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Abertura dos Portos às Nações Amigas: a gênese do poder marítimo brasileiro Prof. Jéssica Gonzaga Doutoranda em História, Política e Bens Culturais – Fundação Getúlio Vargas Mestre em Estudos Marítimos – Escola de Guerra Naval Introdução • A teoria clássica do poder marítimo, desenvolvida pelo estrategista norte- americano Alfred Mahan, defende que a prosperidade nacional do Estado está fundamentada no desenvolvimento do comércio marítimo. • A existência de uma Marinha Mercante é imprescindível para a expansão e crescimento dessa atividade. Introdução • A centralidade do mar nos destinos das Nações ocorre devido à perspectiva econômica: as viagens e o tráfego marítimo foram mais fáceis e mais barato por terra. Introdução Por conseguinte, o conceito de Poder Marítimo é definido pelo autor como a: “integração de elementos materiais e vontades políticas que faziam do controle do mar o elo por meio do qual a riqueza se acumulava, para em seguida converter-se em mais poder, com maior capacidade de influir em acontecimentos e comportamentos”. Introdução • As condições que afetam a formação de um poder marítimo e, consequentemente, a centralidade das políticas navais para o desenvolvimento nacional: • Posição geográfica, • Conformação física do seu território, • O caráter do povo, • Tamanho da População, • Caráter do governo, Formação da Trindade Mahaniana Produção A necessidade de troca de bens e a base econômica do país como suporte fundamental para o desenvolvimento. Shipping A capacidade de transporte de bens pelo mar, os navios mercantes e suas tripulações mediante expansão da Marinha Mercante. Colônias Formação de entrepostos que facilitariam e aumentariam as ações de shipping e as operações de troca. Relevância do tema Em 2022, o Estado brasileiro celebra o Bicentenário da Independência e, por consequência da criação da Esquadra. A análise sobre a Abertura dos Portos às Nações Amigas é pertinente não só para compreensão do processo de emancipação econômica e política do país, mas também da gênese do Poder Marítimo brasileiro. Conjuntura Histórica • As Guerras Napoleônicas abalaram o continente europeu, entre 1804 e 1815, colocando em confronto a França Liberal contra as aristocracias europeias e a principal potência política e marítima a Inglaterra. • Derrotado na batalha naval decisiva de Trafalgar, em 1805, o plano estratégico militar de Napoleão Bonaparte sofreu um revés. Conjuntura Histórica A guerra econômica foi a alternativa encontrada. Em 1806, o Imperador dos Franceses assinou o Decreto de Berlim, estabelecendo o Bloqueio Continental. Os países europeus deveriam abster-se de importar produtos britânicos. Caso contrário, sofreriam intervenções militares das tropas napoleônicas. Conjuntura Histórica • Diante dessa conjuntura histórica, o Príncipe Regente D. João encontrava-se num dilema: a manutenção dos laços comerciais com a Inglaterra, não aderindo ao Bloqueio Continental ou a ruptura com sua principal aliada política para cumprir as ordens de Napoleão. Conjuntura Histórica • Em 1807, pela Convenção Secreta de Londres, entre Inglaterra e Portugal, D. João decidiu-se pela transferência da Corte para o Brasil e a assinatura de um tratado de comércio com os ingleses quando da sua chegada. Conjuntura Histórica A mudança da sede do Império Ultramarino Português para o Brasil foi a decisão tomada pela Coroa portuguesa a qual obedeceu aos seguintes fatores: • Proteção aos seus territórios, cujo mais promissor era o brasileiro. • Percepção de ameaça sobre tentativas britânicas de apossar-se de territórios portugueses no ultramar. • Aliança militar com a Marinha e Exército da Inglaterra contra Napoleão. • A economia brasileira dominava amplamente a produção do Império Português. O Brasil Colonial • Embora o estatuto de colônia, no Brasil criou-se um importante mercado interno integrado. • Desde 1770, os luso-brasileiros adotavam rotas marítimas. • O Rio Grande do Sul era responsável pela exportação de trigo, charque, couros, graxas, sebos e velas para o mercado interno. • Rio de Janeiro e Salvador forneciam tecidos e escravos. • O Vale Amazônico, sobretudo o Maranhão, era responsável pelas exportações de algodão e arroz. • Pernambuco e Ceará realizavam a exportação do charque, açúcar. O Brasil Colonial • Desde meados do século XVIII, Campos, Parati, Rio Grande e Santos eram os principais entrepostos comerciais da porção meridional do Brasil colonial e o Rio de Janeiro representava o lócus articulador desse espaço econômico em expansão. • O Rio de Janeiro era o centro dinamizador do comércio de cabotagem realizado no Brasil. A partir do qual as mercadorias seriam redistribuídas no mercado interno ou enviada para o ultramar. A economia colonial: um balanço • Desenvolvimento de um amplo mercado interno. • Burguesia composta por: tropeiros na base, atacadistas locais como intermediários e traficantes de escravos no topo. • A economia da colônia dominava amplamente a produção no cenário do Império Português. A economia colonial: um balanço “Vista estritamente do ponto de vista do porte, a economia metropolitana parecia um simples apêndice da parte colonial. Entre 1796 e 1807, as exportações brasileiras corresponderam a 83,7% do total das exportações de todas as colônias portuguesas para a metrópole. (...) Na via inversa, o Brasil consumia 78,4% dos produtos enviados por Portugal a todas suas colônias e 59,1% do total dos produtos enviados pelo Reino”. Fonte: CALDEIRA, Jorge. O processo econômico. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Crise Colonial e Independência (1808-1830). Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 168. ▪ Em 27 de novembro de 1807, o Príncipe Regente e sua Corte embarcou na Nau capitânia Príncipe Real. ▪ Na tarde de 22 de janeiro de 1808, após 54 dias no mar, parte da esquadra fundeou na Bahia. ▪ Em 28 de janeiro de 1808, d. João assinou a Carta Régia, conhecida como Abertura dos Portos Abertura dos portos às nações amigas • Pelo disposto no documento, poderiam, a partir daquela data: “exportar para os portos que bem lhes parecer a benefício do comércio e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaisquer gêneros e produções coloniais, à exceção do pau- brasil, [...] transportados por navios estrangeiros das potências que se conservem em paz e harmonia com a minha Real Coroa, ou em navios de meus vassalos”. Abertura dos portos às nações amigas • Na Abertura dos Portos, complemento natural da transferência da Família Real para o Brasil, o Príncipe Regente revogava: “todas as leis, cartas-régias, ou outras ordens que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros”. Abertura dos portos às nações amigas • Na Abertura dos Portos, complemento natural da transferência da Família Real para o Brasil, o Príncipe Regente revogava: “todas as leis, cartas-régias, ou outras ordens que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros”. Abertura dos portos às nações amigas A Carta régia tornou-se, portanto, um ponto de inflexão no processo histórico brasileiro tendo em vista que sacramentou a inversão colonial. Chegou ao fim o “pacto colonial”, ou seja, o exclusivismo metropolitano que estipulava o monopólio econômico exclusivo da metrópole sobre a colônia, conduzindo o Brasil ao comércio livre e à autonomia econômica. Abertura dos portos às nações amigas O processo de modernização econômica acompanhou: • O aumento do mercado interno. • transição da economia aurífera à cafeeira. • expansão da produção algodoeira, assim como o fumo, arroz, e da exportação de couro e sebo, além da instalação de manufaturas em diversas áreas do território. Fonte: Arquivo Geral do Estado do Rio de Janeiro. A centralidade do Rio de Janeiro na dinâmica do Império Ultramarino. O Rio de Janeiro substituiu Lisboa como “alfândega” entre os territóriosdo Império Ultramarino Português e os demais países. A partir desta capital, ocorriam reexportações para demais portos do país entre a Bahia e Montevidéu, além da atuação no comércio triangular, no eixo: Ásia-Rio-África. A centralidade do Rio de Janeiro na dinâmica do Império Ultramarino. Por resultado: “os valores envolvidos nessas operações comerciais e financeiras de importação e reexportação excederiam mesmo o da exportação de produtos do chamado ‘complexo agroexportador’ e foram responsáveis, em grande medida, pela hegemonia do capital comercial do Rio de Janeiro na economia colonial”. A centralidade do Rio de Janeiro na dinâmica do Império Ultramarino. Retomando à teoria mahaniana, o desenvolvimento do comércio desencadeou o aumento significativo no tráfego marítimo, principalmente, em relação à cabotagem. Em 1816, por exemplo, entraram no porto do Rio de Janeiro 1.460 navios dos quais sendo 398 de longo curso e 1.062 de cabotagem. Fonte: SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil. São Paulo, 1977, p. 440. A centralidade do Rio de Janeiro na dinâmica do Império Ultramarino. Número de navios entrados no Rio de Janeiro ANOS TOTAL ESTRANGEIROS 1805 810 - 1806 642 - 1807 777 1 1808 765 90 1809 822 83 1810-1815 1214 122 1819 1313 340 1820 1311 354 “De 1810 a 1820, o número total de navios de longo curso que entrava anualmente no Rio de Janeiro, variava entre 350 e 450. No período compreendido entre 1821 e 1830, esse número variou, de 400 a 500. Mas na distribuição por nacionalidades, foram rapidamente descendo os que arvoravam o pavilhão de Portugal, que já em 1821 não atingiam 30% sobre o total de longo curso”. Fonte: SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil. São Paulo, 1977, p. 440. O Tratado de 1810 • Por outro lado, a assinatura do Tratado de Comércio com a Inglaterra, em 1810, contribui para o declínio da navegação portuguesa de longo curso. “a exportação transportada em navios estrangeiros praticamente igualou à que deixou de ser efetivada através de Portugal. Dos navios estrangeiros, mais de 50% seriam britânicos. Seguiam-se os norte- americanos, espanhóis e franceses”. • Transferência do aparato burocrático e administrativo para o Rio de Janeiro, ocorrendo a instalação do Ministério dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. • Criação de repartições do Ministério da Marinha: • Quartel-General da Armada; • Intendência e Contadoria, • Arquivo Militar, • Hospital de Marinha, • Fábrica de Pólvora; • Conselho Supremo Militar. A construção do poder marítimo A construção do poder marítimo • A solução encontrada pela Coroa foi concentrar a navegação portuguesa na cabotagem e estimular o desenvolvimento dos estaleiros brasileiros. • À medida que o mercado se expandia, o governo promovia estímulo à chegada de técnicos europeus e a instalação de fábricas de cabos e vários insumos relacionados à construção naval. • Visando melhorias às condições de navegação, o monarca ordenou o levantamento de cartas hidrográficas da costa e a custódia dessa documentação ao Real Arquivo Militar. • Criação da Fábrica de Pólvora. A construção do poder marítimo • A chegada e instalação de parte da Esquadra portuguesa no Brasil, a partir da transferência do Ministério da Marinha em 1808, veio acompanhada da instalação da Academia Real dos Guardas-Marinha e da Brigada Real de Marinha, além da criação de novas repartições na nova sede da Coroa portuguesa. • O Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro, tornou-se responsável pela administração financeira e apoio logístico à instituição. A construção do poder marítimo • O Arsenal de Marinha da Bahia, principal arsenal construtor, em 1811, lançou ao mar uma fragata, um bergantim de guerra, duas barcas, duas escunas, um iate e várias embarcações. A construção do poder marítimo • D. João VI, em 1818, atento às inovações tecnológicas, autorizou a incorporação de uma empresa destinada a explorar barcos a vapor na cabotagem e na navegação fluvial da Capitania da Bahia. • A empresa de marquês de Barbacena, que, importando o motor e aparelhos de propulsão da Inglaterra, montou a primeira embarcação a vapor no Brasil. • A viagem inaugural ocorreu em 4 de outubro de 1819 sobre o rio Paraguaçu. A construção do poder marítimo • Durante seu reinado, a Marinha de Guerra foi instrumento da política externa, promovendo operações navais em Caiena e na Banda Oriental, como também responsável pela manutenção da ordem interna, mediante pacificação de Pernambuco. O processo de emancipação • O legado deixado pelo processo de inversão colonial encontra-se amparado sob alicerces econômicos e políticos. • Enquanto a Abertura dos Portos contribuiu para o desenvolvimento do Poder Marítimo brasileiro, a transferência do aparato político e burocrático e a elevação do Brasil à condição de Reino Unido, em 1815, permitiram a ascensão do Rio de Janeiro como centro de poder e de autonomia política. • A presença do monarca tornou-se fonte de legitimidade, garantindo a obediência dos súditos e a integração do Império Luso. O processo de emancipação • A tentativa de retorno ao status de colônia pelas Cortes portuguesas após a Revolução do Porto em Portugal, processo que tem como desfecho o retorno de D. João VI a Portugal em 1821. O processo de emancipação • As realizações promovidas em 1808 criaram as condições para que a Independência brasileira fosse proclamada em 7 de setembro de 1822, em especial pelo surgimento e consolidação de um núcleo político- econômico. • Os seusintegrantes protagonizaram as primeiras ações no sentido de defender a continuidade sua emancipação comercial após a Abertura dos Portos, bem como da autonomia política ante a tentativa de retorno ao status de colônia pelas Cortes portuguesas. A importância do poder marítimo no processo de independência. • As províncias Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo ansiavam por um regime nos moldes de uma monarquia constitucional a fim de impedir esse projeto recolonizador e garantir a autodeterminação política e econômica. • Contudo, a soberania brasileira não foi alcançada de forma pacífica. A presença das juntas governativas leais às Cortes portuguesas na Bahia, Grão-Pará, Maranhão e Cisplatina ameaçavam a unidade nacional. A importância do poder marítimo no processo de independência. • A formação da Marinha Imperial foi concomitante com a constituição do Império do Brasil. • No Rio de Janeiro, o Ministro José Bonifácio buscava garantir a unidade territorial, defendendo a Marinha como o instrumento capaz de defender o país contra agressões da antiga metrópole. • Afinal, somente mediante o domínio do mar, ou seja, a proteção das linhas de comunicação seria possível garantir a manutenção dos domínios territoriais. Considerações Finais • Conforme o fortalecimento do Poder Marítimo, aumenta-se o poder do Estado e sua influência direta sobre acontecimentos e comportamentos. • A Abertura dos Portos estimulou o desenvolvimento do Poder Marítimo luso-brasileiro resposável pelo poder econômico e político da população local. • Por consequência, a antiga colônia modificou seu comportamento, rompendo os laços com a metrópole e estabelecendo a luta pela formação doEstado Nacional. • O Poder Marítimo demandou uma força naval capaz de garantir os interesses nacionais. Obrigada! Contatos – Jéssica Gonzaga prof.jessica.gonzaga91@gmail.com (21)999377765
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