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TEORIAS DA COMUNICAÇÃO Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro Revisão técnica: Deivison Moacir Cezar de Campos Especialista em História contemporânea Mestre em História Social Doutor em Ciências da Comunicação Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 T314 Teorias da comunicação / Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro [et al.] ; [revisão técnica: Deivison Moacir Cezar de Campos]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 295 p. il. ; 22,5 cm. IISBN 978-85-9502-236-2 1. Comunicação - Teoria. I. Cordeiro, Rafaela Queiroz Ferreira. CDU 007 TC_Iniciais_Impressa.indd 2 10/11/2017 15:24:31 As contribuições da França para os estudos da comunicação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar estudos franceses dos meios de comunicação. � Explicar o movimento da Internacional Situacionista (IS). � Apontar as características da sociedade do espetáculo. Introdução Muitos estudiosos franceses têm exercido importante influência sobre as pesquisas dos meios de comunicação. Embora não se possa falar em um grupo homogêneo de teóricos franceses, nem de uma “escola francesa de comunicação”, em virtude da quantidade de estudiosos e da varie- dade de posicionamentos teóricos, foram e são muitas as contribuições que eles trouxeram. Essas contribuições irão ajudar você a pensar sobre cultura, indústria cultural, emissor, entre muitos outros temas. Além disso, a heterogeneidade desse conjunto de teóricos aproxima você ainda mais desse objeto tão complexo que é a comunicação. Neste texto, você vai identificar algumas contribuições dos estudos franceses dos meios de comunicação. Também vai compreender o que foi o movimento da Internacional Situacionista, cujo principal representante foi Guy Debord. Além disso, irá conhecer as características da sociedade do espetáculo discutidas por esse teórico francês. Os estudos franceses dos meios de comunicação Os estudiosos franceses têm exercido, desde que se discute a construção de um possível “campo da comunicação”, considerável influência nas pesquisas TC_U3_C14.indd 213 10/11/2017 15:19:27 dessa área. Conforme Machado da Silva (2013b), temas como cultura de massa, indústria cultural, mídia, comunicação, entre muitos outros, estiveram sob a preocupação e foram do interesse de muitos dos intelectuais da França. Há, além de vários autores, uma diversidade de perspectivas teóricas por eles priorizadas. Isso torna mais difícil a tarefa de delimitar e sistematizar quais são os estudos franceses da comunicação. Além disso, há muitas disputas sobre esse campo, conforme cita Sousa (2006), pois alguns, como Pierre Bordieu, reivindicam que ele pertence às suas próprias áreas de pesquisa. Não existe, assim, devido à heterogeneidade de autores, uma “escola fran- cesa de comunicação” (SILVA, 2013b). E, para entender um pouco o motivo de não haver uma “homogeneização” nesses estudos, é só você olhar para quem são os intelectuais franceses que marcaram os estudos desse campo. Estes são alguns deles: Pierre Bourdieu, Edgar Morin, Paul Virilio, Michel Maffesoli, Jean Baudrillard, Guy Debord, Lucien Sfez, Jacques Derrida, Dominique Wolton, Pierre Lévy, Régis Debray. Há, no entanto, muitos ou- tros. Esses estudiosos, contudo, não se dedicaram especialmente ao campo da comunicação. Foram, e alguns ainda são, especialistas de suas áreas – da sociologia, da antropologia, da linguística, da filosofia, das ciências políticas, etc. –, participando do debate e da pesquisa de assuntos da “esfera pública”. Embora seja difícil demarcar o surgimento desses estudos na França, talvez se possa delimitar o início com o estruturalismo. Esse campo marcou con- sideravelmente o pensamento francês, em especial com as figuras de Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes. Para Armand e Mattelart (1995, p. 49-52 apud SILVA, 2013b), foi em 1960, com o nascimento da revista Communications, que surgiu uma escola francesa de comunicação chamada de Centro de Estudos de Comunicação de Massa (CECMAS). Dela fizeram parte, além de Barthes, Georges Friedmann e Edgar Morin. Este último, inclusive, foi um dos pionei- ros do pensamento francês na área de comunicação (SOUSA, 2006), dando início a uma tradição de estudos chamada de teoria culturológica. Segundo Wolf (1999), essa abordagem se caracteriza fundamentalmente por estudar a cultura de massa a partir da perspectiva antropológica. Esta coloca em relação o consumidor e o objeto que está sendo consumido. Em outras palavras, o que a teoria culturológica destaca é a presença de uma cultura nova – e, aqui, é importante você perceber que ela se contrapõe à teoria crítica quanto à ca- racterização da cultura de massa como “inferior” a uma dita “superior”/“alta cultura”. Ora, a cultura de massa não se diferencia da tradicional, como se fosse possível determinar os elementos daquela e desta última. Ao contrário, a cultura de massa não é autônoma e, assim, se constitui como realidades policulturais. Essas realidades são formadas por elementos da cultura, da As contribuições da França para os estudos da comunicação214 TC_U3_C14.indd 214 10/11/2017 15:19:27 civilização e da história. Ou ainda: “[...] a cultura de massa forma um sistema de cultura, constituindo-se como um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens que dizem respeito quer à vida prática quer ao imaginário coletivo.” (WOLF, 1999, p. 101). Claude Lévi-Strauss (1908-2009) foi um antropólogo francês que deu origem aos estudos da antropologia estrutural e ao estruturalismo. Para esse estudioso, a socie- dade é formada por sistemas de relações ou estruturas, tais como as de parentesco, comunicação, troca comercial, etc. A semelhança nessas estruturas revelaria relações universais da mente humana. Nos seus famosos estudos sobre os mitos, Lévi-Strauss percebeu que esses relatos poderiam ser traduzidos para várias línguas, o que lhe permitiu compreendê-los como estando para além do discurso, da língua e da lin- guagem. Assim, um dos objetivos desse teórico era descobrir as estruturas universais mentais para entender como se estruturam a natureza humana, a cultura e a sociedade (SOUSA, 2006). Desse modo, como afirma Sousa (2006), Morin propõe dois métodos para estudar a cultura de massa: o da totalidade (o pesquisador analisa o fenômeno em interação com outros fenômenos) e o autocrítico (é preciso que o pesquisador se desnude de preconceitos antes de estudar o seu objeto). Ainda, Morin afirma que, mesmo que a indústria cultural padronize a produção de bens culturais, ela não impede a invenção e a criação, isto é, não impede que exista algum tipo de originalidade. Assim, a homogeneização de conteúdos ocorre por meio do que Morin chama de sincretismo. Este acontece, por exemplo, quando se faz a inclusão de novos elementos numa forma de contar uma história, história esta que não cessa de se repetir, mas que, mesmo na repetição, traz algo de novo (MORIN, 1962 apud SOUSA, 2006). Nos anos 1960, Guy Debord e Jean Baudrillard trazem análises que marcam o cenário de estudos da comunicação: aquele com a sociedade do espetáculo e, este último, com a sociedade do consumo. Enquanto Barthes coloca a possibilidade de libertação do indivíduo do poder dos Meios de Comunicação de Massa (MCM) pela inversão do processo de manipulação, Baudrillard, influenciado pelos campos da sociologia e da filosofia, acredita que a massa neutraliza os meios de comunicação pela indiferença. É importante você considerar que Barthes aplica os princípios de Saussure. Ele pensa os signos 215As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 215 10/11/2017 15:19:27 – os quais são formados por um significante (representação/expressão) e um significado (sentido/conteúdo) – em sociedade e nos meios de comunicação. Ainda nesse período, Debray desloca a sua discussão para o meio;e Sfez denuncia o tautismo (tautologia + autismo) do destinatário. Virilio destaca a compressão e a supressão do tempo e espaço, respectivamente causadas pelos MCM e pela eliminação da distância. Não haveria, portanto, nem mistério nem privacidade: o isolamento é dado a ser contiguidade. É importante você notar que Morin, diante dessa diversidade de estudos, permanece com a sua perspectiva antropológica sobre os estudos dos media. Além disso, além de complexificar a constituição da cultura de massa, relativiza a influência da mídia sobre os sujeitos, a tratando de forma recíproca. No ponto de vista dele, tanto a mídia como o mundo são continuamente influenciados (SILVA, 2013b). Por volta das décadas de 1960 e 1970, outro autor francês, chamado Abraham Moles, traz as suas preocupações em torno da sociodinâmica da cultura e da influência dos media sobre essa sociodinâmica. Para esse teórico, os modelos que explicam os fenômenos culturais são do mesmo tipo daqueles que explicam os físicos (SOUSA, 2006). Logo, se deve estudar a comunicação a partir da sua decomposição em atos comunicativos e, por conseguinte, na busca dos elementos comuns a todos eles. Uma das contribuições de destaque desse teórico se dá quanto ao estudo da comunicação de forma contextuali- zada. Isto é, ele propõe observar que o modelo em que funcionam os mass media é apenas um modelo numa rede de modelos comunicativos em uma dada sociedade. Outro ponto que merece atenção é o papel do emissor que elabora: tomando o modelo sociodinâmico entre mídia e cultura, ele apresenta a ideia do feedback. Por exemplo, o artista, desde a concepção de sua obra, está envolvido no processo de sua difusão, junto com outras obras de outros autores. Contudo, após a socialização da peça, a seleção dos meios para apresentá-la ao público e a difusão dela em um número de cópias, ele também é levado, diante dos resultados obtidos, a desenvolver novos processos de criação. Esses processos, por sua vez, não são livres, pois vale ressaltar que o artista tem de cumprir exigências da difusão e da recepção (MOLES, 1967, 1972, 1979 apud SOUSA, 2006). Com o advento da internet, Lévy aponta a superação da pirâmide co- municacional emissor-destinatário (um por todos) por um modelo que, com a morte do emissor, se caracteriza por todos com todos (todos-todos). Ora, quando todos passam a ser emissores, não há mais o “emissor” de fato. Disso, a comunicação deixa de ser “manipulação” e passa a ser (utopia, isto é, o não lugar da) mediação. No entanto, antes mesmo da explosão da internet, Maffesoli já se concentrava no meio em que se propagava a mensagem. Para As contribuições da França para os estudos da comunicação216 TC_U3_C14.indd 216 10/11/2017 15:19:27 ele, a imagem é uma espécie de totem que serve de contato e cimento social entre os espectadores (SILVA, 2013b). E o que há em comum entre alguns desses autores? Conforme Machado da Silva (2013b, p. 177), há entre Morin, Baudrillard e Maffesoli “[...] a descrença no mito do progresso linear impulsionado pelo racionalismo.”. Embora com abordagens diferentes, os três confluem para a mitigação do papel da mídia na construção da sociedade. Quanto aos papéis de emissor e receptor, os franceses acabam subvertendo a noção de passividade, inércia e linearidade na transmissão da mensagem dos primeiros estudos da pesquisa administrativa (mass communication research) de outrora. Para Lévy, não há emissor ou receptor, pois o indivíduo assume ambas as funções. Para Baudrillard, não há interlocutor, pois não há mais troca. Sfez traz um emissor-receptor-interlocutor lobotomizado. Já Virilio nota muita proximidade que só traz ruído. E Morin, por sua vez, apresenta níveis diferentes de emissão, recepção e interlocução. De maneira geral, os teóricos franceses beberam alguns princípios da Teoria Crítica, mas todos foram muito mais além. Bordieu, por exemplo, se desloca do campo estrutural de análise para investigar as relações de poder que marcam o cotidiano do jornalismo. Além disso, se dedica a compreender os mecanismos de influência que o campo jornalístico exerce nos jornalistas e em outros campos sociais, como cultural, artístico, político, etc. Esse estudioso também enfatiza a circularidade da informação, pois afirma que a mídia fala de si mesma, se pauta por outros veículos de comunicação e saiu do acontecimento para cultuar personalidades. Sobre a TV fechada, Wolton inverte o que comumente se pensa sobre novas opções de programas dados aos espectadores: ela é um gueto, e a televisão aberta é o último reduto da democracia de massa. Você pode observar, assim, que entre esses estudiosos e as questões colocadas há uma heterogeneidade de perspectivas, indagações, provocações e pensamentos que contribui muito mais para constituir um campo multi e transdisciplinar da comunicação do que para fragmentá-lo. Logo, embora as perspectivas comunicacionais francesas atuais sejam vinculadas a diversas áreas teóricas, Machado da Silva (2013b) afirma que há uma problematização mais específica que permite classificá-las em três eixos: (1) a comunicação como fenômeno de dominação (Bourdieu, Sfez e Virilio), (2) a comunicação como fenômeno extremo (Baudrillard) e (3) a comunicação como vínculo 217As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 217 10/11/2017 15:19:27 social complexo (Maffesoli, Lévy e Wolton). Ainda, é preciso que você saiba que esses estudiosos pensam mais como intelectuais que como cientistas. Por fim, as contribuições que cada um traz para os estudos dos meios de comunicação permitem uma maior aproximação com a complexidade da comunicação, evitando reduzi-la a partir de soluções e métodos simples de análise. Tautismo é um neologismo criado por Lucien Sfez para indicar um processo de comunicação sem personagens em que só se considera o próprio veículo. A comu- nicação, assim, funciona como seu próprio objeto, gerando autismo e tautologia. A expressão deriva da combinação das palavras tauto (oriunda do grego, significa o mesmo) e autos (também do grego, si mesmo). No tautismo, o veículo passaria a fechar-se em si mesmo, ocasionando uma circularidade de informações que fazem um princípio de autorreferência. A esse respeito, Ferreira (2013) descreve quatro casos em que a veiculação de notícias e programas da Rede Globo mostra que essa emissora, além de exercitar constantemente a metalinguagem no seu discurso – tal como faz em Vídeo Show –, representa notícias e assuntos pautados pelos seus programas por meio de sua própria forma de expressar o conteúdo, como pelas novelas e pelos autores que delas fazem parte. A comunicação como fenômeno de dominação Entre os estudiosos que tratam a comunicação por meio da perspectiva da dominação, pode-se destacar Pierre Bourdieu (1930-2002). Esse possível destaque não se dá pelas reflexões “diretas” que ele trouxe para os estudos dos meios de comunicação. Afinal, como afirmou Barros Filho (2008), esse tema foi basicamente tratado em Televisão, obra que apresenta pouco rigor e profundidade no assunto. No entanto, o que coloca o francês nesse espaço de relativo destaque são as ferramentas oferecidas por ele para estudar a mídia. Entre elas, está a noção da violência simbólica que se expressa na interiorização de uma determinada cultura (de um dado sistema simbólico). Essa violência se dá quando as relações são reproduzidas de tal forma que as situações de dominação não se tornam visíveis. Deixando de ser visibilizadas, elas parecem ser naturais e inevitáveis. A mídia é um exemplo de instituição que exerce tal violência. As contribuições da França para os estudos da comunicação218 TC_U3_C14.indd 218 10/11/2017 15:19:27 Para Bourdieu (apud BARROS FILHO, 2008), o gosto, o qual leva as pessoas ao consumo midiático, tem origem social. O mesmo ocorre com a produção midiática. O consumo e a produção midiática, então, são problemas, constituem sociologia(s)e fazem parte da forma como se observa o mundo. O intelectual francês adiciona ainda o seguinte: a produção e o consumo midiático não só são sociais, mas tais atividades também discriminam, hie- rarquizam e classificam agentes e consumidores. Logo, “[...] o consumo de mídia é [...] objeto de distinção social.” (BARROS FILHO, 2008). A esse respeito, é importante apontar a existência de uma relação de for- ças que estrutura o espaço da comunicação, muitas vezes objetivada em uma relação de valores. Ora, os espaços e as atividades que fazem parte da sociedade buscam ser aceitos e reconhecidos de forma legítima. Há, assim, a demanda por produtos e as manifestações dos espectadores. Nesse jogo, se tenta de tudo para dominar essas posições. Por exemplo, de um lado, há os meios dominantes que, por já estarem ocupando esse papel (por exemplo, a Rede Globo), procuram conservar essa representação ou esse status quo midiático. De outro lado, outros veículos, mais periféricos (por exemplo, a TV Cultura), ocupando espaços mais “marginais”, tentam a subversão dessa ordem para serem reconhecidos também como importantes. Essa subversão, contudo, pode se dar a partir de uma condição imposta (e implícita) pelos próprios meios dominantes, os quais, pelo lugar que ocupam, atribuem tipos específicos de produção midiática. Logo, o produto e o consumo midiático formam um conjunto de “pré-construções” naturalizadas e, por assim o serem, ignoradas pelos espectadores no seu dia a dia. Na perspectiva da dominação, é importante você considerar que a própria comunica- ção ou o discurso jornalístico não é pautado pelos ideais de transparência, objetividade e neutralidade, muito embora alguns tentem se apegar a esses critérios. Ademais, os métodos de investigação empregados pelos críticos – como os de classificação de audiência – estão envolvidos nesse processo de disputa e dominação. Os agentes do campo jornalístico e as suas produções, além dos seus críticos, fazem parte, assim, de um jogo que envolve ideologias, interesses e desejos, apesar de muitas vezes parecerem guiados por discursos idealistas. 219As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 219 10/11/2017 15:19:27 A comunicação como fenômeno extremo Jean Baudrillard (1929-2007) é o teórico que se destaca nessa vertente. Dotado de um discurso pessimista, cético e irônico, esse intelectual francês analisa numerosos temas, tais como os meios de comunicação de massa, as mortes das utopias, a era pós-moderna e da tecnologia, as massas indiferentes, os fenômenos extremos, entre muitos outros. Para Baudrillard (SILVA, 2013a), a história está aquém e além do fim: a turbulência, o perverso, deslocou o mundo real para o virtual. Desse modo, não há mais espaço para a representação da realidade por meio de um modelo linear. Tal caracterização está esgotada. É por isso que hoje se vive na era dos extremos. Nessa era, o telespectador é refratário à mensagem, pois neutraliza a te- levisão pela sua própria inércia. É nesse sentido que o escritor elabora a imagem antropológica do século XX, que é a de um homem em um dia de greve sentado diante de sua TV fora do ar (sem funcionar). Ou seja, a TV acaba por converter, de fato (sic), o homem em um observador e ser passivo. Ela é, enfatiza Baudrillard, um mecanismo, entre muitos outros, que constrói o simulacro da realidade. Ora, as pessoas estão cada vez mais guiadas e coladas às telas (do computador, do celular, do tablet). Isto é, se fixam na imagem e na sua virtualidade, logo estão mais distantes do real. Elas se afastam, assim, do acontecimento, da experiência da realidade. Observe a relevância e a atualidade do que expõe esse teórico: os meios de comunicação de massa não têm o papel mobilizador e reflexivo que se poderia atribuir a eles. Eles são parte da catástrofe da humanidade e todos contribuem para sua própria desgraça, pois, como ele afirma, “[...] cada um passa diante da câmera, em um ritual de psicodrama, para contar o seu caso, a sua crise, o desespero, a pequena história pessoal.” (SILVA, 2013a). Desse modo, a história das pessoas se assenta na indiferença, no desinte- resse. E isso não caracteriza o homem individualmente. “Ninguém é respon- sável individualmente por nada [...]”, afirma Baudrillard. O social, o político e o futuro estão, para ele, em decadência. A técnica se tornou o elemento dominante. Com a prevalência dela, o pensamento, os sentidos e as percepções do sujeito se tornam irrelevantes ou impotentes. Tudo é realidade tecnológica, pois está realizado virtualmente. Além disso, Baudrillard afirma que a lógica transformadora, progressiva ao infinito, a qual é uma das máximas da sociedade contemporânea, conduz à catástrofe. Em outras palavras, as pessoas querem sempre modificar a ordem das coisas, a ordem do mundo, para atingir uma forma superior de existência. Essa busca da perfeição é, para esse filósofo, uma forma de mutilar o caos e assegurar a hegemonia da razão. As contribuições da França para os estudos da comunicação220 TC_U3_C14.indd 220 10/11/2017 15:19:27 Também vale a pena refletir sobre o que Baudrillard discute a respeito do virtual, que é fundante para se entender os meios de comunicação na atualidade. Em primeiro lugar, ele se contrapõe ao que defende Lévy sobre o fenômeno das tecnologias como uma nova forma de democracia. Em segundo, o virtual é caracterizado como o último estágio da simulação hiper-racional do mundo. De outro modo, tudo é virtual e real ao mesmo tempo e faz parte dessa hiper-realidade: “O virtual é a passagem total a uma realidade absoluta, uma forma de perfeição operacional do mundo, válida para os meios de comunicação de massa, mas não só, e que põe fim à realidade ou à ilusão do referencial e do sensível.” (SILVA, 2013a). A partir do que expõe o autor, com a virtualidade realizada no real, ou o real virtualizado, isto é, o virtual se tornando o próprio real, se põe um fim ao que é real e sensível. Isso se dá porque o processo de virtualização é um delírio, uma tentativa de escapar ao mesmo real que é marcado por angústia, medo, morte. A comunicação como vínculo social complexo Nessa terceira perspectiva dos estudos franceses, a comunicação é vista como um vínculo social. Um dos teóricos que nela se destaca é Pierre Lévy (1956). Com o advento da internet, novas formas de interação passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Embora elas ainda estejam em avanço, já é possível observar que, a cada dia que passa, há menos lugar para fronteiras, limites são dissolvidos e regras e modelos de interação – outrora fundamentais para se entender o fenômeno comunicativo, como o de um emissor para um receptor – são extrapolados diante de um espaço (ciberespaço) que permite a interação de todos por todos. É o ciberespaço, isto é, a interconexão mundial de computadores, que se torna o mais “novo” e onipresente meio de comu- nicação da atualidade. Para Lévy (apud FREITAS, 2014), a internet como um novo meio de co- municação gerou um conflito, uma vez que as pessoas passaram a lidar com novos padrões de interação social. A revolução contemporânea, no entanto, que faz parte da cibercultura, é apenas uma dimensão de uma “[...] transformação antropológica ampla [...]” (FREITAS, 2014). Nesse sentido, ainda se vive na “[...] infância da cibercultura [...]” (FREITAS, 2014) e novas modificações sociais estão por vir. A cibercultura é, assim, um movimento que gera novas formas de comunicação, tal como a interconexão generalizada, embora essa mesma interconexão comporte uma diversidade de sentidos que não dissolve a totalidade (FREITAS, 2014). É assim que Lévy caracteriza a cibercultura como “[...] a universalidade sem totalidade [...]” (FREITAS, 2014). 221As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 221 10/11/2017 15:19:27 No ciberespaço, as comunidades virtuais, isto é, os grupos de pessoas que se correspondem virtualmente,têm se sociabilizado com frequência por meio de redes de laços interpessoais, como as redes sociais. Tal forma de interação tem se constituído como uma nova forma de organização comunitária que apresenta estreita relação com os movimentos sociais e políticos que surgem na internet. Como afirma Freitas, a partir de Lévy, a internet possibilita ex- pressões de protestos, mobilização em torno de valores culturais, ações com o objetivo de mudar valores e significados, entre outros. A esse respeito, você pode considerar como exemplo as petições online. Observe que esse novo gênero do discurso tem efeito mobilizador entre as comunidades, ainda não mensurado devido à sua atualidade, mas cujas implicações já podem ser paulatinamente observadas. Você pode vê-las, por exemplo, na constituição da ética e da cidadania dos países, na vigilância de tratados e acordos inter- nacionais e na atividade social de engajamento ideológico que tem fins de modificar códigos, padrões e regras institucionais. A internet se caracteriza, para Lévy, como uma cooperativa de interação social complexa entre os seus participantes. Não há um centro de comando, mas um espaço de interatividade em que todos podem solicitar informação e expressar a sua opinião. Por outro lado, esse meio de conexão não é um espaço necessariamente mais favorável, por assim dizer, de expressar princípios de igualdade e/ou igualdade. O que a internet proporciona e potencializa é a sociabilidade, cujos espaços de sociabilização e comunicação passam a ser profundamente modificados. E, enquanto diferentes tecnologias comunica- cionais continuarem surgindo, modificações estarão ainda por vir. A internet e os novos meios comunicacionais são formas de pensamento coletivo e de acessar distintas fontes de conhecimento, atividades que aceleram a transformação das sociedades. Todavia, essa transformação, é importante apontar, conforme afirma Freitas (2014), envolve uma relação íntima entre o desenvolvimento de formas de comunicação, o progresso da democracia e a modificação do homem. É preciso, assim, ao pensar nessas ferramentas tecnológicas comunicacionais, refletir sobre a interação dessas tendências. As contribuições da França para os estudos da comunicação222 TC_U3_C14.indd 222 10/11/2017 15:19:28 A Internacional Situacionista O grupo Internacional Situacionista (IS) surgiu em 1957 e se manteve até os primeiros anos da década de 1970 (1957-1972). Fundado por Guy De- bord (1931-1994), esse movimento transnacional era composto por artistas e intelectuais ou teóricos, mais especificamente por ex-membros de grupos vanguardistas da França, da Inglaterra e da Itália. Em outras palavras, a IS foi uma organização cultural revolucionária que descendeu diretamente do dadaísmo e do surrealismo (MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE BARCELONA, 1996). É importante você saber que Debord foi um escritor, filósofo e sociólogo francês que participou de vários movimentos políticos e sociais além da IS, tais como a Internacional Letrista e o Maio de 68. Como outros movimentos de vanguarda, a IS atuava entre os limites da arte e da política. Entre os objetivos do movimento, você pode considerar estes: derrubar a classe alta, a qual era vista como opressiva, e lutar contra o controle capitalista ou a ideologia ocidental. É importante destacar que os trabalhos e projetos desse grupo tiveram importante influência na cultura e na política europeias desde os anos 1960, permanecendo ainda relevantes. Isso ocorreu em virtude do foco na mistura de culturas e políticas e na defesa do espaço público como um lugar de criação cultural e ação política (MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE BARCELONA, 1996). Observe o que afirmou Debord (1957, tradução nossa) no início da constru- ção do movimento no documento intitulado Revolução e Contrarrevolução na Cultura Moderna (Revolution and Counter-revolution in Modern Culture): Primeiramente, pensamos que o mundo deverá ser mudado. Queremos a mudança mais libertadora da sociedade e da vida, na qual nos encontramos confinados (...) A “cultura” de uma sociedade reflete e prefigura as formas possíveis de organizar a vida. Nossa era é caracterizada pelo atraso da ação política revolucionária por trás do desenvolvimento das modernas possi- bilidades de produção que exigem uma organização superior do mundo. 223As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 223 10/11/2017 15:19:28 Conforme mostra esse trecho introdutório, Debord (1957) manifesta o desejo social e político de liberdade por meio de ações que dizem respeito às formas com as quais se organiza a vida. Esse é o seu impulso de combate, pois essas formas dizem respeito majoritariamente à cultura, às relações de trabalho, às opressões do capitalismo, à ideologia dominante, etc. Tais críticas marcam muitas de suas publicações, entre elas A sociedade do espetáculo (DEBORD, 2003), que você verá a seguir. Por fim, os artistas e intelectuais da IS desafiaram as convenções culturais da época, enquanto promoviam novas formas de ações revolucionárias. No entanto, diferentemente dos movimentos antecessores, a Internacional Situacionista chegou muito perto de atingir o seu objetivo de unir arte e revolução. Isso pode ser notado nos eventos liderados por seus representantes em maio de 68, na França, e nas suas influências sobre as correntes utópicas radicais pela Europa até por volta de 1972 (MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE BARCELONA, 1996). Uma das reivindicações da Internacional Situacionista era retomar o caráter lúdico das cidades modernas. Os integrantes desse movimento, os quais eram críticos do urbanismo moderno por meio do Urbanismo Unitário (UU), propunham novas maneiras de perceber a arte, a arquitetura e o urbanismo. Desejavam fazer isso de uma forma que lhes fosse possível devolver a dimensão do jogo ou o tom lúdico, (re) aproximando-o da vida cotidiana das cidades. Para os situacionistas, o ato de jogar era uma atividade que estava relacionada a perceber, vivenciar e construir cidades. É importante você notar que a necessidade da articulação do jogo à vida urbana não dizia respeito aos lazeres vendidos pela indústria cultural burguesa. “A televisão, os passeios de carro, o turismo, tudo isso são, para os situacionistas, objetos ‘alienadores’, que deveriam ser combatidos em seu estado atual, por estarem vinculados à espetacularização da vida pela mass media.” (DIAS, 2007, grifo da autora). As formas propostas de lazer não eram, portanto, as formas tradicionais. Em síntese, se pontuava a necessidade de repensá-las. Os integrantes da IS buscavam novos meios de diversão na cidade, que incluíssem as pessoas de forma ativa, e não como espectadoras, para que elas pudessem vivenciar o jogo urbano. Fonte: Dias (2007). A sociedade do espetáculo O texto A sociedade do espetáculo, de Debord, permanece hoje como um dos trabalhos teóricos mais importantes que versam sobre a modernidade, As contribuições da França para os estudos da comunicação224 TC_U3_C14.indd 224 10/11/2017 15:19:28 o imperialismo cultural e o papel dos meios de comunicação nas relações sociais (SITUATIONIST INTERNATIONAL, c2017). Logo na introdução da obra, o autor aponta três aspectos que se destacam em sua análise, tais como: a negação da vida, pois esta se tornou somente o visível; a perda da qualidade da vida, pois ela está ligada à forma de mercadoria (a mercadoria é o espetáculo); e a proletarização do mundo. Em seguida, o autor divide a obra em nove partes: a primeira é intitulada “a separação consolidada”; a segunda, “a mercadoria como espetáculo”; a terceira, “unidade e divisão na aparência”; a quarta, “o proletariado como sujeito e como representação”; a quinta, “tempo e história”; a sexta, “o tempo espetacular”; a sétima, “a ordenação do território”; a oitava, “a negação e o consumo na cultura”; e, por fim, a nona, “a ideologia materializada” (DEBORD, 2003). Você pode, de antemão, já observara quantidade de aspectos que o autor levanta para tecer suas críticas sobre a sociedade do consumo e o capitalismo. Todavia, aqui você vai conhecer os mais relevantes para sua reflexão. Para Debord (2003), é a fusão e a inserção do mundo em um mesmo “bloco” que garantem o espetáculo. Nessa crítica – a tal globalização –, ele acrescenta que a acumulação de espetáculos se dá nas sociedades marcadas pela divisão social de classes, caracterizadas também pela produção mercadológica em série, pois o privilégio é para a (venda da) cópia e a (venda da) ilusão. Desse modo, a vida se perde diante da difusão de tantas imagens desconexas da vida comum, realmente vivida. O cimento social desse bloco é o próprio es- petáculo: “[...] o espetáculo é, ao mesmo tempo, parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação.” (DEBORD, 2003, p. 14). Com essa afirmação, o teórico francês instiga uma reflexão sobre as próprias relações entre as pessoas. Ora, se tudo está midiatizado e se a espetacularização é um fenômeno midiático, as relações entre as pessoas são marcadas pelo signo do espetáculo. A realidade surge no espetáculo e este, portanto, surge no real. O espetáculo, conforme o autor francês, é a principal forma de produção da sociedade. E quem é a sua grande produtora? Embora o autor não fale diretamente, se sabe que é a indústria cultural, alimentando a ideologia da sociedade capitalista, que submete os homens à espetacularização. O homem, dominado pela economia, passa a viver o processo de fetichização: a vida social provocou a substituição do ser pelo ter. O espetáculo se realiza pelo princípio de fetichismo na mercadoria. Nisso, a vida individual, de cada um, passa a ser também social; pois quem não busca o poder social? O olhar ou os olhares outros e dos outros? Acorrentado aos espetáculos, aos desejos resguardados pelo maquinário cultural, às ilusões vendidas em cada anúncio comercial, o homem está “guardado” pelo espetáculo; e o espetáculo se torna 225As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 225 10/11/2017 15:19:28 o guardião do seu sono. O fenômeno das redes sociais só continua a corroborar o que Debord já expunha no século passado. Será que o homem moderno esqueceu (ou pouco tem consciência de) que, ao transformar sua vida em mercadoria, ele passa a se separar da sua própria vida? Debord (2003, p. 25-27) afirma que “[...] o espetáculo na sociedade representa concretamente uma fábrica de alienação [...]”; e ainda: “[...] no espetáculo, uma parte do mundo representa-se perante o mundo, e lhe é su- perior.” A partir da segunda revolução industrial, se passou a ter o consumo alienado como um dever diante da produção alienada. Ora, no passado, a mercadoria era um excedente de sobrevivência. Com o crescimento econômico e o alargamento das relações mercantis, o trabalho humano se transforma em trabalho-mercadoria (assalariado). Trabalho-mercadoria porque mais se trabalha para mais se consumir. Só que o consumo não paga o trabalho, ou ainda o contrário, o trabalho não paga o consumo. É a tal da alienação que tão bem explicou Marx em O Capital. No sistema capitalista, o consumo é a própria privação enriquecida: quanto mais se consome, mais se quer consumir. Além disso, a mercadoria tinha no passado um propósito diferente: ela era caracterizada pelo seu uso, ou seja, seu valor era concreto. No entanto, na sociedade do espetáculo, a mercadoria se torna a ilusão do real. Isso ocorre pois se volta efetivamente para atender à satisfação humana: esta é um valor relacionado à sua representação não mais concreta, porém abstrata. É notável que a própria insatisfação também se tornou objeto de consumo: ela é o motor de boa parte das vendas das propagandas de roupas voltadas para o público feminino. Veja bem o seguinte: não é só o ter aquele objeto que vai oferecer um valor supostamente estético de beleza; é também a própria insatisfação do ego que abre as portas para receber a mensagem do discurso propagandístico. A felicidade e a satisfação estão no consumo. É isso que se ouve constantemente. O sujeito então é pego no atravessamento desse discurso e se sente “obrigado” a adotar uma aparência ou um estilo de vida que lhe permita sentir a “satisfação” prometida, aquela que não tinha. Segundo Debord, um aspecto interessante sobre o espetáculo é a sua fragmentação, embora ele pareça ser unificante e totalizador. A esse res- peito, existe o espetáculo concentrado, que é o englobado pela comunidade burocrática. Esta determina, por meio das formas de vigilância e polícia, que direções as pessoas devem adotar nas suas vidas. Além desse tipo de espetáculo, há o difuso. Este acompanha a abundância de mercadorias. Esse espetáculo diariamente dá acesso a um imenso catálogo de objetos diversos que, se adquiridos, trarão felicidades várias. É aí que se notam as necessi- dades criadas por esses mesmos objetos, não é mesmo? Talvez sim. Talvez As contribuições da França para os estudos da comunicação226 TC_U3_C14.indd 226 10/11/2017 15:19:28 não. Essas necessidades, ou “pseudonecessidades”, como chama Debord, são sutilmente produzidas e retroalimentadas para nunca serem satisfeitas. São necessidades fabricadas pelo espetáculo. Contudo, o que acontece quando se adere ao espetáculo e se adquire o produto? Sua máscara cai. O prestígio do produto no espetáculo se torna vulgar, comum, no instante em que entra na cena individual, na cena da vida de cada um. Com a sua queda, se revela a pobreza do seu valor e a necessidade ainda latente se liga a outro objeto que passa a ser alvo de desejo de consumo. Com o trabalho-mercadoria (assalariado), o tempo ganha outra dimensão. Ele se torna irreversível e unificado mundialmente. O tempo é o da produção econômica, isto é, do mercado mundial, que se manifesta em todo o globo por meio da mesma unidade: dia, semana, mês, ano. Essa universalização do tempo a partir da produtividade do trabalho do homem não significa mais do que interesses daqueles que assim o constituíram, pois o tempo, como ordem do desenvolvimento humano, é perdido. O que sobrou é o tempo-mercadoria, tempo-mercadológico, tempo-consumível. Baseado na quantidade, e não mais na qualidade, o tempo pseudo-cíclico – porque o tempo das antigas civilizações era cíclico, mas não o era baseado na abundância – regula a produção e o trabalho do homem no cotidiano. Submetido a essa dimensão temporal produtiva, surgem novas combinações: férias, repouso, dias e horas de trabalho, etc. E aqui novamente se manifesta o espetáculo: as férias, o lazer, o ócio se apresentam como imagens distantes e desejáveis cuja chegada o sujeito espera ansiosamente. Além da alteração do tempo, a produção capitalista modificou o espaço: este passa a ser unificado. Dessa forma, são dissolvidas a autonomia e a qualidade dos lugares. As pessoas passam a conviver em espaços geograficamente menos distantes uns dos outros – mitigação da distância, que também é facilitada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação –, mas a distância interior é ampliada. E o que dizer dessa reflexão de Debord (2003) para a atualidade? Até a organização urbanística das cidades se volta para o consumo e para o turismo. Os espaços modernos são “pasteurizados”, ou seja, economicamente ordenados para o consumo. Por fim, outro aspecto relevante trazido por Debord diz respeito à cultura. Conforme o autor, nas sociedades marcadas pelos mitos, a cultura representava 227As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 227 10/11/2017 15:19:28 as vivências e os conhecimentos. Hoje a cultura se faz presente em uma luta da tradição contra a inovação. Logo, o consumo da sociedade do espetáculo preserva a “antiga” cultura congelada, que é repetida, reproduzida em série, quantificada e banalizada. A arte, nessa perspectiva, se torna autocontem- plativa, pois reduzida também a mercadoria; a cultura, portanto, éum grande produto mercadológico. Algumas considerações finais sobre a sociedade do espetáculo De maneira geral, Debord (2003 apud CORDEIRO, 2011) explica em sua obra que a vida social moderna, caracterizada não só pela busca indiscriminada do novo (na repetição), tem sido responsável pela contínua modificação das interações humanas, impelidas ao consumismo universal. Essas modificações dizem respeito à ideologia dominante da sociedade capitalista, a qual visa ao lucro pelo lucro. Assim, objetos, assuntos, discursos, palavras, sentimentos e atitudes são transformados em produtos, comercializados e banalizados pela mídia. Você certamente percebeu que a obra de Debord permanece moderna, pós-moderna ou muito mais que pós-moderna, em virtude da leitura crítica e ácida que ele faz da sociedade. Afinal, o século de Guy Debord não parece ser tão diferente do atual. Hoje, há uma acentuação das características que ele já havia outrora mapeado, tais como: a unificação do mundo em torno de um mercado capitalista hegemônico, a transformação do ser em ter (fetichi- zação), a mercadoria como espetáculo, o fascínio das aparências artificiais (que alimenta impulsos, desejos e ilusões) e o poder da imagem sobre boa parte da população, a qual cumpre em sua maioria o papel como espectadora. Por fim, há um comentário curioso a se fazer. Após a dissolução da In- ternacional Situacionista, Debord foi implicado tangencialmente no assas- sinato do seu amigo e editor Gérard Lebovic. As acusações o enfureceram e, consequentemente, ele foi proibido de mostrar os seus filmes na França durante a sua vida. No entanto, Debord continuou escrevendo e, em 1989, ele publicou Comentários sobre a sociedade do espetáculo (Commentaires on the Society of the Spetacle), argumentando que tudo que havia escrito em 1967 era verdade, com apenas uma única exceção: a sociedade do espetáculo havia alcançado um novo formato, que ele chamou de espetáculo integrado (SITUATIONIST INTERNATIONAL, c2017). Seria esse o prospecto da sociedade atual, dominada pelas invasões da esfera pública midiática na esfera privada, tais como as notadas pelas redes sociais? As contribuições da França para os estudos da comunicação228 TC_U3_C14.indd 228 10/11/2017 15:19:28 Em dezembro de 1994, com 62 anos, Debord cometeu suicídio. A imprensa francesa, a qual havia repudiado veemente o movimento da IS, de repente fez dele uma celebridade (SITUATIONIST INTERNATIONAL, c2017). Parece que nem o próprio Debord conseguiu escapar do espetáculo que ele havia tanto condenado. Confira no link ou no código (FILOSOFIA EM VÍDEO, 2015) a seguir o documentário A sociedade do espe- táculo, produzido em 1973 pelo próprio Guy Debord, que é autor do livro homônimo, publicado anterior- mente (datado de 1967): https://goo.gl/hQK8so 1. Marque a alternativa correta a respeito dos estudos franceses dos meios de comunicação. a) Pode-se afirmar que existe uma escola francesa de comunicação, a qual é formada por uma grande quantidade de teóricos. b) Pode-se afirmar que os teóricos franceses são especialistas da área da comunicação. c) Pode-se afirmar que o estruturalismo foi um dos campos que demarcou e influenciou o início dos estudos franceses dos meios de comunicação. d) Pode-se afirmar que a teoria culturológica, introduzida por Roland Barthes, parte do pressuposto de que a cultura de massa é caracterizada como inferior e popular. e) Pode-se afirmar que Jean Baudrillard, um dos estudiosos franceses dos meios de comunicação, reflete sobre a possibilidade de libertação dos sujeitos por meio da inversão do processo de manipulação dos meios de comunicação. 2. Marque a alternativa correta a respeito dos teóricos franceses dos meios de comunicação e das questões por eles estudadas. a) Pierre Lévy estuda a pirâmide comunicacional emissor- destinatário a partir da 229As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 229 10/11/2017 15:19:28 https://goo.gl/hQK8so perspectiva que mitiga o papel do emissor na comunicação. b) Jean Baudrillard estuda a sociedade do espetáculo a partir de elementos da antropologia. c) Abraham Moles estuda a sociodinâmica da cultura por meio de uma perspectiva que prioriza o estudo da comunicação de forma contextualizada. d) Edgar Morin estuda a cultura de massa a partir da perspectiva da teoria crítica. e) Michel Maffesoli estuda a sociedade do consumo por meio das imagens espetacularizadas que denunciam o capitalismo. 3. “Na década de 1960, Guy Debord e os demais militantes políticos e culturais aglutinados em torno da Internacional Situacionista destacaram-se pela capacidade de influenciar um dos mais importantes movimentos sociais do século 20, que contou com a participação de milhões de estudantes e operários e entrou para a história como o movimento de maio de 1968.” (COELHO, 2011, documento on-line). A respeito da Internacional Situacionista, marque a alternativa correta. a) A Internacional Situacionista foi um movimento transnacional que buscava corroborar a ideologia da sociedade capitalista. b) A Internacional Situacionista conseguiu atingir o objetivo de unir arte e política. c) A Internacional Situacionista tinha por objetivo derrubar as classes sociais e lutar a favor da burguesia. d) A Internacional Situacionista foi um movimento de vanguarda que influenciou os rumos da cultura e da política europeia. e) A Internacional Situacionista tinha por objetivo rearticular o espaço urbano ao lazer trazido pela indústria cultural. 4. Marque a alternativa correta a respeito das ideias discutidas por Guy Debord (2003) na obra A sociedade do espetáculo. a) Debord discute em sua obra que a transformação das relações sociais em espetáculos se dá em qualquer sociedade. b) Debord apresenta em sua obra um manifesto positivo às relações sociais espetacularizadas da vida moderna. c) Debord discute em sua obra que o problema do espetáculo se apresenta na sua difusão na vida comum dos indivíduos das classes mais baixas. d) Debord afirma em sua obra que o homem domina o processo econômico e a produção em série de mercadorias, o que ele chama de fetichização. e) Debord afirma em sua obra que o tempo ganha outro valor com as relações de produção no capitalismo e passa a ser o da produção econômica. 5. Leia a descrição da cena a seguir e, posteriormente, responda ao solicitado: “Na comunidade de Belo Monte, no sudoeste do Pará, os habitantes aguardam ansiosamente a chegada do Papa Francisco. Com o anúncio da sua chegada, uma multidão de pessoas, carregando crucifixos, símbolos religiosos As contribuições da França para os estudos da comunicação230 TC_U3_C14.indd 230 10/11/2017 15:19:29 e celulares, correm em direção ao papa móvel. A luta por um pequeno espaço para vislumbrar a representação máxima da Igreja Católica é acirrada. Quando o Papa abaixa o vidro do automóvel para cumprimentar as pessoas, só se escutam os cliques dos celulares. Clik, clik, clik. Duas jovens conseguem driblar a multidão e, ao chegarem junto da janela do automóvel papal, conseguem tirar uma maravilhosa selfie com o Papa Francisco.” Qual das características da sociedade do espetáculo (DEBORD, 2003) citadas a seguir podem caracterizar o fenômeno da selfie com o Papa Francisco? Marque a alternativa correta. a) Fetichismo da mercadoria. b) Tempo-mercadoria. c) Arte como mercadoria. d) Unificação do espaço. e) Fascínio das aparências artificiais. BARROS FILHO, C. A dinâmica dos meios de comunicação. Cult, São Paulo, v. 128, 2008. Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/a-dinamica-dos-meios- -de-comunicacao/>. Acesso em: 12 set. 2017. COELHO, C. N. P. Mídia e poder na sociedade do espetáculo. 3 jun. 2011. Disponível em: <http://as-portas-da-percepcao.blogspot.com.br/2011/>. Acesso em: 3 nov. 2017. CORDEIRO, R. Q. F. A construção discursiva dos eventos pelamídia: o processo de nomi- nação e a representação do discurso outro. 2011. Dissertação (Mestrado)–Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. Disponível em: <http://www.pgletras.com.br/ autores/diss2011-Rafaela-Queiroz-Cordeiro.html>. Acesso em: 23 mar. 2014. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. [S.l.]: eBooksBrasil.com, 2003. DEBORD, G. Report on the construction of situations and on the international situ- ationist tendency’s conditions of organization and action. Situationist International Online, Blacksburg, 1957. Disponível em: <http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/report. html>. Acesso em: 03 set. 2017. 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Acesso em: 18 out. 2017. 231As contribuições da França para os estudos da comunicação TC_U3_C14.indd 231 10/11/2017 15:19:29 https://revistacult.uol.com.br/home/a-dinamica-dos-meios- http://as-portas-da-percepcao.blogspot.com.br/2011/ http://www.pgletras.com.br/ http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/report. http://www.revispsi.uerj.br/v7n2/artigos/pdf/v7n2a06.pdf http://pensarcompulsivo.blogspot.ca/2013/05/o-espectro-do- https://www.youtube.com/watch?v=q0AJ66Rb- FREITAS, R. Sociabilidade, tecnologia da internet e comunicação. Observatório da Imprensa, 14 jan. 2014. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE BARCELONA. Situacionistas: arte, política, urbanismo. Barcelona: MACBA, 1996. Catálogo de exposição. Disponível em: <http:// www.macba.cat/en/catalogue-situacionistas>. Acesso em: 01 set. 2017. SILVA, J. M. Entrevistas marcantes: Baudrillard e o virtual. Porto Alegre: R7, 2013a. 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