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Autora: Profa. Yone Natumi Colaboradores: Prof. Ricardo Tinoco Prof. Mário Henrique Caldeira Arquitetura e Urbanismo Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Professora conteudista: Yone Natumi É arquiteta e urbanista, graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP (1983) e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela mesma instituição (2014). É professora da Universidade Paulista (UNIP) desde 2015 nos cursos de graduação em Engenharia Civil, nas disciplinas: Arquitetura e Urbanismo; Estradas e Aeroportos; Geodésia; Tecnologia da Construção/Sistemas Construtivos; Tópicos de Atuação Profissional; Topografia; Sistemas de Tratamento de Água e Esgoto e Estudos Ambientais e Saneamento Urbano. Foi membro de bancas examinadoras de TCC no campus Tatuapé em 2017 e 2018. Fora do âmbito acadêmico, sempre atuou na iniciativa privada com participação em projetos de arquitetura hospitalar, hotéis, habitacionais uni e plurifamiliares, edifícios comerciais, industriais, mobilidade urbana, entre outros. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) N285a Natumi, Yone. Arquitetura e Urbanismo / Yone Natumi. – São Paulo: Editora Sol, 2019. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-102/19, ISSN 1517-9230. 1. Arquitetura. 2. Urbanismo. 3. Normalização no Brasil. I.Título. CDU 72 W503.17 – 19 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vera Saad Elaine Pires Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Sumário Arquitetura e Urbanismo APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 ARQUITETURA ................................................................................................................................................... 11 1.1 Conceituação ......................................................................................................................................... 13 1.2 Etapas do projeto de arquitetura ................................................................................................... 13 1.2.1 Levantamento de dados (LV) .............................................................................................................. 14 1.2.2 Programa de necessidades (PN) ........................................................................................................ 16 1.2.3 Estudo de viabilidade (EV) ................................................................................................................... 16 1.2.4 Estudo preliminar (EP) – definições iniciais e conceituais ..................................................... 17 1.2.5 Anteprojeto (AP) e/ou projeto de aprovação e/ou de pré-execução (PR) – interfaces com outras disciplinas ................................................................................................................ 18 1.2.6 Projeto legal (PL) ..................................................................................................................................... 18 1.2.7 Projeto básico (PB) (opcional) – especificação e consolidação para cotação da obra .................................................................................................................................................. 19 1.2.8 Projeto para execução (PE) – detalhamento e ajustes de compatibilização .................. 19 1.3 Desenho técnico do projeto arquitetônico de edificações .................................................. 19 1.3.1 Normas de desenho ............................................................................................................................... 22 1.3.2 Planta baixa ............................................................................................................................................... 25 1.3.3 Corte............................................................................................................................................................. 27 1.3.4 Fachada ....................................................................................................................................................... 28 1.3.5 Detalhes ...................................................................................................................................................... 29 1.4 Building Information Modeling (BIM) – modelagem da informação da construção ................................................................................................................................................ 30 2 CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE CONFORTO .............................................................................................. 33 2.1 Conforto térmico .................................................................................................................................. 35 2.2 Conforto acústico................................................................................................................................. 39 2.3 Conforto luminoso............................................................................................................................... 40 2.4 Conforto olfativo .................................................................................................................................. 43 3 PROJETOS COMPLEMENTARES .................................................................................................................. 44 3.1 Projeto de fundação ............................................................................................................................ 45 3.2 Projeto estrutural ................................................................................................................................. 47 3.3 Projeto de instalações elétricas ...................................................................................................... 48 3.4 Projeto de instalações hidráulicas ................................................................................................. 50 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 3.5 Projeto deinstalações de gás .......................................................................................................... 53 3.5.1 Gás liquefeito de petróleo (GLP) ....................................................................................................... 53 3.5.2 Gás natural (GN)...................................................................................................................................... 54 3.6 Projeto de ventilação e ar-condicionado ................................................................................... 55 3.7 Plano de segurança contra incêndio e pânico (PSCIP) e sistema de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA) ............................................................................ 57 4 NORMALIZAÇÃO NO BRASIL ...................................................................................................................... 61 4.1 Norma ABNT NBR 9050:2004 – acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos ......................................................................................................... 62 4.2 Norma ABNT NBR 15575:2013 – norma de desempenho .................................................. 64 4.3 Norma ABNT NBR 16280:2014 – norma de reformas em edificações ........................... 68 Unidade II 5 URBANISMO ...................................................................................................................................................... 72 5.1 Breve histórico da urbanização do Brasil ................................................................................... 74 5.2 Desenvolvimento urbano, ambiental e sustentável ............................................................... 82 6 INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO URBANO................................................................................... 89 6.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – capítulo II, Da Política Urbana (arts. 182 e 183) .................................................................................................... 92 6.1.1 Função social da cidade ....................................................................................................................... 92 6.1.2 Função social da propriedade ............................................................................................................ 93 6.2 Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 .............................................. 93 6.2.1 Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) ..................................................................................... 95 6.2.2 Transferência do Direito de Construir (TDC) ................................................................................ 98 6.2.3 A Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso ...................................102 6.2.4 IPTU progressivo no tempo ...............................................................................................................103 6.2.5 Operação Urbana Consorciada (OUC) ...........................................................................................105 6.2.6 Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) .......................................................................................106 6.3 Estatuto da Metrópole – Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 ................................107 7 LEIS URBANÍSTICAS MUNICIPAIS ...........................................................................................................108 7.1 Plano Diretor Municipal ..................................................................................................................108 7.1.1 Plano Diretor Estratégico (PDE) do município de São Paulo – Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 .................................................................................................................................. 110 7.2 Lei de Zoneamento ............................................................................................................................112 7.2.1 Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) do município de São Paulo – Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016 ......................................................................... 113 7.3 Código de obras ..................................................................................................................................124 7.3.1 Código de Obras e Edificações (COE) do município de São Paulo – Lei nº 16.642, de 9 de maio de 2017. Decreto nº 57.776, de 7 de julho de 2017 ................. 124 8 A CIDADE DO FUTURO: INTELIGENTE, SUSTENTÁVEL, INCLUSIVA E HUMANA ....................127 8.1 Mobilidade ............................................................................................................................................129 8.2 Perfil demográfico ..............................................................................................................................133 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 8.3 Mudanças climáticas ........................................................................................................................134 8.4 Economia circular ...............................................................................................................................134 8.5 Inovação e avanços tecnológicos ................................................................................................135 8.6 Apoio especializado ...........................................................................................................................136 8.7 Atuação da mulher e do jovem ....................................................................................................136 8.8 Empreendedorismo de integração ..............................................................................................137 9 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 APRESENTAÇÃO Iniciamos este livro-texto com a seguinte questão: qual a importância da disciplina Arquitetura e Urbanismo na formação do engenheiro civil? Este material didático foi desenvolvido para que no final do estudo o(a) próprio(a) aluno(a) tenha a resposta. Pensemos em um arquiteto e urbanista que admiramos. Agora enumeremos os engenheiros civis que nos servem como referência. A concepção arquitetônica do Museu do Amanhã, localizado no Píer Mauá, zona portuária do Rio de Janeiro (RJ), foi do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, mas quem são os responsáveis pelo dimensionamento das estruturas de concreto? Quem criou o sistema de protensão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, mais conhecido como Masp, na mais paulista das avenidas em São Paulo (SP)? Assim de imediato não é tão simples relacionar os profissionais da área da construção civil. Gostaríamos que ao longo da leitura o(a) aluno(a) seja incentivado(a) a pesquisar e a aprofundar os tópicos que apresentaremos adiante. Esperamos que após a leitura ele(a) tenha seus profissionais prediletos como referência na sua carreira profissional. Tomando-se como exemplo o Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo, pode-se dizer que, no âmbito municipal, as análises para aprovação de projetos priorizam os aspectos urbanísticos, ambientais, de sustentabilidade, acessibilidade e segurança dos empreendimentos. Os detalhes internos das edificações ficam a critério do proprietário e do autor do projeto, normalmente o arquiteto e urbanista. O engenheiro civil é o responsável técnico pela implantação e construção da obra de acordo com o projeto arquitetônico. Portanto, o engenheiro civil deverá estar apto à leitura da representação de um projeto arquitetônico de edificaçõesconstituído por plantas, cortes, fachadas, elevações e detalhamentos. Além do Código de Obras e Edificações, os municípios estão submetidos também às legislações federais e estaduais, às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e a outras leis urbanísticas próprias, como o Plano Diretor Estratégico (PDE) e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS). O engenheiro civil é um solucionador de problemas e também um colecionador de NBRs, isto é, de Normas Brasileiras da ABNT. A nossa intenção é despertar o(a) aluno(a) para que pesquise cada vez mais, construa conhecimento e enfrente os grandes desafios e complexidades deste século XXI, em que o mercado exige um profissional bem mais preparado. Lembramos que a melhor referência sempre está nos livros. Visite as bibliotecas. Boa leitura! INTRODUÇÃO 10 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Seguindo o Plano de Ensino da disciplina AU — que tem como finalidade principal apresentar os elementos de elaboração e representação de um projeto completo de arquitetura, compreendendo estudo de programa, estudo preliminar, anteprojeto e projeto executivo com conceitos básicos complementares de estrutura, elétrica, hidráulica e obra, além dos conceitos de clima e de conforto ambiental —, primeiro, dedicamo-nos à arquitetura. Posteriormente, nos debruçamos sobre o urbanismo, quando serão apresentados conceitos de urbanização de cidades com seus principais instrumentos de gestão: o Plano Diretor, a Lei de Zoneamento e o Código de Obras. Além disso, nosso objetivo é desenvolver conhecimentos específicos sobre a metodologia de atuação do engenheiro civil e do arquiteto e urbanista como um processo de trabalho integrado por intermédio do projeto, quando se procura a melhor solução para qualquer problema ligado à realidade do usuário e da obra, seja da construção de edificações, seja de projetos de espaços urbanos. Faremos no início uma pequena introdução ao projeto arquitetônico, à metodologia de análise dos fatores que condicionam a conceituação de um projeto em todas as suas fases, que incluem o cliente e o programa; a concepção e o estudo de implantação na realidade física de um terreno; o desenho como instrumento de informação e de comunicação de ideias; os projetos técnicos complementares; a aprovação legal; a construção-obra (técnicas e materiais) e o uso pelo cliente. Veremos as recentes normas aplicadas à arquitetura, como a Norma de Acessibilidade (2004), a Norma de Desempenho (2013) e a Norma de Reformas em Edificações (2014). Em seguida, apresentaremos um breve histórico da urbanização do Brasil; o desenvolvimento urbano e ambiental sustentável. Destacam-se os instrumentos de planejamento urbano, como a Constituição Federal de 1988, que introduz a Política Urbana (arts. 182 e 183), o Estatuto da Cidade (2001) e o Estatuto da Metrópole (2015), os quais norteiam as principais leis urbanísticas municipais: o Plano Diretor, a Lei de Zoneamento e o Código de Obras e Edificações. Encerramos este livro-texto com as reflexões sobre a cidade do futuro: inteligente, sustentável, inclusiva e humana. À medida que as cidades crescem, na maioria das vezes sem planejamento, o desafio para gerenciar também aumenta em complexidade. Dessa forma, abordaremos as leis urbanísticas municipais como ferramentas de gestão urbana. Como uma cidade compõe-se de partes físicas construídas pelo homem e pelas pessoas que habitam nela, é uma oportunidade para que cada um de nós consiga identificar os problemas e refletir sobre as possibilidades de solucioná-los na escala da rua, do bairro e da cidade onde vivemos. Afinal, todos nós almejamos qualidade de vida no nosso dia a dia. 11 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO Unidade I 1 ARQUITETURA O termo arquitetura vem do grego arché, que quer dizer “primeiro” ou “principal” e tékton, que significa “construção”. A humanidade sempre construiu abrigos. Desde os primórdios, o ser humano protegeu-se dos fenômenos naturais e dos predadores. O abrigo mais antigo nos leva à Era Pré-Histórica, à caverna. A construção é uma aplicação de materiais e de suas relações com a sustentabilidade ambiental. É o resultado da preocupação do homem por um abrigo. Representa um abrigo artificial, ou seja, edificado pelo homem para sua proteção. Todos os materiais empregados na construção são extraídos da natureza, o que significa que a construção civil é uma atividade que gera um intenso impacto ambiental. O cimento, por exemplo, é um material composto a partir do calcário adicionado a outros materiais, como o gesso. Ele é extraído de grandes jazidas, intensa e constantemente, o que não só altera a paisagem como também gera impacto ambiental. Jazida Armazenamento Resfriador Britagem Filtro Trocadores de calor Armazenamento de clínquer Moagem de cimento Gesso e adições Expedição Moagem do cru Forno rotativo Figura 1 – Esquema do processo de fabricação do cimento 12 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Saiba mais A produção do cimento é responsável pela emissão de gases de efeito estufa. Veja como a indústria do cimento vem contribuindo para a sustentabilidade, de modo a reduzir os impactos dessas emissões, por coprocessamento: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND (ABCP). Panorama do coprocessamento. 2017. Disponível em: <https://www.abcp.org.br/cms/ wp-content/uploads/2018/11/Panorama-coprocessamento_2017_REV22.11. pdf>. Acesso em: 20 nov. 2018. Já na confecção de tijolos exige-se o seu cozimento a altas temperaturas em fornos a carvão. Temos o impacto causado pela extração de madeira para a produção de carvão e também o problema dos gases emitidos na atmosfera pela queima desse carvão. Outro material que gera um enorme impacto ambiental em sua extração é a areia, que em sua maior parte é extraída dos leitos de rios. As grandes cidades são as maiores consumidoras de material de construção. Seus recursos naturais estão esgotados. Dessa forma, é necessário o transporte de material de outras localidades, o que também gera poluição, com a queima de combustíveis fósseis dos navios, trens e caminhões. Portanto é necessário o aperfeiçoamento da construção civil no Brasil visando a redução do impacto ambiental. O impacto ambiental decorrente do intenso consumo de recursos naturais, da geração e deposição desordenada dos resíduos, do desperdício de água e energia e da especificação inadequada de materiais e técnicas construtivas têm causado efeitos danosos à paisagem e ao meio ambiente. Esse contexto exige que governos e todos os envolvidos adotem posturas responsáveis e educativas, induzindo a sociedade e a cadeia produtiva a refletir sobre o tema e a redirecionar seus procedimentos, como ilustra a figura a seguir: Materiais Energia Comércio Mineração Sistemas industrializados Governo Serviços técnicos especializados Serviços de engenharia e arquitetura Máquinas e equipamentos para construção Crédito e serviços financeiros Construção e incorporação Figura 2 – Cadeia produtiva da construção 13 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO 1.1 Conceituação Lúcio Marçal Ferreira Ribeiro Lima Costa, arquiteto e urbanista graduado em 1924 pela Escola Nacional Belas Artes do Rio de Janeiro, é o responsável pelo Plano Piloto de Brasília, autor da ideia do desenvolvimento da cidade no Planalto Central segundo a formade um avião. Nasceu em 1902, na cidade de Tullon, França, filho de pais brasileiros, e morreu no Rio de Janeiro, em 1998. Mais conhecido como Lúcio Costa, em suas reflexões sobre arquitetura, definiu-a como construção concebida com o propósito de organizar e ordenar o espaço para determinada finalidade, visando determinada intenção, quando se revela igualmente artes plásticas. Ele define arquiteto como um artista que, com o sentimento, escolherá a opção final entre os limites – máximo e mínimo – determinados pelo cálculo, preconizados pela técnica, condicionados pelo meio, reclamados pela função ou impostos pelo programa; a forma plástica apropriada a cada pormenor em função da unidade última da obra idealizada. Segue a definição de arquitetura de acordo com Lúcio Costa: Pode-se então definir a arquitetura como construção concebida com o propósito de organizar e ordenar plasticamente o espaço e os volumes decorrentes, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica, de um determinado programa e de uma determinada intenção (COSTA, 1980, p. 7, grifo nosso). Arquitetura é coisa para ser exposta à intempérie; Arquitetura é coisa para ser concebida como um todo orgânico e funcional; Arquitetura é coisa para ser pensada, desde o início, estruturalmente; Arquitetura é coisa para ser encarada na medida das ideias e do corpo do homem; Arquitetura é coisa para ser sentida em termos de espaço e volume; Arquitetura é coisa para ser vivida (COSTA, 1980, p. 8, grifo nosso). 1.2 Etapas do projeto de arquitetura Em primeiro lugar, é preciso compreender o conceito de “partido arquitetônico”. O projeto de arquitetura é responsável pelo processo no qual uma construção é concebida e também por sua representação formal ou partido arquitetônico. No partido arquitetônico, também conhecido como estratégia ou conceito, está implícita a discussão de aspectos como implantação e distribuição do programa de necessidades, estrutura e relações de espaço, internos e externos, quesitos ambientais etc. Todas questões centrais para os arquitetos na concepção dos projetos, sempre permeadas por outros temas relativos às atividades criativas, como composição, estilo e estética (MEREB, 2013, p. 2). O projeto de edificações é composto por seis etapas conforme o quadro a seguir: 14 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Quadro 1 – Fases do projeto de arquitetura Denominação Escopo Subfases Fase A Concepção do produto (Estudo preliminar conforme NBR 13.531) Conjunto de informações de caráter técnico, legal, financeiro e programático que deverão ser levantadas e que nortearão a definição do partido arquitetônico e urbanístico, das soluções de sistemas e do produto imobiliário pretendido. LV – Levantamento de dados PN – Programa de necessidades EV – Estudo de viabilidade Fase B Definição do produto (Anteprojeto conforme NBR 13.531) Definição do Partido Arquitetônico e Urbanístico fruto da análise e consolidação das informações levantadas na etapa anterior. EP – Estudo Preliminar AP – Anteprojeto PL – Projeto Legal Fase C Identificação e solução de interfaces (Projeto Básico ou Pré-executivo conforme NBR 13.531) Consolidação do Partido Arquitetônico considerando a interferência e compatibilização de todas as disciplinas complementares e suas soluções balizadas pela avaliação dos custos, métodos construtivos e prazos de execução. PB – Projeto Básico Fase D Detalhamento de especialidades (Projeto Executivo conforme NBR 13.531) Detalhamento geral de todos os elementos, sistemas e componentes do empreendimento gerando um conjunto de informações técnicas claras e concisas com objetivo de fornecer informação confiável e suficiente para a correta orçamentação e execução da obra. PE – Projeto Executivo Fase E Pós-entrega do projeto Checar se as informações estão claras para orçamentação e obras. Fase F Pós-entrega da obra Identificar e registrar as alterações efetuadas em obra. Avaliar a edificação em uso. As built Fonte: Mereb (2013, p. 13). Conforme consta na norma ABNT NBR13531:1995 – que fixa as atividades técnicas –, as etapas das atividades técnicas do projeto de edificação e de seus elementos, instalações e componentes são as seguintes: 1.2.1 Levantamento de dados (LV) Etapa destinada à coleta das informações de referência que representem as condições preexistentes, de interesse para instruir a elaboração do projeto. Cada terreno tem características distintas quanto à topografia, localização, clima e definições históricas. 15 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO Eu falei pra não construir a casa na beira do córrego!!! Figura 3 – Cuidados na escolha do terreno Construindo ou reformando, você sempre sai ganhando! Este folheto ajuda você com uma porção de dicas para construir uma casa segura e durável. Vamos lá! Mãos à obra! Antes de mais nada, veja se você tem os documentos que provam que o terreno é seu. Esses documentos são a escritura ou o compromisso de compra e venda assinado e autenticado pelo vendedor. Se você não tiver esses documentos, procure se informar como e onde obtê-los. Limpe o terreno e confira no próprio local: Se tem rede de luz e água Se tem rua de acesso As medidas do lote 10 m d e la rgu ra 20 m de comprimento O caimento do terreno Se tem risco de enchente Se tem risco de desabamento da casa Dica Você vai precisar de água desde o início da obra Se o solo do terreno é fraco Terreno Figura 4 – Terreno 16 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I A norma da ABNT referente à execução de levantamento topográfico é a NBR 13133:1994. Um levantamento planialtimétrico mostra as diferentes curvas de nível e os acidentes topográficos em planta baixa e pode também sugerir maneiras de desenvolver um conceito de projeto. 1.2.2 Programa de necessidades (PN) O cliente dá o pontapé inicial de qualquer obra entendida como espaço/objeto a ser construído, fabricado ou montado. Pode ser pessoa física ou jurídica. As exigências do cliente e usuários se exprimem por meio do programa de necessidades que define o objetivo do projeto. O programa de necessidades visa limitar e definir as especificações do projeto, determinando aspectos relativos à função, construção, materialidade e relação com o terreno. Ele é elaborado inicialmente como uma resposta às intenções do cliente para o projeto; em seguida, o programa de necessidades é aprimorado de modo a fornecer informações detalhadas sobre as exigências do projeto, incluindo, entre outros fatores, o levantamento de campo, as exigências de acomodação, as exigências de layout interno e instalações e equipamentos especializados (FARRELLY, 2014, p. 170). O PN é o documento preliminar do projeto que caracteriza o empreendimento ou o projeto objeto de estudo que contém o levantamento das informações necessárias, incluindo a relação dos setores que o compõem, suas ligações, necessidades de área, características gerais e requisitos especiais, posturas municipais, códigos e normas pertinentes (ABNT,1994a). É ainda o documento que exprime as exigências do cliente e as necessidades dos futuros usuários da obra. Em geral, descreve sua função, atividades que abrigará, dimensionamento e padrões de qualidade, assim como especifica prazos e recursos disponíveis para a execução. A elaboração desse programa deve, necessariamente, procedero início do projeto, podendo, entretanto, ser complementado ao longo de seu desenvolvimento (ROTEIRO…, [s.d.]). Por fim, programa de necessidades é a elaboração e descrição documentada do conjunto de parâmetros e exigências qualitativas e quantitativas correspondentes à utilização dos espaços da obra a ser projetada e às suas divisões em ambientes, recintos ou compartimentos (MEREB, 2013, p. 126). 1.2.3 Estudo de viabilidade (EV) Esta etapa é destinada à elaboração de análise e avaliações para seleção e recomendação de alternativas para a concepção da edificação e de seus elementos, instalações e componentes (ABNT,1995a). Um exemplo é apresentado na figura a seguir. Trata-se da implantação do empreendimento imobiliário denominado Cidade Matarazzo: num terreno de 28 mil m2, localizado a uma quadra da avenida Paulista e a 150 metros de distância do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). As obras serão finalizadas em novembro de 2019. 17 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO Figura 5 – Cidade Matarazzo/São Paulo (SP) A composição desse empreendimento, que envolve retrofit e tombamento, é: um centro de compras Mall, as torres não residenciais Torre Hotel Palácio (antiga Maternidade Matarazzo), Torre Mata Atlântica e Torre Rio Claro Offices, e um Centro de Criatividade. Saiba mais Conheça mais detalhes do estudo de viabilidade do complexo Cidade Matarazzo, que compreende a análise de potencial técnico e financeiro do empreendimento, do mercado e das possibilidades de rendimento: CALFAT, C. Estudo de viabilidade mercadológica e econômico-financeira. 2018. Disponível em: <http://www.rosewoodsaopaulo.com.br/wp-content/ themes/rsw-rosewood/assets/pdf/documentos_legais/Estudo%20de%20 Viabilidade.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2018. 1.2.4 Estudo preliminar (EP) – definições iniciais e conceituais Esta fase é destinada à concepção e à representação do conjunto de informações técnicas iniciais e aproximadas, necessárias à compreensão da configuração da edificação, podendo incluir soluções alternativas (ABNT,1995a). O estudo preliminar constitui a configuração inicial da solução arquitetônica proposta para a obra (partido arquitetônico), considerando as principais exigências contidas no programa de necessidades. Deve receber a aprovação preliminar do cliente (ROTEIRO…, [s.d.]). 18 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Figura 6 – Detalhe de estudo preliminar: esculturas praticáveis do belvedere Museu de Arte Trianon. Lina Bo Bardi, 1968 1.2.5 Anteprojeto (AP) e/ou projeto de aprovação e/ou de pré‑execução (PR) – interfaces com outras disciplinas Etapa destinada à concepção e à representação das informações técnicas provisórias de detalhamento da edificação e de seus elementos, instalações e componentes necessários ao inter-relacionamento das atividades técnicas de projeto e suficientes à elaboração de estimativas aproximadas de custos e de prazos dos serviços de obras implicados (ABNT, 1995a). O anteprojeto constitui a configuração final da solução arquitetônica proposta para a obra, considerando todas as exigências contidas no programa de necessidades e o estudo preliminar aprovado pelo cliente. Consiste ainda na configuração técnico-jurídica da solução arquitetônica proposta para a obra ponderando, além das exigências contidas no programa de necessidades e do estudo preliminar ou anteprojeto aprovado pelo cliente, as normas técnicas de apresentação e representação gráfica emanadas dos órgãos públicos (em especial, Prefeitura Municipal, concessionárias de serviços públicos e Corpo de Bombeiros) (ROTEIRO…, [s.d.]). 1.2.6 Projeto legal (PL) Etapa destinada à representação das informações técnicas necessárias à análise e aprovação, pelas autoridades competentes, da concepção da edificação e de seus elementos e instalações, com base nas legislações municipal, estadual e federal pertinentes (leis, decretos, portarias e normas), e à obtenção do alvará ou das licenças e demais documentos indispensáveis para as atividades de construção (ABNT, 1995a). Ele cumpre com a obrigação legal de aprovação do projeto na prefeitura local. Esse projeto é formatado segundo a legislação vigente e o projeto básico. Nessa etapa e com esse projeto é solicitado o alvará de construção da sua obra. Com o alvará de construção emitido podemos iniciar a obra. 19 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO Paralelamente ao desenvolvimento das fases de anteprojeto e do projeto básico deverão ser desenvolvidos os projetos legais pertinentes para aprovação nas concessionárias públicas competentes, conforme as características do projeto (energia elétrica e de gás; água e esgoto; telefonia e dados etc.). É importante que essa atividade ocorra simultaneamente para que possam ser compatibilizadas as exigências e restrições de cada órgão/concessionária com todas as interfaces do projeto como um todo. 1.2.7 Projeto básico (PB) (opcional) – especificação e consolidação para cotação da obra O projeto básico é um avanço do anteprojeto e servirá de referência para a confecção dos projetos complementares. Nessa etapa apresentamos ao cliente o resultado do anteprojeto e acrescentamos mais detalhes para compor o projeto legal e executivo. Etapa opcional destinada à concepção e à representação das informações técnicas da edificação e de seus elementos, instalações e componentes, ainda não completas ou definitivas, mas consideradas compatíveis com os projetos básicos das atividades técnicas necessárias e suficientes à licitação (contratação) dos serviços de obra correspondentes (ABNT, 1995a). 1.2.8 Projeto para execução (PE) – detalhamento e ajustes de compatibilização Etapa destinada à concepção e à representação final das informações técnicas da edificação e de seus elementos, instalações e componentes, completas, definitivas, necessárias e suficientes à licitação (contratação) e à execução dos serviços de obra correspondentes (ABNT, 1995a). O projeto da execução é o conjunto de documentos técnicos (memoriais, desenhos e especificações) necessários à licitação e/ou execução (construção, montagem, fabricação) da obra. Constitui a configuração desenvolvida e detalhada do anteprojeto aprovado pelo cliente (ROTEIRO…, [s.d.]). O projeto executivo deve ser considerado como o manual de instruções da obra, formatado e compatibilizado por todas as disciplinas de projetos. O documento contém um conjunto dos elementos necessários e suficientes para a execução completa da obra. Resumindo, essa etapa carrega desenhos de todos os projetos. A seguir aprenderemos como representar graficamente um projeto arquitetônico. 1.3 Desenho técnico do projeto arquitetônico de edificações A palavra projeto significa genericamente intento, desígnio, empreendimento e, em acepção, um conjunto de ações, caracterizadas e quantificadas, necessárias à concretização de um objetivo. Embora esse sentido se aplique a diversos campos de atividade, em cada um deles o projeto se materializa de forma específica (ROTEIRO…, [s.d.]). Um projeto tem início e fim. É no projeto que o arquiteto articula propostas e soluções para uma obra. O projeto é muito mais do que apenas o desenho e sua planta. Inclui o levantamento de dados e informações preliminares para saber o que é possível (e o que não é possível) de ser construído naquele espaço. Após essa interpretação, 20 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I o arquiteto elabora umconceito. É nesse estágio que a imaginação e senso estético moldam as intenções do arquiteto (PROJETO, [s.d.]). O objetivo principal do projeto de arquitetura da edificação é a execução da obra idealizada pelo arquiteto. Essa obra deve se adequar aos contextos naturais e culturais em que se insere e responder às necessidades do cliente e futuros usuários do edifício. Dessa maneira, o projeto arquitetônico de edificações é o conjunto de desenhos e documentos técnicos necessários à construção, fabricação ou montagem da obra. O projeto de arquitetura é responsável pelo processo no qual uma construção é concebida e também por sua representação formal ou por seu partido arquitetônico. Segundo a máxima apregoada pelo arquiteto Eduardo Kneese de Mello, “arquitetura, atribuição do arquiteto”. Por consequência, execução é o conjunto de ações técnicas, baseadas no projeto, necessárias à construção, à fabricação ou à montagem da obra; isto é, é atribuição do engenheiro civil. Observação Para a consulta sobre normas técnicas referentes à elaboração de projetos de edificações existe a seguinte norma: ABNT NBR 13532:1995 – elaboração de projetos de edificações – arquitetura. Os desenhos de observação, o de criação e o técnico são instrumentos de trabalho dos arquitetos. O desenho de observação é uma ferramenta de apropriação de determinada realidade, registro daquilo que desperta nossa atenção: um edifício, uma rua, uma praça, uma paisagem, uma viela, uma favela, um parque etc. Figura 7 – Sequência de vistas e relações entre o Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói/RJ, de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer, e a paisagem do entorno O desenho de criação é o veículo por meio do qual a essência de nossas ideias se configura. Trata-se dos croquis. 21 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO A origem do termo croqui remonta ao início do século XIX: vem do francês croquer, que significa simplesmente esboçar, e pode aplicar-se às mais diversas áreas, da arquitetura à moda. Croqui significa desenho rápido e não pressupõe grande precisão ou refinamento gráfico – embora haja croquis muito apurados, verdadeiras obras de arte. De modo geral, não representa uma ideia acabada ou coletiva, mas uma experiência individual, de descoberta e experimentação, como a pintura ou a escultura. Há croquis que se aproximam do desenho infantil e da sua liberdade de expressão única. O croqui também pode ser entendido como a primeira fase do projeto (CROQUI, [s.d.]). Figura 8 – Croqui Croqui é a linguagem de concepção de um projeto arquitetônico. Os esboços inconfundíveis do arquiteto carioca Oscar Niemeyer, adepto de um croqui extremamente simplificado, sempre associado a um memorial justificativo, e os traços sumários com que Lúcio Costa definiu Brasília são exemplos significativos. Figura 9 – Croqui do Plano Piloto de Brasília/Lúcio Costa A arquiteta Lina Bo Bardi, autora do Museu Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), já utilizava cores em seus croquis. 22 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Figura 10 – Layout de logotipo e papelaria: proposta não utilizada pelas novas administrações do Masp. Lina Bo Bardi, c. 1957 No entanto, por ser sintético e de dimensões imprecisas, o desenho de criação no território da arquitetura carece de informações indispensáveis à correta execução de determinada ideia, futura edificação. É quando, em seu auxílio, comparece o desenho técnico, ou seja, ferramenta de como fazer que obedece a determinadas normas, capazes de viabilizar a materialização daquilo que ainda se encontra em estágio preliminar de concepção. O desenho técnico permite representar espaços e objetos imaginados para determinados projetos e informar aqueles encarregados de produzi-los com precisão. Ao contrário do desenho de observação e do desenho de criação – impregnados de individualidade –, o desenho técnico é um instrumento fundamentado numa linguagem de caráter universal. O desenho técnico confere precisão às ideias expressas nos croquis, tornando-as universalmente compreensíveis para todos os profissionais da construção, de engenheiros a operários. São representações gráficas do edifício e de seu entorno, que guiam os construtores na fase de implantação da edificação e auxiliam os funcionários que cuidarão de sua manutenção e conservação. 1.3.1 Normas de desenho O Brasil possui normas específicas chamadas de Normas Brasileiras de Desenho Técnico, que padronizam os elementos que envolvem o desenho técnico. Em todo o território nacional a planta de um edifício sempre seguirá as mesmas diretrizes, ou seja, os mesmos símbolos, as mesmas regras e a mesma linguagem de representação. O desenho técnico é normalizado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que determina os critérios para representação gráfica em arquitetura, de maneira que o produto final, o desenho, tenha um padrão. A padronização é necessária para que o desenho se constitua em uma linguagem e assim cumpra a função de informar ao corpo técnico – arquitetos, engenheiros, tecnólogos, projetistas, desenhistas, empreiteiros e mestres – as características específicas de uma obra a ser construída. Quando usam o termo projeto completo, os arquitetos se referem a plantas baixas, cortes, elevações e detalhes de um projeto. Com todas essas informações e cada tipo de desenho representado em 23 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO diferentes escalas, é possível apresentar o projeto da edificação com clareza e explicá-lo como uma proposta tridimensional. Seu custo pode ser estimado por um orçamentista e sua intenção arquitetônica, visualizada por um engenheiro; além disso, o construtor usa os desenhos para construir a edificação de maneira precisa. Quando isolados, cada tipo de desenho transmite informações específicas; em conjunto, porém, eles explicam a arquitetura por completo (FARRELLY, 2014, p. 106). A projeção ortográfica é uma forma de representar em duas dimensões um objeto tridimensional. Na arquitetura, ela geralmente assume uma destas três formas: planta baixa, corte ou elevação. Os três tipos de desenho têm medidas; todos usam a escala para informar os espaços e as formas contidas em seu interior. Observação Escala é a relação entre as medidas de um espaço ou edificação e a sua representação, normalmente gráfica. É usada pelos arquitetos ao elaborarem os projetos de suas obras. Como não são representadas em suas dimensões reais, as edificações são representadas em uma relação proporcional. A escala é utilizada em desenhos arquitetônicos e também empregada na confecção de maquetes (ESCALA, [s.d.]). Segundo Pereira (2009, p. 34), [...] o edifício possui volumes, por isso ele é um objeto tridimensional – possui três dimensões. O que o desenho técnico faz é transferir cada parte que compõe essas três dimensões para o papel, sem o uso da perspectiva. Para isso, a técnica utilizada é “desmontar” o edifício, distribuindo suas partes pelo desenho. Cada vista que temos do objeto “desmontado” tem o nome de “projeção”. Figura 11 – Projeções de uma casa 24 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Cada vista numerada corresponde à projeção de um dos lados da casa. Você percebe que a casa está em perspectiva – uma imagem tridimensional. As vistas numeradas representam projeções bidimensionais da casa. Para o desenho técnico arquitetônico, a vista em perspectiva apresenta um panoramageral de como ficará o edifício. São as outras vistas rebatidas, projetadas no papel, que fornecem os dados técnicos necessários à execução do projeto. Tais vistas são a planta e a fachada. Vista superior (Raramente usada) Fachada lateral direita Fachada lateral esquerdaFachada principal ou frontalPlanta de coberta Fachada posterior Figura 12 – Projeções da casa após o rebatimento Para termos uma visão interna de sua planta, como estão dispostos as paredes e os equipamentos, precisaríamos “cortar” ao meio essa casa. São esses os recursos que o desenho técnico arquitetônico oferece. Todas as plantas de edificações representam um corte no edifício, semelhante ao que é mostrado a seguir: Figura 13 – Corte horizontal, com o objetivo de estabelecer a planta baixa Esse corte nos permite uma visualização precisa dos ambientes que compõem a casa. Esse tipo mais usual de planta chama-se planta baixa. 25 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO 1.3.2 Planta baixa A planta baixa é um desenho técnico feito a partir do corte horizontal a 1,5 metro desde a base do edifício. Nela é possível visualizar o ambiente como se estivesse olhando de cima, sem o telhado. Nessa representação, é possível mostrar a dimensão da área construída, largura e comprimento dos elementos internos e externos, relacionar a disposição recomendada para itens de acabamento etc. As plantas baixas (ou de alvenaria) definem detalhadamente, no plano horizontal, a compartimentação interna da obra indicando a designação, localização, inter-relacionamento e dimensionamento (cotas e níveis acabados e/ou em osso) de todos os pavimentos, ambientes, circulações, acessos e vãos (em especial, de esquadrias). Representam a estrutura, alvenarias (em osso ou acabadas), tetos rebaixados, forros, enchimentos e, conforme o caso, revestimentos, esquadrias (com sistema de abertura), conjuntos sanitários, equipamentos fixos, de elementos dos projetos complementares, em especial, de instalações (tomadas, pontos de luz, shafts, prumadas etc.). Indicam todos os elementos especificados e/ou detalhados em outros documentos/desenhos (ROTEIRO…, [s.d.]). Um prédio residencial, por exemplo, possui várias camadas de planta. A planta baixa corresponde ao nível de acesso, e as outras plantas, aos outros andares. A visualização e o entendimento de um projeto são facilitados pelo uso das maquetes e dos cortes (PLANTA…, [s.d.]). Figura 14 – Exemplo de planta baixa As plantas baixas contêm as informações disponíveis em cada etapa do desenvolvimento do projeto. 26 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Figura 15 – Exemplo de planta baixa do projeto arquitetônico Figura 16 – Exemplo de planta baixa do projeto de arquitetura de interiores 27 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO 1.3.3 Corte Corte é o plano secante vertical que divide a edificação em duas partes, seja no sentido longitudinal, seja no transversal (ABNT,1994a). O corte deve ser disposto de forma que o desenho mostre o máximo possível de detalhes construtivos. Pode haver deslocamentos do plano secante quando necessário, mas seu início e fim devem ser assinalados de maneira precisa. Nos cortes transversais, os cortes longitudinais podem ser marcados e vice-versa. Figura 17 – Corte Como planta e fachada, o corte é uma representação da construção. Especificamente, o corte busca mostrar a dimensão vertical de uma edificação. Como se fosse uma fatia, pode mostrar os andares, a altura, o pé-direito e outros detalhes que não são representados na planta baixa. Essa “fatia” pode ser no eixo transversal, mostrando as laterais do edifício, ou longitudinal, da frente para os fundos. A orientação e localização dos cortes devem estar indicados na planta, dessa forma é possível compreender as diferentes maneiras de visualizar as estruturas e alturas internas da construção (CORTE, [s.d.]). Figura 18 – Pé-direito/Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) 28 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Os cortes gerais e/ou parciais definem detalhadamente, no plano vertical, a compartimentação interna da obra e a configuração arquitetônica da cobertura, indicando a designação, localização, inter-relacionamento e dimensionamento (alturas e níveis acabados e/ou em osso) de todos os pavimentos, ambientes, circulações, vãos e outros elementos arquitetônicos significativos. Representam a estrutura, alvenarias (em osso ou acabados), tetos rebaixados, forros, enchimentos e, conforme o caso, revestimentos, esquadrias (com sistema de abertura), conjuntos sanitários, telhados, lanternins, sheds, domus, calhas, caixas d’água, equipamentos fixos e elementos dos projetos complementares (ar-condicionado e exaustão, por exemplo). Indicam todos os elementos especificados e/ou detalhados em outros documentos/desenhos (ROTEIRO…, [s.d.]). Um corte é uma “fatia” virtual ou seção através de uma edificação, espaço ou objeto. Os cortes possibilitam a compreensão de como os espaços se conectam e se relacionam, algo que as plantas baixas não conseguem fazer tão bem. Um bom exemplo da importância de um corte é para descrever espaços internos com diferentes níveis de piso ou para mostrar a relação entre o interior e o exterior de uma edificação (FARRELLY, 2014, p. 110). Figura 19 – Corte transversal 1.3.4 Fachada Fachada é a representação gráfica de planos externos da edificação. Os cortes transversais e longitudinais podem ser marcados nas fachadas (ABNT, 1994a). As fachadas definem detalhadamente a configuração externa da obra indicando todos os seus elementos. Representam a estrutura, alvenarias, revestimentos externos (com paginação), esquadrias (com sistemas de abertura) e, conforme o caso, muros, grades, telhados, marquises, toldos, letreiros 29 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO e outros componentes arquitetônicos significativos. Indicam todos os elementos especificados e/ou detalhados em outros documentos/desenhos (ROTEIRO…, [s.d.]). As fachadas são apresentadas geralmente em quatro vistas, fornecendo uma vista frontal, uma vista lateral direita, uma vista posterior e uma vista lateral esquerda do edifício. Figura 20 – Fachada principal 1.3.5 Detalhes Detalhe ou pormenor é a representação gráfica de todos os pormenores necessários, em escala adequada, para um perfeito entendimento do projeto e para a viabilização de sua correta execução (ABNT, 1994a). Geralmente, os detalhes consistem nas ampliações de compartimentos, sobretudo banheiros, cozinhas, lavanderias, saunas e áreas molhadas. Há também os detalhes de construção, fabricação e/ou montagem dos painéis de elementos vazados (cobogós), dos tijolos de vidros e alvenarias especiais; dos revestimentos e pavimentações; das impermeabilizações e proteções (térmicas, acústicas etc.); das quadras, pistas e campos de esportes; das bancadas; das piscinas, lagos e fontes; dos telhados (estrutura e telhamento); das escadas e rampas; dos muros, jardineiras, bancos e outros elementos paisagísticos; dos balcões, armários, estantes, prateleiras, guichês e vitrines; dos forros, lambris e divisórias; das grades, gradis e portões; dos guarda-corpos e corrimãos; das soleiras, peitoris, rodapés e outros arremates e das esquadrias. Exemplo de aplicação O cobogó é típico da arquiteturapernambucana. Sua utilização decorativa cria divisórias de ambientes e efeitos interessantes de luz e sombra, principalmente quando interage com a iluminação natural. Pesquise este elemento construtivo na cidade onde vive e identifique também os autores dos projetos. 30 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Figura 21 – Cobogó 1.4 Building Information Modeling (BIM) – modelagem da informação da construção O processo projetual tem passado nas últimas décadas por contínuas transformações. Saímos da representação dos projetos por meio de desenhos bidimensionais a lápis e por meio de canetas a nanquim, para desenhos também bidimensionais, porém gerados em meio eletrônico por intermédio de computadores, utilizando softwares para Computer Aided Design (CAD). Por sua vez, o desenvolvimento dos projetos em CAD também tem sofrido grandes e rápidas transformações em função das evoluções dos softwares e hardwares. Ao longo desse processo evolutivo, surgiu uma nova plataforma para desenvolver os projetos, com o lançamento de novos softwares, que utilizam processos e conceitos inovadores: a Modelagem da Informação da Construção, ou, em inglês, Building Information Modeling (BIM). Esse novo processo parte não mais de desenhos bidimensionais, mas de modelos tridimensionais e pressupõe que todas as informações relativas à construção, nas diversas fases de seu ciclo de vida, sejam alocadas em um só modelo integrado, paramétrico, intercambiável e passível de simulação, que poderá ser utilizado desde a concepção dos projetos, durante as obras e até durante toda vida útil do espaço construído (ADDOR, 2013). Foi criado o Decreto nº 9.377, que institui a Estratégia Nacional de Disseminação do BIM como o conjunto de tecnologias e processos integrados que permite a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de uma construção, de modo colaborativo, de forma a servir a todos os participantes do empreendimento, potencialmente durante todo o ciclo de vida da construção (BRASIL, 2018a). 31 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO Enumeramos, a seguir, alguns dos “10 Motivos para evoluir com o BIM” (CBIC, 2016): • Para visualizar em 3D o que é projetado. Figura 22 – Visualização da modelagem 3D • Para ensaiar a obra no computador. . Figura 23 – Modelagem do processo de construir • Para extrair automaticamente as quantidades. Figura 24 – Extração de informações de modelo BIM, criado pela Sinco Engenharia, numa imagem cedida pela Solibri 32 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I • Para realizar simulações e ensaios virtuais. Figura 25 – Simulações do comportamento e do desempenho de edifícios ou instalações ou de suas partes e sistemas componentes • Para capacitar-se a executar construções complexas. Figura 26 – Coordenação simultânea de complexidades • Para viabilizar e intensificar o uso da industrialização. 33 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO Figura 27 – Garantia de maior controle e previsibilidade nos processos de pré-fabricação e montagem • Para preparar sua empresa para o futuro. A tecnologia BIM tem rompido paradigmas de produtividade, elevando o patamar de assertividade e confiabilidade dos projetos. Num futuro bem próximo, o BIM será condição mandatória para qualquer empresa que desejar manter-se atuante na indústria da construção civil. Exemplo de aplicação O Prêmio Pritzker é a maior condecoração em arquitetura do mundo. Uma espécie de Nobel da arquitetura. O Brasil tem dois ganhadores do Pritzker. Um recebeu a premiação em 1988 e o outro em 2006. Pesquise os nomes desses dois grandes arquitetos brasileiros reconhecidos mundialmente. 2 CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE CONFORTO A concepção do projeto de arquitetura tem um papel fundamental na redução da demanda de energia da edificação. O desempenho em conforto térmico e iluminação é determinado pelo projeto de arquitetura, cujas soluções direcionam a escolha dos sistemas de condicionamento de ar, ventilação e iluminação. Durante a concepção do projeto arquitetônico, devem-se analisar as alternativas para o empreendimento quanto ao condicionamento do ar, se condicionamento natural, condicionamento artificial e natural, ou condicionamento exclusivamente artificial. 34 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Ao especificar equipamentos economizadores de energia (lâmpadas, reatores, aquecedores solares, chuveiros, aparelhos de ar-condicionado e outros), adotar aqueles com etiqueta de eficiência energética de equipamentos do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) nível A e/ou selo Procel (que identifica os equipamentos mais eficientes dentro dos de nível A), definindo os ambientes mais adequados para comportar equipamentos emissores de elevada carga térmica. As residências, os locais de trabalho e as áreas de convívio e lazer são ambientes construídos em que o ser humano passa grande parte de seu tempo. Nesse sentido, o tema salubridade considera a saúde humana como um aspecto de sustentabilidade dos espaços construídos. Por exemplo, umidade excessiva favorece a proliferação de agentes que causam o desenvolvimento de afecções alérgicas dos olhos, vias aéreas superiores e pulmões; construções que isolam o ser humano e evitam a integração interpessoal estão associadas a distúrbios de humor, estresses, depressão; desconforto causado pelo odor afeta a capacidade laboral e está relacionado a alterações cardiovasculares; excesso de ruído não somente perturba a capacidade de trabalho, como também atinge de forma adversa a pressão arterial e a qualidade do sono. Sendo assim, a salubridade vincula-se à condição de um dado ambiente. A salubridade requer como estratégia a verificação de todas as características do terreno e da região em que se situará o empreendimento, especialmente no que diz respeito a eventuais fontes de contaminação do ar, solo e água, fontes geradoras de calor, de ruído e outros. Deve ser observada no contexto urbano, no projeto do empreendimento e até mesmo nos procedimentos previstos para o uso, operação e manutenção das edificações, de forma associada ao conforto ambiental, ao conforto olfativo, à qualidade do ar e do sistema de condicionamento, à luminosidade e à umidade previstas, e, ainda, às instalações hidráulicas, particularmente ao sistema de coleta e tratamento de esgoto. Observação Parceria entre as universidades, a iniciativa privada e o poder público, o 1° Centro de Engenharia de Conforto (CEC) estuda de forma integrada os principais aspectos que envolvem o conforto dos passageiros das aeronaves, como ergonomia, ruído, vibração, temperatura, pressão, iluminação e até as influências psicofisiológicas. O CEC reproduz, na Escola Politécnica da USP, um miniaeroporto, com sala de espera, rampa de acesso para o embarque e uma cabine de avião em tamanho real (mock up), onde é simulado um voo de verdade. 35 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO 2.1 Conforto térmico Meio-dia Poente N B A Nascente Leste Oeste Sul Figura 28 – Movimento aparente do Sol Os seres humanos vivem grande parte do tempo em ambientes fechados, seja no local de trabalho, seja no estudo, seja nolazer, seja na própria moradia. Conforto térmico é uma relação entre indivíduo e ambiente. As diretrizes de projeto para garantir melhores condições de conforto térmico direcionam-se para a melhoria do desempenho da envoltória, do sistema construtivo e dos materiais selecionados, em coerência com as cargas internas e as condicionantes locais. Envolve também questões relacionadas ao condicionamento interno de ambientes, que deve priorizar o conforto térmico dos usuários, com base em estratégias de climatização com menor consumo de energia e princípios da arquitetura bioclimática (ASBEA, 2012, p. 69). O conhecimento dos fenômenos da física aplicada à obtenção de conforto na arquitetura inclui necessariamente o estudo das formas de transferência de calor tanto entre o organismo humano e o meio circundante quanto entre os diversos componentes da edificação propriamente dita. De acordo com Oliveira e Ribas (1995), os fenômenos físicos da transferência de calor que subsidiam os princípios de desempenho térmico são: condução, convecção, radiação e evaporação. Esses fenômenos ocorrem, na maior parte das vezes, simultaneamente, caracterizando uma complexidade do processo. A condução é o processo pelo qual o calor se propaga no interior de um material através de agitação molecular, ou entre dois corpos, pela interação molecular de suas superfícies. A propriedade fundamental de um material na transmissão de calor por condução é a condutibilidade térmica. O índice de condutibilidade depende da densidade, da natureza química e da umidade do material. Um conceito importante associado à condutibilidade térmica é o seu oposto – a resistência térmica. A utilização de materiais de construção, seja para conduzir, seja para criar resistência ao calor, é otimizada quando são combinadas características de diferentes materiais. 36 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Já a convecção consiste no processo de transferência de calor por intermédio do deslocamento de um líquido ou de um gás (fluidos). Quando o ar está em contato com uma superfície mais quente, ele se aquece, se eleva e deixa lugar para o ar mais frio, gerando um movimento denominado de convecção natural. Se o ar já se encontrava em movimento antes de entrar em contato com a superfície, o fenômeno é denominado de convecção forçada, como no caso, por exemplo, de um edifício bem ventilado. A ventilação corresponde ao fator preponderante para a existência desse processo. A ventilação proporciona a renovação do ar e auxilia no conforto térmico das edificações. A arquitetura viabiliza sua ocorrência (posição das aberturas, criação de efeito chaminé nos telhados, localização da vegetação) se desejado. Ventilação significa ar em movimento em um determinado espaço. Assim, para movimentar-se, o ar precisa seguir um caminho, ou seja, precisa de uma entrada e de uma saída. Figura 29 – Ventilação natural A ventilação cruzada é uma técnica eficiente de ventilação, ou seja, o sistema de ventilação com uma entrada de ar na parte inferior e uma saída na parte superior, no lado oposto. Há um princípio físico a se considerar: o ar frio tende a permanecer embaixo, e o ar quente, mais leve, tende a subir. Figura 30 – Ventilação cruzada 37 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO A ventilação cruzada acontece pelo diferencial de pressão provocado pelo vento na edificação, em que a zona de pressão positiva acontece na área a barlavento, e a zona de pressão negativa acontece a sotavento. Figura 31 – Sistema de ventilação cruzada Outro sistema bastante eficiente, principalmente para as regiões de clima muito quente e úmido e com maior altura de pé-direito, é o chamado efeito chaminé. Fenômeno que consiste na movimentação vertical de uma massa gasosa localizada ou do fluxo de gases devido à diferença de temperatura ou pressão com relação ao meio circundante (IBGE, 2004). Trata-se de manter num patamar mais baixo as entradas de ar e criar uma saída no teto, por meio de ajustes no telhado e no forro. Figura 32 – Efeito chaminé para ventilação em escola indígena Yawanawá. Desenho com o efeito chaminé. Esses sistemas fazem com o ar uma pressão negativa, uma sucção de baixo para cima. Assim, a circulação será mais eficiente se o tamanho das entradas de ar (frio) for menor que as saídas de ar (quente). Terceiro fenômeno citado, a radiação é uma troca de calor através de ondas eletromagnéticas. Um corpo emite radiação em função das próprias características e de sua temperatura absoluta. O calor do sol chega até a terra por meio da radiação. Esta pode ser direta (incidência direta do sol) ou difusa (propagação do calor pelas partículas de água no ar mais saturado ou de superfícies aquecidas). A arquitetura, pelos estudos de sombreamento (diagramas de sombra), controla com maior eficácia a radiação direta. 38 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I A evaporação, quarto processo, é a mudança do estado líquido para o gasoso. Esse processo necessita de aporte em calorias; para evaporação de um litro de água são necessárias 580 quilocalorias (calor latente de evaporação). A presença de vegetação ou de lâminas d’água otimiza a utilização desse processo de troca de calor. Como ser homeotérmico (que possui a temperatura constante), o homem tem de perder calor adquirido e/ou produzido para manter o balanço térmico de seu corpo – especialmente em climas tropicais. Trocas de calor do corpo humano Radiação Evaporação Convecção Radiação Suor Respiração Transpiração Imperceptível Figura 33 – Equilíbrio térmico A obtenção de conforto térmico se processa quando o organismo, sem recorrer a nenhum mecanismo de termorregulação, perde para o ambiente o calor produzido compatível com sua atividade (trabalho e vestimenta). Várias metodologias foram desenvolvidas para conjugar as variáveis climáticas (temperaturas, umidade, radiação e ventilação) que influenciam diretamente no balanço térmico do homem com a noção de conforto. As preferências térmicas de um indivíduo são influenciadas por diversos fatores subjetivos ou individuais, como hábitos alimentares, a idade e o sexo, a forma do corpo, a gordura do corpo — que funciona como isolante térmico —, o estado de saúde e o vestuário, que altera significativamente as trocas térmicas e o processo de aclimatação dos indivíduos. O estudo climático de um edifício envolve o conhecimento de dados sobre o clima e sobre o sítio no qual se insere. Os dados do clima a serem considerados compreendem: temperatura do ar, precipitação, umidade e insolação. 39 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO 2.2 Conforto acústico O conforto acústico ocorre quando é feito um mínimo esforço fisiológico com relação ao som ou quando o som é agradável à audição. A noção de conforto acústico pode ser mais bem compreendida fazendo-se uso de duas características fundamentais: a qualidade e quantidade de energia emitida pelas fontes sonoras e a qualidade e quantidade de eventos sonoros do ponto de vista do receptor. Tal ponto de vista depende não somente da história individual, mas também dos valores próprios do grupo social a que ele pertence. A qualidade e o conforto que ele almeja podem influenciar a qualidade do trabalho, o sono e as relações entre os usuários do edifício. Quando a qualidade do meio sonoro se deteriora e o conforto se degrada, os efeitos observados podem se revelar rapidamente muito negativos, comoa queda de produtividade, conflitos de vizinhança e até mesmo problemas de saúde (ASBEA, 2012, p. 81). Figura 34 – Alto-falante Segundo Oliveira e Ribas (1995), os sons são perturbações vibratórias que se propagam nos meios materiais, capazes de serem detectados pelo ouvido humano. Quando detectados, produzem tanto sensações agradáveis, sons musicais, que se convencionou denominar simplesmente de som, quanto sons desagradáveis, não musicais, chamados de ruídos. O limiar entre o som e o ruído comporta uma dimensão psicológica, dificultando o estabelecimento de limites precisos entre eles. Sabe-se que a irritação nas pessoas produzida por fontes de ruído depende de seu tempo de duração, cruzamentos súbitos de intensidade, da informação trazida pelo ruído e pelo estado de espírito, forma física e atividade da pessoa submetida à fonte sonora. A norma brasileira ABNT NBR 10152:1987 estabelece os níveis de ruído para conforto acústico. 40 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I 2.3 Conforto luminoso O bom desempenho da visão e de suas funções depende de diversos fatores, sendo a quantidade de luz apenas uma das qualidades e a “matéria-prima” mais virtual dos espaços projetados. O conforto visual não se restringe apenas às emissões da luz artificial, deve-se considerar também a iluminação natural, com suas diferentes condições de exposição ao longo dos ciclos do dia, variações climáticas e estações do ano. Figura 35 – Conforto visual O projeto de iluminação não se restringe apenas à tarefa de adicionar luz, ele também abrange a de controlá-la, muitas vezes reduzindo sua quantidade ou até eliminando sua presença, dependendo do tipo de atividade e perfil do usuário que o espaço acolherá, entre outros fatores. Por outro lado, as adequadas quantidade e qualidade da luz para atender a um bom nível de conforto visual e desempenho das funções cognitivas não dependem única e exclusivamente da luz em si, mas também dos materiais. Refletância, acabamentos, cores e superfícies devem ser levados em conta, pois é por meio deles que ela se expressará. A iluminação exerce importante papel em nossa fisiologia e psicologia. Estado de espírito, atenção, produtividade e desempenho são fortemente condicionados por ela. Dessa forma, soluções inadequadas ou insatisfatórias podem levar a alterações de comportamento e desempenho esperados, provocando letargia, cansaço, fadiga, ansiedade, irritação, falta de sono etc., que induzem as pessoas a perdas de satisfação, concentração, produtividade e desempenho, aumentando assim os índices de “erros”, entre outras perdas de difícil quantificação. Algumas características importantes a serem observadas na qualidade da luz no projeto de iluminação são a redução dos níveis de ofuscamento, as margens de tolerância de contrastes, o índice de reprodução de cor, a temperatura de cor, a correlação entre campo visual e tarefa, entre outros. O tema da sustentabilidade neste tópico deve ser equacionado na busca do melhor resultado do desempenho das atividades visuais pretendidas mediante o emprego de soluções e equipamentos que proporcionem o menor consumo de energia direto e indireto, bem como a minimização dos impactos ambientais durante a vida útil e descarte dos equipamentos empregados. 41 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO O conforto visual está relacionado com estratégias para maximizar o uso da iluminação natural, com sistemas de iluminação adequados às necessidades dos usuários e com baixo consumo de energia. Em relação à iluminação natural, devem ser alcançados no projeto níveis adequados às tarefas que os usuários estejam realizando no ambiente, evitando o ofuscamento. Na concepção do sistema de iluminação artificial, devem ser estabelecidos níveis de iluminação adequados às tarefas dos usuários, com baixo consumo de energia e de preferência interligado com o aproveitamento da iluminação natural (ASBEA, 2012, p. 77). Muito do custo com energia para iluminação poderia ser reduzido se explorada uma fonte, abundante em um país tropical como o nosso – a própria iluminação natural. Segundo Oliveira e Ribas (1995), os efeitos nocivos da iluminação não se relacionam apenas aos aspectos quantitativos (nível mínimo de luz por atividade), mas também aos aspectos qualitativos. Os efeitos qualitativos negativos que interferem no conforto visual são: • Velamento: criado por luz intensa difusa no ambiente, que reduz o contraste de luz e sombra na imagem, gerando a sensação de insegurança, especialmente em pacientes. • Ofuscamento: causado por intensa luz direta que incide sobre os olhos do usuário. • Deslumbramento: provocado pela luz que penetra diretamente na pupila, formando focos de escuridão como quando se olha para a luz intensa. • Iluminamento uniforme prolongado: ocasionado por um ambiente constante e homogeneamente iluminado, trazendo prejuízos ao mecanismo fisiológico do ser humano. O uso de cores como instrumento de conforto ambiental tem sido amplamente estudado. Gropius (apud OLIVEIRA, 1995, p. 78) afirma em seu livro sobre a nova arquitetura que a “cor e textura de superfície têm, por assim dizer, uma existência própria e emitem energias físicas, que são até mensuráveis. O efeito pode ser quente ou frio, aproximativo ou retrocessivo em relação a nós, de tensão ou de repouso, ou mesmo repulsivo ou atraente”. Figura 36 – Cor 42 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 Unidade I Além de funcionar como instrumento de melhora da condição visual (pela reflexão), a cor, como já mencionamos, tem funções terapêuticas. A cromoterapia propõe a restauração do equilíbrio a partir da utilização das cores. Pimentel (apud OLIVEIRA, 1995, p. 79) apresenta um quadro que relaciona a cor e suas influências sobre o ânimo: Quadro 2 – Cor e sua influência sobre o ânimo Amarelo Estimula a mente, a concentração. Incentiva a conversação Azul Tem efeito tranquilizante e refrescante. Evita a insônia Branco Pode levar a um cansaço mental, com o excesso de claridade Laranja Estimula, dá um ar social ao ambiente Lilás Tem efeito sedativo, pode causar sensação de frustração Rosa Aconchega, traz calor sem excitação Verde Recompõe, equilibra. Tem efeito regenerador Vermelho Tem efeito excitante. Pode deixar as pessoas agitadas e irritadiças Fonte: Oliveira e Ribas (1995, p. 79). Iluminação zenital é a técnica utilizada para permitir que a luz natural penetre no ambiente através de pequenas ou grandes aberturas criadas na cobertura de uma edificação. Pode ser empregada por razões estéticas, como no caso do prédio da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU/USP) ou quando há algum tipo de deficiência com a iluminação das janelas. É recomendada em ambientes profundos e espaçosos. Figura 37 – Iluminação zenital/FAU(USP) 43 Re vi sã o: V er a Sa ad - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /0 4/ 20 19 ARQUITETURA E URBANISMO 2.4 Conforto olfativo Os processos industriais e de geração de energia, os veículos automotores e as queimadas são as maiores causas da introdução de substâncias poluentes na atmosfera, muitas delas tóxicas à saúde humana e responsáveis por danos à flora e aos materiais. A poluição atmosférica traz prejuízos não somente à saúde e à qualidade de vida das pessoas, mas também acarretam maiores gastos do Estado, decorrentes do aumento do número de atendimentos e internações hospitalares, além do uso de medicamentos, custos esses que poderiam ser evitados com a melhoria da qualidade
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