-
dade social ou técnica; em uma palavra, ela tem uma função prática (Rey, 1996).
Assim, a competência liga-se aos objetivos da atividade. Ela visa atender aos
objetivos estimados e desejados. O aluno atribui sentido à situação vivenciada por
ele e seleciona os elementos necessários dentro do repertório de recursos. Saber
agir com pertinência é saber interpretar e julgar. O agir competente, como atividade,
tem seus objetivos como representação hipotética do produto final da atividade.
3.8. A competência é também um projeto, uma finalidade
As competências inscrevem-se sobre uma série de estados que passam do
simples ao complexo, sempre em desenvolvimento (ou seja, por diferentes níveis
de complexidade). O ser competente é uma formação em desenvolvimento. No
âmbito da complexidade maior, não existe, por assim dizer, um fim ao fim proje-
tado. Por exemplo, uma pessoa jamais deterá de forma definitiva e total a com-
petência de ser crítico, ou de ser reflexivo num estágio final de desenvolvimento;
sempre qualquer competência é susceptível de reatualização.
3.9. Uma competência é uma potencialidade de ação
A competência não é ação que podemos definir como uma atuação, mas um
potencial de intervenção que pode se manifestar no contexto real. Ela permite deli-
mitar e resolver problemas próprios a um campo de ação. Alguns autores falam de
competências como famílias de situações-problema ou famílias de competências.
141
3.10. O agir competente (atuação) é um ato bem sucedido
O ator competente age eficientemente, quer dizer, em conformidade com os
modelos desejados. A eficácia real do ator competente, para conseguir atingir os
fins, não deve, necessariamente, ser comparada à do expert. Competência não
significa excelência absoluta. Existem diferentes níveis de desenvolvimento da
competência, ou seja, do agir face a situações-problema, como ato bem sucedido.
O sucesso no agir competente não pode ser resultado só de mobilizar recursos
predeterminados e já disponíveis. O sucesso depende também da criatividade dos
sujeitos para dar novas respostas, com originalidade, novidade. Conseqüentemente,
o agir competente não é uma ação baseada só em recursos para a atividade
reprodutiva, mas criativa.
A separação da competência da criatividade, da originalidade, da sensi-
bilidade confere à primeira um caráter técnico e separa o sujeito competente do
sujeito criativo, característico de um neo-racionalismo, que distingue quem cria
os procedimentos, as referências, de quem os utiliza com sucesso (os sujeitos
competitivos). Desse modo, devemos procurar um sentido para a categoria com-
petência que não a reduza à racionalidade técnica, mas ao desenvolvimento inte-
gral da personalidade do sujeito. No ensino médio, referimos-nos ao estudante,
que no limiar do sucesso não deve ser considerado como um cidadão experiente
(tarimbado), mas como um sujeito com um nível de experiência esperado ao
final do ensino básico.
3.11. O agir competente é imediato e eficiente
Não somente o ato é bem sucedido como também resulta de uma compe-
tência suficientemente dominada para permitir uma execução rápida e com certa
economia de meios. Nesse sentido, o tempo é uma variável no agir competente que
não descarta a criatividade.
3.12. Uma competência é uma capacidade de agir
com estabilidade
Uma competência não pode ser uma ação em que o sucesso aconteça devido
a uma casualidade a um “golpe de sorte”. Ela implica que o ator a manifeste de
maneira repetitiva nas diversas situações do seu agir no contexto real.
A competência não se reduz ao saber fazer eficiente formado num período
curto. A competência, como objetivo, define-se para um período educativo pro-
longado, como um ano, um nível de escolaridade. Sob a nossa perspectiva de
competência, não é possível formar competências numa unidade didática, no
contexto de uma disciplina.
As características das competências que discutimos são suscetíveis à crí-
142
tica, à revisão e à ressignificação, caminho que aproxima melhor a categoria
aos sentidos dos projetos curriculares nos contextos específicos.
4. Situando a competência entre nós: notas conclusivas
A competência não é rotina, não é mero hábito. Ela caracteriza o agir de
alguém com poder, autonomia, criatividade, que, atuando em situações complexas,
tem uma resposta satisfatória para a situação. Os hábitos (rotinas) e saberes estão
na estrutura das competências, mas não são elas em si. É lógico que cada sujeito
desenvolve suas rotinas, que lhe possibilitam obter determinadas respostas a
situações que não podem ser consideradas como situações-problema, pois, neste
caso, o indivíduo dispõe dos mecanismos de solução.
A sala de aula e o laboratório não são mais o único locus da educação
escolar. A prática e o contexto da vida cotidiana passam a ser os locus da educa-
ção escolar a serem privilegiados. É certo que isso não significa renunciar aos
espaços institucionais. Pelo exposto, esperamos ter deixado claro que diversos são
os recursos que estão na base da formação de competências, que podem ser
trabalhados nesses espaços, mas eles são insuficientes e limitados na educação
que se discute.
O núcleo psicológico das competências não consiste em procedimentos
assimilados, automatizados, para a solução de tarefas de rotina, mas em processos
psíquicos e sociais por meio dos quais esses procedimentos e seu funcionamento
são regulados, para mobilizar os recursos disponíveis na construção de novas
respostas em situações novas, que implicam a reconstrução dos procedimentos,
dos conhecimentos, dos sistemas de auto-regulação, etc. Os processos psíquicos
complexos que estão no núcleo das competências são esquemas de ação, como
manifestação do pensamento teórico, suscetíveis de atualização contínua. São pre-
cisamente as atualizações desses procedimentos em contextos que levam a novos
saberes e novas competências, como indicativo das próprias competências.
É importante ressaltar, contudo, que a contextualização não se limita a essa
análise psicológica. O contexto proporciona elementos que possibilitam análises
psicológicas, sociais, antropológicas e de outras naturezas, que estão no agir
competente como manifestação da atividade humana.
O currículo baseado na formação de competências tem implicações para
as formas de ensino-aprendizagem. Por se tratar de oportunizar projetos práticos
significativos de aprendizagem, de contribuir à formação cidadã do aluno, umanova cultura escolar se faz necessária. A organização da escola tradicional deve
ceder a novas formas de se organizar o tempo e o espaço na escola na sua intera-
ção com a sociedade.
O debate sobre os sentidos a serem atribuídos às competências básicas no
Ensino Médio não está fechado; esse debate vai tomando força em meio aos
professores(as) do Ensino Médio, atores/construtores das Propostas Curriculares.
143
As teorizações que emergem dos meios acadêmicos e das políticas educacionais
são referências a serem ressignificadas para os contextos específicos. Tornar prontas
essas teorizações seria anular “o estado da arte sobre a questão” e excluir desse
debate os professores(as) e outros atores sociais-chave na educação. Assim, devemos
deslocar os inventários de competências para a discussão dos sentidos do termo
competência, pois as ambigüidades na sua compreensão conceitual são obstácu-
los para trabalhar nessa perspectiva.
É importante ainda ratificar questões relevantes, já enfatizadas no decorrer
desse texto, acerca da categoria competência:
 – a categoria “competência” ressurge como categoria norteadora nas atuais
reformas educacionais, com novos sentidos, visto que estas procuram um saber
fazer, uma teoria e prática.
– as ambigüidades do termo competência são obstáculos que dificultam a
sua aplicação. Faz-se necessário discutir os vários sentidos desse termo e assumir
uma posição teórica;
 – a organização do processo formativo em termos de competência tem
implicações que mudam a lógica dos processos tradicionais;
 – as disciplinas incluídas nos projetos curriculares concebidas na perspec-
tiva da competência tributam à formação de competências, fazem parte de um
projeto complexo e sistêmico e rompem com a cultura do isolamento para a cultura
da colaboração.
A formação de competências como finalidade do Projeto Educativo não exclui
os saberes e nem a sua legitimação no contexto escolar. Os saberes, procedimentos,
valores, atitudes, assim como outras qualidades da personalidade do aluno são
recursos e objetivos da aprendizagem e da educação e não necessariamente todos
devem ter uma saída direta às competências do Projeto (no sentido pragmático e
utilitarista desses recursos), quando se pensa na flexibilidade do currículo escolar.
O componente atitudinal das competências, por envolver processos cognitivos
de construção, afetivos, comportamentais, que se desenvolvem no indivíduo como
capacidade complexa em ação, implica que um projeto curricular baseado em
competências só poderá propor como metas as competências de caráter geral, e
não um número extenso de competências, uma vez que a formação de competências
leva tempo e não é um processo a curto prazo.
A organização de um currículo por competências para a Educação Básica
deve considerar que esse nível de escolaridade não responde só às exigências de
uma educação profissional e do mundo do trabalho, visto que os saberes, atitudes,
habilidades, competências para esse nível, não são particulares, mas extensíveis a
toda população; são gerais e orientadas a compreender e lidar com problemas da
vida, problemas do desenvolvimento humano, nos quais se incluem problemáticas
do mundo do trabalho e de outras esferas da atividade humana. Conseqüentemente,
trata-se de competências básicas, gerais a serem definidas nos contextos específicos.
144
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145
O USO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA NO ENSINO DE CIÊNCIAS
Isauro Beltrán Nuñez,
Marcelo Pereira Marujo,
Lidiane Estevam Lima Marujo
e Márcia Adelino da Silva Dias
Introdução
No campo educacional, uma das propostas que tem subsidiado o ensino-
aprendizagem em ciências tem sido a resolução de problemas, pelo fato de se
constituir um recurso que auxilia a construção de conceitos, procedimentos e atitudes
relacionados a essa disciplina. É importante destacar como condição básica para
utilizar os problemas, com êxito, no ensino de Ciências, o exercício da criatividade,
capacidade de fundamental importância para a resolução de problemas e que implica
idéias novas e originais (Garret, 1988).
Para Bachelard (1996), o trabalho com problemas é uma questão importante
a fim de se poder avançar no conhecimento. Nessa perspectiva, Gil (1993) pontua
que, além da estreita relação psicológica existente entre a resolução de problemas
e a criatividade, existe uma relação epistemológica entre a investigação e a produ-
ção de conhecimento científico, de acordo com o qual a própria ciência pode ser
considerada um processo criativo de resolução de problemas, mediante a busca de
soluções novas, em termos de planejamento e comprovação de hipóteses.
Segundo Gil (1993), os novos enfoques epistemológicos relacionados à
resolução de problemas são adotados de forma a considerar a construção do co-
nhecimento como tentativa orientada a um objetivo, dotada de um caráter hipotético,
para interpretar o mundo e colaborar no processo de compreensão dos métodos
científicos, como forma de aprender ciências e reconstruir os conhecimentos, par-
tindo das próprias idéias do indivíduo, ampliando-as e modificando-as, segundo o
caso e o contexto.
Diversos são os autores que têm contribuído para o trabalho com problemas
no ensino de Ciências, como, por exemplo, Majmutov (1984), Martinez (1986) e
Pozo (1998).No presente capítulo, discutiremos as contribuições de Majmutov
(1984) e de Martinez (1986) para o trabalho com problemas no ensino de Ciências.
Em seus artigos sobre o ensino por problemas, Martinez (1986) destaca a impor-
tância da utilização da metodologia científica no ensino das ciências. Assinala o
quanto o método científico reflete o mais alto nível de assimilação, o que permite
ao educando relacionar-se com métodos da ciência em etapas gerais da construção
do conhecimento, de modo a obter uma contribuição para o desenvolvimento do
146
pensamento criativo. Majmutov e Martinez (1984, apud Nuñez e Franco, 2002),
têm utilizado, no enfoque por problemas, uma perspectiva que se fundamenta no
materialismo dialético e histórico e valoriza o caráter ativo da aprendizagem
organizada em unidades didáticas, nas quais aparecem, como proposta de trabalho,
as atividades de solução de problemas que estão atreladas à formação de conceitos,
procedimentos, atitudes e à utilização da linguagem científica no contexto da sala
de aula.
1. O método de ensino por problemas
Na perspectiva que discutiremos, o ensino por problemas fundamenta-se no
caráter contraditório do conhecimento com o objetivo de que o estudante, como
sujeito de aprendizagem, assimile os conteúdos e, pelo método dialético do
pensamento, consiga refletir e resolver as contradições das situações problemáticas.
O ensino utilizando problemas, baseado nas propostas desenvolvidas por Majmutov
(1984) e Martinez (1986), inclui quatro categorias: as tarefas-problema, a situação-
problema, o uso de problemas de ensino e a problemática (representados no Es-
quema 01), que, articuladas de forma dialética, possibilitam nortear o ensino nessa
perspectiva, a qual discutiremos a seguir.
Esquema 01 – Categorias do ensino por problemas
 
A 
problemática 
 
As tarefas-
problema 
 
O problema 
 
A situação-
problema 
 
 
Categorias do 
ensino por 
problemas 
147
1.1. As categorias de ensino por problema
a) A situação-problema
A situação-problema pode ser considerada como um estado psíquico de
dificuldade intelectual, quando o aluno enfrenta uma tarefa que não pode explicar
nem resolver com os meios de que dispõe, embora esses meios possibilitem a
compreensão da situação problema e o trabalho para a sua solução. Essa situação
caracteriza-se pela contradição que se expressa na relação dialética entre o conhe-
cido e o não conhecido, funcionando como fonte do desenvolvimento cognitivo.
É importante que essa situação se baseie em uma problemática de interesse para o
aluno, no sentido de que possibilite organizar o problema, como estado psicológico.
A situação-problema pode levar a um conflito cognitivo (Piaget, 1977).
 Figura 1 – A situação-problema funciona como fonte do desenvolvimento cognitivo
Nessa perspectiva, explica-se a importância de se criar condições para o
surgimento das situações-problema, como um reflexo das relações contraditórias
do conteúdo como fonte do desenvolvimento da atividade cognitiva do aluno,
contribuindo para o pensamento dialético, além da compreensão dos diferentes
níveis da essência dos fenômenos estudados, das suas regularidades, desenvol-
vimento e contradições explicitadas. Para Nuñez e Franco (2002), a organização
de situações problêmicas pelo professor deve levar em consideração os seguintes
requisitos:
148
– não pode ser tão fácil que não provoque dificuldades, nem tão difícil que
fique fora do alcance cognitivo dos alunos. Usando termos piagetianos, deve-se
levar em conta o umbral de problematicidade dos alunos, seu nível, assim como
seus esquemas conceituais, de maneira que o problema se situe na “Zona de
Desenvolvimento Proximal” (Vygotsky , 1982, apud Nuñez e Pacheco, 1997);
– deve projetar-se com caráter perspectivo para dirigir a atividade cognitiva
na busca da solução do problema;
– deve ser dinâmica, refletindo as relações causais múltiplas entre os
processos objetos de estudo.
A situação-problema pode-se organizar a partir dos elementos discutidos,
como se apresenta no Esquema 02.
Esquema 02 – Organização da situação-problema
Como características da situação-problema, consideramos a necessidade de
representar algo novo na atividade intelectual do estudante e a possibilidade de
motivar a atividade deste na tarefa de busca e construção do conhecimento. A
situação-problema deve ter como traço essencial a validez, dada pelo fato da
necessidade que o estudante sente de iniciar a busca pelo objetivo até a fase final
da atividade de solucionar o problema.
Seus aspectos básicos são: o conceitual e o motivacional.
· No aspecto conceitual, deve estar refletida a contradição entre o conhecido
e o não conhecido, que funciona como fonte de desenvolvimento da atividade
cognoscitiva.
Situação–problema 
 
Desconhecimento da resposta
 ou procedimento
Possibilidade de resolver
 a contradição
Necessidade cognitiva Conduz à atividade
intelectual
149
· O aspecto motivacional é dado pelo grau de novidade do desconhecido e
orienta a necessidade do estudante para sair dos limites do conhecido, ou seja, do
já assimilado.
A situação-problema pode gerar, no estudante, uma perturbação que pode
levar, nos termos do que Piaget (1977) considerou como uma equilibração majorante,
a um estado de equilíbrio maior em relação ao anterior, por meio de um processo
de construção de conhecimento. Embora o diálogo com a teoria piagetiana, o seu
uso não significa um compromisso epistemológico com os trabalhos desse autor.
A equilibração pode ser um processo que é acionado quando o sistema cognitivo
de um indivíduo reconhece uma perturbação gerada por uma insuficiência de ele-
mentos para resolver uma situação nova (que caracteriza uma lacuna), ou pelo
fato de o indivíduo prever algo em relação a determinado evento, cujo objetivo está
em conflito com o fato ou com o resultado de um evento (que caracteriza um con-
flito). As perspectivas teóricas de Majmutov (1984) e Martinez (1986) possibilitam
incorporar alguns elementos dos “conflitos cognitivos piagetianos”.
Para Piaget (1977), as perturbações que produzem o desequilíbrio são de
dois tipos:
– as perturbações conflitivas: contradizem as expectativas e implicam
correções possíveis apenas a partir da análise da contradição;
– as perturbações lacunares: ocorrem quando em uma nova situação faltam
objetos ou condições que são necessários para resolver o problema. Dessa forma,
as perturbações lacunares se relacionam com esquemas de assimilação já ativados
e sua regulação implica reforço não correção.
Em relação aos conflitos, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) propõem
uma classificação que inclui três tipos de conflitos:
1. conflitos externos: referem-se àqueles conflitos caracterizados pela
divergência entre os modos de ver do estudante e os elementos externos a ele. Um
exemplo é a divergência entre as idéias do estudante sobre um experimento e os
resultados deste;
2. conflitos internos: são caracterizados por uma divergência entre os
elementos cognitivos internos do estudante (suas percepções, idéias, suas exigências
epistemológicas ou cognitivas). Um exemplo é o conflito que é produzido pela
divergência entre uma convicção espontânea e um conhecimento escolar;
3. conflito misto: são conflitos de estrutura complexa que incluem várias
divergências simultâneas, referidas a elementos internos e externos.
Ao propor situações-problema, é importante destacar as considerações
de Piaget (1977), ao ressaltar que a existência de uma situação-problema, po-
tencialmente perturbadora, não leva necessariamente à superação da idéia inicial
ou à solução do conflito cognitivo. O estudante pode não reconhecer a perturbação
(contradição) como tal e a sua idéia inicial permanecerá inalterável. Diante de um
150
conflito cognitivo, o aluno pode manter uma atitude de considerar a situação como
uma exceção ao sistema explicativo (sistema epistêmico) do qual ele dispõe para
compreender e explicar os fenômenos da realidade, questão que lhe possibilita
continuaraceitando seus conhecimentos como válidos.
Tal situação é semelhante à atitude dos cientistas, assinalada por Kuhn
(1971), quando face a novos fatos que contradizem as suas teorias, não renun-
ciam de imediato a estas, mas constroem determinadas respostas ad hoc,
considerando os novos fatos como exceções a seus sistemas teóricos. Isso per-
mite certa estabilidade aos conhecimentos, pois o passo de um sistema teórico
ou epistêmico para outro leva a rupturas (como negações dialéticas) dos conheci-
mentos, fundamentos, atitudes, valores, etc. Nesse sentido, compartilhamos da
posição de Gil (1986, p.113) ao afirmar que
os alunos devem estar conscientes de que não se abandonam suas
hipóteses como conseqüência de uns poucos resultados negativos e que,
embora o papel do experimento seja essencial na ciência, as teorias só
se abandonam quando existe uma clara evidência contra a mesma e
uma outra concepção alternativa.
Essa problemática tem sido estudada nos últimos anos no campo da
Didática das Ciências, ao se reconhecer as limitações dos modelos de mudança
conceitual. Nesse sentido, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) identificaram sete
diferentes tipos de reações que manifestam os estudantes frente a conflitos cogni-
tivos, os quais citamos a seguir:
· não ter consciência de modo algum das divergências;
· negar, deformar ou, pelo menos, minimizar os elementos divergentes;
· ignorar o problema;
· bloquear-se cognitivamente;
· reconhecer só parcialmente as divergências, considerando-as como exceção;
· reconhecer as divergências permanecendo indeciso sem fazer uma escolha;
· reconhecer a divergência e reelaborar suas idéias.
Essas considerações sinalizam que nem toda dificuldade leva a uma situa-
ção-problema. Lopes e Costa (1996) consideraram que para ocorrer uma situação
problema, deve existir um clima emocional entre o professor e os estudantes, no
contexto geral da sala de aula, de tal maneira que os estudantes se interessem e
vejam a necessidade de criar condições para solucionar a dificuldade apresentada,
identificando-se com os conflitos cognitivos que caracterizam a situação problema.
Na estruturação e planejamento das situações-problema a serem utilizadas pelos
professores, em sala de aula, devem ser consideradas as seguintes questões:
· a seleção dos exemplos correspondentes, segundo o conteúdo e o programa;
· os novos fatos ou procedimentos;
· a definição da contradição fundamental;
151
· a definição da possibilidade de explicá-la pelos alunos;
· a definição das possibilidades de busca pelos alunos.
Ao elaborar as situações-problema, devemos refletir que os obstáculos são
barreiras que podem ser colocadas aos nossos alunos para que eles consigam
transpô-las ou, ainda, dificuldades para serem enfrentadas de maneira natural.
Eles fazem parte do nosso cotidiano e são necessários para obtermos uma visão
dialética, mais crítica e reflexiva para melhor resolvermos problemas do dia-a-dia.
Quando trabalhamos da maneira exposta anteriormente, suscitamos a curiosidade
nos alunos, que se tornam co-responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo e
pelas inúmeras variantes que possam ser sugeridas e relacionadas ao referido
conteúdo.
b) O problema
Problema é uma palavra de caráter polissêmico, tendo como noções mais
comuns, na linguagem cotidiana, uma dificuldade, uma questão por resolver, um
obstáculo, um conflito, um dano, a causa de uma situação não desejada, etc. Nessas
noções, implícita ou explicitamente, o termo problema se associa a algo difícil,
cuja resposta é desconhecida. Na visão de Echeverria e Pozo (1998), a definição
de um problema institui-se na fase inicial de sua resolução, pois todo problema
apresenta uma pergunta; por conseguinte, reconheceremos a pergunta e nos
conscientizaremos de que realmente há um problema. Esse autor contextualiza
que um problema pode ser uma situação em que um indivíduo (ou um grupo de
indivíduos) deseja ou necessita resolver não dispondo de uma solução imediata.
Campos e Nigro (1999, p.72) consideram que um problema verdadeiro é
aquele que propicia “uma situação ou um conflito para o qual não temos uma
resposta imediata, nem uma técnica de solução”. Garret (1988, p.228) diz que um
problema “é uma situação com a qual nos enfrentamos, e que se situa fora daquilo
que entendemos no momento em que nos deparamos com a dita situação, mas
próximo do limite de nossas estruturas cognitivas”.
 Para Majmutov (1984), o problema de ensino é um elo intermediário entre
as categorias filosóficas e as didáticas, ou seja, serve como meio de transformação
do método dialético de solução das contradições em métodos didáticos que resolvem
as contradições surgidas no processo de assimilação de novos conhecimentos.
Bachellard (1996) considera que, ao se definir um problema, pode-se promover
um avanço no conhecimento. O problema, na perspectiva de Martinez (1986),
institui-se numa situação-problema assimilada pelos alunos, em cuja contradição,
que caracteriza a situação problema, podem convertê-la em problema próprio,
fato que surge na atividade cognoscitiva. A situação-problema encontra sua forma
de expressão no problema, subordinado a um objetivo formulado, mas sem solução
aparente.
152
Segundo Gil et al. (1999, p.503), o problema pode ser definido de forma
genérica, como as situações previstas ou espontâneas, que produzem um certo
grau de incerteza e uma conduta tendente à busca da solução, e pode ser enunciado
a partir de um contexto problemático, com o propósito de resolver dificuldades ou
necessidades específicas do conhecimento conceitual ou procedimental e desen-
volver capacidades cognitivas e afetivas.
Entendemos o problema como a contradição que caracteriza uma situação
problema assimilada/internalizada pelo aluno. Os estudantes devem compreender
a importância de definir problemas, partindo do critério de que um problema bem
definido é essencial para a busca de suas soluções ou respostas. Os cientistas não
abordam problemas bem definidos, com precisão, inicialmente, porque é necessária
uma etapa de análise que permita delimitar o problema e encontrar objetivos claros
e definidos à busca da sua solução.
As relações entre a situação-problema e o problema se apresentam no
Esquema 03.
Representa o procuradoRepresenta o desconhecido
 Expressa a assimilação da própria
contradição para organizar a busca
Revela a contradição
dialética
? 
 
 
A Situação-problema
O Problema
Esquema 03 – Relação entre a situação-problema e o problema
 
 
 
153
No Esquema 03, está representada a maneira pela qual se desenvolve o
processo, por meio de uma situação-problema, para alcançar o objetivo principal
que é a definição do problema, proporcionando aos alunos a representação do
problema, que representa o procurado. Essa situação estrategicamente fica sub-
jacente às revelações das contradições dialéticas, as quais favorecem, nos alunos,
a externalização, pela assimilação da própria contradição, em busca do desco-
nhecido. De uma maneira geral, a situação-problema representa o desconhecido,
enquanto o problema representa o buscado. O problema pode ser definido como
pergunta ou tarefa, ou mesmo como uma contradição que deve estimular o
pensamento produtivo do aluno, orientando-o à busca de explicações do fenômeno
ou pode ser considerado como uma tarefa complexa, cuja solução depende da
busca para obter novos conhecimentos ou procedimentos.
De acordo com Nuñez e Franco (2002), o problema deve ter as seguintes
características:
· ser produto da internalização da contradição, que caracteriza o conflito
cognitivo;
· ser de interesse do aluno, favorecendo a sua motivação, por isso a
importância de seu vínculo com o dia-a-dia;
· ter a possibilidade de ser resolvido, utilizando uma estratégia adequada, o
que implica uma construção de novos conhecimentos ou novos procedimentos
práticos e teóricos.
Uma característica dos problemas é seu caráter relativo para os sujeitos,
que internalizam, de forma consciente, as contradições intrínsecas na sua resolução.
Cada aluno ou grupocria uma representação sobre o problema, ou seja, percebe
de uma forma ou de outra, o problema. A representação do problema é um elemento
de significativa importância, uma vez que a forma de se trabalhar a sua solução
depende da percepção construída sobre a realidade. Muitas vezes, as dificuldades
dos alunos para trabalhar na solução dos problemas está, dentre outros fatores, na
forma de representá-los.
O trabalho na construção da representação do problema é de vital importân-
cia não só na definição de estratégias para a busca de soluções como também no
sentido de voltar atrás quando as soluções são inadequadas. Dominowski (1995)
explica como sujeitos, que procuram solução numa compreensão inadequada do
problema, erram de forma repetida. Tais sujeitos, geralmente reiniciam a solução
do problema, não pela reconstrução da representação mas desde a execução,
uma vez que atribuem o fracasso à ação e não à compreensão ou interpretação
do problema. Quando se tem uma dificuldade para resolver o problema que
expressa um distanciamento significativo entre o conhecido e o desconhecido, às
vezes é importante procurar, de forma radical, uma outra representação do
problema. Na representação do problema, expressa-se a sua estrutura qualita-
tiva/quantitativa.
154
Defendemos, neste trabalho, a utilização de problemas verdadeiros e situa-
ções abertas e não de exercícios. É importante observar que não é o fato de pro-
pormos perguntas mais abertas ou fechadas que caracteriza a proposição de um
problema verdadeiro. Devemos lembrar que, por uma simplificação, muitos pro-
fessores costumam achar que o fato de propor aos alunos perguntas abertas já
seria o suficiente para garantir a proposição de verdadeiros problemas (Campos
e Nigro, 1999). Echeverria e Pozo (1998) fazem uma diferenciação importante
entre problema e exercícios. Para eles, o problema supõe a solução de uma situa-
ção para a qual o aluno não dispõe de um caminho rápido e direto, pois deve re-
construir novos procedimentos, procurar novos sentidos para conhecimentos
conceituais, etc. Não existe solução imediata, o que implica certa criatividade
numa relação entre o conhecido e o desconhecido. Já a realização de exercícios
baseia-se no uso de habilidades ou técnicas aprendidas, como rotinas automa-
tizadas que expressam seqüências conhecidas. No exercício, não existe nada
duvidoso intrínseco à sua solução. Nesse sentido, observamos que, nas escolas,
geralmente se trabalha com exercícios, identificando estes como problemas,
quando na realidade não o são.
A solução do problema aberto conduz-nos a diversas respostas, todas elas
possíveis. Parte-se de sua própria solução e da análise da resposta mais conveniente
em cada momento. Tal orientação propõe um rompimento com a visão fechada de
uma única racionalidade na solução dos problemas, de uma resposta única,
associando o trabalho discente da tomada de decisões. Logo, os problemas reais
sempre serão aceitos pelos alunos por fazerem parte de seus conhecimentos do
senso comum, favorecendo, assim, o seu aprendizado de forma participativa em
prol da resolução do problema (Gil, 1986).
Um objetivo importante do trabalho com problemas no ensino é substituir
a prática tradicional de trabalhar com as soluções dos problemas e não com os
problemas associados aos processos de produção do conhecimento. Os alunos
devem aprender a formular os problemas, como condição necessária para a sua
solução, pois quando constroem o problema, eles têm argumentos para sua com-
preensão e para a busca e execução das estratégias na procura de soluções.
A importância da representação do problema no processo de solução implica
que nosso comportamento depende mais de nossa percepção que da própria
realidade; embora, uma influencie a outra. Outra questão de importância é a
contextualização dos problemas e o trabalho do vínculo com os contextos que lhes
dão origem (assim como as diferentes condições, contraditórias), e também os
novos problemas que se originam na solução ou trabalho com esses problemas.
A seguir, apresentaremos, no Quadro 01, o exemplo de uma atividade que
contempla uma abordagem de resolução de problemas, a partir do referencial teó-
rico discutido até o momento.
155
DISCIPLINA: Química
TEMA: Reações químicas.
NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio
OBJETIVO: Diferenciar o conceito de ácido fraco e solúvel dos ácidos fortes
e soluções.
ATIVIDADE:1. Na primeira fase, durante o processo de formulação do conceito
de ácido fraco e solúvel, o professor utilizará uma situação-problema a ser
resolvida de forma experimental pelo aluno. A situação problema pode ser
apresentada segundo as seguintes orientações:
 dispor de dois recipientes com o mesmo volume e a mesma concentração
dos ácidos clorídrico e acético.
 adicionar a mesma quantidade de gotas do indicador alaranjado de metila
a soluções dos ácidos anteriores e observar as colorações de cada um.
 roxo cor laranja
 ácido clorídrico ácido acético
 com indicador alaranjado de metila com indicador alaranjado de metila
Por que as soluções tomam diferentes colorações se estamos tratando de
soluções de ácidos de igual concentração inicial?
Ao utilizarem alternativas de solução de problemas, os estudantes poderão
assimilar as diferenças que existem entre os ácidos fortes e ácidos fracos, não
de forma pronta como resultado da transmissão verbal pelo professor, mas
como resultado da observação, do questionamento, de procedimentos orientados
a resolver os conflitos cognitivos.
Quadro 01 – Exemplo de problema resultante de uma situação-problema
c) As tarefas-problema
As tarefas-problema são as atividades que se organizam para propiciar
aos alunos maior participação e dinâmica na busca do desconhecido, a partir do
conhecido, representando um eixo de mediação entre o problema e a busca de sua
solução. Essas tarefas caracterizam-se por promover nos alunos novas perguntas,
novos exemplos, novas dúvidas, novos questionamentos, polemizando sobre as
 
�
�
156
possíveis alternativas e posicionamentos inerentes aos problemas, os quais con-
tribuem para alcançar o objetivo desejado.
Segura (1991) considera que as tarefas são conjuntos de atividades arti-
culadas entre si, seguidas de um contexto-problema típico, com a finalidade de
resolver uma dificuldade, obter, ampliar ou aperfeiçoar relações operacionais (ou
não) entre conceitos, adquirir e aperfeiçoar capacidades cognitivas, afetivas e psi-
comotoras. No decorrer da solução do problema, o professor organiza tarefas para
que os alunos se orientem na sua resolução, procurando facilitar o seu papel de
mediador, a possibilidade de os alunos prepararem planos heurísticos, para a solu-
ção dos problemas. Para o sucesso na solução dos problemas, a estrutura das tare-
fas e as orientações que a acompanham também são importantes (Garret, 1988).
As tarefas–problema devem ser estratégias metacognitivas que possibilitem
ao aluno a busca da solução consciente do problema, contribuindo para este aprender
a aprender e conscientizar-se dos processos utilizados, dos erros e acertos e, ainda,
conseguir superar e explicar como aprendeu, e, da mesma forma, facilitar o diálogo
reflexivo/construtivo, que pode ser considerado um fundamento epistemológico no
trabalho com as tarefas-problema. A solução do problema pode se organizar como
formas cooperadas e formas independentes, que se vinculam às perguntas seguidas
de uma seqüência determinada de ações, sendo, ainda, forma de mediação do tra-
balho docente com os alunos e estando relacionada com as alternativas de solução
(métodos problêmicos). A solução do problema é uma forma estratégica para o
desenvolvimento do pensamento do aluno e as possibilidades de atuar nos diversos
contextos não só para refletir e compreender a realidade, como também transformá-
la de forma criativa. As tarefas mediam o processo de solução do problema. Esse
processo está representado no Esquema04.
Esquema 04 – Relação de mediação da tarefa-problema com o processo de solução do problema
 
PROBLEMA 
Representa o 
objeto de busca 
 
TAREFAS 
PROBLÊMICAS 
RESPOSTAS 
AO 
PROBLEMA 
Representa a 
orientação na 
busca do 
desconhecido 
Representa o 
desconhecido 
 SITUAÇÃO-
PROBLEMA
157
d) A problemática
Para Martinez (1986), o nível de desenvolvimento de habilidades no alu-
nado determina as condições em que a problemática aparece, comportando uma
característica do conhecimento. Entretanto, para Majmutov (1984) e Martinez
(1986), a problemática representa o grau de complexidade das perguntas, das
tarefas-problema e o nível de habilidades que os alunos adquirem para analisar e
resolver os problemas de maneira independente. A problemática pode ser conside-
rada uma categoria do ensino por problemas, estando presente em todo o processo,
desde a situação-problema até a proposição de uma solução. Seria o interesse ou a
busca discente para afastar-se do conflito, de forma produtiva, estando motivada
pela curiosidade. A problemática não é apenas a dificuldade, mas o mais alto nível
psicológico, que direciona o cognitivo e o afetivo da personalidade do aluno para
a sua formação, já que pode ser mobilizado como problema da realidade, relacio-
nado aos interesses do alunado.
2. Os métodos problêmicos de ensino
Os métodos problêmicos são meios para estimular a atividade cognitiva
dos estudantes, contribuindo com o desenvolvimento do pensamento dialético e
criador, com a flexibilidade do pensamento e com outras capacidades cognitivas
e afetivas. O processo de soluções de problemas é complexo e precisa do trânsito
do estágio de trabalho colaborativo ao estágio de independência cognitiva. Esse
processo pode-se fundamentar em diversos procedimentos, estratégias e méto-
dos que considerem algumas particularidades dessa atividade cognitivo-afetiva.
Os métodos problêmicos constituem um subsistema dos métodos gerais de ensino,
sendo necessário esclarecer que utilizamos o conceito de método como equivalente
à alternativa de solução do problema, e não na sua concepção tradicional de método
como seqüência de etapas fechadas, numa visão algorítmica.
No ensino de Ciências, podem ser utilizados diferentes estratégias e métodos,
dentre os quais estão os métodos de trabalho com problemas. A escolha de um ou
de outro método dependerá de um conjunto de fatores relativos aos alunos, às con-
dições, aos objetivos e aos conteúdos de ensino, etc. A competência do professor
está na capacidade de decidir, como hipótese de trabalho, o método de maior poten-
cialidade educativa em cada situação. Existem diversos métodos problêmicos que
podem ser utilizados no ensino. Em todos os casos, a seleção depende dos conteúdos
da ciência, do tema, da tarefa a realizar, assim como das habilidades dos estudan-
tes. No desenvolvimento desses métodos, põe-se em manifesto a dinâmica das
categorias objetivo-conteúdo e a solução do problema implica uma busca organi-
zada, a ser realizada utilizando métodos problêmicos que permitirão ao estudante
a integração de novos conhecimentos, procedimentos e atitudes.
Para Garret (1988), solucionar problemas é parte do processo de pensar.
158
Esse autor considera todas as ações do enfrentamento do problema, incluindo o
reconhecimento de que existe um problema. A atividade de enfrentar problemas
pode ser mais ou menos criativa dependendo do grau de utilidade e originalidade.
Isso significa propor, para os estudantes, situações-problema que impliquem solu-
ções originais e que tenham certa utilidade.
Campos e Nigro (1999) apontam como necessários aos métodos problê-
micos, utilizados para trabalhar a solução dos problemas, na sala de aula, os se-
guintes direcionamentos:
· habituar os alunos a refletir e a tomar decisões sobre o processo de reso-
lução, concedendo-lhe crescente autonomia na tomada de decisões;
· incentivar a cooperação entre os alunos na realização de tarefas, incen-
tivando também a discussão e a manifestação de diferentes pontos de vista. Assim,
o aluno irá explorar o problema para confrontar suas respostas com outras formas
alternativas de resolução;
· proporcionar aos alunos as informações de que necessitam durante o
processo de resolução. Realizar um trabalho de apoio, incentivando, nos alunos, o
hábito de se perguntarem em vez de simplesmente responderem as perguntas;
· dar tempo e espaço para que eles se dediquem intensamente à resolução
de problemas; para isso, devem-se organizar adequadamente os grupos de tra-
balho, fornecer o tempo necessário para a resolução de um problema e viabilizar
a realização de experimentos.
O método problêmico constitui uma etapa do processo de atividade cria-
dora. Esse método desenvolve-se como uma seqüência que possibilita o trânsito
de estágios de trabalho em grupo à independência cognitiva na apropriação de
procedimentos e capacidades para a busca de soluções dos problemas, como
estratégia de construção do conhecimento e educação científica dos alunos. Exis-
tem diversos métodos problêmicos que podem ser utilizados no processo docente.
No desenvolvimento desses métodos, enfatiza-se a dinâmica de inter-relação das
categorias do ensino por problemas.
Como alternativas para a solução de problemas, Martinez (1986) assinala
quatro métodos problêmicos, conforme Esquema 05.
159
Esquema 05 – Tipologias dos métodos problêmicos
A organização dos distintos métodos em relação à atividade de solução das
situações-problemas constitui passos para uma expressiva complexidade, permi-
tindo uma etapa de familiarização, isso se considerarmos a questão da falta de
hábito dos alunos com os trabalhos de solução de problemas e as metodologias de
investigação nas ciências naturais, que se apresentam como obstáculos didáticos,
além dos trabalhos de maior independência dentro de um grupo de colegas de
atividade de pesquisas. A aplicação dessas alternativas de solução das situações-
problema deve se organizar gradativamente, segundo o Esquema 06.
Esquema 06 – Seqüência alternativa dos métodos problêmicos no contexto do sistema geral dos
métodos de ensino
 
 
Método 
investigativo 
 
Conversa 
heurística 
 
Busca 
parcial 
 
Exposição 
problêmica 
 
 
Métodos 
problêmicos 
160
Os métodos problêmicos são um subsistema de um sistema de métodos gerais
e diversificados a serem utilizados no ensino de Ciências. Os métodos por problemas
que discutiremos resultam ineficazes quando são isolados do sistema de métodos e
procedimentos que devem ser estruturados no programa das disciplinas de ciências,
a partir das múltiplas referências do professor, de forma global e coesa, segundo
as complexas variáveis que intervêm no processo de ensino/aprendizagem.
Esses métodos constituem uma expressão do que Gil (1993) tem chamado
de “aprendizagem como pesquisa orientada”, em que os alunos, em situações
de cooperação, resolvem problemas utilizando metodologias próximas à ciência.
Em grupos, abordam situações problemáticas de interesse, interagindo com os
outros colegas, com os professores e os textos (como representantes de comuni-
dade científica) e o professor como “o pesquisador experiente” do grupo.
2.1. A exposição problêmica
A exposição problêmica é um método baseado na exposição significativa
dos conhecimentos, para a solução de situações-problema. Para Martinez (1986),
na exposição problêmica, o professor não se limita a comunicar as conclusões da
ciência, mas busca explicação mediante o estabelecimento de situações-problema
e das formas pelas quais os cientistas trabalharam na solução dessas situações. O
ensino, nessa perspectiva, propicia aos estudantes assimilar métodos da atividade
criadora e conhecer não somente o produto mas a via para formular e resolver os
problemas. Assim, podem adquirir alguns recursos para o trabalho nas aulas de
ciências, posto que o professor não só lhes oferece a solução do problema, mas
cria condições para que se descubra a lógica do movimento do pensamento na
busca e indicação das fontes do surgimentodas contradições, argumentando cada
passo na resolução do problema.
A exposição sistemática dos conhecimentos que o professor faz, no sentido
de explicar os fenômenos sociais e os da natureza, além da ampla utilização dos
diferentes meios auxiliares, tem sido um importante passo para passar do primeiro
tipo de processo docente (dogmático) ao segundo (explicativo). Apesar de garan-
tir a assimilação consciente de uma determinada quantidade de conhecimentos, a
exposição informativa não ativa devidamente o funcionamento do pensamento dos
alunos, proporcionando principalmente a atividade cognoscitiva reprodutora, pois
ao receber as verdades científicas, de forma preparada, o aluno deve entendê-las,
aprendê-las e reproduzi-las.
Conjuntamente com a comunicação informativa das verdades científicas
preparadas e sua explicação, nos últimos tempos, tem-se começado a empregar,
cada vez mais, a exposição problêmica dos conhecimentos, cuja essência está ba-
seada no fato de que o professor não somente transmite as conclusões finais da
ciência, mas demonstra a embriologia da verdade. É reproduzir, em certa medida,
a forma em que se descobriram. Uma vez estabelecido o problema, o professor
161
mostra as contradições internas que surgem durante a sua solução, pensa em voz
alta, faz suposições, analisa-as, impugna as possíveis objeções, mostra a veraci-
dade com o auxílio de experimento, demonstrando-o ou falando do realizado pelos
cientistas, etc. Em outras palavras, o professor mostra aos alunos a própria via do
pensamento científico, fazendo com que estes sigam a evolução da dialética do
pensamento na direção da verdade, fazendo-os, poderíamos dizer, co-partícipes da
busca científica.
Para explicar a essência da exposição problêmica dos conhecimentos
científicos, utilizaremos um exemplo, tomado de uma conferência pública de
Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), sobre a vida das plantas.
Essa questão instiga o pensamento dos ouvintes do problema. Realmente,
não se compreende por que é que dois órgãos de uma mesma planta crescem em
direções opostas, conforme observado na Figura 02.
 Figura 02 – Representação esquemática da influência da luz no crescimento do caule
 e da raiz das plantas
Comecemos nosso panorama dos fenô-
menos de desenvolvimento da planta
desde o momento em que a raiz brota
da semente germinante, em que uma
parte do embrião se oculta na terra co-
mo se fugisse da luz, enquanto outra
parte se dirige para essa direção, como
se buscasse encontrar-se com a luz.
Por que a raiz e o caule crescem
em direções opostas, uma em di-
reção à terra e o outro em direção
à luz ?
FATO OBSERVADO PERGUNTA INICIAL
162
Na exposição informativa ter-se-ia dado imediatamente uma explicação
preparada para esse fato, e aos ouvintes restaria entendê-la e lembrá-la. Porém,
Timiriazev (1982, apud Martinez, 1986), sugere ao professor atuar de outra ma-
neira: não apenas transmitindo a verdade alcançada pela ciência mas como esta
chegou a ela:
– Esta questão não custou barato aos cientistas.
– É muito provável que na busca das causas desse fenômeno, as suspeitas
dos cientistas tenham recaído sobre a luz e a umidade do solo.
– É possível observar que os caules se direcionam no sentido da luz e que as
raízes fogem desta e que, por conseguinte, a luz deve colocar-se como a fonte
exterior que condiciona a direção do crescimento.
Com essas palavras, expõe-se uma das hipóteses elementares que tratou
de solucionar o problema anteriormente levantado. Todavia, essa hipótese tem
resultado inconsistente e o autor refere que ela não tem podido ser compro-
vada pela experiência, referindo-se às experiências que têm impugnado a
hipótese.
A suposição levantada de que a direção da raiz se deva à umidade do solo
foi eliminada por um experimento que consistiu em colocar as sementes germi-
nantes rodeadas por terra úmida e envolvidas em uma esponja úmida, cujo grau de
umidade em todas as partes será o mesmo. Por outro lado, a direção de crescimento
da raiz e do caule também será a mesma, ou seja, na vertical.
A raiz e o caule não apresentam nenhuma posição fixa de
crescimento, nem com relação à luz, nem com relação à umidade.
Sua posição é fixa somente em relação ao horizonte: as raízes
crescem sempre para baixo e os caules sempre para cima. Essa
constância da direção de crescimento demonstra que a força que
provoca esse fenômeno deve ser a gravidade, ou seja, a atração de
nosso planeta.
Na completa escuridão, a direção de crescimento das partes
da planta será a mesma, no entanto, se as sementes forem plantadas
em um vaso colocado sobre uma janela, de maneira que receba a luz
por baixo, as raízes atravessarão a camada de terra e sairão pela
parte inferior do vaso – o seu crescimento seria em direção à luz; e
os caules crescerão para cima – portanto, afastando-se da luz.
163
Ao analisar os experimentos que têm impugnado essas suposições, o professor
certamente levará os ouvintes a uma nova hipótese: teremos que buscar a solução
do problema na força de atração da terra. Porém teremos que mostrar também essa
nova suposição: poderemos demonstrá-lo por via estritamente experimental.
Poderemos fazer com que essa força atue em períodos curtos de tempo
em sentido contrário e que, dessa maneira, equilibremos reciprocamente e eli-
minemos a sua ação, em períodos mais prolongados. Basta, para isso, fixar as
sementes germinantes em uma roda giratória (por exemplo, uma roda acionada
por um pequeno motor eletromagnético). A prova realizada em tais condições
demonstrará que a raiz e o caule irão adotar uma posição qualquer, porém con-
servarão a posição em que foram fixados.
 Logo surgirá um novo problema:
De novo tem lugar a descrição do processo de solução dessa contradi-
ção, ou seja, fala-se sobre os fatos relacionados com a tensão dos tecidos: uma
mesma força, ao atuar sobre os tecidos da raiz e do caule, que têm estrutura
distinta, produzem resultados distintos e os fazem crescer em direções direta-
mente opostas.
Se a direção de crescimento das
partes da planta depende da força
de gravidade, ao eliminar essa
força, inativaremos o fenômeno; ao
substituir essa força por outra que
atue em outra direção, trocaremos
portanto o próprio fenômeno.
Como fazer essa tarefa ?
Como separar qualquer corpo que
se encontra na superfície terrestre
do efeito da gravitação da terra?
Como fazer para que as plantas não
tenham parte superior nem inferior?
FATO OBSERVADO PERGUNTAS
Se dizemos que a raiz dirige-se
para o centro da terra por efeito da
força de gravidade, isso sem dúvida
é compreendido.
Como compreender que o caule, ao
contrário, tende a fugir do centro da
terra, diante da ação dessa mesma
força?
FATO OBSERVADO PERGUNTA INICIAL
164
Com isso, observamos uma busca por explicações que envolvem não ape-
nas uma área específica do conhecimento mas que integrem as diferentes áreas,
algo que não busca apenas dar respostas prontas aos fenômenos mas que procura
construir explicações com base nas descobertas científicas, em vez de apenas
transmitir as informações científicas.
A exposição problêmica dos conteúdos, como método de ensino, pode
contribuir no sentido de:
– motivar os alunos para o estudo das ciências naturais;
– instituir atitudes positivas em relação às ciências;
– estudar as ciências como produção humana em um contexto social, sua
dinâmica, complexidade e não só o estudo das “verdades científicas”;
– desenvolver nos alunos o pensamento dialético, na forma de reflexão crítica;
– familiarizar os alunos com os procedimentos, estratégias de validação, os
problemas das ciências e os cientistas.
Segundo Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), a exposição problêmica
dos conhecimentos desperta nos alunos a necessidade de solucionar o problema
cognoscitivo estabelecido, porém sem que tenham os dados para resolvê-lo
independentemente. Por esse motivo, o professor mostra a maneira de resolvê-lo
falando das provas que os cientistas têm utilizado para validá-los. A exposição
problêmica do conteúdo de estudonão só tem proporcionado a demonstração
científica e a assimilação consciente dos conhecimentos, como também tem permi-
tido aumentar o interesse e a intensificação da atividade do pensamento do aluno.
Esse é o grande valor pedagógico da exposição problêmica dos conhecimentos,
resumido na Figura 03.
Figura 03 – Vantagens pedagógicas da exposição problêmica dos conhecimentos
 
Torna a 
exposição mais 
segura 
Aumenta o 
interesse do 
aluno em 
aprender 
Ensina a pensar 
científica e 
dialeticamente 
165
2.2. A busca parcial
A busca parcial é um método que contribui ao trabalho de solução do problema
por etapas, possibilita o trabalho em grupo, a comunicação, a defesa/argumentação
das idéias, os hábitos de refletir de forma crítica sobre o trabalho do outro, a integra-
ção das partes trabalhadas pelos grupos no todo que se orienta a dar uma resposta ao
problema. É um método que facilita o “trânsito” para o ensino/aprendizagem com
métodos de exigências cognitivas/afetivas de maior complexidade.
Nesse método, os estudantes têm a possibilidade de começar a resolver por
si mesmos o problema sob a orientação do professor. Ao expor o material, o profes-
sor facilita para que os estudantes se incorporem a uma parte do processo de busca
para a solução cooperada de alguns dos momentos que implicam a solução total do
problema, mediante o método investigativo, ou seja: explicar o fato, definir e testar
uma hipótese, fazer uma comprovação pela via experimental, redesenhar o expe-
rimento, reformular hipóteses e buscar critérios para validação dos resultados. É
uma etapa preliminar do trabalho do aluno com as metodologias cientificas para
sua posterior integração à solução de problemas como um todo.
A solução de problemas se realiza por etapas, dentro de um mesmo grupo de
alunos para quem as tarefas são distribuídas. Um exemplo de trabalho segundo o
método problêmico pode ser o seguinte:
A seguinte questão pode ser levantada: como trabalhar para diminuir o
hidróxido de sódio das águas do rio? O professor se reúne com os alunos para
traçar um plano de atividade, conforme disposto no Quadro 02.
o professor expõe uma situação-problema que emerge da
contaminação ambiental em um rio, como conseqüência da
ruptura de uma lagoa de tratamento de água, rica em hidró-
xido de sódio, proveniente de uma indústria de papel.
166
DISCIPLINA: Química
TEMA: Funções Inorgânicas
NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio
OBJETIVO: Entender o que é possível fazer para diminuir o hidróxido de
sódio da água de um rio contaminado.
ATIVIDADE: distribuir diferentes tarefas planejadas de forma que os
grupos consigam chegar à seguinte busca:
1. levantamento das condições, do contexto (geográfico, a carga contami-
nante, etc.), para uma melhor análise qualitativa da situação;
2. definição do problema (estabelecimento das relações entre o conhecido e
o desconhecido e delimitação da zona de busca de respostas);
3. formulação e argumentação das hipóteses;
4. organização de experimentos (em laboratório) para testar as hipóteses em
caráter de urgência;
5. transposição dos resultados dos testes do laboratório para o contexto
real;
6. controle dos processos físicos e químicos;
7. discussão do grupo das melhores hipóteses e solução para o problema,
segundo as condições e possibilidades de se pôr em prática;
· Os grupos trabalharão na intenção de resolver as diferentes tarefas
de maneira progressiva para a integração dos resultados e para se chegar a
respostas possíveis sobre o problema. Cada grupo expõe seus resultados e
negocia com os outros a continuidade do trabalho.
· O professor contribui na solução do trabalho, atuando como coor-
denador da atividade de busca e os alunos somente se incorporarão par-
cialmente a algumas das atividades de busca dentro do projeto geral.
Quadro 02 – Planejamento de atividade para realizar a busca parcial na solução do problema
167
Na busca parcial, a solução do problema coloca-se como uma organização
cooperativa do trabalho. Os problemas são de natureza mais complexa e a busca
de informações e o próprio trabalho com os problemas pode levar dias. O valor
pedagógico desse método está na elevação do interesse e atenção dos estudantes.
Estimula o trabalho ativo do pensamento e como conseqüência contribui para a
assimilação consciente e fundamentada dos conhecimentos, preparando os estu-
dantes para um trabalho com maior grau de cooperação, de independência,
responsabilidade e compreensão do trabalho de solução de problemas.
Na opinião de Skatin (1982), o método da busca parcial seria uma prerro-
gativa do mestre, mas a solução seria descoberta pelos próprios alunos, que, ao
assim fazer, irão adquirir novos conhecimentos, habilidades e atitudes.
2.3. A conversa heurística
A heurística1 é a arte de inventar e criar idéias; o seu potencial, no que tange
à capacitação de gerar novas idéias e/ou induzir novas invenções, com certeza,
favorece o processo de solução de problema. As conversas heurísticas têm sido
utilizadas desde a antigüidade. Os sofistas, por exemplo,elaboravam um conjunto
de métodos específicos de transmissão de conhecimentos, consideravam a palavra
como um bom instrumento para influenciar os homens, e a heurística como a arte
de opor critérios mediante a relação tese2-antítese.3 Eles desenvolveram esses
métodos como uma ativa participação dos ouvintes por meio de perguntas e
exercícios.
Sócrates utilizou um método similar, quando reunia seus alunos a seu redor
e elaborava a indução dos conhecimentos. O método, denominado maiêutica,4 tinha
como objetivo encontrar a essência verdadeira mediante a demonstração ou negação
das teses por meio da dialética da discussão. Mediante o diálogo, estabelecia a
dúvida no ouvinte para que se sentisse motivado a pensar e resolver com vistas a
encontrar a solução do problema.
A conversa heurística, como método, pressupõe uma ativa participação dos
estudantes mediante perguntas e exercícios de questionamentos para a solução de
problemas. Com o emprego do diálogo, estabelece-se a dúvida para estimular os
estudantes a pensar e questionar com vistas à solução do problema. Os trabalhos
de pesquisa na solução de problemas heurísticos mostram que não é suficiente
1 Heurística – é a arte de inventar ou criar. Conjunto de regras e métodos que conduzem à
descoberta, à invenção e à resolução de problemas.
2 Tese – premissa, o primeiro momento do processo dialético.
3 Antítese – oposição, por contradição, entre dois termos ou duas proposições.
4 Maiêutica – processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as perguntas a
fim de se obter, indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em
questão.
168
informar aos alunos sobre os procedimentos heurísticos de solução de problemas;
mas é necessário que os alunos tenham aprendido a regular e controlar sua própria
atividade ou que o professor realize esse controle em colaboração com os alunos.
Nesse momento, ainda acontece uma mediação mais significativa do professor na
atividade do aluno.
A conversa heurística, como método de ensino, pode ser utilizada nos
seminários e em outros momentos do processo docente. No processo de discussão,
promove-se o desenvolvimento das capacidades de pensamento independente, o
que se supõe um nível. A conversação heurística contribui para o desenvolvimento
do pensamento dialético dos alunos, a reflexão crítica do objeto de estudo, o trabalho
da comunicação e a criatividade, dentre outras vantagens de seu uso na solução de
problemas. No Quadro 03, encontram-se dois exemplos de situações-problema, a
partir dos quais a conversação heurística poderá ser aplicada para obtenção da
solução.
Tema: Misturas azeotrópicas
Nível: 1a série do Ensino Médio
Situação-problema
Tem-se uma mistura de dois líquidos
voláteis e miscíveis (H
2
0 e HCl), de
concentração (X 
H2O 
= 0,93 ). Quando a
mistura é aquecida no aparelho ao lado,
observa-se que a temperatura aumenta e a
mistura começa a ferver à temperatura
variável, até atingir 106,5° C, quandoentão
a temperatura fica constante. Como é pos-
sível que a mistura de dois líquidos voláteis
e miscíveis ferva à temperatura e à pressão
constantes?
Tema : eletricidade
Nível: 2a série do Ensino Médio
Paralelo x série: um paradoxo?
As lâmpadas incandescentes que são utilizadas para a iluminação doméstica
classificam-se por sua potência: 40 W, 75 W, 100 W, etc. A experiência
cotidiana nos permite decidir que as lâmpadas incandescentes de maior
potência emitem maior luminosidade que as de menor potência. Verifique-
mos essa afirmação:
169
1) observe a iluminação de uma lâmpada incandescente de 40 W que está
conectada a uma fonte de 120 V. Observe agora uma lâmpada incan-
descente de 75 W conectada a mesma fonte.
2) Se as lâmpadas incandescentes anteriores se conectassem em paralelo à
mesma voltagem, como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente
a sua resposta.
Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em paralelo,
na fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição.
3) Agora suponha que as mesmas lâmpadas se conectassem em série, na
fonte de 120 V. como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente a
sua resposta.
Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em série, na
fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição.
Discuta em grupo acerca da explicação de seus resultados.
Conclusão: a afirmação inicial “as lâmpadas incandescentes de maior
potência emitem maior luminosidade que as lâmpadas incandescentes de
menor potência” não é totalmente incorreta, nem totalmente correta. Mo-
difique essa afirmativa para que se torne aceitável e explique-a por meio dos
conhecimentos em física.
Traduzido do artigo: Paradojas demonstrativas como estrategia para generar
conflicto cognitivo em estudiantes y profesores. Figueroa, D.R.; Andrés,
M.M. y Gutiérrez, G. (1997).
Quadro 03 – Exposição de duas situações-problema solucionáveis por meio da conversação
heurística
2.4. Método investigativo
Mediante o método investigativo, o estudante terá a possibilidade de traba-
lhar os procedimentos inerentes aos processos de investigação. O trabalho na sala
de aula como pesquisa organizada constitui um método de elevadas exigências
cognitivas e afetivas para os alunos. O trânsito pelos métodos anteriores possibi-
lita ao aluno familiarizar-se com o trabalho das ciências, sua complexidade como
atividade humana e social.
Os fundamentos do método problêmico são discutidos no capítulo, deste
livro, que trata da aprendizagem como pesquisa orientada, como uma alternativa
necessária ao “modelo de mudança conceitual”.
170
3. Considerações finais a respeito
da solução de problemas
O objetivo de desenvolver a capacidade de resolver problemas não demons-
tra apenas que o aluno possa resolver determinado problema, pois a tramitação
desse processo de resolução de problemas tem efeitos sobre o conjunto de toda
a sua personalidade. O desenvolvimento dessas capacidades é responsabilidade
do professor, que não deve confundir problemas com aplicar exercícios, os quais
necessitam mais que a aplicação de uma fórmula ou esquema predeterminado e
válido para todos os casos semelhantes.
Portanto, nessa perspectiva estratégica de desenvolver o ensino por pro-
blema, o professor deve simultaneamente incentivar a participação de todos os
alunos, mantê-los atentos e provocar bastante sua curiosidade; além disso, deve
estimular o pensamento divergente, crítico e dialético, de modo a mostrar que os
conhecimentos da ciência e os métodos científicos não foram adquiridos por uma
simples leitura.
É importante assinalar que a perspectiva que discutimos é uma, dentre
diversas, para se pensar o uso de problemas como estratégia de ensino-aprendiza-
gem das ciências naturais e da matemática.
Referências
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172
METACOGNIÇÃO: APRENDER A APRENDER?
Betania Leite Ramalho,
Isauro Beltrán Nuñez
e Analice de Almeida Lima
Introdução
Na sociedade contemporânea, os meios de comunicação, em especial a
internet, têm possibilitado um fluxo cada vez maior de informações, o que nos leva
a refletir acerca das limitações de estratégias de ensino que tenham por finalidade
apenas a transmissão de informações.
É cada vez mais importante que desenvolvamos nos nossos alunos as capa-
cidades de selecionar informações e refletir criticamente sobre o significado delas
numa demonstração de que têm autonomia para aprender a aprender.
Pérez (1999) esclarece que o conhecimento, hoje, está relacionado com o
inovar, o criar, que é o mesmo que aprender a aprender, englobando a auto-apren-dizagem, a curiosidade, a exploração, o aprender a formular e resolver questões e
problemas, tanto de forma individual quanto em grupo; em suma, atuar de modo
reflexivo e crítico na sociedade
Nesse contexto, destacamos a relevância dos estudos relacionados com
a metacognição que, de acordo com a definição clássica de Flavell (1976 apud
Campanario, 2000), é o conhecimento que se tem dos próprios processos e pro-
dutos cognitivos ou sobre qualquer questão relacionada a eles, ou seja, a metacog-
nição está relacionada com as propriedades da informação ou os dados relevantes
para a aprendizagem.
A metacognição implica a auto-regulação da atividade de aprender, quer
dizer, a conscientização dos processos que utilizamos para conhecer os erros e os
sucessos, para aprender como aprendemos, responsabilizando-nos pela própria
aprendizagem. É importante que o aluno reflita sobre a sua aprendizagem, pois,
caso contrário, não terá nem dúvidas para serem esclarecidas (Campanario et al.,
1998).
Procuraremos ao longo deste capítulo destacar algumas considerações
acerca dos processos metacognitivos, de modo a compreender o seus significa-
dos e refletir sobre estratégias didáticas que venham a colaborar com o desenvolvi-
mento desses processos nos nossos alunos, em aulas de Ciências e de Matemática
no ensino médio.
173
1. Metacognição: conceitos e dimensões
Pozo (2002) destaca que uma das características que diferenciam a mente
de outros sistemas de conhecimento é que esta pode refletir sobre si mesma, podendo
tomar consciência de seus estados e, inclusive, às vezes, de seus processos. A
partir dessa característica tão singular da mente humana, têm sido desenvolvidos
estudos relacionados à capacidade do homem de refletir sobre o seu próprio conteúdo
cognitivo.
Inicialmente, é relevante compreender o que representa o termo cognição.
Para González (1996), este é um termo geral, que se usa para agrupar os proces-
sos que envolvem a aquisição, aplicação, criação, armazenagem, transformação,
criação, avaliação e utilização da informação.
Macias, Soliveres e Maturano (1998) distinguem cognição de metacogni-
ção. Para os autores, cognição diz respeito ao conhecer, à ação, ao efeito de conhe-
cer. O prefixo meta tem um significado recursivo que faz menção a uma reflexão
sobre o conhecimento que tem o sujeito de sua própria cognição.
Apesar dos estudos que têm se preocupado com os processos metacogni-
tivos estarem em destaque na atualidade, Figueira (2003) revela que os pressupostos
da metacognição já estavam presentes em trabalhos que datam do início do século
XX. É o caso das discussões presentes em Dewey (apud Figueira, 2003), no seu
sistema de indução de leitura refletida em que reconhecia já as atividades de
conhecimento e controle (regulação) do próprio sistema cognitivo, apontando como
auxiliar a monitorização ativa e a avaliação crítica. Os trabalhos de Vigotsky e
Piaget abordavam também a questão do controle/regulação das ações e pensamento
e sua evolução.
Siraj-Baltchford e Petayeva (2004) assinalam que o conceito de metacognição
aparece, inicialmente, dentro do contexto da teoria do processamento da informação
com o objetivo de construir um modelo de controle do processo cognitivo.
Segundo González (1996), podem-se destacar três momentos nas pesquisas
que abordam a categoria metacognição. Inicialmente, observam-se os trabalhos de
Tulving e Madigan (1969 apud González, 1996), que apresentaram uma crítica ao
estado em que se encontravam as investigações em torno da memória humana,
ressaltando que nós temos conhecimento e crenças de nossos próprios processos
de memória, chegando à conclusão de que existe uma relação significativa entre o
funcionamento da memória e o conhecimento que se tenha dos processos desta.
O momento posterior é influenciado pelos trabalhos de Flavell (1971 apud
González, 1996), que realizou pesquisas que buscavam estudar a metamemória de
crianças, ou seja, uma reflexão destas acerca de sua própria memória.
No período seguinte, os estudos estão relacionados com a gênese das di-
mensões da metacognição relativas às limitações que as pessoas apresentam para
generalizar ou transferir o que aprenderam para outras situações. Essa perspec-
tiva relaciona-se com o ensino explícito do método de auto-regulação, que per-
174
mitiu aos sujeitos experimentais, o monitoramento e a supervisão dos próprios
recursos cognitivos que possuíam. Chega-se, nesse momento, à compreensão da
meta-cognição concebida como o controle que o sujeito tem de sua própria cogni-
ção (Figura 01).
González (1996) lembra que esses trabalhos atrelados aos de Flavell sub-
sidiaram a confirmação de que o ser humano é capaz de se submeter a estudos e
análise dos processos que ele mesmo usa para conhecer, aprender e resolver
problemas, ou seja, o sujeito pode ter conhecimento de seus próprios processos
cognitivos, bem como controlar e regular o uso desses processos.
Figura 01 – A metacognição pode ser entendida como o controle da própria cognição
Diversos autores, como Chadwick (1985), García e La Casa (1990), Yussen
(1985), Otero (1992), são citados por González (1996), por contribuírem para o
aprofundamento da compreensão do conceito de metacognição. Chadwick (1985
apud González, 1996) descreve a metacognição como a consciência que uma pessoa
tem em relação aos seus processos e estados cognitivos. Para García e La Casa
(1990 apud González, 1996), a metacognição estaria relacionada ao conhecimen-
to que o sujeito teria das características e limitações de seus próprios recursos
cognitivos e com o controle e a regulação que ela pode exercer em tais recursos.
Yussen (1985 apud González, 1996) diz que a metacognição seria um conjunto de
processos que estaria relacionado com a própria cognição e, assim, por exemplo,
quando nós refletimos sobre estratégias que podem subsidiar a memorização de
algum conteúdo, este processo seria a metamemória; se nos interrogássemos da
nossa compreensão acerca de um determinado conteúdo que estudamos, pode-
ríamos chamar o processo de metacompreensão.
Campanario et al. (1998) citam que, em geral, qualquer estratégia cognitiva
que pode ser utilizada para controlar o estado dos próprios conhecimentos ou o
estado da própria compreensão tem uma dimensão metacognitiva.
Costa (1985) ratifica essas considerações afirmando que a capacidade
175
metacognoscitiva é inerente ao ser humano e está relacionada a quatro dimensões
que destacamos no Esquema 01.
Esquema 01 – Capacidade metacognoscitiva (Costa, 1985)
Figueira (2003) afirma que alguns autores abordam a metacognição en-
fatizando simultaneamente tanto o conhecimento do próprio conhecimento, do
conhecimento dos próprios processos cognitivos e suas formas de operação quanto
à auto-regulação do pensamento, isto é, a capacidade de regular esses processos.
Outros autores, entretanto, destacam a independência dessas duas dimensões. Fi-
gueira (2003) defende a idéia da interdependência dessas duas dimensões; essa
posição também é defendida por nós.
1.1. A importância da auto-regulação
nos processos metacognitivos
Uma das dimensões importantes da metacognição diz respeito ao con-
trole/regulação dos processos de cognição pelo sujeito durante a realização das
atividades de aprendizagem, que pode acontecer, por exemplo, por meio do
planejamento de suas ações.
Em relação à importância da auto-regulação na aprendizagem, Campa-
nario et al. (1998) afirmam que alunos que utilizam as estratégias de aprendizagem
auto-reguladas consideram a aquisição de conhecimentos como um processo sis-
temático e controlável, sendo capazes de avaliar seu próprio progresso em relação
aos objetivos que se propõe, e acomodar sua atividade segundo os resultados de sua
auto-avaliação.
 
Refletir e 
avaliar a 
produtividade 
de seu próprio 
funcionamento 
intelectual 
Ter consciência de 
seus próprios 
pensamentos na 
resolução do 
problema 
Elaborar 
estratégias 
para processar 
informações 
Conhecer o 
que conhece 
 
Capacidade 
metacognoscitiva176
Flavell (1979, 1981 apud Figueira, 2003) apresenta um modelo de moni-
torização cognitiva em que a regulação ocorre pela ação e interação de quatro
categorias:
- o conhecimento cognitivo – que corresponde ao conhecimento que temos
e nos permite interagir com as novas situações;
- as experiências cognitivas – que estão relacionadas com tudo que acontece
antes, durante e depois da atividade cognitiva, contemplando tanto questões
cognitivas quanto afetivas;
- os objetivos ou tarefas – que estão relacionados com os objetivos implí-
citos ou explícitos que fomentam ou mantêm a atividade cognitiva do sujeito.
Estes têm um papel importante, na medida em que orientam a ação a ser reali-
zada pelo sujeito;
- as ações ou estratégias – que se referem às cognições ou outros compor-
tamentos, relacionados ao progresso ou à avaliação dos processos cognitivos.
Para Brown (1979 apud Figueira, 2003), a metacognição implica autocons-
ciência, ou seja, saber que se sabe; saber o que se sabe e saber, igualmente, o que
não se sabe. Esse autor defende que o pensamento metacognitivo é possuidor de
três atributos: o conhecimento que o sujeito teria dos seus processos cognitivos, a
tomada de consciência desses processos e a regulação que o sujeito teria dos seus
próprios processos mentais.
Figueira (2003) esclarece que na perspectiva de autores como Bouchard-
Bouffard et al. (1993), Flavell (1981) e Lefebvre-Pinard e Pinard (1985), a auto-
regulação envolveria quatro grandes dimensões: o processamento, a regulação, a
motivação e as experiências metacognitivas (Esquema 02).
Esquema 02 – Dimensões da auto-regulação
 
 
Experiências 
metacognitivas 
 
Motivação 
 
 Regulação 
 
Processamento 
 
Dimensões da 
auto-regulação 
177
A dimensão relativa ao processamento (Esquema 02) estaria relacionada
às estratégias cognitivas que o sujeito utiliza para processar o material de aprendi-
zagem, de modo a alcançar os objetivos desta. Já a regulação incluiria estratégias
metacognitivas, utilizadas para organizar, regular e coordenar, de modo a ter con-
trole na própria aprendizagem. As experiências cognitivas, por sua vez, ocorre-
riam durante a atividade metacognitiva, proporcionando um feedback interno,
consciente, relacionado com o progresso, passado ou futuro, para alcançar o obje-
tivo desejado. Finalmente, a motivação estaria relacionada com o esforço realizado
pelo sujeito na tarefa, como a relação pessoal ao objetivo específico à realização
da atividade e como a atitude mental face às possíveis dificuldades.
Kuhl (1987 apud Campanario et al., 1998) ratifica a importância da moti-
vação nos processos metacognitivos, visto que devido a um fracasso na aprendi-
zagem, a atenção dos sujeitos pode concentrar-se em aspectos parciais da tarefa
que podem não ser relevantes para o êxito desta. Isso depende, em parte, do conhe-
cimento que o sujeito tem sobre a efetividade de diferentes formas de atuação para
conseguir o objetivo. Para esse autor, o desconhecimento dos sujeitos seria uma das
principais causas da desmotivação. A atribuição inadequada das causas de êxito
ou fracasso a deficiências próprias, mais que a ineficiência de determinadas técni-
cas de trabalho e de estudo, pode conduzir a patologias e a distúrbios atitudinais.
Campanario (2003) considera que para o controle da compreensão, ao se
trabalhar com textos em ciências, podem-se distinguir duas etapas bem diferen-
ciadas: a avaliação em que o sujeito comprova o estado atual da própria aprendi-
zagem, em que descobre os problemas, e a regulação, em que o sujeito buscaria
estratégias a fim de solucionar as lacunas para a resolução do problema. Entre
essas duas fases, haveria uma intermediária, denominada de planejamento, em
que são selecionadas as estratégias e os recursos cognitivos necessários para se
conseguir as metas de compreensão de acordo com o propósito da leitura.
O referido autor destaca ainda que o controle da compreensão consiste no
sujeito ter conhecimento do seu entendimento ou não de uma determinada questão.
Essa estratégia, que pode parecer básica, nem sempre é desenvolvida de maneira
adequada, quer dizer, é possível que os alunos não tenham consciência de que não
entendem.
Outra estratégia cognitiva muito importante é a formulação de perguntas
por parte dos alunos, consistindo em uma das possíveis estratégias de auto-regulação
cognitiva que os sujeitos podem desenvolver, quando são conscientes de que têm
algum problema de compreensão (Campanario et al., 1998).
2. A importância da metacognição no ensino de Ciências
No ensino de Ciências, bem como de outras disciplinas, podemos destacar
algumas destrezas básicas que devem ser desenvolvidas nos alunos, como as capa-
cidades de observação, classificação, comparação, medição, descrição, organização
178
coerente das informações, predição, formulação de hipóteses e inferências, interpreta-
ção de dados, elaboração de modelos e obtenção de conclusões. De acordo com Baker
(1991 apud Campanario, 2003), há um paralelismo entre algumas dessas destrezas e
certas estratégias metacognitivas que são utilizadas na aprendizagem em Ciências.
Por outro lado, as diferenças entre as estratégias cognitivas inerentes ao
pensamento cotidiano e científico são questões que devem ser levadas em consi-
deração, pois, como é referido por Otero e Campanario (1990), as pautas de pen-
samento e raciocínio cotidianos em contextos científicos representam uma das
estratégias inadequadas que os alunos podem utilizar em tarefas de aprendizagem
em Ciências. Reif e Larkin (1991) explicam também que as cadeias de raciocínio
cotidiano são curtas e contêm várias premissas aceitáveis; já as cadeias de pen-
samento científico são maiores e as premissas estão mais definidas. O caráter im-
plícito de pensamento cotidiano também se contrasta com o caráter explícito do
conhecimento científico (Campanario et al., 1998).
A metacognição influencia significativamente a resolução de problemas e
esta representa uma fonte de muitas dificuldades para alunos no ensino de Ciências.
O estudo de Swanson (1990 apud Campanario et al., 1998) revelou que possi-
velmente o alto nível metacognitivo pode compensar deficiências nas habilidades
acadêmicas na resolução de problemas.
De acordo com Garcia e La Casa (1990 apud González, 1996), a meta-
cognição, na resolução de problemas, expressa-se na capacidade que tem o sujeito
que resolve o problema em observar os processos de pensamento próprios que ele
utiliza na realização da tarefa e de refletir sobre eles.
As formulações mais atuais do modelo de mudança conceitual propõem o
seu caráter metacognitivo, pois a reflexão sobre o próprio conhecimento e controle
dos processos cognitivos por parte do aluno são um componente necessário para a
mudança conceitual (Campanario et al., 1998).
Podemos destacar ainda a importância das estratégias metacognitivas em
relação às concepções epistemológicas dos alunos, pois essas concepções fazem
parte do conhecimento metacognitivo, visto que estariam relacionadas às idéias
que os alunos mantêm acerca da natureza da ciência, do conhecimento científico e
sobre a própria aprendizagem da ciência, implicando conhecimento sobre as próprias
idéias, sobre o próprio conhecimento. E essas concepções epistemológicas são fun-
damentais para a orientação e a atuação dos alunos em tarefas de aprendizagem
(Campanario et al., 1998).
White (1999) explica o projeto PEEL (Project for Erhascing Effective
Learning), orientado ao aumento de uma aprendizagem compreensiva. Nesse
projeto, assume-se a “meta aprendizagem” como “metacognição”, sendo um com-
ponente que favorece a autonomia dos alunos, e sua responsabilidade com a apren-
dizagem. Os resultados das pesquisas relatam um grupo de condutas de aprendi-
zagem, que podem contribuir com a “ metacognição”. O autor resume em 25 algumas
dessas condutas, que apresentamos a seguir (Quadro 01).
179
Pede ajuda
observação
de conduta
1. Avisa ao professor quando não compreende.
2. Pergunta ao professor o porquê doserros.
3. Diz ao professor o que não compreende.
4. Compara o trabalho com as orientações,
 corrigindo erros e omissões.
5. Quando se bloqueia, volta ao trabalho anterior
 antes de perguntar ao professor.
6. Comprova a compreensão pessoal
 da instrução e do material, procura mais
 informações, se precisar.
7. Procura razões para as partes do trabalho.
8. Antecipa e prevê possíveis resultados.
9. Planeja uma estratégia geral ao início.
10. Explica propósitos e resultados.
11. Comprova o trabalho do professor para
 encontrar erros, e propõe correções.
12. Procura conexões entre as idéias
 e as atividades relacionadas
 a elas diretamente.
13. Procura conexões entre idéias e atividades
 não relacionadas a elas diretamente,
 e entre temáticas diferentes.
14. Procura mais informações de forma
 independente, aplicando idéias a turma.
15. Procura conexões entre idéias e temas
 diferentes.
Comprova
o avanço
pessoal
Planeja
e antecipa
 
 
Reflexão
no trabalho
 
 
180
16. Faz perguntas inquisitivas no geral.
17. Oferece exemplos pessoais relevantes
 no geral.
18. Procura conexões específicas entre
 o trabalho escolar e a vida pessoal.
19. Tenta descobrir fraquezas na sua compreensão.
 Comprova a consistência de suas explicações
 através de diferentes referências.
20. Sugere novas atividades e procedimentos
 alternativos.
21. Expressa desacordo.
22. Propõe idéias, novas intuições
 e explicações alternativas.
23. Justifica opiniões.
24. Reage e refere-se a comentários dos outros colegas.
25. Questiona um texto ou uma resposta
 que o professor considera como correta.
Quadro 01– Condutas que podem contribuir à metacognição
3. Estratégias didáticas subsidiando a metacognição
É importante que no ensino-aprendizagem de Ciências o professor propi-
cie situações que auxiliem o desenvolvimento do processo metacognitivo em seus
alunos. Nesse sentido, Figueira (2003) aponta algumas questões que servem como
subsídios às estratégias metacognitivas, como por exemplo:
- estimulação dos alunos a verbalizarem suas dificuldades e os processos
cognitivos utilizados na realização das tarefas;
- avaliação dos percursos realizados e a explicitação da razão das dificul-
dades ou sucessos, de modo a permitir que o aluno conheça o seu mecanismo de
aprendizagem;
- explicitação por parte do professor dos seus próprios processos mentais,
na apresentação dos conteúdos;
Construção
reconstrução
de condutas
Faz relações
com crenças
e experiências 
Adota
uma
postura
181
- explicação, por parte do professor, do processo subjacente aos conteúdos
e ao desenvolvimento de procedimentos mais dirigidos à correção, analisando e
avaliando mais o processo de aprendizagem do que os seus produtos.
Campanario (2000) destaca a importância de o professor propor estraté-
gias que auxiliem o processo metacognitivo em seus alunos e cita algumas estraté-
gias que podem ser adotadas, como:
- partir de questões que normalmente não são questionadas no cotidiano e
apontar questões que mereçam reflexões;
- aplicar o conhecimento científico ao cotidiano;
- utilizar a história da ciência com uma dimensão cognitiva, auxiliando
a conscientização dos alunos de que muitas vezes suas idéias são semelhantes a
teorias e pontos de vista baseados na história da ciência (Pozo, 1987 apud Cam-
panario, 2000);
- fomentar as atividades de auto-avaliação por parte dos alunos, por exemplo,
solicitar que eles auto-avaliem o seu grau de confiança nas respostas que propor-
cionam às perguntas, utilizando uma escala determinada ou que auto-avaliem suas
expectativas e possibilidades de êxito antes de começar um exame.
A partir das considerações feitas acima, pode-se pensar em alguns tipos de
tarefas que podem ser propostas aos alunos, de modo a auxiliar no desenvolvimento
de estratégias metacognitivas (Campanario, 2000), como, por exemplo:
- as atividades do tipo predizer-observar-explicar, que ajudam o aluno a
compreender que muitas vezes a ciência é contra-intuitiva e que a aprendizagem
requer um certo esforço de abstração. Esse tipo de atividade ajuda os alunos a
tomarem consciência de que o conhecimento científico pode ser utilizado para
entender situações e problemas cotidianos. Tais atividades podem ser complemen-
tadas com pequenas experiências que podem ser desenvolvidas em casa e discutidas
em classe;
- a construção e discussão de mapas conceituais que ajudam os alunos a se
conscientizarem de seus processos de aprendizagem e a avaliar as relações entre os
conceitos;
- a resolução de problemas com pequenas investigações, uma vez que isso
auxilia os alunos a adquirirem uma idéia mais adequada da atuação cognitiva na
área das ciências;
- a elaboração de um diário que poderia ser utilizado nas realizações das
atividades, ao longo da disciplina, constituindo uma base documental que subsidiaria
a auto-avaliação por parte de seus alunos, seus avanços nas disciplinas e suas
concepções sobre a aprendizagem;
- o emprego de um autoquestionário (Quadro 02), que pode fomentar o uso
de determinadas estratégias de estudo, de aprendizagem ou de compreensão, ou
incidir e organizar o desenvolvimento de estratégias adequadas de controle da própria
compreensão;
182
Quadro 02 – Exemplo de um autoquestionário, que pode ser utilizado para contrastar o que foi
aprendido em uma tarefa de estudo independente a partir de livros-texto
Fonte: Campanario, (2000)
- a utilização de perguntas para que os alunos contestem por escrito. Essas
perguntas podem estar relacionadas, por exemplo, com a explicação de uma
experiência realizada anteriormente, com a resolução de um problema qualitativo
ou com a análise de um processo, representando uma estratégia bastante útil em
classes numerosas. O seu uso regular possibilita que os alunos detectem suas lacunas
de compreensão, entretanto, a persistência de erros conceituais e a necessidade de
insistir em determinados aspectos não é uma questão que seja dominada;
- a formulação de perguntas por parte dos próprios alunos, constituindo
uma estratégia importante de auto-regulação cognitiva. A formulação de perguntas
Quais são as idéias principais do texto?
1. Foram encontradas inconsistências aparentes entre diferentes partes do
texto?
2. Posso repetir o conteúdo do texto com minhas próprias palavras?
3. Existem diferenças entre as minhas idéias iniciais sobre o conteúdo do
texto e o que é afirmado nele?
4. Que problemas de compreensão foram encontrados?
5. Posso relacionar o conteúdo do texto com outras lições e/ou unidades
estudadas anteriormente?
6. As informações ou resultados alcançados são “razoáveis” ?
7. Coloca-se explicitamente algum problema conceitual no texto ou é uma
mera exposição de informações?
8. São discutidos os limites da aplicabilidade dos conceitos, equações,
princípios e/ou teorias que se apresentam?
9. São discutidas, no texto, outras alternativas possíveis à apresentada?
183
implica a necessidade de que os alunos concentrem-se no conteúdo e representem
mentalmente a situação com um maior grau de detalhe.
Um exemplo de atividade metacognitiva, proposta para a análise e regulação
dos processos cognitivos que os alunos utilizam na compreensão de textos de física,
é proposta por Macias, Solinares e Maturano (1998), com base no seguinte
questionário:
Quadro 03 – Exemplo de uma atividade metacognitiva (Macias, Solinares e Maturano,1998)
1- Que entende quando usa o termo “ler”?
2- Que utilidade tem para você a leitura?
Selecione (marcar com um X) as opções que correspondem com seus
procedimentos:
3- Como avalia sua compreensão do que foi lido? Através de:
( ) resumir o texto
( ) expressar oralmente, sem olhar o texto escrito
( ) fazer gráficos dos conceitos
( ) outras. Quais?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
( ) não utiliza estratégia
4- Que estratégias utiliza quando não compreende uma parteda leitura do
texto?
( ) volta a ler várias vezes
( ) procura dar sentido utilizando todo o parágrafo
( ) consulta fontes externas:
( ) dicionários
( ) outros livros de textos
( ) professor
( ) colegas
( ) formula novas perguntas
( ) define a idéia principal e as idéias secundárias
( ) faz resumos
( ) outros. Quais?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
( ) não utiliza alguma estratégia em particular.
184
Conclusões
As idéias iniciais apontadas neste capítulo ratificam a importância da meta-
cognição no ensino de ciências, destacando que esta nos subsidia na exploração de
nossas fortalezas, bem como compensa as nossas debilidades, ajudando a diminuir
nossos erros mais comuns.
Nesse sentido, Pozo (2002) esclarece que, na medida em que temos
consciência dos nossos processos psicológicos, podemos usá-los de modo mais
eficaz e flexível no planejamento de nossas estratégias de aprendizagem, quer dizer,
as seqüências de procedimentos e atividades cognitivas se integram com o propósito
de facilitar a aquisição, armazenamento e/ou utilização de informação.
Por essas razões, defendemos que a metacognição deve ser incluída como
um dos objetivos do ensino, uma vez que orienta o aprender a aprender. Não
obstante, essa idéia leva consigo uma série de interrogações para o trabalho do
professor, quanto ao lugar que ocupa essa estratégia no sistema de estratégias
das disciplinas.
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WHITE, R.T. Project PEEL, Melbowsre: Monash University, 1999.
186
A FLEXIBILIDADE DO PENSAMENTO, PENSAMENTO CRÍTICO
E CRIATIVIDADE. GENERALIZAÇÃO E TRANSFERÊNCIA
DE APRENDIZAGEM
 Tereza Cristina Leandro de Faria,
Anadja Marilda Gomes Braz
 e Isauro Beltrán Nuñez
Introdução
Educação ao longo de toda vida, relação teoria e prática no contexto do
currículo escolar, desenvolvimento da autonomia, elaboração e construção das
próprias interpretações, reconstrução da cultura e do conhecimento, eis alguns
desafios presentes às novas necessidades formativas, cujo fomento da competên-
cia ultrapassa a noção e se situa na educação integral para a cidadania.
O alcance dessas necessidades implica, sobretudo, uma nova forma de en-
sinar e aprender que permite desenvolver no aprendiz determinadas capacidades:
flexibilidade do pensamento, criatividade, pensamento crítico, generalizações e
transferência de aprendizagens.
Mas em que consistem essas capacidades? O que preconizam as pesquisas
sobre suas respectivas potencialidades para a formação do indivíduo? Como o
professor pode inserir em sua prática pedagógica tais capacidades formativas?
Estes são alguns aspectos abordados a seguir.
1. Flexibilidade do pensamento e pensamento crítico
A rapidez das transformações científicas e tecnológicas, o avanço das
comunicações e o acúmulo de informações que a sociedade do conhecimento
proporciona repercutiram nas escolas de diferentes maneiras, dentre elas na
exigência de proporcionar ao aluno novas formas de aprender e lidar com o
conhecimento, pois quanto mais complexas, abstratas, mediatizadas por tecnolo-
gias forem as ações, mais conhecimentos aprofundados, avançados, organizados
e confiáveis elas exigem, ao mesmo tempo que também exigem as competências
apropriadas para mobilizá-los em tempo hábil.
Nesse contexto, emerge a necessidade de se trabalhar o desenvolvimento
das competências do aluno desde a escola e, como parte integrante delas, a “fle-
xibilidade do pensamento”, ou seja, a capacidade de mudar as estratégias de
trabalho face às novas situações ou informações. Essa qualidade do pensa-
mento proporciona ao indivíduo a plasticidade necessária para reorganizar
187
suas estratégias cognitivas e, assim, a possibilidade de procurar muitas e varia-
das alternativas de solução para os problemas que lhe estão sendo postos pela
sociedade do século XXI.
Para Perez (2003), a flexibilidade do pensamento é a capacidade de mudar
modos de pensar, geralmente evitando caminhos e procedimentos usuais, quando
se precisa de sugestões originais. Segundo Bernard (1997, apud Lescaille, 2002),
é a capacidade para mudar planos e táticas, a partir do momento em que os anti-
gos não dão bons resultados, como também a habilidade para modificar métodos
e procedimentos de ação, em decorrência das particularidades da “situação-pro-
blema”. Lescaille (2002) define essa flexibilidade como a mudança nos métodos
de ação na situação, que, por sua vez, depende da habilidade do indivíduo para
distinguir as propriedades e relações fundamentais, dos meios da atividade mental
e da situação em que estes se encontram. Assim sendo, como elemento do pen-
samento, caracteriza-se pela possibilidade de reorganizar as ações iniciais e as
conclusões delas derivadas, quando elas deixam de responder às condições variá-
veis e aos objetivos da atividade, na construção de novas estratégias. Manifesta-se
externamente na originalidade da análise qualitativa das situações-problema, na
possibilidade de revalorizar e ultrapassar as limitações de experiências passadas
face às novas situações (Kalmykova, 1986).
A flexibilidade do pensamento possibilita o que Dewey (1957, p.43) con-
siderava como a “mentalidade aberta”, ou seja:
A ausência de preconceitos, de parcialidades e de qualquer outro tipo
de hábito que limite a mente e a impeça de considerar novos proble-
mas e de assumir novas idéias [...] e que integra um desejo ativo de
escutar mais do que um lado, de acolher os fatos independente da sua
fonte, de prestar atenção sem melindres a todas as alternativas, de
reconhecer a possibilidade de erro, a examinar as razões do que se
passa [...], a investigar evidências conflituosas, a procurarvárias
respostas para uma mesma pergunta, a refletir sobre a forma de
melhorar o que já existe, etc.
A flexibilidade do pensamento, igual a qualquer outra particularidade
psíquica, forma-se e desenvolve-se no processo de comunicação e da atividade em
interação com os outros indivíduos. Assim, pode ser desenvolvida na escola sob
situações de aprendizagem que orientem a necessidade de mudar-se de opinião,
de procedimentos e de referencial teórico, de forma consciente. Como estratégia de
intervenção, cabe ao professor estimular ao máximo nos alunos a curiosidade, o
risco, a mudança, as transformações e a solução de contradições, favorecendo o
seu desenvolvimento (Figura 01). Da curiosidade, vale destacar o que diz Freire
(1999, p.35):
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao des-
velamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura
188
de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte
integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curio-
sidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante
do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
Figura 01 – Intervenções que podem subsidiar a flexibilidade de pensamento
Kanitz (2003), tecendo comentários sobre a permanência de Richard Feynman
no Brasil – um dos poucos ganhadores do Prêmio Nobel que o Brasil pôde conhecer
de perto “, acrescenta que
o método de ensino eficaz, segundo Feynman, deveria formar indi-
víduos curiosos. O objetivo final de uma aula teria de ser formar futuros
pesquisadores, e não decoradores da matéria. O que mais o espantou é
que nosso ensino de física e química é muito superior ao americano,
algo que todo brasileiro já sabe. Mesmo assim, notou Feynman, o Brasil
produz menos físicos e químicos que os Estados Unidos. A hipótese
que ele levanta é o método de ensino. Damos muita teoria e informação,
mas ensinamos pouco como usar as informações aprendidas. Por sua
vez, os americanos sabem e aprendem muito menos teoria, mas devotam
mais tempo aprendendo como usar a informação apresentada, sob todos
os ângulos.
As investigações de Zaparozhetz e de Lukova (2001, apud Lescaille, 2002),
dedicadas ao problema da sensibilidade de indivíduos, em idade escolar, para a
 Flexibilidade do pensamento 
 
Estimular a 
resolução de 
contradições 
 
Estimular as 
transformações 
 
Estimular o risco 
 
Estimular a 
mudança 
 
Estimular a 
curiosidade 
189
solução de contradições, mostraram que em condições determinadas, quando a
situação-problema resulta ser compreensível, eles podem analisar as contradições
e procurar alternativas de solução antes não utilizadas, demonstrando a flexibili-
dade do pensamento.
1.1. A flexibilidade do pensamento, pensamento crítico
e criatividade
É importante mencionar que o pensamento flexível é uma característica
do pensador crítico, daquele que na sua vida cotidiana inclui a curiosidade em
relação a uma ampla gama de temas; a preocupação de chegar a estar e a manter-
se bem informado; o aproveitamento das oportunidades para usar o pensamento
crítico; a confiança nos processos de investigação argumentada; a autoconfiança
nas próprias habilidades para raciocinar; a abertura mental a respeito de visões
divergentes do mundo; a compreensão das opiniões de outras pessoas; a hones-
tidade para enfrentar os próprios prejuízos, as inclinações, esteriótipos ou tendên-
cias egocêntricas; a prudência para suspender, formular e alterar juízos e o desejo
de reconsiderar e revisar as posturas em que a reflexão honesta sugere que se
garanta uma mudança.
Um indivíduo disposto ao pensamento crítico provavelmente estaria de acordo
com as seguintes afirmações (Facione, 2003):
· é importante eu tratar de descobrir o que a gente realmente quer dizer com
o que disse;
· sempre me destaco em trabalhos nos quais se espera que eu pense as coisas
por mim mesmo;
· evito tomar decisões até ter repassado minhas opiniões;
· mais do que me confiar na informação de outro, prefiro ler o material eu
mesmo;
· embora um problema termine sendo mais difícil do que eu esperava, seguirei
trabalhando nele;
· é mais importante tomar decisões inteligentes do que ganhar as discussões.
Entretanto, um indivíduo pouco disposto ao pensamento crítico talvez não
concorde com as afirmações mencionadas acima, mas estaria vulnerável a concor-
dar com:
· prefiro os trabalhos em que o professor diz exatamente o que se tem de
fazer e como fazê-lo;
· não importa a complexidade de um problema, podem apostar que tem uma
solução simples;
· não perco tempo buscando coisas;
· não gosto quando os professores comentam os problemas no lugar de dar
as respostas.
190
Os bons pensadores críticos também podem ser descritos em termos de como
eles enfocam temas específicos, perguntas ou problemas. São deles as seguintes
características:
· claridade, para expressar as dúvidas ou preocupações;
· disposição, para trabalhar com a complexidade;
· preocupação, para buscar informação relevante;
· raciocínio, para selecionar e aplicar critérios;
· cuidado, para enfocar a atenção no que importa no momento;
· persistência frente às dificuldades em que se encontram;
· precisão no grau permitido pelas circunstâncias.
Mas, torna-se importante mencionar que existe uma relação dialética entre
a estabilidade do pensamento que orienta a solução de determinado tipo de tarefa,
as habilidades e os hábitos e a flexibilidade do pensamento que procura o novo.
Vale salientar que flexibilidade e pensamento crítico são qualidades de indi-
víduos criativos e que a criatividade está muito relacionada com o que é novo,
original e surpreendente. Perez (2003) apresenta a definição de criatividade de
Murray como processo de realização cujos resultados são desconhecidos, sendo
dita realização valiosa e nova. Também evidencia que na perspectiva de Torre
é a capacidade e atitude para gerar idéias novas e comunicá-las. Observa-se que
ambas apresentam um elemento em comum que se denomina “novidade”.
Os produtos criativos são diferentes dos considerados “raros” por sua
qualidade. Segundo Kneller (1978, p. 19):
O pensamento criador é inovador, exploratório, aventuroso. Impaciente
ante a convenção, é atraído pelo desconhecido e indeterminado. O risco
e a incerteza estimulam-no. O pensamento não criador (o termo não é
desairoso) é cauteloso, metódico, conservador. Absorve o novo no já
conhecido e prefere dilatar as categorias existentes a inventar novas.
Para Facione (2003, p. 24):
 O pensamento criativo ou inovador é o tipo de pensamento que
nos guia a novas visões, a enfoques originais, a perspectivas novas,
a completas e novas formas de entender e conceber as coisas. Os
resultados de pensamentos criativos incluem algumas coisas óbvias
como a música, a poesia, a dança, a literatura dramática, as inven-
ções e as inovações técnicas. Mas também tem alguns exemplos
não tão óbvios, tais como a forma de fazer uma pergunta para que
expanda os horizontes das possíveis soluções, ou as formas de
conceber desafios de relações propostas e que guiam a um ver o
mundo de formas imaginativas diferentes.
191
Cria-se, quando se descobre1 exprime uma idéia, um artefato ou uma for-
ma de comportamento que seja nova para o sujeito. Nova para o sujeito, porque
a descoberta, por uma pessoa, daquilo que foi revelado por outra pode ser con-
siderada uma realização criadora. Um dos grandes momentos da pintura ocidental,
por exemplo, é marcado pela descoberta da terceira dimensão por Gioto. Um
estudante que atualmente descubra a terceira dimensão não deixa de ser criador,
porque alguém já a revelou antes dele (Kneller, 1978).
Para Kneller (1978), o pensamento criativo pode ser desenvolvido pela escola
quando (Esquema 01):
· se estimulam os alunos a terem idéias originais (originalidade) por meio de
exercícios, tais como: pedir que escrevam uma descrição da escola ou da vizinhança,
sabendo que obterão os melhores resultados se mencionarem coisas que ninguém
tenha observado ou só poucos tenham feito;