Prévia do material em texto
ATUAÇÃO MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE W B A 01 28 _v 2. 1 2 Hellen Emília Peruzzo Aveiro Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 ATUAÇÃO MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE 1ª edição 3 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor Fabiane Gorni Borsato Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Gilvânia Honório dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) __________________________________________________________________________________________ Aveiro, Hellen Emília Peruzzo A948a Atuação multiprofissional em saúde/ Hellen Emília Peruzzo Aveiro, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2020. 43 p. ISBN 978-65-5903-057-6 1. Princípios. 2. Multiprofissional. 3. Estrutura. I. Título. CDD 614 ____________________________________________________________________________________________ Raquel Torres – CRB 6/2786 © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 4 SUMÁRIO Estrutura e Clima Organizacional____________________________________ 05 Trabalho em Equipe ________________________________________________ 22 Composição e atuação das equipes de ESF e NASF _________________ 38 Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde ___________________ 55 ATUAÇÃO MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE 5 Estrutura e Clima Organizacional Autoria: Hellen Emília Peruzzo Aveiro Leitura crítica: Fabiane Gorni Borsato Objetivos • Compreender o que são e como são compostas as estruturas organizacionais. • Conceituar e diferenciar os elementos das estruturas formais e informais. • Conhecer sobre o clima organizacional e como ele influencia o processo de trabalho das equipes de saúde 6 1. Estrutura organizacional A estrutura organizacional pode ser compreendida como resultado de um processo em que a autoridade é distribuída. Isso acontece quando são organizadas as diferentes tarefas, perpassando todos os níveis do trabalho e chegando à alta administração, a fim de estabelecer um sistema de comunicação bem delineado que permitirá que as pessoas exerçam a autoridade que lhes compete. Essa estrutura garantirá a continuidade das atividades e consequentemente o alcance dos objetivos da organização. É importante saber que a estrutura conta com três componentes essenciais: especificação, comunicação e sistema de autoridade (VASCONCELLOS; HEMSLEY, 2002). A estrutura organizacional consiste na maneira como as empresas se organizam para a realização do trabalho, como são caracterizadas as diferentes funções e como são construídas as posições hierárquicas. Por vezes, também influencia como o processo de trabalho é percebido por seus colaboradores. Sendo assim, estudaremos, além dos aspectos conceituais, como a estrutura organizacional se aplica nas instituições e como norteia o trabalho dos profissionais e de suas equipes. Devemos entender que a estrutura em sua essência é mutável, sendo modelada também a partir do que ocorre no ambiente organizacional. Essa característica é básica ao considerar que ela deve ter como princípios fundamentais o alcance de metas organizacionais e a certeza de que os trabalhadores se adequam às exigências das organizações (DAFT, 2007). Segundo Daft (2007), quando estudamos sobre a estrutura organizacional, devemos conhecer alguns preceitos indispensáveis para uma melhor compreensão do tema, como: 7 • Especialização do trabalho: trata-se da maneira como a tarefa é dividida em atividades individuais, conhecida também como divisão do trabalho. • Departamentalização: refere-se ao agrupamento de diferentes sujeitos que darão origem aos departamentos; e estes, por sua vez, também serão agrupados para darem origem à organização. • Cadeia de comando: é compreendida como uma linha contínua de autoridade que interliga todos os indivíduos da organização e nomeia quem deve se reportar a quem. • Centralização/descentralização: consiste no nível hierárquico em que acontece a tomada de decisão. Quando há centralização, as decisões são concentradas nos níveis mais altos da gestão; por outro lado, quando há descentralização, os níveis hierárquicos mais baixos ganham autonomia no processo decisório. • Formalização: é o acordo formalizado por escrito para controlar e dirigir os funcionários/profissionais. Trata-se do nível em que os cargos dentro da instituição são padronizados. É importante compreendermos que esses aspectos organizacionais estão presentes em todas as organizações, empresas ou instituições. Porém, muitas vezes podem surgir sinais indicativos de que a estrutura não está atendendo às demandas, devendo o modelo estrutural ser reestruturado. As representações mais comuns são: prorrogação ou fraca qualidade da tomada de decisões; lentidão; baixa inovação; declínio no nível de desempenho dos profissionais; e altos níveis de conflitos interpessoais (DAFT, 2007). No contexto da saúde, não é diferente, sejam serviços públicos, privados ou filantrópicos, independentemente do nível de atenção oferecida. Para que conheçamos melhor questões pertinentes à 8 estrutura organizacional, precisaremos saber mais sobre suas diferentes representações, tanto formal quanto informal. 1.1 Estrutura formal A estrutura formal é constituída pela divisão do trabalho racional, especializando órgãos, setores e pessoas em determinadas atividades. Caracteriza-se pela maneira como o grupo costuma ser composto e acontece a partir de um planejamento de estruturação de papéis, hierarquia e classificação de cargos bem determinados (MINTZBERG; QUINN, 2006). Esse contexto refere-se às pactuações formais e previamente acordadas dentro das organizações, tais como regulamentos internos, manuais de técnicas e procedimentos, normas e rotinas, entre outros informativos necessários para a realização e a continuidade do processo de trabalho. Além disso, é a estrutura formal que norteará como serão organizadas as posições hierárquicas dentro do serviço, por meio de um organograma institucional, que é uma representação gráfica da estrutura formal da organização em um determinado momento, ou seja, apresenta a disposição e a hierarquia dos órgãos que a compõem (PICCHIAI, 2010). Nessa perspectiva, existem diferentes modelos que podem ser adotados, dependendo da missão da instituição, sendo os principais apresentados a seguir. 1.1.1 Estrutura Linear A estrutura linear foi desenvolvida por Fayol (Teoria Clássica da Administração) e refere-se ao organograma mais simples disponível. É comum em pequenas empresas, que exigem pouca especialização e baixa complexidade. A autoridade e a tomada de decisão são centradas totalmente no “chefe”, e os órgãos são estruturados em uma linha única verticalizada de subordinação (PICCHIAI, 2010). 9 Segundo Picchiai (2010), o modelo linear conta com algumas vantagens e desvantagens: • Vantagens: pode ser aplicado em instituições pequenas;com autoridade única; estrutura simples e econômica; delimitação clara dos papéis de responsabilidade e autoridade; além de possibilitar a unidade de mando e disciplina. • Desvantagens: contribui para processos burocratizantes; comando direto e centralizado, com cooperação limitada das pessoas envolvidas no trabalho; diminuição do poder de controle técnico; vias de comunicação lentas e com distorções; sobrecarga de trabalho na tomada de decisão da direção e das chefias; além de não contribuir para o espírito de cooperação e trabalho em equipe. Figura 1 – Estrutura Linear Fonte: elaborada pela autora. 1.1.2 Estrutura Linear Staff (assessoria) Trata-se de um modelo de estrutura em que as unidades diretoras contam com uma unidade especial para assessoramento, chamado de 10 órgão ou pessoa-staff. O staff deve atuar de maneira independente e gozar de liberdade de opinião. Essa unidade deve assessorar, oferecer recomendações e servir de apoio à diretoria, porém sem assumir o direito decisório. As recomendações do staff deverão ser ouvidas, mesmo que não sejam aceitas posteriormente (PICCHIAI, 2010). • Vantagens: incorpora conhecimentos novos e especializados na organização; estimula a participação de especialistas; proporciona a concentração dos problemas peculiares nos órgãos de staff (PICCHIAI, 2010). • Desvantagens: as funções executadas pela unidade staff nem sempre são bem aceitas, o que contribui para dificuldades na coordenação interna. Essa modelagem sugere a consolidação de “técnicos de gabinete”, que por sua vez possuem dificuldade de aceitar as limitações inerentes aos cargos (PICCHIAI, 2010). Figura 2 – Estrutura Linear Staff Fonte: elaborada pela autora. 11 1.1.3 Estrutura Funcional Conforme descrito por Picchiai (2010), a estrutura funcional é caracterizada como aquela que possui uma chefia para cada uma das funções, de tal maneira que os subordinados executem mais de uma função, consequentemente sob o comando de mais de um chefe. Todos os níveis de execução são subordinados funcionalmente aos seus apropriados níveis de comando funcional. Há a necessidade de assegurar a especialização, e sua organização se divide de acordo com suas diferentes funções: finanças, produção, recursos humanos, marketing, entre outros. Seus objetivos são compreendidos a longo prazo. • Vantagens: contribui para o aperfeiçoamento das atividades; estimula a especialização, principalmente nos níveis hierárquicos superiores; proporciona a construção e o trabalho em equipe; possibilita maior flexibilidade para a adaptação na empresa; valoriza o trabalho dos especialistas (PICCHIAI, 2010). • Desvantagens: número grande de chefias, o que pode causar confusão entre os subordinados; e inexistência de uma unidade de mando, o que limita a disciplina dos profissionais. É mais onerosa, pode gerar confusão quanto aos objetivos propostos e acarretar o aumento dos conflitos interfuncionais (PICCHIAI, 2010). 12 Figura 3 – Estrutura Funcional Fonte: elaborada pela autora. 1.1.4 Estrutura Matricial É importante compreendermos que a estrutura matricial é multidimensional, ou seja, possui múltiplas dimensões. Nesse sentido, ela busca maximizar as potencialidades e minimizar as fragilidades das estruturas já mencionadas anteriormente. As unidades propriamente ditas de trabalho são os projetos, e seus órgãos permanentes (funcionais) acabam atuando como prestadores de serviços nesses projetos, sendo sua organização temporária. Com isso, conseguem maior otimização e versatilidade dos recursos humanos disponíveis (PICCHIAI, 2010). • Vantagens: equilíbrio dos objetivos e da coordenação (gerente do projeto); é efetiva em conseguir bons resultados em projetos/ problemas complexos; é fortemente direcionada para os resultados; possui maior grau de especialização (PICCHIAI, 2010). 13 • Desvantagens: conflitos por conta da duplicidade entre autoridade e comando (no contexto vertical, há as ordens do chefe de departamento funcional, já horizontalmente as ordens vêm do coordenador/gerente do projeto) (PICCHIAI, 2010). Figura 4 – Estrutura Matricial Fonte: elaborada pela autora. 1.2 Estrutura informal Apesar de a estrutura informal não ficar evidente dentro do organograma da instituição, não quer dizer que ela não esteja presente ou não exerça influência sobre ele. Quando falamos nessa perspectiva, devemos entender que ela está no campo dos aspectos subjetivos das organizações, naquilo que não está formalmente reconhecido ou documentado. Em outras palavras, está presente nas relações sociais entre as pessoas atuantes no processo de trabalho. 14 A estrutura informal constitui elementos que perpassam toda a dinâmica organizacional, concretizando-se nas relações interpessoais, nas quais a intersubjetividade, as crenças e os valores individuais, assim como os interesses particulares e institucionais, representam a base que molda e, principalmente, atribui significado ao trabalho desenvolvido nas instituições. Também é nesse contexto que está fundamentada a missão da organização, assim como as políticas e propostas que conduzem a dinâmica organizacional. Sabendo disso, entende-se que a estrutura informal possui como elementos constitutivos a cultura e o poder (KURCGANT, 2016). 1.2.1 Cultura É preciso reconhecermos a existência da cultura dentro da organização, uma vez que o desempenho dos recursos humanos representa elemento determinante para o sucesso ou insucesso de qualquer proposta. Nessa perspectiva, as organizações podem ser consideradas como subculturas dessa sociedade, já que seus trabalhadores criam e modelam a cultura organizacional a partir de aproximações constitutivas de uma totalidade social e compartilham do mesmo contexto cultural da sociedade de que fazem parte (KURCGANT, 2016). Em sua definição, a cultura organizacional é compreendida como um conjunto de crenças e valores que orientam as decisões do gestor em todos os níveis da estrutura, direcionando o caminho a ser percorrido a partir de várias alternativas disponíveis (KURCGANT, 2016). Sendo assim, culturas e subculturas constituem um universo de crenças, valores, pressupostos básicos, rituais, ritos, cerimônias, mitos, lendas, heróis e outros símbolos que formam e concretizam as relações e interações humanas dentro nas organizações (KURCGANT, 2016). 15 Segundo Kurcgant (2016), a cultura organizacional pode ser assimilada em diferentes níveis: dos artefatos visíveis; dos artefatos que governam o comportamento das pessoas; e dos pressupostos inconscientes. • Nível dos artefatos visíveis: divisão e utilização da área física das instituições; a maneira como as pessoas se vestem; os padrões de comportamento assumidos pelas pessoas; e até mesmo os conteúdos documentais, ou seja, tudo o que pode ser visualizado. São artefatos de fácil apreensão, porém de difícil compreensão, já que a lógica que dirige esses comportamentos não é facilmente compreendida. • Nível dos artefatos que governam o comportamento das pessoas: são as informações sobre a organização, que podem ser obtidas por meio da análise de documentos e de discursos de pessoas-chaves desta. • Nível dos pressupostos inconscientes: pressupostos que determinam como as pessoas pensam, percebem e sentem. Quando esses valores são compartilhados pelo grupo, direcionam a determinados comportamentos, os quais passam a ser adequados para solucionar problemas. Sendo assim, o valor é gradativamente transformado em um pressuposto irrefletido sobre como as coisas de fato são. Para tanto, compreender a importância da cultura organizacional dentro das instituições é fundamental para estabelecer estratégias que possam estimular o trabalho colaborativo entre as equipes, bem como o alcance de metas e objetivos, além de potencializar os resultados esperados. 1.2.2 Poder Kurcgant (2016) define o poder como a capacidade do indivíduo de interferir sobre a vontade dos agentes sociais ou sobre seusinteresses. Complementando a autora, ele ainda está relacionado à 16 estrutura informal, justamente por nem sempre estar associado à autoridade formalmente instituída a partir das estruturas hierárquicas. Nesse sentido, é importante compreender que poder é diferente de autoridade. Para que consigamos pensar no poder, temos que entender que ele se aplica de maneira diferente dependendo do contexto em que está inserido. Em uma comunidade feudal, por exemplo, ele é diferentemente percebido daquele exercido em uma sociedade gerida por um sistema socialista. Nesse sentido, os indivíduos que exercem o poder também sofrem os seus efeitos, permitindo assim serem centros de sua transmissão (KURCGANT, 2016). Partindo do exposto, o poder, bem como a cultura, consolida-se nas interações e nas práticas cotidianas, ultrapassando os limites da estrutura formal e de toda sua amplitude legal. Entretanto, ele usa seu aparato formal quando desempenhado como prática de coerção, o que garante a coesão e o consensual necessários e suficientes aos grupos para a continuidade das propostas e dos processos de trabalho (KURCGANT, 2016). É importante enfatizar que a análise da cultura e do poder nas instituições de saúde é fruto da necessidade de se compreender melhor como se dão as relações/interações de trabalho nessas organizações. Também é essencial para conhecer como se dão as relações indivíduo/ indivíduo, indivíduo/grupo, indivíduo/organização, assim como os relacionamentos interpessoais entre os diversos grupos profissionais e o relacionamento com a instituição (KURCGANT, 2016). Em um cenário geral, a cultura e o poder têm sido pouco explorados pelos gestores, gerentes ou administradores dos níveis formais da estrutura organizacional como aspectos que influenciam e até mesmo determinam a tomada de decisões dentro das equipes de trabalho. Além disso, também podem ser percebidos como propostas para mudanças 17 institucionais, para o gerenciamento de conflitos interpessoais/ intergrupais e como ferramenta para gerenciamento do pessoal. Acredita-se que uma das dificuldades para a não incorporação desses aspectos se dá ao fato de que na análise organizacional tanto a cultura como o poder são variáveis e carregam um forte elemento emocional, exigindo de quem gerencia as equipes a capacitação para trabalhar o diálogo entre a subjetividade (KURCGANT, 2016). Nessa mesma perspectiva, outro elemento essencial é a consideração da dimensão humana e a valorização dos sentimentos inerentes às relações de trabalho. Demanda também do gestor desenvolver seu autoconhecimento, seu conhecimento sobre o comportamento humano e sua capacidade emocional para gerenciar as diferenças de interesses e o envolvimento efetivo com o pessoal, resgatando sempre seus valores, suas crenças, seus hábitos, seus costumes, suas potencialidades, suas necessidades e suas expectativas, os quais permeiam e, por vezes, determinam os relacionamentos (KURCGANT, 2016). Do outro lado, conhecer esses elementos obriga o gestor a ouvir os trabalhadores e a considerá-los na sua tomada de decisão. Contudo, essa nova perspectiva passa a exigir estratégias mais participativas e compartilhadas no processo de trabalho, o que, de certa maneira, força novas reflexões sobre as relações de trabalho e, inclusive, estimula mudanças de paradigma. Muito embora esses novos conhecimentos sejam ainda minimizados quanto a sua importância e não sejam valorizados como deveriam, muitas vezes não fazendo parte do conhecimento considerado essencial para a formação profissional em saúde, são eles, fundamentados na capacitação ético-política, que darão coerência à formação de vínculo e compromisso entre as pessoas e as instituições (KURCGANT, 2016). Em consequência das modificações nos valores e na cultura, ocorrem as mudanças nos processos e nas estruturas de poder. Dessa maneira, as estruturas mais formais passam a possuir desenhos flexíveis, ou seja, 18 menos centralizadores, contribuindo para o achatamento vertical e o alargamento horizontal dos níveis hierárquicos. Com isso, o poder passa a ser redistribuído e as suas relações tendem a ser mais igualitárias. Mais do que as próprias mudanças na estrutura formal, são essas alterações na estrutura informal que representam barreiras para mudanças proativas, já que o grupo que possui o maior poder tende a resistir a essas mudanças (KURCGANT, 2016). Contudo, devemos entender que as estruturas formal e informal exercem grande influência sobre o processo de trabalho, bem como sobre as relações interpessoais presentes nas organizações. O trabalho em equipe, multiprofissional, por exemplo, é fomentado quando a cultura organizacional contribui para que ele aconteça, quando o processo de poder é decentralizado e as pessoas são ouvidas e sentem- se parte do todo, valorizadas e como peça fundamental para a conclusão das tarefas. Nessa perspectiva, esses aspectos têm grande influência sobre o clima organizacional das instituições. 2. Clima organizacional O clima organizacional refere-se à maneira como as pessoas visualizam a organização, podendo essa percepção ser positiva ou não, a depender da interação com suas estruturas. Chiavenato (2006) diz que o clima organizacional corresponde ao meio interno de uma organização, aos aspectos psicológicos que caracterizam cada uma das organizações. Trata-se do ambiente humano em que a qualidade organizacional é percebida ou experimentada por seus trabalhadores, o que acaba por influenciar seus comportamentos. É importante compreendermos que o clima no ambiente de trabalho é mutável, já que é baseado na maneira como os sujeitos envolvidos enxergam e percebem a organização, bem como no estado como se 19 encontram, com suas subjetividades e particularidades. Em outras palavras, o clima organizacional é influenciado pelo estado de ânimo ou pelo nível de satisfação dos trabalhadores de uma instituição, em um dado período temporal (LUZ, 2003). Segundo Luz (2003), ainda é possível assegurar que o clima pode ser caracterizado como bom, prejudicado ou ruim. Entende-se como um clima bom aquele que é percebido por meio do orgulho que os profissionais sentem em trabalhar em determinada instituição, que por consequência resulta em indivíduos que trabalham alegres e dispostos e que são participativos nas atividades e comprometidos com as tarefas propostas. Já o clima ruim ou prejudicado acontece quando algumas variantes afetam negativamente os profissionais, contribuindo, entre outros aspectos, para a existência de discórdia, tensão, rivalidades e desinteresse pelo trabalho. Diante dos diferentes conceitos sobre clima organizacional, três palavras-chaves estão sempre presentes nessas abordagens, conforme apresentado a seguir: • Satisfação (dos funcionários): é um dos aspectos mais presentes, uma vez que, de maneira direta ou indireta, os conceitos costumam associar o clima organizacional ao grau de satisfação dos trabalhadores pertencentes à organização. • Percepção (dos funcionários): está relacionada aos diferentes contextos da organização que possam influenciar os profissionais, de maneira positiva ou negativa. Se os trabalhadores percebem a organização positivamente, o clima tende a ser bom. Por outro lado, se a percepção for negativa, existe uma tendência maior para que ele seja percebido de forma ruim. • Cultura (organizacional): determinados autores que abordam o assunto mencionam a cultura como fenômeno similar ao clima organizacional, considerando-o como as duas faces de uma 20 mesma moeda, ou seja, complementares, em virtude da influência que a cultura exerce sobre o clima (LUZ, 2003). Assim como descrito por Chiavenato (2006), a percepção dos profissionais sobre o clima organizacional não se restringe somente à satisfação de suas necessidades fisiológicas e de sua segurança, ou seja, das questões vegetativas; também envolve a satisfação das necessidades sociais, de autoestimae realização, chamadas de necessidades superiores. Nesse sentido, a mola impulsionadora é ativada pela motivação e pelo engajamento entre os funcionários na adaptação de uma cadeia de variáveis para satisfazer essas necessidades. Em outras palavras, o motivo é tudo aquilo que incentiva a pessoa a agir de determinada maneira, ou que pelo menos dá origem a uma disposição para um comportamento específico. Faz-se necessário ressaltar que o capital humano passou a ser reconhecido como patrimônio intangível das instituições, uma vez que é percebido como matéria-prima para ultrapassar, de maneira inovadora e criativa, a competitividade do mercado de trabalho e de todos os seus conflitos organizacionais inerentes ao processo de trabalho. O ativo palpável pode ser negociado, adquirido ou até mesmo comprado; já a inteligência, as inter-relações e as competências dos profissionais são responsáveis pelas melhorias do clima nas organizações e pelo desempenho das equipes (CHIAVENATO, 2006). Destarte, conhecer sobre o clima organizacional e como as estruturas organizacionais exercem influência sobre o processo de trabalho das equipes é fundamental para a construção de uma perspectiva pautada no conhecimento das relações interpessoais que ocorrem dentro das instituições e de como potencializar um trabalho em equipe mais efetivo. Essas discussões são essenciais quando pensamos em sua aplicabilidade dentro dos serviços de saúde, nos quais existem equipes multiprofissionais com diferentes culturas, crenças e valores trabalhando em um mesmo ambiente e executando tarefas 21 compartilhadas, porém com diferentes percepções sobre elas e sobre os seus processos. Referências Bibliográficas CHIAVENATO, I. Administração de Recursos Humanos: fundamentos básicos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. DAFT, R. L. Understanding the theory and design of organizations. China: International Student Edition, 2007. KURCGANT, P. (coord.) Gerenciamento em enfermagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. LUZ, R. Gestão do Clima Organizacional. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O processo da estratégia. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. PICCHIAI, D. Estruturas organizacionais: Modelos. São Paulo: USP, 2010. VASCONCELLOS, E.; HEMSLEY, J. R. Estruturas Organizacionais: Estruturas Tradicionais, Estruturas para Inovação, Estrutura Matricial. 4. ed. São Paul: Thomson Pioneira, 2002. 22 Trabalho em Equipe Autoria: Hellen Emília Peruzzo Aveiro Leitura crítica: Fabiane Gorni Borsato Objetivos • Compreender aspectos importantes sobre como o trabalho em equipe tem acontecido dentro das instituições. • Conhecer os conceitos que diferenciam os trabalhos interdisciplinar, multidisciplinar e multiprofissional. • Aprender como os relacionamentos interpessoais interferem no desempenho do trabalho em equipe. 23 1. Trabalho em Equipe Quando se busca aprender sobre o processo de trabalho em saúde, é indispensável que se discuta sobre o trabalho em equipe, uma vez que ele vai permear e nortear a realização das ações desempenhadas pelas equipes multiprofissionais. Desse modo, ao longo deste Tema, aprofundaremos um pouco mais nossos conhecimentos nesse assunto. Trabalhar em equipe se contrapõe ao modo isolado e independente com que os profissionais normalmente executam seu trabalho no cotidiano de serviços de saúde (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Em sua essência, o trabalho em equipe deve ser percebido como ferramenta para a realização de atividades em que diferentes pessoas assumem papéis interdependentes em prol de um objetivo comum, e cada um oferece suas habilidades na construção de um produto. Apesar de sua discussão, principalmente na atualidade, estar presente em todas as esferas e níveis de atenção, são inúmeros os desafios quanto a sua aplicabilidade em serviços de saúde. Peduzzi, Leonello e Ciampone (2016) entendem que o trabalho pode ser compreendido como um processo de mudança que ocorre porque os indivíduos possuem necessidades que precisam ser sanadas. Essa transformação acontece por meio da realização do trabalho, a partir do consumo produtivo da força de trabalho e da mediação de ferramentas que o agente insere entre ele próprio e o objeto, pensando em dirigir sua atividade a uma dada finalidade. Nessa perspectiva, desde a década de 1960, o interesse pelo desenvolvimento do trabalho em equipe começou a aparecer em todos os processos de produção, seja na indústria ou nas empresas em geral. Esse fato se deu por vários motivos, inclusive em decorrência do desengano diante da divisão excessiva do trabalho, o que contribuiu para a fragmentação das tarefas, com reações individuais 24 do trabalhador ocupado apenas com tarefas parciais, presente em um limitado setor de produção, sem a oportunidade de acompanhar a finalização do produto, além de estimular a despersonalização do trabalho (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). O conceito de trabalho em equipe como proposta multiprofissional em saúde ganhou destaque no Brasil a partir de 1970, período conhecido pelo forte crescimento do mercado de trabalho na área. Isso ocorreu muito em razão de uma significante necessidade de ampliação da cobertura dos serviços de saúde, efetuada com base nos moldes da reforma médica, principalmente a Medicina Preventiva e a Medicina Comunitária, que enfatizaram o trabalho em equipe como recurso para a racionalização dos serviços. As equipes de saúde também ganharam destaque em virtude dos crescentes enfrentamentos e conflitos presentes entre os inúmeros grupos profissionais, tentando cada categoria ou segmento alcançar sua hegemonia, não obstante a convencional hegemonia médica (PEDUZZI, 1998). Dessa forma, a proposta de se trabalhar em equipe, assim como apresentada, emergiu de um processo contraditório caracterizado a partir da relação entre a crescente tendência de especialização da mão de obra e da necessidade de que os trabalhos produzidos fossem integrados pelas variadas áreas da saúde, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, nutrição, psicologia, serviço social e outras (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). A especificação do trabalho acontece tanto no quesito conhecimento quanto no desempenho prático dos profissionais atuantes nos serviços de saúde com vistas a uma assistência eficaz aos indivíduos. Nesse contexto, são considerados a crescente absorção de tecnologia, o ritmo acelerado na produção do cuidado e a necessidade de aplicação de novos conhecimentos, que exigem que os profissionais se aprofundem de maneira vertical em suas competências, contribuindo para a intensificação da especialização (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). 25 Em outra perspectiva, a especialização do serviço de saúde tende a constituir uma prática fragmentada na assistência ao paciente, conformando uma cadeia de atividades realizadas por profissionais distintos, que necessitam de articulação. Atualmente, não é possível um profissional isolado, ou mesmo uma única pessoa em especial, atender às demandas em saúde dos pacientes. Sendo assim, para os profissionais, torna-se importante o conhecimento da necessidade de conexões diante das inúmeras ações executadas, devendo estas serem assimiladas para a conclusão do trabalho (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). A importância da integração do trabalho também se torna evidente quando se consideram as proporções das necessidades de saúde simultaneamente, como as dimensões biológicas, sociais, psicológicas e culturais das pessoas e dos grupos que vivenciam certas condições. A grande complexidade que gira em torno das demandas e dos problemas de saúde, vivenciados pelos profissionais e usuários, exige investimentos ativos para uma integração entre pessoas e ações. Nesse sentido, a integralidade envolve desde a elaboração de políticas macro (União, Estados e Municípios) até a produção de práticas cuidativas em saúde (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Considerandoa contradição existente entre a integração e especialização no trabalho, é a grande especificação no contexto da saúde que revela a necessidade de reformulação das atividades especializadas, constituindo-se um desafio para uma integração destas. Dessa maneira, a integração pode ser visualizada como demonstração da articulação entre os trabalhos de profissionais da mesma área de atuação (equipes de nutrição, de enfermagem, médica e outras), além de estar presente em trabalhos realizados por profissionais de categorias distintas (equipe multiprofissional de saúde) (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). 26 Outro ponto relevante é a dinâmica de divisão do trabalho, que contribui para o parcelamento de uma atividade de execução de um produto que, originalmente, era realizado por um único profissional, passando a ser realizado por diferentes pessoas. Essa divisão técnica representa uma divisão social do trabalho, na qual são representadas “duas faces de uma mesma moeda” (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Segundo Peduzzi (2007), as características da cultura organizacional podem interferir no estímulo à promoção do trabalho em equipe, uma vez que ela exerce papel de grande importância na conformação da dinâmica laboral das instituições. Isso porque, por estar associada a crenças, valores e tradições dos profissionais, poderá refletir e intervir nas diferentes situações do cotidiano de trabalho. Nesse sentido, os valores compartilhados por meio da cultura organizacional, prevalentes nos serviços de saúde hoje, ainda são de caráter fragmentado e valorizam as relações hierárquicas de trabalho e a atuação individualizada do profissional. Entretanto, existe um outro movimento contemporâneo, tanto no cenário nacional como internacional, com valores e paradigmas distintos, pautado na democratização institucional, na integração, na horizontalização das relações trabalho, na integralidade da saúde e no trabalho em equipe (PEDUZZI, 2007). O desenvolvimento do trabalho em equipe é visto pelos profissionais como uma estratégia imprescindível para o melhor desenvolvimento das atividades, já que exige a necessidade da participação de todos na busca por objetivos comuns. Embora nem todos os trabalhadores da área da saúde possuam afinidade com a proposta de trabalho conjunto, existe um consenso referente à necessidade de se compreender sua importância, considerando o fato de ele ocorrer por meio da troca de conhecimentos, o que leva ao crescimento em equipe e, consequentemente, a melhores resultados e qualidades na assistência oferecida (PERUZZO, 2017). 27 Tanto a comunicação como o diálogo são princípios indispensáveis para integralizar o trabalho em equipe, uma vez que é por meio dessas ferramentas que a interação entre membros se torna possível. Dessa maneira, a dimensão comunicativa é essencial, sendo a articulação de ações promovida por intermédio da linguagem, além da integração dos saberes técnicos e a interação entre os indivíduos participantes. Partindo disso, os membros que compõem uma equipe devem apresentar capacidade de elaborar, de maneira conjunta, sua linguagem, seus objetivos, suas propostas e seus projetos em comum (PEDUZZI, 2001). Entretanto, é importante ressaltar que a comunicação direcional das atividades executadas pelos vários profissionais pode acontecer apenas em uma direção, visando somente à troca de informações que potencializem a concretização técnica e a obtenção de resultado. Essa prática em si não representa grande barreira para a conservação da integração das equipes, desde que estas saibam identificar os momentos pertinentes para a reflexão e negociação, pensando em identificar o melhor procedimento ou a melhor explicação para a situação, e não somente reavaliar a técnica (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Diante do exposto, devemos entender que um contexto em que os pressupostos da comunicação são aplicados com eficiência, de maneira clara, frequente e aberta possibilita um campo de maior sucesso para trabalho em equipe (PEDUZZI, 2001). Além das relações de trabalho, uma equipe também é caracterizada a partir de suas relações de poderes, saberes e, principalmente, interpessoais. A partir disso, sabemos que existem duas dimensões distintas em uma equipe: a articulação de atividades realizadas por diferentes profissionais e a interação entre esses membros (PEDUZZI, 2001). Peduzzi (2001) ainda diz que existem dois tipos de configurações para a realização do trabalho em equipe: por equipe agrupamento ou equipe integração. 28 • Equipe agrupamento: trata-se de um conjunto de pessoas que desempenham esforços individuais para o planejamento e a tomada de decisão quanto aos objetivos que amparam cada um dos membros no desenvolvimento de suas atividades. No entanto, não há articulação entre esses sujeitos, mas sim uma sobreposição das atividades dos agentes agrupados. Dessa maneira, cada projeto realizado pelas diferentes áreas de atuação é independente do todo, e cada qual é complementado pelas demais, de modo que possuam autonomia técnica, o que destaca a denotação de especificidade do trabalho. • Equipe integração: diferentemente da anterior, esta representa um grupo em que todos os seus participantes se envolvem no processo de trabalho, com o intuito de elencar e compartilhar objetivos e metas, resultando em projetos realizados por vários profissionais de maneira interdependente e complementar. Além disso, os envolvidos ainda colaboram mutuamente entre si para o aprendizado da autonomia técnica. Nessa perspectiva, a ênfase do trabalho está direcionada à articulação das atividades e à interação dos profissionais. Corroborado com o já apresentado, West e Lywbovnikova (2013), em pesquisa internacional, também definem dois tipos distintos de equipe: as reais e as pseudoequipes. • Equipes reais: são agrupamentos de pessoas que trabalham juntas, mantendo a interdependência entre suas atividades, além da premissa de sempre compartilharem e alcançarem metas em comum. • Pseudoequipes: possuem a característica de trabalharem de maneira individualizada, com um nível de interação entre seus membros muito baixo. Ademais, não compartilham muitos elementos ou reflexão sobre o desempenho e a inovação do 29 trabalho, tampouco determinam com clareza seus objetivos comuns. Além dos aspectos já mencionados, para que o trabalho em equipe ocorra de maneira eficiente e resolutiva, faz-se necessário, por parte dos atores envolvidos, a incorporação de habilidades constantemente reavaliadas por todos os seus membros, como: aprender a conviver com o outro e a viver em conjunto; questionar-se sempre quanto ao próprio conhecimento; e compreender que também é possível aprender com o outro. Implica, inclusive, trabalhar a autoestima e o autoconhecimento dos indivíduos (PEDUZZI, 2001). Vale destacar que comportamentos como a cooperação, a colaboração e a interação entre seus membros são considerados aspectos indispensáveis às equipes, assim como a interdependência e a articulação entre suas atividades e seus projetos. Ainda, quando se fala em integração entre profissionais e, consequentemente, a potencialização de suas competências, não se pode promover a equalização de saberes. Deve-se considerar que eles apresentarão diferentes conjuntos de conhecimentos que vão se completar/cooperar entre si; porém, não são padronizados ou facilmente somados, requerendo o envolvimento mútuo de todos os membros da equipe (PEDUZZI, 2001). Peduzzi (2007) ainda identifica um agrupamento de 14 características necessárias para a manutenção do trabalho em equipe: • Comunicação entre os profissionais. • Compartilhamento da abordagem dos pacientes. • Construção de uma linguagem comum a todos. • Articulação entre ações e disciplinas. 30 • Compartilhamento de finalidades e objetivos da equipe. • Elaboração de um projeto assistencial em conjunto. • Responsabilidade e prestação de contas. • Reconhecimentoe valorização do papel dos demais profissionais. • Flexibilidade na divisão do trabalho. • Colaboração e cooperação entre os membros. • Complementaridade e interdependência. • Preservação das especificidades de cada um. • Valoração social desigual dos trabalhos especializados. • Autonomia profissional. A autonomia do profissional constitui um importante aspecto do trabalho na área da saúde. Isso acontece em razão de as ações não deverem ser desempenhadas automaticamente, mas conforme avaliações fundamentadas pelo conhecimento profissional, com o objetivo de implementar um comportamento mais adequado às necessidades de saúde dos usuários (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). É claro que os profissionais de saúde realizam suas atividades dentro de um certo campo de responsabilidade e de autonomia, adequado ao seu contexto de atuação. No entanto, para que a equipe consiga articular o trabalho, faz-se necessário que seus componentes assumam suas ações como interdependentes e considerem a autonomia profissional dos demais (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). 31 Para o preparo dos profissionais no sentido da concretização do trabalho em equipe, Peduzzi, Leonello e Ciampone (2016) elencam três dimensões que precisam ser realizadas: • Dimensão individual: refere-se aos investimentos pessoais na busca pelo autoconhecimento. A falta de habilidades individuais pode ser esclarecida pela falta de vivências e interações que reforcem essa aprendizagem, principalmente a presença de pensamentos negativos que dificultem ou bloqueiem a utilização dessas habilidades; além da divergência entre o real tamanho dos problemas e os recursos disponíveis para esse enfrentamento. • Dimensão grupal: está associada aos investimentos da equipe em exercitar a aprendizagem de maneira coletiva. Permite realizar uma ampla análise dos casos-problema, o que envolve variadas percepções dos profissionais envolvidos no processo de explicação do problema, descobrindo o perfil comportamental de cada membro e suas relações. O grupo também deve identificar alternativas, recursos e emoções emergentes explícitas e implícitas que fazem parte do campo grupal. Essas vivências vão contribuir para a elaboração coletiva de ferramentas para o enfrentamento das responsabilidades no trabalho, além da sobrecarga e do desgaste do grupo, ou seja, do sofrimento oriundo do processo de trabalho. • Dimensão institucional: deve acontecer por meio de investimentos, como reformulações na filosofia das instituições, de sua estrutura organizacional e das propostas para gerenciamento de recursos humanos, que caracterizam suportes especiais para a sustentação da iniciativa do trabalho em equipe. Autores da área referem que a abordagem do tema “trabalho em equipe” frequentemente leva a terminologias muito comuns ao contexto, como: multiprofissional, interprofissional, multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. É comum, inclusive, serem muito 32 utilizadas na literatura como sinônimos, embora não sejam. Nesse sentido, é importante conhecê-las e saber diferenciá-las dentro do processo de trabalho, a fim de compreender sua amplitude. 1.1 Diferenciando terminologias importantes Vários autores buscam elucidar esses termos a fim de esclarecer suas particularidades e contribuições para o trabalho em equipe. Como vimos, eles são muitas vezes confundidos e tratados como sinônimos dentro da temática. Não existe ainda muita clareza por parte de todos os profissionais de como cada um deles se apresenta, sendo necessário então o seu aprofundamento. Pensando nisso, a seguir serão abordados os conceitos pertinentes a essas terminologias: • Multiprofissional: refere-se à atuação de muitos profissionais, sem que haja modificação ou inclusão de conhecimento nas diferentes áreas envolvidas, mas sim uma troca de elementos entre as especialidades, a fim de potencializar os resultados. Pode e deve ser empregada nos serviços de saúde, com o intuito de melhorar a assistência oferecida aos usuários (GELBCKE; MATOS; SALLUM, 2012). Para Peduzzi (2001), trata-se do agrupamento de vários profissionais em um único local, mas sem articulação entre suas ações. Sendo assim, o trabalho em equipe multiprofissional, comumente conhecido como ferramenta para a obtenção de qualidade dentro dos serviços, é compreendido como percepção de trabalho coletivo, havendo uma relação entre interferências técnicas e interação de membros, a partir da comunicação e da cooperação (PEDUZZI, 2001). • Interprofissional: esse conceito está associado à integração entre os trabalhos realizados por diferentes profissionais do serviço, por intermédio da interação (PEDUZZI, 2001), tendo como principal objetivo a potencialização dos resultados da equipe (GELBCKE; MATOS; SALLUM, 2012). 33 • Multidisciplinar: trata-se da junção de várias disciplinas ou áreas do conhecimento, mas sem que haja integração ou qualquer interação entre elas (PEDUZZI, 2001). • Interdisciplinar: para Gelbcke, Matos e Sallum (2012), o conceito refere-se ao que existe em comum entre duas ou mais disciplinas, ou até mesmo entre ramificações do conhecimento, permitindo a implementação de novos conhecimentos por interferência da construção participativa e interativa. Na prática interdisciplinar, há uma integração das disciplinas, em nível de conceitos e métodos. Quando o assunto é serviços de saúde, na grande maioria das vezes, ocorrem encontros multidisciplinares, ainda distanciados da prática interdisciplinar. Nesse sentido, é interessante que os diferentes profissionais discutam e até mesmo defendam a interdisciplinaridade; porém, ainda permanecem limitados a suas disciplinas e práticas individuais e fragmentadas (GELBCKE; MATOS; SALLUM, 2012). • Transdisciplinar: está associada a uma concepção nova sobre o processo de trabalho, de modo que haja articulação entre os elementos comuns, pertencentes às diferentes disciplinas. Possui o intuito de buscar a compreensão da complexidade, caracterizada como uma das propostas estruturantes da Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS) (PEDUZZI, 2001). Apesar de esses conceitos constituírem as políticas públicas para a integralidade da atenção em saúde e serem reconhecidos e considerados como parte do modelo ideal de assistência, o trabalho em equipe multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar ainda é uma realidade muito distante do processo de trabalho das instituições de saúde (GELBCKE; MATOS; SALLUM, 2012). São muitos os desafios para que de fato se tenha integração entre as equipes multiprofissionais, além da interdisciplinaridade efetiva. 34 Pensando em estratégias que possam potencializar sua aplicabilidade, tem-se o processo de formação profissional, seja por meio da educação permanente nos próprios ambientes de trabalho, da atuação ou mesmo da formação continuada. Há a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento da competência de trabalho em equipe como habilidade essencial desde a graduação. Os saberes formais precisam ser rompidos para que possam ser estabelecidos novos modelos curriculares, pautados na construção de saberes articulados, devendo a subjetividade também ser um ponto de partida. Nessa perspectiva, pode-se pensar em uma atenção interdisciplinar com foco no trabalho em equipe, que vise à desconstrução da assistência fragmentada e biomédica (GELBCKE; MATOS; SALLUM, 2012). Os currículos que dão sustentação à formação dos diferentes profissionais que comporão as equipes de saúde ainda são bastante conservadores e mantêm grande parte da concentração em atividades e disciplinas obrigatórias, com carga horária presencial em salas de aula ou em estágios com experiências de aprendizagem dirigidas pelo professor. Nesse sentido, as atividades não incluídas formalmente na grade curricular dos cursos não se constituem, por vezes, em aprendizagens significativas (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). 1.2 Relacionamento interpessoal dentroda equipe Os estudos sobre o trabalho em equipe estão fortemente relacionados às discussões a respeito dos relacionamentos interpessoais. Isso porque as equipes são formadas por diferentes pessoas, com diferentes posicionamentos, valores, crenças e culturas, dividindo um mesmo ambiente de trabalho e sendo direcionadas a um trabalho conjunto. Lidar com o outro sempre vai ser um dos grandes desafios quando se fala em trabalho em equipe. 35 Uma pesquisa desenvolvida com diferentes categorias profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família (ESF) de um município no Paraná identificou que, para a conservação de boas relações interpessoais, além de o trabalho acontecer de modo conjunto em função da existência de objetivos comuns, também depende de aspectos essenciais que resultam em harmonia. Entre os mais mencionados, foram destacados a cooperação, a valorização do trabalho dos demais, o “saber ouvir”, o respeito, a empatia e as contribuições para que o grupo alcance melhores resultados. Identificou-se que o trabalho em equipe segue o modelo de assistência proposto pela ESF, uma vez que há necessidade da coparticipação de todos os seus membros para que objetivos comuns sejam alcançados (PERUZZO, 2017). É necessário entendermos que a valorização do bom relacionamento interpessoal entre os membros da equipe influenciará no processo de trabalho a ser desenvolvido como um todo, bem como em seus resultados, e consequentemente na qualidade dos serviços oferecidos às pessoas, famílias e comunidades (PERUZZO, 2017). Outro aspecto importante quanto à manutenção das boas relações interpessoais na equipe refere-se à utilização de estratégias coletivas, que objetivem a sociabilidade, como festas e comemorações. Essas mudanças proporcionam um ambiente de trabalho mais informal, contribuindo para o fortalecimento dos vínculos, uma vez que é nessas situações que os laços de amizade e de confiança são criados. Além disso, esses ambientes informais também criam uma atmosfera de alívio das tensões no ambiente de trabalho, podendo minimizar os efeitos estressantes oriundos da prática profissional, além de fortalecer o convívio afetivo entre os integrantes da equipe (PERUZZO, 2017). A partir dos conceitos que já foram discutidos até o momento, podemos compreender que as organizações se configuram por meio de redes de relações, resultando, muitas vezes, em inevitáveis cenários para conflitos. Nesse contexto, é imprescindível assimilar que as equipes 36 devem aprender a exercitar a análise das situações conflituosas, permitindo que essas questões sejam apresentadas, explicitadas e exploradas, o que contribui para o desenvolvimento da capacidade de autoanálise do grupo (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Outro fato que não pode ser deixado de lado consiste na resistência que muitos profissionais apresentam em trabalhar em equipe. Para que ocorra de maneira efetiva, é preciso abandonar o apego pelo modelo tradicional e fragmentado da coordenação do trabalho, de modo que cada profissional seja responsável por uma etapa. A postura criativa que precisa ser empregada para que se crie um consenso e se flexibilize as tarefas faz com que os padrões conhecidos sejam perdidos. Assim, admitir o compromisso de desempenhar a autonomia dos integrantes para exercerem o trabalho em equipe, sejam eles familiares, clientes, profissionais ou comunidade, fundamentados na ética da solidariedade, caracteriza-se como um grande desafio (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Apesar de se buscar a participação de todos como aspecto essencial, o grupo de trabalho nem sempre será democrático. Pode-se perceber, muitas vezes, que o grupo acaba influenciado por aqueles que detêm poder e autoridade por meio da manipulação. Se não estiver claro que a tomada de decisão será realizada na instância grupal, podem surgir questões importantes que vão interferir nas relações interpessoais do processo de trabalho. Sendo assim, fatores relacionados ao movimento de autoridade e poder devem ser discutidos por todos os envolvidos nas dimensões institucional, grupal e pessoal. É importante ressaltar que, para haver poder de decisão, as informações devem ser incorporadas nas três dimensões (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Destarte, os estudos realizados sobre o trabalho em equipe se constituem como importante ferramenta para a redefinição das relações interpessoais e intergrupais nas instituições de saúde, assim como para as políticas de gestão de pessoas, indo ao encontro das necessidades 37 que surgem nos cenários de trabalho (PEDUZZI; LEONELLO; CIAMPONE, 2016). Por fim, conhecer e compreender como o trabalho em equipe e as relações interpessoais acontecem dentro das organizações é fundamental para que a atenção à saúde possa ser mais resolutiva, com garantia de continuidade e integralidade da assistência. Referências Bibliográficas GELBCKE, F. L.; MATOS, E.; SALLUM, N. C. Desafios para a integração multiprofissional e interdisciplinar. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, Brasília, v. 6, n. 4, p. 31-39, 2012. PEDUZZI, M.; LEONELLO, V. M.; CIAMPONE, M. H. T. Trabalho em Equipe e Prática Colaborativa. In: KURCGANT, P. (org.). Gerenciamento em Enfermagem. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. p. 103-114. PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista Saúde Pública, [s.l.], v. 35, n. 1, p. 103-109, 2001. PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998. PEDUZZI, M. Trabalho em equipe de saúde da perspectiva de gerentes de serviços de saúde: possibilidades da prática comunicativa orientada pelas necessidades de saúde dos usuários e da população. Tese (Livre-Docência) – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. PERUZZO, H. E. Clima organizacional no trabalho em equipe na estratégia saúde da família. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2017. WEST, M. A.; LYUBOVIKOVA, J. Illusions of teams working in healthcare. Journal of Health Organization and Management, [s.l.], v. 27, n. 1, p. 134-142, 2013. 38 Composição e atuação das equipes de ESF e NASF Autoria: Hellen Emília Peruzzo Aveiro Leitura crítica: Fabiane Gorni Borsato Objetivos • Conhecer como foram implementadas as equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF) e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). • Compreender como as equipes de ESF e NASF- AB são compostas e como atuam no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS). • Entender como se deu a relação da Equipe de Saúde Bucal (ESB) com a ESF. 39 1. Estratégia Saúde da Família A Estratégia Saúde da Família (ESF) vem se constituindo, principalmente nos últimos anos, no mais notório processo de remodelagem da atenção à saúde no Brasil. Tem como princípio estruturante a reorganização da prática proposta pela Atenção Primaria à Saúde (APS), incorporando a vigilância à saúde na busca pela integralidade no cuidado aos usuários. (MATTOS et al., 2014). Nesse sentido, para compreendermos melhor o cenário, é necessária uma imersão em aspectos que precedem a criação das equipes da ESF. As Redes de Atenção à Saúde (RAS), constituídas por arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, têm a APS como coordenadora e eixo estruturantes de maior impacto entre os diferentes níveis e serviços oferecidos à comunidade. Até a Constituição de 1988, à assistência à saúde era realizada em caráter de meritocracia no Brasil. A partir dela e da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), ela passou a ser compreendida a partir dos princípios básicos de universalidade e igualdade. Foi nesse momento que passou a ser incorporada no país como um direito da população, em uma perspectiva de cidadania e democracia. Ainda nesse contexto, e com os importantes avanços que vieram com a criaçãodo SUS, a APS ganhou um lugar de destaque, com o objetivo de proporcionar melhorias nos indicadores de saúde da população e reduzir a crescente desigualdade social existente no país, por meio do acesso universal aos serviços de saúde por toda a comunidade (BRASIL, 2007). É importante reforçar ainda que a APS ganha evidência principalmente por ter, entre suas diretrizes, a prevenção e a promoção de saúde no atendimento ao indivíduo e à comunidade. Nesse sentido, ela tem como objetivo ofertar atenção integral, de maneira efetiva e que possa intervir 40 nas mais distintas situações, sempre com vistas a garantir a saúde, o bem-estar e a autonomia das pessoas (BRASIL, 2017). As atividades na APS são caracterizadas por um conjunto de intervenções de saúde, seja no âmbito individual ou coletivo, composto pela prevenção, pela promoção, pelo diagnóstico, pelo tratamento ou pela reabilitação. Em outras palavras, corresponde a uma estratégia realizada a partir de práticas gerenciais e sanitaristas, além de democráticas e participativas, por meio do trabalho em equipe, direcionadas às comunidades e a territórios bem delimitados, com o propósito de assegurar a atenção e a manutenção da saúde dos indivíduos e da comunidade (BRASIL, 2017). Inicialmente, o Programa Saúde da Família (PSF) começou a ser colocado em discussão quando o Ministério da Saúde (MS) formulou, em 1991, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Este buscou desenvolver atividades para que se alcançasse redução na mortalidade materna e infantil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, por meio da ampliação da cobertura dos serviços essenciais de saúde nas áreas mais pobres e desvalidas do país (VIANNA; DAL POZ, 1998). Com a experiência vivenciada no estado do Ceará, depois da implementação do PACS, o MS identificou a importância desses profissionais nos serviços básicos de saúde dos municípios. Todo esse cenário contribuiu para direcionar o enfoque da atenção em saúde às famílias, passando por um processo de desconstrução do olhar focado apenas no indivíduo e começando a introduzir uma noção de assistência de família (VIANNA; DAL POZ, 1998). Sendo assim, após os movimentos reformistas das décadas de 1970 e 1980, o PSF foi concebido por meio de uma reunião entre os dias 27 e 28 de dezembro de 1993, com a temática “Saúde da Família”, convocada pelo MS. Nessa reunião esteve em pauta a discussão sobre uma nova proposta a partir dos resultados obtidos por meio do PACS e da intenção 41 de incorporar diferentes profissionais à equipe, de forma que os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) não desenvolvessem suas atividades de maneira isolada (VIANNA; DAL POZ, 1998). É importante ressaltar que a coordenação e o acompanhamento do trabalho dos ACS pelo enfermeiro, na experiência vivenciada no Ceará, foi um primeiro e muito importante passo para o processo de elaboração das equipes multiprofissionais. (VIANNA; DAL POZ, 1998). O programa teve o objetivo de reorganizar o modelo de atenção à saúde, antes centrado na doença e na atenção hospitalar, por meio da atenção básica. A proposta fundamentou-se na formação de equipes multiprofissionais, estruturadas em sua formação básica por um enfermeiro, um médico generalista, um ou dois auxiliares de enfermagem e de quatro a seis ACS (BRASIL, 2007). É interessante notar que esse novo movimento direcionado para “o olhar à família” aconteceu em muitos outros países. Esse formato do PSF foi fortalecido por já ter sido iniciado anteriormente em modelos assistenciais à família similares, desenvolvidos em país como Cuba, Canadá, Suécia e Inglaterra, o que serviu de referência para a elaboração do programa brasileiro (VIANNA; DAL POZ, 1998). O PSF, depois de ser implantado e consolidado no contexto de saúde nacional, mudou sua nomenclatura e passou a ser compreendido como Estratégia Saúde da Família (ESF). A partir desse modelo, buscou-se uma ampliação do entendimento que se tinha sobre o processo saúde- doença. Nesse sentido, passou-se a considerar como necessárias e essenciais as ações de prevenção, promoção e saúde e recuperação e reabilitação de agravos proveniente das doenças mais frequentes, direcionando a família como eixo central da atenção, de maneira integral e contínua (BRASIL, 2007). 42 A criação da ESF trouxe consigo grandes inovações e consequentemente profundas modificações na organização da APS no contexto do Brasil, especialmente após a inclusão dos ACS e da proposta de atuação em equipes multiprofissionais. Esse novo modelo permitiu a criação de vínculos entre os moradores da comunidade e os profissionais de saúde e contribuiu para que o compromisso de acompanhar esses indivíduos fosse fortalecido, assim como a corresponsabilização entre eles (BRASIL, 1998). A incorporação dos ACS foi um grande marco no cenário das políticas públicas de saúde. Eles desempenham um papel importante de ponte entre os serviços de saúde e a comunidade, principalmente por fazerem parte dela. Por meio das visitas domiciliares, além de proporcionarem uma aproximação com o serviço, também são responsáveis pela transmissão de informações e pelo fortalecimento do vínculo (BRASIL, 1998). Por representar uma estratégia de expansão, consolidação e qualificação da atenção básica, favorece a reorganização do processo de trabalho com ênfase em potencializar os princípios e as diretrizes fundamentais da APS, bem como em possibilitar maior resolutividade e impacto nas condições de saúde dos indivíduos e da comunidade (BRASIL, 2017). Entre seus principais pressupostos, a ESF possui como premissa fundamental o princípio da integralidade em suas diferentes vertentes, com foco especial no desenvolvimento do trabalho em equipe interdisciplinar, percebido como indispensável para a concretização de uma atenção em saúde efetiva. Esse aspecto é possível porque a ESF permite maior comunicação e interação entre os profissionais e estimula uma assistência integral, desconstruindo a ótica do trabalho individualizado e fragmentado do cuidado em saúde (BRASIL, 2017). Outra diretriz importante, quanto ao modelo proposto pela ESF, é o conhecimento de todo o território de abrangência da equipe, cuja 43 atualização possibilitará aos gestores uma melhor visualização das demandas necessárias para a comunidade. Isso poderá impactar positivamente na resolutividade das políticas e dos programas, além de contribuir para ações de vigilância, proteção e promoção da saúde no território (BRASIL, 2017). Segundo a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 2017), alguns itens são necessários para a atuação das equipes da ESF, tais como os apresentados a seguir: • Presença de uma equipe multiprofissional formada por, no mínimo, um médico, preferencialmente especialista em medicina da família e comunidade; um enfermeiro, preferencialmente com especialização em saúde da família; um auxiliar ou técnico de enfermagem; e o ACS. • O número de ACS por equipe deverá ser definido de acordo com a base populacional, critérios demográficos, epidemiológicos e socioeconômicos, de acordo com definição local. Em áreas de grande dispersão territorial, áreas de risco e vulnerabilidade social, recomenda-se a cobertura de 100% da população com número máximo de até 750 pessoas por ACS. • A população adscrita por ESF é de 2.000 a 3.500 pessoas, localizada dentro do seu território, garantindo os princípios e diretrizes da Atenção Básica. É importante destacar que pode haver a possibilidade de outros arranjos de adscrição a partir da análise do perfil de vulnerabilidade destas famílias, de modo que, quanto maior o nível de vulnerabilidade da comunidade, menor deve ser a quantidade de pessoas residentes no território que abrange a atuação da equipe. • O cadastro dos profissionais de saúde deve estar vinculado a apenas uma equipe da ESF, com exceção para o profissional médico, que, em casos restritos, poderá atuar em até duas equipes 44 daESF, desde que não ultrapasse uma carga horária semanal total de 40 horas. • Todos os profissionais de saúde atuantes nas equipes da ESF devem cumprir uma carga horária total de 40 horas semanais, com exceção dos profissionais médicos. Poderão cumprir uma jornada mínima de 32 horas de dedicação nas atividades da ESF, podendo, mediante autorização prévia do gestor, dedicar-se a até oito horas na prestação de serviços na rede de urgência do município em que atuam, ou ainda realizando atividades de especialização/residência ou até mesmo desenvolvendo atividades direcionadas à educação permanente e de apoio matricial. Além das atribuições específicas para cada profissional atuante nas equipes da ESF, a Política Nacional da Atenção Básica (BRASIL, 2017) também define quais são as atribuições comuns a todos os profissionais: • Participar de todo o processo de territorialização. • Realizar os cuidados em saúde conforme as especificações de cada categoria profissional e ser corresponsável por toda a população pertencente ao território de abrangência. • Garantir a todos os indivíduos a integralidade da atenção. • Realizar busca ativa, bem como informar e notificar as doenças e os agravos de notificação compulsória. • Oferecer escuta qualificada a todos os usuários, de modo a atender a todas as necessidades da população e assim proporcionar um atendimento humanizado com incentivo à criação de vínculo. • Participar ativamente das atividades que envolvem planejamento e avaliação das tarefas desempenhadas pela equipe. 45 • Promover e estimular a mobilização e a participação social da comunidade. • Identificar possíveis parceiros e recursos para potencializar ações intersetoriais. • Assegurar a qualidade dos registros disponibilizados nos sistemas nacionais de informação da rede básica. • Envolver-se nas atividades de educação permanente. • Participar do gerenciamento dos insumos. • Participar das reuniões de equipe. • Realizar atenção domiciliar e interdisciplinar. • Alimentar e garantir a qualidade dos registros de saúde e do Sistema de Informação da Atenção Básica. • Implementar ações de segurança do paciente a fim de propor medidas para a redução dos riscos e a diminuição dos eventos adversos. • Prever a integração a partir dos serviços de apoio logístico, técnico e de gestão. • Realizar a gestão das filas de espera e o processo de regulação. • Participar efetivamente do acolhimento da população, proporcionando atendimento humanizado. Por fim, é importante enfatizar que o processo de trabalho das equipes da ESF é constituído, além de outros aspectos, pelo desenvolvimento do trabalho em equipe interdisciplinar, pelo reconhecimento e pela valorização dos diferentes saberes e práticas profissionais, em uma 46 perspectiva integral e resolutiva do cuidado, e pelo monitoramento e pela avaliação sistematizada das ações implementadas, com o intuito de realizar uma readequação do modelo de trabalho como um todo (BRASIL, 2007). 1.1 Equipe de Saúde Bucal Muito embora atualmente a Equipe de Saúde Bucal (ESB) já não faça mais parte da ESF, neste item realizaremos um resgate da sua inclusão nesse contexto. Essa incorporação teve como objetivo ampliar o acesso da população em geral às ações de saúde bucal, potencializando a reorganização desses serviços a nível de atenção primária. Com esse objetivo, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria n. 1.444, de dezembro de 2000, propôs a inclusão das ESB no contexto da ESF (BRASIL, 2000). Considerando a ESF como uma importante estratégia de afirmação do SUS, essa implementação buscou estabelecer um incentivo financeiro, a fim de reorganizar a atenção à saúde bucal por meio do modelo vigente. Essa proposta também foi ao encontro da necessidade de ampliação do acesso aos serviços de prevenção, promoção e recuperação da saúde bucal pela população, bem como da importância de melhorar os índices epidemiológicos dos brasileiros (BRASIL, 2000). Como exemplo disso, tem-se a elaboração da Política Nacional de Saúde Bucal, lançada em 2004 (MATTOS et al., 2014). Para Mattos et al. (2014), muitos podem ter sido os motivos que levaram à incorporação da saúde bucal nas equipes da ESF, como os apoios financeiros oferecidos pelo MS; a confiança dos gestores ao acreditarem que esse novo modelo de assistência poderia melhorar a saúde bucal da comunidade; e a possibilidade de reestruturar as atividades de saúde bucal fundamentadas na prevenção, promoção e recuperação da saúde. 47 A saúde bucal exerce um papel de grande impacto para saúde geral dos indivíduos, sendo necessária e de grande importância para o desenvolvimento do SUS. Essa inclusão na ESF foi compreendida como uma oportunidade para romper com os modelos de atenção à saúde bucal antigos, historicamente ineficientes e excludentes, fundamentados no processo curativista e no biologicismo (MATTOS et al., 2014). Nesse sentido, quando a saúde bucal foi reorganizada no contexto da atenção básica e da ESF, possibilitou: • Criar um Incentivo de Saúde Bucal com o intuito de financiar ações e incluir profissionais dessa categoria juntamente com a equipe multiprofissional da ESF. • Estabelecer que o trabalho desenvolvido pelas equipes de saúde bucal dentro da ESF fosse direcionado, a fim de reorganizar o modelo de atenção, além de ampliar o acesso aos serviços de saúde, garantindo, dessa maneira, uma atenção integral às necessidades dos indivíduos e de suas famílias, por meio da criação de um vínculo territorial com a população (BRASIL, 2000). Em vias contratuais, a inclusão das equipes de saúde bucal na ESF ficou a cargo dos municípios, que possuíam autonomia para estabelecer de que maneira ela deveria acontecer, levando em consideração a capacidade das instalações e os equipamentos de odontologia para essa reorganização (BRASIL, 2000). Para a concretização da ESF como o novo modelo proposto para a atenção à saúde, a incorporação da saúde bucal em 2000 determinava a necessidade de uma reorganização da prática assistencial da odontologia. As equipes deveriam estar preparadas para oferecer um cuidado individualizado, além de desenvolverem ações direcionadas para a coletividade e voltadas para a promoção de saúde e para o controle e tratamento das doenças bucais (MATTOS et al., 2014). 48 Nessa perspectiva, foram muitos os desafios e as barreiras enfrentados pela saúde bucal ao longo desses anos de implementação no contexto da ESF, tendo a concretização do trabalho em equipe e a integração/ interação entre os profissionais da saúde como os seus principais desafios. Nessa perspectiva, percebe-se ainda que existem fragilidades na formação dos profissionais de saúde para o trabalho em equipe, sendo necessária uma importante mudança no sistema de formação de recursos humanos no Brasil, além de forte investimento em educação permanente e continuada para os profissionais atuantes nas unidades (MATTOS et al., 2014). Após decorridos 20 anos de implementação, a partir da Portaria n. 99, de 7 de fevereiro de 2020 (BRASIL, 2020b), a ESB foi desvinculada da ESF e agora conta com uma equipe independente no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), a qual é formada por: cirurgiões- dentistas, técnico em saúde bucal ou auxiliar em saúde bucal ou técnico em saúde bucal da ESF ou auxiliar em saúde bucal da ESF (BRASIL, 2019). 1.2 Núcleo de Apoio à Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) Partindo da necessidade de se alcançar a integralidade no atendimento em saúde, além da interdisciplinaridade das atividades, percebeu-se que seria importante incluir outras categorias profissionais entre as equipes da ESF, resultando então na criação do anteriormente conhecido Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), por meio da Portaria n. 154, de 24 de janeiro de 2008 (BRASIL, 2008). Conforme previsto na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2017, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família e Atenção Básica (NASF- AB)é constituído por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar representada por diferentes profissionais da saúde, com o intuito de complementar as equipes atuantes na Atenção Básica. Ela é composta 49 então por várias categorias (profissões e especialidades) do contexto da saúde, que atuam de forma integrada para dar apoio/suporte (sanitário, clínico e pedagógico) aos profissionais que compõem as equipes de ESF e de Atenção Básica (BRASIL, 2017). Essa atuação interdisciplinar tem o intuito de complementar e qualificar o trabalho realizado nas equipes da ESF, ou seja, agregar valor à assistência já oferecida, além de ampliar a abrangência e as possibilidades de resolubilidade das ações da Atenção Básica. Embasa- se especialmente na atuação compartilhada, transpassando a lógica da fragmentação da assistência, ainda no cuidado à saúde (BRASIL, 2017). As equipes do NASF-AB ainda devem atuar de forma integrada, de modo a oferecer apoio aos profissionais atuantes na ESF, além de atuarem em conjunto com as equipes de atenção básica direcionadas a populações específicas, como os Consultórios na Rua, equipes Ribeirinhas e Fluviais e Academias da Saúde. Nesse contexto, deve haver compartilhamento de práticas e saberes em saúde entre NASF-AB, ESF e Atenção Básica, assim como apoio mútuo e matricial nos territórios de responsabilidade das equipes da ESF (BRASIL, 2017). Apesar de fazer parte da Atenção Básica, o NASF-AB não se configura como serviço com unidade física independente ou especial, nem oferece livre acesso para atendimento/acompanhamento do individual ou da coletividade. Para que um indivíduo ou comunidade receba esse tipo de assistência, deve ser referenciado pelas equipes de Atenção Básica. Dessa maneira, deve haver atuação integrada a partir das necessidades identificadas no trabalho conjunto (BRASIL, 2017). O NASF-AB deve procurar colaborar para a consolidação da integralidade do cuidado no atendimento aos usuários do SUS, especialmente por meio da ampliação da clínica. As equipes devem contribuir para o aumento da habilidade de análise e de interferência diante das necessidades de saúde, sejam elas clínicas ou sanitárias (BRASIL, 2017). 50 De acordo com a Política Nacional de atenção Básica (2017), dentre as ações de apoio que podem ser realizadas pelos profissionais atuantes nas equipes do NASF-AB, temos: • Participar de forma conjunta no planejamento, com as equipes vinculadas à Atenção Básica. • Por meio da ampliação da clínica, propiciar a integralidade do cuidado aos usuários do SUS, visando às análises e intervenções diante das necessidades (clínicas e sanitárias) de saúde. • Construir projetos terapêuticos em conjunto. • Promover a educação permanente. • Realizar intervenções nos territórios de abrangência e na saúde de grupos populacionais e da coletividade. • Desenvolver ações intersetoriais. • Oferecer ações preventivas e de promoção da saúde. • Promover discussões sobre o processo de trabalho das equipes de saúde. É importante frisar que todas as ações podem ser realizadas em todo o território de abrangência das unidades, como também nas próprias Unidades Básicas de Saúde ou Academias da Saúde. O NASF-AB ainda deve aproveitar as Academias da Saúde como ambientes que possam ampliar o cenário de atuação, utilizando-as para atividades coletivas de promoção da saúde nas unidades básicas, a fim de fortalecer o protagonismo dos grupos sociais que vivenciam situações de vulnerabilidade, contribuindo para a superação dessa condição (BRASIL, 2017). 51 Poderão fazer parte do NASF-AB, conforme o Código Brasileiro de Ocupações (CBO) na área de saúde, as seguintes categorias (BRASIL, 2017): • Assistente Social. • Farmacêutico. • Fisioterapeuta. • Fonoaudiólogo. • Médico Ginecologista/Obstetra. • Médico Acupunturista. • Médico Homeopata. • Médico Geriatra. • Médico Internista (clínica médica). • Médico do Trabalho. • Médico Veterinário. • Médico Pediatra. • Médico Psiquiatra. • Nutricionista. • Psicólogo. • Profissional com formação em arte e educação. • Profissional/Professor de Educação Física. 52 • Terapeuta Ocupacional. • Profissional de saúde sanitarista (com graduação na área de saúde e pós-graduação em saúde pública ou coletiva). É necessário ressaltar que, com o novo modelo de financiamento para custeio da APS, por meio do Programa Previne Brasil, a partir da Portaria n. 2.979, de 12 de novembro de 2019 (BRASIL, 2019), foram revogados alguns instrumentos. Sendo assim, a formulação de equipes multiprofissionais deixou de estar vinculada às tipologias de equipes NASF-AB. A partir dessa desvinculação, o gestor do município passou a possuir autonomia para formular suas equipes multiprofissionais, definindo quais serão os profissionais vinculados, a carga horária deles e até mesmo a composição das equipes. Ele ainda poderá fazer o cadastramento desses profissionais diretamente nas equipes ESF ou nas equipes de Atenção Básica, podendo ampliar sua composição mínima. Além disso, poderá manter os profissionais cadastrados no Sistema Nacional de Estabelecimentos de Saúde como equipe NASF-AB ou cadastrá-los como profissionais somente da atenção primária, sem nenhuma vinculação com as equipes de saúde (BRASIL, 2020a). Essa perspectiva deve ser analisada com grande cuidado, uma vez que, com a autonomia instituída aos gestores municipais, a proposta pode inclusive ser extinta, o que sem dúvida seria uma grande perda a integralidade da atenção à saúde. Destarte, a realização do trabalho multiprofissional dentro das equipes é fundamental para que os princípios da integralidade sejam alcançados dentro dos serviços de saúde. Tanto as equipes da ESF quanto do NASF devem realizar ações complementares, visando à ampliação da atenção e à qualidade da assistência aos usuários e à comunidade. Para além disso, elas também devem buscar a mudança 53 do modelo assistencial focado na doença e fundamentado em aspectos tecnicistas e fragmentados. Esses profissionais precisam e devem ser compreendidos/valorizados como eixo estruturante para o processo de promoção, prevenção, tratamento, acompanhamento e reabilitação em saúde. Referências Bibliográficas BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção primária e promoção da saúde. Brasília: CONASS, 2007. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual para a organização da atenção básica. Brasília: Ministérios da Saúde, 1998. BRASIL. Ministério da Saúde. Nota Técnica n. 3, de 27 de janeiro de 2020. Brasília: MS, 2020a. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de- 12-de-novembro-de-2019-227652180. Acesso em: 6 jan. 2021. BRASIL. Ministérios da Saúde. PNAB – Política Nacional de atenção Básica. Brasília: Ministérios da Saúde, 2017. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 99, de 7 de fevereiro de 2020. Redefine registro das Equipes de Atenção Primária e Saúde Mental [...]. Brasília: MS, 2020b. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-99-de-7-de-fevereiro- de-2020-242574079. Acesso em: 6 jan. 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família–NASF. Brasília: MS, 2008. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt0154_24_01_2008.html. Acesso em: 6 jan. 2021. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.444, de 28 de dezembro de 2000. Estabelece incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal [...]. 2000. Disponível em: http://www1.saude.rs.gov.br/dados/11652497918841%20 Portaria%20N%BA%201444%20de%2028%20dez%20de%202000.pdf. Acesso em: 6 jan. 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o programa Previne Brasil [...]. Brasília: MS, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro- de-2019-227652180. Acesso em: 6 jan. 2021. http://www1.saude.rs.gov.br/dados/11652497918841%20Portaria%20N%BA%201444%20de%2028%20dez%20de%202000.pdfhttp://www1.saude.rs.gov.br/dados/11652497918841%20Portaria%20N%BA%201444%20de%2028%20dez%20de%202000.pdf 54 MATTOS, G. C. M et al. A inclusão da equipe de saúde bucal na Estratégia Saúde da Família: entraves, avanços e desafios. Ciência e saúde coletiva, [s.l.], 2014, v. 19, n. 2, p. 373-382, 2014. VIANNA, A. L. A.; DAL POZ, M. R. Estudo sobre o processo de reforma em saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Abril, 1998. 55 Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde Autoria: Hellen Emília Peruzzo Aveiro Leitura crítica: Fabiane Gorni Borsato Objetivos • Compreender o conceito e a importância da Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde (PICS). • Conhecer os aspectos essenciais sobre a colaboração profissional para a consolidação da PICS. • Aprender sobre a Atenção Centrada na Pessoa (ACP). • Entender a importância da Educação Interprofissional (EIP) para o contexto da PICS. 56 1. Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde Os aspectos fundamentais referentes à Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde (PICS) já são bem conhecidos e difundidos em todo o cenário internacional, especialmente quando se trata de países mais desenvolvidos (AGRELI, 2017). No contexto brasileiro, esse conceito ainda está em processo de construção, permeando o desenvolvimento da formação profissional, a partir da educação interprofissional, e chegando ao processo de trabalho dentro das equipes de saúde, a partir da educação permanente (PREVIATO; BALDISSERA, 2018). Embora o PICS seja de grande importância para os serviços de saúde, por garantir melhorias na qualidade da assistência, falta literatura brasileira que aborde a temática (AGRELI, 2017). Sendo assim, ao longo deste Tema, conheceremos um pouco mais sobre seus conceitos e sua aplicabilidade, fazendo um resgate do processo colaborativo e da atenção centrada no indivíduo, além de vermos a importância da educação permanente para esse cenário. 1.1 Resgatando o conceito Desde a década de 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem se preocupado com o diálogo entre as profissões. Isso foi marcado pelo momento em que a educação multiprofissional foi compreendida como elemento fundamental para a atenção à saúde, sugerindo, em seguida, a substituição da terminologia “multiprofissional” por “interprofissional”, a fim de ressaltar a importância de alterações nas estruturas de aprendizado e assim conseguir alcançar o saber compartilhado (OMS, 2010). Passou-se a construir uma percepção de “com, para e sobre” as diferentes profissões, com o intuito de fomentar uma colaboração entre os profissionais atuantes nas equipes de saúde (SANTOS et al., 2020). 57 Nessa perspectiva, a PICS vem sendo estimulada pela OMS desde 2010 e é compreendida como uma prática em saúde que ocorre quando os diferentes profissionais, em suas variadas áreas de atuação, desenvolvem ações embasados na integralidade da saúde. Além de envolver os indivíduos e suas famílias, também envolve seus cuidadores e a comunidade na atenção em saúde, para que assim possam oferecer, em todos os níveis da Rede de Atenção à Saúde (RAS), uma assistência da maior qualidade (AGRELI, 2017; SANTOS, et al., 2020). Ainda pode ser entendida como um processo no qual os profissionais das diferentes áreas atuam conjuntamente por meio do trabalho em equipe, construindo equipes integradas, com o intuito de alcançar objetivos em comum, sempre em prol da qualidade da assistência em saúde (SANTOS et al., 2020). Costa (2016) observa no âmbito da atenção à saúde uma falta de familiaridade, compreensão e conhecimento dos profissionais no que se refere ao papel das demais profissões que atuam paralelamente nos serviços de saúde. Essa forma de trabalho resulta em uma atenção oferecida de forma incompleta e fragmentada, com qualidade comprometida, gerando uma insatisfação por parte dos profissionais e usuários. Esse mesmo autor afirma ainda que essa dificuldade está associada e influenciada por estereótipos profissionais, pelo medo da perda de identidade profissional e pela necessidade de proteger núcleos de poder, entre outros aspectos. É importante compreendermos que a PICS direciona cada profissional para centralizar seu olhar no indivíduo, sendo esta uma importante estratégia para a horizontalização das relações e da comunicação entre os diferentes profissionais, de modo que nenhuma das categorias se sobressaia diante das demais. O foco passa a ser redirecionado para as necessidades de saúde, em que todos devem e podem contribuir a partir de atividades assertivas e dialogadas em um cuidado centralizado no paciente, que é incluído e participa de todo o processo (SANTOS et al., 2020). 58 Essa perspectiva possibilita convergir os olhares e as ações, de maneira que cada um dos profissionais possa contribuir com a sua área de atuação, formando um todo na busca pela atenção integral. Assim, há a materialização por meio de um projeto comum e a partir de um planejamento assistencial interprofissional conjunto, em que todos da equipe de saúde sabem sobre seus elementos e sobre o objetivo terapêutico de cada um dos profissionais (SANTOS et al., 2020). Nesse sentido, a PICS pode ainda ser considerada como uma eficiente maneira para minimizar a competição entre profissionais, bem como substituir as disputas entre as relações de poder diante do cuidado em saúde por relações mais saudáveis, permeadas de parceria interprofissional e de senso de responsabilidade coletiva. Ainda é preconizada pela OMS como ferramenta para a otimização e o fortalecimento dos sistemas e serviços de saúde (AGRELI, 2017). Para a compreensão da PICS, foi elencado um conjunto de domínios essenciais para a prática profissional, determinantes para o sucesso da proposta, sendo eles: • Comunicação Interprofissional: comunicar-se é fundamental em todos os domínios; porém, essa prática deve ir além de uma “boa comunicação”. Os profissionais devem se comunicar de forma ágil, responsável e, acima de tudo colaborativa. Trata-se de uma habilidade de comunicação não só entre profissionais da mesma categoria, mas também entre aqueles com profissões distintas e entre os usuários, caracterizando uma relação de confiança baseada na escuta entre todos os envolvidos na prática colaborativa (CIHC, 2010). • Cuidado centrado no paciente, no cliente e na família: trata-se da capacidade exigida aos profissionais para valorizar e integrar usuários, famílias e a própria comunidade como contribuintes na implementação do cuidado e da atenção à saúde, fato essencial para uma eficaz e eficiente PICS (D’AMOUR et al., 2008; CIHC, 2010). 59 Esse domínio corresponde a um dos mais importantes, sendo, dessa forma, abordado com mais profundidade ao longo do texto. • Dinâmica de funcionamento da equipe: um olhar crítico sobre as ações, movimentações e relações apresentadas por uma equipe, a fim de identificar a melhor forma de desenvolver a prática colaborativa (CIHC, 2010). • Definição clara dos papéis profissionais: compreensão e adoção por parte do profissional de seu papel e do papel dos demais profissionais com os quais interage. Esse conhecimento proporcionará meios para estabelecer e alcançar as metas da atenção à saúde tanto dos usuários quanto da população (CIHC, 2010). • Resolução de conflitos interprofissionais: trata-se de se ter o adequado domínio referente ao gerenciamento dos conflitos e das discordâncias de forma construtiva e resolutiva sempre que estes aparecem no dia a dia da equipe (CIHC, 2010). • Estímulo à liderança colaborativa: trata-se do discernimento e das competências em liderança voltados à prática colaborativa no cotidiano laboral. Algumas dessas competências contemplam, por exemplo, definição e seleção de um líder pela demanda dos requisitos exigidos, bem como tomadas de decisões e responsabilidades compartilhadas (CIHC, 2010). Nesse contexto, é importante também resgatar aspectos referentes à colaboração interprofissional.Essa perspectiva é apresentada como um construto multidimensional e de diferentes níveis. Sendo assim, é constituída por vários conceitos subjacentes e em diversos níveis, sendo eles: individual, em equipe e organizacional (AGRELI, 2017). 60 1.2 Colaboração As discussões sobre a importância da PICS no cenário de saúde são essenciais para um processo de trabalho mais integrado. Partindo dessa premissa, faz-se necessário compreendermos com mais profundidade aspectos relacionados à colaboração e ao quanto ela pode interferir nas organizações, seja por intermédio do estímulo ao trabalho em equipe ou até mesmo para o alcance de melhores resultados. Quando se fala em uma equipe integrada, logo se pensa em um grupo de profissionais que possuem interação entre si, compartilhando aspectos sobre a negociação e a tomada de decisão na busca dos objetivos comuns da equipe, com resgate das necessidades de saúde dos usuários. Desse modo, as práticas realizadas por equipes integradas podem ser representadas pelo respeito mútuo, pela colaboração e pela confiança. São também consolidadas ao se conhecer o papel profissional das demais áreas, fomentando a interdependência e complementaridade dos diferentes saberes e ações (D’AMOUR et al., 2008). Corroborando com os aspectos já mencionados, a PICS acena para a articulação entre as equipes dos diferentes serviços na Rede de Atenção à Saúde (RAS), sendo precursora da necessidade de colaboração e integração entre os profissionais destas. Essa colaboração se trata de uma disposição diante do gerenciamento do cuidado em saúde, que envolve práticas clínicas novas, integração da assistência e elaboração de redes de cuidado nos diferentes níveis da RAS, seja na atenção primária, secundária ou terciária (D’AMOUR et al., 2008; AGRELI, 2017). Ela ainda está fundamentada na premissa de que os profissionais precisam trabalhar em conjunto para oferecer uma assistência qualificada, mesmo defendendo seus interesses particulares e um certo coeficiente de autonomia profissional (D’AMOUR et al., 2008). 61 Contudo, conforme exposto por D’Amour et al. (2008), há uma percepção da interdependência dentro do trabalho interprofissional. Os profissionais podem ser submetidos a obstáculos impostos diante da realização de uma atividade coletiva, relacionados a aspectos de convivência e confiança mútua, inviabilizando uma construção de ações profissionais de caráter comum e/ou complementar. A prática profissional de corporativismo gera uma grande capacidade de interferir na consciência de colaboração interprofissional no momento em que se opõe a esta. Na prática real, uma imposição de poder por parte do médico, por exemplo, promove uma inviabilização da pluralidade, bem como do desenvolvimento de um ambiente de atividades comum. Nesse cenário, os profissionais acabam por assumir funções e “papéis” já definidos por sua instituição, reduzindo quase que em sua totalidade as chances de gerar inovações em práticas e na plena construção de clínicas multiprofissionais eficazes (D’AMOUR et al., 2008). Apesar de terem explorado e chegado a algumas indicações da literatura sobre o funcionamento da colaboração, D’Amour et al. (2008) acreditam que o conhecimento referente à temática ainda é limitado. Em uma de suas várias pesquisas, os autores apontam alguns conceitos que podem contribuir para a compreensão sobre o construto da colaboração, como os descritos a seguir: • Interdependência: refere-se ao anseio, comum aos profissionais atuantes em uma equipe, de contemplar as necessidades do usuário, criando uma disposição maior para a dependência mútua do que para o desenvolvimento da autonomia, o que pode resultar em um trabalho sinérgico. • Compartilhamento: maneira como os membros da equipe dividem entre si responsabilidades, tomadas de decisão e até mesmo valores, realizando um planejamento e uma intervenção em atividades que exigem colaboração. 62 • Parceria (ou sociedade): corresponde ao envolvimento de dois ou mais profissionais nas atividades colaborativas, representada por uma relação de companheirismo, o que demanda o estabelecimento de uma comunicação honesta e clara, fundamentada na confiança e no reconhecimento do valor do outro. • Poder: refere-se ao empoderamento simultâneo dos membros da equipe e ao fato de reconhecerem essa classificação de poder, que funciona como fruto das interações sociais entre cada um. Pensando nisso, D’Amour et al. (2008) criaram um modelo com tipologias para avaliar a colaboração interprofissional dentro dos serviços de saúde, passíveis de serem utilizadas em pesquisas sobre a temática. Esse modelo pode ser usado com a finalidade de analisar o nível de colaboração nos sistemas, sejam eles complexos ou não, com as mais variadas maneiras de interação entre os diferentes atores envolvidos. A partir daí, infere-se que a colaboração interprofissional ou, em outras palavras, a ação coletiva pode ser fundamentada em quatro diferentes dimensões, com seus indicadores correspondentes. • Primeira dimensão: está relacionada aos objetivos de visão compartilhada, de modo consensual, estando direcionada para a promoção da prática centralizada nos usuários. • Segunda dimensão: refere-se à consciência de interdependência entre profissionais. Em outras palavras, é a internalização do reconhecimento mútuo, do respeito, do conhecimento dos valores, das relações de confiança, das competências e das responsabilidades admitidas de maneira compartilhada pelos profissionais. • Terceira dimensão: constitui a governança associada ao papel do gestor. Trata-se de contribuir no estímulo da colaboração mútua e da liderança, essenciais para a integração interprofissional, e entre 63 os serviços de saúde componentes da RAS. Outros indicadores da governança podem ser: apoio para inovação, que necessita de compartilhamento de responsabilidades para que sejam estabelecidas mudanças efetivas na prática; e a conexão entre os diferentes profissionais e serviços a partir de ferramentas de integração da comunicação, a fim de desenvolver uma abordagem articulada dos nós críticos. • Quarta dimensão: trata da formalização, que diz respeito às responsabilidades e negociações compartilhadas a partir de acordos entre os serviços. Envolve protocolos ou sistemas de informação, que vão determinar as regras que regulamentarão as ações e fortalecerão as estruturas organizacionais das instituições. Conforme descrito por D’Amour et al. (2008), a tipologia dos indicadores, apresentada anteriormente, ainda pode ser representada por três níveis distintos de colaboração: • Colaboração ativa: acontece quando é identificada a presença de todas as dimensões mencionadas no modelo, além de seus respectivos indicadores. • Colaboração em desenvolvimento: refere-se às situações em que os indicadores aparecem parcialmente. • Colaboração potencial ou latente: quando os indicadores do modelo não são identificados. 1.3 PICS e Atenção Centrada na Pessoa Além da colaboração, outro aspecto essencial para o desenvolvimento da PICS é a Atenção Centrada na Pessoa (ACP). Trata-se de um dos pressupostos que fundamentam essa proposta de atuação, o qual será aprofundado ao longo deste subitem. 64 Conforme observado por Agreli (2017), há uma produção científica nacional escassa relacionada à ACP, e os artigos publicados são, em sua maioria, provenientes da área de enfermagem, referindo-se ela com aspectos como: • Ampliada perspectiva do cuidado em saúde. • Pacientes como agentes ativos no cuidado. • Humanização. Os estudos e os autores que discutem sobre a PICS ultrapassam o aspecto interprofissional para incorporarem também a ideia de “cuidar com as pessoas”, ao contrário de “cuidar para as pessoas”. Nesse sentido, a ACP passa a ser o elemento principal da PICS. É importante ainda resgatar que a ACP é apresentada como essencial para o cuidado em saúde, principalmente por buscar o envolvimento dos pacientesna tomada de decisão e na educação e prática interprofissional (AGRELI, 2017). Os estudos científicos sobre a temática “Prática Interprofissional” contribuem para apontar a ACP como um elemento essencial e fundamental do trabalho em equipe e da PICS. A literatura apresenta a ACP como sendo responsável pelo desenvolvimento da colaboração interprofissional e um indicador para uma diferenciação entre “potencial para colaboração”, “colaboração em desenvolvimento” e “colaboração ativa”, que se apresentam como níveis crescentes de colaboração (D’AMOUR et al., 2008). É importante entendermos que tanto a comunicação interprofissional quanto a ACP fazem parte de um conjunto de competências essenciais para o desenvolvimento da prática colaborativa. Nesse sentido, existe uma mudança no olhar dos profissionais e dos serviços, direcionando o foco da atenção para as necessidades de saúde dos indivíduos, ou seja, para a ACP. Ela passa a ser apresentada como elemento de mudança 65 do modelo de atenção, sendo, inclusive, uma ferramenta importante para proporcionar maior racionalidade diante dos custos nos diferentes sistemas de saúde, contribuindo, assim, com melhorias na qualidade da assistência à saúde (AGRELI, 2017). Um estudo que abordou a ACP e sua associação com a PICS no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) analisou os avanços da literatura, tanto brasileira como internacional, quanto às propriedades que constituem a proposta da ACP. Nessa perspectiva, foi identificado que existe um consenso entre os estudos e as políticas de saúde contempladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no sentido de elencarem três elementos-chave para a ACP (AGRELI, 2017): • Perspectiva aumentada do cuidado à saúde: um entendimento das indigências dos usuários sem desestimar as dimensões patológicas destes. Paralelamente, integra a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde e reabilitação de forma a englobar aspectos interdisciplinares, interprofissionais e intersetoriais na RAS. • Usuário como agente ativo no cuidado e na participação social: o usuário em sua singularidade é reconhecido como indivíduo consciente e capaz de participar do cuidado. Possui uma força social, por meio dos conselhos e das conferências gestoras e de saúde, no âmbito do SUS, ampliando a tomada de decisão para a gerência do sistema de saúde. • Relação interprofissional e com o usuário: interação entre profissionais, usuários, família e comunidade, entre si e como um todo. O objetivo é gerar confiança e laços entre os envolvidos como forma de potencializar o cuidado e garantir qualidade assistencial e, consequentemente, impacto positivo nos custos da atenção à saúde. 66 Como forma de relacionar a PICS e a ACP, Agreli (2017) afirma que os profissionais mudam seu foco de atuação profissional para um amplo horizonte, ao direcionarem sua atenção às necessidades de saúde do paciente. Essa ação é encaminhada a uma prática compartilhada entre os profissionais de outras áreas. Nesse contexto, ações voltadas aos usuários e focadas nas suas necessidades de saúde possibilitam mudanças significativas na perspectiva da PICS e propiciam a realização de um trabalho interprofissional colaborativo com a coparticipação dos usuários, das famílias e da comunidade. Essa relação constitui um elemento de fundamental importância para a percepção de que não se trata apenas de atividades restritas aos profissionais, mesmo utilizando-se o termo “interprofissional” para designá-la (AGRELI, 2017). 1.4 PICS e Educação Interprofissional A Educação Interprofissional (EIP) tornou-se uma prática altamente recomendada nos últimos anos como forma de promover a evolução do modelo de trabalho. Infelizmente, no Brasil são poucas as instituições que difundem essa concepção na formação dos diferentes profissionais de saúde, o que acontece pela baixa produção científica sobre o tema (COSTA, 2016). A participação em programas e treinamentos referentes à EIP é evidenciada como a única maneira de os profissionais de saúde conseguirem compreender de forma efetiva o que é “Colaboração Interprofissional”. A literatura tem apresentado as experiências de PICS isoladas como insuficientes para desenvolver e enraizar as competências colaborativas (OMS, 2010). É importante destacar que no Brasil o desenvolvimento de recursos humanos vem sendo motivo para preocupação e objeto de novas políticas nesse contexto. Nesse sentido, em 2004 foi lançada a Política 67 Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), por meio da Portaria n. 198/2004 (BRASIL, 2004). Trata-se de uma estratégia do SUS para estimular a formação e o desenvolvimento dos profissionais, integrando o ensino e os serviços. Com o objetivo de propor avanços na PNEPS, inovações nas abordagens para a formação de recursos humanos em saúde vêm sendo realizadas como um importante dispositivo para a reestruturação de processos formativos de profissionais da saúde. Entre as mais relevantes, temos a EIP (SANTOS et al., 2020). A incorporação do tema EIP configura-se como elemento essencial para a potencialização e a efetivação dos princípios e das diretrizes do SUS, principalmente porque envolve práticas colaborativas de profissionais dos mais diferentes contextos da assistência (SANTOS et al., 2020). Segundo Santos et al. (2020), a PICS pode ser realizada quando seus profissionais são educados em uma perspectiva de interação, a partir da EIP. Já a EIP vai acontecer quando duas ou mais profissões conseguirem aprender sobre as outras, com as outras e entre si, para que haja uma colaboração efetiva e uma consequente melhoria nos resultados da assistência em saúde (SANTOS et al., 2020). A relação de dependência entre as práticas de saúde e a formação profissional é percebida como essencial para a reorganização do processo de trabalho em saúde, com o enfoque nas necessidades dos usuários (D’AMOUR et al., 2008). A maneira como os profissionais de saúde interagem entre si no momento da promoção da assistência vem sendo modificada pela prática interprofissional colaborativa, aliada à EIP. O pleno desenvolvimento dessa união de conceitos permite a otimização dos serviços, o fortalecimento dos sistemas de saúde e melhorias contínuas nos resultados (OMS, 2010). 68 Destarte, a PICS apresenta-se atualmente como uma ação estratégica fundamental e de grande importância para promover mudanças consideráveis no modelo atual de atenção em saúde. Com tais modificações, aumentam-se os níveis de resolutividade por parte do trabalho em equipe, referente ao cuidado de forma integral. A PICS demonstra influência positiva no que diz respeito à possibilidade de uma (re)construção de conceitos que envolvem o ambiente de trabalho do cotidiano na APS. Logo, dentro desse contexto, é recomendado que equipes de saúde da APS oportunizem um ambiente favorável à arte de dialogar, em um processo de conhecimento mútuo entre os membros (PREVIATO; BALDISSERA, 2018). Ainda é sugerido que no cenário de trabalho busque-se incansavelmente uma comunicação interprofissional eficiente, ou seja, com a viabilização de reuniões frequentes com as equipes, discussão de casos de forma conjunta, promoção de um ambiente favorável a tomadas de decisão compartilhada e busca pela educação permanente voltada à prática interprofissional. Propõe-se também a utilização das redes sociais e da tecnologia da informação como ferramentas para potencializar o aprendizado por meio da prática e, assim, conseguir superar os desafios referentes à comunicação, à EIP e à colaboração. Por fim, a partir dessas ações, torna-se possível ampliar o trabalho voltado à prática colaborativa em Saúde (PREVIATO; BALDISERA, 2018). Referências Bibliográficas AGRELI, H. L. F. Prática interprofissional colaborativa e clima do trabalho em equipe na Atenção Primária à Saúde. Tese (Doutorado em Ciências) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. BRASIL. Ministério da Saúde.Portaria n. 198/GM, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde [...]. 2004. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1832.pdf. Acesso em: 6 jan. 2020. https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1832.pdf 69 CIHC. Canadian Interprofessional Health Collaborative. A National Interprofessional Competence Framework. Vancouver: CIHC, 2010. COSTA, M. V. A educação interprofissional no contexto brasileiro: algumas reflexões. Interface, Botucatu, v. 20, n. 56, p. 197-198, 2016. D’AMOUR, D. et al. A model and typology of collaboration between professional in healthcare organization. BMC Health Services Research, [s.l.], v. 8, n. 188, 2008. OMS. Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: WHO, 2010. PREVIATO, G. F.; BALDISSERA, V. D. A. Retratos da prática interprofissional colaborativa nas equipes da Atenção Primária à Saúde. Revista Gaúcha de Enfermagem, [s.l.], v. 39, 2018. SANTOS, G. l. A. et al. Prática colaborativa interprofissional e assistência em enfermagem. Escola Anna Nery, [s.l.], v. 24, n. 3, 2020. 70 Bons estudos! Sumário Estrutura e Clima Organizacional Objetivos 1. Estrutura organizacional 2. Clima organizacional Referências Bibliográficas Trabalho em Equipe Objetivos 1. Trabalho em Equipe Referências Bibliográficas Composição e atuação das equipes de ESF e NASF Objetivos 1. Estratégia Saúde da Família Referências Bibliográficas Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde Objetivos 1. Prática Interprofissional Colaborativa em Saúde Referências Bibliográficas