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9 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: CUIDADOS DE ENFERMAGEM NA ATENÇÃO BÁSICA MARTA ANGÉLICA IOSSI SILVA LYGIA MARIA PEREIRA DA SILVA MARIA DAS GRAÇAS CARVALHO FERRIANI INTRODUÇÃO As ações de saúde têm contribuído para prevenção de mortes e melhoria da qualidade de vida das crianças e dos adolescentes. Entretanto, o enfrentamento das várias formas de violência cometidas contra esses grupos etários ainda se configura um grande desafio.1 Todos os anos, inúmeros adolescentes e crianças, tanto no âmbito intrafamiliar como no cotidiano institucional ou social, têm sido vítimas de violência, negligência e discriminação, tendo seus direitos e sua cidadania cruelmente desrespeitados. Evidencia-se, portanto, com grande frequência e gravidade, a presença da violência nos diferentes espaços da sociedade brasileira. Tanto a violência intrafamiliar, como social e estrutural, às quais muitas crianças e adolescentes estão submetidos, constituem uma questão de direitos humanos. A violência contra crianças e adolescentes encontra-se em um contexto complexo, no qual se incluem outras formas de violência.2 A vivência de situações violentas causa sofrimento à criança; como exemplo, podem ser citados os conflitos familiares, especialmente as agressões entre os pais. É frequente a reprodução da violência, pois as crianças crescem e se desenvolvem nesse contexto, em que aprendem e reproduzem os comportamentos violentos como forma de resolver conflitos ou de exercer o poder.3 Ressalta-se, ainda, a violência causada por parceiros íntimos (VPI), seja no período pré ou pós-natal, a que muitas mulheres estão submetidas. Essa forma de violência influencia de maneira direta a saúde e o comportamento das crianças e dos adolescentes. A VPI mostra-se associada aos problemas de comportamento dos filhos, que aumentam conforme a gravidade da violência e o número de problemas comportamentais associados.4,5 10 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA O impacto da violência pode ser visto de várias formas, em diversas partes do mundo. Todo ano, mais de 1 milhão de pessoas perde suas vidas, e muitas outras sofrem lesões não fatais resultantes da violência interpessoal, autoinfligida (comportamento suicida e autoagressão) ou coletiva. As evidências mostram que as vítimas de violência intrafamiliar têm mais problemas de saúde, custos com assistência à saúde significativamente mais elevados e demandam mais dos serviços de emergência do que as pessoas que não têm histórico de violência.6 Independentemente da forma de apresentação da violência, as principais consequências da violência intrafamiliar na infância e na adolescência refletem-se no crescimento e no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, nas esferas física, social, comportamental, emocional e cognitiva.6,7 As unidades de saúde, em todos os seus níveis, caracterizam-se como a porta de entrada preferencial dos casos de violência. As suspeitas de violência intrafamiliar surgem, muitas vezes, no decorrer do atendimento prestado, como em uma consulta ou em um exame demandados por outros sinais e sintomas que não necessariamente aqueles possivelmente desencadeados por alguma forma de violência. Os serviços de saúde objetivam atender às necessidades de saúde decorrentes da violência, tendo como perspectiva a promoção da saúde, as ações preventivas e as ações para a qualificação profissional, previstas e delineadas como uma linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência.1 Em todos os casos de violência, visando ao alcance dos padrões de assistência adequados, além de outros recursos, o serviço de saúde deve ter normas e rotinas definidas. Todavia, cada caso deve ser avaliado particularmente e atendido conforme as prioridades identificadas.8 Os profissionais de saúde, incluindo os enfermeiros, têm dificuldades em lidar com casos de violência intrafamiliar, pois precisam estar em contato com aspectos de sua existência, seus conceitos, seus medos, sua visão de mundo e suas experiências relacionadas à família, ao afeto e à sexualidade.2,7 Guias e protocolos que deem suporte ao trabalho da enfermagem junto às crianças e aos adolescentes em situação de violência são necessários para uma atuação eficiente e tecnicamente orientada. Igualmente importante é a capacitação dos profissionais, mediante proposta de discussão dos dilemas éticos, para reflexão e aperfeiçoamento da sua prática profissional.6,9 OBjETIVOS Ao final da leitura deste artigo, espera-se que o leitor seja capaz de: ■ reconhecer os diferentes tipos de expressão da violência intrafamiliar; ■ identificar os possíveis sinais e sintomas indicativos dos diferentes tipos de violência intrafamiliar; ■ conhecer as etapas essenciais para a atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência intrafamiliar; ■ compreender os danos à saúde das crianças e adolescentes causados pela violência intrafamiliar e propor ações para prevenção dessa forma de violência por meio da educação em saúde; 11 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │■ reconhecer o papel do enfermeiro e os aspectos prioritários para a consulta de enfermagem junto a crianças, adolescentes e familiares em situação de violência intrafamiliar, com ênfase às situações de risco, à escuta qualificada, ao exame físico e a encaminhamentos na perspectiva da proteção integral. ESqUEMA CONCEITUAL Prevenção e ações educativas Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: conceito e tipologia O papel do enfermeiro perante a violência intrafamiliar Uma rede de proteção para crianças e adolescentes a partir da atenção básica Conclusão Consulta de enfermagem Caso clínico Roteiro para escuta do relato Exame físico Quando a criança e o adolescente revelam a violência sofrida Acompanhamento Percurso das crianças e dos adolescentes quando os casos de violência intrafamiliar são notificadosFluxograma do atendimento O cuidado de enfermagem Negligência Violência psicológica Violência sexual Síndrome de Müchausen por procuração Violência física Suspeitar Investigar e diagnosticar Notificar Tratar Orientar Proteger Encaminhar Acolher 12 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: CONCEITO E TIPOLOGIA A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como violência intrafamiliar toda ação ou omissão que cause prejuízo ao bem-estar, à integridade física e psicológica ou à liberdade e ao direito do pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em relação de poder sobre a outra.1 A expressão violência intrafamiliar se refere, portanto, ao tipo de relacionamento entre as pessoas envolvidas e não tem relação com o lugar em que ocorre.7,10 O processo de violência intrafamiliar contra a criança e o adolescente caracteriza-se como um fenômeno que não está vinculado a somente uma classe social. Pelo contrário, é um processo transversal, que corta verticalmente a sociedade, sem distinção de fronteiras sociais. Logo, a violência intrafamiliar é uma questão que deve ser tratada com cuidado, sem perder de vista o contexto em que ocorre. A violência intrafamiliar na infância e na adolescência é frequentemente apresentada na literatura com a seguinte classificação: ■ violência física; ■ negligência; ■ violência psicológica; ■ violência sexual; ■ síndrome de Müchausen por procuração.VIOLÊNCIA FíSICA A violência física é o uso da força física contra a criança, causando-lhe desde uma leve dor, passando por danos e ferimentos de média gravidade, até a tentativa ou execução de homicídio. Em geral, as justificativas para a violência física vão desde a preocupação com a segurança e a educação até a hostilidade intensa.1 Essa forma de violência tem sido a mais notificada, por ser a mais visível e fácil de se conceituar e identificar.1,8 NEGLIGÊNCIA A negligência é caracterizada como uma forma insidiosa de violência, que representa uma omissão em relação às obrigações da família no que se refere a cuidar e a prover as necessidades físicas e emocionais das crianças e dos adolescentes, o que coloca em risco seu desenvolvimento saudável. 13 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │Deve haver cuidado para não se confundir negligência com dificuldades reais, em razão das condições sociais de vida familiar.1,8 No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),11 observa- se a preocupação com a possível confusão entre negligência e dificuldades reais em função das condições sociais de vida familiar ao mencionar, em seu artigo 23, que “a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder”. A falta ou carência de recursos materiais se apresenta como uma questão de extrema relevância, ao se levar em consideração a população prioritariamente atendida na rede pública de saúde; ou seja, aquela com graves problemas de ordem socioeconômica. Deve-se atentar para a cronicidade e a intencionalidade da negligência. VIOLÊNCIA PSICOLóGICA A violência psicológica consiste em toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança e punição exageradas, isolamento e aterrorização, por meio de opressões verbais e ameaças, de modo que cause danos na estruturação mental da vítima. Na rejeição afetiva, observa-se a depreciação da criança, o bloqueio de seus esforços de autoestima e realização, ameaças de abandono e crueldade.1,10 A violência psicológica é uma forma de violência que, invariavelmente, não deixa marcas no corpo; por isso, é considerada uma das mais difíceis de ser identificada.9 VIOLÊNCIA SExUAL A violência sexual contra crianças e adolescentes é conceituada pela OMS como uma situação de “envolvimento de uma criança em atividade sexual que ele ou ela não compreende completamente, é incapaz de dar seu consentimento informado ou para o qual a criança não está preparada e não pode consentir, ou que viola as leis da sociedade”.6 Muitas vezes, a violência sexual é imposta à criança e ao adolescente pela violência física, por ameaças e chantagens, pela indução de sua vontade ou por meio de sedução. Essa forma de violência pode variar desde atos em que não exista contato físico, a exemplo do voyeurismo e do exibicionismo, até diferentes atos com contato físico, com ou sem penetração. Engloba, ainda, a situação de exploração sexual visando a lucros, como prostituição e pornografia. A violência sexual produz efeitos nefastos à saúde física e mental da criança/do adolescente, apresentando maior gravidade ■ quando há penetração; ■ conforme o vínculo do agressor com a vítima; ■ se, ao revelar a violência sofrida, a vítima não for acreditada; ■ se a criança ou o adolescente vitimizado não contar com a proteção da família ou de responsáveis. Verificam-se efeitos negativos imediatos e em longo prazo para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, principalmente quando não há qualquer tipo de intervenção.1,6,8 14 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA SíNDROME DE MüCHAUSEN POR PROCURAÇÃO A síndrome de Müchausen é caracterizada pela situação na qual os pais ou outro cuidador simulam ou provocam sinais e sintomas de doenças.1 O quadro da síndrome de Müchausen é persistente e recidivante, as queixas são dramáticas, se repetem-se a cada visita ao serviço de saúde, sempre informadas pelo mesmo responsável, que solicita a realização de exames complementares. Essa simulação pode ocorrer por meio de falsos relatos durante a anamnese, podendo se constituir no motivo da visita ao serviço de saúde. A síndrome de Müchausen apresenta relevância específica para os profissionais de saúde, pois, a partir de uma informação falsa, a criança pode ser submetida a exames e receber tratamentos desnecessários. Por estarem preocupados em colher a história da criança ou do adolescente com vistas à assistência à sua saúde, os enfermeiros/profissionais que realizam o atendimento podem não perceber que se trata de uma simulação. 1. Por que é frequente a reprodução da violência intrafamiliar entre seus membros ou gerações? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 2. Independentemente da forma de apresentação da violência, em que aspectos do crescimento e do desenvolvimento ocorrem as principais consequências da violência intrafamiliar na infância e na adolescência? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 3. Por que os profissionais de saúde, incluindo os enfermeiros, têm dificuldades em lidar com casos de violência intrafamiliar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 15 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ 4. De acordo com a OMS, como pode ser definida a violência intrafamiliar? A) Violência gerada dentro do contexto familiar e por estruturas institucionalizadas, que se expressa na forma de agressão física e exploração das pessoas. B) Toda ação ou omissão que cause prejuízo ao bem-estar, à integridade física e psicológica, à liberdade e ao direito do pleno desenvolvimento da pessoa, podendo ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família. C) Todo ato (ou omissão) cometido exclusivamente por pais, que transgride o dever de proteção da família e da sociedade para com seus membros. D) Somente agressão física, cometida contra familiares, apenas dentro dos domicílios, que caracteriza um abuso de poder no sentido de oprimir e de humilhar o outro. 5. Analise as seguintes afirmativas. I – A violência física pode ser definida somente quando o uso da força física contra a criança lhe causa ferimentos ou traumatismos graves. II – A violência psicológica se refere a todaforma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança e punição exageradas, isolamento e aterrorização. III – Envolver uma criança ou um adolescente em atividade sexual que ela ou ele não compreende, isto é, que seja incapaz de dar seu consentimento informado, violando as leis vigentes, considera-se violência sexual. IV – É fácil identificar um caso de negligência, pois ela se caracteriza pela omissão em relação às obrigações da família no que se refere a cuidar e a prover as necessidades físicas e emocionais das crianças e adolescentes. Estão INCORRETAS: A) Apenas I e II. B) Apenas I, II e III. C) Apenas I e IV. D) Todas afirmativas. Resposta no final do artigo 16 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA O PAPEL DO ENFERMEIRO PERANTE A VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR A seguir, serão explicitadas algumas considerações acerca do papel da enfermagem, mais especialmente do enfermeiro, perante situações de violência intrafamiliar. O CUIDADO DE ENFERMAGEM A enfermagem tem como essência e objeto do seu trabalho o cuidado.12 Esse cuidado se estabelece na ação, na atitude e no movimento cotidiano da equipe e dos serviços de saúde ao considerar a presença do outro no espaço assistencial, na otimização e na diversificação das formas e qualidade da interação “eu-outro” e no “enriquecimento dos horizontes de saberes e fazeres” na saúde em uma perspectiva interdisciplinar e intersetorial.13 A atuação do enfermeiro junto às crianças e aos adolescentes em situação de violência intrafamiliar deve contemplar ações para prevenção e enfrentamento do problema, demandando uma mudança de paradigma, já que requer atuação multidisciplinar e intersetorial. Abordar o papel da enfermagem e do enfermeiro no cuidado às crianças e aos adolescentes em situação de violência intrafamiliar na atenção básica requer enfoque da prevenção por meio da educação em saúde.12 Em relação à atuação da enfermagem no tocante a casos de violência contra crianças e adolescentes, identificam-se as seguintes ações: ■ reconhecer os casos de violência; ■ realizar a consulta de enfermagem; ■ orientar/aconselhar; ■ realizar visita domiciliar; ■ registrar no prontuário os achados clínicos e emocionais com detalhes; ■ discutir a possibilidade de gravidez ou de doença sexualmente transmissível (DST)/síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) como consequência da violência; ■ explicar atendimentos e exames a serem realizados durante o acompanhamento até a alta, ressaltando a importância da adesão ao que for proposto; ■ participar da execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos em DST/hepatite e vírus da imunodeficiência adquirida (HIV); ■ encaminhar para atendimento médico, psicológico e social; ■ preencher registros e protocolos; ■ elaborar e executar treinamento/supervisão da equipe acerca do tema; ■ reconhecer as possibilidades e os limites do serviço em que atua; ■ reconhecer as possibilidades e os limites dos serviços referenciados, com vistas a melhorar a efetividade dos encaminhamentos futuros; ■ estabelecer novas parcerias para aumentar a efetividade das ações do serviço em que atua. Quanto ao atendimento a meninas, a enfermagem deve registrar a data da última menstruação, avaliar atraso menstrual e, nesse caso, orientar o retorno ao serviço de saúde. 17 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │Considera-se que a atenção básica, nos casos de vitimização, deve se pautar nos seguintes passos:8 ■ acolher; ■ suspeitar; ■ investigar e diagnosticar; ■ tratar; ■ proteger; ■ notificar; ■ orientar; ■ encaminhar; ■ acompanhar. Acolher O acolhimento tem o objetivo de fortalecer a criança, o adolescente e o familiar protetor para os passos necessários à proteção. O acolher refere-se a uma das diretrizes de maior relevância da Política Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo-se em uma atitude ética, estética e política. O acolher expressa uma aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”.14 Quanto à atitude ética, reitera-se o compromisso que todos os profissionais devem ter com o reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-lo em suas diferenças, necessidades e especificidades. Esse compromisso, singular entre os sujeitos, os usuários e os profissionais de saúde, deve ganhar centralidade nas ações de saúde.15 No que diz respeito à estética, ressaltam- se estratégias inovadoras para as relações e para a prática assistencial cotidiana, que contribuem para a dignificação da vida. A política, por sua vez, implica o compromisso coletivo, potencializando protagonismos, resolutividade e vida nos diferentes encontros.14 O acolhimento é uma ação caracterizada pela interação sistemática entre usuários e profissionais da saúde mediante escuta, coleta de dados e, eventualmente, exames complementares. Refere-se também a ações intersetoriais e multiprofissionais, a fim de garantir o melhor acesso, a melhor resposta e resolubilidade dos problemas identificados na assistência à saúde. No processo do acolhimento, a relação profissional/usuário deve ser pautada pela aceitação da diversidade e da tolerância aos diferentes, com inclusão social e solidariedade. Acolher pressupõe que cada usuário tem necessidades próprias e uma forma de identificá-las e apresentá-las, em função do seu modo de vida.16 A promoção da escuta e da investigação, associada à oferta de ações no próprio serviço de saúde, na rede assistencial ou na sociedade, mediante ações intersetoriais, deve assegurar a continuidade da assistência e suprir ou minimizar as necessidades apresentadas.6,8,16 18 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA Suspeitar A suspeita de violência contra crianças e adolescentes, em geral, surge durante o atendimento, no momento da anamnese ou do exame físico. Entretanto, as vítimas nem sempre apresentam evidências físicas da violência sofrida. Os sinais e os sintomas relacionados à violência são inespecíficos, o que requer a qualificação do enfermeiro para suspeitar, valorizar a sua suspeita e realizar a investigação, para chegar a um diagnóstico com fundamentação e segurança. É essencial que o enfermeiro atente-se para o fato de que o segredo por parte dos familiares ou até mesmo da vítima, que se vê ameaçada de punição, é um componente primordial para a manutenção da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes.15,17 A manutenção da violência intrafamiliar dificulta sua revelação. Investigar e diagnosticar A consulta de enfermagem é um importante instrumento no atendimento às crianças, aos adolescentes e às suas famílias. A anamnese e o exame físico são imprescindíveis para a identificação de sinais físicos e comportamentais, e todos os sinais devem ser contextualizados. A partir do diagnóstico, será possível providenciar imediata proteção às crianças e aos adolescentes em situação de violência. Na investigação e no diagnóstico, é indispensável a atuação em equipe, e a busca de evidências inclui a participação de outros profissionais que também atendem a criança ou o adolescente.17 O diagnóstico da violência pode ser confundido com outras patologias orgânicas e psíquicas, já que, ao chegar ao serviço de saúde, a vítima frequentemente apresenta relato mascarado sobre o verdadeiro motivo da visita. É essencial que o enfermeiro reúna os dados e as evidências observadas na visita domiciliar, na consulta de enfermagem aos vários membros da família, sempre considerando o caráter sistêmico da violência intrafamiliar.12,17 Tratar Nos casos de lesões físicas em geral, resultantes da violência física ou da negligência, os tratamentos não diferem daqueles utilizados para as lesões de origem não intencional. Os procedimentos utilizadossão os que fazem parte da formação generalista dos enfermeiros, aos quais estão habituados.17 Nos casos de violência sexual, as condutas terapêuticas seguem as normas padronizadas pelo Ministério da Saúde (MS).18,19 19 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │Os profissionais de saúde/enfermeiros devem ter conhecimentos sobre a indicação dos diferentes tratamentos e procedimentos a serem adotados frente à violência sexual, devendo estar, por exemplo, qualificados para a profilaxia de DSTs, hepatites virais e HIV, tétano e gravidez, medidas que devem ser tomadas nas primeiras 72 horas do evento, como a anticoncepção de emergência e a quimioprofilaxia.18,19 Quando não são adotadas as profilaxias específicas, pode ocorrer gravidez, causa de transtornos adicionais à saúde física e psíquica da vítima.18 Nessas situações, a vítima e sua família devem receber esclarecimentos, para que possam escolher entre levar a gravidez a termo e criar a criança, ou doar o bebê ou ainda optar pelo abortamento.20 No caso de gravidez decorrente de estupro, a interrupção da gestação é permitida por lei, conforme o Art. 128, inciso II do Código Penal.21 A interrupção de gravidez está prevista na Portaria GM/MS Nº 1.508, de 1º de setembro de 2005.22 O procedimento não está condicionado à decisão judicial ou apresentação de boletim de ocorrência policial, mas à assinatura de termo de responsabilidade pelos responsáveis.18 Proteger A proteção integral, prevista no ECA, considera crianças e adolescentes pessoas em desenvolvimento, prevendo, para esses grupos etários, o atendimento às suas necessidades com prioridade absoluta, o que representa um novo paradigma para atenção à infância e à adolescência.11 Notificar A notificação consiste em uma informação emitida pelo setor saúde, ou por qualquer outro órgão ou pessoa, para o Conselho Tutelar, com a finalidade de promover ações voltadas à proteção das vítimas. A notificação inicia um processo que visa a interromper as atitudes e os comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de qualquer agressor, desencadeando, ainda, ações para a proteção integral às vítimas.7,8,17 Além disso, os dados obtidos por meio das notificações contribuem para o planejamento de políticas, planos e ações no âmbito da promoção e da assistência à saúde. A despeito da relevância da notificação, é fato que muitos profissionais de saúde ainda não estão cientes dos seus benefícios, seja por medo ou desconhecimento.1,7 Por isso, salienta-se que a notificação não é opção pessoal, e sim um dever do profissional de saúde.8,17 O artigo 245 do ECA,11 no capítulo II, que trata das infrações administrativas, prevê punição para os profissionais e instituições que atuam junto a crianças e adolescentes se “deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente”. 20 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA O MS tornou a notificação obrigatória para os profissionais por meio da Portaria nº 1.968, de 25 de outubro de 2001.23 Essa portaria orienta que a comunicação dos casos também deve ser encaminhada para a vigilância epidemiológica, pois os dados obtidos auxiliam no planejamento de políticas públicas e permitem o desenvolvimento de pesquisas.7 O Código de Ética de Enfermagem considera dever do profissional a proteção de seus clientes em situações graves e esclarece, no Artigo 34, que é proibido provocar, cooperar, ser conivente ou omisso com qualquer forma de violência.24 A notificação informa que há uma criança ou adolescente em situação de violência, e não que uma determinada pessoa é autora de violência. Assim, após a notificação, haverá uma investigação para a responsabilização do autor da violência.8,17 Orientar Na abordagem dos familiares, o profissional de enfermagem deve orientar sobre o direito que as crianças e os adolescentes têm de crescerem sem violência. Além disso, é preciso informar sobre os efeitos da violência para a saúde das vítimas e a dinâmica familiar, além de deveres dos adultos responsáveis em relação ao bem-estar dessas crianças e adolescentes. Tal orientação contribuirá para a adesão aos tratamentos dos agravos resultantes da violência.12,20 Uma das finalidades do atendimento é o alcance de mudanças culturais e subjetivas que geram, mantêm ou facilitam a dinâmica e a ameaça abusiva, o que se constitui em importante política de prevenção e controle da reincidência.6,10,17 Para tanto, é relevante que o enfermeiro oriente as famílias sobre a ressignificação das relações familiares em prol da tolerância e da formação de vínculos protetores, acompanhe e apoie as famílias no processo de construção de novos modos de agir e de educar crianças e adolescentes, busque apoio de outros profissionais quando julgar pertinente e articule as ações desenvolvidas no serviço com a rede de cuidados e de proteção social.1 Encaminhar Os encaminhamentos objetivam atender às necessidades de saúde e sociais decorrentes da violência. O enfrentamento da violência envolve, entre outras ações, o tratamento dos traumas físicos e emocionais, além da proteção integral às vítimas a partir de uma abordagem multiprofissional e intersetorial.8,17 A relação do enfermeiro com os demais profissionais deve ser de parceria e colaboração mútuas, para uma assistência integral às crianças e aos adolescentes. É necessário que haja uma rede organizada, a fim de garantir que os encaminhamentos tenham efetividade e que as necessidades das crianças e dos adolescentes sejam atendidas. 21 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │FLUxOGRAMA DO ATENDIMENTO Para que os papéis do setor de saúde e de cada profissional sejam cumpridos e assimilados, a equipe deve estabelecer fluxos de atendimento às crianças, aos adolescentes e às famílias em situação de violência intrafamiliar. Considera-se, nesse momento, a necessidade da definição dos fluxos internos (dentro da unidade) e externos (da unidade para outros serviços de saúde e de outros setores), estabelecendo uma relação de referência e contrarreferência. Por meio dessa relação, a criança, o adolescente e sua família podem ser atendidos simultaneamente por várias instituições, em ações integradas, dado o caráter multidisciplinar do problema.3,8,20 A Figura 1 apresenta o fluxograma de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência intrafamiliar. Violência psicológicaNegligência Suspeita e/ou confirmação de violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes ■ Acolhimento. ■ Atendimento médico e/ou de enfermagem na atenção básica. ■ Preenchimento da ficha de notificação. ■ Comunicação ao Conselho Tutelar. ■ Discussão do caso com a equipe local para definir intervenções e acompanhamento multiprofissional e intersetorial. ■ Encaminhamento para assistência psicológica, social, jurídica e inclusão social sempre que necessário. Violência sexual Violência física recém- ocorrida com lesõs graves Violência sexual recém-ocorrida ■ Conservar as provas da violência ■ Não fazer higiene pessoal ■ Primeiro atendimento. ■ Encaminhar, se necessário, para consulta médica e para uma unidade hospitalar ou de referência estabelecidas. ■ Notificar o caso ao Conselho Tutelar. ■ Notificar o caso à Vigilância Epidemiológica. ■ Orientação/encaminhamento para rede social de apoio frente às... ■ Primeiro atendimento. ■ Encaminhar, se necessário, para consulta médica e para uma unidade hospitalar ou de referência estabelecidas. ■ Notificar o caso ao Conselho Tutelar. ■ Notificar o caso à Vigilância Epidemiológica. ■ Orientação/encaminhamentopara rede social de apoio frente às... Violência física Figura 1 – Fluxograma de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência intrafamiliar. Fonte: Arquivo de imagem das autoras. 22 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA Percurso das crianças e dos adolescentes quando os casos de violência intrafamiliar são notificados É preciso que o enfermeiro e os profissionais da saúde conheçam o percurso das crianças e dos adolescentes quando os casos de violência intrafamiliar contra eles são notificados, conforme apresenta a Figura 2. Vara de crimes contra crianças e adolescentes ou vara da infância e juventude Delegacia Ministério públicoConselho tutelar IML Inquérito policial (apuração dos fatos, depoimentos) Relatório final da delegacia Casos de violência notificados Figura 2 – Percurso dos casos de violência após a notificação. Fonte: Adaptada de Mendonça (2002).25 Acompanhamento Ações devem ser garantidas a fim de que, de acordo com o conceito de acolhimento,14,16 sejam efetivadas a resolutividade e a articulação com outros serviços para a continuidade do atendimento. O acompanhamento psicossocial paralelo ao percurso fora do setor de saúde fortalece cada indivíduo e sua família, por conduzir a mudanças no padrão de comportamento de cada membro da família e do sistema familiar de modo global. Considerando-se os danos causados pela violência, o acompanhamento das crianças e adolescentes, em alguns casos, pode levar meses ou anos.12 6. Por que se pode afirmar que a atuação do enfermeiro junto às crianças e aos adolescentes em situação de violência demanda uma mudança de paradigma? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 23 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ 7. Cite pelo menos cinco ações que podem ser identificadas na atuação da enfermagem em relação a casos de violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes. ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 8. Em que passos, especificamente, o enfermeiro deve se pautar para melhor qualificar a atenção prestada aos casos de vitimização? A) Acolher, coletar dados, escutar, examinar, diagnosticar, notificar e encaminhar. B) Recepcionar, acolher, suspeitar, investigar, diagnosticar, notificar, orientar e encaminhar. C) Acolher, suspeitar, investigar, diagnosticar, tratar, proteger, notificar, orientar, encaminhar e acompanhar. D) Acolher, suspeitar, colher dados, investigar, examinar, diagnosticar, encaminhar e acompanhar. Resposta no final do artigo 9. Qual é o objetivo do acolhimento de crianças e adolescentes vítimas de violência? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 10. Cite um componente importante para a manutenção da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes que dificulta sua revelação. ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 11. Em caso de violência sexual, o que pode ocorrer quando não são adotadas medidas preventivas específicas? Como se deve proceder nessa situação? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 24 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA 12. Qual é o objetivo do processo iniciado com o ato de notificar um caso de violência intrafamiliar contra criança ou adolescente? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 13. O que prevê o artigo 245 do ECA aos profissionais e instituições que atuam junto a crianças ou adolescentes? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 14. Na abordagem dos familiares de crianças ou adolescentes vítimas de violência, que tipo de orientação deve ser prestada? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 15. Quais são os objetivos doencaminhamento de crianças ou adolescentes vítimas de violência intrafamiliar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 16. Por que é importante estabelecer os fluxos de atendimento às crianças, aos adolescentes e às famílias em situação de violência intrafamiliar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 17. Qual é o percurso das crianças e dos adolescentes vítimas de violência quando os casos são notificados? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 25 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ UMA REDE DE PROTEÇÃO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES A PARTIR DA ATENÇÃO BÁSICA A primeira rede de proteção à criança e ao adolescente vítimas de violência intrafamiliar a ser organizada é a rede interna, ou intrassetorial, constituída pelos profissionais dos serviços de saúde.20 Alguns profissionais de saúde têm dificuldades em admitir que estão realmente diante de um caso de violência intrafamiliar, em razão, entre outros fatores, da dificuldade de compreender que mães e pais possam causar danos intencionais aos seus filhos.7 Por isso, o enfermeiro não deve permanecer só com as suspeitas de violência intrafamiliar. Alguns recursos podem ser utilizados para compartilhar impressões e esclarecer dúvidas em relação ao diagnóstico, como as reuniões de equipes multiprofissionais. É fundamental a atuação de todos os profissionais em uma rede organizada, seja a rede interna do serviço (quando possui), seja a rede dos serviços de saúde e de outros setores, como o Conselho Tutelar, os Centros de Defesa de Direitos, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e o Sistema Judiciário, dentre outros.26 A atenção à criança e ao adolescente vítimas de violência intrafamiliar implica uma prática assistencial voltada à proteção e promoção da saúde e à qualidade de vida. A atenção à criança e ao adolescente vítimas de violência intrafamiliar compreende integrar os aspectos macroestruturais, a exemplo das políticas públicas sociais, como a articulação e a integração de diferentes setores e serviços na perspectiva da intersetorialidade e da integralidade, definindo-se e estabelecendo-se redes de apoio e proteção.27 A adoção de uma estratégia de atenção que visa à assistência e proteção integral significa a inclusão da família, das crianças e dos adolescentes, sejam vítimas ou agressores, em redes sociais e de proteção mais amplas, solidárias e coesas. Essas redes devem incluir um conjunto de sistemas, instituições, pessoas significativas e a multiplicidade de mecanismos que compõem os elos de apoio, proteção e relacionamento, inclusive afetivos, existentes e percebidos pelos envolvidos.1,8,26 Trabalhar em rede significa, sobretudo: 26 ■ romper com a lógica do trabalho setorizado e verticalizado; ■ promover o constante exercício de comunicação e de troca de informações; ■ capacitar permanentemente os profissionais e as pessoas que se envolvem na rede; ■ incorporar a família nas ações de proteção e de prevenção; ■ promover a participação de amplos setores sociais. PREVENÇÃO E AÇõES EDUCATIVAS Prevenir a violência intrafamiliar contra a criança e o adolescente é possível e, quanto mais cedo se inicia essa ação, maiores serão as chances de proteger as vítimas e evitar o problema. Desde o pré-natal, é possível trabalhar preventivamente, promovendo, por exemplo, melhores vínculos afetivos e de cuidados para com o bebê, discutindo as expectativas para a nova fase da vida dos pais e dos familiares.1 26 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA Discussões sobre violência intrafamiliar devem ser estimuladas na equipe de saúde e na comunidade. As ações educativas devem ser realizadas dentro e fora das unidades de saúde, envolvendo outros espaços de discussão e oportunidades para orientação, a exemplo das escolas, dos núcleos assistenciais e dos domicílios, onde podem ser apresentadas as formas de violência, suas causas e consequências e o que pode ser feito para que sejam evitadas. A educação em saúde é um caminho pelo qual as ações de proteção integral podem se materializar. A educação em saúde se constitui em um caminho integrador do cuidar, um espaço de reflexão-ação, apoiado por distintos saberes, culturalmente significativos para o exercício democrático, capazes de provocar mudanças individuais e coletivas. Deve-se superar a postura positivista, cuja visão reducionista e medicalizada da saúde prescreve de modo impositivo uma conduta para os sujeitos, submetendo-os a medidas de intervenção descontextualizadas, verticalizadas e coercitivas. As ações educativas requerem um modelo de intervenção que possibilite uma metodologia ativa e atenta às características peculiares das crianças e dos adolescentes em situação de violência intrafamiliar. Em razão da complexidade da violência intrafamiliar, as condutas para o seu manejo devem ser pensadas dentro do contexto específico de cada caso, não perdendo de vista as normas que orientam o enfrentamento do problema.28 18. Por que o enfermeiro deve compartilhar suas suspeitas de violência intrafamiliar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 19. Que tipo de prática implica a atenção à criança e ao adolescente vítimas de violência intrafamiliar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ...........................................................................................................................................20. O que significa trabalhar em rede para atenção e proteção integral em saúde? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 27 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ 21. Por que as discussões sobre violência intrafamiliar devem ser estimuladas na equipe de saúde e na comunidade? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 22. Em que se constitui a educação em saúde e o que requerem as ações educativas? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... CONSULTA DE ENFERMAGEM A consulta de enfermagem tem como fundamentos e princípios: 29-30 ■ universalidade; ■ equidade; ■ integralidade; ■ escuta ampliada; ■ diálogo comunicativo; ■ reconhecimento das vulnerabilidades sociais, institucionais e individuais; ■ promoção da saúde; ■ humanização das práticas de saúde. A violência intrafamiliar não é um tema de fácil abordagem mesmo para profissionais treinados, e o momento da anamnese pode se constituir em experiência difícil, tanto para as crianças e os adolescentes, como para o enfermeiro. Admitir as dificuldades é o primeiro passo, que permite a preparação para se realizar, da melhor maneira possível, uma tarefa tão complexa quanto a consulta de enfermagem. No atendimento, o enfermeiro deve prestar atenção aos sinais comportamentais tanto em relação às crianças ou adolescentes como em relação aos seus familiares. Algumas situações devem ser consideradas para a avaliação da família,1,8,12,20 pois podem apontar condições de risco para a violência intrafamiliar em geral, como: ■ relato dos pais sobre experiências próprias enquanto vítimas de alguma forma de violência na infância; ■ adultos apontam a criança ou o adolescente como problema; ■ problemas maternos relacionados à gravidez, ao fato de a mãe ser solteira, à gravidez indesejada, ao não comparecimento às consultas de pré-natal, a tentativas frustradas de abortamento, à separação do casal, a mães adolescentes sem apoio social, à falta de apoio da família e de recursos materiais adequados; ■ múltiplas visitas ao serviço de saúde com sinais e sintomas de ansiedade; 28 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA ■ relatos discordantes quando os responsáveis são entrevistados separadamente; ■ história de depressão, distúrbio do sono e/ou do apetite, uso de álcool e drogas, tentativa de suicídio e problemas de saúde mental; ■ enurese ou ecoprese acima dos 7 anos de idade, quando não há problema orgânico; ■ dificuldade de aprendizagem e queda do rendimento escolar. A seguir, serão elencados alguns comportamentos indicativos de violência intrafamiliar que a equipe de enfermagem pode observar:8,20 ■ conhecimento insuficiente por parte do responsável sobre a situação de saúde da criança; ■ tratamentos inadequados (não cumprimento do calendário vacinal, não seguimento de recomendações médicas, comparecimento irregular ao acompanhamento de patologias crônicas e internações frequentes); ■ criança cuja frequência é irregular à escola, escolaridade inadequada à idade, não participação dos pais nas tarefas escolares; ■ história familiar apontando presença de alcoolismo e uso de drogas ilícitas. Os comportamentos a seguir podem ser indicativos de violência física:1,4,14 ■ história incompatível com as lesões existentes; ■ lesões incompatíveis com o estágio de desenvolvimento da criança ou do adolescente; ■ relatos discordantes entre os responsáveis ou entre eles e a vítima; ■ supostos acidentes ocorridos de forma repetitiva e/ou com frequência acima do esperado; ■ suposto acidente para o qual a procura de assistência à saúde ocorre muito tempo após o evento. Os comportamentos a seguir podem ser indicativos de violência psicológica:1,8,14 ■ distúrbios no desenvolvimento psicomotor, intelectual, emocional e social; ■ labilidade emocional e distúrbios de comportamento, como agressividade, passividade e hiperatividade; ■ problemas psicológicos que vão desde a baixa autoestima a problemas no desenvolvimento moral, ou seja, o modo como se considera certo ou errado um determinado ato, e dificuldades em lidar com a agressividade e a sexualidade; ■ distúrbios do controle de esfíncteres (enurese, ecoprese); ■ psicose, depressão e tendências suicidas. Os comportamentos a seguir podem ser indicativos de violência sexual:1,15,32 ■ iniciais – dizem respeito a reações emocionais e à autopercepção: medo excessivo, inibição, depressão, agressividade, comportamento antissocial, distúrbio de comportamento, raiva, hostilidade, autoagressão, sentimentos de inferioridade e autodesvalorização; ■ na sexualidade – refere-se a alterações no comportamento sexual, curiosidade excessiva para assuntos sexuais, masturbação diante de outras pessoas e exposição frequente dos genitais; outros efeitos que dizem respeito ao convívio em sociedade são dificuldades escolares, com queda do rendimento, falta às aulas e até abandono escolar, fuga de casa e casamento precoce como meio de escapar da violência e da delinquência; ■ em longo prazo – • reações emocionais e autopercepção: depressão, comportamentos autodestrutivos, idealização e tentativa de suicídio, autoagressão (desejo de se ferir, de se magoar); 29 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │• distúrbios somáticos e dissociação: ansiedade, insônia, pesadelos, desordens alimentares (anorexia ou bulimia), dissociação (sentir-se fora do corpo); • efeitos na autoestima: sentimentos de isolamento, estigmatização pela vitimização, conceitos negativo de si mesmo, autoimagem negativa; • impacto nas relações interpessoais: sentimento de hostilidade para com suas mães, autodesprezo, medo, hostilidade, sentimento de traição (sentem-se traídos), falta de confiança no ser humano de modo geral; • efeitos na sexualidade: ansiedade em relação à sexualidade, insatisfação com relações sexuais (dificuldade de relaxar e usufruir a relação), abstinência, desejo sexual compulsivo, prostituição, uso abusivo de substâncias psicoativas (bebidas alcoólicas, drogas lícitas ou ilícitas). Outro tipo de violência que se pode encontrar, como já explicitado, é a síndrome de Müchausen por procuração1. Nesse caso, é preciso que o enfermeiro observe se: ■ há coerência entre o relato e os achados clínicos; ■ o quadro é persistente e recidivo; ■ asqueixas são dramáticas e se repetem a cada ida ao serviço de saúde; ■ a criança é levada ao serviço de saúde sempre pelo mesmo responsável; ■ há solicitação para realizar de exames complementares. qUANDO A CRIANÇA E O ADOLESCENTE REVELAM A VIOLÊNCIA SOFRIDA Frequentemente, as crianças e os adolescentes não relatam a violência sofrida, em especial quando cometida por um familiar. Não é fácil falar sobre experiências, pois o relato expõe a disfunção do sistema familiar, e os desdobramentos possíveis podem levar à punição de membros da família. As dificuldades para o relato estão relacionadas à própria criança, à dinâmica do fenômeno, à cultura da sociedade e da instituição, assim como às características peculiares (pessoais e profissionais) de quem faz a escuta.33 A criança e o adolescente vítimas de violência intrafamilar silenciam-se em razão de fatores externos, como ameaças do agressor e o medo de não serem acreditados, e em função de fatores internos, como a baixa autoestima e o sentimento de culpa desenvolvidos em decorrência da violência vivenciada.15 É possível que o agressor permaneça em contato com a criança ou o adolescente, podendo continuar ameaçando a vítima, que, por isso, não revelará a violência. Deve-se levar em conta o fato de que muitas vezes a revelação da criança/adolescente é parcial, ao referir algumas situações ou ações e omitir outras.8,20,34 Quando são consideradas as dificuldades referidas, falar sobre a violência sofrida está ligado a um grande incômodo para a vítima. Por isso, a revelação requer diálogo, uma abordagem acolhedora e humanizada, respeitando o tempo da criança ou adolescente. Todas as crianças/adolescentes devem ser abordados com sensibilidade e ser reconhecidos e compreendidos em sua vulnerabilidade.35 30 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA No momento do relato sobre a violência sofrida, o enfermeiro deve evitar perguntas ou expressões que sugerem que a criança ou adolescente é culpado pela violência praticada, como: ■ o que você fez para ele(a) agir assim? ■ você deixou? ■ por que você não evitou? O profissional de enfermagem deve criar um ambiente apropriado, com sala adequada, garantindo privacidade, segurança e tranquilidade para a criança ou adolescente. Nessa sala, é preciso que temperatura e iluminação estejam adequadas, além de instrumentos necessários disponíveis. Durante a consulta, o cuidado em não expor a vítima ao possível agressor é imprescindível para evitar o constrangimento da criança ou adolescente. O profissional não deve confrontar os relatos. Ele deve ouvir cada membro da família separadamente, evitando expor a criança ou adolescente, sob o risco de retaliação. A atitude do interlocutor compõe o ambiente a ser criado para a escuta, no qual a criança deve ser acolhida. Durante o relato, o enfermeiro deve demonstrar boa disposição para com a vítima e a família, mostrando-se atento à fala da criança ou do adolescente. De acordo com a idade da criança ou do adolescente, o seu vocabulário pode ser mais ou menos restrito, requerendo do interlocutor um esforço para a compreensão do relato, bem como para se fazer compreender. É necessário um protocolo estruturado para que se reduza a polarização do entrevistador e se preserve a objetividade.6,8,34 Quando um caso é notificado, a vítima será ouvida em várias instâncias. Por isso, para evitar a revitimização, o profissional de saúde deve perguntar o mínimo possível, ou seja, apenas o necessário para fundamentar a notificação. ROTEIRO PARA ESCUTA DO RELATO Nos casos de suspeita, ou quando há alegação de violência durante a entrevista, o enfermeiro deve evitar perguntas que questionem diretamente a criança. Isso é recomendado somente quando a narrativa livre das perguntas abertas foi esgotada.6,34 31 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │Na ocasião da escuta do relato de crianças e adolescentes, o enfermeiro pode adotar o roteiro apresentado no Quadro 1, a seguir. quadro 1 ROTEIRO PARA A ESCUTA DO RELATO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE Fase Ações Introdutória ■ Buscar estabelecer um bom relacionamento com a criança ou adolescente antes de começar o relato propriamente dito. Deve haver um esforço do enfermeiro para o estabelecimento de um bom relacionamento com a criança ou adolescente. ■ O enfermeiro deve dizer o seu nome e perguntar o nome da criança para iniciar a comunicação. ■ Identificar-se como alguém que tem interesse no bem-estar da criança ou adolescente. ■ Considerar o nível de desenvolvimento da criança ou adolescente, a fim de compreender as possibilidades e as limitações para a comunicação, bem como encontrar a interação apropriada. Antes de ter contato com a criança ou adolescente, o enfermeiro deve fazer a leitura do prontuário, dos relatórios, dos estudos ou de outros apontamentos que informem sobre esses aspectos da criança ou adolescente. É importante compreender que as crianças mais novas têm quase nenhum conceito dos números ou do tempo, e que podem usar a terminologia diferentemente dos adultos, o que torna a interpretação das perguntas e das respostas uma questão delicada. ■ Estabelecer uma relação amistosa, permitindo que a criança ou adolescente diga o que ela ou ele não entendeu ou não conhece. Intermediária ■ Iniciar com as perguntas abertas, pedir que a criança ou adolescente descreva com suas próprias palavras o que aconteceu, ou está acontecendo. ■ A partir da descrição da criança ou adolescente, passar a utilizar a mesma linguagem utilizada por ela ou ele na narrativa (por exemplo, os nomes dados às partes do corpo, às ações praticadas, etc.). ■ Quando a narrativa livre da criança ou adolescente se esgotar, se ainda for necessário obter informações sobre tempo (data, dia da semana, horário, etc.), local (se em casa e qual o cômodo, se fora de casa, onde) e pessoas (autor, testemunha, a quem a criança ou adolescente relatou a violência) perguntar à criança ou ao adolescente, dizendo: eu preciso saber... ou, você poderia dizer... ou, você sabe quando, quem... Final ■ Perguntar se a criança ou adolescente quer dizer mais alguma coisa. ■ Perguntar se a criança ou adolescente tem alguma dúvida e se quer fazer alguma pergunta. ■ Dizer à criança ou adolescente que a conversa terminou e perguntar se ela ou ele precisa de alguma coisa. ■ Informar à criança ou adolescente que será realizado o exame físico e proceder à orientação quanto ao procedimento a ser realizado. O uso de prontuário único favorece a coleta de informações, de modo a evitar que as mesmas perguntas sejam feitas repetidas vezes por diferentes profissionais. A repetição do relato da situação de violência vivenciada revela-se prejudicial para a vítima, por contribuir com o aumento do trauma.8 32 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA Com relação aos diferentes tipos de violência intrafamiliar, é importante, ainda, considerar: ■ a identificação da violência sofrida, que pode ser feita mediante o relato da vítima ou de um dos responsáveis; ■ o cuidado para que a abordagem do assunto não cause mais sofrimento à vítima durante o diálogo; ■ falsas denúncias também podem ocorrer, principalmente entre casais em situação de litígio. ExAME FíSICO O exame físico completo e detalhado deve ser realizado; ou seja, o profissional não deve se deter à queixa. Observar pele e mucosas, esqueleto e sistema nervoso central, lesões torácicas e abdominais, transtornos genitourinários. Realizar o registro completo e claro dos achados.8,20 Sempre que possível, deve ser colhido material para exames laboratoriais e exames forenses para auxiliar no diagnóstico. O enfermeiro recorrerá aos seus conhecimentos de semiologia e de semiotécnicapara a detecção de sinais decorrentes das vários tipos de violência. Alguns pontos devem ser lembrados:17,20 ■ respeitar a privacidade e o pudor da criança e do adolescente, mesmo quando se tratar de crianças com menos idade; ■ evitar exames repetidos – se possível, a equipe de saúde deve realizar apenas um exame físico, utilizando-se do prontuário único como meio para obtenção das informações sobre o paciente; ■ esclarecer a crianças e adolescentes o procedimento a ser realizado, mantendo o ambiente ameno, no qual eles possam fazer perguntas; ■ uma mesma criança ou adolescente pode ser vítima de mais de uma forma de violência; por isso, o exame físico deve ser completo. Alguns sinais de neligência, violência física e sexual podem ser observados e identificados pelo enfermeiro no exame físico.1,8 Em relação à negligência, pode-se observar:1,8,33 ■ aspecto crônico de má higiene (corporal, roupas precárias, rasgadas, em desalinho, inadequadas para o clima ou a ocasião, dermatite de fraldas, lesões de pele e de repetição); ■ desnutrição por falta de alimentação, por erros alimentares persistentes, por restrições em razão de ideologias dos pais (vegetarianos estritos, por exemplo); ■ distúrbios de crescimento e de desenvolvimento sem causa orgânica. No que se refere à violência física, pode-se observar:6,33 ■ hiperemia, escoriações, lacerações, arranhões, equimoses e hematomas, lesões circulares ou marcas de dedos em torno do pescoço, petéquias na face e hemorragias subconjuntivais, todas sugestivas de enforcamento ou estrangulamento, e queimaduras de terceiro grau; ■ lesões que reproduzam a forma do instrumento utilizado para as agressões (mãos, dedos, mordeduras, fivelas, cintos, cigarros, garfos, etc.); 33 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │■ lesões em diferentes estágios de evolução (coloração e aspecto) ou presentes concomitantemente em diversas partes do corpo, bem como queimaduras “em meia”, “luva”, caracterizando imersões forçadas dos membros inferiores ou superiores na água quente. Queimaduras em nádegas e/ ou genitália também são sugestivas de lesões provocadas; ■ os achados de escoriações, manchas ou sangramento em exame físico não relatados durante a anamnese também podem sugerir violência física; ■ fraturas múltiplas inexplicadas de extremidades em diferentes estágios de consolidação são típicas de maus-tratos; no entanto, são pouco frequentes; ■ alopecia resultante de arrancar brutal e repetidamente os cabelos; ■ impressões digitais na região do pescoço (tentativa de estrangulamento). As queimaduras intencionais são mais profundas e podem ser múltiplas, simétricas com margens bem delimitadas, a exemplo das produzidas por ferro quente, cigarro ou imersão em água fervente. Quanto à violência sexual, na avaliação física da criança ou adolescente, o enfermeiro deve estar atento a lesões específicas, em região genital ou anal, a lesões em outras áreas do corpo, que mostram relação com o ato sexual, e a lesões provocadas na tentativa de conter as reações da criança ou do adolescente:8,18,19,33 ■ deve-se proceder ao exame físico completo, com atenção especial para áreas usualmente envolvidas em atividades sexuais – boca, mamas, genitais, região perineal, glúteos e ânus; ■ observar presença de dor, lesões genitais ou anais do tipo equimoses, hiperemia, erosões, edema, hematomas, escoriações, fissuras anais, interrupções das pregas anais, rupturas, lacerações genitais e anais, além de sangramentos; ■ examinar lesões localizadas na genitália externa (pênis, bolsa escrotal, vulva, vagina) em busca de corrimento uretral ou vaginal e verrugas; ■ cavidade oral – infecções crônicas de garganta; ■ região do pescoço – impressões digitais (tentativa de estrangulamento), equimoses, love bites (beijos com sucção). 23. Quais são os fundamentos e os princípios da consulta de enfermagem? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 24. Assinale a alternativa correta sobre os sinais comportamentais que familiares podem relatar e/ou apresentar em casos de crianças e adolescentes vítimas de violência intrafamiliar. A) Queda do rendimento escolar, história da enurese noturna. B) Distúrbio do sono e/ou apetite. C) Relato dos pais sobre experiências próprias como vítimas de violência na infância, separação do casal, mães adolescentes sem apoio social e familiar. D) Dificuldades financeiras e problemas psiquiátricos. Resposta no final do artigo 34 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA 25. Assinale a alternativa correta em relação aos sinais comportamentais que crianças e adolescentes vítimas de violência intrafamiliar podem apresentar. A) Enurese ou encoprese em crianças acima dos 7 anos de idade, quando não há problema orgânico, dificuldade de aprendizagem e/ou queda do rendimento escolar. B) Múltiplas visitas ao serviço de saúde com sinais de taquicardia e problemas dermatológicos. C) Uso de álcool e drogas, problemas de saúde mental, não participação dos pais nas tarefas escolares. D) Febre e dor epigástrica. 26. Assinale a alternativa correta em relação aos sinais que podem ser indicativos de violência física contra crianças e adolescentes. A) História incompatível com lesões existentes, acidentes ocorridos de forma repetitiva e lesões incompatíveis com o estágio de desenvolvimento da criança. B) Passividade, hiperatividade e agressividade. C) Problemas no desenvolvimento moral e dificuldades em lidar com a agressividade e a sexualidade. D) Higiene pessoal comprometida e atraso na imunização. Respostas no final do artigo 27. Quais são os fatores externos e internos que levam a criança a silenciar-se sobre a violência sofrida no meio familiar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 28. Descreva sucintamente o roteiro para a escuta do relato de violência de criança ou adolescente. ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 29. Que pontos devem ser lembrados durante o exame físico de criança ou adolescente vítima de violência intrafamiliar? ........................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 35 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ 30. Quais são os sinais que podem ser identificados durante a avaliação do exame físico em relação à negligência? A) Infecções crônicas de garganta, equimoses no pescoço, marcas de queimadura de cigarros no corpo. B) Desnutrição por falta de alimentação, lesões de pele, má higiene, distúrbios do crescimento e no desenvolvimento sem causa orgânica e erros alimentares persistentes por restrições. C) Alopecia causada pelo arrancar brutal dos cabelos e hematomas no corpo. D) Lesões genitais, do tipo equimoses, infecções crônicas de garganta e impressões digitais na região do pescoço que podem indicar tentativa de estrangulamento. 31. São sinais e sintomas a que o enfermeiro deve estar atento para melhor identificar e qualificar a avaliação do exame físico de crianças e adolescentes que podem ter sofrido violência sexual: A) Hiperemia, escoriações e equimoses em diferentes regiões do corpo. B) Lesões de queimadura de cigarro, roupas sujas e dermatite de fraldas. C) Região do pescoço com marcas de tentativa de estrangulamento, apenas. D) Lesões em região anal ou genital. Respostas no final do artigo CASO CLíNICO A. tem 2 anos, frequenta uma creche e é a filha mais nova de B., que tem outros três filhos mais velhos, e vive maritalmente com J. há cerca de um ano. A casa onde moram é de J. Ele é o único que sustenta a família financeiramente, pois B. parou de trabalhar para cuidar das crianças a pedido dele. A. é acompanhada pela mãe à unidade básica de saúde (UBS) do bairro onde mora certo dia; já na UBS, durante a vacinação, o enfermeiro notou que ela estava com algumas escoriações nos membros inferiores e equimoses dispersas, além de marcas de dedos nos membros superiores. Ao exame físico, o profissional ainda observou um hematoma na região das nádegas e lesões em ambos os lados do corpo, com diferentes graus de evolução. O enfermeiro solicitou, então, uma conversa reservada com a mãe para tentar esclarecer, de forma acolhedora, o que poderia estar acontecendo. O profissional de enfermagem relatou o que havia percebido, e B. referiu que as lesões foram ocasionadas por uma queda de bicicleta. No entanto, o enfermeiro insistiu, pois, nos casos de queda, as lesões se apresentam no local sobre o qual a criança caiu, fundamentalmente nas zonas expostas e nas proeminências ósseas. Diante do fato, B. chorou e disse que seu marido, padrasto de A., “corrigiu a filha”. Relatou, também, que, em razão de ele ingerir álcool quase todos os dias, ela não sabia o que fazer. 36 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA Como parte do plano de cuidados, o enfermeiro realizou a notificação da suspeita ao conselho tutelar, encaminhou a criança para uma consulta pediátrica a fim de tratar as lesões e, se necessário, fazer exames complementares, e encaminhou a mãe a um CRAS para suporte social. Planejou, ainda, visitas domiciliares e retornos subsequentes da criança e da mãe para acompanhamento, busca de estratégias e encaminhamentos que pudessem, inclusive, auxiliá-la de alguma forma para lidar com o problema do marido. 32. Em relação ao caso clínico, os sinais apresentados e observados durante o atendimento são indicativos de que tipo(s) de violência(s)? A) Sexual. B) Psicológica e física. C) Física. D) Física e negligência. 33. Analise as afirmativas a seguir. I – O fato de o enfermeiro ter conversado separadamente com a mãe estabelece conduta adequada, pois, ao criar um ambiente apropriado, é possível estabelecer melhor vínculo e escuta. II – Considerando que a criança não pode ser entrevistada, pois tem apenas 2 anos de idade, o enfermeiro deveria ter usado algum procedimento e/ou técnica para questioná-la. III – O cuidado em não expor a vítima ao possível agressor é imprescindível, e, por isso, foi importante primeiro ter ouvido a mãe na UBS. IV – O enfermeiro deveria ter confrontado os relatos tanto da mãe como do padrasto e de outros familiares para a notificação e a condução posterior do caso. Está(ão) correta(s): A) Apenas I e III. B) Apenas I. C) Apenas II, III e IV. D) Todas afirmativas. Respostas no final do artigo 37 │ PR OE NF SA ÚD E D A C RIA NÇ A E DO AD OL ES CE NT E. 20 12 ;7( 2): 9-4 1 │ 34. Quais foram os aspectos, os princípios e as perspectivas estabelecidos pelo plano de cuidados inicialmente definido pelo enfermeiro? I – Interdisciplinaridade. II – Acolhimento. III – Intersetorialidade. IV – Proteção. Está(ão) correto(s): A) Apenas I e III. B) Apenas II. C) Apenas I, II e III. D) Todos aspectos. Resposta no final do artigo CONCLUSÃO Diante da importância, da complexidade e do impacto da violência intrafamiliar na vida de crianças e adolescentes e na prática assistencial em enfermagem na atenção básica, este artigo teve como objetivo oferecer conhecimentos e subsídios para a atuação da equipe de enfermagem, especialmente dos enfermeiros, tendo como base o conhecimento técnico-científico, a humanização, o acolhimento e a proteção integral. Conhecer os conceitos e os princípios da atenção em saúde que fazem interface com essa problemática, o papel dos profissionais, as etapas essenciais para a atenção, a identificação de situações de risco, os sinais, os sintomas e os comportamentos indicativos de violência em suas diferentes manifestações e possíveis fluxogramas de atendimento são alguns dos aspectos que qualificam a assistência de enfermagem prestada às vítimas de violência intrafamiliar. RESPOSTAS àS ATIVIDADES E COMENTÁRIOS Atividade 4 Resposta: B Comentário: De acordo com a OMS, a violência intrafamiliar pode ser definida como toda ação ou omissão que cause prejuízo ao bem-estar, à integridade física e psicológica ou à liberdade e ao direito do pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade. 38 VIO LÊ NC IA INT RA FA MI LIA R C ON TR A C RIA NÇ AS E AD OL ES CE NT ES : C UID AD OS DE EN FE RM AG EM NA AT EN Çà O B ÁS ICA Atividade 5 Resposta: C Comentário: Apenas as afirmativas I e a IV estão incorretas, pois a violência física não é definida como aquela que somente causa ferimentos ou traumatismos graves. Esse tipo de violência pode ser definido também por causar desde uma dor leve até danos e ferimentos de média gravidade. Não é fácil identificar um caso de negligência, e deve haver cuidado para não se confundir negligência com dificuldades reais em função de condições sociais. É preciso considerar sua forma insidiosa, cronicidade e intencionalidade. Atividade 8 Resposta: C Comentário: O enfermeiro, para melhor qualificar a atenção prestada aos casos de violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes, deve acolher, suspeitar, investigar, diagnosticar, tratar, proteger, notificar, orientar, encaminhar e acompanhar. Atividade 24 Resposta: C Comentário: Importante atentar que os sinais devem ser considerados no contexto em que a família, e, consequentemente, a criança ou o adolescente estão inseridos. O enfermeiro, ou qualquer outro profissional da área da saúde, deve discutir o caso com a equipe para conduzir a investigação com vistas ao diagnóstico. Atividade 25 Resposta: A Comentário: Muitas crianças manifestam sinais de enurese ou encoprese acima dos 7 anos de idade sem apresentar problema orgânico associado; entretanto, podem ter vivenciado uma situação de violência, seja
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