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Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: o novo Ensino Médio Orgs. Isauro Beltrán Nuñez Betania Leite Ramalho Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: o Novo Ensino Médio Todos os direitos desta edição reservados à Editora Meridional Ltda. Av. Osvaldo Aranha, 440 cj 101. Cep: 90035-190 Porto Alegre-RS Tel: (51) 3311 4082 - Fax: (51) 3264 4194 www.editorasulina.com.br sulina@editorasulina.com.br Novembro / 2004 Impresso no Brasil / Printed in Brazil © Editora Meridional, 2004 Capa: FOSFOROGRÁFICO / Vitor Hugo Turuga Projeto Gráfico e Editoração: Clotilde Sbardelotto Editor: Luis Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960 F981 Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: o Novo Ensino Médio / Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho (orgs.). – Porto Alegre: Sulina, 2004. 300 p. ISBN: 85-205-0392-6 1. Educação. 2. Aprendizagem - Matemática. 3. Aprendizagem - Ciências Naturais. 4. Ensino - Fundamentos I. Nuñez, Isauro Beltrán. II. Ramalho, Betania Leite CDD: 370 371.39 CDU: 37.01 372.85 Apresentação ............................................................................................... 9 PARTE I Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem ........................................................................ 15 O ensino tradicional e o condicionamento operante ...................................... 17 Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Naturais ..................... 29 Raimunda Porfírio Ribeiro e Isauro Beltrán Nuñez A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget .............................................43 Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez O enfoque sócio-histórico-cultural da aprendizagem: os aportes de L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin .................... 51 Isauro Beltrán Nuñez e Tereza Cristina Leandro de Faria A aprendizagem como processamento de informação ................................... 69 Isauro Beltrán Nuñez, Márcia Adelino da Silva Dias e Tereza Cristina Leandro de Faria O Construtivismo no ensino de Ciências da Natureza e da Matemática ........ 84 Analice de Almeida Lima, José Paulino Filho e Isauro Beltrán Nuñez SUMÁRIO PARTE II Pensando a formação de competências e a aprendizagem no Novo Ensino Médio ........................ 103 Os saberes escolares e a formação das competências no Ensino Médio ......................................................... 105 Márcia Adelino da Silva Dias, Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho A noção de competência nos projetos pedagógicos do Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos ..................................... 125 Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho O uso de situações-problema no ensino de Ciências ................................. 145 Isauro Beltrám Nuñez, Marcelo Pereira Marujo, Lidiane Estevam Lima Marujo e Márcia Adelino da Silva Dias Metacognição: aprender a aprender? ....................................................... 172 Betania Leite Ramalho, Isauro Beltrán Nuñez e Analice de Almeida Lima A flexibilidade do pensamento, pensamento crítico e criatividade. Generalização e transferência de aprendizagem ....................................... 186 Tereza Cristina Leandro de Faria, Anadja Marilda Gomes Braz e Isauro Beltrán Nuñez Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas conceituais às redes conceituais .............................................. 201 Raimunda Porfírio Ribeiro e Isauro Beltrán Nuñez Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem como pesquisa orientada ......................................................................... 226 Márcia Gorette Lima da Silva, Antônia Francimar da Silva e Isauro Beltrán Nuñez Aprendizagem por modelos: utilizando modelos e analogias ....................... 245 Analice de Almeida Lima e Isauro Beltrán Nuñez Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de competências no aluno ................................................... 265 José Paulino Filho, Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho A história da Ciência e da Matemática na formação de professores ..................................................................... 284 Arlete de Jesus Brito, Luiz Seixas das Neves e André Ferrer Pinto Martins Os autores .............................................................................................. 297 8 9 APRESENTAÇÃO O Ensino Médio constitui a última etapa de escolarização da Educação Bá- sica no Brasil. As condições da expansão do Ensino Fundamental, e as novas exi- gências do mundo do trabalho têm sido, dentre outros fatores, responsáveis pela expansão significativa da matrícula de alunos (crescimento de 84%) nos dez últi- mos anos no Ensino Médio. Esse crescimento aponta para o ingresso de alunos que procuram esse nível de ensino não só como via para acessar à universidade, mas como possibilidades para uma melhor inserção no mercado de trabalho e para construção de sua cidadania. Sendo assim, o Ensino Médio voltado para preparar os alunos para a universidade, cede espaço à busca de uma nova identidade. O grande contingente de alunos no Ensino Médio e sua diversidade, assim como as Reformas Curriculares, têm influenciado os professores, pesquisadores, alunos e a sociedade, na construção da identidade desse nível de escolaridade me- diada pelo conhecimento, pela informação, pelas novas tecnologias de um mundo “globalizado”. A busca de uma nova identidade do Ensino Médio se movimenta numa rede complexa de fatores e exigências, que nos levam a formular perguntas- problemas, tais como: – Como educar e atender às necessidades formativas e educativas dos alu- nos no Ensino Médio de maneira que possa contribuir na construção da sua cida- dania, inseri-los no mundo do trabalho e prepará-los para o estudo na Educação Superior? – Quais são os objetivos/finalidades desse nível de educação? Que conteú- dos são necessários face ao crescimento da informação em ordem exponencial e ao tempo disponível? – É possível formar competências no Ensino Médio? Quais devem ser essas competências? A procura de respostas para essas e outras questões, talvez mais complexas nos obriga, necessariamente, a considerar as orientações curriculares do Ministério de Educação para o Ensino Médio. A LDB/96, e a Resolução CNE/98, bases das novas diretrizes curriculares para o Ensino Médio, focalizam três eixos básicos para a sua organização curricu- lar: a formação de competências, a interdisciplinaridade e a contextualização do conhecimento. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) se apoiam numa concepção construtivista da aprendizagem, mediada por um discurso plural, uma vez que integra conceitos de diferentes perspectivas da aprendizagem e da educação dando referências para se pensar em Projetos Pedagógicos. A implementação de uma nova Reforma na Educação como é o caso do Novo Ensino Médio, pressupõe uma análise das condições objetivas e subjetivas, necessárias para se trabalhar na construção de uma nova cultura escolar. Nessa 10 lógica, se discute hoje a importância que ganha a formação dos professores(as) para atender às novas exigências das propostas curriculares que levam os/as docen-tes, necessariamente, a novas formas de trabalho e de agir. Portanto, faz sentido procurarmos identificar as novas necessidades formativas desses docentes. Nessa perspectiva uma pesquisa, intitulada: Estudos das Necessidades Formativas de Professores(as): o Caso do Novo Ensino Médio, foi desenvol- vida no âmbito do grupo de Pesquisa Formação e Profissionalização docente da UFRN, nos anos 2001/2003, financiada pelo CNPq. Os resultados, de forma geral, evidenciam que há fragilidades conceituais/didático-pedagógicas a serem superadas na base formativa dos/as docentes de maneira que possibilitem, a estes(as), um novo olhar para o ensino das Ciências Naturais e de Matemática, assim como a compreensão das teorizações que fundamentam a aprendizagem dessa área de conhecimento nos PCNEM. Reconhecemos que isso implica na construção, pelos/as professores(as), não só de novos saberes e competências, como também de um novo referencial sobre o profissionalismo. Nesse sentido, a busca de novos saberes não está dissociada dos contextos do exercício da profissão. Este alerta é necessário, uma vez que o ensino/apren- dizagem não pode ser reduzido a problemas de natureza didático-psicológica. Não obstante, as teorizações da didática do Ensino das Ciências e da Matemá- tica podem ser um elemento que contribua com os professores na compreensão da aprendizagem de seus alunos e conseqüentemente na escolha de referências teó- ricas para organizar as situações de aprendizagem dos alunos. As referências teóricas possibilitam construir o planejamento de ensino como hipóteses de trabalho, uma vez que a sala de aula é um dos espaços de construção de saberes dos professores(as). Refletir de forma crítica, sistematizar, socializar os resultados da aprendizagem dos alunos sob os diferentes fatores dos contextos escolares possibilita mecanismos de validação desses saberes na busca da inovação educativa. A presente pesquisa esteve fortemente influen- ciada por este princípio. Este livro pretende estimular o debate dos professores (as) do Ensino Mé- dio, na área de conhecimentos das Ciências Naturais e de Matemática na busca de “mudanças” significativas da prática docente no ensino da Física, da Química, da Biologia e da Matemática. Assumimos a intencionalidade de apresentar uma obra perceptível de aperfeiçoamento na qual se discutem idéias por vezes polê- micas, superadoras e superadas (de outras e por outras idéias) expressas nas re- flexões dos autores, dos diferentes artigos. Os autores dos capítulos que compõem esta obra são professores-pesqui- sadores e alunos do Programa de Pós-Graduação, vinculados à Base/Linha de Pesquisa Formação e Profissionalizarão Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Esse grupo tem participado, de forma comprometida, na busca de alternativas para melhorar a educação científica dos alunos do Ensino Básico, na perspectiva de contribuir com idéias que norteiem os professores(as) a 11 pensar na sua formação. Com esses autores compartilhamos momentos de refle- xão, de discussão e muito trabalho conjunto foi desenvolvido para se chegar na sistematização dos textos aqui presentes. Por razões metodológicas, a obra se organiza em duas partes: na primeira parte, “Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem” tem-se como intencionalidade subsidiar com referências da psicologia da aprendizagem os textos da segunda parte. Na segunda parte : “Pensando a formação de competências e a aprendizagem no Novo Ensino Médio”, se discutem algumas estratégias que po- dem contribuir com uma aprendizagem que desenvolva capacidades cognitivas e afetivas necessárias ao exercício da cidadania, e à formação de habilidades/ competências no Ensino Médio, nas disciplinas de Matemática, Física, Química e Biologia. As discussões da Parte I procuram fornecer uma visão didática e de ten- dências para o ensino dessas disciplinas, sendo apresentados, para tanto, 6 textos. No primeiro texto, “O ensino tradicional e o condicionamento operante”, é feita uma reflexão sobre o ensino das Ciências Naturais baseado na tradição pedagógica que assume como base o condicionamento operante da psicologia. O texto não pretende caracterizar uma forma de “ensino tradicional”, da qual muitos procuram afastar-se, por vezes sem reconhecer de forma crítica as possibilidades e limitações dos mecanismos transmissivos da informação. O segundo texto, “A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Na- turais”, discute idéias de P. D. Ausubel sobre a aprendizagem significativa como estratégia superadora do ensino memorístico. Diferencia tipologias de conceitos, procura esclarecer diferenças entre conteúdo significativo e aprendizagem signi- ficativa, idéias por vezes tomadas como semelhantes. O terceiro texto, “A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget”, discute os conflitos cognitivos, suas possibilidades e limitações em relação ao ensino de ciências, revelando as contribuições da teoria da Equilibração para explicar a aprendizagem. O quarto texto, “O enfoque sócio-histórico-cultural”, fornece o marco dos trabalhos de L.S. Vigotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin sobre a aprendiza- gem como tipo específico de atividade que acontece em contextos sócio-históri- cos mediados pelos outros e por ferramentas culturais. Mostra de forma sintética a discussão sobre: o caráter social da aprendizagem, a formação de conceitos cien- tíficos, a internalização da atividade externa em interna, assim como indicadores qualitativos que caracterizam as habilidades como tipo de atividade. No quinto texto, “A aprendizagem como processamento da informação”, é apresenta como uma alternativa para se compreender os processos mentais que operam a aprendizagem e com a intencionalidade de abrir a “caixa preta” da psicologia condutista. O processamento da informação enquanto enfoque psicológico da aprendizagem é objeto de reflexões nesse artigo que traz uma 12 distinção entre conhecimento e informação, discutindo como o aluno aprende en- quanto sujeito que processa informação, os tipos de memórias e os mecanismos da “armazenagem da informação”. Essa dimensão procura nos situar na pro- blemática de como favorecer uma aprendizagem duradoura e não esporádica. Para concluir a Parte I do livro se faz uma breve apresentação da polis- semia da categoria “construtivismo” tomando-se por base diferentes tipos de construtivismo no ensino das Ciências Naturais e da Matemática. Em resumo, a Parte I do livro nos chama a atenção para pensar que não devemos assumir uma única possibilidade de se pensar como o aluno aprende. Os artigos dessa parte do livro, procuram mostrar que o professor deve ter domínio dessas referências como subsídios para suas escolhas na hora de ensinar e refletir em relação aos processos da aprendizagem dos alunos. A Parte II do livro focaliza sua atenção para discutir algumas estratégias que podem contribuir com a formação de capacidades, habilidades, competên- cias, etc. na área de conhecimento do Ensino Médio CNMT. No primeiro texto, intitulado “Os saberes e a formação de competências no Ensino Médio”, discute-se a questão do conteúdo escolar, como este se confi- gura a partir de outros saberes. O lugar do conhecimento científico no conteúdo escolar é o foco de atenção desse capítulo, um tema que requer reflexões de dife- rentes naturezas: epistemológica, sociológica, psicológica, histórica, na procura de pensar melhor como deslocar a atenção da escola de hoje (responsabilizada em transmitir um grande volume de informações) para uma escola que eduque e desenvolva estratégias de aprendizagem, de convívio social com um conteúdo significativo voltado para a educação. O segundo texto, “A noção de competência nos projetos pedagógicos do Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos”, abre um espaço à polêmica dos sentidos que se atribuem a noção competência, assim como a necessidade de se refletir sobre o que pode significar formar competência no Ensino Médio e sobre as possibilidades e limitações dessa noção como estruturadorado Currículo. O terceiro texto, “O uso de situações-problemas no ensino de Ciências”, percorre reflexões teóricas sobre as categorias: situação-problema, problema, a tarefa-problema e o problemático. Essas categorias se vinculam a “métodos” para o trabalho com situações-problema no ensino. No ensino das Ciências Naturais e da Matemática o uso de problemas se constitui numa estratégia que pode contri- buir com a criatividade, assim como com atitudes positivas para a aprendizagem. Esse assunto se analisa desde um, dentre outros, enfoques do trabalho com pro- blema para ensinar. O quarto texto, intitulado “Metacognição: aprender a aprender?”, parte do pressuposto de que um dos objetivos da Escola Básica é desenvolver nos alunos capacidades de aprender a aprender. A formação dessas capacidades são anali- sadas desde a ótica da metacognição no ensino de Ciências Naturais. Na linha de pensamento em relação à formação de capacidades cogni- 13 tivas/afetivas como elemento da educação no Ensino Básico, o quinto capítulo “A flexibilidade do pensamento. Pensamento crítico e criatividade. Generali- zação e transferência da aprendizagem” discute estratégias para contribuir com a criatividade, a flexibilidade do pensamento, a generalização e a transferência da aprendizagem, para pensar nessas capacidades como necessárias à educação escolar. Esse artigo nos ajuda a sair de uma visão instrumental da noção de com- petências como organizadora do currículo uma vez que volta nosso olhar para pensar sobre o que se fala quando se fala, de formar competências nesse nível escolar. O sexto texto, “Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas concei- tuais às redes conceituais”, constitui uma reflexão sobre as possibilidades do uso dos mapas conceituais como estratégia da aprendizagem significativa. Apresen- tam-se as limitações dessa estratégia discutida nas perspectivas de aprendizagem como processamento da informação que reconhece as redes de conhecimentos como formas de se organizar a informação na memória. No sétimo texto, “Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem como pesquisa orientada”, ao se discutir as bases dos modelos de mudança conceitual e suas limitações, se analisam as propostas da aprendizagem como pesquisa orientada, a qual supõe não só uma mudança conceitual como também procedimental a atitudinal para favorecer a aprendizagem. Essas reflexões apon- tam para dificuldades de se construir o conhecimento científico escolar. Orien- tações construtivistas sobre o ensino das Ciências propuseram os modelos de mudança conceitual baseados em conflitos cognitivos como formas dos alunos substituírem os conceitos do cotidiano, as idéias prévias, pelo conhecimento científico. No oitavo texto, se discute a “Aprendizagem por modelos: utilizando modelos e analogias”, é desenvolvida uma reflexão sobre essas ferramentas metodológicas para o ensino das Ciências Naturais. O uso de modelos e analogias se revela hoje como um campo de pesquisa da Didática das Ciências Naturais, uma vez que reconhece o caráter de modelo-representação do conhecimento. Embora hoje se tenha escrito muito sobre o ensino usando projetos, o nono capítulo intitulado “Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de competências no aluno” se insere no sistema de estratégias didáticas do livro, segundo as orientações curriculares dos PCNEM. A história das Ciências e da Matemática e os estudos sobre as epistemolo- gias do conhecimento científico se apresentam como importantes ferramentas do conhecimento pedagógico-didático do conteúdo dos professores de Ciências Na- turais e da Matemática. No texto “A história da Ciência e da Matemática na for- mação de professores” se relata uma experiência de trabalhar a história da ciência para o ensino, focalizando a atenção para os processos de “construção do conhe- cimento” na formação de professores. Os diferentes textos das duas partes do livro sinalizam para a necessidade 14 de se dispor de um leque de referências teóricas, ao se pensar e refletir de forma crítica a prática, na busca de novas práticas inovadoras no caminho da educação científica dos alunos do Ensino Médio. O livro prioriza algumas dessas referências teóricas, algumas inconclusas, outras conflitantes. A finalidade do livro é promover a reflexão e discussão conjunta de professores na área das Ciências Naturais e da Matemática como uma estratégia para contribuir com a profissionalização do trabalho docente. Isauro Beltrãn Nuñez Betania Leite Ramalho Organizadores 15 Parte I Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem 16 17 O ENSINO TRADICIONAL E O CONDICIONAMENTO OPERANTE Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez Introdução A pedagogia tradicional começou a gestar-se no século XVIII, com o surgimento das escolas na Europa e na América Latina. Trata-se de uma tendência pedagógica que não se fundamenta em teorias empiricamente validadas, mas numa prática educativa baseada na tradição. Tal pedagogia, além de ter fornecido um quadro referencial a todas as tendências que a ela se seguiram, ainda persiste no tempo. Entretanto, como explicam Pozo e Crespo (1998) não é conveniente pensar que existe uma única pedagogia tradicional. A tradição pedagógica apresenta-se de formas diferentes. Mesmo assim podemos enumerar as características mais marcantes desse movimento, evitando qualquer “caricatura”. O pressuposto básico dessa pedagogia é considerar que a aquisição de co- nhecimentos se realiza principalmente na escola, cuja tarefa é preparar intelectual e moralmente o aluno para assumir seu papel na sociedade. O caminho em direção ao “saber” é o mesmo para todos os alunos, havendo necessidade de que estes apenas se esforcem. Nessa perspectiva, quem sabe (o professor) ensina a quem não sabe (o aluno). Os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociais acumu- lados ao longo das gerações passadas, que devem ser repassados ao aluno como verdades absolutas. Esses conteúdos, geralmente pouco relacionados com a expe- riência de vida do aluno e com sua realidade social, têm um caráter seqüencial, que se expressa nos programas curriculares, embora suas partes não apresentem interação entre os temas, os quais, inclusive, podem aparecer de forma isolada, sem relação entre si. O ensino ancora-se na exposição verbal da matéria e na demonstração, oferecendo ao aluno uma grande quantidade de informações, que devem ser memorizadas, o que faz com que a pedagogia tradicional seja chamada enciclo- pedista e intelectualista. É o que Freire (1985, p.66) chama de Educação Bancária interpretada, em tom de crítica, na linha de seu discurso, tal como segue: A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo 18 educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem do- cilmente “encher” tanto melhores educandos serão. A seguir, uma representação do que afirma Freire. Figura 1 – No ensino tradicional, os alunos devem memorizar um grande número de informações como se fossem recipientes a serem enchidos pelo professor Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998) afirmam que uma aprendizagem desse tipo parte de um conjunto de crenças generalizadas que en- tendem o fato de aprender como um ato de apropriação cognitiva, mediante o qual o sujeito que aprende toma do exterior (seja de outra pessoa, de um texto escrito ou da própria realidade) determinados significados. Supõe que a comunicação de significados é um processo neutro e objetivo, em que as mensagens não são altera- das no processo que vai do emissor ao receptor. Essa aprendizagem supõe também que cada conceito, processo ou dado que é conveniente ensinar e aprender é único, ou seja, só tem um significado correto. Quem aprende algo, aprende porque não possui ditos significadosou os que tem são incorretos. Essas idéias sobre a apren- dizagem têm sido representadas pela metáfora da mente em branco. No “ensino tradicional”, tanto a exposição quanto a análise das informações são realizadas pelo professor, observado-se os seguintes passos: 19 Figura 2 - Passos característicos do ensino tradicional Conseqüentemente, esses procedimentos estimulam a aprendizagem recep- tiva e mecânica. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e pela recapitulação da matéria. A generalização e a trans- ferência da aprendizagem são limitadas e dependem do treino, sendo indispensá- vel a memorização, a fim de que o aluno possa responder a situações similares da mesma maneira. O relacionamento professor-aluno é vertical, predominando a autoridade do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e não estimula a comunicação entre eles no decorrer da aula. Assim sendo, a classe, como conseqüência, torna-se intelectual e afetivamente dependente do professor. Em virtude do pressuposto de que aprender é um processo individual, em que os alunos progridem de forma similar (homogeneidade da aprendizagem) e em pequenos passos, a avaliação consiste em constatar se o aluno aprendeu e atingiu os objetivos propostos, de forma mais adequada, quando o programa chega ao fim. A avaliação está, pois, diretamente ligada aos objetivos propostos e normal- mente se realiza no início, meio e fim do processo de ensino-aprendizagem. Avalia- se, no início do processo, com a intenção de se verificar o que o aluno conhece para, a partir daí, planejar e executar as etapas seguintes; no decorrer do processo, para, em função dos dados obtidos, planejarem-se os reforços que a aprendizagem requer, e, no final do processo, com o propósito de verificar se a aprendizagem realmente se efetivou. • preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da aula anterior, despertamento do interesse); • apresentação (realce de pontos-chave, demonstração); • associação (combinação do conhecimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); • aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resolução de exercícios). 20 1. Os fundamentos psicológicos do ensino tradicional: o condicionamento operante Durante o seu desenvolvimento e aprimoramento, a pedagogia tradicional foi recebendo influências, procurando dar caráter científico ao trabalho didático na sala de aula. Vale destacar as contribuições advindas do modelo psicológico condutista ou behaviorista, que surge e se desenvolve nas primeiras décadas do século XX. Para Ribes (1982, apud Río,1996, p.33), o condutismo, diferentemente das teorias psicológicas formuladas como um todo acabado, constitui uma filosofia da ciência psicológica e, como toda filosofia da ciência genuína, não é mais do que a reflexão sobre o próprio desenvolvimento teórico da disciplina. Esta filosofia concebe o homem como um ser unitário, em contínua relação funcional com seu meio e cujo comportamento encontra-se regido por leis naturais, passíveis de serem abordadas a partir de uma metodologia científica. Watson (1924, apud Río, 1996), com base nos princípios da reflexologia russa de Pavlov, foi o fundador do movimento condutista ou behaviorista na Psicologia, a qual definiu como a ciência do comportamento e este como sendo a resposta do organismo a um estímulo presente no meio ambiente. O estímulo constitui toda modificação do ambiente percebida pelo indivíduo e resposta à modificação que ocorre no organismo como conseqüência do estímulo. Para a Psicologia de Watson, o importante é a relação entre estímulos e respostas, ou seja, fatos exteriores que possam ser empiricamente observados, e não o que ocorre no interior do organismo, pois o que não pode ser visto e mensurado não interessa aos psicólogos behavioristas (princípio da aprendizagem como caixa preta). Ressaltamos, entretanto, que Watson não negou a existência de processos mentais internos, ele apenas não os estudou por acreditar que esses estudos eram de responsabilidade da Fisiologia. O condutismo ou behaviorismo preocupa-se, portanto, em prever a res- posta quando conhece o estímulo e identificar o estímulo quando conhece a res- posta. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p.25), “o estudo do comportamento deve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, das quais ele é o resultado”. A aprendizagem, tema fundamental para os behavioristas, é entendida como um processo que, em suas unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando o indivíduo, em virtude de determinadas experiências que incluem necessariamente inter-relações com o contexto, produz respostas novas ou modifica as já existen- tes. A aprendizagem está sintetizada em Estímulo-Resposta-Reforço, como mos- tramos abaixo: 21 Estímulo Resposta Reforço Esquema 1 – Representação da aprendizagem por mecanismo condutista Os elementos desse processo são o impulso, os estímulos ambientais, a resposta e a recompensa. O impulso corresponde a estímulos internos muito for- tes que levam o organismo a agir; na maioria das vezes, são associados à moti- vação. Os estímulos ambientais dirigem a resposta, que é a reação do organismo e deve ocorrer primeiro, para posteriormente ligar-se a um estímulo. A resposta pode ser natural (ligada ao repertório inato do organismo) ou aprendida (resul- tante da experiência). A recompensa ou reforço, por sua vez, corresponde à con- seqüência da resposta. Thorndike (1913, apud Talízina,1988, p.259), um dos teóricos desse mo- vimento, preocupou-se com o estudo da aprendizagem em situação escolar e sintetizou o controle exercido pela conseqüência da resposta ao elaborar a Lei do Efeito, assim concebida: Quando o processo de estabelecimento da relação entre a situação e a reação recíproca é acompanhado ou substituído pelo estado de satisfa- ção, a solidez da relação aumenta; quando esta relação é acompanhada ou substituída pelo estado de insatisfação, sua solidez diminui. O maior expoente da teoria condutista ou behaviorista foi Burrhus Frede- ric Skinner (1904-1980). Ele é o mais influente representante do movimento comportamentalista, e seus seguidores constituem o mais bem organizado grupo de psicólogos nas áreas aplicadas. Apesar de suas proposições terem sido alvo de inúmeras críticas (estas consideradas extremamente radicais), Skinner ainda é atualmente um dos autores mais estudados em Psicologia. Ao contrário da maioria dos psicólogos contemporâneos seus, explicitou as implicações políticas de sua obra, chegando inclusive a descrever uma sociedade utópica onde o controle do comportamento fosse utilizado para promover o bem-estar dos indivíduos. A teo- ria behaviorista aplicada resultaria em “uma tecnologia para levar as pessoas a fazerem o que queremos que elas façam” (Goulart,1987, p.55). A idéia básica aí subentendida seria a de que o comportamento é modelado e mantido devido às suas conseqüências e, por isso, cabe ao psicólogo, professor ou pai propiciar os estímulos para que o indivíduo emita ou omita o comportamento desejado ou indesejado. 22 São dois os tipos de aprendizagem para Skinner: por condicionamento clássico e por condicionamento operante. A aprendizagem por condicionamento clássico abrange as reações inatas do organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio. Envolve um tipo de comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também determinado, como mostra o exemplo a seguir: E R Assim, se toda vez que houver sopro nos olhos soar uma campainha, pode acontecer de o indivíduo piscar os olhos ao ouvir a campainha, mesmo na ausência do sopro. Diz-se, então, que o indivíduo aprendeu a piscar ao ouvir a campainha. Conclui-se, pois, que à medida que o sopro é associado a um determinado som, essesom passa a ser um estímulo que também provocará uma resposta do orga- nismo. Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas de estímulo con- dicionado, porque ele, por si só, não provoca nenhuma reação, mas o faz quando associado a outro estímulo. Como nem todos os comportamentos aprendidos podem ser explicados por meio do condicionamento clássico, foi necessária a formulação de novas explica- ções para a formação dos comportamentos mais complexos. Isso foi o que fez Skinner com a sua teoria do condicionamento operante, segundo a qual os indiví- duos aprendem por meio das conseqüências de suas ações (Coutinho, 1995). A aprendizagem por condicionamento operante acontece quando compor- tamentos emitidos pelo organismo são seguidos por algum tipo de conseqüência. Caso a conseqüência seja agradável, o comportamento tende a se repetir; se a con- seqüência for desagradável, o comportamento possui menos probabilidade de se repetir. Cabe ressaltar que, para Skinner, a grande maioria dos comportamentos é aprendida por condicionamento operante. Como não é possível interferir na pri- meira emissão de uma resposta operante, utiliza-se a manipulação da conseqüência para modificar a probabilidade de sua ocorrência no futuro. Qualquer estímulo pode ser considerado um reforçador, desde que contribua para a ocorrência do comportamento desejado. A Figura 3 abaixo ilustra o condicionamento operante ou instrumental de Skinner em animais. Sopro nos olhos Piscar de olhos 23 Figura 3 – Caixa de Skinner Fonte: Ross ([1995?], p.79) Tendo em vista estudar a programação do reforço no condicionamento ope- rante, Skinner utilizava em suas pesquisas com ratos uma caixa em cujo interior havia um dispositivo que, quando acionado, liberava água ou comida. Essas caixas, com isolamento contra ruídos e controle rigoroso de temperatura e iluminação, conhecidas como “caixas de Skinner”, serviam para programar de modos diferentes a liberação de reforçadores e estudar como cada programação afetava o compor- tamento do animal: qual era a mais eficiente para levar à aprendizagem de um comportamento novo; qual era a mais adequada para manter esse comportamento por mais tempo; qual representava a melhor forma de extinguir um dado com- portamento, etc. O procedimento adotado era o seguinte: inicialmente, toda vez que o rato se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava-lhe, por meio de um dispositivo, um pouco de água. Após determinado tempo, estando o rato próximo à barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em seguida, reforçava-se apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e, depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se que o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água. Esse procedimento ficou conhecido como “Modelagem do comportamento”. Conseguia-se modelar o comportamento proporcionando reforçadores após a resposta que se desejava obter do animal (Fontana; Cruz, 1997). As idéias do condicionamento operante constituem o suporte psicológico do Ensino Programado e da Programação Educativa que, de acordo com Skinner, possuem os seguintes passos (Río, 1996): 24 · formulação de objetivos terminais, em termos operativos; · análise e avaliação da situação inicial dos alunos, considerando os conhe- cimentos prévios e relativos aos objetivos formulados; · seqüência da matéria e análise das tarefas; · avaliação do programa, dos processos de ensino e avaliação final dos alunos, em termos de comparação com os objetivos propostos. Desde as primeiras formulações teóricas sobre o condicionamento operan- te e a Análise Experimental do Comportamento, a influência do condutismo ou behaviorismo se fez sentir na prática pedagógica. Em se tratando do ensino de Ciências, pode-se dizer que não fugiu à regra devido, tanto à formação recebida por seus professores quanto à própria cultura da escola. A Figura 4 ilustra a orga- nização típica de uma sala de aula tradicional de base condutista. Figura 4 – Organização da sala de aula tradicional de base condutista 2. Implicações didáticas do ensino tradicional de Ciências O ensino de Ciências, como sucede com outras áreas, parte do princípio de que o conhecimento científico é um saber absoluto, cópia da realidade, portanto aprender Ciências significa adquirir esse conhecimento, reproduzindo-o da ma- neira mais fiel possível (concepção empirista). E a via mais direta para isso é apre- sentá-lo mediante uma exposição clara e rigorosa. Assim sendo, ainda privilegia a transmissão de conhecimentos verbais, prevalece a lógica interna das disciplinas sobre qualquer outro critério de organização dos conteúdos e ao aluno fica reser- vado um papel meramente reprodutivo. 25 O professor explica Ciências aos alunos, que copiam e repetem. Para Pozo e Crespo (1998), as classes magistrais baseiam-se em exposições do professor diante de uma escuta mais ou menos interessada, que tenta tomar nota do que ele diz e acompanhar os exercícios e demonstrações que servem para ilustrar e apoiar as explicações. Portanto, toda dinâmica da aula é dirigida e controlada pelo pro- fessor, que vai levando, passo a passo, o aluno em sua aprendizagem. De acordo com Giordan e De Vecchi (1996, p.218), “apóia-se esse modo de fazer na idéia comum de que para o professor ensinar um fato ou um princípio significa enun- ciá-lo, e o aluno ser capaz de repeti-lo é conhecê-lo”. O critério para organizar os conteúdos permanece o “conhecimento disci- plinar”, entendido como o corpo de conhecimento aceito pela comunidade cientí- fica. O calor, a energia ou a ionização ensina-se não pelo valor formativo para os alunos mas porque são conteúdos essenciais da ciência, sem os quais esta não tem sentido. Assim, quanto mais científico ou acadêmico, melhor o currículo. Além do mais, os conhecimentos são apresentados como saberes acabados, estabelecidos, proporcionando aos alunos uma cisão estática e absoluta do saber cientifico. Vale salientar, em se tratando de teorias já superadas, essas não são ensinadas ou então são apresentadas como saberes abandonados, que não são científicos, portanto, não se faz necessário aprender. O conhecimento científico apresenta-se como pro- duto e se desconhecem os processos de sua produção. No ensino tradicional de Ciências, o trabalho experimental e as demonstra- ções práticas têm como objetivo motivarem os alunos para os conhecimentos a serem transmitidos pelo professor ou comprovar esses conhecimentos, no sentido de mostrar na prática os conhecimentos teóricos. Figura 5 – No ensino tradicional de Ciências, as atividades experimentais têm como objetivo mostrar na prática os conhecimentos teóricos 26 Nesse tipo de ensino, a avaliação conduz o aluno a devolver ao professor o conhecimento que dele recebeu da forma mais precisa possível, isto é, mais repro- dutiva possível. Também são utilizados na avaliação exercícios repetitivos para comprovar o grau que o aluno domina de uma rotina ou de um sistema de resolução previamente explicado pelo professor. É uma avaliação seletiva e somativa que trata de determinar quais alunos superam o grau mínimo exigido, o que tem a ver com o grau em que são capazes de reproduzir o conhecimento científico tal como o receberam. A seguir, uma representação do ensino tradicional que Giordan e De Vecchi (1996, p.217) apresentam: Figura 6 – Representação do ensino tradicional 27 É importante mencionar que, segundo Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998), o enfoque tradicional representa uma concepção acientífica dos processos de ensino-aprendizagem, segundo a qual, no melhor dos casos, basta que o professor tenha uma boa preparação nos conteúdos das disciplinas e certas qualidades humanas relativas à atividade de ensinar, para que o sistema funcione. Quando o sistema fracassa, esse fracasso se deve ao professor, que não reúne os requisitos mencionados,ou então os alunos são deficientes ou têm suas capaci- dades intelectuais reduzidas. Nesse enfoque didático, o eixo fundamental sobre o qual gravita a organização e o desenvolvimento das tarefas de classe é o eixo temático dos conteúdos, daí a denominação, que às vezes recebe, de pedagogia por conteúdos. Conclusões A escola que ainda se baseia nesses princípios oferece resistência à mudança, mesmo quando as limitações do ensino tradicional já são bastante conhecidas e se vêm colocando em prática experiências pedagógicas novas, que buscam suporte teórico/metodológico em teorias de aprendizagem bem mais adequadas à prepa- ração do homem para enfrentar as constantes transformações culturais, sociais, políticas e econômicas pelas quais passam as sociedades no século XXI. O ensino tradicional de base condutista ou behaviorista não assegura um uso dinâmico e criativo dos conhecimentos fora da aula. Com freqüência, existe uma distância entre as metas e os motivos do professor e as metas e os motivos dos alunos, o que faz com que estes se sintam “desconectados” e desinteressados, ao mesmo tempo em que o professor se sente mais frustrado. É comum os professores dizerem que os alunos não os escutam, possivelmente porque cada vez menos os alunos entendam o que aqueles estão pretendendo. Em se tratando da motivação, não é só um problema de falta de disposição prévia por parte dos alunos, mas principalmente o desinteresse em compartilhar metas e motivos de aprendizagem e instrução na aula. Entretanto, abordar esse problema requer, dentre outros requisi- tos, adotar concepções de ensino-aprendizagem que se centrem mais nos próprios alunos (Pozo, 1998). Referências COUTINHO, M.T. da C. Psicologia da educação: um estudo dos processos psicológicos de desenvolvimento e aprendizagem humanos voltados para a educação. Ênfase na abordagem construtivista. Belo Horizonte: Lê, 1995. FONTANA, R.; CRUZ, M. N. de. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. As origens do saber: das concepções do aprendente aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 28 GOULART, I.B. Psicologia da educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática pedagógica. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987. PORLÁN ARIZA, R.; RIVERO GARCIA, A.; MARTIN DEL POZO, R. Conocimiento Profesional y Epistemología de los Profesores II: estudios empíricos y conclusiones. Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v.16, n.2, p.271-288, 1998. POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano al conocimiento científico. Madrid: Ediciones Morata, 1998. ROSS, O. H. Calidad educativa y enfoques constructivistas. Peru: San Marcos, [1995?]. RÍO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL, C. et al. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996, v.2, p.25-44. (Desen- volvimento Psicológico e Educação). TALIZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988. 29 A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS Raimunda Porfírio Ribeiro e Isauro Beltrán Nuñez Introdução No ensino médio trabalha-se com uma série de conteúdos, como os de Física, Química, Biologia, entre outros, com a preocupação de que os alunos aprendam essas disciplinas. No entanto, nem sempre se ensina como desenvolver uma atividade de estudo que permita a utilização de estratégias de aquisição e apropriação dos conhecimentos científicos como um sistema de relações e seus devidos níveis de aprofundamento. Ensinar, considerando os aspectos destaca- dos, é necessário. Também, faz-se necessário repensar a educação nesse nível, refletindo sobre a sua organização escolar, analisando como vem sendo trabalha- do o conteúdo específico das diversas disciplinas e a possibilidade de utiliza- ção de estratégias para reorientar a ação educativa e a formação de conceitos1 escolares de forma mais significativa. A aprendizagem significativa tem como precursor David P. Ausubel, criador de uma nova teoria da aprendizagem em resposta à aprendizagem memorística mecânica e a aprendizagem por descobrimento. Esse tipo de aprendizagem (em relação aos dois tipos destacados) apresenta uma contribuição relevante na com- preensão e mudança do modo de ensinar e aprender no contexto escolar. Podemos entender que é uma aprendizagem auto-regulada, que privilegia estratégias cogni- tivas mediante componentes metacognitivos e motivacionais. A metacognição relaciona-se com a gestão e evolução de níveis de conhe- cimento, mediante o desenvolvimento de metas parciais de aprendizagem e aplica- ção organizada das estratégias adequadas à resolução das dificuldades cognitivas encontradas durante o processo de aquisição do conhecimento. A motivação vincula- se diretamente aos interesses epistêmicos dos aprendizes referentes ao domínio do conhecimento envolvido na atividade de estudo, no sentido de auto-eficácia e de êxitos que se podem alcançar nesse tipo de trabalho, o que pode criar uma disposi- ção para aprender. 1 Os conceitos são elementos importantes do pensamento lógico. Podem ser considerados como uma categoria que representa uma classe de objetos, como expressão da generalização do pensamento. Nos conceitos, expressam-se a experiência social e os conhecimentos sistematizados pela cultura, como forma de reflexão do mundo. 30 David Ausubel, em sua Psychology of Megningful Verbal Learning e no Educacional Psychology: a cognitive view apresentou uma coerente teoria cogni- tiva da aprendizagem humana, especialmente em instituições escolares. Essa teoria, uma década mais tarde, foi parcialmente modificada (Novak e Hanesian, 1983). 1. Aprendizagem significativa A ação educativa pode ser melhorada a partir da construção de um novo saber, saber fazer não só para aprender, mas para aprender a aprender. Nessa perspectiva, a aprendizagem dá-se por significação. O mecanismo interno do pen- samento vinculado à aprendizagem significativa é explicado pela teoria de assi- milação de David P. Ausubel (1989) mediante a relação entre a estrutura cognitiva do aprendiz e as novas informações com as quais estabelece relações não-arbitrá- rias e substantivas. Ou seja: a construção de sentidos para a nova informação dá- se a partir dos conhecimentos que os(as) alunos(as) já têm sobre o objeto de estudo, como se ilustra no Esquema 1, a seguir. A estrutura cognitiva contém as informações armazenadas pelos(as) alu- nos(as), e apresenta uma determinada organização. Esse conteúdo informacional, previamente assimilado, transforma-se em uma estrutura que permite a inclusão de novos dados (a compreensão pelas relações que se estabelecem), mecanismo necessário ao processo de aprendizagem significativa. As informações conceituais incorporadas por uma estrutura cognitiva são consideradas o ponto de partida da assimilação, uma vez que possibilitam intera- ção entre o novo e o que já se conhece, isto é, o material novo integra-se àquilo que o(a) aluno(a) já tem assimilado, resultando num processo interativo entre o conhecimento já existente na mente e os dados novos. Essa inter-relação entre o que já se sabe e as novas idéias transforma-se em um processo de associação de informações e construção de sentidos para nova informação, denominada por Ausubel (1989) de aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa pode ser por recepção, quando o aluno rece- be as informações e consegue relacioná-las com suas estruturas cognitivas, criando novos significados. Também pode ocorrer aprendizagem significativa por des- coberta, quando o aluno por si só constrói conhecimento relacionando as novas informações com aquelas já existentes em sua mente, como idéias prévias. Em contrapartida, a teoria de Ausubel (1989) não nega a aprendizagem me- cânica no contexto escolar, mas reconhece que esse tipo de aprendizagem diferen- cia-se de sua proposta, visto que a primeiraconsidera muito pouca ou nenhuma informação prévia da estrutura cognitiva, de modo a estabelecer relações. Assim, na aprendizagem mecânica, a informação é armazenada de maneira arbitrária, não relacionada à informação anterior. 31 A aprendizagem significativa, comparada à aprendizagem mecânica, demons- tra maiores possibilidades de compreensão, visto que, em vez de assimilar conceitos sem estabelecer relações entre eles, de forma arbitrária, tornando-se de difícil com- preensão, encontra um ponto de inclusão na estrutura cognitiva, facilitando a ati- vidade de assimilar e compreender o que se aprende no contexto escolar. As principais diferenças entre os tipos de aprendizagens comparadas podem ser conferidas no Quadro 1. Esquema 01 – Mapa conceitual: processo de modificação da estrutura cognitiva esclarece as relações entre pressupõe uma recebe o conhecimento de forma é mediante a construção de relacionada com o por meio deassimilados por meio de um contínuo transforma-se em transforma-se em novos aprendizagem significativa significativa aprendizagem por recepção aprendizagem por descoberta estrutura cognitiva memorística significados espontânea conhecimento anterior relações não-arbitrárias relações substantivas 32 Quadro 1– Diferença entre a aprendizagem significativa e a aprendizagem por recepção mecânica Ausubel (1989), na sua teoria de assimilação, acredita que conceitos prévios precisam estar presentes na estrutura cognitiva para viabilizar a aprendizagem significativa. Tais conceitos, denominados inclusores, são estruturas específicas altamente organizadas e possuem uma hierarquia conceitual (que guarda simboli- camente as experiências prévias dos(as) alunos(as), na qual uma nova informação pode ser integrada. Caso isso não ocorra, se os conceitos são inteiramente novos para quem está aprendendo, a aprendizagem memorística tem lugar nesse processo de assimilação. Preocupado com esse tipo de aprendizagem, que geralmente ocorre de maneira mecânica e isolada, o autor procura estabelecer um contínuo entre dois extremos: memorização e significação. A memorização é a possibilidade da criação de um vínculo com a nova informação, transformando-se em uma relação signi- ficativa. Se, por exemplo, o(a) aluno(a) memoriza a fórmula da lei da gravitação universal, sem estabelecer nenhuma relação significativa com ela, terá dificulda- des para resolver problemas com essa equação pelo mecanismo de entendimento e compreensão. No entanto, se for construída uma nova significação na aplicação da fórmula, estabelecem-se relações com a nova informação. A assimilação na aprendizagem significativa decorre de rela- ções estabelecidas intencionalmente entre o material novo potencialmente significativo e as idéias já existentes na estru- tura cognitiva do(a) aluno(a). Essas idéias são os conheci- mentos prévios utilizados como conceitos inclusores da nova informação num processo de interação e ampliação desses conceitos. Aprendizagem significativa Aprendizagem por recepção mecânica A assimilação na aprendizagem mecânica decorre da acu- mulação de informações de forma arbitrária. O aluno recebe o conhecimento e não relaciona com sua estrutura cognitiva. Os conhecimentos são armazenados por meio de estímulo resposta ou do resultado entre conduta e o reforço. 33 Quadro 2 – Aprendizagem por recepção significativa Fonte: Peligrini, 1999, p.131-136; Gaspar, 2002, p.260-274 Esse tipo de informação pode ter um significado para os(as) alunos(as), se os(as) professores(as) criarem situações de aprendizagem que possibilitem a operacionalização com o material novo. Isto é, à medida que as informações são assimiladas, estabelecem-se relações significativas para reestruturar os conheci- mentos existentes na estrutura cognitiva, isto porque o processo significativo é um processo continuado de inclusão 1.1. Tipos de conceitos As orientações didáticas vinculadas à aprendizagem significativa de Ausubel (1989) referem-se à aprendizagem de conceitos. O autor também dá atenção especial à aprendizagem verbal, visto que nas palavras encontram-se generalizados os Fórmula da lei da gravitação universal Considerações na busca de significados Ensinar fórmulas aos(as) alunos(as) requer o estabelecimento de uma relação significativa com elas. Quem aprendeu na escola essa fórmula, enuncia logo a lei da gravitação universal. No entanto, é importante saber o que significa para o aluno dizer: F é a força diretamente proporcional a cada uma das massas? As explicações geralmente são assim formuladas: para obter o valor da força F, deve-se multiplicar a constante G pelas duas massas, M e m, que estão no numerador do lado direito da fórmula. E o que significa dizer que a força é inversamente proporcional ao quadrado da distância? Outra explicação é que a força F diminui do seguinte modo: quando a distância d aumenta, temos de elevar a distância d ao quadrado, no denominador, e, depois, divide-se o numerador pelo denominador. Assim, se a distância entre dois corpos dados passar para o dobro, a força entre eles passa a ser quatro vezes menor! E se passar para o triplo, a força passa a ser nove vezes menor. Essas explicações dadas pelos(as) professores(as) nem sempre são relacionadas com a estrutura cognitiva dos alunos. Qual o significado dado pelos(as) aluno(as) ao opera- cionalizarem com esses conceitos? Qual é o nível de entendimento e compreensão quando resolvem tarefas ou problemas de lápis e papel? Eles conseguem alcançar esse nível de abstração? Como? F é a força diretamente proporcional a cada uma das massas, G é uma constante universal, M é a massa do primeiro corpo, m é a massa do segundo corpo e d é a distância entre os centros dos dois corpos. F = G x M x m d2 34 significados socialmente construídos por um determinado grupo. Quando se fala de conceitos é preciso saber qual o tipo referido, se são aqueles com estrutura de classe logicamente definida, ou os que representam um protótipo dos membros de uma classe. Essa segunda categoria apresenta as características familiares da classe. O primeiro tipo de conceito reflete o conjunto de propriedades necessá- rias e suficientes, que permitem generalizar uma classe de objetos, pela fór- mula apresentada [C = f (x,y,z...)]: “C” representa o conceito que é função “ f ” do conjunto de propriedades necessárias e suficientes (x , y e z ). Um exemplo desse tipo de conceito é o conceito de triângulos, figuras geométricas planas fechadas, de três lados e três ângulos. Equivalendo a dizer que os triângulos são polígonos de três lados e três ângulos, como no Quadro 3. Triângulos = Polígonos de três lados e três ângulos C = f (x,y, z). X = polígono conjunto de propriedades Y = três lados necessárias e suficientes Z = três ângulos Quadro 3 – Conceito com estrutura de classe logicamente definida O segundo tipo de conceito toma como base os aspectos comuns compar- tilhados entre o protótipo e os exemplares analisados, ou seja, uma certa “seme- lhança familiar”, um grau de probabilidade. No processo de aprendizagem, usa-se o protótipo para buscar as semelhanças com outros membros da família. A categorização é do tipo que não tem uma estrutura determinada pela lógica dos atributos necessários e suficientes. No lugar de classes definidas, formula-se a existência de um mecanismo de categorização de estímulos baseado em protótipos. Para Rosch, (1973 a; 1976, apud Pozo, 1998) os protótipos são, no ge- ral, os casos mais claros de pertinência a uma determinada classe. São definidos operacionalmente pelo juízo das pessoas em relação a sua inclusão nessa classe (Pozo, 1998). O modelo é o protótipo construído pelo sujeito e a partir dele é possível identificar a pertinência ou não de outros exemplares à classe. Os exem- plos do Quadro 4 representam diferentes tartarugas no processo de elaboração conceitual, possibilitando ao sujeito construir um“protótipo” que se constitui a referência conceitual da classe. 35 Exemplo 1 Protótipo Exemplo 2 Exemplo 3 Exemplo 4 Exemplo 5 Quadro 4 – O protótipo e seus análogos na família do conceito de “tartaruga mordedora” Fonte: Dutra (2004) Na busca da semelhança entre os exemplares e uma tartaruga, que é assu- mida como modelo, apresenta-se a base da formação do conceito da espécie. Nessa perspectiva, a elaboração dá-se pela “semelhança familiar”. Dentre esses exemplos procuram-se estabelecer relações intracategoriais entre o modelo e os exemplos, apresentados. Aqueles que são mais representativos são considerados como bons exemplos por apresentarem maior número de características perceptíveis. Os maus exemplos são aqueles cujas características não são diretamente perceptíveis, como sendo similar ao modelo. Para a identificação e classificação dos exempla- res, faz-se a descrição do modelo, podendo ser destacadas as características físicas, observando-se o tipo de alimentação, o movimento, entre outros atributos. Os exem- plos que demonstram maior quantidade de características similares ao protótipo apresentam a maior probabilidade de fazer parte do conceito. Na análise de formação de conceitos, no texto, assumimos a perspectiva do conceito como uma construção da lógica na ótica dialética. Ensinar, tomando como base o fundamento de estrutura de classe,2 corresponde a levar em consideração o conteúdo e a extensão do conceito,3 como 2 Estrutura de classe ou conteúdo é a estrutura do conceito definida por um conjunto de proprie- dades necessárias e suficientes. 3 A extensão do conceito é a totalidade de objetos que pertencem ao dito conceito (a mesma classe). 36 parte de um plano didático de orientação ao(à) aluno(a) para atribuir significado ao novo conhecimento. No entanto, se o trabalho funda-se no modelo sem classe definida por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, a lógica da orientação da aprendizagem conceitual, dá-se pelo maior número de caracterís- ticas semelhantes para estabelecer relações entre o protótipo apresentado e os exemplares do conceito (Pozo, 1998). Seguindo uma lógica ou outra, o diagnóstico do que sabe o(a) aluno(a) (nesse caso, o domínio do conceito inclusor, a partir do qual se atribui novo sentido à nova informação) é a base para criar situações de aprendizagem, de modo que possibilitem uma determinada elaboração do conhecimento, mediante relações substanciais entre o novo e o conhecimento prévio de quem aprende. O processo de interação, em que o material novo encontra significado mediante um conceito já assimilado (tipo de conceito definido por classe), ou mediante a estrutura corre- lacional, que permite estabelecer maior nível de semelhança objetiva (tipo de con- ceito definido por semelhança familiar) pode ser susceptível às novas construções. 1.2. Tipos de aprendizagens Aprender significativamente é estabelecer relações entre os conceitos que o(a) aluno(a) dispõe na sua estrutura cognitiva e as novas informações; isso requer uma atitude favorável à construção do conhecimento, vinculada à disposição psicológica para relacionar as informações novas aos conhecimentos prévios. Essa forma ativa e pessoal de aprender os conteúdos pressupõe três condições básicas, representadas no Quadro 5. Ausubel (1978 apud Antória, 1994) reflete sobre três tipos de aprendiza- gem significativa: – a aprendizagem de representações – refere-se basicamente a uma asso- ciação simbólica em nível primário. Nesse sentido, vão se atribuindo significados a símbolos, como por exemplo: valores sonoros vocais e caracteres lingüísticos; – a aprendizagem de conceitos – esta é uma extensão da representação, mas os alunos vão se conscientizando das propriedades necessárias e suficientes ou dos traços comuns entre o protótipo e os exemplares do novo conceito. Esse nível é mais abrangente e mais abstrato. Como, por exemplo, o significado que é atribuído aos mamíferos como uma categoria conceitual, a partir de animais (conceito inclusor); – a aprendizagem de proposições – aquela que promove a compreensão de uma proposição,4 por meio da relação entre dois ou vários conceitos numa uni- dade semântica.5 4 Proposição é entendida por nós como uma sentença formada por conceitos e palavras de en- laces, que ajudam a estabelecer relações entre os conceitos. 5 Unidade semântica é uma unidade de sentido, formada pela proposição. 37 1.3. Mecanismos de aprendizagem significativa A aprendizagem significativa, segundo a teoria de assimilação de Ausubel (1989), toma como referência dois mecanismos básicos: a diferenciação progres- siva e a reconciliação integradora. A diferenciação progressiva é um tipo de mecanismo de diferenciação de conceitos (Ausubel, 1989), que se fundamenta no princípio da relação de inclusão, estabelecida entre o conceito mais geral (inclusor), já assimilado por quem aprende, e os conceitos mais específicos, que progressivamente vão sendo incluídos como extensão do conhecimento mais geral. Nesse mecanismo, os conceitos inclusores são ampliados, o aprendizado ocorre em um movimento do geral ao particular, num processo hierarquizado. Para exemplificar a elaboração dessa relação com o conceito de mamíferos e outros conceitos subordinados, destaca-se o Esquema 2 a seguir. 1) O conhecimento novo deve ser potencialmente significativo. 2) A estrutura cognitiva prévia deve comportar a existência de inclusores prévios. O(a) aluno(a) deve apresentar uma disposição para esta- belecer relações e não memorizações mecânicas (Ausubel, 1982). Isto é, no processo de aprendizagem, com os conteú- dos específicos das disciplinas do currículo escolar. Nesse sentido, as idéias prévias dos alunos devem ser considera- das como propriedades de organização imediata. A motiva- ção e a orientação da atividade possibilita a assimilação de novos significados. Encontrar na estrutura cognitiva possibilidade de inclusão para estabelecer uma relação lógica ou substancial (aspecto relevante da estrutura cognitiva como: imagem, conceito ou proposição) com as idéias prévias já existentes na mente daquele que aprende (Antória, 1994). 3) Predisposição, uma atitude ativa a respeito do conteúdo da aprendizagem. Os conceitos já assimilados de forma sistematizada são os in- clusores. À medida que se vão tornando potencialmente inclu- sores, aumentam a capacidade cognitiva, porque incorporam a nova informação e ampliam as idéias já existentes na men- te (Antória, 1994; Galagovysky, 1993; Galagovysky, 2002). Quadro 5 – Condições básicas para assimilação significativa 38 Esquema 2 – Relação conceitual como resultado do mecanismo de diferenciação progressiva À medida que o conceito é assimilado na aprendizagem significativa, os conceitos inclusores expressam-se pela diferenciação progressiva. No mecanismo de diferenciação progressiva, as gradações progressivas de inclusividade são explicadas pelas relações de diferenciação entre os objetos de uma mesma classe, para formação de subclasses. As diferenciações progressivas possibilitam a organização de conceitos subordinados, permitindo as hierarquias conceituais, (Antória, 1994). Desse modo, as idéias gerais podem incorporar as menos gerais expressas por meio das novas informações (novas propriedades necessárias e suficientes, que delimitem o novo conceito). A nova propriedade vai sendo incorporada ao conceito geral, possibilitando mamíferos carnívoros herbívoros canídeos felídeos raposas orelhuda comum vermelha Inclui-se a nova propriedade da ordem (come carne de outros animais). Incluem-se as novas propriedades da família (dentes caninos pontiagudos; dentição para regime carnívoro e adaptação ao regime onívoro). Incluem-se as novas propriedades do gênero (focinho esguio, caça a sua presa e mata para comer no próprio dia e esconde o resto para consumir em outro momento, é considerada esperta pela suaagilidade). Incluem-se as novas propriedades relativas à espécie (cada espécie apresenta propriedades que a distinguem uma da outra). Existe na mente de quem aprende a idéia geral da classe (animais vertebrados que possuem glândulas mamárias e sangue quente). onívoros podem ser incluem encontram-se as das espécies 39 a elaboração de um novo conceito mais particular e derivado do primeiro, permitindo estabelecer as relações hierárquicas entre os conceitos de maior e menor inclusão. Na reconciliação integradora, quando dois ou mais conceitos relacionam os seus significados de uma forma significativa, tem lugar a reconciliação integra- dora. Esse mecanismo dá-se por níveis de integração, reconciliadora, visto que no processo de aprendizagem nem sempre é possível seguir a linearidade (dos conceitos inclusores aos conceitos inclusivos); é preciso estabelecer relações entre os conceitos específicos assimilados pelos alunos e ir integrando novas informações que permitem a ampliação e evolução desses conceitos em níveis de formulação mais geral. Apren- der mediante esse mecanismo significa que durante o processo se encontra problema ou dissonância entre a nova informação e o conceito inclusor, mas é percebido pelo aprendiz que os conceitos que aparentemente estão em contradição, e não têm ne- nhuma ligação, estão na realidade ligados. A aprendizagem do novo conceito (mais geral) produz-se pela integração das características (propriedades) dos conceitos mais particulares em um movimento ascendente. Nesse sentido, a apresentação do material ao aluno deve ser feita de maneira que haja exploração de relações entre as idéias, destacando semelhanças e diferenças entre os conceitos relacionados, para integração em uma nova reformulação con- ceitual. Como no exemplo do Esquema 3 , o conceito de mamífero é assimilado a partir do conceito de raposa “comum”, ou “vermelha”, ou “orelhuda”. . Esquema 3 – Construção de conceito pelo mecanismo de reconciliação integradora mamíferos carnívoros herbívoros canídeos felídeos raposas orelhuda comum vermelha 40 No mecanismo de reconciliação integradora, tem-se como ponto de partida os conceitos particulares (que o aluno conhece), tais como raposa vermelha. Assim, estabelecem-se novas relações entre aquilo que se conhecia de maneira particular e algo mais geral, pelo mecanismo ascendente. Os dois mecanismos discutidos são necessários à aprendizagem significa- tiva dos(as) alunos(as). O aprendiz integra e diferencia conceitos nos processos de atribuir novos significados aos conceitos que se aprende. Na aprendizagem por assimilação significativa, é importante que o(a) aluno(a) assimile o significado não como um pacote de informação a ser guardado na memória e utilizado quando necessário, mas de forma significativa, de modo que o incorpore em sua estrutura cognitiva de caráter relacional, pressupondo uma atitude mais criativa. Nesse tipo de assimilação, é necessário que o aprendiz esteja interessado e disposto, mas isso não é suficiente; é preciso ter na sua estru- tura significados prévios ou seja, os conceitos inclusores que permitem construir novos significados com sucesso. 2. Considerações finais A aprendizagem significativa de Ausubel (1989), vinculada às teorias cog- nitivas, desempenha um papel predominante no desenvolvimento de estratégias de aprendizagem do conhecimento. Esse tipo de aprendizagem limita-se a explicar a organização do conhecimento na memória, relacionada aos esquemas concei- tuais, com base, tanto nas semelhanças familiares como na hierarquia dos concei- tos. Desse modo, apresenta uma limitação: centra sua atenção na aprendizagem de conceitos (por reconciliação e diferenciação progressiva) em detrimento do con- teúdo procedimental. As investigações sobre as idéias prévias têm revelado que os conhecimen- tos dos alunos(as), relacionados com os conhecimentos científicos, geralmente apresentam-se problemáticos, nem sempre são potencialmente significativos, como recomenda Ausubel (1989). Alguns pesquisadores, como Campanario e Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) detectaram que os aprendizes às vezes apresentam idéias errôneas, que, em vez de facilitar o processo de assi- milação, têm interferido negativamente na aprendizagem escolar. Outra polêmica instala-se sobre a disposição para a aprendizagem signi- ficativa, postulada por Ausubel (1989). Os estudos de Shuell (1990) já apontavam a pouca disposição dos alunos(as) para a aprendizagem significativa. Do mesmo modo, o estudo das idéias prévias, realizado por Campanario (1993 b); Campanario e Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) alertam para essa condição dos conceitos inclusores. As suas pesquisas apresentam resultados com estudantes que processam superficialmente os conteúdos científicos, a ponto de não detectar inconsistência em textos curtos. Nesse caso, apontado pela pesquisa, quando os pesquisadores revelam que 41 nem sempre os conceitos inclusores possibilitam aprendizagem significativa, é importante outra reflexão sobre os níveis de formulações conceituais dos alunos, os quais nem sempre estão coerentes com os conteúdos ministrados no contexto escolar; muitas vezes, essa inconsistência ocorre devido ao nível de entendimento e compreensão daqueles que chegam em níveis escolares mais avançados, sem a construção do conhecimento necessário, a operacionalização de novos significados vinculados ao nível de exigência do ensino médio ou de outro nível escolar. Apesar das reflexões dos pesquisadores da Didática das Ciências quanto aos aspectos que limitam a aprendizagem significativa, reconhece-se a teoria de Ausubel (1989) como uma contribuição para a aprendizagem construtivista, visto que o aprendizado ocorre com base em uma atividade ativa dos significados. Na tentativa de superação da superficialidade e construção de uma apren- dizagem significativa, teóricos da Didática das Ciências fazem algumas suges- tões, como: a) relacionar sempre a nova informação com os conhecimentos pré- vios do(as) alunos(as); b) favorecer as reconciliações integradoras e as diferen- ciações progressivas; utilizar recursos como os mapas conceituais, entre outros; utilizar provas de evolução, que exigem estratégias da aprendizagem significativa, como aplicação de conhecimentos; e c) utilizar leis e princípios científicos mais do que como simples reprodução memorística. Referências ANTORIA, A. et al. Mapas Conceituais: uma técnica para aprender. 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Para Gomez e Sanmartí (1996), as idéias de Piaget postulam a existência de estruturas cognitivas comuns aos membros da espécie humana e a idéia de que o desenvolvimento se produz segundo leis naturais que possibilitam superar etapas fixas, cada uma delas com suas estruturas cognitivas características, correspondendo a idades determinadas: a etapa sensório-motora, a da inteligência representativa (pré-operatória e das operações concretas) e a etapa das operações formais. Essa classificação, para os autores, introduz determinações que não explicam aprendi- zagens não naturais, como as da disciplina Ciências. 1. Assimilação, acomodação e equilibração: conceitos-chave da teoria A teoria de Piaget (1977) é dinâmica e procura explicar como se gera o conhecimento e se constrói a inteligência, como forma de adaptação do indivíduo ao meio em que vive. A adaptação produz-se por dois mecanismos: a assimilação e a acomodação, mediada pela equilibração dos esquemas cognitivos. A aprendi- zagem, nessa perspectiva, está relacionada a quatro fatores comportamentais: a maturação, a transmissão social, a experiência e a equilibração das estruturas cognitivas esquematizados a seguir. 44 Figura 1 – Fatores comportamentais relacionados à aprendizagem Assim, a Teoria da equlilibração da escola piagetiana baseia-se em princí- pios tais como: · a aprendizagem é um processo de construção interna, ativa do sujeito; · a aprendizagem é um processo de reorganização cognitiva, um processo de auto-regulação; · os conflitos cognitivos, bem como sua tomada de consciência, desempe- nham um papel importante; · a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento e das estruturas cognitivas; · as relações sociais (com colegas e adultos) são importantes para o desen- volvimento, como geradoras de contradições e conflitos cognitivos. As estruturas são sistemas mentais cognitivos com leis de transformação que se aplicam ao sistema como um todo, não apenas aos seus elementos. São caracterizadas por três propriedades: totalidade, transformação (relações entre partes, como uma se torna outra) e auto-regulação (as estruturas buscam a automanutenção, organização e fechamento). A formação de esquemas e/ou estruturas cognitivas é resultante dos processos de assimilação, acomodação e equilibração, como está representado na Figura 2. Equilibração das estruturas cognitivas Experiências Transmissão social Maturação 45 Figura 2 – Representação do equilíbrio da estrutura cognitiva Piaget (apud Pozo, 1998) distingue dois tipos de aprendizagem: no sentido estrito, a aquisição de informação específica sobre o meio; e, no sentido amplo, o progresso das estruturas cognitivas segundo processos de equilibração. É impor- tante ressaltar que, para Piaget, se produz aprendizagem quando ocorre um dese- quilíbrio ou conflito cognitivo. O conflito cognitivo é um estado psicológico que contradiz a experiência (as estruturas cognitivas), ou seja, entra em contradição com as idéias que o aluno tem sobre o objeto ou fenômeno. A situação de apren- dizagem promove uma contradição quando as idéias de que o indivíduo dispõe para explicar um fato mostram-se insuficientes para explicar um novo fato, que aparentemente era explicável por essas mesmas idéias. As idéias, diante do novo fato, não só são insuficientes como também são contraditórias. Figura 3 – O conflito cognitivo é um estado psicológico que contradiz as idéias que o aluno tem sobre o objeto ou fenômeno O que está em equilíbrio e pode entrar em conflito são as estruturas cogni- tivas. O conflito põe em ação os processos complementares de assimilação e aco- modação. “A assimilação é a incorporação de um elemento exterior (objeto, acon- tecimento, etc.) num esquema sensório-motor ou conceitual do sujeito” (Piaget, Assimilação Acomodação Equilibração Esquema / Estrutura cognitiva 46 1977, p.16). Dito de outra forma, é o processo por meio do qual o sujeito interpreta a informação que vem do meio, em função de conhecimentos anteriores disponí- veis na estrutura cognitiva. “A acomodação é a necessidade em que a assimilação se encontra de considerar as particularidades próprias dos elementos a assimilar” (Piaget, 1977, p.17). Para considerar as particularidades dos elementos, a estrutura cognitiva se modifica, dando origem à acomodação. Conforme Pozo (1998, p.180), “a acomo- dação pressupõe não somente uma modificação dos esquemas prévios em função da informação assimilada, mas também uma nova assimilação, ou reinterpretação dos dados ou conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas construí- dos”. Portanto, a acomodação é um processo reflexivo, integrador, que muda a es- trutura cognitiva anterior para que funcione em relação a um novo equilíbrio. Os dois processos constituem a adaptação do indivíduo que atua e reage para compensar as perturbações geradas em seu equilíbrio interno pela estimulação do ambiente; logo,“a adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é o equilíbrio progressivo entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar” (Azenha, 1994, apud Fontana,1997, p.46). A equilibração consiste em um processo auto-regulado, uma propriedade intrínseca e constitutiva da vida mental, que garante o equilíbrio (adaptação) em relação ao meio. É o mecanismo que o indivíduo ativa para restabelecer um novo estado de equilíbrio, face às situações desestabilizadoras de conflito cognitivo, portanto, é o motor do desenvolvimento, como mostra a Figura 4. Equilíbrio cognitivo 1 Desequilibração Equilíbrio cognitivo 2 Esquemas prévios Conflito cognitivo Mediador Nova informação Redefinição dos esquemas prévios Novos conhecimentos Solução do conflito cognitivo Contradição Figura 4 – Dinâmica da construção do conhecimento por conflito cognitivo contradição 47 Quando uma nova informação entra em conflito com as idéias do aluno (na sua estrutura cognitiva 1) produz-se o desequilíbrio dessa estrutura cognitiva. Os processos de assimilação e acomodação durante a solução do conflito podem levar à construção de uma nova estrutura e, conseqüentemente, a um novo equilí- brio. Esse processo de construir novas estruturas cognitivas e novas representa- ções sobre o objeto de estudo é um “processo construtivista”. A partir da tomada de consciência e da solução dos conflitos, os sistemas se reequilibram dando origem a estruturas cognitivas que envolvem novas repre- sentações sobre o objeto de estudo. A superação dos conflitos tem lugar pela ativi- dade de processos tais como: a abstração reflexionante, as generalizações, a to- mada de consciência e a tematização, a necessidade operacional, etc. É impor- tante destacar que a teoria piagetiana enfoca a neutralização de perturbações dos estados de equilíbrio do sistema de conhecimento. A abstração reflexionante pode ser assim explicada: no processo de re- equilibração das estruturas cognitivas, podem ser produzidas novas possibilidades (de ação ou expressão), que, exploradas, levam à construção de correspondências e/ou padrões, como conseqüência da tendência auto-organizadora dos indivíduos. A reflexão subseqüente sobre a correspondência pode levar a mudanças estrutu- rais das estruturas cognitivas originais ou, como explica Fosnot (1998, p.33-34), levar a “uma acomodação que transforma a estrutura cognitiva original e explica por que o padrão ocorre, capacitando deste modo a sua generalização para além da experiência específica na qual se insere inicialmente”. O desenvolvimento do conhecimento é a construção de estruturas intelec- tuais ordenadas que regulam as trocas do sujeito com o meio. Esse processo obedece ao princípio de equilibração majorante. A nova estrutura cognitiva possibilita um maior intercâmbio entre sujeito e meio e novas aprendizagens. O desenvolvimento cognitivo constitui um processo de construção de estru- turas lógicas em ordem ascendente de complexidade. As estruturas lógicas (ou estruturas cognitivas) são recursos da inteligência para lidar com a realidade e compreendê-la. No decorrer de sua obra, Piaget elaborou vários modelos do fun- cionamento desse processo de equilibração; no último, sustenta que o equilíbrio entre assimilação e acomodação rompe-se em três níveis de complexidade crescente, explanados em Pozo (1998). No primeiro nível, os esquemas que o sujeito possui devem estar em equilí- brio com os esquemas que assimila. Assim, quando a conduta de um objeto – por exemplo, um objeto pesado que flutua – não se ajusta às predições do sujeito, pro- duz-se um desequilíbrio entre seus esquemas de conhecimento, uma vez que é o peso absoluto o que determina a flutuação dos corpos e os fatos que assimila. No segundo nível, deve existir um equilíbrio entre os diversos esquemas do sujeito, que se devem assimilar e acomodar reciprocamente; caso contrário, produz-se um conflito cognitivo ou desequilíbrio entre os dois esquemas. Assim acontece, por exemplo, com os sujeitos que pensam que a força da gravidade é a 48 mesma para todos os corpos; no entanto, os objetos mais pesados caem mais rapidamente. Por último, o nível superior de equilíbrio consiste na integração hierárquica de esquemas previamente diferenciados. Assim, por exemplo, quando o sujeito adquire o conceito de força, deve relacioná-lo a outros conceitos que já possui (massa, movimento, energia), integrando-o em uma nova estrutura de conceitos. Nesse caso, a acomodação de um esquema produz mudanças no restante dos esquemas assimiladores. Se isso não ocorresse, produzir-se-iam contínuos dese- quilíbrios ou conflitos entre esses esquemas. Nos três casos, os desequilíbrios deixaram evidente a insuficiência dos esquemas assimiladores, o que faz ser necessário acomodar esses esquemas com vistas à recuperação do equilíbrio rompido. Os alunos podem ter diferentes comportamentos face a uma situação de conflito cognitivo. De acordo com Piaget (1977), as respostas aos desequilíbrios ou perturbações podem ser: não-adaptativas, que acontecem quando o indivíduo não toma consciência do conflito existente, isto é, não leva a perturbação a um estágio de contradição e, assim sendo, não faz nada para modificar seus esquemas; e adap- tativas, quando o indivíduo toma consciência do conflito e tenta resolvê-lo. As res- postas adaptativas podem ser de três tipos, conforme mostramos na Figura 5. Figura 5 – Respostas aos conflitos cognitivos Vale salientar que a tomada de consciência do conflito cognitivo pode ser empírica, tomada de consciência das propriedades do objeto (abstração empírica), ou reflexiva, tomada de consciência das próprias ações ou dos conhecimentos apli- cados aos objetos (abstração reflexionante). Nova informação Produz conflito cognitivo Resposta adaptativa (regulação da perturbação) Não produz conflito cognitivo Produz conflito cognitivo Resposta adaptativa (regulação da perturbação) Não produz conflito cognitivo NÃO ACEITAÇÃO Perturbação leve. Corrige-se sem modificar o sistema. Se a perturbação é forte, ignora-se ou não é considerada INTEGRAÇÃO A perturbação é integrada ao sistema de conhecimentos como uma variação MODIFICAÇÃO DAS ESTRUTURAS Transformação do sistema: reestruturação amplificação; não- reestruturação ACOMODAÇÃO Qualquer modificação de um esquema assimilador ou de uma estrutura NÃO ACEITAÇÃO Perturbação leve. Corrige-se sem modificar o sistema. Se a perturbação é forte, ignora-se ou não é considerada INTEGRAÇÃO A perturbação é integrada ao sistema de conhecimentos como uma variação MODIFICAÇÃO DAS ESTRUTURAS Transformação do sistema: reestruturação amplificação; não- reestruturação ACOMODAÇÃO Qualquer modificação de um esquema assimilador ou de uma estrutura 49 Uma das implicações dos princípios piagetianos de grande importância para o ensino de Ciências consiste no fato de que ensinar significa provocar o desequilíbrio no organismo (mente) do sujeito aprendente para que ele, procuran- do o reequilíbrio (equilibração majorante), se reestruture cognitivamente e apren- da. O mecanismo de aprender do indivíduo é sua capacidade de reestruturar-se mentalmente buscando um novo equilíbrio (novos esquemas de assimilação para adaptar-se à nova situação). Portanto, o ensino deve ativar esse mecanismo. Conclusões A teoria da equilibração de Piaget possui algumas limitações que preci- sam ser mencionadas. A primeira delas diz respeito à permanência de concepções alternativas depois de estas terem sido submetidas, de modo sistemático, a con- flitos cognitivos. Existem várias causas possíveis para essa relativa inércia nas mudanças, uma das quais pode ser a interpretação equivocada, feita pelos pro- fessores, dos pressupostos construtivistas do modelo. A outra refere-se à natureza das próprias idéias, resistentes às mudanças. O construtivismo tem sido entendido e praticado pelos professores, de maneira geral, como um ensino a partir das idéias prévias dos alunos sem que seja necessário modificaras metas na organização do currículo nem a forma de avaliar. As idéias prévias são levantadas, porém pouco utilizadas no decorrer da aula, que continua centrada na explicação do professor e na conseqüente avaliação do que foi transmitido. Outra limitação diz respeito ao princípio da eliminação ou erradicação das concepções alternativas pelo conheci- mento científico. No entanto, a eliminação do conhecimento intuitivo possivelmente não só é difícil, mas às vezes é impossível e inconveniente em numerosos domí- nios. O conhecimento intuitivo tem uma lógica cognitiva que se faz insubstituível; portanto, em vez de se tentar substituí-lo, em muitos casos, será necessário inte- grá-lo hierarquicamente nas teorias científicas. A teoria de Piaget introduz a polêmica do paradoxo da aprendizagem: se a aprendizagem se produz por reestruturação, deve-se supor que o que se aprende já estava presente na estrutura cognitiva antes da aprendizagem; conseqüentemente, não há aprendizagem. Para Castorina (1998), o paradoxo apresenta-se com clareza quando se quer aprender um conceito “primitivo”, que não se pode representar a partir de outro conceito, pois é impossível formular uma hipótese a seu respeito sem o próprio conceito permitir. Referências CASTORINA, J. A. Piaget e Vygotsky: “Novos argumentos para uma controvérsia”. Cadernos de Pesquisa. 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TALÍZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988. 51 O ENFOQUE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL DA APRENDIZAGEM: OS APORTES DE L. S. VYGOTSKY, A. N. LEONTIEV E P. YA GALPERIN Isauro Beltrán Nuñez e Tereza Cristina Leandro de Faria Introdução Embora tenha falecido há mais de 50 anos, Lev S. Vygotsky deixou um número considerável de trabalhos que se tornam mais modernos à medida que o tempo passa. Sua teoria ofereceu respostas a questões que pareciam insolúveis para a Psicologia de sua época e atualmente pode proporcionar aos professores referências para que possam pensar a “educação”. Por educação, Vygotsky enten- dia não apenas o desenvolvimento do potencial do indivíduo, mas sobretudo a expressão histórica e o crescimento da cultura humana a partir da qual o “homem” emerge (Moll, 1996). Devido à sua prematura morte, antigos e fiéis colaborado- res deram continuidade ao seu programa de pesquisa, dentre eles sobressaindo- se Alexei N. Leontiev, que elaborou uma teoria da Atividade e Piotr Ya Galperin, com a Teoria da Assimilação de Ações Mentais por etapas (Pacheco, 1991). O espaço limitado do capítulo de um livro não permite uma ampla explanação dessas idéias, portanto privilegiaremos as que podem contribuir para os professores planejarem aulas que proporcionem ao aluno uma aprendizagem mais adequada às demandas educativas do século XXI. 1. Aprendizagem segundo Vygotsky A obra de Vygotsky apresenta valiosa contribuição para a educação, na medida em que traz importantes reflexões a respeito do processo de formação das funções psicológicas superiores e, como conseqüência, aponta diretrizes sobre a aprendizagem, os mecanismos desse processo, a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, pensamento e linguagem e entre os componentes cognitivos e afetivos. Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social, uma atividade de construção e reconstrução da cultura, mediante a qual o indiví- duo assimila os modos sociais de atividade, e, quando na escola, os conhecimen- tos científicos, sob condições de orientação, mediação, interação social e cultural. Nas relações sociais, mediadas pela história, produz-se a cultura, objeto de conhe- cimento e ponto de partida para sua construção. 52 Figura 1 – Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social Vygotsky (1998a) deu expressiva atenção às relações existentes entre de- senvolvimento e aprendizagem. Para ele, desde o nascimento da criança, desen- volvimento e aprendizagem se relacionam, constituindo-se a aprendizagem um aspecto necessário do processo de desenvolvimento das funções psicológicas tipi- camente humanas. O desenvolvimento está condicionado em parte pelo processo de maturação biológica, entretanto é a aprendizagem que suscita o despertar de processos internos de desenvolvimento, os quais não ocorreriam, se não fosse o contato do indivíduo com um determinado ambiente cultural – como, por exem- plo, a escola – e sob determinadas condições. Assim, entre aprendizagem e desenvolvimento existem relações recíprocas de natureza dialética. A concepção de que a aprendizagem suscita o despertar de processos in- ternos liga o desenvolvimento do indivíduo à sua relação com o ambiente so- ciocultural em que vive e, ao mesmo tempo, à condição de um organismo que não se desenvolve plenamente sem a ajuda de outros indivíduos de sua espécie. A importância atribuída ao papel do outro social no desenvolvimento do indiví- duo fica evidente no conceito de zona de desenvolvimento proximal. 2. Zona de desenvolvimento proximal Vygotsky (1998a, p.112) define a zona de desenvolvimento proximal como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de pro- blemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com com- panheiros mais capazes. O nível de desenvolvimento real de um indivíduo define funções mentais que já amadureceram, que são os produtos finais do desenvolvimento. A zona de desenvolvimento proximal define funções que ainda não amadureceram, que estão 53 em processo de maturação, considerada não em termos biológicos, mas sim como modos de atividades internalizadas. A noção de zona de desenvolvimento proxi- mal permite propor uma nova fórmula para a aprendizagem. Considerando que “o bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento, cabe aos professores esforçarem-se em ajudar os alunos a expressarem o que por si sós não sabem fazer, mas podem, em interação com o outro, aproximar-se do desenvolvimento potencial. O esquema seguinte representa a estrutura da zona de desenvolvimento proximal. Esquema 1 – Representação da zona de desenvolvimento proximal Vygotsky (1998b) faz uma distinção entre os conhecimentos construídos na experiência pessoal e cotidiana dos indivíduos, que ele chama de conceitos espontâneos, e aqueles elaborados na sala de aula por meio do ensino sistemático, que ele chama de conceitos científicos (conceitos escolares). Apesar de diferentes, os dois tipos de conceitos se relacionam e se influenciam mutuamente, pois são partes de um único processo, o do desenvolvimento de formação de conceitos. O desenvolvimento de conceitos científicos ocorre a partir de conceitos espontâneos internalizados pelo aluno; daí a importância atribuída às idéias prévias na formação de conceitos científicos. Vygotsky, ao diferenciar a aprendizagem natural da apren- dizagem escolar, atribui à escola um papel fundamental na formação de conceitos. O processo de formação de um conceito científico é longo, complexo e nunca alcançadopor meio de uma aprendizagem receptiva e memorística, mas sim por meio de uma “atividade” produtiva, mediada e social do aluno. A atividade hu- mana caracteriza-se por modificar, transformar o objeto (a natureza, o pensamento, etc.), portanto vai além de uma passiva adaptação ao meio. É a atividade o motor principal do desenvolvimento humano. De acordo com Leontiev (apud Nuñez; Pacheco, 1997, p.38), Nível de desenvolvimento real (NDR) Nível de desenvolvimento potencial (NDP) Zona de desenvolvimento proximal (ZDP) O indivíduo pode agir sozinho O indivíduo precisa da ajuda do outro 54 todo conceito, como formação psicológica é fruto da atividade. Cabe organizar e cabe estruturar no aluno uma atividade adequada ao con- ceito e que o situe em relação correspondente com a realidade. Não surge a atividade conceitual na criança porque ela domine o conceito, mas, pelo contrário, domina o conceito porque aprende a atuar concei- tualmente, porque, se cabe expressar-se assim, sua prática mesma deve ser conceitual. A formação de novos conceitos científicos (escolarizados) leva à ressignificação de conceitos já existentes, provocando contínua reestruturação cognitiva e o desen- volvimento de funções psicológicas superiores. Vygotsky (1998a) chama de funções psicológicas superiores aquelas funções tipicamente humanas, tais como a linguagem oral, o jogo simbólico, a leitura e a escrita, a reflexão, a consciência das ações, etc. A linguagem é o signo principal e de maior valor funcional como mediador da cultura. Na atividade, o sujeito atua sobre a realidade para adaptar-se a ela e, ao transformá-la, transforma a si mesmo por meio de instrumentos psicológicos mediadores. Esse processo, chamado de mediação instrumental, realiza-se por meio de “ferramentas” que Vygotsky (1998a) classifica como mediadores simples (recursos materiais) e mediadores sofisticados (a linguagem). Os mediadores são instrumentos para transformar a realidade e não só para imitá-la, sendo adquiridos pelo indivíduo no seu meio sociocultural. A linguagem é um instrumento essencial no processo de internalização da atividade e nos mecanismos de aprendizagem por compreensão. Como não é qualquer ensino que garante o desenvolvimento intelectual em sua totalidade, também não é qualquer “atividade” que proporciona a construção do conceito científico pelo aluno. O conceito só se forma num determinado tipo de atividade. Vygotsky (Pacheco, 1991) não discute uma teorização sobre a “ativi- dade” como condição necessária à formação de conceitos científicos. Leontiev (1983), com base nas experiências das pesquisas de Vygotsky e nos princípios do materialismo dialético e histórico, elabora uma teoria sobre a atividade humana. Assim, a aprendizagem passa a ser compreendida como um tipo de atividade. A aprendizagem como uma atividade é um enfoque adequado à posição construtivista, uma vez que é na atividade que se produzem as interações do indivíduo como objeto de conhecimento. Quando a aprendizagem implica uma atividade caracterizada por sua expressiva novidade, e para a qual os alunos não têm as representações necessárias para apropriar-se do objeto de estudo, o pro- cesso de internalização da atividade externa com objetos para a atividade interna como representação mental tem um significado vital. A interiorização da atividade externa em interna, ou melhor, o mecanismo teórico do processo de internalização foi desenvolvido por Galperin (1986). Para Nuñez e Pacheco (1997), somando-se essas relevantes contribuições, a obra de Vygotsky alcança uma nova dimensão no contexto de um enfoque teórico que constitui uma escola da Psicologia, ou seja, a Escola Sócio-Histórico-Cultural. 55 3. A aprendizagem como um tipo de atividade A atividade humana é o processo que medeia a relação entre o sujeito (ser humano) e o objeto (como realidade a ser transformada) pela ação do sujeito. Nesse processo dialético, o sujeito é também transformado, pois se formam ou modificam qualidades do pensamento, atitudes, valores, etc. A aprendizagem de uma habilidade como atividade pode ser pensada como um conjunto de ciclos concatenados e, para cada ciclo, pode-se separar para sua análise quatro momentos ou ações principais: a orientação (segundo os esquemas de referência do indivíduo para planejar a futura ação); a realização ou execução da atividade no plano prático (ação); a regulação da ação (durante o processo e o controle sobre o resultado) e o momento final de correção ou ajuste. Cada um desses ciclos, na seqüência, avança como uma espiral no processo de construção do conhecimento. Assim, o novo ciclo está relacionado com o anterior (idéias prévias, recursos cognitivos e afetivos, etc.), que é o ponto de partida na construção do conhecimento. Esses momentos estão representados no esquema seguinte. Esquema 2 – Momentos do ciclo cognitivo de aprendizagem e seu desenvolvimento dialético O momento de orientação é de vital importância para a atividade de apren- dizagem; por ser uma orientação técnica, é crucial para a sua execução. É nessa etapa que o indivíduo planeja como vai realizar a atividade; vale salientar que a qualidade da execução depende desse planejamento, portanto o aluno deve refletir de forma crítica sobre a atividade, sua estrutura, as condições, os recursos de que dispõe e os indicadores qualitativos ou as qualidades da ação. A Base Orientadora da ação (B.O.A) possibilita o autocontrole, a regulação, o aprender a aprender. Durante a execução, o aluno deve regular sua ação pelo sistema de padrões e indicadores da B.O.A., segundo critérios pessoais e sociais. A B.O.A. constitui um modelo teórico que fundamenta a execução da atividade. O controle da execução, segundo os indicadores qualitativos, possibilita as correções necessárias durante a Ciclo 1 Orientação Execução Ajuste Regulação (B.O.A.) 56 aprendizagem, assim como a compreensão dos erros e sua natureza e, quando é preciso, a reconstrução da própria orientação. No ensino tradicional, a atividade do aluno prioriza a execução, sem uma boa compreensão da parte orientadora. Figura 2 – Importância da orientação da ação 4. Os componentes da atividade de aprendizagem Para Leontiev (1983), a atividade de aprendizagem (como habilidade) pos- sui determinados componentes: · Um sujeito da atividade: esse sujeito refere-se àquele que realiza a ação. No caso da atividade de aprendizagem (da atividade de estudo), é o aluno quem realiza as ações para alcançar determinadas transformações como conseqüência dessa atividade e para assimilar um dado conteúdo, para formar novas atitudes, valores, formas de comportamento, etc. O sujeito da atividade não é um indivíduo isolado, mas o conjunto das relações sociais que estabelece com os outros. Na aprendizagem, quando se formam atitudes, valores, como conseqüências da pró- pria atividade cognitiva do aluno com o objeto da aprendizagem, o aluno não é só sujeito mas também objeto da atividade. Nesse sentido, sujeito e objeto constituem um par dialético. Essa dinâmica possibilita uma compreensão complexa da estru- tura da atividade. · Um objeto da atividade: a característica básica de qualquer atividade é seu caráter objetal. O objeto da atividade é para onde está dirigida a ação. Constitui a matéria prima necessária para que o sujeito da atividade possa obter um produ- to determinado. O objeto é o produto da transformação. No caso da atividade de estudo, refere-se aos conteúdos e qualidades da personalidade que a escola deve mobilizar nos alunos no processo educativo. A aprendizagem como atividade hu- mana tem uma peculiaridade em relação a outras atividades: não só se transfor- mam os objetos materiais inanimados, como também se modifica o aluno nas A orientação da ação (B.O.A) possibilita o autocontrole, a regulação, o aprender a aprender 57 interações que estabelece com “os outros”. Assim, não só o conteúdo a assimilar é objeto da atividade como também o é o próprio aluno. O aluno tem umpapel dual na atividade de aprendizagem: é o sujeito e objeto da atividade. Os objetos da atividade podem ser de diferente natureza. Pode ser um objeto específico na- tural, uma instituição social ou o próprio aluno, quando a atividade se orienta a transformar características da sua personalidade. · Os motivos para realizar a ação: os motivos como componentes da ati- vidade têm que existir no sujeito, pois se não existirem motivos e necessidades, não haverá ação. Para os psicólogos, a motivação tem sua origem numa necessidade. Como explica o próprio Vygotsky (1998a, p.121), se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são efica- zes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de compreender seus avanços de um estágio evolutivo para o próximo, pois cada avanço está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos. Ela determina a direção do comportamento para os objetivos apropriados à sua satisfação. Leontiev (1983) interpreta o motivo da atividade como uma necessidade do estudante, como uma necessidade objetivada, como o objeto que move o sujeito para a ação nas situações-problema que envolvem a aprendiza- gem. No encontro com o objeto que a satisfaz, a necessidade pode orientar e re- gular a atividade, uma vez que essa necessidade se objetiva, faz-se consciente. · Um objetivo: é a representação imaginária dos resultados possíveis a se- rem alcançados com a realização de uma ação concreta. Toda atividade humana se realiza a partir de finalidades ou objetivos que orientam as ações humanas em direção às suas metas. A correlação entre o objetivo da atividade e os motivos que levam o sujeito à execução da ação permite revelar os diferentes sentidos pessoais que a aprendizagem tem para o aluno. Talízina (1985) afirma que uma ação se converte em atividade, quando o objetivo e o motivo coincidem, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e capacidades relacionadas com determinados conhecimentos. Quando não coincidem, o ensino e a aprendizagem são ações e não atividades. Na atividade de aprendizagem, os objetivos de aprendizagem devem ser explicitados para o aluno ter clareza da atividade que deve realizar para aprender, questão que contribui com a possibilidade de auto-regulação da aprendizagem. Muitas vezes, dificuldades para aprender derivam-se do fato de o aluno não saber “o que não sabe”, o que pode impossibilitá-lo de procurar estratégias em busca da construção do desconhecido e, conseqüentemente, auto-regular sua aprendizagem. Os objetivos da aprendizagem devem estar em correspondência com os objetivos do ensino, ou seja, com as finalidades do professor e do projeto de aprendizagem, podendo ser expressos em torno das atividades (habilidades) que deve aprender o aluno no plano da integração conceitual, procedimental e atitudinal, uma vez que o afetivo não se separa do cognitivo. 58 · Um sistema de operações: corresponde aos procedimentos, métodos, técnicas e estratégias para realizar a ação e com eles alcançar a transformação do objeto em produto; são os procedimentos como sistema que o aluno deve executar para a atividade de aprendizagem. Essas operações são um sistema de microações que dão à ação o caráter de processo contínuo. Leontiev (1983) concebe as opera- ções como métodos por meio dos quais se executa a ação. A ação se realiza via operações; não obstante, ação e operação têm identidades próprias. Distinguem-se em relação ao objetivo a atingir. As operações dependem das condições nas quais o objetivo da ação se expressa, enquanto que a ação é determinada pelo objetivo. Uma mesma ação pode ser executada por diferentes operações e, por sua vez, uma mesma operação pode responder a diferentes ações. Conseqüentemente, a ação tem certa independência relativa. Quando uma pessoa assimila a experiência das gerações anteriores, assimila não somente os objetos do mundo exterior (conceitos) como também a parte ope- rativa que se encontra por trás desses conhecimentos e objetos (procedimentos). · A Base Orientadora da Atividade (B.O.A.): constitui para o sujeito a imagem da ação que ele irá realizar, a imagem do produto final ligada aos pro- cedimentos assim como ao sistema de condições exigidas para a ação. Na B.O.A., expressa-se o modelo teórico da atividade de aprendizagem como um sistema de operação que regula e dirige a aprendizagem. O aluno, antes de fazer, deve ter clara a compreensão do que vai fazer, com possibilidades de argumentar as ações que conformam a atividade que vai desenvolver. Ao construir o referido modelo teórico, pelo qual poderá desenvolver a atividade, o aluno precisa conscientizar-se da estrutura da atividade. Na Base Orientadora da Ação, inclui-se o sistema de condições no qual se apóia o indivíduo para cumprir uma atividade. O aluno pode construir o sistema de conhecimentos e estabelecer os modelos das ações a executar visando à realiza- ção da atividade, assim como a ordem de realização dos componentes da ação: orientação, execução e controle. Diferentemente do behaviorismo, para o qual se privilegia a parte executiva da atividade, na perspectiva sócio-histórico-cultural, a orientação que o sujeito constrói para a atividade determina, dentre outros fatores, a qualidade da aprendizagem. Na teoria de assimilação por etapas, de Galperin (1988), foram estudados oito possíveis tipos de Bases Orientadoras da Ação, levando-se em conta três parâmetros fundamentais: o grau de plenitude, o grau de generalidade e o grau de independência. As Bases Orientadoras mais estudadas têm sido as conhecidas co- mo B.O.A. I, B.O.A. II e B.O.A. III. O primeiro tipo, B.O.A. I, caracteriza-se por uma composição incompleta da orientação. As orientações estão representadas de forma particular. O processo de assimilação, segundo esse tipo de orientação, caracteriza-se por ser lento e por apresentar um grande número de erros na solução das tarefas. A transferência dos conhecimentos é limitada. 59 No segundo tipo de orientação, B.O.A. II, característica do ensino tradi- cional, dá-se aos alunos, de forma elaborada, toda a condição necessária para o cumprimento correto da ação, porém essas condições são particulares, só servem para a orientação de um caso determinado. A formação da ação, segundo essa orientação, avança rapidamente e com poucos erros, porém a esfera de transferên- cia é limitada. Para cada tipo de exercício ou tarefa, o aluno precisa construir uma orientação. O terceiro tipo, ou B.O.A. III, tem uma composição completa e generalizada, aplicável a um conjunto de fenômenos e tarefas de uma determinada classe. Nela está contida a essência da atividade, porque se trata de uma orientação teórica. A B.O.A., como modelo teórico da atividade (habilidade), expressa os nexos entre o singular, o particular e o geral da atividade na qual entra o conceito em formação, propiciando o trabalho com estratégias metodológicas que distinguem o fenômeno da essência, o acesso do abstrato ao concreto e vice-versa, como via de formação do pensamento teórico. O aluno constrói a B.O.A. de forma independente com ajuda de métodos gerais sob a orientação do professor. A atividade, segundo esse tipo de orientação, forma-se rapidamente com poucos erros e se caracteriza por sua estabilidade, alto nível de generalização e, portanto, por uma maior transferên- cia. É uma orientação completa, que dá possibilidade de orientação não só na solução de tarefas concretas como também em todo um conjunto de tarefas de uma mesma classe. Na vida cotidiana, as pessoas antes de fazer algo procuram compreender como se faz, construindo assim o modelo teórico (B. O. A.) da atividade, quando a aprendizagem é por compreensão. A escola geralmente presta pouca atenção a esse momento de orientação, de investigação, necessário para uma aprendizagem por compreensão, prestando maior atenção à própria execução da atividade, por vezes não compreensível, levando a uma aprendizagem reprodutiva. · Os meios para realizar uma atividade: os sujeitos usam os instrumentos adequados nosquais se apóiam na atividade de aprendizagem. Os meios como elementos encontram-se entre o objeto e o sujeito da atividade. Existem meios materiais (objetos e instrumentos) e meios de natureza informativa ou simbólica. Os instrumentos que os alunos utilizam para desenvolver suas atividades de aprendizagem pertencem ao grupo de tecnologias, no sentido amplo desta última categoria. Os recursos lingüísticos e objetos materiais são recursos necessários para o sucesso da atividade. Por isso há necessidade de compreender que função e quais são as potencialidades e limitações de cada tecnologia e recurso, no planejamento e execução da atividade. · As condições: representam o conjunto de situações em que o sujeito reali- za a atividade. Refere-se às condições ambientais (espaço, iluminação, ventilação, etc.) e ao clima psicológico no qual se desenvolve a atividade. O agir com sucesso depende do contexto de realização da atividade. Para a Psicologia Educacional, é conhecida a influência das condições e do contexto na atividade de aprendizagem. 60 As decisões práticas e teóricas têm sentido em relação ao contexto no qual se desenvolve a atividade de aprendizagem. O conhecimento e a análise, pelo sujeito da atividade, desses elementos são essenciais para a compreensão e o desenvol- vimento do processo de formação de habilidades. · O produto: é o resultado obtido com as transformações ocorridas com o objeto (matéria prima da atividade) por meio dos procedimentos (ações) os quais podem coincidir com o objetivo da atividade. Representa as transformações na personalidade do aluno, resultado de sua atividade de aprendizagem, dos conteú- dos assimilados, das novas formas de agir de modo competente, das atitudes, dos valores formados, relacionados com as intencionalidades educativas. A atividade humana (material ou mental) está cristalizada no seu produto. O esquema seguinte apresenta os componentes estruturais da atividade de aprendizagem anteriormente explicitada, sob a perspectiva dessa atividade. Atividade de aprendizagem Produto Condições Meios / Recursos Objetivo Base Orientadora da Ação Motivo Sujeito Objeto Atividade de aprendizagem Produto Condições Meios / Recursos Objetivo Base Orientadora da Ação Motivo Sujeito Objeto Esquema 3 – Componentes estruturais da atividade de aprendizagem Pacheco (1993, p.45) diz que organizar a aprendizagem sob a perspectiva da atividade supõe delimitar: · o papel que tem o sujeito que aprende no processo de aprendizagem, seus motivos, interesses, possibilidades físicas, intelectuais e volitivas, nível de desen- volvimento de suas estratégias de aprendizagem e de suas habilidades para o estudo; 61 · as características do objeto, como parte da realidade que é necessária se aprender e transformar na aprendizagem; · os procedimentos, técnicas, estratégias de aprendizagem e de estudo necessários para a atividade; · os meios disponíveis (materiais, cognitivos e afetivos) para a atividade; · os resultados esperados (objetivos e propósitos) e os resultados atingidos; · a situação ou contexto espaço-temporal no qual tem lugar a aprendizagem; · os resultados e efeitos da atividade. 5. As características qualitativas das habilidades O processo de formação de uma atividade (como a aprendizagem escolar) é visto como um processo de direção; por conseguinte, para avaliar a qualidade da formação da atividade, faz-se necessário estabelecer as características qualitativas das ações. De acordo com Nuñez e Pacheco (1997, p.46), o grande mérito de P. Ya Galperin, como criador da teoria da assimilação de ações mentais por etapas, foi precisamente haver delimitado o conjunto de indicadores qualitativos a ter em conta na formação de habilidades, os quais funcionam como parâmetros qualitativos para elevar a qualidade das ações formadas. Na teoria de Galperin (1988), as principais características da atividade (ações) são: · forma em que se realiza a ação: no plano material (com objetos materiais) ou materializado (por meio da representação do objeto, como desenhos, esquemas, filmes ou modelos que expressem atributos necessários e essenciais do objeto de assimilação), no plano da linguagem verbal externa (oral ou escrita) ou no plano mental (com representações, conceitos); · grau de generalização: toda atividade e todos os conceitos possuem limites de aplicação, assim sendo, o grau de generalização diz respeito à relação entre as situações nas quais o sujeito aplica a atividade e os conceitos e as situações em que realmente é possível essa aplicação;1 · grau de detalhamento: no processo de assimilação de novas ações, toda ação inicial deve ser realizada da forma mais detalhada possível para que se tenha consciência dos elementos que a integram, só depois é que se começa o processo de redução, que culmina com a forma mental; · grau de consciência: diz respeito à possibilidade de o sujeito fazer a ação e saber dizer por que a fez ou está fazendo. Para Vygotsky (1998b), o pensamento 1 A qualidade de generalização se discute com mais detalhes no capítulo sobre a transferência da aprendizagem. 62 científico implica a manipulação consciente de relações entre objetos. Esse grau de consciência pode ser relacionado com a metacognição.2 Na aprendizagem, o conhecimento que o aluno e o grupo têm dos recursos e possibilidades, de suas for- ças, desejos, motivos, limitações, etc., para participar de forma ativa na sociedade, e de sua formação como personalidade histórica e social, pode ser compreendido quando se conscientizam os elementos estruturais e funcionais da atividade. Essa conscientização possibilita aos sujeitos regular os processos de aprendizagem e de formação, de forma crítica; · grau de independência: como uma ação nova não pode ser formada sem algum tipo de ajuda, o grau de independência diz respeito à passagem progressiva da ação com ajuda para uma ação sem ajuda; · solidez: diz respeito à possibilidade de uma sólida aprendizagem. Quanto mais completa seja a passagem da forma material ou materializada para a forma mental do grau de consciência, maior será a possibilidade de solidez da ação, mesmo se tendo passado algum tempo de sua formação. O esquema a seguir mostra as principais características da atividade, de acordo com a teoria de Galperin, conforme foi discutido anteriormente. Esquema 4 – Características da atividade na teoria de Galperin 2 A partir da perspectiva da aprendizagem como processamento de informação, a metacognição ou consciência da aprendizagem pode ser interpretada nos pressupostos da escola sócio-histórico- cultural. Solidez Grau de independência Grau de consciência Grau de detalhamento Grau de generalização Forma em que se realiza a ação Características da atividade 63 6. A aprendizagem como processo de internalização da atividade externa em interna Pelo que foi apresentado até o momento sobre a aprendizagem no enfoque sócio-histórico-cultural, percebe-se que, para aprender novos conceitos, gene- ralizações e habilidades, o sujeito precisa realizar determinada atividade, que, primeiramente, acontece num plano material externo e, posteriormente, como conseqüência da internalização, num plano material interno. Vale salientar que essa necessidade de se iniciar o processo pelo plano material ou materializado só é essencial quando não estão formadas na mente as imagens correspondentes, os conceitos e as operações necessárias para a nova atividade. Esse processo de passagem de um plano a outro foi denominado por Vygotsky (1998a) de “inter- nalização”. Entretanto, em suas pesquisas, não são encontradas explicações a respeito de como se realiza essa passagem. De acordo com Nuñez e Pacheco (1997, p.54), isso foi explicado por Galperin, que elaborou um dos estudos mais detalhados das etapas de formação da atividade interna a partir da externa, o papel de cada um dos momentos funcionais da atividade – orientação, execução e controle – das trans- formações que sofrea ação neste processo de abreviação, generalização e automatização, como resultado do qual adquire um caráter especifi- camente psíquico. A teoria de Galperin (1988) explica a gênese da nova atividade interna, quando os recursos cognitivos são insuficientes, ou seja, revela o mecanismo de formação de esquemas, habilidades, estruturas cognitivas a partir do plano externo, na interação com os objetos culturais. Diferentemente da teoria da equilibração de Piaget, a aprendizagem de uma nova habilidade não resulta unicamente de transformações de estruturas cognitivas preexistentes. De acordo com Galperin (1986), o processo de internalização da atividade externa em interna (aprendizagem como atividade) é concebido como um ciclo cognoscitivo em que se destacam cinco etapas. Na primeira etapa, a motivacional, o aluno se dispõe para a aprendiza- gem pela motivação como condição necessária. Nessa etapa, a principal tarefa do professor é preparar os alunos para assimilarem3 novos conceitos, atitudes e habilidades. Atualmente, existe praticamente unanimidade entre os professores quanto ao fato de que, se o aluno não for adequadamente preparado para o estudo, ele pode não aceitar a atividade proposta ou realizá-la de maneira formal. Por 3 Ao contrário de Piaget, Vygotsky (essencialmente no enfoque sócio-histórico-cultural) não fala de assimilação, mas sim de apropriação, portanto quando usamos a palavra assimilação no texto não é com o mesmo significado piagetiano, mas como apropriação da cultura (aprendizagem nos termos vygotskyanos). 64 conseguinte, criar nos alunos uma disposição positiva para o estudo é condição necessária no processo de assimilação. Na segunda, a etapa de estabelecimento do esquema da Base Orienta- dora da Ação (B.O.A.), o aluno constrói a orientação para a atividade. Galperin (1959, p.27) assinala que a parte orientadora é a instância diretiva e, precisamente, no funda- mental, depende dela a qualidade de execução. Se elaborarmos um conjunto de situações em que se deva aplicar essa ação conforme o plano de ensino, essas situações ditarão um conjunto de exigências para a ação que se forma e, juntamente com elas, um grupo de proprie- dades que respondem a essas exigências e estão sujeitas à formação. A Base Orientadora da Ação (B.O.A.) constitui o modelo da atividade e assim sendo deve refletir todas as partes estruturais e funcionais da atividade. É o sistema de condições em que o homem realmente se apóia ao exercer a atividade. O aluno pode construir o sistema de conhecimentos e estabelecer os modelos das ações a serem executadas com vistas à realização da atividade, assim como a ordem de realização dos componentes da ação: orientação, execução e controle. Essa etapa deve ser estabelecida num processo de elaboração do conhe- cimento, de tal modo que o aluno possa construir, junto com o professor, o modelo da atividade que realizará (a habilidade em formação). O aluno deve dispor de to- dos os conhecimentos necessários sobre o objeto da ação, as condições, as ações que compreendem a atividade a ser realizada, os meios de controle e deve conhecer, nesta etapa, os limites de aplicação de tal atividade. Para Galperin (1959), a orien- tação é sinônimo de compreensão pelo papel objetivo que desempenha na ação. Vale salientar que o ensino “construtivista” responde a uma B.O.A. tipo III, que não é uma orientação dada pronta e acabada, mas construída pelo aluno com a orientação do professor, como necessária à atividade produtiva. Na terceira, a etapa de formação da ação no plano material ou materia- lizada, a forma material é aquela em que se trabalha com o próprio objeto de estudo e a forma materializada é aquela em que se trabalha com a representação do objeto, que deve possuir os aspectos necessários e essenciais deste. Nesse momento, o aluno começa a realizar a ação propriamente dita no plano externo e, de forma detalhada, vai realizando todas as operações que a constituem. É a etapa em que, trabalhando em dupla ou sob a supervisão do professor, o aluno se relaciona com os próprios objetos e fenômenos ou com a sua representação, realizando ações externas, pois é na atividade que está a fonte da construção dos conhecimentos humanos. Na quarta, a etapa de formação da ação no plano da linguagem externa, os elementos da ação são apresentados de forma verbal (oral ou escrita). Nessa fase, o aluno não trabalha com os objetos concretos nem com suas representações, mas sim com os sistemas simbólicos que os representam. O aluno deve resolver a tarefa oralmente ou utilizando a linguagem escrita. A ação se converte em uma 65 ação teórica, baseada em palavras e conceitos verbais. É o momento em que o aluno pode reconstruir a compreensão dos conceitos e procedimentos em diferentes domínios, articulando os pensamentos enquanto resolve um problema ou quando atua como crítico ou monitor na atividade de grupo. É também uma etapa que deve ser realizada de forma detalhada, porém sem apoio externo, como, por exemplo, cartões de estudo. A etapa mental, a última no caminho da transformação por etapas da ação externa em interna (imagens, representações mentais, etc.), é o momento em que a ação começa a reduzir-se e pode automatizar-se muito rapidamente, tornando-se inacessível à auto-observação. Agora se trata de ato do pensamento, no qual o pro- cesso está oculto e só se revela o seu produto. Por sua origem, a ação interna está relacionada com a ação externa, e é o seu reflexo. Substituindo as coisas reais, agora o objeto da ação, assim como sua composição operacional, têm caráter ideal, caráter de imagem. A ação pode ser trasladada totalmente para o plano mental, ou somente em sua parte de orientação. Nesse segundo caso, a parte executiva da ação permanece no plano material e pode converter-se num hábito motor. O processo de assimilação da nova atividade realiza-se segundo a figura a seguir. REDUZIDADETALHADA GENERALIZADANÃO GENERALIZADA INDEPENDENTECOMPARTILHADA FORMA INTERNAFORMA EXTERNA MENTALMOTIVACIONAL LINGUAGEM EXTERNA AÇÃO MATERIAL B.O.A. REDUZIDADETALHADA GENERALIZADANÃO GENERALIZADA INDEPENDENTECOMPARTILHADA FORMA INTERNAFORMA EXTERNA MENTALMOTIVACIONAL LINGUAGEM EXTERNA AÇÃO MATERIAL B.O.A. Figura 3 – Etapas do processo de assimilação da nova atividade Fonte: Nuñez; Pacheco (1997, p.114). A aprendizagem de uma habilidade, segundo os critérios que discutimos, deve organizar-se de forma tal que facilite nas etapas iniciais (de orientação, material ou materializada e da linguagem externa) o trabalho dos alunos em duplas ou em grupos pequenos. Pacheco (1993) assinala dentre as características do grupo: · o grupo, como grupo de aprendizagem, é sujeito de sua própria aprendi- zagem e não só objeto do ensino; · são produzidos no grupo três processos de influência mútua: a aprendi- zagem de cada sujeito, o processo do grupo e o processo de ensino; · o docente, no trabalho com o grupo de aprendizagem, precisa conhecer sua estrutura, dinamismo mecânico de mudanças e estratégias para sua orientação e transformação, pois assume na sua relação com o grupo a função de coordenador. 66 Figura 4 – Trabalho em grupos pequenos Conclusões A aprendizagem, na perspectiva sócio-histórico-cultural, é compreendida como um processo de construção de conhecimento, de habilidades, hábitos, valores, etc., que se produz em condições de interação social (mediada), na dependência dos recursos cognitivos de que dispõe o aluno. A aprendizagem não é só registro e sim interpretação da informação na dependência dos interesses, construções cognitivo-afetivas prévias e do próprio controle desse processo pelo aluno que aprende. Caracteriza-se por ser um tipo específico de atividade humana, interligada a outros tipos de atividades (trabalho, estudo, etc.), que se produz em condições socioculturais vinculadas ao desenvolvimento integral do aluno. Diante disso, podemos concluir que, se considerarmos apenas os estudos de Vygotsky na explicação do processo de aprendizagem, estaremos cometendouma injustiça com a psicologia soviética, pois a aprendizagem como processo é expli- cada sob vários postulados teóricos de psicólogos e especialistas, dentre eles Leontiev, Galperin e Talízina, que contribuíram para a formação da escola sovié- tica de Psicologia da Educação. Entendendo-se dessa forma, Vygotsky pode trazer relevantes contribuições para pensar de forma crítica as práticas tradicionais de ensino-aprendizagem de Ciências e Matemática. Para que a “teoria” de Vygotsky seja utilizada como referência pelos pro- fessores, devem ser levadas em consideração algumas de suas limitações. Embora Vygotsky (1998a) tenha o mérito de ter demonstrado a estreita relação que existe 67 entre desenvolvimento e aprendizagem por meio do conceito de “zona de de- senvolvimento potencial (proximal)” e isso tenha proporcionado um outro olhar para essa questão, torna-se difícil utilizar esse conceito de forma específica em um contexto educativo. A medição do desenvolvimento real é possível, entretanto a determinação do desenvolvimento potencial está sujeita a uma certa circulari- dade. Caso o professor utilize mediadores externamente proporcionados, pode- se fixar o nível potencial, mas, se não é assim, isso se deve ao fato de que o aluno carece de potencialidades nesse aspecto ou de que os mediadores utilizados não são adequados? Como saber quais são os mais adequados? Ainda que válida, sua aplicação efetiva é limitada pela ausência de medições independentes do desenvolvimento potencial (Pozo, 1998). Outra limitação da teoria de Vygotsky diz respeito às relações entre os di- versos tipos de aprendizagem. Embora sejam postuladas interações entre eles, ele não especificou qual a natureza dessas interações. Quando as aprendizagens por associação e por reestruturação se complementam, apóiam-se mutuamente? E quando atuam em direções opostas? Ele afirmou que os conceitos espontâneos facilitam o trabalho descendente (do científico para o espontâneo), mas não parece que seja sempre assim. Quando são facilitadores e quando funcionam como obstáculos? Tendo em vista que os conceitos científicos só podem ser adquiri- dos por meio da instrução formal, que técnicas de instrução devem ser utiliza- das? (Pozo,1998). Entretanto, para Moreira (1999), apenas a maneira como ele teoriza acerca da premissa de que o desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido sem re- ferência ao contexto social, histórico e cultural em que ocorre, já é motivo suficiente para justificar o estudo e utilização, como referência, dessa teoria pelos professores, principalmente levando-se em conta que os trabalhos de Leontiev e Galperin ten- tam superar algumas dessas limitações (Nuñez; Pacheco, 1997). Referências GALPERIN, P. Ya. “Tipos de orientación y tipos de formación de acciones y de los conceptos”. Informe de la Academia de Ciencias Pedagógicas de la RSFSR, Moscú, n.2, 1959. ——–––—. “Sobre el método de formación por etapas de las acciones intelectuales”. In ILIASOV, I.; LIAUDIS, V. Ya. Antología de la psicología pedagógica y de las edades. 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O avanço desse paradigma deu-se, primeiramente, em virtude das limitações empíricas do condutismo para explicar os processos internos da aprendizagem e também em conseqüência do mundo científico, aberto pelas “Ciências do Artifi- cial” (POZO, 1998). De acordo com Bruner (1983, apud POZO, 1998, p.39), hoje parece-me claro que a “revolução cognitiva” configura uma resposta às demandas tecnológicas da “Revolução Pós-Industrial”. O novo movimento cognitivo adotou um enfoque de acordo com tais de- mandas, e o ser humano passou a ser concebido como um processador de informação. Assim, se o condutismo surge como resposta aos métodos de intros- pecção na psicologia, na qual não se consideravam as explicações hipotéticas das funções mentais, o processamento da informação foi uma resposta às limi- tações do condutismo, na busca de explicações dos processos mentais que me- deiam entre Estímulo e Resposta; nessa perspectiva, a aprendizagem é consi- derada como um processo de aquisição de conhecimentos. O estudo cognitivo da aprendizagem nasce presidido pela comparação da mente humana com o computador enquanto as teorias condutistas se baseiam fundamentalmente no estudo da aprendizagem como comportamento pelo mecanismo de Estímulo- Resposta (E-R). O processamento de informação tem o organismo (O), incorporado entre o estímulo (E) e a resposta (R), tendo por objetivo estudar a aprendizagem como forma específica de representação (Esquema 01). O fenômeno cognitivo pode ser descrito e explicado em termos de processos mentais e representacionais que se situam entre o estímulo e a resposta ou conduta observável; assim, a informação é representada e manipulada pelos processos mentais. 70 Estímulo Organismo Resposta Sistema que processa a informação Esquema 01 – O organismo como entidade entre o estímulo e a resposta As teorias do processamento de informação A psicologia cognitiva procura explicar como se processa a informação durante a aquisição do conhecimento. Durante o processamento da informação, podem-se distinguir três momentos: · recepção inicial da informação (input); · funções de processamento (processos cognitivos como associação, pensamento, tomada de decisões, memória, solução de problema, etc.); · saída da informação (output, ou ações de comportamento). Segundo Pérez Gómez (1998, p.44), uma diferença entre o processamen- to da informação em relação ao condutismo é que “o modelo de processamento de informação considera o homem como um processador de informação, cuja atividade fundamental é receber informação, elaborá-la e agir de acordo com ela”. Entretanto, apesar das diferenças, os dois enfoques coincidem ao abordar a mudança no indivíduo. No condutismo, insistia-se na mudança de comportamento, enquanto que nos enfoques cognitivos insiste-se na mudança de conhecimento. Nessa nova visão de aprendizagem, a comparação entre o homem e o computador fez surgir a “concepção multiarmazém”, cuja idéia central baseia-se na existência de uma série de fases na aquisição da informação,a qual permaneceria, durante um certo tempo, em um “armazém” (memória), correspondente a cada fase, possibilitando a distinção entre memória sensorial, memória a curto prazo e me- mória a longo prazo (Figura 01). As teorias do processamento da informação geram teorias sobre a memória, esta considerada como uma estrutura básica do sistema que processa a informação. Não obstante, embora seja o conceito de memória um conceito-chave nessas teorias, elas não aportam elementos teóricos sólidos para explicar suas estruturas complexas. 71 MEMÓRIA MULTIARMAZÉM Figura 01 – Representação do processo de aquisição da informação segundo a concepção multiarmazém O homem é um ativo processador de sua experiência mediante um complexo sistema no qual uma informação é recebida, transformada, acumulada, recuperada e utilizada. Apesar de ter incorporado muitos dos princípios do modelo condutista (Pozo, 1998; Pérez Gómez, 1998), o processamento de informação caracteriza-se como uma perspectiva cognitiva, quando implica a primazia dos processos internos, mediadores, localizados entre o estímulo (E) e a resposta (R). Da mesma forma que o condutismo foi convertido quase que exclusivamente no estudo da aprendi- zagem, o cognitivismo transformou-se em um estudo quase exclusivo da memória. As teorias do processamento da informação trabalham com vários tipos de conhe- cimentos, dentre eles: · conhecimento declarativo; · conhecimento procedimental; · conhecimento explicativo; · conhecimento do contexto. A informação é a “matéria prima” da aprendizagem; a transmissão dessa informação ocorre por emissores de diferentes naturezas: o professor, os colegas, os livros, as famílias, os bancos de dados, os meios audiovisuais, a própria reali- dade, etc. Por esses meios, a informação entra no sistema, circula, dissipa-se, é transformada, armazenada, ativada, etc. O tipo de conhecimento a ser mobilizado na aprendizagem está relacio- nado com o tipo de memória na qual será armazenado. Entre outras memórias, destacamos: · a memória sensorial (M.S.) – recebe as informações internas e externas NÍVEL SUBMICROSÓ PICO Diferentes níveis de Processamento de Informação Informação 72 e tem uma duração de meio segundo, aproximadamente, sendo responsável por uma primeira impressão da informação; · a memória a curto prazo (M.C.P.) – oferece breves armazenamentos da informação selecionada, apresentando uma capacidade limitada, de sete elemen- tos (mais ou menos dois) e uma duração que varia entre vinte e trinta segundos; · a memória a longo prazo (M.L.P.) – organiza e conserva disponível a informação durante períodos mais longos. Caracteriza-se por não possuir limi- tes, nem em sua duração, nem em sua capacidade. Supõe-se que contém toda a informação que se é capaz de armazenar ao longo da vida. Os conhecimentos organizados e hierarquizados oportunizam mais espaço em cada tipo de memória, em que a utilização de quadros, esquemas e redes de conhecimentos entrelaçados podem facilitar o dimensionamento do conteúdo, para uma unidade de memória de curto prazo. Um outro meio eficaz é a automatização do conteúdo, uma operação que faz com que os conhecimentos passem rapidamente da memória de curto prazo (M.C.P.) para a memória de longo prazo (M.L.P.). Levando-se em consideração que os conhecimentos não ocupam todo o espaço da memória a curto prazo (M.C.P.), essas unidades estão disponíveis para outras tarefas, principalmente aquelas que, no plano cognitivo, representam a repesca- gem dos conhecimentos na memória de longo prazo (Gauthier, 2003). Na Memória de Curto Prazo (M.C.P.) acontece a codificação lingüística da informação, que é preservada nela por um curto período. Já na Memória de Longo Prazo (M.L.P.), a codificação é semântica e está configurada em vários subsistemas (Figura 02), que se apresentam a seguir: · memória episódica – é um tipo de memória autobiográfica, caracterizada por armazenar os fatos do passado de um indivíduo; · memória semântica – é a memória na qual se conceitualiza a linguagem como representação do verbal; · memória declarativa – é a memória em que se reconhece ou se repre- senta externamente pela palavra; · memória procedimental – manifesta-se de forma externa, pela ação; · memória explicita – é um tipo de memória declarativa, que inclui o fator consciente e explicativo; · memória implícita – é a memória que se diferencia da memória pro- cedimental, pela ação consciente. 73 Figura 01 – Subsistemas da Memória de Longo Prazo (M.L.P.) A informação que não se retém na memória a curto prazo se perde. Como fazer, então, para que uma boa parte do que se transmite ao aluno passe à sua bagagem de conhecimentos ou à memória a longo prazo? De acordo com Sierra e Carretero (1996, p.124), isso se dá obviamente, mediante a utilização de estratégias destinadas a que tal informação se mantenha na mente do aluno e possa relacionar-se com a informação que já possui. Uma delas consiste em agrupar a infor- mação, de maneira que ocupe menos espaço na memória. O aluno não precisa recordar as informações uma a uma (de forma iso- lada), mas formando blocos e grupos de informações, à medida que obtém as informações o que lhe permite armazenar muito mais, sem custo para as limita- ções do sistema de memória. Salienta-se que o armazenamento não se realiza de forma isolada e arbitrária, mas por assimilação significativa das novas informa- ções aos próprios sistemas de categorias e significados previamente construídos e armazenados na memória. Como se organiza a informação na memória do longo prazo (M.L.P.) tem sido um desafio para a Psicologia Cognitiva. Mc Lelland e Rumelhart (apud Campanario, 2004), têm proposto que a informação na memória de longo prazo se armazena como uma estrutura hierárquica de categorias, ou como uma cole- Memória implícita Memória declarativa Memória procedimental Memória episódica Memória explícita Memória semântica 74 ção de protótipos representativos das categorias junto com exemplares mais ou menos diferenciados.1 Outros autores têm proposto os “esquemas” como forma de organização da informação na memória de longo prazo (Campanario, 2004). Em relação aos estudos sobre a aprendizagem das ciências naturais, Posada (1997) diferencia a memória semântica em memória semântica experiencial e memória semântica academicista. Para o autor, na memória semântica academi- cista, armazenam-se os conhecimentos, produto da aprendizagem memorística, não substantivos. Estes são os conhecimentos que o aluno reproduz sem com- preensão e que geralmente se ativam na memória quando a pergunta é direta e explícita, ou seja, quando o estímulo se relaciona com elementos diretos da me- mória. Exemplo: Quando perguntamos aos alunos como se desloca o equilí- brio químico na reação N2 (g) + 3H2 (g) 2NH3 (g) pelo aumento da concentração de H 2 (g) no sistema fechado. Os alunos, geral- mente de forma memorística, reproduzem elementos do Princípio de Le Chatelier e, como resposta típica, declaram que o aumento de concentração de um reagente desloca o equilíbrio para os produtos. Na memória semântica experiencial, armazenam-se os conceitos incor- porados de forma substantiva, relacionados com experiências e fatos conheci- dos. É uma memória que pode gerar conhecimentos explicativos e procedi- mentais. Os conceitos são produto de uma aprendizagem significativa. Quando o aluno explica um fenômeno, como, por exemplo, a flutuação de um corpo, baseado nos princípios físicos, essa explicação está relacionada à ativação de conhecimentos da memória semântica experiencial. O ensino de ciências naturais, segundo essa perspectiva, deve facilitar para que a informação seja codificada e armazenada na Memória Semântica, como também promover o passo dos conhecimentos da Memória Academicista para a Memória Semântica. Para argumentar como a memória perceptiva e as aprendizagens anterio- res condicionam a nova aprendizagem,assim como para explicar as possíveis distâncias entre o que se ensina e o que os alunos aprendem, Johnstone (1999, apud Galagovsky e Rodriguez, 2003) propõe utilizar o modelo de aprendiza- gem que é mostrado no Esquema 03, a seguir: 1 A implicação do conceito (informação) como representativo (protótipo) de uma família se discute no capítulo sobre aprendizagem significativa. 75 F I L T R O P E R C E P T U A L Interpretar Acomodar Comparar Guardar Preparar Por vezes, muito relacionada. Por vezes, fragmentada. Guardar Recuperar Memória de Longo Prazo Memória de Trabalho Circuito de retroalimentação do filtro perceptual Eventos Observações Instruções Esquema 03 – Modelo de aprendizagem de Johnstone (1999) Fonte: Galagovsky, Rodriguez, Stamati e Morales (2003, p.108) Segundo Galagovsky et al. (2003, p.18), o modelo de Johnstone apoia-se nas premissas a seguir: a) as percepções que o sujeito registra por meio dos sentidos não são objetivas, estando filtradas e interpretadas de forma idiossincrática; b) dar sentido a algo é relacioná-lo com o que já é conhecido ou em que se acredita; c) o que está armazenado na memória de longo prazo (M.L.P.) é o que sabemos, é ela quem controla a significação que damos às novas informações sensoriais que recebemos, ou seja, é o nosso próprio filtro; d) a memória de trabalho (M.T.) é a parte de nossa atividade mental, através da qual, conscientemente, prestamos atenção a uma situação dada e pensamos sobre ela. É a memória que se fixa na percepção do que tem entrado no sistema de informação procurando outorgar-lhe sentido; e) a M.T. tem duas funções: uma é manter momentaneamente a informa- ção no foco de atenção da memória de curto prazo (M.C.P.) e a outra é dar formato a essa informação para que seja armazenada, utilizada ou descartada. Essa memó- ria de trabalho tem capacidade limitada, e é saturada se a quantidade de informação ultrapassar suas possibilidades ou se o processamento for complicado demais; 76 f) uma informação que satura ou sobrepassa a capacidade da M.T. do su- jeito não poderá ser processada. Para os autores, esse modelo tem sido utilizado para explicar processos de aprendizagens nas ciências, em especial a construção de representações, que se vincula a três níveis (Esquema 04), que formam um triângulo: o nível macroscópico, o nível submicroscópico e o nível simbólico. · O nível macroscópico corresponde-se com as representações mentais construídas a partir das experiências sensoriais diretas. · O nível submicroscópico relaciona-se com as representações abstratas, com os modelos que se tem na mente o “expert” na área disciplinar. Exemplo: o modelo de partículas das substâncias. · O nível simbólico expressa os conceitos por fórmulas, equações químicas, físicas, matemáticas, gráficas, etc. Esquema 04 – Os níveis aos quais se vincula a construção de representações nos processos de aprendizagens das ciências Uma reação química pode ser explicada em cada um dos três níveis. No nível macroscópico, como descrição da situação empírica, é utilizado o conhe- cimento declarativo, podendo-se explicá-la, também, pelo modelo de partículas. No nível simbólico, representa-se a reação química por equações e palavras. Segundo Galagovsky et al. (2003), os professores, ao explicarem em cada nível, devem considerar as demandas que a memória de trabalho (M.T.) dos alunos pode suportar, a fim de facilitar o processamento da informação. Existe uma tendência dos alunos para explicar esse fenômeno químico no plano macroscópico, pois não dispõem dos recursos simbólicos, no plano mental, para a compreensão das reações químicas. Diversos modelos têm sido propostos para demonstrar como os indivíduos processam informações, desde a perspectiva da psicologia cognitiva. Um dos modelos de processamento da informação foi desenvolvido por Atkinson e Shriffin NÍVEL MACROSCÓPICO NÍVEL SIMBÓLICO NÍVEL SUBMICROSCÓPICO 77 (1968), (Esquema 02), em que se propõe que a informação é processada e arma- zenada em três etapas: memória sensorial, memória de curto prazo e memória de longo prazo. Esquema 02 – Modelo de processamento da informação de Atkinson e Shriffin (1968) A aprendizagem efetiva depende das capacidades que têm os sujeitos para dar significado às experiências, como estímulos do meio exterior. Para Escoriza (1998), os processos cognitivos implicados na interpretação das experiências, nos contextos específicos, incluem: · atenção aos aspectos selecionados (atenção seletiva); · identificação e interpretação da informação (percepção); · organização da informação de forma tal que possa ser lembrada (memória); · reconstrução da informação em níveis superiores e mais complexos para sua aplicação na solução de problemas (representação do conhecimento). informação resposta ao estímulo Memória de Longo Prazo Memória de Curto Prazo Informação Esquecimento Repetição Memória Sensorial Estímulo INFORMAÇÃO QUE PERMANECE NA M.C.P I n f o r m a ç ã Ativação Elaboração e codificação Processamento inicial E s q u e c i m e n t o . 78 A teoria dos esquemas como processamento da informação A teoria dos esquemas procura elaborar descrições para os processos cognitivos dos sujeitos como uma das formas de superar as limitações do condu- tismo. É uma teoria baseada no princípio da “caixa branca”, uma vez que procura modelos explicativos que explicitem como se produz a aprendizagem na mente dos sujeitos. Tem como princípio considerar o sujeito como um “ente que processa a informação”, baseada na analogia do sujeito com os computadores. Dessa forma, a aprendizagem é resultado da geração de “esquemas mentais” como conseqüên- cia do processamento da informação no sistema cognitivo. Segundo a teoria dos esquemas como processamento da informação, o sistema cognitivo do sujeito se estrutura em: · um sistema de entrada da informação; · uma base de dados na qual se disponibilizam a informação e as regras para trabalhar essa informação; · a saída da informação. De acordo com essa teoria, o conhecimento é resultado do processamento da informação e se organiza em redes de proposições constituídas por esquemas. Os esquemas se formam como conseqüência da interpretação que os sujeitos dão às situações específicas e são as “teorias” dos sujeitos relativas às suas experiências. O processo de formação de esquema obedece a leis associativas, e o desenvolvimento cognitivo produz-se por acúmulo de novas informações. Para Luffiego (2001), o conhecimento é toda informação gerada pelo cérebro, o que fica nele e que pode ou não ser manifestado. O conhecimento possui um significado que contém os esquemas (as representações e os conceitos). Os esquemas são representações cognitivas, nos quais estão os conheci- mentos que se tem do mundo (adquiridos pela experiência como os outros), em diferentes situações e por nossa experiência individual. São recursos cognitivos para interpretar a informação, possibilitando ao sujeito relacionar-se com o mundo. O esquema possibilita a seleção das informações, ou seja, o sujeito seleciona a informação que é consistente com seus esquemas. Nos processos de codificação e recuperação, os esquemas possibilitam a seleção, abstração e interpretação das informações. Como características comuns aos esquemas, podemos relacionar as seguintes: · são pacotes de informações genéricas e flexíveis a várias situações; · são unidades cognitivas de alto nível de abstração, como entidades con- ceituais complexas e sistêmicas; · são relacionados uns com os outros, ou seja, são estruturas organizadas; · têm caráter multifuncional; · são estruturas do conhecimento e da ação. 79 Os autores fazem vários tipos de classificação de esquemas. Assim, por exemplo, pode-se falar de: · esquemas visuais; · esquemas situacionais; · esquemas sociais; · esquemas de sucesso; · esquema de soluçãode problemas, etc. Na aprendizagem como processamento de informação, o aluno apresenta um papel ativo e consciente na validez de seus conceitos e dos processos, para dar significado à informação, dependente dos conteúdos informativos. O processo de aprendizagem Para o processamento de informação, a aprendizagem é o resultado das mo- dificações provocadas nas representações da memória pela aquisição de novos conteúdos, assim como pela ativação e aplicação do conhecimento existente (Sierra e Carretero, 1996). Segundo a Teoria dos esquemas, a aprendizagem é um processo contínuo de incremento do número de esquemas preexistentes e do aperfeiçoa- mento desses esquemas. Rumelhart (1984, apud Sierra e Carretero, 1996) considera que a aprendizagem pode acontecer por acréscimo, reestruturação e ajuste. · Aprendizagem por acréscimo – aprende-se por acréscimo quando não é preciso modificar os esquemas existentes para codificar os conteúdos da informa- ção; nesse processo, não se geram novos esquemas. A codificação resultante pro- duz um novo vestígio de memória que, posteriormente, serve de chave para reconstruir o input original. O conhecimento assim adquirido modifica o esquema, na medida em que o capacita a responder questões anteriormente desconhecidas; por isso diz-se que o sistema aprendeu algo novo. Essa é a forma de aprendiza- gem mais comum e a menos profunda, uma vez que não exige a criação de novos esquemas ou a modificação dos já existentes. · Aprendizagem por reestruturação – aprende-se por reestruturação quando a aquisição de novos conteúdos exige a reorganização dos esquemas exis- tentes ou a criação de novos. É uma aprendizagem produzida por intermédio de dois mecanismos: por indução (quando se aplicam regras de inferência), ao detec- tar-se que uma dada configuração do esquema acontece simultaneamente; e por geração de padrões (quando se utilizam velhos esquemas). Nesta última, criam-se novos esquemas de conhecimento a partir dos já existentes. Exemplificando: quando o aluno recorre às analogias para compreender e adquirir novas informações que levam a reestruturar o esquema anterior. · Aprendizagem por ajuste – aprende-se por ajuste quando mudanças são introduzidas nos valores das partes variáveis dos esquemas, para poder pro- cessar a informação. 80 A aprendizagem é um processo gradual que envolve, de forma simultânea, o acréscimo, a reestruturação e o ajuste, mas a importância de cada um varia segun- do as especificidades temporais da informação. No início da aprendizagem de uma área de conteúdos conceituais, predomina o acréscimo. O acúmulo de conhecimen- tos poderá levar à reestruturação dos esquemas para uma terceira etapa, que por acréscimo dos esquemas gerados, levará ao seu ajuste progressivo. Existem três formas de evolução ou mudança nos esquemas, de acordo com Norman e Rumelhart (1975, p.137). a) Melhorando a precisão. Uma forma de aprendizagem por ajuste consiste em precisar os valores que podem tomar as partes variáveis do esquema. Mediante a especificação dos conceitos, que se associam às variáveis com melhor exatidão, as aplicações dos esquemas são cada vez mais precisas. b) Generalizando a aplicação. Uma segunda forma de aprendizagem por ajuste consiste em substituir uma variável do esquema, com valores fixos ou cons- tantes, por outra com valores opcionais. Isso faz com que o esquema amplie sua categoria de aplicação a situações e conceitos semelhantes aos quais representa. c) Especializando a aplicação. Outra forma de aprendizagem por ajuste consiste em restringir o nível de aplicação dos esquemas, ou limitando os valores que podem tomar algumas de suas variáveis, ou substituindo variáveis com valores opcionais, por outras com valores fixos ou constantes. As estratégias de aprendizagem dos alunos estão relacionadas ao sucesso no processamento da informação. Essas estratégias constituem processos de tomada de decisão, nos quais os alunos selecionam e recuperam os conhecimentos neces- sários para cumprimento de uma tarefa e objetivos específicos. As estratégias de aprendizagem são explicadas pelos principais processos cognitivos do processa- mento da informação: aquisição, codificação e recuperação, em relação às seqüên- cias integradas de procedimentos mentais que facilitam esses processos cognitivos. Limitações das teorias do processamento da informação O Processamento de Informação, assim como as demais teorias explica- tivas da aprendizagem, possui limitações que precisam ser mencionadas (Pérez Gómez, 1998). 1ª) A debilidade do paralelismo entre a máquina e o homem, pois, por mais que uma máquina realize um trabalho inteligente, isso não significa que o faça igual ao ser humano. Além do mais, no computador não existe mais do que o sis- tema computacional (um sistema algorítmico de representações simbólicas e re- gras ou instruções de atuação), enquanto que no homem existe a consciência, o conhecimento do que conhece e do próprio ato de conhecer. 2ª) A ausência de vida afetiva. Nesse modelo, não existe a dimensão ener- 81 gética da conduta humana, ou seja: as emoções, os sentimentos, os desejos, etc. De acordo com Piaget e Inhelder (2002), esse aspecto está presente e implícito em toda ação, constituindo esta última o cerne de todo o desenvolvimento humano, e o ponto central de sua teoria. Não se pode entender a aprendizagem escolar igno- rando parcela importante do comportamento do aluno no grupo social da aula. 3ª) A exigência metodológica derivada da metáfora do computador e da pretensão de comparação experimental das hipóteses restringe o modelo à análise de um tipo de comportamento aparentemente racional. 4ª) Suas propostas têm uma orientação puramente cognitiva, ignorando a dimensão executiva e comportamental do desenvolvimento humano. Gómez e Sanmarti (1996, p.162) apontam as seguintes críticas às teorias do processamento da informação: · não apresentam uma visão global do pensamento humano; · a analogia do sujeito com um computador limita os pressupostos do modelo. Os problemas que o sujeito resolve são diferentes dos problemas que o computador resolve. A mente humana procura informação e elabora respostas que levam em conta suas metas; assim, pode aprender estratégias de aprender. O computador é um receptor passivo que processa informações codificadas, responde de forma simbólica e precisa da modificação do programa para mudar de estratégia; · não explica como o processamento da informação no sujeito se afeta pelos fatores afetivos, que têm um papel importante na aprendizagem humana; · o paradigma do processamento da informação absolutiza o conheci- mento humano como produto da percepção, da recepção, do armazenamento (memória) e de recuperação da informação. Dessa forma, não valoriza o caráter subjetivo da aprendizagem humana. É um enfoque no qual o ensino e a apren- dizagem estão fundamentalmente no acúmulo de informações. Não obstante as limitações do modelo de processamento de informação, não há dúvidas quanto à sua importância como uma referência para se entender a aprendizagem e a conduta inteligente do homem e, naturalmente, para a elabora- ção de teorias e práticas didáticas. A informação codificada é armazenada e a utili- zação da informação só é eficaz quando o seu acesso for pertinente no momento oportuno. O processo de recuperação apropriado da informação é essencial na aprendizagem; no entanto, a recuperação da informação depende do modo como a informação foi armazenada na memória. Conseqüentemente, os processos de arma- zenamento e recuperação da informação caminham lado a lado (Soares, 1997), e são objeto de ativação nos processos de aprendizagem. Conclusões A aplicação da Teoria dos Esquemas na aprendizagem dos alunos é conve- niente como modelo, uma vez que ela procura explicar as diferenças dos esque- 82 mas que a mente produz e que caracterizam o conhecimento científico e o conhe- cimento do cotidiano. Essas duas formas de conhecimento têm estrutura e orga- nização diferente e apresentam como resultado o fatode os alunos, por vezes, demonstrarem dificuldades para ativar esquemas apropriados face a situações no- vas. Os processos de atuação dos esquemas depende, dentre outros fatores, da concordância entre um esquema prévio e a nova informação. (Campanario, 2004). Quando essa relação resulta difícil de estabelecer, a aprendizagem não é signi- ficativa. Os estudos da psicologia cognitiva, baseados no processamento da infor- mação, têm apontado para quatro atitudes que diferenciam a execução experta, competente, num domínio dado. Essas quatro categorias são: · conhecimentos básicos em domínios específicos, bem organizados e acesso flexível, relativo a fatos, conceitos, princípios, regras, etc., que constituem os con- teúdos básicos da matéria; · estratégias heurísticas para a análise de problemas que possam incremen- tar a probabilidade de encontrar as soluções corretas, pois induzem a enfoques sistêmicos para a solução; · metacognição; · componentes afetivos, como crenças, atitudes e emoções relacionadas com a matéria, objeto da aprendizagem. Dessas categorias que norteiam a aprendizagem dos sujeitos competentes (experts), podem-se deduzir algumas estratégias de ensino que facilitam a apren- dizagem, tais como: · uso de mapas e redes conceituais; · solução de problemas contextualizados; · metacognição; · motivação pela aprendizagem; · uso de projetor para o trabalho em grupo, etc. Face às críticas ao processamento da informação, os paradigmas constru- tivistas assumem o pensamento como resultado de uma atividade entre os sujeitos e o contexto, ou seja, um processo social, culturalmente situado e contextualizado. Diferentemente do processamento de informação, para o qual a aprendizagem é uma construção ativa e individual do aluno, nas perspectivas construtivistas, esses processos resultam da transformação do conhecimento como construção e não como aquisição. Referências ATKINSON, R. SHRIFFIN, R. “Human memory: a proposed systemand its control processes. 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Em termos de contribuições psicológicas, devem ser ressaltados os traba- lhos de Piaget (1997), no sentido de que a inteligência atravessa fases qualita- tivamente distintas; de Vigotsky (1998), ao enfatizar que o conhecimento é um produto da interação social e da cultura, concebendo o sujeito como um ser emi- nentemente social, e de Ausubel (1978), ao evidenciar a importância das idéias que os sujeitos trazem para a construção do conhecimento. Para os teóricos mencionados, aprender é um processo de construção de novos significados, de atribuir novas representações para o objeto de estudo. O construtivismo sustenta a idéia de que o homem, tanto nos aspectos cog- nitivos e sociais do comportamento como nos afetivos, não é um mero produto do ambiente nem um simples resultado de suas disposições, mas sim uma construção da interação ativa deste com o ambiente em que vive. O conhecimento, portanto, não é uma cópia da realidade, mas uma construção humana. Buscaremos neste capítulo apresentar algumas considerações iniciais acer- ca do construtivismo no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática (que serão discutidas com mais detalhes em outros capítulos), procurando apontar os elementos comuns às diferentes discussões sobre o construtivismo, pois, para sermos precisos, deveríamos falar de “construtivismos”. Inicialmente, lançare- mos um breve olhar pela história do ensino das Ciências da natureza, de modo 85 a situar o surgimento do construtivismo como um paradigma que orienta o en- sino-aprendizagem; em seguida, discutiremos questões importantes acerca do construtivismo, auxiliando a compreensão sobre o seu sentido no ensino das Ciências e da Matemática, o que nos ajudará a entender a aprendizagem dos alu- nos. No tópico seguinte, apresentaremos uma breve discussão relacionada ao construtivismo e à matemática e, finalmente, apontaremos algumas estratégias de ensino que podem subsidiar o processo de construção do conhecimento cien- tífico por parte dos alunos. 1. Ensino de Ciências: situando o construtivismo No Brasil e em outros países do mundo Ocidental, o ensino de Ciências, no período de 1950 a 1960, foi bastante influenciado pelas transformações decor- rentes da Segunda Guerra Mundial, como a industrialização, o desenvolvimento tecnológico e científico, tendo como um importante marco o lançamento da Sputinik, em 1957 (Krasilchick, 1987). A partir desse período, para o ensino de ciências, que, na maioria das escolas, era teórico, livresco, memorístico, passam a ser exigidas algumas modificações, como a incorporação nos currículos de Física, Química e Biologia das descober- tas nessas áreas, bem como a introduçãode métodos ativos em que preponderava o uso de laboratório. Figura 01 – O ensino memorístico e livresco procura ser substituído por uma metodologia ativa Essa tendência de propor uma metodologia ativa, segundo Gil (1993), mar- ca a década de 1960-1970, no contexto anglo-saxão, conhecida como ensino por descoberta, que se centrava na realização de atividades em que os alunos traba- lhavam de modo autônomo. Na tentativa de superar a metodologia predominante no ensino-aprendizagem 86 de Ciências até então marcado pela transmissão-recepção de informações, a aprendizagem por descoberta, ao contrário do que se esperava, passa a ser alvo de muitas críticas por vários pesquisadores, em virtude de limitações apresentadas ao ensino de Ciências, entre as quais podemos destacar a visão distorcida sobre a ciência e trabalho dos cientistas que eram transmitidos aos alunos. Hodson (1992), por exemplo, destaca que as limitações em relação a esse tipo de aprendizagem vão além do campo epistemológico. Esse autor ressalta que os alunos não irão por si só descobrir conceitos científicos, pois eles estão envol- vidos na aprendizagem de um dado aspecto do conhecimento científico (fatos esta- belecidos), o que caracterizaria, portanto, a redescoberta, em que é importante a mediação do professor. As críticas ao ensino por descoberta conduziram a um novo olhar para o ensino por transmissão. Em tal perspectiva, sobressaem-se os trabalhos de Ausubel (1978) e Novak (1979 apud Gil, 1993), que apontam como positiva a metodolo- gia caracterizada pela transmissão-recepção de informações, desde que as novas informações estejam relacionadas significativamente com os conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva do sujeito. Nessa perspectiva, Gil (1993) considera que os trabalhos de Ausubel têm uma importante contribuição, tanto em relação a uma fundamentação teórica que questiona a visão reducionista do ensino por descoberta (pois não há garantia de que os conceitos a serem descobertos serão significativos para o sujeito) quanto na apresentação de um modelo coerente baseado na transmissão-recepção. Por outro lado, as questões discutidas por Ausubel (1978) receberam im- portantes críticas, pois se observou que os alunos apresentavam erros conceituais em conteúdos de ciências, remetendo à necessidade de se repensar o processo de ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção de informações. Inicialmente, as investigações eram centradas em evidenciar a extensão e natureza dos erros conceituais, bem como na necessidade de desenvolver estraté- gias que superassem os resultados decorrentes desses erros. Posteriormente, as pesquisas buscaram explicar a existência de idéias prévias sobre os temas científicos antes de os estudantes estarem inseridos na instituição escolar (Gil, 1993). Na década de 1970, inicia-se uma série de pesquisas em relação às concepções alternativas dos estudantes ou idéias prévias, norteadas por questões que carac- terizam essas idéias, as quais destacamos no Esquema 01. 87 Esquema 01– Características das idéias prévias As idéias prévias são consideradas como provenientes das experiências cotidianas dos alunos, tanto em relação às suas experiências físicas como às so- ciais referentes à constituição de um conhecimento pré-científico, e/ou origi- nadas a partir do próprio contexto educativo (Gil, 1993). As questões citadas acima ratificam todas as fragilidades discutidas, tanto as do ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção quanto aquelas nor- teadas pela descoberta, pois as idéias prévias, tão enraizadas nas estruturas cog- nitivas, não são resgatadas nesses modelos de ensino e sua permanência, de acordo com Bachelard (1996), podem constituir-se em obstáculos epistemológicos à cons- trução do conhecimento. Esse autor esclarece que os obstáculos epistemológicos são subjetivos, pois normalmente estão relacionados a crenças, geralmente incons- cientes, que os sujeitos têm e que impedem de avançar em seus conhecimentos. Esses obstáculos enraízam-se em diversas fontes, como as primeiras experiências infantis, o processo de ensino-aprendizagem durante a educação escolar, etc. O movimento das concepções alternativas ou idéias prévias sinaliza para a necessidade de uma concepção diferenciada às já adotadas para o processo de ensino-aprendizagem, de modo a subsidiar a mudança das concepções prévias dos estudantes pelo conhecimento científico. Uma das propostas é a de Posner et al. (1982), conhecida como mudança conceitual, que se fundamenta no paralelismo existente entre o desenvolvimento conceitual de um indivíduo e a evolução histórica dos conhecimentos científicos. São persistentes e dificilmente são modificadaas durante o ensino-aprendizagem tradicional Apresentam uma certa coerência interna IDÉIAS PRÉVIAS Têm semelhança, algumas vezes, com as concepções aceitas em períodos da História das Ciências São comuns a aluno de diversos meios e idades 88 Para que essa mudança ocorra, os autores destacam postulados importantes, tais como: - deve-se produzir uma insatisfação com os conceitos já existentes; - deve haver, por parte do estudante, uma compreensão sobre a nova concepção; - deve-se oportunizar momentos para que os novos conceitos sejam utilizados. Para Carretero e Limón (1996 apud Gil et al., 1999), atualmente, algumas interpretações simplistas das idéias construtivistas têm destacado que propostas baseadas na aplicação da seqüência: partir dos conhecimentos prévios dos alunos; proporcionar conflitos cognitivos e mudar as idéias iniciais resolveriam muitos dos problemas educativos. É importante, porém, ressaltar que essas estratégias, que, na atualidade, aparecem como fórmulas simplistas, não foram apresentadas por seus autores de uma forma tão esquemática (Posner et al., 1982; Pozo, 2002). Apesar de apresentar avanços em relação ao ensino baseado na transmissão- recepção de informações, algumas críticas são feitas em relação à mudança con- ceitual. Os estudos de Gil (1993), por exemplo, têm mostrado que algumas idéias prévias são resistentes a mudanças e em outros casos concepções que foram tidas como superadas, reaparecem. Gil (1993) ressalta que se olharmos historicamente a construção do conhe- cimento na ciência, a mudança conceitual não ocorreu de modo fácil e, assim, é óbvio que essa mudança não acontecerá de maneira fácil com os estudantes. É necessário propor situações em que eles possam construir hipóteses, planejar, realizar e analisar os resultados dos experimentos; portanto, a mudança conceitual deve estar associada a uma mudança metodológica que supere a forma de pensar do senso comum, de modo a aproximar-se de uma metodologia científica e não simplesmente da modificação de idéias. A perspectiva de investigação dirigida é uma proposição mais atual do para- digma construtivista, concebendo a aprendizagem como tratamento de situações problemáticas abertas que sejam interessantes para os alunos. As situações de conflito cognitivo não são geradas por um questionamento externo às idéias dos estudantes, nem pela ratificação da insuficiência do próprio pensamento com as implicações afetivas, mas por um trabalho de aprofundamento no qual as idéias tomadas como hipóteses são substituídas por outras, tão pessoais como as ante- riores. Não se trata de eliminar os conflitos cognitivos, mas de evitar que adqui- ram um caráter de confrontação entre as idéias dos estudantes (tidas como erradas) e os conhecimentos científicos (externos ao aluno e corretos). Hodson (1992) considera que os alunos desenvolvem melhor a sua compreen- são conceitual e aprendem mais sobre a natureza da ciência quando participam de investigações científicas, com oportunidades suficientes para a investigação. Esse modelo, para Gil et al. (1999), permite tanto a reconstrução dos conhe- cimentos científicos, que normalmente são transmitidos já elaborados, quanto afasta a idéia de que as proposições construtivistas são simples receitas. 89 Essa breve retrospectiva, na qual foi apresentadoo movimento das idéias alternativas, o modelo de mudança conceitual e o modelo de investigação dirigida, auxilia a nossa compreensão em relação à aprendizagem dos nossos alunos de maneira diferenciada daquela proposta no ensino tradicional, baseada na trans- missão-recepção de informações, uma vez que os alunos constroem ativamente os seus conhecimentos sob determinadas condições. Nesse sentido, Rodrigo e Cubero (2000) apresentam princípios básicos das diferentes concepções construtivistas, que se podem assim resumir: - o sujeito interpreta suas experiências com base em seus próprios conhe- cimentos e é o protagonista ativo de sua aprendizagem; - a construção do conhecimento na sala de aula é um processo social e compartilhado; - o contexto influencia a construção do conhecimento e as capacidades dos alunos, porque é nele que se dá sentido à experiência e se relacionam os signifi- cados que se geram nele. Arroyo (2004) diz que o construtivismo não conta em si com um objeto de estudo, mas com premissas, como já destacamos, das obras de Piaget, Vigotsky, Ausubel e dos precursores das ciências cognitivas que contribuem com o sistema educativo com duas questões centrais: - oferece pistas importantes para compreender os processos humanos de criação, produção, reprodução de conhecimentos; - abre a possibilidade, com base na questão anterior, de desenvolver novos enfoques, aplicações didáticas e concepções curriculares em qualquer âmbito da educação escolarizada, assim como uma série de inovações dirigidas às práticas educativas. 2. Construtivismo ou construtivismos: em busca de um sentido Atualmente, na literatura referente ao ensino de ciências, encontramos publicações que discutem os sentidos que o termo construtivismo tem assumido na área educacional. Entre outros podemos destacar, Rodrigo e Cubero (2000), Galiazzi (2000), Carretero (1997) e Gil et al. (1999). Rodrigo e Cubero (2000) identificam três níveis de análise para os postula- dos dos “diversos construtivismos”: o epistemológico, o psicológico e o educativo. Esses autores destacam, inicialmente, que o construtivismo é uma perspec- tiva epistemológica que procura explicar a natureza do conhecimento, como este é gerado e como muda. O conhecimento é resultado da interação entre o sujeito e a realidade, interação esta que é necessária à construção das representações e expectativas dos sujeitos. Assim, o sujeito é quem constrói o conhecimento de forma ativa. 90 Nos sentidos psicológico e educativo, existem diferentes expressões, tais como o construtivismo piagetiano, o construtivismo cognitivo (baseado na teoria dos esquemas e no processamento de informação); o construtivismo sociocogni- tivo; o enfoque sociocultural; a aprendizagem significativa e a teoria da constru- ção do conhecimento em domínios específicos. Galiazzi (2000, p.151) aponta uma multiplicidade de significados, citando quinze acepções construtivistas diferentes, destacando que [... ] existem vários construtivismos. E em todos os campos teóricos entendo-os como um modo de pensar sobre como ocorre o conhecimen- to no indivíduo, no grupo, na pesquisa, na sala de aula. Em todos os domínios é uma referência, não um modelo. É um ponto de partida não de chegada. [...] cada professor constrói o seu modelo construtivista de ser professor e este modelo não é estático, pode ser testado, reformu- lado, construído e reconstruído. A multiplicidade de perspectivas construtivistas também é assinalada por Carretero (1997), ao ressaltar três tendências que apresentamos no Esquema 02. Esquema 02 – Diferentes perspectivas construtivistas encontradas na literatura (Carretero, 1997) Carretero (1997) destaca que a perspectiva individual (Esquema 02) é influenciada pela visão de Piaget, Ausubel e da Psicologia Cognitiva, ao se basear na idéia de um indivíduo que aprende à margem de seu contexto social. A perspec- tiva coletiva é sustentada por pesquisadores que adotam uma posição vigotskyana radical que, na atualidade, conduziu a posições como a “cognição situada” (em um contexto social), que enfatiza o social. A terceira perspectiva integra as dimen- sões coletiva e individual, sendo influenciada por construtivistas que podem ser considerados “a meio caminho” entre as postulações piagetianas, cognitivas e vigotskyanas. Neste texto, enfatizamos a relevância da terceira perspectiva, por conce- ber a aprendizagem como um processo que depende das dimensões individual e Perspectiva Individual Perspectiva Coletiva Perspectiva Coletiva e Individual CONSTRUTIVISMO 91 coletiva. Assim, a aprendizagem não ocorre apenas no social, ainda que se atri- bua uma importância significativa à linguagem e à cultura. Buscando questões que subsidiem a compreensão da orientação construti- vista, apresentamos as considerações de Driver e Oldham (1986), ao destacarem quatro características em relação ao processo de aprendizagem apoiando-se em uma posição construtivista: – os estudantes têm suas idéias explicativas sobre os fenômenos físicos e químicos, mesmo antes de chegarem à escola; – a mudança conceitual produzir-se-á em uma situação na qual as idéias não conseguem explicar o fenômeno. A nova teoria será formada por reestrutu- ração da teoria prévia e deve superá-la quando estabelecer novas e melhores rela- ções entre as idéias; – a aprendizagem ativa de significados supõe uma seqüência de situações de equilíbrio e desequilíbrio ou de conflito cognitivo, embora seja importante des- tacar que nem todos os conflitos cognitivos conduzem a uma re-estruturação da teoria inicial; – o aluno deve ser protagonista de sua própria aprendizagem e isso deve manifestar-se necessariamente em sua tomada de consciência e na existência de um conflito cognitivo. Embora esta seja uma condição necessária, não é sufi- ciente, porque falta determinar quais são os processos que intervêm na solução do conflito para que este gere compreensão. Contribuindo ainda nessa direção, Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig, 1996) aponta dois princípios básicos em relação ao pensamento construtivista, que são apresentados na Figura 02. Figura 02 – Princípios básicos em relação ao pensamento construtivista Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig, 1996) O aluno constrói formas próprias de ver e explicar o mundo, o que é diferente de se pen- sar por meio de sua atividade. O aluno redes- cobre os conceitos e teorias próprias da ciência A aprendizagem é mais uma conse- qüência de um processo mental do que de um acúmulo de informações 92 As considerações feitas anteriormente ressaltam a importância de que nas aulas de ciências: 1) haja a participação ativa dos alunos nas atividades propostas pelo professor; 2) o professor conheça as idéias que os alunos trazem para a escola, de modo a subsidiar a organização de atividades que auxiliem à aprendizagem dos alunos e 3) haja a relevância do diálogo para o avanço da aprendizagem. 3. Construtivismo no ensino de Ciências: uma reflexão sobre as estratégias de ensino Para Moliné e Puig (1996), o professor, durante as aulas de ciências, deve organizar atividades relevantes para a aprendizagem dos alunos e acompanhar o trabalho destes nas diferentes fases da seqüência planejada. Considerando essa visão, é importante que o professor possa propor estratégias que subsidiem a construção do conhecimento por parte dos seus alunos nessas aulas. Em Driver e Oldham (1986), encontramos contribuições nesse sentido, quando sinalizam algumas questões importantes que devem ser consideradas no ensino-aprendizagem em ciências: – encontrar as idéias anteriores dos alunos e determinar as relações neces- sárias entre o que se vai ensinar e o que alunos já sabem, visto que os nossos alunos não são tábulas rasas; – encontrar os pontos de vista alternativos dos alunos, apresentando outras considerações, de tal forma que fiquem estimuladosa reconsiderarem ou modifi- carem tais pontos de vista e possam encontrar sentido para estabelecer relações; – encontrar os significados e conceitos gerados pelos alunos, já que a partir de seus conhecimentos, de suas atitudes, habilidades e experiências pode-se subsi- diá-los a gerar novas significações e conceitos que sejam de utilidade pessoal. Sanmartí (1993 apud Moliné; Puig, 1996) apresenta fases para organização de atividades, de acordo com uma orientação construtivista, que podem nortear a organização das atividades nas aulas de ciências, conforme o Esquema 03. 93 Esquema 03 – Fases para organização de atividades Fonte: (Sanmarti, 1993 apud Moliné; Puig, 1996) Na fase de exploração, é importante que o professor conheça o que os alu- nos compreendem sobre o tema a ser estudado, a linguagem que utilizam, os racio- cínios que aplicam, etc. As perguntas contextualizadas e abertas podem ser boas atividades de exploração, sempre que sejam acompanhadas de discussões em pequenos grupos e finalmente na totalidade do grupo. A fase posterior tem por objetivo provocar a evolução do pensamento do aluno, mediante as confrontações, o uso de analogias e a introdução de novos pon- tos de vista por parte do docente e dos alunos, subsidiando os alunos a integrarem conceitos e procedimentos que se aproximam dos utilizados na ciência. A fase de estruturação e formalização objetiva encontrar uma imagem men- tal ou uma estratégia operativa ou matemática, que podem ser figuras geométri- cas, características comuns de uma série, proporcionalidades, etc. Para facilitar a estruturação e formalização do conhecimento, existem instrumentos muito úteis, como os mapas conceituais e, em geral, qualquer instrumento de resumo ou síntese construído pelo aluno, visto que se pretende que este reconheça o que sabe e o que não sabe. A última fase relaciona-se com o fato de que, ao acontecer uma aprendi- zagem significativa, o aluno pode aplicar seus conceitos reestruturados a novas situações, bem como compará-los com o conceito inicial, a fim de reconhecer seu progresso e avaliar as vantagens da nova posição. 1 – FASE DE EXPLORAÇÃO 2 – FASE DE INTRODUÇÃO DE NOVOS PONTOS DE VISTA 3 – FASE DE ESTRUTURAÇÃO E DE FORMALIZAÇÃO 4 – FASE DE APLICAÇÃO E AVALIAÇÃO 94 É importante conceber essas considerações como orientações que po- dem auxiliar a construção do conhecimento por parte dos alunos e não como um algoritmo, uma receita. 4. O construtivismo, a matemática e o seu ensino A educação matemática está atualmente estabelecida em todo o mundo como importante área de estudo e pesquisa, com um grande número de produção que se tem voltado para a problemática do ensino e aprendizagem da Matemá- tica e para o próprio edifício da Matemática como ciência. Nessa perspectiva, a educação matemática tem se constituído num campo disciplinar, situado no lugar de confluência de outras áreas do conhecimento, dentre as quais podemos citar a Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Educação, a Matemática, etc. Nas três últimas décadas, uma perspectiva teórica que surgiu nessa área foi o Construtivismo. O Construtivismo tornou-se um termo amplo que abrange uma multiplicidade de teorias e concepções de conhecimentos, de aprendiza- gem, criando uma zona densa de significados. Podemos afirmar, então, que é um termo polissêmico. Em virtude da necessidade de uma análise crítica mais cuida- dosa e elaborada a respeito das várias concepções, sob a égide construtivista, os currículos educacionais estruturados sob suas orientações a respeito da realidade, conhecimento e valor podem apresentar dissonâncias internas. Olhando-se o Construtivismo sob a ótica da Filosofia e de uma perspectiva interna, seus procedimentos divergem quando são colocadas questões sobre a realidade à qual o conhecimento se refere. Questões do tipo: a linguagem repre- senta a realidade? Representa a construção do conhecimento ou o conhecimento em construção? O social é o real? Como conhecer o social? A realidade é cons- truída? As respostas a essas questões são divergentes, dependendo da perspectiva teórica ou concepção que se assume sobre o Construtivismo. Em meio à ampla diversidade de concepções consideradas como constru- tivistas, voltaremos nosso foco, inicialmente, para o Construtivismo Radical e sua versão para o ensino da matemática, uma vez que é uma das tendências constru- tivistas de maior influência num meio acadêmico educativo. Reservaremos uma atenção particular às posições e aos trabalhos de Ernst Von Glasersfeld, como re- presentante largamente reconhecido, tanto pela sua produção teórica como pelas influências que esta tem no ensino da Matemática. O Construtivismo Radical é uma abordagem não convencional dos proble- mas do conhecimento e do ato de conhecer. É uma posição teórica que implica a reconstrução radical dos conceitos de conhecimento, verdade, comunicação e entendimento, sendo abertamente instrumentalista. Substitui a noção de verdade (como representação verdadeira de uma realidade independente) pela noção de viabilidade dentro do mundo experiencial dos sujeitos (Glasersfeld, 1995). O autor parte da posição de que o conhecimento, independentemente da forma como for 95 definido, está na cabeça das pessoas e o sujeito pensante não tem alternativa se não construir o que já conhece com base na sua própria experiência. Aquilo que faze- mos da experiência constitui o único mundo onde vivemos de maneira consciente. O Construtivismo Radical é uma perspectiva teórica sobre o modo de co- nhecer com muitas potencialidades. Uma delas é que assume uma posição céptica em epistemologia que incorpora uma visão falibilista da Matemática. Os céticos sustentavam que o que chegamos a conhecer passa por nosso sistema sensorial, e nosso sistema conceitual nos brinda com um quadro ou imagem, mas, quando queremos saber se este quadro ou imagem é correto, se é uma imagem verdadeira de um mundo externo, ficamos completamente confusos, já que, cada vez que contemplamos o mundo externo, o que vemos é visto de novo através do nosso sistema sensorial e nosso sistema conceitual. Assim, não temos maneira de chegar ao mundo externo senão por meio de nossas experiências dele. Para os céticos, não havia nenhum problema em que a ciência criasse modelos racionais, mas sempre seriam modelos de nosso mundo de experiência e não do mundo real. Para a visão falibilista, a matemática é uma atividade humana, imperfeita e sujeita a erros, que cresce através de críticas e correções em um constante refinamento. FIigura 03 – O conhecimento matemático é passível de erros e sujeito à refutação Desde a Grécia Antiga, a Matemática tem se desenvolvido lado a lado com a Filosofia, sendo fonte de inúmeras questões debatidas pelos filósofos. A Filosofia da Matemática, portanto, é um ramo da Filosofia que reflete sobre a Matemática e lança perguntas tais como: qual é a natureza do conhecimento matemático? E qual é a natureza da verdade na Matemática? Em que se fundamenta? As várias respostas a essas e outras questões dão origem às diversas visões filosóficas sobre a Matemática. O Esquema 04 a seguir mostra, segundo Ernest (1991a) como essas visões podem ser agrupadas. ???? 96 Esquema 04 – Visões filosóficas da Matemática segundo Ernest (1991) Segundo a visão absolutista, “o conhecimento matemático é feito de ver- dades absolutas e representa o domínio único do conhecimento incontestável” (Ernest, 1991a, p.7). A visão falibilista, por outro lado, considera o conhecimento matemático falível, isto é, não estático, muda, é corrigível e está em contínua expansão, como qualquer outro tipo de conhecimento humano. Entre as concepções absolutistas, que vêem a Matemática como o domínio do conhecimento incontestável, Ernest (1991a) aponta o platonismo, o logicismo, o intuicionismo e o formalismo. Figura 04 – Nas concepçõesabsolutistas, a Matemática apresenta a verdade sobre o mundo de forma irrefutável Na perspectiva falibilista – sustentada pelas idéias de Lakatos e, mais recentemente, por Davis, Hersh e Tymockzo –, a Matemática é uma atividade humana imperfeita e sujeita a erros, que cresce através das críticas e correções feitas pela comunidade matemática. Nessa concepção filosófica, provar um teo- rema é um processo contínuo que inicia com uma conjetura e parte para uma prova provisória, que será refutada por contra-exemplos. Assim, a conjetura ini- cial vai sendo refinada. Visões Filosóficas sobre a Matemática Falibilista Absolutista 97 O processo de criação de uma prova matemática é social, na medida em que os vários passos da demonstração vão sendo criticados pela comunidade (professores, alunos e colegas). É nessa perspectiva que a orientação do Constru- tivismo Radical tem influenciado fortemente essa visão falibilista da Matemática. Em Ernest (1991b, 1996a), o autor sugere as possíveis relações entre as concepções filosóficas e as posturas pedagógicas, sendo que a oposição entre as visões absolutista e falibilista é apresentada como a contraposição respectiva entre o ensino de Matemática como produto e como processo. Na abordagem absolutista, o ensino é centrado no conteúdo; o professor en- fatiza a beleza das demonstrações, exige a prova de todos os resultados, justifica o uso de determinados algoritmos, enfim, transmite um conhecimento estável, e hierarquicamente estruturado, em que cada conteúdo depende dos anteriores. Por outro lado, o ensino baseado na visão falibilista pode ser centrado na resolução de problemas; o professor não impõe a solução. Ela é buscada, em con- junto, pelo grupo de alunos que testam hipóteses e as refutam. E o conhecimento desenvolve-se a partir das correções, buscando um refinamento. Evidentemente, esta última postura pedagógica tem seus fundamentos no construtivismo, como teoria do conhecimento e da aprendizagem. Os princípios básicos do Construtivismo Radical, segundo Glasersfeld (1991) estão apresentados no Esquema 05 abaixo. Esquema 05 – Princípios que fundamentam o Construtivismo Radical (Glasersfeld, 1991) Esses princípios básicos do Construtivismo Radical emergem de forma muito evidente quando se estudam de forma cuidadosa os escritos de Piaget. Estes não podem ser adotados casualmente. Eles são incompatíveis com as noções tradi- Princípios do Construtivismo Radical O conhecimento não é recebido passivamente seja por meio dos sentidos seja por meio da comunicação. A função da cognição é adaptativa, no sentido biológico do termo, tendendo para a adaptação ou viabilidade. O conhecimento é construído ativamente pelo sujeito cognoscente. A cognição serve à organização do mundo da experiência do sujeito, não à descoberta de uma realidade ontológica objetiva. 98 cionais de conhecimento, verdade e objetividade que requerem uma ressignifi- cação radical da concepção de realidade. Assim, [...] ao invés de um domínio inacessível além da percepção e da cog- nição, a realidade torna-se agora o mundo da experiência no qual nós vivemos. Este mundo não é uma estrutura independente imutável, mas o resultado de diferenças que geram um ambiente físico e social ao qual, por outro lado, nos adaptamos da melhor forma que podemos (Glasersfeld, 1991, p.33). Dessa forma, não podemos adotar os princípios construtivistas como uma verdade absoluta, mas como uma hipótese de trabalho que pode ou não se tornar viável. O construtivismo é radical, porque rompe com as convenções e desenvol- ve uma teoria do conhecimento na qual este não se refere a uma realidade ontoló- gica, objetiva, mas exclusivamente ao ordenamento e à organização de mundo construído por nossas experiências, como defende Glasersfeld (1991). Embora os postulados, princípios e orientações do construtivismo radical não tenham uma repercussão clara na prática pedagógica, existem algumas ten- tativas de fundamentar os modelos didáticos a partir dessa perspectiva construti- vista. Concebemos, pedagogicamente, atividade construtivista de ensino como o encaminhamento didático dado ao processo construtivo de geração do conheci- mento matemático, que provoca a criatividade e o espírito desafiador do aluno para construir suas idéias sobre o que pretende aprender. É importante mencionarmos que essas atividades construtivistas, segundo o modelo proposto por Dockweiller (1996), devem-se constituir em um processo construtivo, contínuo do conhecimento, considerando os três modos de represen- tar os conceitos matemáticos: físico-visual, oral e simbólico. Dessa maneira, as representações dos conceitos matemáticos podem ser alcançadas, inicialmente, nas atividades de desenvolvimento, seguidas de atividades de conexão e finalizando com as de abstração. As atividades de desenvolvimento são aquelas que permitem ao estudante experimentar um conceito matemático e se familiarizar com as condições formais de descrição desse conceito. As atividades de conexão dão seqüência à aprendiza- gem do conceito matemático, desde que conectem as compreensões conceituais representadas física e oralmente, buscando conduzir o estudante ao processo de representação simbólica. As atividades de abstração exploram mais profundamente a representação simbólica de um conceito matemático, tendo em vista explorar a capacidade do aluno em comunicar amplamente as suas idéias matemáticas. Para ilustrar o modelo proposto por Dockweiller (1996), uma atividade inte- ressante no ensino médio seria a exploração da Relação de Euler na sala de aula: V + F - 2 = A 99 A atividade consiste em apresentar poliedros convexos para os alunos e solicitar que contem as faces, vértices e arestas dos poliedros, organizando os resultados obtidos numa tabela. Nessa oportunidade, poderão ser feitas algumas perguntas do tipo: o que é uma aresta? E vértice? E face? Qual o número mínimo de faces que formam um poliedro? Por quê? Após a tabela estar preenchida, peça aos alunos que a observem e regis- trem todas as relações entre faces, vértices e arestas que encontrarem. Pergunte a eles se seria possível, conhecendo-se os números de faces e vértices do poliedro, encontrar o número de arestas. A mesma situação-problema pode ser encaminhada com relação aos poliedros não-convexos. A idéia é que os alunos reconstruam, por meio da sua própria atividade a Relação de Euler e analisem a sua validade para poliedros convexos e não convexos. Um dos objetivos do professor neste caso é que os alunos cheguem à seguinte conclusão: todo poliedro convexo é euleriano, mas que nem todo poliedro euleriano é convexo. E ainda: a Relação de Euler não vale para todos os poliedros não convexos. Os argumentos teóricos favoráveis a essa abordagem pressupõem que o bom desempenho dos professores durante suas atividades educativas deve condu- zir os estudantes a uma construção mais dinâmica e construtiva da Matemática ensinada na sala de aula. É imprescindível então estabelecermos uma proposta de abordagem para o ensino da Matemática que integre, no processo do raciocínio do aluno, aspectos interativos contidos no conhecimento cotidiano, escolar e científico. Como estratégia de ensino e aprendizagem, a Resolução de Problemas tem, de certa forma, seus fundamentos no Construtivismo Radical. Nessa estratégia, há uma tendência em se privilegiar os problemas abertos em detrimento de simples exercícios, como vimos em capítulos anteriores, porque essa alternativa tem mais potencial para um trabalho numa perspectiva construtivista, uma vez que possibilita ao aluno momentos para desenvolver sua criatividade, a atitude de investigação, a construção do pensamento autônomo e para lidar com verdadeiros problemas. O encaminhamento metodológico perpassa, assim, aspectos teóricos rela- cionados ao processo de raciocínio matemático e à atividade matemática produ- tiva. Esse raciocínio e essa atividade configuram o modo representacional do racio- cínio matemáticosob a forma simbólica e mental as quais, interligadas entre si, geram abstração matemática. Além disso, cremos que tal movimento processual se concretiza por meio da realização de atividades matemáticas organizadas a par- tir de três componentes: intuitivo, algorítmico e formal (Mendes, 1997). Essas são, para nós, as características que devem nortear uma proposta de ensino de Matemática que fomente no estudante a prática da investigação como meio de construção do seu conhecimento. Ao se adotar com seriedade a orientação construtivista radical, devem-se operar mudanças importantes no pensamento e nas atitudes. Não é ofensivo falar de conhecimento, matemática e outros assuntos como se tais assuntos tivessem status ontológico, objetivo. Admitindo-se os princípios do Construtivismo Radical, 100 não o considerar como uma representação ou descrição de uma realidade abso- luta, mas como um possível modelo de conhecimento em seres vivos cognitivos, que são capazes, em virtude de sua própria experiência, de construir um mundo mais ou menos digno de confiança. 5. Considerações finais Não tivemos a intenção neste texto de apresentar idéias acabadas do que representa o construtivismo para o ensino de Ciências e da Matemática na atuali- dade, mas de trazer uma série de reflexões, nossas e de outros teóricos, de modo a buscar uma aproximação do que de fato representa essa categoria que permeia o campo epistemológico, psicológico e educacional. Com relação ao modo de conhecer, Glasersfeld (1991, p.18) indica que “o que quer que entendamos sobre o conhecimento, não pode mais ser a imagem ou a representação de um universo independente daquele vivido”. Sua afirmação nos faz refletir acerca da incerteza ou da verdade absoluta revestida do conhecimento matemático ensinado nas escolas. Isso significa proporcionarmos aos estudantes várias possibilidades de reflexão sobre suas ações durante as atividades de cons- trução do conhecimento matemático escolar. Nesse sentido, os estudantes devem basear-se nas suas experiências ante- riores, isto é, na base cognitiva em que se apóiam para conceber as noções mate- máticas propostas pelos professores. Sob esse ponto de vista, então, ‘fazer mate- mática’ é conjecturar, inventar e entender idéias sobre objetos matemáticos, testar, debater, revisar ou substituir essas idéias. Procuramos discutir que, em decorrência das críticas ao “ensino tradicional” e ao “ensino por descoberta”, o construtivismo assume dois princípios básicos: a) o pensamento é ativo na construção do conhecimento, conseqüentemente a aprendizagem é produto da atividade mental do sujeito e não dos acúmulos de informações e procedimentos; b) os conceitos são mais uma construção que uma descoberta. É importante ainda ressaltar que as diferentes concepções construtivistas às vezes levam a ambigüidades, quando se fala no singular “construtivismo” e se extrapola princípios das diferentes posições psicológicas à prática educativa sob a ótica de uma mistura de idéias que resulta numa referência eclética e pouco consistente (Rodrigo; Cubero, 2000). Referências ARROYO, J. C. M. El aprendizaje escolar y la metáfora de la ‘construcción’. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, 2004. Disponível em: <http: www.campus. oei.org>. Acesso em: 20 maio 2004. AUSUBEL, D. P. Psicología Educativa: un punto de vista cognoscitivo. México: Trillas, 1978. 101 BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicaná- lise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. CARRETERO, M. Construtivismo e educação. Porto Alegre: Artmed, 1997. DOCKWEILLER. C.J. Children’s attainment of mathematical concepts: a model under development. Texas: A&M Unversity, 1996, 9p. (Impresso). 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PARTE II Pensando a formação de competências e a aprendizagem no Novo Ensino Médio 104 105 OS SABERES ESCOLARES E A FORMAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS NO ENSINO MÉDIO Márcia Adelino da Silva Dias, Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho Introdução Neste capítulo, propomos uma reflexão acerca de saberes que constituem o conteúdo escolar, como recursos para o agir competente. Com esse intuito, realizamos uma discussão em relação aos significados do saber e das diferentes formas de mobilizar e contextualizar os saberes, a fim de mostrar que o saber escolar é um processo em construção e não simplesmente um produto na constru- ção das competências pelo educando. Além disso, procuramos fazer uma distinção entre conhecer e saber, destacando diferentes tipos de conhecimentos e de saberes, necessários à aprendizagem escolar. Para atingir esse objetivo, partimos da problemática atual da educação em ciências da natureza, área na qual se busca não apenas a aprendizagem de conceitos, mas a articulação destes com procedimentos e atitudes de modo que o aluno possa adquirir o saber fazer e o saber ser durante a sistematização dos conhecimentos no contexto sociocultural. 1. O papel dos conteúdos escolares segundo a nova visão de Educação em Ciências da Natureza Estamos vivenciando um período de reformas na educação básica, como resultado desse quadro, o Ensino Médio deve configurar-se como um momento em que as necessidades, as curiosidades, os interesses e os saberes doaluno deverão confrontar-se com os saberes sistematizados, resultantes do currículo escolar, no intuito de contribuir para uma educação cidadã. O processo educativo, hoje, reconhece a importância de uma maior ativi- dade do sujeito, deixando de ter como base educacional a transmissão mecânica e pouco significativa de conhecimentos curriculares, buscando atingir o desenvol- vimento pleno das potencialidades do aluno. Nessa atmosfera de mudanças, surgem importantes questões de debate em torno da nova função da escola e do espaço ocupado pelos saberes escolares na formação do aluno, bem como reflexões sobre o processo de construção dos saberes e sobre o papel dos conteúdos escolares na formação integral do aluno. 106 Diante dessa situação, convém estabelecer, em relação aos propósitos da educação em ciências da natureza, o de instigar uma reflexão sobre o lugar do conhecimento científico e a sua relação com os outros tipos de saberes. Nesse sentido, o ensino de Ciências deverá promover a articulação entre o conheci- mento escolar e os vários tipos de saberes do aluno, para que sejam superadas as dicotomias, por vezes estabelecidas nos livros, entre o conhecimento geral e o específico, entre o conhecimento científico e o do senso comum, entre a ciência e a técnica, e para que se ultrapasse a visão deturpada de que tecnologia é exclu- sivamente aplicação da ciência, de forma que a escola incorpore tanto as culturas técnica e geral quanto as experiências do aluno na sua formação plena. Sabemos que alcançar esse nível de compreensão no processo de ensino em ciências da natureza demanda tempo e que isso só ocorrerá por meio da efe- tivação de atividades caracterizadas pela interdisciplinaridade,1 pela contextua- lização2 e pelo uso de estratégias de resolução de problemas.3 Além disso, faz-se necessária a sistematização do conteúdo, dentro de uma nova visão de currículo escolar incutida numa nova cultura escolar. Dentro da perspectiva de currículo, Weissmann (1998) destaca duas visões de conteúdo curricular: · a visão tradicional – em que os conteúdos escolares limitam-se exclusi- vamente ao corpus conceitual das disciplinas que compõem o currículo, ou seja, há dicotomia entre o conteúdo escolar e as outras tipologias do conhecimento que compõem o elenco de saberes do aluno; · a visão atual – na qual os conteúdos escolares não se limitam ao aspecto conceitual, pois agregam os procedimentos, ou seja, as “habilidades, rotinas ou mecanismos empregados pelo aluno para tratar do conteúdo” (Weissmann (1998, p.33). Para a autora, trata-se de “um aprender fatos, conceitos, coisas das pes- soas, da natureza, dos objetos” (idem, p.33). Em relação aos procedimentos, a 1 Ao caráter interdisplinaridade iremos considerar como sendo as diferentes relações que guar- dam as disciplinas e conteúdos afins, favorecendo a integração de conceitos na construção do conhecimento. 2 A contextualização dos conteúdos consiste nas relações de continuidade passíveis de serem constituídas entre o conteúdo curricular e os conhecimentos detidos pelo aluno, decorrentes de sua atuação em sociedade e de suas experiências pessoais. 3 Os problemas de ensino constituem-se em formas alternativas de levar o aluno a raciocinar acerca de uma determinada situação, envolvendo os seguintes passos: 1. observação de uma situação cotidiana e identificação de um problema; 2. processamento mental e dialética entre os conhecimentos adquiridos na escola e os conhecimentos prévios; 3. busca de soluções práticas e 4. resolução do problema. O uso de problemas envolve os esquemas mentais e a (re)significa- ção de saberes na busca de solução de problemas da vida prática (saber fazer). Convém salientar que os problemas diferem dos exercícios encontrados nos livros didáticos que, algumas vezes, equivocadamente são chamados de problemas, devido à sua estrutura e meios de processamento das análises e respostas. 107 autora esclarece que trata-se de “um aprender a atuar de uma determinada ma- neira, de um saber fazer” (ibidem, p.34). Para essa abordagem de conteúdo, não estão envolvidos somente os fatos, conceitos, generalizações e teorias, mas um elenco de procedimentos, atitudes e de valores. Nessa perspectiva, valorizam-se as diferentes formas de saberes e o conhecimento científico passa a ser uma, dentre outras referências, para se explicar/compreender a natureza. Fanfani (2002, p.03) enfatiza a importância da participação da escola na formação do aluno para a vida, inserindo dentre as prioridades da educação esco- lar não apenas a de “ensinar boas maneiras, mas a de formar homens de ação, capazes de pensar corretamente para poder atuar na sociedade”, o que constitui a base do saber contextualizado.4 Schimidt & Garcia (2002) destacam, quanto à relevância dada ao con- teúdo que é trabalhado na escola, como um dos elementos mais importantes do cotidiano do aluno. Apple (1997, p.05) corrobora esse pensamento, quando afirma que, em relação à sua função, as escolas “não apenas preparam o conhecimento; elas também preparam as pessoas”; nesse caso, o preparar o conhecimento sig- nificaria conferir-lhe características próprias que o tornarão diferente quando comparado às outras tipologias de conhecimentos do aluno. Tratando dessa questão Santos (1994) chama a atenção para um aspecto importante em relação a algumas tipologias do conhecimento – como o saber social, o conhecimento do senso comum e o conhecimento popular – que há pouco tempo pareciam desvalorizadas ou relegadas a um segundo plano, por isso não eram consideradas como integrantes do currículo escolar, devendo ser atualmente elementos cons- tituintes do conhecimento escolar. A idéia de que a ciência produzida pelos cientistas é a ciência que deverá ser aprendida e ensinada na escola passa a ceder o seu espaço para idéias mais pedagógicas sobre o conteúdo de ciências a ser ensinado na escola. Pozo (1987) afirma que não existe um isomorfismo completo entre a “ciência dos cientistas” e a “ciência escolar”. A incorporação do conhecimento científico (produzido pelas ciências) aos conteúdos escolares geralmente acontece de forma espontânea, à mercê de escritores de livros didáticos e das políticas curriculares que expres- sam ideologias dominantes. Esse processo não tem considerado quais conhecimentos das ciências são necessários para a formação cidadã dos alunos; nem considerou a complexidade de tornar esses conhecimentos não só ensináveis mas também “compreensíveis” para os alunos. Autores como Schwab (1973), Chevallard e Joshua (1982) têm chamado a atenção para as diferenças e as especificidades do conhecimento científico e do conhecimento escolar, a partir dos contextos de produção de cada um desses tipos 4 O saber contextualizado relaciona-se às relações existentes entre o conteúdo escolar, em sua visão atual, e as relações com o cotidiano. 108 de conhecimento, e para as implicações de se modificar o primeiro para se estru- turar o segundo. Essa problemática, na opinião de Cajas (2001, p.244), leva a dois pontos importantes: · o planejamento do conhecimento científico como saber escolar deve ser realizado; · o impacto social causado pelo conhecimento científico na vida cotidiana dos alunos. Dessa forma, durante a seleção dos conhecimentos científicos, como parte do saber escolar, deve-se prestar atenção aos dois pontos anteriores, na busca de funcionalidade educativa (como sistema explicativo para a reflexão crítica e a compreensão da realidade) dos conhecimentos científicos relacionados com outros saberes. Chevallard (1992) introduziu a idéia de “antropologia dos saberes”, a qual se inclui na didática dos saberes, em que se procura superar a “restrição” da epistemologia tradicional, preocupada com os processos de produção de saberes. Portanto, para que o saber/conhecimento possa ser utilizado, ensinado e aprendido, precisa-se de uma visão epistemológica mais ampla, que estude esses processos no contexto da aprendizagem escolar. Em relação à influência dos saberes do aluno ao estudaruma disciplina es- colar, Apple (1997, p.02) destaca a importância dos seus saberes e conhecimen- tos prévios, fazendo uma analogia entre a participação dos alunos que chegam à escola com os “cavalos de Tróia – que atravessam os muros da escola levando consigo suas linguagens, interesses e desinteresses, temores, sonhos e aspira- ções”. Essa comparação é pertinente no sentido de mostrar que o aluno chega à escola trazendo consigo um elenco de saberes, crenças, valores, etc., produtos de sua vivência pessoal, que ao longo da vida escolar irão dialogar com os conteú- dos curriculares, para se construir novos saberes. É necessário considerar esses saberes na produção/construção dos novos saberes. Nesse contexto, os novos saberes passarão a ser construídos a partir da relação dialética entre esses saberes prévios e os que compõem o conhecimento curricular, portanto objeto da educação escolar, com aqueles conhecimentos que o professor entende como objeto necessário à aprendizagem. O conteúdo escolar, nesse âmbito, constitui-se num importante fator que congrega as diferentes tipo- logias de saberes do aluno com os saberes escolares. Pertencente à categoria dos conhecimentos normatizados, esse conhecimento escolar constitui-se numa for- ma de ver os conhecimentos de forma sistematizada, considerando que o conhe- cimento construído a partir das idéias advindas do senso comum constitui um conhecimento baseado no que Gil Pérez e Carrascosa (1985) denominaram de metodologia da superficialidade. A construção do conhecimento se dá a partir das relações entre os conheci- mentos prévios do aluno e os conhecimentos sistematizados pelo currículo escolar; nesse ponto, a contextualização dos conteúdos deve levar à aprendizagem sig- 109 nificativa5 pelo aluno. Nesse processo, também devemos considerar que os co- nhecimentos prévios, que são o ponto de partida na construção do conhecimento, por vezes se constituem em obstáculo epistemológico. No Esquema 01, procura- mos dar uma visão geral da estrutura de saberes/conhecimentos do conteúdo escolar e de suas relações. Esquema 01 – Representação dos componentes do conteúdo escolar e das suas relações com as formas de saber do aluno e do saber escolar na construção do conhecimento 2. Conhecimentos e saberes: reflexões epistemológicas e didáticas Existem várias posições epistemológicas em relação aos termos conheci- mento e saber. Os autores, por vezes, estabelecem diferenças entre os termos saber e conhecer, enquanto outras vezes estes são considerados como sinônimos. Para 5 Aprendizagem significativa é considerada como o nível de compreensão dos conteúdos pelo aluno, de forma conceitual, procedimental e atitudinal. SABER POPULAR RELAÇÕES DIALÉTICAS CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO SABER CONSTRUÍDO CONHECIMENTO CIENTÍFICO CONHECIMENTO DO SENSO COMUM CONHECIMENTO ESCOLAR SABERES ESCOLARESSABERES DO ALUNO CONTEÚDO ESCOLAR APRENDIZAGEM PELA METODOLOGIA DA SUPERFICIALIDADE CONHECIMENTO SITEMATIZADO NO CONTEXTO ESCOLAR 110 explicar a posição que defendemos neste livro, discutiremos, a seguir, algumas posições epistemológicas e suas implicações didáticas. Galogovsky e Muñoz (2002), a partir da aprendizagem como processa- mento da informação, distinguem conhecimento de informação, ao descrever a Estrutura Cognitiva (EC) de um sujeito como uma configuração do tipo reticular, composta por novos conceitos e por relações entre conceitos. Esses autores cha- mam de conhecimento o conteúdo da EC e de informação todo tipo de conheci- mento que é externo ao sujeito. Nesse sentido, a aprendizagem supõe a transfor- mação da informação (externa ao sujeito) em conhecimento (interno ao sujeito). No Esquema 02, está representado o processo de transformação da informação em conhecimento, concebido de acordo com essa forma de entender o processo. Esquema 02 – Representação do processo de transformação da informação em conhecimento Grossi (1990, p.46), ao analisar os produtos da aprendizagem como ativi- dade sistematizada e transformadora, diferencia saberes de conhecimento. Para a autora, “saber é um produto da aprendizagem não sistematizada, porém trans- formadora, que mobiliza energias do sujeito, para levá-lo a novas formas de vida. O conhecimento é um produto da aprendizagem sistematizada, mas não trans- INFORMAÇÃO Incorporação à 111 formador, que instrumentaliza, de forma teórica, a prática, e não é resultado das ações mobilizadoras do sujeito”. O saber é pessoal e o conhecimento é social ou socializável, na medida em que pode ser, ou é, sistematizado. O saber é mais li- gado à ação, enquanto o conhecimento é mais ligado à reflexão e à linguagem – “o saber tem mais a ver com as percepções e movimentos, enquanto o conhecimento tem mais a ver com as palavras”. O saber significa uma ação transformadora do conhecimento para si e pro- duto da aprendizagem em interação comunicativa com os outros, nos contextos específicos da aprendizagem. O conhecimento constitui-se numa entidade autônoma, substantiva e independente do contexto da aprendizagem, pois é produto da atividade de outros sujeitos – por exemplo, os conhecimentos debatidos pela comunidade científica numa determinada área disciplinar. O conhecimento pode ser “trans- mitido” ao sujeito que o transforma em saber, haja vista que o saber é subjetivo e dependente das relações que o sujeito estabelece com o conhecimento, no contexto social, cuja condição individual não faz o sujeito independente do grupo e do contexto no qual se dá sentido ao saber. O contexto no qual ocorre a construção do saber impõe limitações ao seu potencial epistemológico. No Quadro 01, fazemos uma comparação entre conhecimento e saber, de acordo com as suas principais características, segundo Grossi (1990). CONHECIMENTO SABER Quadro 01 – Diferenças entre conhecimento e saber, dentro de uma visão epistemológica · É um produto da aprendizagem sistematizada, mas não é transfor- mador. · Instrumentaliza, de forma teórica, a prática e não é resultado das ações mobilizadoras do sujeito. Pode ser “transmitido” ao sujeito que o trans- forma em saber. · É social ou socializável, sendo mais ligado à reflexão e à linguagem; tem mais a ver com as palavras. · Constitui-se numa entidade autô- noma, substantiva e independente do contexto da aprendizagem, pois é produto da atividade de outros sujeitos. · É um produto da aprendizagem não sistematizada que transforma o sujeito, levando-o a novas formas de vida. · Significa uma ação transformadora do conhecimento para si e produto da aprendizagem em interação comuni- cativa com os outros, nos contextos específicos da aprendizagem. · É pessoal e mais ligado à ação; tem mais a ver com as percepções e mo- vimentos. · É subjetivo, depende das relações que o sujeito estabelece com o conhe- cimento, no contexto social e da sua condição individual. 112 A nosso ver, entretanto, o saber é sistematizado e transformador, uma vez que a aprendizagem escolar deverá possibilitar aos alunos assimilar, apropriar-se e construir saberes, como atividade individual na interação com os outros. O saber escolar construído pelos alunos leva consigo o conhecimento científico, os saberes cotidianos e o do senso comum, assim como outras formas de saberes, que, refor- mulados, propiciam novos recursos cognitivos e afetivos, assim como um “saber escolar” para a ação. No processo de construção de saberes, o aluno, como sujeito da aprendi- zagem, não só transforma o objeto da aprendizagem como também ele próprio se transforma, em termos dialéticos. As ciências naturais produzem conhecimentos específicos que, na escola, sob processos pedagógicos, são assimilados pelos alunos na forma de saberes, pois quando o aluno aprende, constrói saberes a partir dos conhecimentos disponíveis nos livros, nos documentos, etc. O conhecimento científico, juntamente com outros saberes, é mobilizado pelo aluno no processo da aprendizagem, que consiste num processo complexo e que implicamobilizar outros recursos cognitivos e afetivos necessários à constru- ção do saber. O saber pode estar, e de fato está, num processo de reconstrução, quando necessário e em determinados momentos, face às situações-problema. Nesse processo de reconstrução, o sujeito não só mobiliza saberes no sentido de “usar” o saber, como também faz a “transferência de aprendizagem”, conforme ilustrado no Esquema 03. Esquema 03 – Representação esquemática do processo de produção do saber escolar CONTEXTO DA PRODUÇÃO DOS SABERES ESCOLARES aplicação e transferência de saberes Conhecimento científico Saberes Processo de construção de saberes Novo saber produzido Recursos cognitivos e afetivos MOBILIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS E DE OUTROS RECURSOS 113 A representação que se vê no esquema 03, tem objetivos meramente didáti- cos, pois sabemos que a construção de saberes é um processo complexo no qual estão inseridos vários tipos de saberes e de conhecimentos interligados em rede. Os processos mentais envolvidos na utilização dos recursos cognitivos do sujeito são dimensionados para a compreensão de situações relacionadas ao conhecimento científico ou outros tipos de conhecimentos, estando interligados aos componen- tes afetivos do aluno e dentro de um contexto no qual se dá a construção de novos saberes. É importante assinalar que a discussão anterior constitui um modelo expli- cativo do que pensamos ser necessário ao processo de construção de saberes escolares, tomando como referência o conhecimento científico escolarizado. Ex- plicar esse processo constitui-se em um desafio para os professores e para a didá- tica, uma vez que os argumentos que procuram para revelar como os alunos usam o conhecimento científico escolarizado no cotidiano são limitados. Não existe um quadro teórico e metodológico por meio do qual se possa discutir, na Didática das Ciências e da Matemática, esse processo, central durante a formação de competências. Os objetivos do Ensino Médio vão além da promoção da apren- dizagem dos conteúdos curriculares e da construção dos saberes, pois buscam a mobilização das diversas categorias de saberes na construção das competências, explicitados por um saber fazer competente. O papel dos conteúdos escolares passa a ter outra conotação e outras implicações para o professor, em se tratando da capacidade de transformação assumida, de um objeto de saber (que deve ser ensinado) em um objeto de ensino, conceituado por Chevallard (1995) como transposição didática. A construção de um saber fazer competente processa-se no sentido de dar uma nova conotação aos saberes advindos da vida pessoal, social e escolar do aluno, tendo o currículo escolar a importante função de redimensionar esses sabe- res, a partir da sistematização dos conhecimentos. Cabe à educação em ciências, promovida pelo Ensino Médio, oportunizar, de forma sistemática, a construção e a aplicação dos saberes para a sua apropriação pelos alunos. Nesse sentido, a dife- rença entre saber e conhecimento consiste basicamente no aspecto da sistematização destes e da sua apropriação pelo aluno. No Esquema 04, estão representadas diferentes tipologias de saberes e de conhecimentos, que são aprendidos na escola e nas diferentes relações sociais estabelecidas pelo aluno. A partir das interlocuções entre esses fatores, na forma de um processo que se dá no nível do pensamento, ocorre uma transposição, promovendo os processos relacionados à construção do saber do aluno. 114 Esquema 04 – Representação das relações existentes entre os saberes do aluno e o conhecimento escolar na construção do saber escolar do aluno Diante desses fatos, torna-se possível afirmar que o saber não pode ser visto de forma isolada ou como algo que se aprende exclusivamente na escola, mas como uma (re)leitura de conhecimentos, que irá ocorrer em diferentes momentos da vida do aluno, conforme o contexto, os interesses pessoais, afetivos, sociais, as crenças e os anseios, etc. Assim, é possível entender o saber como uma categoria que incorpora conhecimentos sistematizados. 3. Tipologias de conhecimentos e saberes – a questão da mobilização dos saberes O saber cotidiano (do aluno) e o saber curricular, aqui descritos, serão vistos como ferramentas na construção de competências pelo aluno, durante todo o percurso da educação básica, que culmina com o término do Ensino Médio, tendo continuidade na construção de suas diferentes atividades profissionais e em suas diferentes relações sociais. Daremos destaque às tipologias de conhecimento cien- tífico e curricular e ao saber cotidiano e às suas subcategorias: o conhecimento do senso comum e o conhecimento popular. a) o conhecimento científico – classificado por Martínez (2003) como aquele que depende de um corpo de conhecimentos validados pela Ciência, de acordo com os procedimentos científicos – reconhecidos pelas comunidades científicas. É um conhecimento histórico e socialmente construído, formado por um corpo conceitual e procedimental específico das diferentes áreas disciplinares. Constitui modelos teóricos para explicar a realidade e não só para agir no cotidiano. O conhecimento científico é baseado numa racionalidade (ou racionalidades – uma lógica discussiva/ argumentativa) e nas experiências dos pesquisadores, constituindo-se num conhe- cimento explicativo, crítico e teórico-prático. Esse conhecimento é reconhecido como válido pela comunidade científica, constituído por um corpo de conceitos, métodos e teorias que podem chegar ao aluno por meio de sua participação na comunidade escolar; nesse ponto, dependendo do interesse do aluno e da interpretação dada, é passível de alterações, moldando- Saberes do aluno Conhecimento escolar Conteúdo Curricular 115 se ao seu nível de compreensão. O conhecimento científico constrói-se por meto- dologias que têm como características, segundo Furió e Escobedo (1994, p.114): · aceitam da natureza hipotética do conhecimento declarativo (caráter duvidoso ou óbvio); · primam os conhecimentos procedimental e explicativo do tipo hipotético- dedutivo (parte-se do corpo teórico vigente); · usam aproximações qualitativas, mas também procuram objetivar essas aproximações por meio de observações quantitativas; · valem-se do pensamento convergente, mas prima o divergente para falsear o conhecimento declarativo, como busca global da coerência; · estruturam conhecimentos procedimentais seguros (diversas estratégias); · usam raciocínios pluricausais, mais complexos. b) o saber curricular – é o objeto do saber a ser ensinado; consiste naquilo que será ensinado nos diferentes níveis educacionais, como parte integrante do currículo (objeto de ensino/currículo) ou que é vivenciado pelo aluno, por meio das diferentes formas de ler e interpretar a ciência e seus produtos, com base no subjetivismo e objetivismo do aluno (Martínez, 2003). Uma prioridade na hora de pensar os diferentes saberes do conteúdo escolar e suas relações com o coti- diano é tentar aproximar as metas da educação científica às metas da atividade cotidiana, uma vez que esse conhecimento encontra-se disponibilizado nos livros didáticos e em documentos oficiais. Quando essas metas diferem, reduz-se a possi- bilidade de ativação do conhecimento científico fora da sala de aula. c) o saber cotidiano – é considerado por Martínez (2003) como um tipo de saber freqüente e adquirido de forma espontânea e informal, sendo resultante da integração entre o meio natural e o social do qual o aluno participa. O ambiente cultural no qual vivem os alunos assume um papel fundamental nas idéias que eles têm, as quais podem constituir-se em crenças populares, compartilhadas pelo grupo cultural. Esse saber caracteriza-se como uma estruturação, de forma lógica, prag- mática, adaptativa e útil no âmbito cotidiano. É importante destacar que o saber cotidiano, construído pelo aluno, apre- senta um componente individual de caráter procedimental e implícito, em que o cognitivo e o afetivo estãofortemente ligados. Sob esse ponto de vista, torna-se possível considerar esse tipo de saber como um conhecimento pessoal, embora construído no grupo social, que possibilita ao aluno resolver problemas do coti- diano, porém com potencial explicativo limitado. O saber cotidiano é gerado na interação com as experiências da vida diária, inclusive nas relações com os outros sujeitos. Esse saber representa um nível de sistematização baseado em critérios, modos de raciocínio, propósitos e valores que são suficientes para responder às exigências do cotidiano; é um saber idiossin- crático (pessoal). Constitui-se num saber múltiplo, formado por diferentes saberes, que são utilizados na vida cotidiana, ou seja, é um saber prático e acrítico (baseado 116 na experiência) e não explicativo, em termos de teorias sistematizadas e validadas pela comunidade científica. O saber cotidiano é vinculado aos contextos particulares e apresenta características mais orientadas para a eficácia das tarefas que para a conceitualização. É, no contexto da atualidade de aprendizagem, no qual se esta- belece uma rede de relações, que se dá significado às ações. Fanfani (2002, p.02) considera-o como sendo o “âmbito dos atos vivos, tratando-se de uma realidade compartilhada por homens que têm em comum não apenas objetivos mas também os meios para a sua concretização. Nesse caso, a escola participa conjuntamente com o indivíduo na reformulação desse conheci- mento quando lhe acrescenta dados científicos ou informações sobre a ciência produzida pelos cientistas. d) O conhecimento do senso comum – Lopes (1999, p.149), defende o pon- to de vista de que o senso comum “possui um caráter transclassista”, o que faz com que as idéias preconcebidas tendam a manter-se resistentes, mesmo diante da possibilidade de modificações que possam levar a um entendimento e/ou intro- dução dos conhecimentos advindos por ingresso na vida escolar (conhecimento científico/curricular). Incluem-se também as diferentes concepções de mundo, sistemas filosóficos, crenças, conhecimentos correspondentes a uma época histó- rica e cultural de um contexto. Fanfani (2002, p.04) considera essa forma de conhe- cimento como uma “espécie de cumplicidade ontológica entre as coisas da vida cotidiana e as categorias de percepção dos sujeitos que dela compartilham”. Furió e Escobedo (1994) atribuem ao saber do senso comum uma episte- mologia caracterizada por: · aceitação acrítica do conhecimento declarativo assumido por todos como veracidade; · priorização do conhecimento procedimental e explicativo do tipo empi- rista-indutivista (generalização a partir de casos concretos); · preferência pelo uso de raciocínios qualitativos para estabelecer conclusões gerais; · favorecimento do pensamento convergente ao validar o conhecimento declarativo (busca pontual de coerência); · expressão de um conhecimento procedimental pouco rigoroso (uma única estratégia); · utilização fundamental de raciocínios do tipo causal e linear. e) Saberes populares – são considerados por Lopes (1999, p.150) como “fruto da produção de significados das camadas populares da sociedade”, caracterizadas, pela autora, como “as classes dominantes sob o ponto de vista econômico e cultural”. Para a autora a luta cotidiana pela sobrevivência como um conjunto de práticas formadoras de diferentes saberes, caracterizando-se como “um saber produzido pelas práticas sociais”. Diante disso, caracteriza o saber popular como um saber cotidiano, do ponto de vista desse extrato social, porém 117 não-cotidiano em relação às outras camadas sociais, o que serve para diferenciá-lo em relação ao conhecimento do senso-comum. Para Wellington (1989), os conhecimentos, sob o ponto de vista filosófico, podem ser classificados como: · conhecimentos declarativos (descritivo ou factual) – aquele pelo qual podemos expressar a nossa opinião sobre um determinado evento; · conhecimento processual (procedimental) – aquele que se relaciona às habilidades ou destrezas que constituem domínios de ação, expressadas por meio do “saber fazer”. Para explicitar esse tipo de conhecimento, o aluno demonstra como se deve fazer determinada atividade, fazendo-a; · conhecimento explicativo – classificado como aquele que leva ao domí- nio de teorias, como construções dinâmicas, ou seja, para os autores, esse tipo de conhecimento teria a capacidade de dar significado e aprofundamento aos tipos de conhecimento descritos anteriormente. Para nós, o saber é considerado como o conhecimento processual e o co- nhecimento explicativo, quando mobilizados na solução de tarefas. Segundo Paris, Hipson e Wixson (1983), existe um outro tipo, o conhecimento condicional ou contextual, relacionado ao conhecimento de quando e onde utilizar uma estratégia específica. Para os autores citados, dentro de seus estudos sobre metacognição, o conhecimento declarativo refere-se à autoconsciência do que sabem os sujeitos e das outras categorias a utilizar. No Esquema 05, procuramos explicitar uma das possibilidades de relação existente entre os saberes e o conhecimento no contexto escolar. Esquema 05 – Representação do mecanismo de re(significação) dos saberes visando à construção do saber fazer competente A teoria da atividade (Pérez Gómez, 1998, p.43), ao conceber a aprendiza- gem como uma atividade contextualizada, possibilita compreender o conhecimento Mediação escolar Declarativas Processual ou procedimental Explicativo Saber fazer Saberes do aluno Conhecimentos do aluno/escolar contexto (re)significação 118 científico e outros tipos de saberes como ferramentas para a solução de tarefas e não os conhecimentos e saberes como fins da aprendizagem. Assim, os saberes passam a fazer parte de atividades cotidianas. Uma questão central na organiza- ção da aprendizagem será definir quais tipos de atividades/competências são ne- cessárias na educação básica. Laver e Wenger (1991) mostraram como os sujeitos que têm um bom desempenho na atividade de compra em um supermercado tive- ram um mau desempenho na resolução de problemas desse tipo, em simulações em sala de aula. Acrescentam ainda que os resultados foram ainda piores quando os problemas eram do tipo exercício. A escola “tradicional” tomou como pressuposto, nas ciências naturais, o ensino dos conhecimentos científicos como forma de substituição do saber coti- diano e do senso comum. Esse pressuposto é um equívoco epistemológico e ideo- lógico, pois existem problemas do cotidiano que não são resolvidos ou explicados pelo conhecimento científico e para os quais o saber cotidiano e o conhecimento do senso comum são importantes. No ensino de ciências naturais, a educação científica deve trabalhar com os alunos diferentes formas de conhecimentos e de saberes, reconhecendo suas potencialidades e limitações, sob a ótica de uma “múltipla racionalidade”, que visa a aperfeiçoar o saber cotidiano e o do senso comum nas suas interações com o conhecimento científico. As interpelações entre esses conhecimentos e saberes resultam da influên- cia das análises pessoais, aqui favorecidas pelo diálogo entre os conhecimentos prévios e os adquiridos na escola, que tornará possível ao aluno tirar suas pró- prias conclusões acerca dos fatos analisados. Isso irá possibilitar-lhe atingir níveis diferenciados de mobilização e de (re)significação de saberes – aqui entendido segundo o que Gauthier (1996) considerou como “um produto da racionalidade instrumental e da racionalidade interativa (comunicativa), vinculada a um saber fazer argumentado, explicativo”. O mobilizar saberes estaria relacionado ao dar um caráter subjetivo aos conhecimentos com os quais o indivíduo irá depa- rar-se ao longo de sua vida (escolar, social e pessoal), para utilizá-lo num agir competente. 4. A integração dos saberes na construção das competências Le Boterf (1997) considera as competências como um saber mobilizar, que consiste em realizar operações cognitivas complexas orientadas à obtenção de determinado resultado, que o próprio autorcaracteriza como “um saber prático contextualizado nas situações de resolução de problemas”. Ao mobilizar saberes, o aluno realiza operações mentais envolvendo as situações vivenciadas na es- cola, que englobam os conteúdos curriculares e os aplica na vida prática, nos mais diversificados ambientes e situações, para a resolução de problemas. Para um melhor entendimento desse processo, observe o Esquema 06. 119 SABERES ESCOLARES AS FERRAMENTAS NA CONSTRUÇÃO DAS COMPETÊNCIAS Esquema 06 – Representação de processos envolvidos na mobilização dos saberes escolares e do aluno na construção das competências Ramalho, Nuñez e Gauthier, (2004), analisam algumas características para o que consideraram como “o novo sentido atribuído ao conceito de competência”. Partindo dessa análise, destacam que as competências estão relacionadas com o “saber mobilizar” recursos manifestos num tempo prolongado e em situações con- cretas, portanto se foge do sentido técnico das competências. Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003) apontaram novas características ao que chamaram de novo sentido da categoria competência. Para esses autores, entre outras características, a competência define-se por: a) ser mostrada em um contexto real; b) situar-se numa variação de estado que vai do simples ao complexo; c) basear-se num conjunto de recursos; d) não se reduzir aos recursos do indivíduo; e) ser uma prática intencional (um saber agir); f) ser um projeto, uma finalidade; g) ser uma potencialidade de ação; h) ser um ato bem sucedido (um agir competente – atuação); i) ser um ato imediato e eficiente; j) ser uma capacidade de agir com estabilidade. Esses autores complementam que a formação de competências é um pro- RESOLUÇÃO DO PROBLEMA SABERES -ESCOLARES -DO ALUNO ANÁLISE DE UMA SITUAÇÃO COTIDIANA IDENTIFICAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO- PROBLEMA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONTEÚDO ESCOLAR CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA COMPETÊNCIA 120 cesso complexo, que implica ações diversas entre os diferentes níveis do conheci- mento, dos saberes, dos esquemas de ação, dos elementos afetivos, dos elementos motores, do contexto, etc. No Esquema 7, estão destacadas as relações existentes entre os saberes na construção das competências. Esquema 07 – Representação dos processos envolvidos na integração entre os diversos elementos envolvidos na construção das competências Sobre o ensino, visando à formação das competências, Perrenoud (2002) alerta para uma questão relevante, em relação às polêmicas criadas em torno dessa perspectiva de formação. Isso decorre do fato de alguns pesquisadores argumen- tarem que a competência surge como um modelo que se opõe aos saberes, tendo- se ainda como pano de fundo a visão de que a missão da escola era primeiramente instruir, ou seja, transmitir conhecimentos e construir saberes. Para Perrenoud (2002, p.04), a implantação do ensino por competências “incidiria de forma con- trária à educação baseada na construção de saberes”, considerando-se, nesse sen- tido, que “a oposição entre saberes e competências tem fundamento, sendo ao mesmo tempo injustificada”, pelos seguintes aspectos: · tem fundamento, porque não se pode desenvolver competências na escola sem limitar o tempo destinado à pura assimilação de saberes, nem sem questionar sua organização em disciplinas fechadas; · é injustificada, porque a maioria das competências mobiliza certos saberes, ou seja, desenvolver competências não implica virar as costas aos saberes, ao contrário. O significado de competência tem como princípio a mobilização dos sabe- res do aluno, dentre outros recursos (dentre os quais o conhecimento do senso comum e os saberes tácitos), além das demais tipologias de saberes e conheci- FORMAÇÃO DE COMPETÊNCIAS RELAÇÕES ENTRE CONHECIMENTOS, SABERES, ESQUEMAS DE AÇÃO, ELEMENTOS AFETIVOS, MOTORES E DO CONTEXTO DIALÉTICA ENTRE ATITUDES E PROCEDIMENTOS 121 mentos incluídos no saber escolar, como forma metodológica de caracterizar os saberes/conhecimentos, pois na mente do aluno esses saberes não se apresentam separados, mas como um todo complexo. Nesse aspecto, o termo competência tem sido muitas vezes confundido com o significado de habilidade, que constitui uma categoria diferente. As competências têm sido relacionadas a uma questão mais abrangente e com um maior teor intelectual, quando comparadas à habilidade. Uma forma de tentar esclarecer a diferença entre os dois processos poderia surgir a partir da análise da situação a seguir: O conhecimento transmitido ao aluno sobre meio-ambiente e saúde irá possi- bilitar-lhe identificar, a partir de um enunciado em que estejam colocados os nomes de diversas doenças humanas, se estas são provocadas por bactéria ou por vírus (constituindo-se numa habilidade – a memorística) em contexto artificial. Como haveria dificuldade de discernir sobre o agente etiológico da parasitose, o seu ciclo de vida no(s) hospedeiro(s), as formas de controle e transmissão, se- riam necessários estudos mais aprofundados e possivelmente de uma vivência com a situação em questão, obtida em conseqüência de conhecimentos mais elaborados, na forma de recursos cognitivos/afetivos em ação (competência). Portanto, a competência estaria referindo-se ao domínio prático e com sucesso de tarefas em um contexto real. Poderíamos, então, levantar um questionamento em relação à formação promovida pela escola, quando entendemos que as com- petências requeridas na vida cotidiana não são desprezíveis, pois boa parte dos adultos, mesmo entre aqueles que concluíram a escolaridade básica, permanecem despreparados diante das ciências e das tecnologias. Em relação a isso, Perrenoud (2002, p.06) complementa: “Dessa forma, sem limitar o papel da escola a aprendizagens tão triviais, pode-se perguntar: de que adianta escolarizar um indivíduo durante 10 a 15 anos de sua vida se ele continua despreparado diante de um contrato de seguro ou de uma bula farmacêutica”? Diante dessas questões, é possível entender que a mobilização dos saberes manifesta-se em situações complexas, que obrigam a estabelecer o problema antes de resolvê-lo, a determinar os conhecimentos e saberes pertinentes a uma dada situação, a reorganizá-los e extrapolar ou preencher as lacunas. Sob esse ponto de vista, existe uma grande distância entre o aluno saber o conceito de cadeia epidemiológica e compreender como se processa o surgimento de uma pandemia, ou até mesmo de compreender de que forma funcionam as barreiras de bloqueio epidemiológico. Nesse caso, a competência de resolver problemas relativos às barreiras de bloqueio epidemiológico implica a mobilização/transferência de diferentes saberes e conhecimentos, constituindo-se em objetivo do ensino. Dessa forma, a escola deve pensar quais saberes são potencialmente educativos para incorporá-los às estratégias que o aluno(a) utiliza no cotidiano a fim de contribuir com a sua cidadania e a sua formação para o mundo do trabalho. As reflexões necessárias a essa prática educativa têm como ponto de partida determinadas 122 questões como: de qual forma o conhecimento científico se faz necessário e con- tribui para a educação do aluno? A resposta a essa pergunta é um problema a se trabalhar quando procuramos compreender o papel dos saberes escolares. Os exercícios escolares clássicos permitem a consolidação da noção de ca- deia epidemiológica, com identificação dos ciclos de evolução das doenças, dos vetores e dos agentes etiológicos; no entanto, dificilmente trabalham situações- problema envolvendo os efeitos decorrentes da expansão e/ou ressurgência das doenças em função da exploração humana aos ambientes naturais, em que se julga a relação vetor-parasita-hospedeiro como equilibrada. A exemplo disso, poderíamos trabalhar as questões relativas às mudanças de hábitos do homem do século XXI, em que observamos uma verdadeira invasão humana às reservas florestais, quer seja com objetivos meramente extrativistas ou em função da busca de uma reinte- gração com a natureza, comoé o caso do ecoturismo ou da prática de esportes ra- dicais (rapel, espeliologia, canoagem, camping, etc.), e relacionar esse aspecto à recrudescência de determinadas doenças, que haviam sido controladas e com essa prática voltaram a nos atormentar, como é o caso da febre amarela silvestre. A partir desse ponto, o aluno irá identificar aspectos importantes da epide- miologia das doenças, em função da interferência humana nos ambientes naturais, passará a entender-se como parte integrante da cadeia epidemiológica de algumas das parasitoses que acometem a espécie humana e partirá em busca da solução dos problemas decorrentes dessa interferência humana, cuja ação será possibilitada a partir das suas reflexões e contribuirá para desenvolver o seu agir competente. Conclusões Se acreditamos que a formação de competências escolares não é um pro- cesso espontâneo e que depende, em parte, da sistematização e do “uso” do saber durante o curso de escolaridade básica, resta decidir quais patamares desse saber a escola deveria desenvolver prioritariamente. Ninguém pretende que todo saber deva ser aprendido na escola, pois uma boa parte dos saberes humanos é adquirida por outras vias; com as competências também não ocorre de forma diferente. Para que a situação seja compreendida, torna-se necessário e indispensável explorar as relações entre competências e currículos escolares. Uma boa parte dos saberes dis- ciplinares ensinados na escola em contextos de ação serão, sem dúvida, no final das contas, mobilizados por competências, que servirão de base a aprofundamen- tos determinados no âmbito da vida social dos alunos. O entendimento do Novo Ensino Médio, com a delimitação dos objetos e objetivos da educação em ciências, parece constituir-se na chave do esclarecimento de questões neurálgicas acerca das novas visões educativas, que têm como base formativa as seguintes proposições: 1. é imprescindível que o aluno tenha uma visão conjunta e integrada das ciências; 123 2. é necessário que ele entenda o que é, e como se processa o conhecimento científico; 3. é importante que ele saiba distinguir a Ciência de seus produtos; 4. é fundamental que consiga utilizar a tecnologia disponível na sociedade, por meio da alfabetização tecnológica, que deverá ser disponibilizada no ambiente escolar; 5. é necessário que os conhecimentos construídos pelo aluno, ao longo do convívio escolar e social, sirvam para promover o saber fazer, um dos pilares da educação por competências; 6. é desejável e necessário conhecer e trabalhar os diferentes tipos de saberes e de conhecimentos que devem formar o conteúdo em ciências, na escola, para dar a cada um seu valor epistemológico no todo complexo. Portanto, o acúmulo de saberes descontextualizados e não sistematizados não servem, realmente, senão àqueles que tiverem o privilégio de aprofundá-los durante anos de estudos, ou numa formação profissional, contextualizando os conhecimentos e se exercitando para utilizá-los na resolução de problemas e na to- mada de decisões. Eis aí o sentido dos saberes e dos conhecimentos na construção das competências, como ferramenta da cidadania. Referências APPLE, Michael. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense,1982. CAJAS, Fernando. Alfabetización científica y tecnológica: la transposición didáctica del conocimiento tecnológico. Barcelona: Enseñanza de las ciencias. v.19, n.2, p.243- 254, 2001. CAMPOS, Maria C. R. NIGRO; Rogério, G. Didática de ciências: o ensino-aprendiza- gem como investigação. Col. Conteúdo e metodologia – Ciências. São Paulo: FTD, 1999. CARVALHO, A.M. P. “Construção do conhecimento e ensino de Ciências”. Brasília: Revista em Aberto, n.55. p.9 –17, jul/set. 1992. 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Porto Alegre: Artmed, 2002. 125 A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES NA BUSCA DE SENTIDOS Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho Introdução Vivemos, na atualidade, uma grande movimentação marcada por profun- das mudanças nas expectativas e demandas educacionais. O avanço e o uso das tecnologias da informação e das comunicações estão repercutindo fortemente nas formasde convivência social, na organização do trabalho e no exercício da cidadania. Os novos rumos da economia confrontam o Brasil com os problemas de competitividade para os quais a existência de recursos humanos qualificados e o acesso aos conhecimentos são condições indispensáveis. Assim, quanto mais a sociedade brasileira consolida as instituições político-democráticas, fortalece os direitos da cidadania e participa da economia mundializada, mais se amplia o reconhecimento da importância da educação na chamada sociedade do conhecimen- to e maiores se apresentam os desafios para as instituições educacionais do país. A rapidez das transformações científicas e tecnológicas vem exigindo novas aprendizagens, gerando desafios a serem enfrentados pelas escolas, que têm de considerar o ritmo das novas mudanças educativas. Nesse contexto, queremos reafirmar que não restam dúvidas de que estamos vivendo uma etapa em que a tônica recai na necessidade de superação de antigas referências que iluminaram os processos educativos, confrontando uma tradição educativa que reclama por mudanças na maneira de pensar, de fazer, de ser e de conviver com os desafios do mundo em constante transformação e tecnologica- mente avançado. Como explicam Ropé e Tanguy (1997, p.17), baseados em opi- niões de historiadores, as “grandes etapas da civilização se caracterizam pela pro- liferação de termos novos e pela atribuição de novos sentidos a termos antigos”. As reformas educativas na América Latina propõem, como ponto de partida para a reformulação dos currículos, o desafio de construir competências no Ensino Médio. Não obstante, como explica Braslavsky (2004, p.15), “não existe consenso suficiente, nem experiência na definição do conceito de competência ou em sua tradução operativa”. Conseqüentemente, parece importante rever permanente- mente a noção de competência. O objetivo deste texto é propor uma reflexão sobre o sentido e a repercussão que pode ter a categoria competência no contexto do Novo Ensino Médio no Brasil. 126 Para isso, organizamos o texto em quatro pontos. O primeiro situa brevemente o atual contexto das discussões acerca da categoria competência, trazendo o referen- cial teórico de diversos autores que discutem o sentido dessa categoria. O segun- do ponto insere os novos sentidos atribuídos ao termo competência. Em seguida, são apresentados elementos-chave que caracterizam as competências segundo o referencial teórico defendido por nós. No quarto ponto, tecemos nossas conside- rações finais, retomando algumas questões importantes já apresentadas no texto e enfatizando a importância dos professores(as) no debate que tenha por finali- dade a busca da compreensão do sentido da categoria competência. 1. De que competência falamos? Falar de competências tem sido uma constante nas discussões dos proces- sos de construção de projetos curriculares e na práxis educativa. Não obstante, o sentido do termo competência tem variado e se configura segundo os diferentes contextos sócioeconômicos, perspectivas teóricas, etc. Maués, Wondje e Gauthier (2002, p.1), em relação ao termo competência, explicam que [...] enquanto fenômeno na moda, manobra capitalista ou estratégia pedagógica pertinente, todos os qualificativos e os juízos mais diversos lhe são associados, de modo que vem se tornando cada vez mais difícil não somente conhecer a natureza e os fundamentos desse enfoque, mas também compreender porque há interpretações tão diferentes a seu respeito. O conceito “competência” discute-se a partir de diferentes perspectivas teóricas (econômica, profissional, pedagógica, etc.), na sua relação com o próprio desenvolvimento histórico dos sentidos atribuídos, e suas implicações formativas, no geral. Embora essa categoria não seja nova nos projetos curriculares, ela volta hoje com diferentes conotações teóricas, epistemológicas e até ideológicas. A forte associação da “competência” ao mundo do trabalho leva-nos a refletir sobre quais são seus sentidos na educação básica, uma vez que a educação nesse nível de escolaridade não está voltada só para o mundo do trabalho. Na nossa opinião, organizar um currículo em termos de competências significa educar os alunos para um saber fazer reflexivo e crítico, no contexto de seu grupo social, questão que coloca a educação a serviço das necessidades reais dos alunos para sua vida cidadã e sua preparação para o mundo do trabalho (Fi- gura 01). A formação de competências orienta a educação para a comunidade e suas necessidades imediatas e perspectivas. Esse trabalho de expressiva comple- xidade exige uma postura profissional dos professores(as) na busca/construção das referências que assumirão na proposta curricular, uma vez que os próprios documentos oficiais das políticas e reformas educacionais são pautas para o tra- balho; conseqüentemente, qualquer isomorfismo entre os Parâmetros Curriculares 127 Nacionais (PCN) e Propostas Curriculares dos contextos específicos pode re- presentar uma escolha mecanicista e acrítica dos projetos educativos. Figura 01 – Currículo voltado à construção de competências A noção de competência aqui tratada (no sentido atual) constitui-se num eixo orientador da formação para a cidadania, sendo, portanto, um conceito estru- turante dos projetos curriculares. Os processos de reforma dos sistemas de ensino e os modelos pedagógicos, na maioria dos países do mundo desenvolvido e em vias de desenvolvimento, estão centrados nessa categoria, o que justifica a discussão das perspectivas teóricas que o termo assume na voz de diferentes autores. A se- guir, buscaremos apresentar algumas definições e comentários acerca da categoria competência. O conceito competência, de acordo com Hirata (1994), é marcado política e ideologicamente por sua origem empresarial, o que explica o fato de muitos modelos de formação de profissionais terem sido orientados para a formação de competên- cias. Essa marca está presente nos documentos oficiais da formação profissional, da educação básica e até nos discursos dos educadores, quando falam de compe- tências. Essa consideração ratifica a necessidade de uma reflexão crítica na trans- ferência do termo competência para outros contextos. Currículo voltado à construção de competências Buscar as necessidades dos alunos Preparar para o mundo do trabalho Relação com o contexto social Formar um cidadão crítico e reflexivo 128 Para Hirata (1994), as competências são compreendidas de diferentes formas: como saberes (na educação); como qualificação (no campo do trabalho); como habilidades, etc. Não obstante, as competências vinculadas às funções da produção e da educação devem passar por processos de reconceitualização, visto que o mundo produtivo hoje tem incorporado o “conhecimento” como uma força de choque que exige um enfoque mais cognitivo/humanista das competências em relação às condições físico-materiais do trabalho. Jamati (apud Ropé e Tanguy, 1997, p.104), explicita sua compreensão de competência por meio da caracterização de um indivíduo competente. Para a auto- ra, competente “[...] é aquele que domina suficientemente a área na qual intervém para identificar todos os aspectos de sua situação nessa área e para revelar eventualmente as disfunções dessa situação.” Ainda nessa direção, a autora esclarece: Mas, para ser “competente”, deve também, munido desses conheci- mentos, poder decidir a maneira de intervir a fim de obter tal resultado com eficácia e economia de meios. Para intervir, deve apelar para técnicas definidas, cuja extensão de aplicação ele conhece. Na maior parte das vezes, não as criou, mas tem a possibilidade de modificar um elemento e combinar vários esquemas preexistentes, ajustando o uso ao caso tratado. Parada (2004, p.1) também tece considerações acerca do termo competên- cia. Para ele, a competência corresponde a [...] adquirir uma capacidade. Se opõe à qualificação. Orientada à perí- cia material, ao saber fazer. A competência combina perícia com com- portamentosocial [...] As competências supõem cultivar qualidades humanas para adquirir, por exemplo, capacidade de estabelecer e manter Figura 02 – Para Hirata (1994), há uma forte influência empresarial no conceito de competências 129 relações estáveis e eficazes dentre as pessoas. Competência é algo mais que uma habilidade; é o domínio de processos e métodos para aprender na prática, da experiência e da intersubjetividade. No modelo técnico-positivista da educação profissional, a competência tem sido considerada como a capacidade de aplicar os conhecimentos da ciência e da tecnologia aos problemas instrumentais da prática. As competências são, por vezes, compreendidas como habilidades no contexto do agir profissional, com resultados orientados pela eficácia. Essa orientação separa as pesquisas dos novos conheci- mentos da prática em que é aplicada, não existindo lugar para a pesquisa e a cons- trução de saberes validados pelo grupo na prática dos profissionais. Na esfera do trabalho, competência geralmente se identifica com a qualificação. No setor de produção, o termo competência tem se associado à pedagogia das competências, de perspectivas funcionalistas, condutistas e construtivistas. Essa perspectiva, na sua essência ideológica, é individualista, imediatista, tributária ao mercado de trabalho, que exige eficácia e eficiência dos sistemas educativos. Para Meirieu (1998, p.184), a competência é um “saber identificado colo- cando em jogo uma ou mais capacidades em um campo nocional ou disciplinar determinado”. Já para Graham (apud Fernandez, 1996, p.173), a competência é a atitude para desenvolver as atividades de uma profissão, tendo como elementos as capacidades para transferir destrezas e conhecimentos a novas situações na sua área ocupacional. Abarca a organização e planeja- mento do trabalho, a inovação e a capacidade para abordar atividades não rotineiras. Inclui as qualidades de eficácia pessoal que são ne- cessárias no posto de trabalho para relacionar-se com os colegas, os executivos e os clientes. À luz das transformações da sociedade, hoje, não só pelas mudanças na forma de organização dos sistemas produtivos contemporâneos, como também pela própria Revolução Tecnológica e as novas formas de organização social, o conceito de competência vai sendo reformulado, tanto em seu sentido quanto em seu significado. Coulon (1995, p.180) refere-se à competência como “um conjunto de co- nhecimentos práticos socialmente estabelecidos que são utilizados no momento oportuno para mostrar que os possuímos”. Para Berger (2002, p.2), competências constituem os esquemas mentais, ou seja, as ações e operações mentais de caráter cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor que mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou experimentais ge- ram habilidades, ou seja, um saber fazer. O conceito apontado por Berger (2002), que perpassa a concepção dos documentos oficiais dos PCN para o Ensino Médio, a nosso juízo, reduz a 130 competência à uma capacidade, ao colocá-la na base da habilidade. Nós opta- mos por uma definição próxima à tradição francesa (embora não estabeleçamos compromissos epistemológicos com essa escola), que considera a competência na sua ação, na dinâmica e não só como uma potencialidade. Carbó (2000) discute a competência em termos da “metacompetência”, como meio de construir e reconstruir as competências. A “metacompetência” refere-se à consciência que tem o indivíduo dos mecanismos que lhe possibilitam desen- volver suas competências. É o aprender a aprender, em relação à formação de competências. Na Figura 03, destacamos as estratégias que podem contribuir ao desenvolvimento das metacompetências, segundo esta autora. Figura 03 – Estratégias que contribuem no desenvolvimento de metacompetências P. Perrenoud é um dos autores que mais tem influenciado os conhecimen- tos dos docentes brasileiros do Ensino Básico em relação a suas discussões sobre o que é competência. Esse autor define competência “como sendo uma capaci- dade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (Perrenoud, 1999, p.7). Afirma, por outro lado, que, para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, se deve, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complemen- tares, entre os quais estão os saberes e os conhecimentos. Portanto, as competên- Saber analisar Refletir na ação Justificar por razões teóricas Tomada de consciência dos hábitos Metacompetências 131 cias manifestadas não são meras ações em si e nem tampouco, só conhecimentos e saberes. Elas utilizam, integram, mobilizam tais conhecimentos e saberes, com sucesso, no desenvolvimento das ações. As competências constituem qualidades do sujeito que lhe permitem desenvolver determinadas atividades socialmente úteis, com sucesso, ao longo do seu desenvolvimento. Nessa direção, Perrenoud (2000, p.13) esclarece que “competente é aquele que julga, avalia e pondera; acha a solução e decide, depois de examinar e discutir determinada situação, de forma conveniente e adequada”. Na dinâmica das novas formas organizativas da produção, das políticas para a educação, no século XXI, o conceito de competência emerge como uma noção básica na procura de unir operativamente teoria e prática, quando se assu- me que toda teoria tem implicações práticas e toda habilidade prática tem uma teoria (implícita ou não) que a sustenta. Essas novas exigências levam a olhar o termo competência, num sentido mais compreensivo do que meramente técnico. 2. Situando a noção de competência: novos sentidos Em virtude da diversidade de enfoques teóricos sobre a categoria compe- tência, faz-se necessário que qualquer projeto curricular orientado à formação de competências gerais deva explicitar sua posição teórica sobre a categoria e, conseqüentemente, estabelecer os compromissos epistemológicos, os quais se relacionam com as problemáticas sociais, políticas, culturais, econômicas, etc. Uma competência pode ser considerada como uma qualidade da personali- dade do indivíduo, sendo mais abrangente que uma capacidade. A competência é mais global em relação à capacidade. A capacidade de agir eficazmente é enten- dida como uma atividade intelectual estável e reprodutível num dado campo da vida. A capacidade só se manifesta num fazer, ela não existe em “estado puro”. Uma pessoa competente numa área mobiliza diferentes recursos, necessá- rios à solução da situação-problema, num contexto dado. Por isso, a escola não desenvolve competência quando se orienta só à formação de determinadas ca- pacidades, como habilidades ou hábitos, num contexto artificial (contexto não “real”). Os hábitos, as habilidades, como componentes das competências, devem ser recursos a serem mobilizados na solução de situações novas, reais, a fim de contribuir para a formação de competências parciais, que formarão redes comple- xas, características de novas competências mais gerais. No ensino de Química, no nível médio, por exemplo, é estudado o conteúdo separação de misturas, de maneira desarticulada às situações reais presentes no nosso cotidiano, como os desastres ecológicos provenientes do derramamento de petróleo nos mares ou nos rios e o processo de tratamento da água (Figura 02), entre outras situações, o que dificulta a construção de competências que subsidiem a tomada de decisão quando o aluno vier enfrentar as situações complexas no seu cotidiano. 132 Figura 04 – Utilização de barreiras para evitar o espalhamento do petróleo no rio Fonte: http://ambicenter.com.br/petrobras02.htm Perrenoud (2000, p.15) faz algumas considerações que auxiliam no enten- dimento das competências: – as competências, em si mesmas, não são saberes, savoir-faire, ou atitudes; as competências mobilizam, integram e orquestram tais recursos; – a mobilização de saberes só é pertinente em uma dada situação, sendo cada situação singular, mesmo que se possa tratá-la emanalogia com outras já encontradas; – o exercício de competências passa por operações mentais complexas, subentendidas por esquemas de pensamentos, que permitem determinar (mais ou menos consciente e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma ação relativamente adaptada à situação; – as competências constroem-se em formação, mas também ao sabor da navegação diária, de uma situação de trabalho à outra. Segundo o citado autor, descrever uma competência equivale, assim, na maioria dos casos, a considerar três elementos complementares: – os tipos de competências de situações as quais se estabelecem num certo domínio; – os recursos que mobilizam: os conhecimentos teóricos ou metodológi- cos, as atitudes, o savoir-faire, e as competências mais específicas, os esquemas motores, os esquemas de percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão; – a natureza dos esquemas de pensamento que permitem a solicitação, a mobilização e a orquestração dos novos recursos pertinentes em situação complexa e em tempo real (Perrenoud, 2000). Para nós, a competência articula cinco elementos básicos, segundo o esque- 133 ma 1: saberes, recursos afetivos, repertório de condutas, esquemas da ação e orientação teórica da ação (base orientadora da ação: B.O.A) nas suas interações com o contexto. Perrenoud (2000) distingue esquema de ação de saberes, repre- sentações, teorias pessoais e coletivas (percepção, avaliação e decisão), sendo o primeiro um elemento fundamental para atualizar os saberes a serem integrados em novas competências a partir da, por e para a prática, como contexto da reflexão do agir. Nessa relação, nós incluímos a orientação que o sujeito constrói em termos de representação ou modelo teórico da ação (Esquema 1). Esquema 1 – Elementos da competência e suas relações O esquema de ação (Piaget, 1974) não é um hábito simples e rígido. Ele constitui uma estrutura “invariante” de uma ação, que possibilita executar deter- minadas atividades de um dado tipo. Ele é um padrão organizado, sistematizado, inconsciente e prático que leva a um dado comportamento. O modelo teórico da ação é o que P. Ya Galperin chama de Base Orienta- dora da Ação (B.O.A.). A Base Orientadora da Ação é um modelo mental que o sujeito constrói, para representar a ação (atividade) que vai executar, conscien- tizando-se dos recursos a mobilizar, dos procedimentos sob a influência dos fato- res do contexto e das reflexões afetivas/comunicativas que estabelece. Essa situa- ção possibilita trazer ao nível da consciência, os esquemas de ação (hábitos como recurso automatizado) e os outros recursos a serem mobilizados. O agir competente mobiliza os esquemas de ação, mas os reconstrói, na medida em que não são suficientes para a solução das novas tarefas, questão que significa criatividade. A competência, como capacidade complexa manifestada na prática, representa uma estrutura dinâmica organizada do pensamento, que per- mite analisar, avaliar e compreender o contexto no qual o indivíduo age. É a decisão de utilizar/modificar/acatar os recursos disponíveis para resolver determinados problemas, mobilizando os diferentes recursos disponíveis (cognitivos, afetivos, COMPETÊNCIA Recursos afetivos SABERES de diferentes naturezas CONDUTAS ESQUEMAS DE AÇÃO MODELO TEÓRICO DA AÇÃO 134 etc.). O agir competente constitui uma atividade reflexiva e crítica, que caracte- riza o agir do indivíduo numa esfera dada de sua atividade, sem respostas auto- máticas ou de rotina. Delors (2000) considera que uma pessoa é competente quando é capaz de “saber, saber fazer, e saber ser” (Figura 05). Figura 05 – Competências no referencial de Delors (2000) De acordo com a perspectiva defendida por Delors (2000), no agir com- petente, é preciso mobilizar: – o saber teórico e específico, no nível geral (experiências de vida); – o saber fazer, aplicando um conjunto de processos e estratégias que possibilitem uma resposta adequada. Deve mobilizar outras competências transversais e gerais, tais como: pensamento analógico, análises e deduções em função das situações, relações entre saberes, competências cognitivas: lógico- dedutivas, etc.; – o saber ser, inserindo-se nos estilos que são próprios de seu grupo social, gerando atitudes, sentimentos, valores, estilos pessoais que lhe possibilitam, globalmente, desenvolver, com eficácia, uma atividade considerada geralmente como complexa. O indivíduo competente está inserido no conjunto das relações que estabelece no contexto e com o seu grupo de trabalho, de estudo e de convi- vência diária. A formação de competências é um processo complexo, que implica relações diversas entre os diferentes níveis dos recursos necessários para a ação. Dentre esses recursos devem ser reconhecidas as relações dialéticas entre o grau de domí- nio do conteúdo; as características do conhecimento e as situações que exigem formas específicas de trabalho e atividade com esse conhecimento. A formação de competências é um processo de longo prazo, um processo educativo prolongado, que mobiliza diferentes recursos cognitivos e afetivos. Saber fazer Saber ser Saber Competências 135 Uma competência não se aprende e desenvolve por simples imitação ou reprodução. Ela precisa, dentro de diversos recursos que mobiliza, de ações teó- ricas como orientação. A atividade (ou ação) teórica permite fazer previsão dos resultados da atividade, de avaliar as condições, os recursos, para a eleição do fazer mais adequado. Um jogador de xadrez, só depois de avaliações mentais da situação das possíveis variantes, é que toma uma decisão, a qual é susceptível de justificação. Nas ações práticas, da mais simples às mais complexas, o papel da orientação teórica (B.O.A. preliminar) é de grande importância. Muitos dos fra- cassos dos alunos na solução de tarefas práticas encontram explicações na falta de uma boa orientação teórica para a execução da atividade e na reconstrução dessa orientação quando necessária (Nuñez e Pacheco, 1997). Queremos reafirmar, portanto, que a formação de competências nos alunos, como categoria norteadora dos processos educativos, não exclui outros tipos de recursos que são necessários para a atividade humana. As habilidades e os há- bitos são recursos das competências. A memorização por vezes é necessária: tudo depende do sistema de situações selecionadas para contribuir com a educação, orientado pelos objetivos do projeto curricular, como hipóteses de trabalho. Novas Propostas Curriculares fazem uso da categoria competência para orientar a educação, sob um eixo articulador teoria-prática que possibilite a apli- cação e compreensão dos diferentes saberes nos contextos reais, questão que pre- para para a vida na vida. A formação de competências implica a contextualização do saber, a utilização de situações-problema reais e diálogo permanente com o objeto de estudo. Infelizmente, observamos que durante a educação básica, apesar de os alunos estudarem diferentes conteúdos nem sempre podem dar sentidos a esses conteúdos no cotidiano. Muitas vezes, por exemplo, não reconhecem as propriedades químicas nos diversos materiais presentes no cotidiano, como, por exemplo, os produtos de limpeza, dificultando a tomada de decisões em situações do cotidiano em que sejam necessários conhecimentos e habilidades relacionadas a estes materiais (Figura 06). Figura 06 – Produtos químicos utilizados no cotidiano Fonte: Pão de Açúcar, material de limpeza. > (2004) 136 Essa dificuldade está relacionada à própria compreensão da escola sobre para que servem e como os alunos usam os conhecimentos científicos e outros sa- beres escolares, nos contextos do seu dia-a-dia, como condição de cidadania. Existem diferentes reflexões teóricas sobre as relações entre objetivo e competência. São as competências os objetivos? Ou são os objetivos as compe- tências? Um objetivo é a intencionalidade da atividade e faz parte de toda ativi- dade humana. Conseqüentemente, definir objetivosnão é “tradicional”, é uma condição necessária à atividade humana, como capacidade de antecipar-nos aos resultados desejados. Outra questão é como definir os objetivos escolares. A Pe- dagogia por objetivos foi alvo de diferentes críticas a ponto de alguns educadores pensarem que definir objetivos não é uma condição necessária ao planejamento docente. Os objetivos educacionais estão relacionados com as competências das disciplinas e dos projetos pedagógicos; nesse sentido, as competências são objeti- vos da escola, objetivos de uma maior complexidade. As competências expressam as capacidades “em ação” de um “saber fazer”, com determinados indicadores qualitativos (características das competências), e não se opõem aos objetivos; complementam-se em relações dialéticas. Na nossa compreensão, os objetivos gerais podem ser formulados em termos de competências, que têm um caráter transversal e exigem mais tempo e maiores investimentos cognitivos e afetivos na sua formação. Os objetivos particulares são tipos de atividades que os alunos devem aprender; nessa aprendizagem, constroem- se recursos necessários às competências com as quais se relacionam. 3. Caracterizando competência: elementos-chave A polissemia do termo competência e a natureza de seus diferentes senti- dos levam-nos à opção de discutir características da “competência” da qual fala- mos sem fechar nossa compreensão na definição de um conceito. As teorizações sobre as características das competências podem ser contribuições interessantes na busca de posições epistemológicas dessa categoria para se pensar as propostas curriculares. Gauthier (2000)1 caracteriza as competências a partir dos seguintes elementos (Figura 07), que discutiremos a seguir. 1 Essas características foram apresentadas pelo citado autor e discutidas pelos professores Betania Leite Ramalho e Isauro Beltrán Nuñez, no seminário “Formação e profissionalização Docente, que saberes, que competências,” evento realizado em setembro de 2000, no Programa de Pós- Graduação em Educação da UFRN. 137 Figura 07 – Elementos que caracterizam as competências (Gauthier, 2000) 3.1. A competência é mostrada em um contexto real Toda ação ou pensamento situa-se em um contexto. Todavia, é possível qualificar o contexto, uma vez que ele se aproxima mais ou menos da situação real e utiliza esse critério para discriminar as competências e as habilidades. Estabe- lecer diferenças dentre competência e habilidade possibilita evitar qualquer tipo de circularidade nas relações entre essas categorias. Uma habilidade é uma formação psicológica que estrutura a parte executora de uma atividade de forma consciente, não automatizada. As ações de uma habilidade constituem um sistema de opera- ções caracterizado por sua sistematicidade, como invariante operacional. As habi- lidades são savoir-faire que podem realizar-se numa situação em que estão pre- sentes, não somente um certo número de variáveis como também de simulações em laboratórios. Agir com estabilidade Imediato e eficiente Ato bem sucedido Potencialidade da ação Projeto Prática intencional Saber mobilizar e Saber fazer Mobilizar no contexto da ação Caráter coletivo Conjunto de recursos Simples ao complexo Contexto real Competências 138 As habilidades constituem procedimentos estruturados da atividade que leva a resolver situações (geralmente de rotina, sobre-aprendidas). As habilida- des se afirmam e desenvolvem nos marcos dos limites de um grupo de tarefas de um mesmo tipo, para as quais esse procedimento é adequado e conhecido. Por vezes, podem não estar associadas a justificações teóricas, ou seja, as ações teóricas nas quais se sustentam são limitadas. A habilidade pode ser formada num contexto artificial, como a sala de aula, o laboratório docente, quando a situa- ção, não opera em situação real. No nosso referencial, as competências não são habilidades ou destrezas mecânicas como manifestações do condutismo operante baseado numa visão em- pírico-positivista, mas uma ação contextualizada, em que o conjunto de pressões reais está presente. A competência manifesta-se em contextos específicos de sua formação; não obstante, para seu desenvolvimento, deve ultrapassar as condições impostas pelo contexto e, conseqüentemente, ser atualizada, ampliada e consolidada. Essa situação relaciona-se com a contextualização/descontextualização da aprendiza- gem e a criatividade em situações reais. A competência é uma opção epistemo- lógica que une a teoria e a prática. A noção de competência vincula-se a uma atividade transformadora, ou seja, não é só prática, mas práxis humana, no sentido filosófico. Por outro lado, não se reduz apenas a comportamentos observáveis. 3.2. A competência situa-se numa variação de estado que vai do simples ao complexo Tanto a competência quanto a habilidade podem ser simples ou comple- xas; o que as diferencia é o contexto em que são formadas. As competências são construídas em um contexto real, enquanto as habilidades podem ser construídas em um contexto artificial. Competências de maiores exigências cognitivas/afeti- vas formam-se gradualmente como conseqüência da interação entre outras com- petências (consideradas de diferentes complexidades). É importante sinalizar que a complexidade de uma competência é relativa e varia de aluno para aluno, de professor para professor, etc. 3.3. A competência baseia-se em um conjunto de recursos. O ator competente faz uso de recursos e os mobiliza no contexto da ação Esses recursos podem ser saberes de diferentes naturezas (da experiência, tácitos, conhecimentos científicos, de senso-comum, etc.), os quais se combinam e recombinam para constituir um saber (atribuem-se novos significados) de maior complexidade, construído no ato do agir competente (conhecimentos, savoir-faire, 139 atitudes), que ele utiliza dentro do seu contexto de ação. Uma competência é, dessa forma, multidimensional. Os recursos não se constituem na competência, mas aumentam a possibilidade desta, pois constituem as ferramentas necessárias para o agir competente. A formação de competências na escola deve assumir a preocupação de fazer com que o aluno seja capaz de utilizar de forma consciente, quando necessário, sua aprendizagem escolar no seu dia-a-dia, como questão de seu desenvolvimento integral. O agir competente supõe desenvolver determinados tipos específicos de atividade; logo, a competência estará ligada ao produto e à estrutura da atividade. O conhecimento da estrutura da atividade (Leontiev, 1985) pode contribuir com a compreensão das características e com a estrutura do agir competente. A compe- tência não se reduz só à execução, ao comportamento observável, ela é necessária na compreensão da situação contextual dos problemas, para se formar uma representação sobre o problema; é, na verdade, sua solução. 3.4. A competência não se reduz aos recursos do indivíduo O trabalho e a atividade dos indivíduos revestem-se de um caráter coletivo. A atuação do indivíduo dependerá de sua capacidade de comunicar-se e interagir com os outros. Os recursos sobre os quais se baseia o indivíduo não são apenas pessoais, eles implicam também outras ferramentas que se encontram ao seu redor (colegas, recursos pessoais, bancos de dados, literatura especializada, etc.). É na interação com os outros que a competência do indivíduo se forma, se desenvolve e toma sentidos. 3.5. A competência é a ordem do saber mobilizar no contexto da ação A competência não se reduz aos recursos. Uma competência não é um saber, um savoir-faire, nem uma atitude, mas ela se manifesta quando um ator utiliza esses recursos para agir em contexto com sucesso. A competência permite a integração, a orquestração, a combinação, a trans- ferência e a transformação desses recursos. A competência não é aplicação, mas construção. O indivíduo competente deve construir o problema a partir de situa- ções-problema em questão. Essa construção do problemaenvolve a representa- ção que o aluno cria da situação, delimitando o conhecido do desconhecido para definir estratégias de solução da situação-problema. Nesse sentido, a Base Orien- tadora da Ação (B.O.A.) tem um papel essencial no agir competente. De outra parte, a pessoa hábil sabe mobilizar, mas a pessoa competente sabe mobilizar no tempo e no espaço real (complexidade, urgência, instabilidade/ estabilidade da situação) e não somente no tempo e espaço simulados ou con- trolados. 140 3.6. A competência exige não somente o saber mobilizar mas também o saber de seu savoir-faire (saber fazer) Sendo que um savoir-faire pode muito bem existir na ausência de saberes em que se baseia, uma competência exige necessariamente o saber da ação, ou seja, a consciência da B.O.A. O esportista pode ser considerado hábil, mas isso não quer dizer que deva ser considerado como competente. Tal como o saber não garante o savoir-faire, o savoir-faire não significa a expressão de uma competência. A competência não é privada, o aluno é guiado por um sistema de significações socialmente compartilhado com seus pares. A competência exige consciência dos recursos que são mobilizados na ação e a possibilidade de teorizar a ação, ou seja, argumentar as escolhas, as ações, ter consciência do que leva ao processo e aos resultados. Essa característica está ligada a processos metacognitivos. 3.7. A competência como saber agir é uma prática intencional A competência pode ser mais que um conjunto de movimentos objetiva- mente constatável. Ela é também a ação sobre o mundo, definida pela sua utili- dade social ou técnica; em uma palavra, ela tem uma função prática (Rey, 1996). Assim, a competência liga-se aos objetivos da atividade. Ela visa atender aos objetivos estimados e desejados. O aluno atribui sentido à situação vivenciada por ele e seleciona os elementos necessários dentro do repertório de recursos. Saber agir com pertinência é saber interpretar e julgar. O agir competente, como atividade, tem seus objetivos como representação hipotética do produto final da atividade. 3.8. A competência é também um projeto, uma finalidade As competências inscrevem-se sobre uma série de estados que passam do simples ao complexo, sempre em desenvolvimento (ou seja, por diferentes níveis de complexidade). O ser competente é uma formação em desenvolvimento. No âmbito da complexidade maior, não existe, por assim dizer, um fim ao fim proje- tado. Por exemplo, uma pessoa jamais deterá de forma definitiva e total a com- petência de ser crítico, ou de ser reflexivo num estágio final de desenvolvimento; sempre qualquer competência é susceptível de reatualização. 3.9. Uma competência é uma potencialidade de ação A competência não é ação que podemos definir como uma atuação, mas um potencial de intervenção que pode se manifestar no contexto real. Ela permite deli- mitar e resolver problemas próprios a um campo de ação. Alguns autores falam de competências como famílias de situações-problema ou famílias de competências. 141 3.10. O agir competente (atuação) é um ato bem sucedido O ator competente age eficientemente, quer dizer, em conformidade com os modelos desejados. A eficácia real do ator competente, para conseguir atingir os fins, não deve, necessariamente, ser comparada à do expert. Competência não significa excelência absoluta. Existem diferentes níveis de desenvolvimento da competência, ou seja, do agir face a situações-problema, como ato bem sucedido. O sucesso no agir competente não pode ser resultado só de mobilizar recursos predeterminados e já disponíveis. O sucesso depende também da criatividade dos sujeitos para dar novas respostas, com originalidade, novidade. Conseqüentemente, o agir competente não é uma ação baseada só em recursos para a atividade reprodutiva, mas criativa. A separação da competência da criatividade, da originalidade, da sensi- bilidade confere à primeira um caráter técnico e separa o sujeito competente do sujeito criativo, característico de um neo-racionalismo, que distingue quem cria os procedimentos, as referências, de quem os utiliza com sucesso (os sujeitos competitivos). Desse modo, devemos procurar um sentido para a categoria com- petência que não a reduza à racionalidade técnica, mas ao desenvolvimento inte- gral da personalidade do sujeito. No ensino médio, referimos-nos ao estudante, que no limiar do sucesso não deve ser considerado como um cidadão experiente (tarimbado), mas como um sujeito com um nível de experiência esperado ao final do ensino básico. 3.11. O agir competente é imediato e eficiente Não somente o ato é bem sucedido como também resulta de uma compe- tência suficientemente dominada para permitir uma execução rápida e com certa economia de meios. Nesse sentido, o tempo é uma variável no agir competente que não descarta a criatividade. 3.12. Uma competência é uma capacidade de agir com estabilidade Uma competência não pode ser uma ação em que o sucesso aconteça devido a uma casualidade a um “golpe de sorte”. Ela implica que o ator a manifeste de maneira repetitiva nas diversas situações do seu agir no contexto real. A competência não se reduz ao saber fazer eficiente formado num período curto. A competência, como objetivo, define-se para um período educativo pro- longado, como um ano, um nível de escolaridade. Sob a nossa perspectiva de competência, não é possível formar competências numa unidade didática, no contexto de uma disciplina. As características das competências que discutimos são suscetíveis à crí- 142 tica, à revisão e à ressignificação, caminho que aproxima melhor a categoria aos sentidos dos projetos curriculares nos contextos específicos. 4. Situando a competência entre nós: notas conclusivas A competência não é rotina, não é mero hábito. Ela caracteriza o agir de alguém com poder, autonomia, criatividade, que, atuando em situações complexas, tem uma resposta satisfatória para a situação. Os hábitos (rotinas) e saberes estão na estrutura das competências, mas não são elas em si. É lógico que cada sujeito desenvolve suas rotinas, que lhe possibilitam obter determinadas respostas a situações que não podem ser consideradas como situações-problema, pois, neste caso, o indivíduo dispõe dos mecanismos de solução. A sala de aula e o laboratório não são mais o único locus da educação escolar. A prática e o contexto da vida cotidiana passam a ser os locus da educa- ção escolar a serem privilegiados. É certo que isso não significa renunciar aos espaços institucionais. Pelo exposto, esperamos ter deixado claro que diversos são os recursos que estão na base da formação de competências, que podem ser trabalhados nesses espaços, mas eles são insuficientes e limitados na educação que se discute. O núcleo psicológico das competências não consiste em procedimentos assimilados, automatizados, para a solução de tarefas de rotina, mas em processos psíquicos e sociais por meio dos quais esses procedimentos e seu funcionamento são regulados, para mobilizar os recursos disponíveis na construção de novas respostas em situações novas, que implicam a reconstrução dos procedimentos, dos conhecimentos, dos sistemas de auto-regulação, etc. Os processos psíquicos complexos que estão no núcleo das competências são esquemas de ação, como manifestação do pensamento teórico, suscetíveis de atualização contínua. São pre- cisamente as atualizações desses procedimentos em contextos que levam a novos saberes e novas competências, como indicativo das próprias competências. É importante ressaltar, contudo, que a contextualização não se limita a essa análise psicológica. O contexto proporciona elementos que possibilitam análises psicológicas, sociais, antropológicas e de outras naturezas, que estão no agir competente como manifestação da atividade humana. O currículo baseado na formação de competências tem implicações para as formas de ensino-aprendizagem. Por se tratar de oportunizar projetos práticos significativos de aprendizagem, de contribuir à formação cidadã do aluno, umanova cultura escolar se faz necessária. A organização da escola tradicional deve ceder a novas formas de se organizar o tempo e o espaço na escola na sua intera- ção com a sociedade. O debate sobre os sentidos a serem atribuídos às competências básicas no Ensino Médio não está fechado; esse debate vai tomando força em meio aos professores(as) do Ensino Médio, atores/construtores das Propostas Curriculares. 143 As teorizações que emergem dos meios acadêmicos e das políticas educacionais são referências a serem ressignificadas para os contextos específicos. Tornar prontas essas teorizações seria anular “o estado da arte sobre a questão” e excluir desse debate os professores(as) e outros atores sociais-chave na educação. Assim, devemos deslocar os inventários de competências para a discussão dos sentidos do termo competência, pois as ambigüidades na sua compreensão conceitual são obstácu- los para trabalhar nessa perspectiva. É importante ainda ratificar questões relevantes, já enfatizadas no decorrer desse texto, acerca da categoria competência: – a categoria “competência” ressurge como categoria norteadora nas atuais reformas educacionais, com novos sentidos, visto que estas procuram um saber fazer, uma teoria e prática. – as ambigüidades do termo competência são obstáculos que dificultam a sua aplicação. Faz-se necessário discutir os vários sentidos desse termo e assumir uma posição teórica; – a organização do processo formativo em termos de competência tem implicações que mudam a lógica dos processos tradicionais; – as disciplinas incluídas nos projetos curriculares concebidas na perspec- tiva da competência tributam à formação de competências, fazem parte de um projeto complexo e sistêmico e rompem com a cultura do isolamento para a cultura da colaboração. A formação de competências como finalidade do Projeto Educativo não exclui os saberes e nem a sua legitimação no contexto escolar. Os saberes, procedimentos, valores, atitudes, assim como outras qualidades da personalidade do aluno são recursos e objetivos da aprendizagem e da educação e não necessariamente todos devem ter uma saída direta às competências do Projeto (no sentido pragmático e utilitarista desses recursos), quando se pensa na flexibilidade do currículo escolar. O componente atitudinal das competências, por envolver processos cognitivos de construção, afetivos, comportamentais, que se desenvolvem no indivíduo como capacidade complexa em ação, implica que um projeto curricular baseado em competências só poderá propor como metas as competências de caráter geral, e não um número extenso de competências, uma vez que a formação de competências leva tempo e não é um processo a curto prazo. A organização de um currículo por competências para a Educação Básica deve considerar que esse nível de escolaridade não responde só às exigências de uma educação profissional e do mundo do trabalho, visto que os saberes, atitudes, habilidades, competências para esse nível, não são particulares, mas extensíveis a toda população; são gerais e orientadas a compreender e lidar com problemas da vida, problemas do desenvolvimento humano, nos quais se incluem problemáticas do mundo do trabalho e de outras esferas da atividade humana. Conseqüentemente, trata-se de competências básicas, gerais a serem definidas nos contextos específicos. 144 Referências BERGER, L. R.. “Currículo por competências”. Disponível em <http://www.mec.org.br>, 2002. Acesso em: 02 jun. 2004. BRASLAVSKY, Cecília. “As novas tendências mundiais e as mudanças curriculares no Ensino Médio do Cone Sul da década de 90”. Disponível em: <http://www.mec.org.br. semtec/ensmed/articulosensaios.shtm>. Acesso em: 20 maio 2004. 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É importante destacar como condição básica para utilizar os problemas, com êxito, no ensino de Ciências, o exercício da criatividade, capacidade de fundamental importância para a resolução de problemas e que implica idéias novas e originais (Garret, 1988). Para Bachelard (1996), o trabalho com problemas é uma questão importante a fim de se poder avançar no conhecimento. Nessa perspectiva, Gil (1993) pontua que, além da estreita relação psicológica existente entre a resolução de problemas e a criatividade, existe uma relação epistemológica entre a investigação e a produ- ção de conhecimento científico, de acordo com o qual a própria ciência pode ser considerada um processo criativo de resolução de problemas, mediante a busca de soluções novas, em termos de planejamento e comprovação de hipóteses. Segundo Gil (1993), os novos enfoques epistemológicos relacionados à resolução de problemas são adotados de forma a considerar a construção do co- nhecimento como tentativa orientada a um objetivo, dotada de um caráter hipotético, para interpretar o mundo e colaborar no processo de compreensão dos métodos científicos, como forma de aprender ciências e reconstruir os conhecimentos, par- tindo das próprias idéias do indivíduo, ampliando-as e modificando-as, segundo o caso e o contexto. Diversos são os autores que têm contribuído para o trabalho com problemas no ensino de Ciências, como, por exemplo, Majmutov (1984), Martinez (1986) e Pozo (1998).No presente capítulo, discutiremos as contribuições de Majmutov (1984) e de Martinez (1986) para o trabalho com problemas no ensino de Ciências. Em seus artigos sobre o ensino por problemas, Martinez (1986) destaca a impor- tância da utilização da metodologia científica no ensino das ciências. Assinala o quanto o método científico reflete o mais alto nível de assimilação, o que permite ao educando relacionar-se com métodos da ciência em etapas gerais da construção do conhecimento, de modo a obter uma contribuição para o desenvolvimento do 146 pensamento criativo. Majmutov e Martinez (1984, apud Nuñez e Franco, 2002), têm utilizado, no enfoque por problemas, uma perspectiva que se fundamenta no materialismo dialético e histórico e valoriza o caráter ativo da aprendizagem organizada em unidades didáticas, nas quais aparecem, como proposta de trabalho, as atividades de solução de problemas que estão atreladas à formação de conceitos, procedimentos, atitudes e à utilização da linguagem científica no contexto da sala de aula. 1. O método de ensino por problemas Na perspectiva que discutiremos, o ensino por problemas fundamenta-se no caráter contraditório do conhecimento com o objetivo de que o estudante, como sujeito de aprendizagem, assimile os conteúdos e, pelo método dialético do pensamento, consiga refletir e resolver as contradições das situações problemáticas. O ensino utilizando problemas, baseado nas propostas desenvolvidas por Majmutov (1984) e Martinez (1986), inclui quatro categorias: as tarefas-problema, a situação- problema, o uso de problemas de ensino e a problemática (representados no Es- quema 01), que, articuladas de forma dialética, possibilitam nortear o ensino nessa perspectiva, a qual discutiremos a seguir. Esquema 01 – Categorias do ensino por problemas A problemática As tarefas- problema O problema A situação- problema Categorias do ensino por problemas 147 1.1. As categorias de ensino por problema a) A situação-problema A situação-problema pode ser considerada como um estado psíquico de dificuldade intelectual, quando o aluno enfrenta uma tarefa que não pode explicar nem resolver com os meios de que dispõe, embora esses meios possibilitem a compreensão da situação problema e o trabalho para a sua solução. Essa situação caracteriza-se pela contradição que se expressa na relação dialética entre o conhe- cido e o não conhecido, funcionando como fonte do desenvolvimento cognitivo. É importante que essa situação se baseie em uma problemática de interesse para o aluno, no sentido de que possibilite organizar o problema, como estado psicológico. A situação-problema pode levar a um conflito cognitivo (Piaget, 1977). Figura 1 – A situação-problema funciona como fonte do desenvolvimento cognitivo Nessa perspectiva, explica-se a importância de se criar condições para o surgimento das situações-problema, como um reflexo das relações contraditórias do conteúdo como fonte do desenvolvimento da atividade cognitiva do aluno, contribuindo para o pensamento dialético, além da compreensão dos diferentes níveis da essência dos fenômenos estudados, das suas regularidades, desenvol- vimento e contradições explicitadas. Para Nuñez e Franco (2002), a organização de situações problêmicas pelo professor deve levar em consideração os seguintes requisitos: 148 – não pode ser tão fácil que não provoque dificuldades, nem tão difícil que fique fora do alcance cognitivo dos alunos. Usando termos piagetianos, deve-se levar em conta o umbral de problematicidade dos alunos, seu nível, assim como seus esquemas conceituais, de maneira que o problema se situe na “Zona de Desenvolvimento Proximal” (Vygotsky , 1982, apud Nuñez e Pacheco, 1997); – deve projetar-se com caráter perspectivo para dirigir a atividade cognitiva na busca da solução do problema; – deve ser dinâmica, refletindo as relações causais múltiplas entre os processos objetos de estudo. A situação-problema pode-se organizar a partir dos elementos discutidos, como se apresenta no Esquema 02. Esquema 02 – Organização da situação-problema Como características da situação-problema, consideramos a necessidade de representar algo novo na atividade intelectual do estudante e a possibilidade de motivar a atividade deste na tarefa de busca e construção do conhecimento. A situação-problema deve ter como traço essencial a validez, dada pelo fato da necessidade que o estudante sente de iniciar a busca pelo objetivo até a fase final da atividade de solucionar o problema. Seus aspectos básicos são: o conceitual e o motivacional. · No aspecto conceitual, deve estar refletida a contradição entre o conhecido e o não conhecido, que funciona como fonte de desenvolvimento da atividade cognoscitiva. Situação–problema Desconhecimento da resposta ou procedimento Possibilidade de resolver a contradição Necessidade cognitiva Conduz à atividade intelectual 149 · O aspecto motivacional é dado pelo grau de novidade do desconhecido e orienta a necessidade do estudante para sair dos limites do conhecido, ou seja, do já assimilado. A situação-problema pode gerar, no estudante, uma perturbação que pode levar, nos termos do que Piaget (1977) considerou como uma equilibração majorante, a um estado de equilíbrio maior em relação ao anterior, por meio de um processo de construção de conhecimento. Embora o diálogo com a teoria piagetiana, o seu uso não significa um compromisso epistemológico com os trabalhos desse autor. A equilibração pode ser um processo que é acionado quando o sistema cognitivo de um indivíduo reconhece uma perturbação gerada por uma insuficiência de ele- mentos para resolver uma situação nova (que caracteriza uma lacuna), ou pelo fato de o indivíduo prever algo em relação a determinado evento, cujo objetivo está em conflito com o fato ou com o resultado de um evento (que caracteriza um con- flito). As perspectivas teóricas de Majmutov (1984) e Martinez (1986) possibilitam incorporar alguns elementos dos “conflitos cognitivos piagetianos”. Para Piaget (1977), as perturbações que produzem o desequilíbrio são de dois tipos: – as perturbações conflitivas: contradizem as expectativas e implicam correções possíveis apenas a partir da análise da contradição; – as perturbações lacunares: ocorrem quando em uma nova situação faltam objetos ou condições que são necessários para resolver o problema. Dessa forma, as perturbações lacunares se relacionam com esquemas de assimilação já ativados e sua regulação implica reforço não correção. Em relação aos conflitos, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) propõem uma classificação que inclui três tipos de conflitos: 1. conflitos externos: referem-se àqueles conflitos caracterizados pela divergência entre os modos de ver do estudante e os elementos externos a ele. Um exemplo é a divergência entre as idéias do estudante sobre um experimento e os resultados deste; 2. conflitos internos: são caracterizados por uma divergência entre os elementos cognitivos internos do estudante (suas percepções, idéias, suas exigências epistemológicas ou cognitivas). Um exemplo é o conflito que é produzido pela divergência entre uma convicção espontânea e um conhecimento escolar; 3. conflito misto: são conflitos de estrutura complexa que incluem várias divergências simultâneas, referidas a elementos internos e externos. Ao propor situações-problema, é importante destacar as considerações de Piaget (1977), ao ressaltar que a existência de uma situação-problema, po- tencialmente perturbadora, não leva necessariamente à superação da idéia inicial ou à solução do conflito cognitivo. O estudante pode não reconhecer a perturbação (contradição) como tal e a sua idéia inicial permanecerá inalterável. Diante de um 150 conflito cognitivo, o aluno pode manter uma atitude de considerar a situação como uma exceção ao sistema explicativo (sistema epistêmico) do qual ele dispõe para compreender e explicar os fenômenos da realidade, questão que lhe possibilita continuaraceitando seus conhecimentos como válidos. Tal situação é semelhante à atitude dos cientistas, assinalada por Kuhn (1971), quando face a novos fatos que contradizem as suas teorias, não renun- ciam de imediato a estas, mas constroem determinadas respostas ad hoc, considerando os novos fatos como exceções a seus sistemas teóricos. Isso per- mite certa estabilidade aos conhecimentos, pois o passo de um sistema teórico ou epistêmico para outro leva a rupturas (como negações dialéticas) dos conheci- mentos, fundamentos, atitudes, valores, etc. Nesse sentido, compartilhamos da posição de Gil (1986, p.113) ao afirmar que os alunos devem estar conscientes de que não se abandonam suas hipóteses como conseqüência de uns poucos resultados negativos e que, embora o papel do experimento seja essencial na ciência, as teorias só se abandonam quando existe uma clara evidência contra a mesma e uma outra concepção alternativa. Essa problemática tem sido estudada nos últimos anos no campo da Didática das Ciências, ao se reconhecer as limitações dos modelos de mudança conceitual. Nesse sentido, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) identificaram sete diferentes tipos de reações que manifestam os estudantes frente a conflitos cogni- tivos, os quais citamos a seguir: · não ter consciência de modo algum das divergências; · negar, deformar ou, pelo menos, minimizar os elementos divergentes; · ignorar o problema; · bloquear-se cognitivamente; · reconhecer só parcialmente as divergências, considerando-as como exceção; · reconhecer as divergências permanecendo indeciso sem fazer uma escolha; · reconhecer a divergência e reelaborar suas idéias. Essas considerações sinalizam que nem toda dificuldade leva a uma situa- ção-problema. Lopes e Costa (1996) consideraram que para ocorrer uma situação problema, deve existir um clima emocional entre o professor e os estudantes, no contexto geral da sala de aula, de tal maneira que os estudantes se interessem e vejam a necessidade de criar condições para solucionar a dificuldade apresentada, identificando-se com os conflitos cognitivos que caracterizam a situação problema. Na estruturação e planejamento das situações-problema a serem utilizadas pelos professores, em sala de aula, devem ser consideradas as seguintes questões: · a seleção dos exemplos correspondentes, segundo o conteúdo e o programa; · os novos fatos ou procedimentos; · a definição da contradição fundamental; 151 · a definição da possibilidade de explicá-la pelos alunos; · a definição das possibilidades de busca pelos alunos. Ao elaborar as situações-problema, devemos refletir que os obstáculos são barreiras que podem ser colocadas aos nossos alunos para que eles consigam transpô-las ou, ainda, dificuldades para serem enfrentadas de maneira natural. Eles fazem parte do nosso cotidiano e são necessários para obtermos uma visão dialética, mais crítica e reflexiva para melhor resolvermos problemas do dia-a-dia. Quando trabalhamos da maneira exposta anteriormente, suscitamos a curiosidade nos alunos, que se tornam co-responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo e pelas inúmeras variantes que possam ser sugeridas e relacionadas ao referido conteúdo. b) O problema Problema é uma palavra de caráter polissêmico, tendo como noções mais comuns, na linguagem cotidiana, uma dificuldade, uma questão por resolver, um obstáculo, um conflito, um dano, a causa de uma situação não desejada, etc. Nessas noções, implícita ou explicitamente, o termo problema se associa a algo difícil, cuja resposta é desconhecida. Na visão de Echeverria e Pozo (1998), a definição de um problema institui-se na fase inicial de sua resolução, pois todo problema apresenta uma pergunta; por conseguinte, reconheceremos a pergunta e nos conscientizaremos de que realmente há um problema. Esse autor contextualiza que um problema pode ser uma situação em que um indivíduo (ou um grupo de indivíduos) deseja ou necessita resolver não dispondo de uma solução imediata. Campos e Nigro (1999, p.72) consideram que um problema verdadeiro é aquele que propicia “uma situação ou um conflito para o qual não temos uma resposta imediata, nem uma técnica de solução”. Garret (1988, p.228) diz que um problema “é uma situação com a qual nos enfrentamos, e que se situa fora daquilo que entendemos no momento em que nos deparamos com a dita situação, mas próximo do limite de nossas estruturas cognitivas”. Para Majmutov (1984), o problema de ensino é um elo intermediário entre as categorias filosóficas e as didáticas, ou seja, serve como meio de transformação do método dialético de solução das contradições em métodos didáticos que resolvem as contradições surgidas no processo de assimilação de novos conhecimentos. Bachellard (1996) considera que, ao se definir um problema, pode-se promover um avanço no conhecimento. O problema, na perspectiva de Martinez (1986), institui-se numa situação-problema assimilada pelos alunos, em cuja contradição, que caracteriza a situação problema, podem convertê-la em problema próprio, fato que surge na atividade cognoscitiva. A situação-problema encontra sua forma de expressão no problema, subordinado a um objetivo formulado, mas sem solução aparente. 152 Segundo Gil et al. (1999, p.503), o problema pode ser definido de forma genérica, como as situações previstas ou espontâneas, que produzem um certo grau de incerteza e uma conduta tendente à busca da solução, e pode ser enunciado a partir de um contexto problemático, com o propósito de resolver dificuldades ou necessidades específicas do conhecimento conceitual ou procedimental e desen- volver capacidades cognitivas e afetivas. Entendemos o problema como a contradição que caracteriza uma situação problema assimilada/internalizada pelo aluno. Os estudantes devem compreender a importância de definir problemas, partindo do critério de que um problema bem definido é essencial para a busca de suas soluções ou respostas. Os cientistas não abordam problemas bem definidos, com precisão, inicialmente, porque é necessária uma etapa de análise que permita delimitar o problema e encontrar objetivos claros e definidos à busca da sua solução. As relações entre a situação-problema e o problema se apresentam no Esquema 03. Representa o procuradoRepresenta o desconhecido Expressa a assimilação da própria contradição para organizar a busca Revela a contradição dialética ? A Situação-problema O Problema Esquema 03 – Relação entre a situação-problema e o problema 153 No Esquema 03, está representada a maneira pela qual se desenvolve o processo, por meio de uma situação-problema, para alcançar o objetivo principal que é a definição do problema, proporcionando aos alunos a representação do problema, que representa o procurado. Essa situação estrategicamente fica sub- jacente às revelações das contradições dialéticas, as quais favorecem, nos alunos, a externalização, pela assimilação da própria contradição, em busca do desco- nhecido. De uma maneira geral, a situação-problema representa o desconhecido, enquanto o problema representa o buscado. O problema pode ser definido como pergunta ou tarefa, ou mesmo como uma contradição que deve estimular o pensamento produtivo do aluno, orientando-o à busca de explicações do fenômeno ou pode ser considerado como uma tarefa complexa, cuja solução depende da busca para obter novos conhecimentos ou procedimentos. De acordo com Nuñez e Franco (2002), o problema deve ter as seguintes características: · ser produto da internalização da contradição, que caracteriza o conflito cognitivo; · ser de interesse do aluno, favorecendo a sua motivação, por isso a importância de seu vínculo com o dia-a-dia; · ter a possibilidade de ser resolvido, utilizando uma estratégia adequada, o que implica uma construção de novos conhecimentos ou novos procedimentos práticos e teóricos. Uma característica dos problemas é seu caráter relativo para os sujeitos, que internalizam, de forma consciente, as contradições intrínsecas na sua resolução. Cada aluno ou grupocria uma representação sobre o problema, ou seja, percebe de uma forma ou de outra, o problema. A representação do problema é um elemento de significativa importância, uma vez que a forma de se trabalhar a sua solução depende da percepção construída sobre a realidade. Muitas vezes, as dificuldades dos alunos para trabalhar na solução dos problemas está, dentre outros fatores, na forma de representá-los. O trabalho na construção da representação do problema é de vital importân- cia não só na definição de estratégias para a busca de soluções como também no sentido de voltar atrás quando as soluções são inadequadas. Dominowski (1995) explica como sujeitos, que procuram solução numa compreensão inadequada do problema, erram de forma repetida. Tais sujeitos, geralmente reiniciam a solução do problema, não pela reconstrução da representação mas desde a execução, uma vez que atribuem o fracasso à ação e não à compreensão ou interpretação do problema. Quando se tem uma dificuldade para resolver o problema que expressa um distanciamento significativo entre o conhecido e o desconhecido, às vezes é importante procurar, de forma radical, uma outra representação do problema. Na representação do problema, expressa-se a sua estrutura qualita- tiva/quantitativa. 154 Defendemos, neste trabalho, a utilização de problemas verdadeiros e situa- ções abertas e não de exercícios. É importante observar que não é o fato de pro- pormos perguntas mais abertas ou fechadas que caracteriza a proposição de um problema verdadeiro. Devemos lembrar que, por uma simplificação, muitos pro- fessores costumam achar que o fato de propor aos alunos perguntas abertas já seria o suficiente para garantir a proposição de verdadeiros problemas (Campos e Nigro, 1999). Echeverria e Pozo (1998) fazem uma diferenciação importante entre problema e exercícios. Para eles, o problema supõe a solução de uma situa- ção para a qual o aluno não dispõe de um caminho rápido e direto, pois deve re- construir novos procedimentos, procurar novos sentidos para conhecimentos conceituais, etc. Não existe solução imediata, o que implica certa criatividade numa relação entre o conhecido e o desconhecido. Já a realização de exercícios baseia-se no uso de habilidades ou técnicas aprendidas, como rotinas automa- tizadas que expressam seqüências conhecidas. No exercício, não existe nada duvidoso intrínseco à sua solução. Nesse sentido, observamos que, nas escolas, geralmente se trabalha com exercícios, identificando estes como problemas, quando na realidade não o são. A solução do problema aberto conduz-nos a diversas respostas, todas elas possíveis. Parte-se de sua própria solução e da análise da resposta mais conveniente em cada momento. Tal orientação propõe um rompimento com a visão fechada de uma única racionalidade na solução dos problemas, de uma resposta única, associando o trabalho discente da tomada de decisões. Logo, os problemas reais sempre serão aceitos pelos alunos por fazerem parte de seus conhecimentos do senso comum, favorecendo, assim, o seu aprendizado de forma participativa em prol da resolução do problema (Gil, 1986). Um objetivo importante do trabalho com problemas no ensino é substituir a prática tradicional de trabalhar com as soluções dos problemas e não com os problemas associados aos processos de produção do conhecimento. Os alunos devem aprender a formular os problemas, como condição necessária para a sua solução, pois quando constroem o problema, eles têm argumentos para sua com- preensão e para a busca e execução das estratégias na procura de soluções. A importância da representação do problema no processo de solução implica que nosso comportamento depende mais de nossa percepção que da própria realidade; embora, uma influencie a outra. Outra questão de importância é a contextualização dos problemas e o trabalho do vínculo com os contextos que lhes dão origem (assim como as diferentes condições, contraditórias), e também os novos problemas que se originam na solução ou trabalho com esses problemas. A seguir, apresentaremos, no Quadro 01, o exemplo de uma atividade que contempla uma abordagem de resolução de problemas, a partir do referencial teó- rico discutido até o momento. 155 DISCIPLINA: Química TEMA: Reações químicas. NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio OBJETIVO: Diferenciar o conceito de ácido fraco e solúvel dos ácidos fortes e soluções. ATIVIDADE:1. Na primeira fase, durante o processo de formulação do conceito de ácido fraco e solúvel, o professor utilizará uma situação-problema a ser resolvida de forma experimental pelo aluno. A situação problema pode ser apresentada segundo as seguintes orientações: dispor de dois recipientes com o mesmo volume e a mesma concentração dos ácidos clorídrico e acético. adicionar a mesma quantidade de gotas do indicador alaranjado de metila a soluções dos ácidos anteriores e observar as colorações de cada um. roxo cor laranja ácido clorídrico ácido acético com indicador alaranjado de metila com indicador alaranjado de metila Por que as soluções tomam diferentes colorações se estamos tratando de soluções de ácidos de igual concentração inicial? Ao utilizarem alternativas de solução de problemas, os estudantes poderão assimilar as diferenças que existem entre os ácidos fortes e ácidos fracos, não de forma pronta como resultado da transmissão verbal pelo professor, mas como resultado da observação, do questionamento, de procedimentos orientados a resolver os conflitos cognitivos. Quadro 01 – Exemplo de problema resultante de uma situação-problema c) As tarefas-problema As tarefas-problema são as atividades que se organizam para propiciar aos alunos maior participação e dinâmica na busca do desconhecido, a partir do conhecido, representando um eixo de mediação entre o problema e a busca de sua solução. Essas tarefas caracterizam-se por promover nos alunos novas perguntas, novos exemplos, novas dúvidas, novos questionamentos, polemizando sobre as � � 156 possíveis alternativas e posicionamentos inerentes aos problemas, os quais con- tribuem para alcançar o objetivo desejado. Segura (1991) considera que as tarefas são conjuntos de atividades arti- culadas entre si, seguidas de um contexto-problema típico, com a finalidade de resolver uma dificuldade, obter, ampliar ou aperfeiçoar relações operacionais (ou não) entre conceitos, adquirir e aperfeiçoar capacidades cognitivas, afetivas e psi- comotoras. No decorrer da solução do problema, o professor organiza tarefas para que os alunos se orientem na sua resolução, procurando facilitar o seu papel de mediador, a possibilidade de os alunos prepararem planos heurísticos, para a solu- ção dos problemas. Para o sucesso na solução dos problemas, a estrutura das tare- fas e as orientações que a acompanham também são importantes (Garret, 1988). As tarefas–problema devem ser estratégias metacognitivas que possibilitem ao aluno a busca da solução consciente do problema, contribuindo para este aprender a aprender e conscientizar-se dos processos utilizados, dos erros e acertos e, ainda, conseguir superar e explicar como aprendeu, e, da mesma forma, facilitar o diálogo reflexivo/construtivo, que pode ser considerado um fundamento epistemológico no trabalho com as tarefas-problema. A solução do problema pode se organizar como formas cooperadas e formas independentes, que se vinculam às perguntas seguidas de uma seqüência determinada de ações, sendo, ainda, forma de mediação do tra- balho docente com os alunos e estando relacionada com as alternativas de solução (métodos problêmicos). A solução do problema é uma forma estratégica para o desenvolvimento do pensamento do aluno e as possibilidades de atuar nos diversos contextos não só para refletir e compreender a realidade, como também transformá- la de forma criativa. As tarefas mediam o processo de solução do problema. Esse processo está representado no Esquema04. Esquema 04 – Relação de mediação da tarefa-problema com o processo de solução do problema PROBLEMA Representa o objeto de busca TAREFAS PROBLÊMICAS RESPOSTAS AO PROBLEMA Representa a orientação na busca do desconhecido Representa o desconhecido SITUAÇÃO- PROBLEMA 157 d) A problemática Para Martinez (1986), o nível de desenvolvimento de habilidades no alu- nado determina as condições em que a problemática aparece, comportando uma característica do conhecimento. Entretanto, para Majmutov (1984) e Martinez (1986), a problemática representa o grau de complexidade das perguntas, das tarefas-problema e o nível de habilidades que os alunos adquirem para analisar e resolver os problemas de maneira independente. A problemática pode ser conside- rada uma categoria do ensino por problemas, estando presente em todo o processo, desde a situação-problema até a proposição de uma solução. Seria o interesse ou a busca discente para afastar-se do conflito, de forma produtiva, estando motivada pela curiosidade. A problemática não é apenas a dificuldade, mas o mais alto nível psicológico, que direciona o cognitivo e o afetivo da personalidade do aluno para a sua formação, já que pode ser mobilizado como problema da realidade, relacio- nado aos interesses do alunado. 2. Os métodos problêmicos de ensino Os métodos problêmicos são meios para estimular a atividade cognitiva dos estudantes, contribuindo com o desenvolvimento do pensamento dialético e criador, com a flexibilidade do pensamento e com outras capacidades cognitivas e afetivas. O processo de soluções de problemas é complexo e precisa do trânsito do estágio de trabalho colaborativo ao estágio de independência cognitiva. Esse processo pode-se fundamentar em diversos procedimentos, estratégias e méto- dos que considerem algumas particularidades dessa atividade cognitivo-afetiva. Os métodos problêmicos constituem um subsistema dos métodos gerais de ensino, sendo necessário esclarecer que utilizamos o conceito de método como equivalente à alternativa de solução do problema, e não na sua concepção tradicional de método como seqüência de etapas fechadas, numa visão algorítmica. No ensino de Ciências, podem ser utilizados diferentes estratégias e métodos, dentre os quais estão os métodos de trabalho com problemas. A escolha de um ou de outro método dependerá de um conjunto de fatores relativos aos alunos, às con- dições, aos objetivos e aos conteúdos de ensino, etc. A competência do professor está na capacidade de decidir, como hipótese de trabalho, o método de maior poten- cialidade educativa em cada situação. Existem diversos métodos problêmicos que podem ser utilizados no ensino. Em todos os casos, a seleção depende dos conteúdos da ciência, do tema, da tarefa a realizar, assim como das habilidades dos estudan- tes. No desenvolvimento desses métodos, põe-se em manifesto a dinâmica das categorias objetivo-conteúdo e a solução do problema implica uma busca organi- zada, a ser realizada utilizando métodos problêmicos que permitirão ao estudante a integração de novos conhecimentos, procedimentos e atitudes. Para Garret (1988), solucionar problemas é parte do processo de pensar. 158 Esse autor considera todas as ações do enfrentamento do problema, incluindo o reconhecimento de que existe um problema. A atividade de enfrentar problemas pode ser mais ou menos criativa dependendo do grau de utilidade e originalidade. Isso significa propor, para os estudantes, situações-problema que impliquem solu- ções originais e que tenham certa utilidade. Campos e Nigro (1999) apontam como necessários aos métodos problê- micos, utilizados para trabalhar a solução dos problemas, na sala de aula, os se- guintes direcionamentos: · habituar os alunos a refletir e a tomar decisões sobre o processo de reso- lução, concedendo-lhe crescente autonomia na tomada de decisões; · incentivar a cooperação entre os alunos na realização de tarefas, incen- tivando também a discussão e a manifestação de diferentes pontos de vista. Assim, o aluno irá explorar o problema para confrontar suas respostas com outras formas alternativas de resolução; · proporcionar aos alunos as informações de que necessitam durante o processo de resolução. Realizar um trabalho de apoio, incentivando, nos alunos, o hábito de se perguntarem em vez de simplesmente responderem as perguntas; · dar tempo e espaço para que eles se dediquem intensamente à resolução de problemas; para isso, devem-se organizar adequadamente os grupos de tra- balho, fornecer o tempo necessário para a resolução de um problema e viabilizar a realização de experimentos. O método problêmico constitui uma etapa do processo de atividade cria- dora. Esse método desenvolve-se como uma seqüência que possibilita o trânsito de estágios de trabalho em grupo à independência cognitiva na apropriação de procedimentos e capacidades para a busca de soluções dos problemas, como estratégia de construção do conhecimento e educação científica dos alunos. Exis- tem diversos métodos problêmicos que podem ser utilizados no processo docente. No desenvolvimento desses métodos, enfatiza-se a dinâmica de inter-relação das categorias do ensino por problemas. Como alternativas para a solução de problemas, Martinez (1986) assinala quatro métodos problêmicos, conforme Esquema 05. 159 Esquema 05 – Tipologias dos métodos problêmicos A organização dos distintos métodos em relação à atividade de solução das situações-problemas constitui passos para uma expressiva complexidade, permi- tindo uma etapa de familiarização, isso se considerarmos a questão da falta de hábito dos alunos com os trabalhos de solução de problemas e as metodologias de investigação nas ciências naturais, que se apresentam como obstáculos didáticos, além dos trabalhos de maior independência dentro de um grupo de colegas de atividade de pesquisas. A aplicação dessas alternativas de solução das situações- problema deve se organizar gradativamente, segundo o Esquema 06. Esquema 06 – Seqüência alternativa dos métodos problêmicos no contexto do sistema geral dos métodos de ensino Método investigativo Conversa heurística Busca parcial Exposição problêmica Métodos problêmicos 160 Os métodos problêmicos são um subsistema de um sistema de métodos gerais e diversificados a serem utilizados no ensino de Ciências. Os métodos por problemas que discutiremos resultam ineficazes quando são isolados do sistema de métodos e procedimentos que devem ser estruturados no programa das disciplinas de ciências, a partir das múltiplas referências do professor, de forma global e coesa, segundo as complexas variáveis que intervêm no processo de ensino/aprendizagem. Esses métodos constituem uma expressão do que Gil (1993) tem chamado de “aprendizagem como pesquisa orientada”, em que os alunos, em situações de cooperação, resolvem problemas utilizando metodologias próximas à ciência. Em grupos, abordam situações problemáticas de interesse, interagindo com os outros colegas, com os professores e os textos (como representantes de comuni- dade científica) e o professor como “o pesquisador experiente” do grupo. 2.1. A exposição problêmica A exposição problêmica é um método baseado na exposição significativa dos conhecimentos, para a solução de situações-problema. Para Martinez (1986), na exposição problêmica, o professor não se limita a comunicar as conclusões da ciência, mas busca explicação mediante o estabelecimento de situações-problema e das formas pelas quais os cientistas trabalharam na solução dessas situações. O ensino, nessa perspectiva, propicia aos estudantes assimilar métodos da atividade criadora e conhecer não somente o produto mas a via para formular e resolver os problemas. Assim, podem adquirir alguns recursos para o trabalho nas aulas de ciências, posto que o professor não só lhes oferece a solução do problema, mas cria condições para que se descubra a lógica do movimento do pensamento na busca e indicação das fontes do surgimentodas contradições, argumentando cada passo na resolução do problema. A exposição sistemática dos conhecimentos que o professor faz, no sentido de explicar os fenômenos sociais e os da natureza, além da ampla utilização dos diferentes meios auxiliares, tem sido um importante passo para passar do primeiro tipo de processo docente (dogmático) ao segundo (explicativo). Apesar de garan- tir a assimilação consciente de uma determinada quantidade de conhecimentos, a exposição informativa não ativa devidamente o funcionamento do pensamento dos alunos, proporcionando principalmente a atividade cognoscitiva reprodutora, pois ao receber as verdades científicas, de forma preparada, o aluno deve entendê-las, aprendê-las e reproduzi-las. Conjuntamente com a comunicação informativa das verdades científicas preparadas e sua explicação, nos últimos tempos, tem-se começado a empregar, cada vez mais, a exposição problêmica dos conhecimentos, cuja essência está ba- seada no fato de que o professor não somente transmite as conclusões finais da ciência, mas demonstra a embriologia da verdade. É reproduzir, em certa medida, a forma em que se descobriram. Uma vez estabelecido o problema, o professor 161 mostra as contradições internas que surgem durante a sua solução, pensa em voz alta, faz suposições, analisa-as, impugna as possíveis objeções, mostra a veraci- dade com o auxílio de experimento, demonstrando-o ou falando do realizado pelos cientistas, etc. Em outras palavras, o professor mostra aos alunos a própria via do pensamento científico, fazendo com que estes sigam a evolução da dialética do pensamento na direção da verdade, fazendo-os, poderíamos dizer, co-partícipes da busca científica. Para explicar a essência da exposição problêmica dos conhecimentos científicos, utilizaremos um exemplo, tomado de uma conferência pública de Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), sobre a vida das plantas. Essa questão instiga o pensamento dos ouvintes do problema. Realmente, não se compreende por que é que dois órgãos de uma mesma planta crescem em direções opostas, conforme observado na Figura 02. Figura 02 – Representação esquemática da influência da luz no crescimento do caule e da raiz das plantas Comecemos nosso panorama dos fenô- menos de desenvolvimento da planta desde o momento em que a raiz brota da semente germinante, em que uma parte do embrião se oculta na terra co- mo se fugisse da luz, enquanto outra parte se dirige para essa direção, como se buscasse encontrar-se com a luz. Por que a raiz e o caule crescem em direções opostas, uma em di- reção à terra e o outro em direção à luz ? FATO OBSERVADO PERGUNTA INICIAL 162 Na exposição informativa ter-se-ia dado imediatamente uma explicação preparada para esse fato, e aos ouvintes restaria entendê-la e lembrá-la. Porém, Timiriazev (1982, apud Martinez, 1986), sugere ao professor atuar de outra ma- neira: não apenas transmitindo a verdade alcançada pela ciência mas como esta chegou a ela: – Esta questão não custou barato aos cientistas. – É muito provável que na busca das causas desse fenômeno, as suspeitas dos cientistas tenham recaído sobre a luz e a umidade do solo. – É possível observar que os caules se direcionam no sentido da luz e que as raízes fogem desta e que, por conseguinte, a luz deve colocar-se como a fonte exterior que condiciona a direção do crescimento. Com essas palavras, expõe-se uma das hipóteses elementares que tratou de solucionar o problema anteriormente levantado. Todavia, essa hipótese tem resultado inconsistente e o autor refere que ela não tem podido ser compro- vada pela experiência, referindo-se às experiências que têm impugnado a hipótese. A suposição levantada de que a direção da raiz se deva à umidade do solo foi eliminada por um experimento que consistiu em colocar as sementes germi- nantes rodeadas por terra úmida e envolvidas em uma esponja úmida, cujo grau de umidade em todas as partes será o mesmo. Por outro lado, a direção de crescimento da raiz e do caule também será a mesma, ou seja, na vertical. A raiz e o caule não apresentam nenhuma posição fixa de crescimento, nem com relação à luz, nem com relação à umidade. Sua posição é fixa somente em relação ao horizonte: as raízes crescem sempre para baixo e os caules sempre para cima. Essa constância da direção de crescimento demonstra que a força que provoca esse fenômeno deve ser a gravidade, ou seja, a atração de nosso planeta. Na completa escuridão, a direção de crescimento das partes da planta será a mesma, no entanto, se as sementes forem plantadas em um vaso colocado sobre uma janela, de maneira que receba a luz por baixo, as raízes atravessarão a camada de terra e sairão pela parte inferior do vaso – o seu crescimento seria em direção à luz; e os caules crescerão para cima – portanto, afastando-se da luz. 163 Ao analisar os experimentos que têm impugnado essas suposições, o professor certamente levará os ouvintes a uma nova hipótese: teremos que buscar a solução do problema na força de atração da terra. Porém teremos que mostrar também essa nova suposição: poderemos demonstrá-lo por via estritamente experimental. Poderemos fazer com que essa força atue em períodos curtos de tempo em sentido contrário e que, dessa maneira, equilibremos reciprocamente e eli- minemos a sua ação, em períodos mais prolongados. Basta, para isso, fixar as sementes germinantes em uma roda giratória (por exemplo, uma roda acionada por um pequeno motor eletromagnético). A prova realizada em tais condições demonstrará que a raiz e o caule irão adotar uma posição qualquer, porém con- servarão a posição em que foram fixados. Logo surgirá um novo problema: De novo tem lugar a descrição do processo de solução dessa contradi- ção, ou seja, fala-se sobre os fatos relacionados com a tensão dos tecidos: uma mesma força, ao atuar sobre os tecidos da raiz e do caule, que têm estrutura distinta, produzem resultados distintos e os fazem crescer em direções direta- mente opostas. Se a direção de crescimento das partes da planta depende da força de gravidade, ao eliminar essa força, inativaremos o fenômeno; ao substituir essa força por outra que atue em outra direção, trocaremos portanto o próprio fenômeno. Como fazer essa tarefa ? Como separar qualquer corpo que se encontra na superfície terrestre do efeito da gravitação da terra? Como fazer para que as plantas não tenham parte superior nem inferior? FATO OBSERVADO PERGUNTAS Se dizemos que a raiz dirige-se para o centro da terra por efeito da força de gravidade, isso sem dúvida é compreendido. Como compreender que o caule, ao contrário, tende a fugir do centro da terra, diante da ação dessa mesma força? FATO OBSERVADO PERGUNTA INICIAL 164 Com isso, observamos uma busca por explicações que envolvem não ape- nas uma área específica do conhecimento mas que integrem as diferentes áreas, algo que não busca apenas dar respostas prontas aos fenômenos mas que procura construir explicações com base nas descobertas científicas, em vez de apenas transmitir as informações científicas. A exposição problêmica dos conteúdos, como método de ensino, pode contribuir no sentido de: – motivar os alunos para o estudo das ciências naturais; – instituir atitudes positivas em relação às ciências; – estudar as ciências como produção humana em um contexto social, sua dinâmica, complexidade e não só o estudo das “verdades científicas”; – desenvolver nos alunos o pensamento dialético, na forma de reflexão crítica; – familiarizar os alunos com os procedimentos, estratégias de validação, os problemas das ciências e os cientistas. Segundo Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), a exposição problêmica dos conhecimentos desperta nos alunos a necessidade de solucionar o problema cognoscitivo estabelecido, porém sem que tenham os dados para resolvê-lo independentemente. Por esse motivo, o professor mostra a maneira de resolvê-lo falando das provas que os cientistas têm utilizado para validá-los. A exposição problêmica do conteúdo de estudonão só tem proporcionado a demonstração científica e a assimilação consciente dos conhecimentos, como também tem permi- tido aumentar o interesse e a intensificação da atividade do pensamento do aluno. Esse é o grande valor pedagógico da exposição problêmica dos conhecimentos, resumido na Figura 03. Figura 03 – Vantagens pedagógicas da exposição problêmica dos conhecimentos Torna a exposição mais segura Aumenta o interesse do aluno em aprender Ensina a pensar científica e dialeticamente 165 2.2. A busca parcial A busca parcial é um método que contribui ao trabalho de solução do problema por etapas, possibilita o trabalho em grupo, a comunicação, a defesa/argumentação das idéias, os hábitos de refletir de forma crítica sobre o trabalho do outro, a integra- ção das partes trabalhadas pelos grupos no todo que se orienta a dar uma resposta ao problema. É um método que facilita o “trânsito” para o ensino/aprendizagem com métodos de exigências cognitivas/afetivas de maior complexidade. Nesse método, os estudantes têm a possibilidade de começar a resolver por si mesmos o problema sob a orientação do professor. Ao expor o material, o profes- sor facilita para que os estudantes se incorporem a uma parte do processo de busca para a solução cooperada de alguns dos momentos que implicam a solução total do problema, mediante o método investigativo, ou seja: explicar o fato, definir e testar uma hipótese, fazer uma comprovação pela via experimental, redesenhar o expe- rimento, reformular hipóteses e buscar critérios para validação dos resultados. É uma etapa preliminar do trabalho do aluno com as metodologias cientificas para sua posterior integração à solução de problemas como um todo. A solução de problemas se realiza por etapas, dentro de um mesmo grupo de alunos para quem as tarefas são distribuídas. Um exemplo de trabalho segundo o método problêmico pode ser o seguinte: A seguinte questão pode ser levantada: como trabalhar para diminuir o hidróxido de sódio das águas do rio? O professor se reúne com os alunos para traçar um plano de atividade, conforme disposto no Quadro 02. o professor expõe uma situação-problema que emerge da contaminação ambiental em um rio, como conseqüência da ruptura de uma lagoa de tratamento de água, rica em hidró- xido de sódio, proveniente de uma indústria de papel. 166 DISCIPLINA: Química TEMA: Funções Inorgânicas NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio OBJETIVO: Entender o que é possível fazer para diminuir o hidróxido de sódio da água de um rio contaminado. ATIVIDADE: distribuir diferentes tarefas planejadas de forma que os grupos consigam chegar à seguinte busca: 1. levantamento das condições, do contexto (geográfico, a carga contami- nante, etc.), para uma melhor análise qualitativa da situação; 2. definição do problema (estabelecimento das relações entre o conhecido e o desconhecido e delimitação da zona de busca de respostas); 3. formulação e argumentação das hipóteses; 4. organização de experimentos (em laboratório) para testar as hipóteses em caráter de urgência; 5. transposição dos resultados dos testes do laboratório para o contexto real; 6. controle dos processos físicos e químicos; 7. discussão do grupo das melhores hipóteses e solução para o problema, segundo as condições e possibilidades de se pôr em prática; · Os grupos trabalharão na intenção de resolver as diferentes tarefas de maneira progressiva para a integração dos resultados e para se chegar a respostas possíveis sobre o problema. Cada grupo expõe seus resultados e negocia com os outros a continuidade do trabalho. · O professor contribui na solução do trabalho, atuando como coor- denador da atividade de busca e os alunos somente se incorporarão par- cialmente a algumas das atividades de busca dentro do projeto geral. Quadro 02 – Planejamento de atividade para realizar a busca parcial na solução do problema 167 Na busca parcial, a solução do problema coloca-se como uma organização cooperativa do trabalho. Os problemas são de natureza mais complexa e a busca de informações e o próprio trabalho com os problemas pode levar dias. O valor pedagógico desse método está na elevação do interesse e atenção dos estudantes. Estimula o trabalho ativo do pensamento e como conseqüência contribui para a assimilação consciente e fundamentada dos conhecimentos, preparando os estu- dantes para um trabalho com maior grau de cooperação, de independência, responsabilidade e compreensão do trabalho de solução de problemas. Na opinião de Skatin (1982), o método da busca parcial seria uma prerro- gativa do mestre, mas a solução seria descoberta pelos próprios alunos, que, ao assim fazer, irão adquirir novos conhecimentos, habilidades e atitudes. 2.3. A conversa heurística A heurística1 é a arte de inventar e criar idéias; o seu potencial, no que tange à capacitação de gerar novas idéias e/ou induzir novas invenções, com certeza, favorece o processo de solução de problema. As conversas heurísticas têm sido utilizadas desde a antigüidade. Os sofistas, por exemplo,elaboravam um conjunto de métodos específicos de transmissão de conhecimentos, consideravam a palavra como um bom instrumento para influenciar os homens, e a heurística como a arte de opor critérios mediante a relação tese2-antítese.3 Eles desenvolveram esses métodos como uma ativa participação dos ouvintes por meio de perguntas e exercícios. Sócrates utilizou um método similar, quando reunia seus alunos a seu redor e elaborava a indução dos conhecimentos. O método, denominado maiêutica,4 tinha como objetivo encontrar a essência verdadeira mediante a demonstração ou negação das teses por meio da dialética da discussão. Mediante o diálogo, estabelecia a dúvida no ouvinte para que se sentisse motivado a pensar e resolver com vistas a encontrar a solução do problema. A conversa heurística, como método, pressupõe uma ativa participação dos estudantes mediante perguntas e exercícios de questionamentos para a solução de problemas. Com o emprego do diálogo, estabelece-se a dúvida para estimular os estudantes a pensar e questionar com vistas à solução do problema. Os trabalhos de pesquisa na solução de problemas heurísticos mostram que não é suficiente 1 Heurística – é a arte de inventar ou criar. Conjunto de regras e métodos que conduzem à descoberta, à invenção e à resolução de problemas. 2 Tese – premissa, o primeiro momento do processo dialético. 3 Antítese – oposição, por contradição, entre dois termos ou duas proposições. 4 Maiêutica – processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as perguntas a fim de se obter, indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em questão. 168 informar aos alunos sobre os procedimentos heurísticos de solução de problemas; mas é necessário que os alunos tenham aprendido a regular e controlar sua própria atividade ou que o professor realize esse controle em colaboração com os alunos. Nesse momento, ainda acontece uma mediação mais significativa do professor na atividade do aluno. A conversa heurística, como método de ensino, pode ser utilizada nos seminários e em outros momentos do processo docente. No processo de discussão, promove-se o desenvolvimento das capacidades de pensamento independente, o que se supõe um nível. A conversação heurística contribui para o desenvolvimento do pensamento dialético dos alunos, a reflexão crítica do objeto de estudo, o trabalho da comunicação e a criatividade, dentre outras vantagens de seu uso na solução de problemas. No Quadro 03, encontram-se dois exemplos de situações-problema, a partir dos quais a conversação heurística poderá ser aplicada para obtenção da solução. Tema: Misturas azeotrópicas Nível: 1a série do Ensino Médio Situação-problema Tem-se uma mistura de dois líquidos voláteis e miscíveis (H 2 0 e HCl), de concentração (X H2O = 0,93 ). Quando a mistura é aquecida no aparelho ao lado, observa-se que a temperatura aumenta e a mistura começa a ferver à temperatura variável, até atingir 106,5° C, quandoentão a temperatura fica constante. Como é pos- sível que a mistura de dois líquidos voláteis e miscíveis ferva à temperatura e à pressão constantes? Tema : eletricidade Nível: 2a série do Ensino Médio Paralelo x série: um paradoxo? As lâmpadas incandescentes que são utilizadas para a iluminação doméstica classificam-se por sua potência: 40 W, 75 W, 100 W, etc. A experiência cotidiana nos permite decidir que as lâmpadas incandescentes de maior potência emitem maior luminosidade que as de menor potência. Verifique- mos essa afirmação: 169 1) observe a iluminação de uma lâmpada incandescente de 40 W que está conectada a uma fonte de 120 V. Observe agora uma lâmpada incan- descente de 75 W conectada a mesma fonte. 2) Se as lâmpadas incandescentes anteriores se conectassem em paralelo à mesma voltagem, como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente a sua resposta. Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em paralelo, na fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição. 3) Agora suponha que as mesmas lâmpadas se conectassem em série, na fonte de 120 V. como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente a sua resposta. Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em série, na fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição. Discuta em grupo acerca da explicação de seus resultados. Conclusão: a afirmação inicial “as lâmpadas incandescentes de maior potência emitem maior luminosidade que as lâmpadas incandescentes de menor potência” não é totalmente incorreta, nem totalmente correta. Mo- difique essa afirmativa para que se torne aceitável e explique-a por meio dos conhecimentos em física. Traduzido do artigo: Paradojas demonstrativas como estrategia para generar conflicto cognitivo em estudiantes y profesores. Figueroa, D.R.; Andrés, M.M. y Gutiérrez, G. (1997). Quadro 03 – Exposição de duas situações-problema solucionáveis por meio da conversação heurística 2.4. Método investigativo Mediante o método investigativo, o estudante terá a possibilidade de traba- lhar os procedimentos inerentes aos processos de investigação. O trabalho na sala de aula como pesquisa organizada constitui um método de elevadas exigências cognitivas e afetivas para os alunos. O trânsito pelos métodos anteriores possibi- lita ao aluno familiarizar-se com o trabalho das ciências, sua complexidade como atividade humana e social. Os fundamentos do método problêmico são discutidos no capítulo, deste livro, que trata da aprendizagem como pesquisa orientada, como uma alternativa necessária ao “modelo de mudança conceitual”. 170 3. Considerações finais a respeito da solução de problemas O objetivo de desenvolver a capacidade de resolver problemas não demons- tra apenas que o aluno possa resolver determinado problema, pois a tramitação desse processo de resolução de problemas tem efeitos sobre o conjunto de toda a sua personalidade. O desenvolvimento dessas capacidades é responsabilidade do professor, que não deve confundir problemas com aplicar exercícios, os quais necessitam mais que a aplicação de uma fórmula ou esquema predeterminado e válido para todos os casos semelhantes. Portanto, nessa perspectiva estratégica de desenvolver o ensino por pro- blema, o professor deve simultaneamente incentivar a participação de todos os alunos, mantê-los atentos e provocar bastante sua curiosidade; além disso, deve estimular o pensamento divergente, crítico e dialético, de modo a mostrar que os conhecimentos da ciência e os métodos científicos não foram adquiridos por uma simples leitura. É importante assinalar que a perspectiva que discutimos é uma, dentre diversas, para se pensar o uso de problemas como estratégia de ensino-aprendiza- gem das ciências naturais e da matemática. Referências BACHELLARD, G.; A Formação do espírito científico. São Paulo: Ed. Contraponto,1996. CAMPOS M. C. C. e NIGRO R. 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É cada vez mais importante que desenvolvamos nos nossos alunos as capa- cidades de selecionar informações e refletir criticamente sobre o significado delas numa demonstração de que têm autonomia para aprender a aprender. Pérez (1999) esclarece que o conhecimento, hoje, está relacionado com o inovar, o criar, que é o mesmo que aprender a aprender, englobando a auto-apren-dizagem, a curiosidade, a exploração, o aprender a formular e resolver questões e problemas, tanto de forma individual quanto em grupo; em suma, atuar de modo reflexivo e crítico na sociedade Nesse contexto, destacamos a relevância dos estudos relacionados com a metacognição que, de acordo com a definição clássica de Flavell (1976 apud Campanario, 2000), é o conhecimento que se tem dos próprios processos e pro- dutos cognitivos ou sobre qualquer questão relacionada a eles, ou seja, a metacog- nição está relacionada com as propriedades da informação ou os dados relevantes para a aprendizagem. A metacognição implica a auto-regulação da atividade de aprender, quer dizer, a conscientização dos processos que utilizamos para conhecer os erros e os sucessos, para aprender como aprendemos, responsabilizando-nos pela própria aprendizagem. É importante que o aluno reflita sobre a sua aprendizagem, pois, caso contrário, não terá nem dúvidas para serem esclarecidas (Campanario et al., 1998). Procuraremos ao longo deste capítulo destacar algumas considerações acerca dos processos metacognitivos, de modo a compreender o seus significa- dos e refletir sobre estratégias didáticas que venham a colaborar com o desenvolvi- mento desses processos nos nossos alunos, em aulas de Ciências e de Matemática no ensino médio. 173 1. Metacognição: conceitos e dimensões Pozo (2002) destaca que uma das características que diferenciam a mente de outros sistemas de conhecimento é que esta pode refletir sobre si mesma, podendo tomar consciência de seus estados e, inclusive, às vezes, de seus processos. A partir dessa característica tão singular da mente humana, têm sido desenvolvidos estudos relacionados à capacidade do homem de refletir sobre o seu próprio conteúdo cognitivo. Inicialmente, é relevante compreender o que representa o termo cognição. Para González (1996), este é um termo geral, que se usa para agrupar os proces- sos que envolvem a aquisição, aplicação, criação, armazenagem, transformação, criação, avaliação e utilização da informação. Macias, Soliveres e Maturano (1998) distinguem cognição de metacogni- ção. Para os autores, cognição diz respeito ao conhecer, à ação, ao efeito de conhe- cer. O prefixo meta tem um significado recursivo que faz menção a uma reflexão sobre o conhecimento que tem o sujeito de sua própria cognição. Apesar dos estudos que têm se preocupado com os processos metacogni- tivos estarem em destaque na atualidade, Figueira (2003) revela que os pressupostos da metacognição já estavam presentes em trabalhos que datam do início do século XX. É o caso das discussões presentes em Dewey (apud Figueira, 2003), no seu sistema de indução de leitura refletida em que reconhecia já as atividades de conhecimento e controle (regulação) do próprio sistema cognitivo, apontando como auxiliar a monitorização ativa e a avaliação crítica. Os trabalhos de Vigotsky e Piaget abordavam também a questão do controle/regulação das ações e pensamento e sua evolução. Siraj-Baltchford e Petayeva (2004) assinalam que o conceito de metacognição aparece, inicialmente, dentro do contexto da teoria do processamento da informação com o objetivo de construir um modelo de controle do processo cognitivo. Segundo González (1996), podem-se destacar três momentos nas pesquisas que abordam a categoria metacognição. Inicialmente, observam-se os trabalhos de Tulving e Madigan (1969 apud González, 1996), que apresentaram uma crítica ao estado em que se encontravam as investigações em torno da memória humana, ressaltando que nós temos conhecimento e crenças de nossos próprios processos de memória, chegando à conclusão de que existe uma relação significativa entre o funcionamento da memória e o conhecimento que se tenha dos processos desta. O momento posterior é influenciado pelos trabalhos de Flavell (1971 apud González, 1996), que realizou pesquisas que buscavam estudar a metamemória de crianças, ou seja, uma reflexão destas acerca de sua própria memória. No período seguinte, os estudos estão relacionados com a gênese das di- mensões da metacognição relativas às limitações que as pessoas apresentam para generalizar ou transferir o que aprenderam para outras situações. Essa perspec- tiva relaciona-se com o ensino explícito do método de auto-regulação, que per- 174 mitiu aos sujeitos experimentais, o monitoramento e a supervisão dos próprios recursos cognitivos que possuíam. Chega-se, nesse momento, à compreensão da meta-cognição concebida como o controle que o sujeito tem de sua própria cogni- ção (Figura 01). González (1996) lembra que esses trabalhos atrelados aos de Flavell sub- sidiaram a confirmação de que o ser humano é capaz de se submeter a estudos e análise dos processos que ele mesmo usa para conhecer, aprender e resolver problemas, ou seja, o sujeito pode ter conhecimento de seus próprios processos cognitivos, bem como controlar e regular o uso desses processos. Figura 01 – A metacognição pode ser entendida como o controle da própria cognição Diversos autores, como Chadwick (1985), García e La Casa (1990), Yussen (1985), Otero (1992), são citados por González (1996), por contribuírem para o aprofundamento da compreensão do conceito de metacognição. Chadwick (1985 apud González, 1996) descreve a metacognição como a consciência que uma pessoa tem em relação aos seus processos e estados cognitivos. Para García e La Casa (1990 apud González, 1996), a metacognição estaria relacionada ao conhecimen- to que o sujeito teria das características e limitações de seus próprios recursos cognitivos e com o controle e a regulação que ela pode exercer em tais recursos. Yussen (1985 apud González, 1996) diz que a metacognição seria um conjunto de processos que estaria relacionado com a própria cognição e, assim, por exemplo, quando nós refletimos sobre estratégias que podem subsidiar a memorização de algum conteúdo, este processo seria a metamemória; se nos interrogássemos da nossa compreensão acerca de um determinado conteúdo que estudamos, pode- ríamos chamar o processo de metacompreensão. Campanario et al. (1998) citam que, em geral, qualquer estratégia cognitiva que pode ser utilizada para controlar o estado dos próprios conhecimentos ou o estado da própria compreensão tem uma dimensão metacognitiva. Costa (1985) ratifica essas considerações afirmando que a capacidade 175 metacognoscitiva é inerente ao ser humano e está relacionada a quatro dimensões que destacamos no Esquema 01. Esquema 01 – Capacidade metacognoscitiva (Costa, 1985) Figueira (2003) afirma que alguns autores abordam a metacognição en- fatizando simultaneamente tanto o conhecimento do próprio conhecimento, do conhecimento dos próprios processos cognitivos e suas formas de operação quanto à auto-regulação do pensamento, isto é, a capacidade de regular esses processos. Outros autores, entretanto, destacam a independência dessas duas dimensões. Fi- gueira (2003) defende a idéia da interdependência dessas duas dimensões; essa posição também é defendida por nós. 1.1. A importância da auto-regulação nos processos metacognitivos Uma das dimensões importantes da metacognição diz respeito ao con- trole/regulação dos processos de cognição pelo sujeito durante a realização das atividades de aprendizagem, que pode acontecer, por exemplo, por meio do planejamento de suas ações. Em relação à importância da auto-regulação na aprendizagem, Campa- nario et al. (1998) afirmam que alunos que utilizam as estratégias de aprendizagem auto-reguladas consideram a aquisição de conhecimentos como um processo sis- temático e controlável, sendo capazes de avaliar seu próprio progresso em relação aos objetivos que se propõe, e acomodar sua atividade segundo os resultados de sua auto-avaliação. Refletir e avaliar a produtividade de seu próprio funcionamento intelectual Ter consciência de seus próprios pensamentos na resolução do problema Elaborar estratégias para processar informações Conhecer o que conhece Capacidade metacognoscitiva176 Flavell (1979, 1981 apud Figueira, 2003) apresenta um modelo de moni- torização cognitiva em que a regulação ocorre pela ação e interação de quatro categorias: - o conhecimento cognitivo – que corresponde ao conhecimento que temos e nos permite interagir com as novas situações; - as experiências cognitivas – que estão relacionadas com tudo que acontece antes, durante e depois da atividade cognitiva, contemplando tanto questões cognitivas quanto afetivas; - os objetivos ou tarefas – que estão relacionados com os objetivos implí- citos ou explícitos que fomentam ou mantêm a atividade cognitiva do sujeito. Estes têm um papel importante, na medida em que orientam a ação a ser reali- zada pelo sujeito; - as ações ou estratégias – que se referem às cognições ou outros compor- tamentos, relacionados ao progresso ou à avaliação dos processos cognitivos. Para Brown (1979 apud Figueira, 2003), a metacognição implica autocons- ciência, ou seja, saber que se sabe; saber o que se sabe e saber, igualmente, o que não se sabe. Esse autor defende que o pensamento metacognitivo é possuidor de três atributos: o conhecimento que o sujeito teria dos seus processos cognitivos, a tomada de consciência desses processos e a regulação que o sujeito teria dos seus próprios processos mentais. Figueira (2003) esclarece que na perspectiva de autores como Bouchard- Bouffard et al. (1993), Flavell (1981) e Lefebvre-Pinard e Pinard (1985), a auto- regulação envolveria quatro grandes dimensões: o processamento, a regulação, a motivação e as experiências metacognitivas (Esquema 02). Esquema 02 – Dimensões da auto-regulação Experiências metacognitivas Motivação Regulação Processamento Dimensões da auto-regulação 177 A dimensão relativa ao processamento (Esquema 02) estaria relacionada às estratégias cognitivas que o sujeito utiliza para processar o material de aprendi- zagem, de modo a alcançar os objetivos desta. Já a regulação incluiria estratégias metacognitivas, utilizadas para organizar, regular e coordenar, de modo a ter con- trole na própria aprendizagem. As experiências cognitivas, por sua vez, ocorre- riam durante a atividade metacognitiva, proporcionando um feedback interno, consciente, relacionado com o progresso, passado ou futuro, para alcançar o obje- tivo desejado. Finalmente, a motivação estaria relacionada com o esforço realizado pelo sujeito na tarefa, como a relação pessoal ao objetivo específico à realização da atividade e como a atitude mental face às possíveis dificuldades. Kuhl (1987 apud Campanario et al., 1998) ratifica a importância da moti- vação nos processos metacognitivos, visto que devido a um fracasso na aprendi- zagem, a atenção dos sujeitos pode concentrar-se em aspectos parciais da tarefa que podem não ser relevantes para o êxito desta. Isso depende, em parte, do conhe- cimento que o sujeito tem sobre a efetividade de diferentes formas de atuação para conseguir o objetivo. Para esse autor, o desconhecimento dos sujeitos seria uma das principais causas da desmotivação. A atribuição inadequada das causas de êxito ou fracasso a deficiências próprias, mais que a ineficiência de determinadas técni- cas de trabalho e de estudo, pode conduzir a patologias e a distúrbios atitudinais. Campanario (2003) considera que para o controle da compreensão, ao se trabalhar com textos em ciências, podem-se distinguir duas etapas bem diferen- ciadas: a avaliação em que o sujeito comprova o estado atual da própria aprendi- zagem, em que descobre os problemas, e a regulação, em que o sujeito buscaria estratégias a fim de solucionar as lacunas para a resolução do problema. Entre essas duas fases, haveria uma intermediária, denominada de planejamento, em que são selecionadas as estratégias e os recursos cognitivos necessários para se conseguir as metas de compreensão de acordo com o propósito da leitura. O referido autor destaca ainda que o controle da compreensão consiste no sujeito ter conhecimento do seu entendimento ou não de uma determinada questão. Essa estratégia, que pode parecer básica, nem sempre é desenvolvida de maneira adequada, quer dizer, é possível que os alunos não tenham consciência de que não entendem. Outra estratégia cognitiva muito importante é a formulação de perguntas por parte dos alunos, consistindo em uma das possíveis estratégias de auto-regulação cognitiva que os sujeitos podem desenvolver, quando são conscientes de que têm algum problema de compreensão (Campanario et al., 1998). 2. A importância da metacognição no ensino de Ciências No ensino de Ciências, bem como de outras disciplinas, podemos destacar algumas destrezas básicas que devem ser desenvolvidas nos alunos, como as capa- cidades de observação, classificação, comparação, medição, descrição, organização 178 coerente das informações, predição, formulação de hipóteses e inferências, interpreta- ção de dados, elaboração de modelos e obtenção de conclusões. De acordo com Baker (1991 apud Campanario, 2003), há um paralelismo entre algumas dessas destrezas e certas estratégias metacognitivas que são utilizadas na aprendizagem em Ciências. Por outro lado, as diferenças entre as estratégias cognitivas inerentes ao pensamento cotidiano e científico são questões que devem ser levadas em consi- deração, pois, como é referido por Otero e Campanario (1990), as pautas de pen- samento e raciocínio cotidianos em contextos científicos representam uma das estratégias inadequadas que os alunos podem utilizar em tarefas de aprendizagem em Ciências. Reif e Larkin (1991) explicam também que as cadeias de raciocínio cotidiano são curtas e contêm várias premissas aceitáveis; já as cadeias de pen- samento científico são maiores e as premissas estão mais definidas. O caráter im- plícito de pensamento cotidiano também se contrasta com o caráter explícito do conhecimento científico (Campanario et al., 1998). A metacognição influencia significativamente a resolução de problemas e esta representa uma fonte de muitas dificuldades para alunos no ensino de Ciências. O estudo de Swanson (1990 apud Campanario et al., 1998) revelou que possi- velmente o alto nível metacognitivo pode compensar deficiências nas habilidades acadêmicas na resolução de problemas. De acordo com Garcia e La Casa (1990 apud González, 1996), a meta- cognição, na resolução de problemas, expressa-se na capacidade que tem o sujeito que resolve o problema em observar os processos de pensamento próprios que ele utiliza na realização da tarefa e de refletir sobre eles. As formulações mais atuais do modelo de mudança conceitual propõem o seu caráter metacognitivo, pois a reflexão sobre o próprio conhecimento e controle dos processos cognitivos por parte do aluno são um componente necessário para a mudança conceitual (Campanario et al., 1998). Podemos destacar ainda a importância das estratégias metacognitivas em relação às concepções epistemológicas dos alunos, pois essas concepções fazem parte do conhecimento metacognitivo, visto que estariam relacionadas às idéias que os alunos mantêm acerca da natureza da ciência, do conhecimento científico e sobre a própria aprendizagem da ciência, implicando conhecimento sobre as próprias idéias, sobre o próprio conhecimento. E essas concepções epistemológicas são fun- damentais para a orientação e a atuação dos alunos em tarefas de aprendizagem (Campanario et al., 1998). White (1999) explica o projeto PEEL (Project for Erhascing Effective Learning), orientado ao aumento de uma aprendizagem compreensiva. Nesse projeto, assume-se a “meta aprendizagem” como “metacognição”, sendo um com- ponente que favorece a autonomia dos alunos, e sua responsabilidade com a apren- dizagem. Os resultados das pesquisas relatam um grupo de condutas de aprendi- zagem, que podem contribuir com a “ metacognição”. O autor resume em 25 algumas dessas condutas, que apresentamos a seguir (Quadro 01). 179 Pede ajuda observação de conduta 1. Avisa ao professor quando não compreende. 2. Pergunta ao professor o porquê doserros. 3. Diz ao professor o que não compreende. 4. Compara o trabalho com as orientações, corrigindo erros e omissões. 5. Quando se bloqueia, volta ao trabalho anterior antes de perguntar ao professor. 6. Comprova a compreensão pessoal da instrução e do material, procura mais informações, se precisar. 7. Procura razões para as partes do trabalho. 8. Antecipa e prevê possíveis resultados. 9. Planeja uma estratégia geral ao início. 10. Explica propósitos e resultados. 11. Comprova o trabalho do professor para encontrar erros, e propõe correções. 12. Procura conexões entre as idéias e as atividades relacionadas a elas diretamente. 13. Procura conexões entre idéias e atividades não relacionadas a elas diretamente, e entre temáticas diferentes. 14. Procura mais informações de forma independente, aplicando idéias a turma. 15. Procura conexões entre idéias e temas diferentes. Comprova o avanço pessoal Planeja e antecipa Reflexão no trabalho 180 16. Faz perguntas inquisitivas no geral. 17. Oferece exemplos pessoais relevantes no geral. 18. Procura conexões específicas entre o trabalho escolar e a vida pessoal. 19. Tenta descobrir fraquezas na sua compreensão. Comprova a consistência de suas explicações através de diferentes referências. 20. Sugere novas atividades e procedimentos alternativos. 21. Expressa desacordo. 22. Propõe idéias, novas intuições e explicações alternativas. 23. Justifica opiniões. 24. Reage e refere-se a comentários dos outros colegas. 25. Questiona um texto ou uma resposta que o professor considera como correta. Quadro 01– Condutas que podem contribuir à metacognição 3. Estratégias didáticas subsidiando a metacognição É importante que no ensino-aprendizagem de Ciências o professor propi- cie situações que auxiliem o desenvolvimento do processo metacognitivo em seus alunos. Nesse sentido, Figueira (2003) aponta algumas questões que servem como subsídios às estratégias metacognitivas, como por exemplo: - estimulação dos alunos a verbalizarem suas dificuldades e os processos cognitivos utilizados na realização das tarefas; - avaliação dos percursos realizados e a explicitação da razão das dificul- dades ou sucessos, de modo a permitir que o aluno conheça o seu mecanismo de aprendizagem; - explicitação por parte do professor dos seus próprios processos mentais, na apresentação dos conteúdos; Construção reconstrução de condutas Faz relações com crenças e experiências Adota uma postura 181 - explicação, por parte do professor, do processo subjacente aos conteúdos e ao desenvolvimento de procedimentos mais dirigidos à correção, analisando e avaliando mais o processo de aprendizagem do que os seus produtos. Campanario (2000) destaca a importância de o professor propor estraté- gias que auxiliem o processo metacognitivo em seus alunos e cita algumas estraté- gias que podem ser adotadas, como: - partir de questões que normalmente não são questionadas no cotidiano e apontar questões que mereçam reflexões; - aplicar o conhecimento científico ao cotidiano; - utilizar a história da ciência com uma dimensão cognitiva, auxiliando a conscientização dos alunos de que muitas vezes suas idéias são semelhantes a teorias e pontos de vista baseados na história da ciência (Pozo, 1987 apud Cam- panario, 2000); - fomentar as atividades de auto-avaliação por parte dos alunos, por exemplo, solicitar que eles auto-avaliem o seu grau de confiança nas respostas que propor- cionam às perguntas, utilizando uma escala determinada ou que auto-avaliem suas expectativas e possibilidades de êxito antes de começar um exame. A partir das considerações feitas acima, pode-se pensar em alguns tipos de tarefas que podem ser propostas aos alunos, de modo a auxiliar no desenvolvimento de estratégias metacognitivas (Campanario, 2000), como, por exemplo: - as atividades do tipo predizer-observar-explicar, que ajudam o aluno a compreender que muitas vezes a ciência é contra-intuitiva e que a aprendizagem requer um certo esforço de abstração. Esse tipo de atividade ajuda os alunos a tomarem consciência de que o conhecimento científico pode ser utilizado para entender situações e problemas cotidianos. Tais atividades podem ser complemen- tadas com pequenas experiências que podem ser desenvolvidas em casa e discutidas em classe; - a construção e discussão de mapas conceituais que ajudam os alunos a se conscientizarem de seus processos de aprendizagem e a avaliar as relações entre os conceitos; - a resolução de problemas com pequenas investigações, uma vez que isso auxilia os alunos a adquirirem uma idéia mais adequada da atuação cognitiva na área das ciências; - a elaboração de um diário que poderia ser utilizado nas realizações das atividades, ao longo da disciplina, constituindo uma base documental que subsidiaria a auto-avaliação por parte de seus alunos, seus avanços nas disciplinas e suas concepções sobre a aprendizagem; - o emprego de um autoquestionário (Quadro 02), que pode fomentar o uso de determinadas estratégias de estudo, de aprendizagem ou de compreensão, ou incidir e organizar o desenvolvimento de estratégias adequadas de controle da própria compreensão; 182 Quadro 02 – Exemplo de um autoquestionário, que pode ser utilizado para contrastar o que foi aprendido em uma tarefa de estudo independente a partir de livros-texto Fonte: Campanario, (2000) - a utilização de perguntas para que os alunos contestem por escrito. Essas perguntas podem estar relacionadas, por exemplo, com a explicação de uma experiência realizada anteriormente, com a resolução de um problema qualitativo ou com a análise de um processo, representando uma estratégia bastante útil em classes numerosas. O seu uso regular possibilita que os alunos detectem suas lacunas de compreensão, entretanto, a persistência de erros conceituais e a necessidade de insistir em determinados aspectos não é uma questão que seja dominada; - a formulação de perguntas por parte dos próprios alunos, constituindo uma estratégia importante de auto-regulação cognitiva. A formulação de perguntas Quais são as idéias principais do texto? 1. Foram encontradas inconsistências aparentes entre diferentes partes do texto? 2. Posso repetir o conteúdo do texto com minhas próprias palavras? 3. Existem diferenças entre as minhas idéias iniciais sobre o conteúdo do texto e o que é afirmado nele? 4. Que problemas de compreensão foram encontrados? 5. Posso relacionar o conteúdo do texto com outras lições e/ou unidades estudadas anteriormente? 6. As informações ou resultados alcançados são “razoáveis” ? 7. Coloca-se explicitamente algum problema conceitual no texto ou é uma mera exposição de informações? 8. São discutidos os limites da aplicabilidade dos conceitos, equações, princípios e/ou teorias que se apresentam? 9. São discutidas, no texto, outras alternativas possíveis à apresentada? 183 implica a necessidade de que os alunos concentrem-se no conteúdo e representem mentalmente a situação com um maior grau de detalhe. Um exemplo de atividade metacognitiva, proposta para a análise e regulação dos processos cognitivos que os alunos utilizam na compreensão de textos de física, é proposta por Macias, Solinares e Maturano (1998), com base no seguinte questionário: Quadro 03 – Exemplo de uma atividade metacognitiva (Macias, Solinares e Maturano,1998) 1- Que entende quando usa o termo “ler”? 2- Que utilidade tem para você a leitura? Selecione (marcar com um X) as opções que correspondem com seus procedimentos: 3- Como avalia sua compreensão do que foi lido? Através de: ( ) resumir o texto ( ) expressar oralmente, sem olhar o texto escrito ( ) fazer gráficos dos conceitos ( ) outras. Quais? ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ( ) não utiliza estratégia 4- Que estratégias utiliza quando não compreende uma parteda leitura do texto? ( ) volta a ler várias vezes ( ) procura dar sentido utilizando todo o parágrafo ( ) consulta fontes externas: ( ) dicionários ( ) outros livros de textos ( ) professor ( ) colegas ( ) formula novas perguntas ( ) define a idéia principal e as idéias secundárias ( ) faz resumos ( ) outros. Quais? ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ( ) não utiliza alguma estratégia em particular. 184 Conclusões As idéias iniciais apontadas neste capítulo ratificam a importância da meta- cognição no ensino de ciências, destacando que esta nos subsidia na exploração de nossas fortalezas, bem como compensa as nossas debilidades, ajudando a diminuir nossos erros mais comuns. Nesse sentido, Pozo (2002) esclarece que, na medida em que temos consciência dos nossos processos psicológicos, podemos usá-los de modo mais eficaz e flexível no planejamento de nossas estratégias de aprendizagem, quer dizer, as seqüências de procedimentos e atividades cognitivas se integram com o propósito de facilitar a aquisição, armazenamento e/ou utilização de informação. Por essas razões, defendemos que a metacognição deve ser incluída como um dos objetivos do ensino, uma vez que orienta o aprender a aprender. Não obstante, essa idéia leva consigo uma série de interrogações para o trabalho do professor, quanto ao lugar que ocupa essa estratégia no sistema de estratégias das disciplinas. Referências CAMPANARIO, J.M. et al. La metacognición y el aprendizaje de las ciencias. In: BANET, E.; PRO, A. de (Eds.) Investigación e inovación en la enseñanza de las Ciencias. Murcia: Ed. DM. v. 1. 1998, p. 36-44. CAMPANARIO, J. M. El desarrollo de la metacognición en el aprendizaje de las ciencias: estratégias para el professor y actividade orientadas al alumno. Enseñanza de las Ciencias. Barcelona, v.18, n. 3, p. 369-380, 2000. CAMPANARIO, J. M. Preguntas y respuestas en la enseñanza de las ciencias. Tarbya: Revista de Investigación y Innovación Educativa. Disponível em: <http:www2.uah.es/ jmc/webwns/108.html>Acesso em: 25 nov. 2003. COSTA, A. L. (1985). Mediating the Metacognitive. London: Educational Leadership, p. 57-76, 1984. FIGUEIRA, A, P. C. Metacognição e seus contornos. 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GENERALIZAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE APRENDIZAGEM Tereza Cristina Leandro de Faria, Anadja Marilda Gomes Braz e Isauro Beltrán Nuñez Introdução Educação ao longo de toda vida, relação teoria e prática no contexto do currículo escolar, desenvolvimento da autonomia, elaboração e construção das próprias interpretações, reconstrução da cultura e do conhecimento, eis alguns desafios presentes às novas necessidades formativas, cujo fomento da competên- cia ultrapassa a noção e se situa na educação integral para a cidadania. O alcance dessas necessidades implica, sobretudo, uma nova forma de en- sinar e aprender que permite desenvolver no aprendiz determinadas capacidades: flexibilidade do pensamento, criatividade, pensamento crítico, generalizações e transferência de aprendizagens. Mas em que consistem essas capacidades? O que preconizam as pesquisas sobre suas respectivas potencialidades para a formação do indivíduo? Como o professor pode inserir em sua prática pedagógica tais capacidades formativas? Estes são alguns aspectos abordados a seguir. 1. Flexibilidade do pensamento e pensamento crítico A rapidez das transformações científicas e tecnológicas, o avanço das comunicações e o acúmulo de informações que a sociedade do conhecimento proporciona repercutiram nas escolas de diferentes maneiras, dentre elas na exigência de proporcionar ao aluno novas formas de aprender e lidar com o conhecimento, pois quanto mais complexas, abstratas, mediatizadas por tecnolo- gias forem as ações, mais conhecimentos aprofundados, avançados, organizados e confiáveis elas exigem, ao mesmo tempo que também exigem as competências apropriadas para mobilizá-los em tempo hábil. Nesse contexto, emerge a necessidade de se trabalhar o desenvolvimento das competências do aluno desde a escola e, como parte integrante delas, a “fle- xibilidade do pensamento”, ou seja, a capacidade de mudar as estratégias de trabalho face às novas situações ou informações. Essa qualidade do pensa- mento proporciona ao indivíduo a plasticidade necessária para reorganizar 187 suas estratégias cognitivas e, assim, a possibilidade de procurar muitas e varia- das alternativas de solução para os problemas que lhe estão sendo postos pela sociedade do século XXI. Para Perez (2003), a flexibilidade do pensamento é a capacidade de mudar modos de pensar, geralmente evitando caminhos e procedimentos usuais, quando se precisa de sugestões originais. Segundo Bernard (1997, apud Lescaille, 2002), é a capacidade para mudar planos e táticas, a partir do momento em que os anti- gos não dão bons resultados, como também a habilidade para modificar métodos e procedimentos de ação, em decorrência das particularidades da “situação-pro- blema”. Lescaille (2002) define essa flexibilidade como a mudança nos métodos de ação na situação, que, por sua vez, depende da habilidade do indivíduo para distinguir as propriedades e relações fundamentais, dos meios da atividade mental e da situação em que estes se encontram. Assim sendo, como elemento do pen- samento, caracteriza-se pela possibilidade de reorganizar as ações iniciais e as conclusões delas derivadas, quando elas deixam de responder às condições variá- veis e aos objetivos da atividade, na construção de novas estratégias. Manifesta-se externamente na originalidade da análise qualitativa das situações-problema, na possibilidade de revalorizar e ultrapassar as limitações de experiências passadas face às novas situações (Kalmykova, 1986). A flexibilidade do pensamento possibilita o que Dewey (1957, p.43) con- siderava como a “mentalidade aberta”, ou seja: A ausência de preconceitos, de parcialidades e de qualquer outro tipo de hábito que limite a mente e a impeça de considerar novos proble- mas e de assumir novas idéias [...] e que integra um desejo ativo de escutar mais do que um lado, de acolher os fatos independente da sua fonte, de prestar atenção sem melindres a todas as alternativas, de reconhecer a possibilidade de erro, a examinar as razões do que se passa [...], a investigar evidências conflituosas, a procurarvárias respostas para uma mesma pergunta, a refletir sobre a forma de melhorar o que já existe, etc. A flexibilidade do pensamento, igual a qualquer outra particularidade psíquica, forma-se e desenvolve-se no processo de comunicação e da atividade em interação com os outros indivíduos. Assim, pode ser desenvolvida na escola sob situações de aprendizagem que orientem a necessidade de mudar-se de opinião, de procedimentos e de referencial teórico, de forma consciente. Como estratégia de intervenção, cabe ao professor estimular ao máximo nos alunos a curiosidade, o risco, a mudança, as transformações e a solução de contradições, favorecendo o seu desenvolvimento (Figura 01). Da curiosidade, vale destacar o que diz Freire (1999, p.35): A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao des- velamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura 188 de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curio- sidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos. Figura 01 – Intervenções que podem subsidiar a flexibilidade de pensamento Kanitz (2003), tecendo comentários sobre a permanência de Richard Feynman no Brasil – um dos poucos ganhadores do Prêmio Nobel que o Brasil pôde conhecer de perto “, acrescenta que o método de ensino eficaz, segundo Feynman, deveria formar indi- víduos curiosos. O objetivo final de uma aula teria de ser formar futuros pesquisadores, e não decoradores da matéria. O que mais o espantou é que nosso ensino de física e química é muito superior ao americano, algo que todo brasileiro já sabe. Mesmo assim, notou Feynman, o Brasil produz menos físicos e químicos que os Estados Unidos. A hipótese que ele levanta é o método de ensino. Damos muita teoria e informação, mas ensinamos pouco como usar as informações aprendidas. Por sua vez, os americanos sabem e aprendem muito menos teoria, mas devotam mais tempo aprendendo como usar a informação apresentada, sob todos os ângulos. As investigações de Zaparozhetz e de Lukova (2001, apud Lescaille, 2002), dedicadas ao problema da sensibilidade de indivíduos, em idade escolar, para a Flexibilidade do pensamento Estimular a resolução de contradições Estimular as transformações Estimular o risco Estimular a mudança Estimular a curiosidade 189 solução de contradições, mostraram que em condições determinadas, quando a situação-problema resulta ser compreensível, eles podem analisar as contradições e procurar alternativas de solução antes não utilizadas, demonstrando a flexibili- dade do pensamento. 1.1. A flexibilidade do pensamento, pensamento crítico e criatividade É importante mencionar que o pensamento flexível é uma característica do pensador crítico, daquele que na sua vida cotidiana inclui a curiosidade em relação a uma ampla gama de temas; a preocupação de chegar a estar e a manter- se bem informado; o aproveitamento das oportunidades para usar o pensamento crítico; a confiança nos processos de investigação argumentada; a autoconfiança nas próprias habilidades para raciocinar; a abertura mental a respeito de visões divergentes do mundo; a compreensão das opiniões de outras pessoas; a hones- tidade para enfrentar os próprios prejuízos, as inclinações, esteriótipos ou tendên- cias egocêntricas; a prudência para suspender, formular e alterar juízos e o desejo de reconsiderar e revisar as posturas em que a reflexão honesta sugere que se garanta uma mudança. Um indivíduo disposto ao pensamento crítico provavelmente estaria de acordo com as seguintes afirmações (Facione, 2003): · é importante eu tratar de descobrir o que a gente realmente quer dizer com o que disse; · sempre me destaco em trabalhos nos quais se espera que eu pense as coisas por mim mesmo; · evito tomar decisões até ter repassado minhas opiniões; · mais do que me confiar na informação de outro, prefiro ler o material eu mesmo; · embora um problema termine sendo mais difícil do que eu esperava, seguirei trabalhando nele; · é mais importante tomar decisões inteligentes do que ganhar as discussões. Entretanto, um indivíduo pouco disposto ao pensamento crítico talvez não concorde com as afirmações mencionadas acima, mas estaria vulnerável a concor- dar com: · prefiro os trabalhos em que o professor diz exatamente o que se tem de fazer e como fazê-lo; · não importa a complexidade de um problema, podem apostar que tem uma solução simples; · não perco tempo buscando coisas; · não gosto quando os professores comentam os problemas no lugar de dar as respostas. 190 Os bons pensadores críticos também podem ser descritos em termos de como eles enfocam temas específicos, perguntas ou problemas. São deles as seguintes características: · claridade, para expressar as dúvidas ou preocupações; · disposição, para trabalhar com a complexidade; · preocupação, para buscar informação relevante; · raciocínio, para selecionar e aplicar critérios; · cuidado, para enfocar a atenção no que importa no momento; · persistência frente às dificuldades em que se encontram; · precisão no grau permitido pelas circunstâncias. Mas, torna-se importante mencionar que existe uma relação dialética entre a estabilidade do pensamento que orienta a solução de determinado tipo de tarefa, as habilidades e os hábitos e a flexibilidade do pensamento que procura o novo. Vale salientar que flexibilidade e pensamento crítico são qualidades de indi- víduos criativos e que a criatividade está muito relacionada com o que é novo, original e surpreendente. Perez (2003) apresenta a definição de criatividade de Murray como processo de realização cujos resultados são desconhecidos, sendo dita realização valiosa e nova. Também evidencia que na perspectiva de Torre é a capacidade e atitude para gerar idéias novas e comunicá-las. Observa-se que ambas apresentam um elemento em comum que se denomina “novidade”. Os produtos criativos são diferentes dos considerados “raros” por sua qualidade. Segundo Kneller (1978, p. 19): O pensamento criador é inovador, exploratório, aventuroso. Impaciente ante a convenção, é atraído pelo desconhecido e indeterminado. O risco e a incerteza estimulam-no. O pensamento não criador (o termo não é desairoso) é cauteloso, metódico, conservador. Absorve o novo no já conhecido e prefere dilatar as categorias existentes a inventar novas. Para Facione (2003, p. 24): O pensamento criativo ou inovador é o tipo de pensamento que nos guia a novas visões, a enfoques originais, a perspectivas novas, a completas e novas formas de entender e conceber as coisas. Os resultados de pensamentos criativos incluem algumas coisas óbvias como a música, a poesia, a dança, a literatura dramática, as inven- ções e as inovações técnicas. Mas também tem alguns exemplos não tão óbvios, tais como a forma de fazer uma pergunta para que expanda os horizontes das possíveis soluções, ou as formas de conceber desafios de relações propostas e que guiam a um ver o mundo de formas imaginativas diferentes. 191 Cria-se, quando se descobre1 exprime uma idéia, um artefato ou uma for- ma de comportamento que seja nova para o sujeito. Nova para o sujeito, porque a descoberta, por uma pessoa, daquilo que foi revelado por outra pode ser con- siderada uma realização criadora. Um dos grandes momentos da pintura ocidental, por exemplo, é marcado pela descoberta da terceira dimensão por Gioto. Um estudante que atualmente descubra a terceira dimensão não deixa de ser criador, porque alguém já a revelou antes dele (Kneller, 1978). Para Kneller (1978), o pensamento criativo pode ser desenvolvido pela escola quando (Esquema 01): · se estimulam os alunos a terem idéias originais (originalidade) por meio de exercícios, tais como: pedir que escrevam uma descrição da escola ou da vizinhança, sabendo que obterão os melhores resultados se mencionarem coisas que ninguém tenha observado ou só poucos tenham feito;