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Diretora Rosely Boschini Gerente Editorial Marília Chaves Editora Carla Fortino Estagiária Natália Domene Alcaide Editora de Produção Editorial Rosângela de Araujo Pinheiro Barbosa Controle de Produção Karina Groschitz Tradução Sandra Martha Dolinsky Preparação Geisa Mathias de Oliveira Projeto Grá�co e Diagramação Osmane Garcia Filho Revisão Vero Verbo Serviços Editoriais Capa �iago de Barros Imagem de Capa U.S. Coast Guard Produção do e-book Schäffer Editorial Única é um selo da Editora Gente. Título original: THE FINEST HOURS. �e true story of the U. S. Coast Guard’s most daring sea rescue, by Michael J. Tougias and Casey Sherman. Copyright © 2009 by Casey Sherman and Michael Tougias Este livro foi negociado através de Ute Körner Literary Agent, Barcelona – www.uklitag.com e Books Crossing Borders, Inc. Todos os direitos desta edição são reservados à Editora Gente. Rua Pedro Soares de Almeida, 114, São Paulo, SP – CEP 05029-030 Telefone: (11) 3670-2500 Site: http://www.editoragente.com.br E-mail: gente@editoragente.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Tougias, Michael J. Horas decisivas : A história real do mais ousado resgate marítimo / Michael J. Tougias e Casey Sherman ; tradução de Sandra Martha Dolinsky. – São Paulo : Única, 2016. Bibliogra�a ISBN 978-85-67028-82-8 Título original: �e �nest hours 1. Naufrágios 2. Pendleton - Navios-tanques 3. Barcos salva-vidas I. Título II. Sherman, Casey III. Dolinsky, Sandra Martha 15-1071 http://www.studioschaffer.com/ http://www.editoragente.com.br/ mailto:gente@editoragente.com.br Índice para catálogo sistemático: 1. Naufrágios 910.452 À equipe de resgate, aos sobreviventes e àqueles que não conseguiram voltar a terra. sumário prólogo partes dos petroleiros e seus barcos de resgate parte i capítulo 1 Estação de Resgate de Chatham capítulo 2 O Pendleton capítulo 3 O Fort Mercer capítulo 4 “Não pode ser verdade” capítulo 5 “Você tem de pegar a 36500” capítulo 6 Chatham Bar capítulo 7 Mobilização em Chatham capítulo 8 “Ele veio à tona, boiando” capítulo 9 Perdendo as esperanças: na popa do Pendleton capítulo 10 Todos menos um: o resgate à popa do Pendleton capítulo 11 Trinta e seis homens em um barco de 36 pés capítulo 12 Pandemônio em Chatham parte ii capítulo 13 Emborca a proa do Mercer capítulo 14 Uma manobra memorável capítulo 15 Terça-feira na Estação de Chatham capítulo 16 Treze homens ainda a bordo capítulo 17 Buscas na proa do Pendleton parte iii capítulo 18 A investigação capítulo 19 Ser rotulado de herói pode ser um fardo capítulo 20 Problemas no petroleiro capítulo 21 Além do resgate capítulo 22 A restauração epílogo Eles já foram jovens apêndice agradecimentos bibliogra�a prólogo Orleans, Massachusetts Ela está situada no final de um longo píer de madeira, no porto de Harbor. Guerreiros de fim de semana conduzem reluzentes barcos de recreio com as geladeiras abastecidas, a caminho da baía de Cape Cod, sem lhe dirigir mais que um breve olhar. Quando você se aproxima do estacionamento, nota a grande placa do Registro Nacional de Lugares Históricos aparafusada a um poste de madeira, acima da doca. A placa oferece um indício sobre o passado dela e, em seguida, gentilmente, pede-lhe um pequeno tributo monetário. Você coloca um dólar ou dois em uma caixa de doação, segue até o fim do cais e desce uma prancha de metal. Enquanto desce, você pensa no que o levou até ali: uma história que parece maior que a vida. A expectativa aumenta à medida que você navega cuidadosamente a encosta íngreme, rumo à plataforma flutuante abaixo. De repente, você capta sua visão com o olho esquerdo. Para os desinformados, é uma visão impressionante. Ela tem apenas 36 pés de comprimento e parece quase um brinquedo em comparação com os barcos maiores no porto. A lancha é branca, reluzente, depois de ter sido cuidadosamente restaurada por uma competente equipe de voluntários. Perto da proa se lê seu nome em grandes letras pretas. Ela não carrega um apelido memorável, como o Can Do ou o Andrea Gail; de fato, ela nem tem nome. É chamada por sua classificação: cg36500. O cg significa que é um barco da Guarda Costeira; o 36 se refere a seu comprimento em pés, e 500 é o número de identificação atribuído a essa particular lancha de salvamento de 36 pés. Você pisa a bordo e, de repente, o barco parece ainda menor; atravessa a porta estreita, colocando um pé na frente do outro, com a mão firme no corrimão de madeira, para se equilibrar. Segue em direção ao abrigo do timoneiro e põe as mãos no leme, olhando fixamente através do para-brisa, e imagina como deve ter sido naquela noite fatídica. Contudo, por mais que tente, você não pode reproduzir as condições horríveis que fizeram dessa embarcação uma lenda. A brisa que você sente é leve; não é um vento feroz que bate em seu rosto e morde sua carne. O mar está calmo agora, não como naquela noite, tantos anos atrás, quando a água subiu, formando um muro de mar e sal de sete andares de altura. Seu devaneio é interrompido pela dura voz do novo capitão do barco. O timoneiro Peter Kennedy o chama para a cabine do sobrevivente, perto da proa da embarcação. Ele abre uma pequena escotilha e acena para que entre. Você desce uma escada curta e adentra suas catacumbas escuras. Tenta se ajustar ao pequeno espaço. Kennedy, um homem alto e em forma, de 1,90 metro, segue-o escada abaixo, rumo ao porão. A cabine foi construída para acomodar doze homens, mas com apenas duas pessoas já parece apertada e claustrofóbica. Você se senta e olha para todos os coletes salva-vidas preservados ali, pregados ao longo das paredes, e é quando se dá conta. Você se pergunta: Como este pequeno barco foi capaz de salvar tantas vidas? A resposta repousa não só no design da embarcação, mas também nos quatro corajosos jovens que o guiaram. partes dos petroleiros e seus barcos de resgate Popa do Pendleton Lancha de salvamento 36500 de 36 pés comandada por Bernie Webber Proa do Pendleton Guarda-costas McCulloch Lancha de salvamento 36383 de 36 pés comandada por Donald Bangs Proa do Fort Mercer Guarda-costas Yakutat Guarda-costas Unimak Lancha de salvamento de 36 pés (de Nantucket) comandada por Ralph Ormsby Popa do Fort Mercer Guarda-costas Acushnet Guarda-costas Eastwind Navio mercante Short Splice Caminho do resgate da cg36500. Os caminhos do Fort Mercer e do Pendleton, dos pontos onde os navios se partiram até os locais de resgate. p a r t e i capítulo 1 Estação de Resgate de Chatham O mar é mestre aqui — um tirano, até —, e nenhum povo além do nosso, que desceu para o mar em navios tantas vezes em tantas gerações, entende melhor o sutil ditado: “Nós conquistamos a natureza somente quando lhe obedecemos”. e. g. perry, 1898 Chatham, Massachusetts 18 de fevereiro de 1952 Bernie Webber, contramestre, segurava uma caneca de café quente em suas mãos grandes, enquanto olhava pela janela enevoada do refeitório. Aquele café não era tão ruim. Saíra de uma panela de três galões e fora feito da mistura de café com duas cascas de ovos, para ajudar a borra a se depositar no fundo. O filho do pastor protestante de Milton, Massachusetts, observava com crescente curiosidade e preocupação a tempestade que continuava a se fortalecer, do lado de fora. A tempestade Nor’easter do solstício de inverno havia parado a Nova Inglaterra nos últimos dois dias e Webber se perguntava se o pior ainda estaria por vir. Ele observava a neve varrida pelo vento dançando sobre as areias movediças e os grandes montes que se formavam ao lado da torre do farol, no jardim da frente da Estação de Resgate de Chatham. Ao mesmo tempo, dois faróis haviam sido erguidos ali; juntos, eram conhecidos como os Twin Lights de Chatham. Tudo que restava do segundo farol era a velhafundação, e, nessa manhã, estava completamente coberta de neve. Tomando um gole de café, Webber pensou em sua jovem esposa, Miriam, acamada com uma forte gripe, em sua casa de campo, em Sea View Street. E se houvesse uma emergência? E se ela precisasse de ajuda? O médico conseguiria chegar até ela nesse clima? As perguntas foram desgastando seus nervos e Webber lutava para tirá-las da cabeça. Tentou pensar nos pescadores locais, todos reunidos em volta do velho fogão a lenha, no píer de pesca de Chatham. Logo estariam pedindo sua ajuda, quando seus navios começassem a subir e descer sobre as ondas em Old Harbor, retesando suas linhas. Se a tempestade está tão ruim agora, como vai ser daqui a algumas horas, quando realmente começar?, pensou. Webber, contudo, não reclamaria do dia difícil que estava enfrentando. O contramestre tinha apenas 24 anos, mas já trabalhava no mar havia quase uma década, depois de ter servido no U.S. Maritime Service [Serviço Marítimo dos Estados Unidos] durante a Segunda Guerra Mundial. Três irmãos mais velhos de Webber também haviam servido na guerra. Paul, o mais velho, servira na 26ª Divisão do Exército, na Alemanha. A chamada Divisão Yankee lutara na Batalha do Bulge, junto com o Terceiro Exército do general George S. Patton, na captura da cidade fortificada de Metz. Bob, o segundo mais velho, ajudara a proteger a pátria na Guarda Costeira dos Estados Unidos. O terceiro, Bill, ajudara a construir a Alaska Highway como membro do Corpo de Transporte do Exército. Bernie havia seguido seu irmão Bob na Guarda Costeira, mas esse não era o tipo de vida que seus pais haviam planejado para ele. Desde a infância, o pai de Webber, pastor associado da Tremont Temple Church, em Boston, dirigira-o para uma vida no ministério. O diácono da igreja, inclusive, pagara para que Bernie cursasse a escola para meninos Mount Hermon, localizada a 170 quilômetros de distância, em Gill, Massa- chusetts — uma cidade pequena, que abraça o rio Connecticut. Fundada em 1879, a escola se vangloriava de ter tido alunos de prestígio, como DeWitt Wallace, fundador da Reader’s Digest, e James W. McLamore, criador do Burger King. Desnecessário dizer que Bernie era como um pária econômico entre a população da escola preparatória. Ele chegara a Mount Hermon carregando sérias dúvidas e usando roupas de segunda mão de seu irmão. Não era um bom aluno e questionava, em particular, por que estava ali. No fundo do coração, Webber sabia que não queria seguir os passos do pai. Pensava em fugir da escola quando o destino interveio: um amigo de infância que havia batido o carro do pai apareceu, à procura de um lugar para se esconder. Webber atendeu ao pedido de seu amigo, acolhendo-o em um dos dormitórios de estudantes e roubando comida do refeitório da escola para ele comer. Os dois foram pegos depois de alguns dias, mas não ficaram por ali tempo suficiente para enfrentar as consequências. Fugiram para as colinas e os campos de milho ao redor da escola e acabaram conseguindo voltar para Milton. O reverendo Bernard A. Webber se esforçou para compreender a atitude de seu tão jovem filho rebelde, Bernie, de sair da escola e continuar à deriva. Um ano depois, aos 16 anos, Bernie teve uma ideia que mudaria o curso de sua vida sem rumo. Ouvira dizer que o U.S. Maritime Service estava à procura de jovens como ele para treinamento, em Nova York. Se Bernie conseguisse completar o árduo treinamento de campo, poderia servir ao esforço de guerra em um navio mercante. Logo que seu pai, com relutância, assinou a papelada para o alistamento, Bernie rapidamente ingressou e foi educado nos fundamentos da marinharia na U.S. Maritime Service Training Station [Estação de Treinamento do Serviço Marítimo dos Estados Unidos], em Sheepshead Bay, Nova York, onde também recebeu treinamento do ex-campeão mundial de peso-pesado, Jack Dempsey, que então servia como comandante da Guarda Costeira e também como instrutor atlético na estação de treinamento. Quando concluiu o treinamento, Webber partiu no ss Sinclair Rubiline, um petroleiro t-2 que transportava gasolina dos portos em Aruba e Curaçao para os navios de guerra norte-americanos da Terceira Frota dos Estados Unidos, no Pacífico Sul. Durante esse tempo, o rapaz percebera que não passaria a vida no ministério ou em nenhum outro trabalho em terra. Bernie Webber havia nascido para o mar. Alistou-se na Guarda Costeira dos Estados Unidos em 26 de fevereiro de 1946 e foi enviado para sua estação de treinamento em Curtis Bay, Maryland. Em cartas aos recrutas da época, o comandante da estação de treinamento da Guarda Costeira resumiria a vida e o dever de um guarda costeiro da seguinte forma: Trabalhos difíceis são rotina neste serviço. De certa forma, a Guarda Costeira está sempre em guerra. Em tempos de guerra, contra os inimigos armados da nação; e em tempo de paz, contra todos os inimigos da humanidade no mar: fogo, abalroamento, ilegalidade, vendaval, gelo, naufrágio e muitos mais. A Guarda Costeira, portanto, não é lugar para desistentes, para um bebê chorão, para um trapaceiro ou para qualquer pessoa que não possa se concentrar no que está fazendo. O período de treinamento dos recrutas é um momento de teste, hora após hora e dia após dia, para determinar se são ou não feitos do material certo. Cabe a vocês, como indivíduos, provar seu valor. Webber servia então em Chatham, um pequeno posto avançado no cotovelo de Cape Cod. Seu valor e sua coragem já haviam sido testados várias vezes nas implacáveis águas dali. Era um dos lugares mais movimentados e mais perigosos para os que ganhavam a vida no mar. O diretor da U.S. Coast and Geodetic Survey [Centro de Pesquisas Geodésicas dos Estados Unidos] escreveu sobre esse lugar, em 1869: “Talvez não haja outro lugar no mundo onde marés de tão pequena elevação e queda sejam acompanhadas por correntes tão fortes”. De fato, marinheiros se referiam à área como “Cemitério do Atlântico”, e por um bom motivo. Os esqueletos submersos de mais de três mil embarcações estavam espalhados pelo fundo do oceano, de Chatham a Provincetown. O primeiro naufrágio conhecido foi o do Sparrowhawk, que encalhou em 17 de dezembro de 1626, em Orleans. A tripulação, junto com colonos com destino a Virgínia, conseguiu chegar à praia em segurança e o navio foi reparado. Contudo, antes que pudesse içar velas de novo, outra devastadora tempestade oceânica afundou o Sparrowhawk, definitivamente. O episódio foi detalhado pelo governador William Bradford, em seu diário de Plymouth Colony. Duzentos anos depois, a erosão trouxe os destroços à vista, em um banco de lama na costa de Orleans. O famoso hms Somerset também encontrou seu destino nas águas traiçoeiras de Cape Cod. O navio, imortalizado no poema de Longfellow, A cavalgada à meia-noite de Paul Revere, naufragou nos baixios de Truro durante um violento vendaval, em 3 de novembro de 1778. Vinte e um oficiais britânicos e marinheiros se afogaram quando o bote salva-vidas virou a caminho da costa. O capitão do navio, George Ourry, rendeu-se ao membro do conselho municipal de Truro, Isaiah Atkins, em nome de seus 480 tripulantes. Os sobreviventes foram levados como prisioneiros de guerra e, em seguida, marcharam até Boston, escoltados por milícias da cidade. (Paul Revere, que certa vez remara furtivamente à frente do Somerset para alertar Lexington e Concord da invasão britânica, mais tarde recebeu as 64 armas do navio para ajudar a fortificar Castle Island, no porto de Boston.) Como o escritor Henry C. Kittredge observou em Cape Cod: Its People & Their History (1930): “Se todos os destroços empilhados no fundo de Cape Cod fossem alinhados de proa a popa, formariam uma parede contínua de Chatham até Provincetown”. O batismo de fogo de Bernie Webber chegou durante uma noite de 1949, quando ele atendeu a seu primeiro chamado de socorro na Estação de Resgate de Chatham. O contratorpedeiro da Classe Gleavesuss Livermore havia encalhado no banco de areia de Bearse, além da ilha de Monomoy. A sorte navegara com o Livermore até esse ponto. Sua tripulação conseguira evitar as alcateias de submarinos nazistas, enquanto escoltava comboios para a Islândia com destino à Inglaterra, nos meses antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial. Em 9 de novembro de 1942, o contratorpedeiro participara da invasão aliada ao norte da África, fornecendo apoio antissubmarino, antiaéreo e poder de fogo fora de Mehdia, no Marrocos francês. O Livermore havia sobrevivido à guerra relativamente incólume, coisa que alguns membros de sua tripulação atribuíam ao fato de ter sido o primeiro navio de guerra norte-americano a receber o nome de um capelão da Marinha, Samuel Livermore. O contramestre Leo Gracie levara Webber e a tripulação em um barco patrulha de 36 pés sobre o traiçoeiro Chatham Bar, onde esperava encalhado o Livermore, com a tripulação da Reserva Naval a bordo. O navio descansava no alto do banco de areia e se in clinava perigosamente para o lado. Webber e os homens ficaram com o contratorpedeiro a noite toda, enquanto rebocadores de resgate eram chamados. Na manhã seguinte, os homens da Guarda Costeira ajudaram nas várias tentativas frustradas para libertar o navio de guerra, até que finalmente obtiveram sucesso e o Livermore seguiu caminho com segurança. Webber sorria enquanto a tripulação do Livermore aplaudia a ele e a sua equipe. Os marinheiros haviam lhes dado uma recepção bastante diferente horas antes, quando lhes atiraram maçãs, laranjas e até pesadas correntes de aço, porque, a seus olhos, a missão de resgate estava demorando demais. Isso tudo era parte de uma rivalidade amigável entre a Marinha e a Guarda Costeira. A tripulação da Reserva Naval ficara, sem dúvida, meio envergonhada quando o resgate chegou pelas mãos da Guarda Costeira — ou Hooligan’s Navy, como a chamavam. Sim, a vida de um membro da Guarda Costeira muitas vezes era ingrata, mas Webber não a trocaria por nenhum outro trabalho no mundo. E, nesse momento, logo após o amanhecer, ele olhava pela janela do refeitório, ouvia o uivo do vento e se perguntava o que o dia lhe reservava. capítulo 2 O Pendleton O Atlântico Norte era uma convulsão de fúria dos elementos açoitada pelo vento e pelo granizo; as grandes ondas batiam todas juntas e se combinavam em uma fervilhante e imensa confusão. O som dessa arrebentação de quilômetros era um rugido em expansão infinita, um fragor raivoso e terrível, tudo interligado com o alto grito do vento. henry beston O capitão John J. Fitzgerald Jr. era novo no ss Pendleton, mas conhecia a imprevisibilidade do tempo da Nova Inglaterra. Fitzgerald havia assumido o comando do petroleiro t-2 de 503 pés e 10 448 toneladas só um mês antes. Contudo, o homem de queixo protuberante, residente de Roslindale, Massachusetts, estava familiarizado com essas águas e tinha um respeito salutar pelos perigos do Atlântico Norte. Fitzgerald nascera no Brooklyn, Nova York, e era filho de um capitão do mar de Nova Escócia. O capitão do Pendleton havia seguido seu pai na Marinha Mercante e servira como capitão de petroleiro durante a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, pai e filho foram trabalhar na National Bulk, uma empresa de transporte marítimo fora de Nova York. O Pendleton havia partido de Baton Rouge, Louisiana, em 12 de fevereiro de 1952, com destino a Boston. O petroleiro transportava, do Texas, 122 mil barris de querosene e óleo para aquecimento doméstico; seus nove tanques de carga estavam totalmente cheios. Como a maioria das tripulações de petroleiros, os homens a bordo do Pendleton eram uma mistura de velhos amigos e totais estranhos. Era também um clássico caldeirão de raças, credos e cores. Alguns homens aproveitavam o tempo de inatividade para conhecer uns aos outros jogando baralho, enquanto outros não se interessavam em estabelecer laços estreitos com seus colegas de tripulação e se ofereciam para o máximo de turnos extras que pudessem, na esperança de ter a carteira cheia quando deixassem o navio. Havia sido uma viagem difícil para Fitzgerald e sua tripulação de quarenta homens, desde o início. O Pendleton havia atravessado forte tempestade em Cape Hatteras, Carolina do Norte, e o mau tempo o acompanhava como um presságio obscuro na viagem, subindo a costa. Nesse momento, cinco dias após a partida, a tripulação enfrentava seu maior desafio: uma nevasca que não dava nenhum sinal de enfraquecimento. Mais de vinte metros de neve já haviam caído na área de Boston, onde um exército de quinhentos trabalhadores da cidade utilizava duzentos caminhões e 35 carregadores de neve para limpar o centro da cidade e as estreitas ruas de Beacon Hill. South Shoré também estava levando uma surra de ondas enormes, que rasgavam um quebra- mar de quase nove metros de altura na cidade costeira de Scituate. Mais ao sul, em Cape Cod, mais de quatro mil telefones haviam sido nocauteados pelo gelo espesso e pela neve, que derrubara uma linha após a outra. Em Maine, fora ainda pior. Grande parte do norte da Nova Inglaterra estava enterrada debaixo de sessenta centímetros de neve molhada e pesada. Era a mais perigosa tempestade de inverno dos últimos anos. Mais de mil motoristas do Maine viram-se ilhados em estradas cobertas de neve, sob montes de mais de três metros de altura. Muitos ficaram presos dentro de seus veículos cerca de 36 horas, até que a ajuda chegasse. Uma corrida de raquete de neve tivera de ser cancelada em Lewiston, Maine, por causa de tanta precipitação! O Pendleton chegou aos arredores do porto de Boston no final da noite de domingo, 17 de fevereiro, e seu capitão, de 41 anos, estava ansioso para reencontrar a esposa, Margaret, e os quatro filhos; vários membros da tripulação também viviam na Nova Inglaterra e desejavam rever suas famílias. Contudo, os reencontros teriam de esperar, porque a visibilidade era fraca e o capitão Fitzgerald não podia ver a luz do farol de Boston através da neve ofuscante. Sem o farol para guiá-los, ele jamais arriscaria a vida de seus tripulantes entrando com o enorme petroleiro no porto de Boston e contornando as 34 ilhas que pontilhavam a área. De modo que Fitzgerald, sensatamente, ordenou que o Pendleton voltasse ao mar, onde o navio poderia enfrentar a tempestade esperando melhor visibilidade, antes de aportar. Perto da meia-noite, o Pendleton viu-se preso no meio de um verdadeiro vendaval, com ventos árticos que sopravam em todas as direções. Oliver Gendron havia acabado de jogar baralho com os rapazes da tripulação do motor. O intendente de navio, de 47 anos, de Chester, Pensilvânia, havia recolhido seus ganhos e estava prestes a voltar para seus aposentos, na proa do navio, quando seus amigos lhe imploraram que ficasse. As águas já atingiam a altura de pequenos edifícios, e aventurar-se lá fora podia significar ser varrido do navio para o mar gelado. Para retornar aos aposentos, Gendron teria de sair da popa e atravessar a passarela, que, nessa noite, seria especialmente traiçoeira. Ele concordou com os companheiros; era perigoso demais deixar a popa. De modo que subiu em um beliche e tentou dormir um pouco. Às quatro da manhã, o Pendleton, apesar de tentar manter sua posição na baía de Cape Cod, foi empurrado pelos ventos para a ponta de Provincetown, oceano adentro a leste de Cape Cod. Ondas monstruosas caíam sobre a popa, mas o navio estava navegando bem, e o capitão Fitzgerald não demonstrava medo nenhum pela segurança de seus homens. Nas duas horas seguintes isso mudaria. Por volta das 5h30, o engenheiro-chefe Raymond L. Sybert, de Norfolk, Virgínia, ordenou ao oficial que não permitisse que nenhum membro da tripulação atravessasse a passarela da proa à popa. Também diminuiu a velocidade do navio para apenas sete nós. Minutos depois, por volta das 5h50, um rugido estrepitoso ecoou pelas entranhas do navio. A tripulação sentiuo gigantesco petroleiro se erguer sobre o oceano turbulento. Seguiu-se um tremor e um estrondo ensurdecedor quando o Pendleton mergulhou de bico, segundos depois. Charles Bridges, um marinheiro de 18 anos, de Palm Beach, Flórida, estava dormindo em sua cama antes de o navio balançar e rachar, mas o som terrível o fez se levantar de um pulo. “Peguei minha calça, meus sapatos e um colete salva-vidas e corri para cima”, recorda Bridges. “Cheguei ao refeitório, onde alguns outros homens estavam reunidos. Não havia eletricidade e ainda estava escuro lá fora, de modo que era difícil saber o que estava acontecendo. Antes que alguém pudesse me deter, peguei uma lanterna e corri até a passarela para ver o que o pessoal estava fazendo na proa do navio. Apontei a lanterna para o piso de aço da passarela e rapidamente segui a luz até a meia-nau. As ondas eram enormes e seus respingos chicoteavam o convés, misturando-se com o frio granizo que caía. Subitamente, parei, porque o piso da passarela havia desaparecido, e percebi que, com mais dois passos, eu cairia direto no oceano.” Bridges deu meia-volta e correu para o refeitório, gritando: “Estamos em apuros! O navio se partiu ao meio!”. Alguns homens sugeriram imediatamente baixar os botes salva-vidas, mas Bridges disse que estavam loucos, que os botes não teriam a menor chance naquelas ondas enormes. Embaixo, no convés mais baixo do navio, onde ficava a sala das caldeiras, ninguém sabia o que havia acontecido, mas o bombeiro Frank Fauteux, de Attleboro, Massachusetts, temia o pior. Fauteux, um veterano com nove anos de mar, era um homem grande com grossas costeletas que desciam até seu queixo quadrado, dando-lhe a aparência de um capitão Ahab moderno. Ele sobrevivera ao torpedeamento de seu contratorpedeiro no Mediterrâneo, durante a Segunda Guerra Mundial, bem como à explosão do ss Grandcamp, em 1947, que desencadearia uma maré de mais de quatro metros de altura, matando centenas de pessoas em Texas City, no Texas. Fauteux sentiu o Pendleton dar uma guinada e ouviu a forte explosão que se seguiu. Lutou para se segurar quando um solavanco mais violento sacudiu o navio ferido. Imediatamente, pensou nos desastres de que havia escapado no passado e achou que sua sorte finalmente acabara. Momentos depois, Sybert, o engenheiro-chefe, chegou correndo à sala das caldeiras. “O navio se partiu ao meio!”, gritou. Assim que o navio foi dividido em dois, o primeiro assistente engenheiro, David Brown, que estava de plantão na sala de sentinelas, na popa do Pendleton, diminuiu a marcha dos motores ao mínimo. Logo depois, o engenheiro-chefe Sybert ordenou a Brown que os desligasse. A essa altura, toda a tripulação acordara com o estrondo e lutava para sair de seus aposentos para descobrir o que acontecera. Todos haviam sentido o navio chacoalhar, e muitos observaram uma enorme bola de fogo. Henry Anderson, que trabalhava na manutenção (conhecido como “limpador”), de New Orleans, estava deitado em seu saco de dormir quando sentiu o que descreveu mais tarde como um “grande impacto”. Anderson pegou seu colete salva-vidas e correu para o refeitório, onde pôde ver o dano em primeira mão. “Um colega e eu pegamos um martelo, fechamos a porta e a pregamos, porque a água estava entrando”, lembrou. Outro limpador, Fred Brown (nenhuma relação com David Brown), de 35 anos, acordara com o chacoalhão em sua cama. Ele havia arrumado um emprego a bordo do Pendleton depois de trabalhar muitos anos como pescador comercial na acidentada Casco Bay, no Maine. Mais de quarenta navios encontraram seu destino ao longo da costa do Maine, uma estatística de que o antigo pescador não se esquecia. Fred Brown tinha uma esposa e quatro filhos para sustentar em Portland, e acreditava que trabalhar em um petroleiro seria mais seguro que em uma traineira. Quando ouviu um barulho de abalar a terra, Brown pensou que o Pendleton havia batido em uma rocha. “Eu ouvi um barulho alto de algo rachando”, disse ele, mais tarde. “Foi como se um grande pedaço de estanho tivesse sido rasgado.” Ele vestiu suas roupas e correu até a plataforma, onde se reuniu com vários colegas marinheiros, formando um escudo humano contra a arrebentação que tomara conta da popa. Brown era atormentado por explosões de respingos de mar congelante, enquanto estava ali com os outros homens, atordoado pela visão da proa do navio que flutuava para longe e desaparecia na neve. No momento da quebra, o capitão Fitzgerald e vários oficiais estavam na casa do leme na proa. Agora, haviam desaparecido. Joseph Zeptarski, de 46 anos, trabalhava no mar desde 1926 e nunca caíra do beliche antes. Nativo de Central Falls, Rhode Island, havia acabado de terminar seu turno no refeitório dos oficiais e estava dormindo quando o petroleiro se partiu. Zeptarski foi arremessado de seu beliche para a plataforma das cabines, onde acordou, atordoado. Lutou para ficar em pé, pegou seu colete salva-vidas e subiu, sendo recebido pelas maiores ondas a que já assistira. Wallace Quirey, de 49 anos, terceiro assistente engenheiro do navio, presenciara muita coisa em seus 25 anos de mar, mas nunca vira ou sentira nada assim. Após a explosão, Quirey pegou o colete salva-vidas e a Bíblia que sua mãe lhe dera, oito anos antes. Ele a levava em todas as viagens, desde então, o que lhe servia como colete salva-vidas espiritual. Enquanto ele e os outros corriam de seus aposentos e subiam a escada, com o pânico a Bíblia foi arrancada de suas mãos. Quirey a viu cair escada abaixo, enquanto era empurrado para a frente por uma maré de colegas da tripulação que tentavam chegar à parte de cima. Não houve tempo para voltar e recuperá-la. “Cheguei à popa, e as ondas deviam ter mais de quinze metros de altura”, lembrou. “Elas varriam o convés dos botes salva-vidas, o mais alto, e se estendiam por um metro e meio, depois de quebrar bem no topo do mastro.” Alguns a bordo do navio calcularam a altura das ondas em mais de vinte metros. Quirey localizou o mais novo membro da tripulação do navio, Carroll Kilgore, de 16 anos, e se abraçou firme a ele, enquanto continuavam sendo surrados pelo vento e pelas ondas. Quirey e os demais tinham ficado de olho no adolescente de Portland, Maine, durante toda a viagem. Kilgore havia assinado os papéis do alistamento quatro semanas antes. Como Bernie Webber fizera havia quase uma década, o banguela de cabelos rebeldes ingressara na Marinha Mercante em busca de uma vida de emoção e aventura. Um mês depois, estava agachado na popa, surrado por ondas, assustado como uma criança naquela que era sua primeira — e possivelmente última — viagem. Os marinheiros, trêmulos, viram com um brilho de esperança a proa do Pendleton ressurgir, rapidamente, à vista. A proa roçou a popa e, depois, ambas se afastaram como uma aparição, a primeira mantendo o capitão Fitzgerald e sete membros de sua equipe — o chefe dos suboficiais Martin Moe, o segundo suboficial Joseph W. Colgan, o terceiro suboficial Harold Bancus, o operador de rádio James G. Greer, os marinheiros de primeira classe Joseph L. Landry e Herman G. Gatlin, e o também marinheiro Billy Roy Morgan — presos a bordo. Quase todos os membros da equipe de comando do navio estavam separados do resto da tripulação. Os sobreviventes, açoitados na popa, sussurraram uma oração pela segurança de seus companheiros e, em seguida, voltaram-se para o oficial de grau superior, em busca de orientação e esperança. Com apenas 33 anos, o engenheiro-chefe Raymond Sybert viu-se no comando da popa do Pendleton. Ele reuniu a tripulação, que agora consistia de 32 homens, e ordenou que todas as portas estanques fossem fechadas, exceto as que ligavam a sala das caldeiras à sala de máquinas. Sybert também definiu detalhes de turnos, incluindo plantões de sentinela nas duas extremidades do convés dos botes salva-vidas. E, então, foi avaliar os danos e viu que o Pendleton estava derramando sua carga de querosenee óleo para aquecimento doméstico no mar; o grosso líquido preto cobria as cristas espumantes das ondas iradas que subiam e desciam em volta do navio. O petroleiro havia se partido ao meio no tabique entre os tanques de carga de números 7 e 8. O Pendleton era um t-2-se-a1, comumente conhecido como petroleiro t-2. No entanto, esses navios tinham ganhado um apelido mais duvidoso, e alguns críticos se referiam a eles como “afundadores em série” e “caixões do Kaiser”. O problema com os petroleiros t-2 remontava a quase uma década antes, começando em 17 de janeiro de 1943, quando o Schenectady se quebrara ao meio ainda na doca! O navio acabara de completar seus testes no mar e voltara ao porto em Swan Island, Oregon, quando, subitamente, rachou logo atrás da superestrutura da ponte. A parte central do navio se dobrou e se ergueu acima d’água, deixando a proa e a popa pousarem no fundo do rio. Como o Schenectady, o Pendleton fora construído às pressas para o esforço de guerra. Estruturado em Oregon pela Kaiser Company em 1944, o lar do Pendleton passara a ser Wilmington, em Delaware. Ao que tudo indicava, ele parecia suficientemente resistente. Tinha 503 pés de comprimento, com uma boca máxima de 68 pés de largura e um calado de 39 pés e três polegadas. Era alimentado por um motor turboelétrico de 6 600 cavalos de potência, com uma única hélice de onze pés de diâmetro. Contudo, a forte aparência externa do navio escondia os métodos inferiores de soldagem utilizados em sua construção. Como acontecia com muitos petroleiros t-2 construídos nessa época, o casco do Pendleton deve ter sido montado com “aço sujo” ou “ferro cansado”; em outras palavras, aço enfraquecido pelo excessivo teor de enxofre. Isso colocava o navio em grande risco diante de ondas altas no frígido oceano. O construtor tentara compensar a falha dotando o Pendleton com um sistema obstrutor de trinca. Eram cintas de aço de melhor qualidade colocadas em volta do casco do navio. Esse obstrutor de trinca fora concebido para evitar que qualquer fratura em uma parte soldada do casco se espalhasse para o resto do navio. Não era a primeira vez que o sistema não conseguia fazer seu trabalho. O navio havia sofrido uma fratura tripla no tabique entre os tanques número 4 a estibordo e o central, apenas um ano antes, em janeiro de 1951. A fratura tripla nunca tinha sido reparada. Surpreendentemente, o Pendleton passara com facilidade em sua última inspeção da Guarda Costeira, em 9 de janeiro de 1952, em Jacksonville, Flórida. Com o Pendleton rasgado ao meio, as fortes ondas começaram a levar a popa do navio de Provincetown para o Sul, descendo o braço recortado de Cape Cod. A proa estava à deriva em um caminho quase idêntico, mas a uma velocidade maior e mais distante da costa. A sala de rádio ficava na proa, mas o capitão Fitzgerald não tinha como enviar um sinal de sos. Quando o navio se dividiu ao meio, os disjuntores de todos os circuitos caíram, deixando a proa sem energia, calor ou luz. O engenheiro-chefe Sybert e seus homens conseguiram manter a eletricidade na popa, mas não dispunham de um equipamento de rádio para enviar uma mensagem de socorro. A popa, porém, trazia um receptor de rádio portátil, pequeno, e, à medida que a manhã turbulenta avançava, os marinheiros se reuniram ao redor do aparelho e ouviram relatos de que o Fort Mercer, um petroleiro t-2 quase idêntico, também estava em grave perigo em algum lugar além de Cape Cod. Equipes da Guarda Costeira já haviam sido despachadas para ajudar o Mercer, e nada era dito sobre o Pendleton. Possivelmente, os membros da tripulação trocaram olhares com a mesma pergunta na cabeça: Quem virá nos salvar? capítulo 3 O Fort Mercer As ondas eram selvagens, arfantes, íngremes. Rolavam em nossa direção de forma imprevisível e sem trégua. E, conforme se aproximavam, pareciam mais cadeias de montanhas que ondas do mar. Arremessavam nosso navio como se fosse irrelevante, e nós lutávamos para manter o equilíbrio, enquanto as verdes encostas íngremes do tamanho de um cânion nos açoitavam por todos os lados. spike walker Mais ou menos ao mesmo tempo em que o Pendleton se partia ao meio, o ss Fort Mercer ficava preso em sua batalha com os mares, ao largo do Cape Cod. O capitão Frederick Paetzel não queria se arriscar na tempestade que havia atingido seu petroleiro de 503 pés. Paetzel permanecia com a proa do Mercer apontando para os mares que subiam, mantendo a posição, preparado para enfrentar a tempestade. O capitão havia guiado o navio em segurança desde que deixara Norco, Louisiana e, nesse momento, apenas 48 quilômetros a sudeste de Chatham, não estava muito longe de seu destino final, Portland, no Maine. Ele poderia se atrasar pela tempestade, porém mares agitados no Atlântico Norte durante o mês de fevereiro não eram surpresa, e esperaria até o momento certo, quando a tempestade se consumisse. No entanto, a tempestade Nor’easter não mostrava sinais de enfraquecimento. Ao contrário, intensificava-se a cada hora que passava. Uma insinuação pálida da luz indicava a chegada do amanhecer e, a essa altura, ondas gigantescas haviam crescido até chegar aos dezoito metros de altura e a força do vento se aproximava à de um furacão, lançando contra o navio uma mistura congelante de granizo e neve. O Mercer levou uma pancada terrível, mas cavalgou os mares tão bem quanto era de esperar, sem muita inclinação ou rolagem. E então, às oito da manhã, o capitão Paetzel ouviu um estalo que ecoou das entranhas de seu navio. Ele não teve certeza imediata do que havia acontecido. Logo, o capitão, assim como vários membros da tripulação, viram óleo sendo vomitado a estibordo do Mercer sobre o oceano, e souberam que o casco do navio havia rachado. O homem, de 48 anos, imediatamente abrandou a velocidade do navio para um terço e posicionou-o de modo que as ondas dessem a bombordo da proa, para evitar que a fratura aumentasse. A seguir, Paetzel alertou o resto de sua equipe sobre a situação de emergência e passou uma mensagem de rádio à Guarda Costeira, para pedir ajuda e relatando que as costuras de seu navio se haviam aberto nas imediações do tanque número 5 e que sua carga de combustível estava sangrando no mar. Depois de notificar a Guarda Costeira, Paetzel e sua tripulação de 42 homens só podiam rezar para que o navio não se partisse até que os barcos guarda-costas chegassem. O capitão, nascido na Alemanha, trabalhava no mar desde os 14 anos e nunca vira uma tempestade como aquela no meio da qual se encontrava, nem jamais ouvira o estalo forte de metal abrindo caminho para o mar. A aproximadamente 150 milhas de distância, a bordo da embarcação guarda-costas Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore fazia seu melhor para ignorar o movimento de rolagem da embarcação e se concentrar no rádio. Um navio de pesca, o Paolina, de New Bedford, Massachusetts, estava atrasado, e o Eastwind participava da busca. Ele estava nos arredores da última localização conhecida do navio de pesca e transmitia repetidamente pelo rádio, na esperança de fazer contato. A comunicação de voz, na época, era rudimentar, e só conseguia alcançar cerca de quarenta, cinquenta milhas. Além desse intervalo, o único método de comunicação era o código Morse, também conhecido como cw, de Continuous Wave. Len estava usando sua voz no rádio, na expectativa de que o Paolina ainda estivesse flutuando nas proximidades, mas seu instinto lhe dizia que as chances de encontrar a embarcação diminuíam à medida que a tempestade se fortalecia. Len havia aprendido Morse quando frequentava a escola de radiocomunicação da Guarda Costeira em Groton, Connecticut. Seu ingresso na Guarda Costeira fora tortuoso, quando ele tinha apenas 17 anos. Em um impulso, Len, seu irmão Bob e um amigo, Frank Gendreau Jr., decidiram que era hora de ver o mundo além de sua cidade natal, Lynn, em Massachusetts. Os três jovens inicialmente fixaram os olhos na Marinhae foram até o gabinete de recrutamento local para se alistar. Len passara no exame físico, mas os outros dois rapazes, não, e os três deixaram o gabinete ainda na condição de civis. Eles discutiram a próxima opção; o amigo e o irmão de Len decidiram que se a Marinha não os queria, talvez a Guarda Costeira quisesse, e os três jovens tentaram se alistar. Mais uma vez, no entanto, Bob e Frank não passaram no exame físico, ao passo que Len, sim. Pensando que a terceira vez seria a da sorte, Bob e Frank foram ao gabinete de recrutamento da Força Aérea, sendo aceitos. Len, no entanto, tinha seus olhos no mar, não nos céus, e decidiu que iria sozinho, ingressando na Guarda Costeira. Depois do campo de treinamento de recrutas, em Cape May, Nova Jersey, o jovem marinheiro fora mandado para a Estação de Resgate de Chatham, onde desempenhara tarefas na radiocomunicação, bem como diversas outras, que incluía a pintura da lancha de salvamento da estação, de 36 pés — a 36500 —, sob o olhar atento do timoneiro Bernie Webber. “Mas não era só trabalho”, lembra Len. “Foi em Chatham que aprendi a me divertir depois do expediente. Tínhamos alguns grandes sujeitos lá, e eu sabia que havia encontrado um lar na Guarda Costeira.” Com seis meses em Chatham, Len frequentara a escola de radiocomunicação e, logo após sua graduação, sua primeira missão de longo prazo fora no Eastwind, um navio quebra-gelo de 280 pés. Naquela ocasião, o Eastwind participou da missão secreta de construir a Base Aérea de Thule, na Groenlândia, atuando na escolta e na quebra de gelo para navios de abastecimento. O trabalho foi feito durante a primavera e o verão de 1951 e, no final de setembro, o Eastwind retornou a seu porto de origem, Boston, e era enviado a missões mais curtas, de trinta dias. No final de janeiro e no início de fevereiro de 1952, Len, já com 20 anos, e outros membros da tripulação a bordo do navio quebra-gelo foram despachados para o rio Hudson, em Nova York. “Quebramos gelo de West Point a Albany”, diz Len. “Quando o trabalho terminasse, o Eastwind estava programado para voltar a Boston, e alguns membros da tripulação foram autorizados a desembarcar em Nova York por algum tempo e, a seguir, dirigir-se a Boston e nos encontrar.” Consequentemente, a tripulação do Eastwind estava desfalcada quando foi açoitada pela tempestade ao sul de Nantucket e saiu para procurar o navio de pesca Paolina e seus sete tripulantes. Len jamais esquecerá a manhã de 18 de fevereiro. “Eu havia acabado de chegar para meu turno na sala de rádio, às oito da manhã, e estava chamando o Paolina quando, de repente, ouvi um forte sos em cw [código Morse] em meu fone de ouvido. Era o Fort Mercer.” Len se endireitou na cadeira, surpreso com o pedido de socorro que saíra do nada. Rapidamente, confirmou a mensagem do Mercer, enquanto acenava para outro colega na sala de rádio para que corresse e chamasse o chefe dos operadores de rádio, John Hartnett. A seguir, alertou a estação regional de comunicações da Guarda Costeira, que na época se localizava em Marshfield, Massachusetts. “Eu transmiti uma mensagem para todos os navios e todas as estações para que parassem de enviar sinais na frequência 500 kc, porque tínhamos um pedido de socorro. Normalmente, essa frequência é uma cacofonia de sinais, pois é a frequência internacional de chamados e socorro, monitorada constantemente por todos os navios em estações de mar e terra. Contudo, quando informamos que tínhamos um sos, a frequência ficou sinistramente silenciosa.” Len continuou falando com o Fort Mercer em cw, tentando obter a posição do navio e determinar a natureza da emergência. O operador de rádio do petroleiro, John O’Reilly, informou que havia uma rachadura no casco. Deu sua posição aproximada, e o Eastwind também usou a triangulação de antenas (rdf, de Radio Directional Finder) para tentar identificar a localização do Mercer. A essa altura, Len já notificara outras embarcações da Guarda Costeira na vizinhança acerca da emergência, e elas também usaram rdf para estabelecer a posição do petroleiro. “Chefe Hartnett”, diz Len, “estava em posição com rdf na ponte e eu com o Fort Mercer, que começou a enviar uma série de ‘Vs’ como sinal. [O envio de uma série de ‘Vs’ era a maneira comum de o navio em perigo continuar transmitindo um padrão estável e uniforme para os barcos de busca, para ajudar em seus esforços de estabelecer a localização da embarcação em apuros.] Rapidamente, conseguimos um rumo, como as outras embarcações, e coordenamos os rumos e estabelecemos uma posição em poucos minutos.” Infelizmente, Len descobriu que o Eastwind estava bastante longe do petroleiro, e sabia que levaria várias horas para chegar a eles. “Soprava um verdadeiro vendaval, e as ondas eram enormes [...] Muitos de nossos homens estavam mareados, mas ainda trabalhando. Com o mar daquele jeito, achei que poderíamos levar um dia inteiro para chegar ao Mercer e, então, poderia ser tarde demais.” Apesar das 150 milhas (241 quilômetros) de distância entre o guarda-costas e o Mercer, o Eastwind partiu imediatamente em direção ao petroleiro danificado, abandonando a busca do Paolina. (Somente destroços do Paolina foram encontrados.) Oliver Peterson, de Winchester, Massachusetts, capitão do Eastwind, foi encarregado da operação de resgate. Outro navio da Guarda Costeira, o Unimak, que também estava ao sul de Nantucket, procurando o Paolina, foi desviado da busca e começou a atravessar a tempestade em direção ao Mercer. Em Provincetown, Massachusetts, o guarda-costas Yakutat foi despachado para o local, como também o McCulloch, de Boston. Outros guarda-costas — incluindo o Acushnet, em Portland, Maine — foram colocados em alerta. Um navio militar do serviço de transporte, o Short Splice, também correu em auxílio do petroleiro. O mar, no entanto, não ajudava os barcos de resgate, e a velocidade deles era de lentos três nós. As ondas de cerca de quinze metros de altura e os ventos de 130 quilômetros por hora provinham diretamente do norte, e o ar estava cheio de uma mistura de neve, água do mar e espuma. A bordo do Fort Mercer, o capitão Paetzel se retesava cada vez que uma onda particularmente grande, chicoteada pelo vento, atingia a embarcação. O óleo continuava a manchar o oceano, e o intendente do navio se esforçava como podia para manter a proa naquelas águas que se aproximavam. Paetzel fez seus tripulantes vestirem os coletes salva- vidas, mas além dessa medida de segurança pouco podiam fazer senão esperar que a Guarda Costeira chegasse. De modo notável, às dez da manhã o Boston Globe conseguiu uma conexão telefônica da costa com o capitão do navio. Paetzel disse que as condições eram muito difíceis e que as ondas haviam alcançado vinte metros, elevando-se até o cordame, mas que acreditava que seu navio “não corria nenhum perigo imediato”. Ainda assim, reconheceu que não podia ter certeza, porque avaliar o dano mais de perto no convés seria suicídio. “Estamos apenas parados”, acrescentou. Para concluir, pensou nos entes queridos na costa e expressou a esperança de que “a esposa de nenhum de nós ouça falar sobre isso”. O Mercer não estava inclinado, e visto que o anterior som do metal rachando não causara mais graves eventos, Paetzel mantinha a esperança de que o pior já havia passado. Embora Paetzel sentisse que o Mercer não estava em perigo imediato, ele também conhecia a história dos petroleiros t-2 parcialmente pré-fabricados e soldados, o que não era reconfortante. Até aquele momento, oito desses petroleiros haviam sido perdidos em decorrência de fraturas no casco, e eles eram particularmente suscetíveis a rachaduras quando grandes ondas eram acompanhadas por temperaturas frias — a exata situação que o Mercer enfrentava. O capitão respiraria mais aliviado quando avistasse os barcos da Guarda Costeira. Subitamente, às 10h30, ouviu-se o som de outra rachadura aterrorizante, e o navio deu uma guinada.Paetzel instantaneamente enviou outra mensagem à Guarda Costeira, que explicava que a situação estava piorando. Uma fria sensação de medo atravessou o capitão; ele sabia que seu navio poderia se tornar o nono petroleiro t-2 a ser levado pelo mar. O estresse no navio crescia, em especial quando uma onda levantou a proa e outra, a popa, deixando o meio sem nenhum apoio. A tempestade havia quebrado o casco soldado do tanque, e o mar parecia ter a intenção de estender a rachadura. O capitão Paetzel e sua equipe não podiam fazer nada além de esperar os socorristas. Outra longa hora se passou, sem incidentes. E então, às 11h40, houve um terceiro anúncio, alto, quando mais metal rachou. Paetzel já podia ver a fratura, que se estendia do tanque de carga 5, a estibordo, até vários metros acima da linha d’água, e o óleo jorrava no mar furioso. Às 11h58, Paetzel enviou outro sos, dessa vez acompanhado da mensagem: “Nosso casco está se partindo”. Dois minutos depois, uma onda açoitou o petroleiro com tanta força que os tripulantes foram atirados ao chão. Quando conseguiram se levantar, não podiam acreditar no que viam: o navio estava dividido em dois! O tripulante Alanson Winn disse que quando a fratura final e a separação ocorreram, o barulho foi tão alto e violento que ele pensou que o navio havia sido abalroado. “Então, ele se ergueu para fora da água como um elevador. Deu dois saltos. E, quando parou, rasgou-se ao meio.” Paetzel estava preso na proa com mais oito homens, enquanto na popa ficaram 34 tripulantes, e cada ponta navegava à deriva para longe uma da outra. O mar jogava a proa descontroladamente sobre suas águas como se fosse um brinquedo quebrado, primeiro balançando de forma brusca para estibordo. A extremidade da frente da proa empinou alto, mas a de trás se inclinou para baixo, submergindo uma parte do convés e levando os barcos salva-vidas. Igualmente devastador, o acidente inutilizou o rádio, e Paetzel não podia mais falar com a Guarda Costeira e pedir resgate; nem dar instruções aos tripulantes na popa. Paetzel e seus homens estavam impotentes, presos na ponte; sair podia significar morte instantânea. A proa chafurdava no mar monstruoso, e, sem a força do motor, ficou de costado para as ondas, sofrendo impactos diretos. A popa, onde ficava o motor, estava em melhores condições, totalmente acima da água. Logo após a divisão, os engenheiros imediatamente desligaram o motor, mas sua tripulação já podia ver as ondas empurrando a proa na direção deles como um aríete. Mila- grosamente, os engenheiros conseguiram religar o motor. Colocaram a hélice no sentido inverso e conseguiram virar a popa para longe, antes que a proa os acertasse, mas seus problemas estavam só começando. capítulo 4 “Não pode ser verdade” Navegue adiante, orientado apenas para águas profundas. walt whitman A bordo do Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore mantinha comunicação regular com o operador John O’Reilly, do Mercer. Len tentava conservar a tripulação do Mercer animada dizendo-lhe que o Eastwind, o Unimak, o McCulloch e a Yakutat estavam a caminho e que barcos de resgate a motor, aviões e um guarda-costas adicional haviam acabado de ser despachados. O avanço do Eastwind nas garras da ventania uivante, no entanto, era extremamente lento, e Len se sentia frustrado, porque horas se passariam antes que eles pudessem chegar ao petroleiro. Com 43 tripulantes do Mercer em risco de perder a vida a qualquer minuto, os comandantes da Guarda Costeira sabiam que precisavam de barcos no local o mais depressa possível e reagiram, enviando lanchas salva-vidas de Chatham e Nantucket. Enviar lanchas salva-vidas de 36 pés ao mar contra ondas duas vezes seu tamanho era uma decisão difícil; os oficiais sabiam que os botes e sua tripulação poderiam ser as próximas vítimas do oceano. A primeira embarcação de resgate a motor enviada para o turbilhão partiu da Estação Brant Point, Nantucket. Em seu comando estava o chefe dos contramestres Ralph Ormsby, com três tripulantes: Alfred Roy, Donald Pitts e John Dunn. Os quatro homens percorreram cinquenta perigosas milhas (cerca de oitenta quilômetros) para chegar às metades do Mercer, e seu barco navegava a somente duas milhas por hora em ondas tão grandes que muitas vezes ensoparam a tripulação. Depois de deixar Nantucket, o barco teve a difícil tarefa de navegar através do perigoso canal Pollock Rip, cujas boias orientadoras haviam sido arrancadas pelo mar. Quase imediatamente, a embarcação se viu em apuros. “Roy, que estava ao leme”, disse Ormsby, “foi jogado dali. Eu o segurei. O barco estava quase condenado pelas ondas que quebravam sobre sua proa. Observávamos as ondas antes de bater para guiar seu curso.” Uma segunda lancha de salvamento, de 36 pés, foi mandada de Chatham. O comandante da estação, suboficial contramestre Daniel Cluff, recebeu ordens para enviar o barco, e ele, por sua vez, disse ao imediato Donald Bangs, de Scituate, que selecionasse uma equipe e rumasse para o Mercer. Bangs rapidamente escolheu uma tripulação, composta pelo engenheiro de primeira classe Emory Haynes, pelo contramestre de terceira classe Antonio Ballerini e pelo marinheiro Richard Ciccone. Quando Bernie Webber ouviu as ordens, pensou consigo: Meu Deus, eles acham mesmo que uma lancha de salvamento e sua tripulação podem adentrar o mar nesta tempestade e encontrar o navio quebrado em meio a neve ofuscante e ondas furiosas, só com uma bússola para orientá-los?. Webber percebeu que, ainda que a tripulação não congelasse até a morte, ela nunca conseguiria tirar os homens das partes do Mercer arrasadas pela tempestade. Bernie era amigo daqueles homens e se perguntava se os veria vivos novamente. A preocupação de Webber de que os homens morressem congelados era muito realista, assim como o potencial efeito do frio sobre a capacidade deles de manobrar o barco e reagir aos problemas. Uma das primeiras respostas do corpo ao lutar contra a hipotermia é diminuir o fluxo de sangue para os membros, reduzindo a perda de calor pelas extremidades do corpo, principalmente os pés e as mãos, que têm uma elevada concentração de vasos sanguíneos. A tripulação das embarcações de resgate teria o fluxo sanguíneo periférico para os membros reduzido nas primeiras horas no mar, por causa do esforço do corpo para manter o calor interno, essencial para os órgãos principais, em especial o coração. Contudo, a diminuição do fluxo sanguíneo para mãos, braços e pés tem um custo: compromete a capacidade de realizar tarefas. Se o motor da lancha de salvamento pifasse, os homens a bordo não teriam a destreza dos dedos para resolver o problema. Mãos e pés também sofreriam queimaduras quando a temperatura da pele despencasse, e o próprio sangue engrossaria como óleo de motor em uma manhã fria, tornando as pernas e os braços dos homens rígidos e lentos. E, em 1952, antes da época das luvas de neoprene e das roupas de baixo de polipropileno, os tripulantes não tinham nada para proteger a pele, além de roupas emborrachadas. As equipes de Bang e de Ormsby seriam testadas pelo mar e pelo ar gelados muito além dos limites de sua resistência — se seus barcos não virassem primeiro, matando-os antes. A primeira embarcação a chegar ao local do acidente do Mercer foi o cargueiro Short Splice. A essa altura, a proa e a popa do Mercer já haviam se afastado. O Short Splice manobrou o mais perto que se atreveu da popa do Mercer, na esperança de conseguir jogar um cabo. As ondas, porém, eram grandes demais, e o capitão do Short Splice teve de abandonar a ideia e esperar, pronto para tentar tirar os homens da água, se fosse preciso. Os aviões partiram para o céu tempestuoso da Estação Aérea da Guarda Costeira, em Salem, Massachusetts, e da base aérea naval de Quonset Point, Rhode Island. Um dos aviões chegou antes dos guarda- costas, aproximadamente às catorze horas. O piloto George Wagner comunicou pelo rádio: “O navioestá definitivamente nas últimas. Sua popa está contra o vento e quase inundada”. Também informou que os botes salva-vidas do Mercer não estavam ali e que o mecanismo para descê-los estava abaixado, o que o fez pensar que alguns tripulantes haviam abandonado o navio. O piloto guiou seu avião seguindo a direção do vento, procurando os botes salva-vidas, mas não encontrou nenhum. Mais ou menos ao mesmo tempo em que os aviões chegavam ao local, o comandante da estação, Cluff, e o contramestre de primeira classe, “Chick” Chase, estavam na torre de vigia de Chatham, onde ficava a tela do radar. De manhã cedo, o equipamento apresentara problemas, mas já havia sido consertado, e a primeira coisa que eles viram na tela foram dois objetos estranhos. “Os objetos”, recordou Chase, “estavam a apenas cinco milhas (oito quilômetros) da costa, longe de onde o Mercer deveria estar. Eu me perguntava como o Mercer poderia ter ido para tão longe, e percebemos que alguma coisa estava errada.” Cluff e Chase sabiam que o vento soprava em direção sul, e que se os objetos fossem o Mercer, ele havia ido em direção noroeste. Nada disso fazia sentido, e Cluff imediatamente chamou a sede. Eles, por sua vez, alertaram Wagner, que já estava sobrevoando a popa do Mercer. Wagner, lutando para controlar seu avião na tempestade, ficou imaginando que diabos significava aquela mensagem desconcertante. Ele estava olhando para a popa do Mercer e pensava que era impossível que a proa houvesse derivado mais de 25 milhas (quarenta quilômetros) em direção a Chatham. E o que significava o fato de Chatham ter captado dois alvos no radar? Tudo o que Wagner podia fazer era virar seu avião e seguir para oeste para dar uma olhada. Felizmente, a neve havia se transformado em chuva e granizo, e a visibilidade melhorara um pouco. Ele voou a baixa altitude, fustigado pelo vento, mas logo chegou ao conhecido farol flutuante Pollock Rip. Incrivelmente, não muito longe dali estava a metade partida da proa de um petroleiro. Wagner notou que a superestrutura abaixo da proa era marrom, diferente da branca da popa que ele havia visto. Balançou a cabeça, incrédulo, e sobrevoou para olhar de novo. E, então, ficou de queixo caído. Na proa, em grandes letras brancas, estava o nome pendleton! Quando comunicou pelo rádio o que havia visto, todos na Guarda Costeira ficaram atordoados. Era demais acreditar que um segundo navio, a apenas trinta milhas (48 quilômetros) do Mercer, também havia se partido ao meio. O operador de rádio do Eastwind, Len Whitmore, ficou atônito, perguntando-se se havia ouvido corretamente as palavras do piloto. Outro petroleiro? Até aquele momento, ninguém sequer mencionara o Pendleton. Len pensou: Isso não pode ser verdade. Deve have algum engano. capítulo 5 “Você tem de pegar a 36500” Ah, Senhor, tem misericórdia, Teu mar é tão grande, e meu barco é tão pequeno. oração de breton �sherman Antes de o Pendleton ser avistado, Bernie Webber já estava tendo uma manhã agitada. Vários barcos de pesca tiveram a amarração quebrada e se espalharam pela costa de Old Harbor, e Webber e sua equipe usaram a lancha de salvamento 36500 para ajudar os pescadores a puxar os barcos para a praia e prendê-los, antes que a arrebentação os danificasse. Era a versão marinheira de arrebanhar gado, mas, em vez de trabalhar sob o sol quente do Texas, os homens tinham de exercer sua função na neve ofuscante e a temperaturas congelantes. Webber, porém, sabia da importância do trabalho, pois sem seus navios de pesca os pescadores não podiam sustentar suas famílias durante o rigoroso inverno de Cape Cod. Ele foi auxiliado na tarefa pelo marinheiro Richard Livesey e pelo amigo de longa data, o técnico de máquinas de primeira classe Mel Gouthro, que, além de lutar contra o clima, estava lutando contra a gripe. A tempestade Nor’easter fez Livesey se lembrar dos catorze meses que passara em um quebra-gelo, no Atlântico Norte. Aos 22 anos, era dois anos mais novo que Webber, e, assim como acontecia com seu chefe, o que faltava a Livesey em idade ele compensava com experiência. Richard Livesey nascera em South Boston, em 1930, e fora criado a noventa quilômetros ao sul, em Fairhaven, uma vila de pescadores na costa de Buzzards Bay, em frente ao porto de New Bedford. Livesey foi direcionado a uma vida no mar desde cedo, graças às inúmeras histórias contadas por seu pai, Oswald, durante 22 anos suboficial de caldeira na Marinha dos Estados Unidos. As ruas de paralelepípedos de sua cidade natal sem dúvida inspiraram Richard Livesey a uma carreira marítima. Fairhaven tinha uma história rica. A cidade havia sido o local da primeira batalha naval da Revolução Americana, em maio de 1775, quando Nathaniel Pope e Daniel Egery lideraram milicianos locais na captura de duas corvetas britânicas, em Buzzards Bay. Nos dois anos seguintes, os fundadores da cidade erigiram uma fortaleza em Nobscot Point, equipada com onze canhões, alguns dos quais capturados nas Bahamas pelo herói naval norte-americano John Paul Jones. O forte foi destruído em 1778, quando os britânicos invadiram o porto e levaram quatro mil tropas a New Bedford. Contudo, foi reconstruído, e recebeu o nome de Fort Phoenix, por causa do pássaro mítico que renasce das próprias cinzas. A cidade se expandiu, ao longo do tempo, colaborando com a prosperidade baleeira de New Bedford. Richard Livesey era um daqueles jovens que pareciam ter água salgada nas veias. Desde que podia se lembrar, queria ingressar na Marinha norte-americana, e quando teve idade suficiente, pediu ao pai que o acompanhasse ao gabinete de recrutamento naval. “Claro”, dissera o velho Livesey, radiante porque o filho estava seguindo a tradição marinheira. No entanto, seu entusiasmo se apagou momentaneamente quando o recrutador informara que havia uma espera de dez meses para o alistamento. Era 1947, e Richard Livesey tinha 17 anos. Dez meses parecia uma vida para o adolescente ansioso. Ele queria ação e aventura. Enquanto saíam do gabinete de recrutamento, Richard disse a seu pai que, então, entraria na Força Aérea dos Estados Unidos. Naquele momento, pai e filho notaram uma placa que indicava o gabinete de recrutamento da Guarda Costeira, poucas portas abaixo. As esperanças do adolescente de viver aventuras no mar não foram frustradas, afinal. Livesey fez apenas uma pergunta ao recrutador: “Quando serei enviado em missão?” “Amanhã!”, vociferou o homem. Livesey se alistou no local, mas não foi enviado em missão no dia seguinte como prometido. Precisou esperar uma semana até ir para o campo de treinamento de recrutas em Mayport, Flórida, que era o lar de uma das maiores concentrações da frota naval dos Estados Unidos. Livesey seguira a rotina no campo de treinamento de recrutas contando os dias, até que saíra ao mar. Passara os quatro anos seguintes servindo em guarda-costas e quebra-gelos da Guarda Costeira ao redor dos Estados Unidos e em Newfoundland, antes de encontrar seu caminho em um barco de patrulha na estação de New Bedford, em frente ao porto de sua cidade natal. Ele deixaria a Guarda Costeira brevemente, em 1951, depois que seu período de alistamento acabou, e tentaria primeiro trabalhar na construção de estradas e também em algumas indústrias de peixe. O salário era melhor, mas o trabalho não tinha a emoção que ele havia experimentado na Guarda Costeira, de modo que se alistou novamente. Assim, lá estava ele, mais uma vez, puxando barcos de pesca para suas amarras naquela manhã brutal de segunda-feira, em meados de fevereiro. Quando concluíram o trabalho, Webber, Livesey e Gouthro amarraram a lancha de salvamento e, em seguida, pularam na canoa e voltaram para a costa. Os homens estavam exaustos, com fome e frio, e mal podiam esperar para voltar à Estação de Resgate de Chatham, fazer uma refeição quente e trocar de roupa. A água gelada do mar havia passado através das roupas de chuva diretamente para seus ossosdoloridos. Livesey e Gouthro usavam finos macacões de lona emborrachada e jaquetas até a cintura do mesmo material. Webber vestia uma calça de algodão até os joelhos e uma parca com capuz de pele. Eram todas remanescentes da Segunda Guerra Mundial e não ofereciam mais proteção contra o clima implacável do inverno. Gouthro tremia por causa do frio e da gripe. Ele e Livesey tentavam manter as mãos quentes em luvas de lã que haviam mergulhado em água salgada e torcido antes de colocá-las, na tentativa de ajudar na circulação e evitar a fadiga. Era uma prática comum entre os marinheiros: o calor do corpo propiciava mais calor. Webber simplesmente enfiava as mãos nuas e geladas nos bolsos de seu casaco. Ele não podia usar luvas em um dia como esse, porque precisava sentir o leme, a alavanca da embreagem e o acelerador dos barcos que ajudara a guiar de volta às amarras. Quando os homens cansados pararam no píer de pesca de Chatham para analisar seu trabalho, um caminhão da Guarda Costeira estacionou ao lado. “Voltem para Orleans e Nauset Beach”, gritou o motorista. “Houve um naufrágio no mar e eles precisam de ajuda.” A confirmação em terra da situação do Pendleton havia sido dada por uma mulher que vivia na entrada de Nauset. Ela ouvira a buzina do navio tocar sete vezes mar adentro e imediatamente ligara para o chefe de polícia de Orleans, John Higgins, que, em seguida, informara a Estação de Resgate de Nauset sobre o problema. Webber e equipe foram instruídos a se juntar ao grupo da Estação Nauset em seu veículo anfíbio (dukw) para tentar localizar o petroleiro e prestar socorro, se possível. O Duck, como era chamado, era um caminhão anfíbio com tração nas seis rodas, desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente usado durante a invasão aliada da Normandia, no Dia D. dukw é o código do equipamento militar que representa as características do veículo: D significa 1942, ano em que o veículo foi fabricado, U reflete suas qualidades anfíbias, K se refere à capacidade de tração dianteira, e W à tração traseira dupla. E agora, usado pela Guarda Costeira em Nauset Beach, o Duck era o veículo perfeito para transportar os guardas costeiros sobre a areia e a água, enquanto caçavam o Pendleton à deriva. Contudo, primeiro, Webber e sua equipe tinham de chegar a Orleans. Por estradas acidentadas cobertas de neve grossa, o caminho pelo braço de Cape Cod na Route 28 rumo a Orleans foi tensa para os três guardas costeiros. Sob a neve descansava uma camada de gelo; o caminhão Dodge era forçado a avançar devagar pela estrada sinuosa. Felizmente, o aquecimento interno funcionava; mas o conforto só fez Webber pensar em seu amigo, Donald Bangs, que estava ali fora, no oceano gelado, esperançosamente ainda vivo. Webber, Livesey e Gouthro, por fim, chegaram a Orleans e foram recebidos por Roy Piggott e o resto da equipe da Estação de Resgate de Nauset. Os homens se amontoaram em um dukw e seguiram para Nauset Beach, onde estacionaram em uma colina, perto de Mayo’s Duck Farm, na época a principal fornecedora de aves para os seis estados da Nova Inglaterra. As aves se esconderam em segurança em suas casinhas, enquanto os guardas costeiros ocuparam a colina em busca de algum sinal de um navio na tempestade ofuscante. Em qualquer outro momento, a colina teria servido como o local perfeito para escrutar os quilômetros de costa. Contudo, o alto poleiro não oferecia nenhuma ajuda nesse dia, porque a linha litorânea havia praticamente desaparecido. O mar corria para a praia, em frente ao estacionamento e até o meio da colina. No entanto, depois de alguns instantes a neve diminuiu brevemente e os homens conseguiram detectar um volume cinzento, um objeto mais escuro que o oceano, rolando pelas ondas gigantescas. Era metade de um navio, derivando rapidamente em direção ao sul, para Chatham. Eles sabiam que não havia nenhuma maneira de o dukw conseguir pegá-lo naquele momento. A Guarda Costeira emitiu uma diretriz para todos os navios que participavam da operação de resgate do Fort Mercer. O alerta foi classificado como imediatamente operacional e impresso em negrito. Indicação de�nitiva de que petroleiro pendleton partiu-se ao meio — popa nas ondas para chatham; proa derivando perto farol pollock rip — nenhuma indicação prévia relativa a acidente para pendleton — pendleton devia estar em boston ontem e não chegou — isso somado ao fort mercer. Na Estação de Resgate de Chatham, o clima desagradável havia mantido o engenheiro Andy “Fitz” Fitzgerald dentro do calor relativo do “barracão do motor Mack”. O engenheiro, de 20 anos, era o mais jovem membro da Guarda Costeira na estação. Fitz não nascera para o mar, e, na verdade, não sabia nadar muito bem até entrar na Corporação. Havia nascido em 1931, na então chamada capital mundial de calçados, Brockton, Massachusetts. A cidade ganhara esse apelido durante a Guerra Civil, quando as encomendas, feitas pelo governo, de calçados para o exército transformaram Brockton na maior produtora do artigo do país. Em 1929, Brockton abrigava sessenta fábricas de calçados, que empregavam mais de trinta mil trabalhadores. Um desses empregados era o pai de Fitzgerald, que trabalhara em duas fábricas de calçados antes de desarraigar sua família e se mudar para Blackstone Valley e arranjar um trabalho melhor em uma fábrica têxtil, em Whitinsville. Ao contrário de seu colega, Richard Livesey, Fitz não vivera cercado pelos fantasmas da Revolução Americana durante a infância. A cidade de Whitinsville havia sido estabelecida por quacres, cujas influências pacifistas os impediam de participar ativamente na luta pela independência. Contudo, houve muita luta para o jovem Andy Fitzgerald. Como defensor abaixo do tamanho ideal, o adolescente de 63 quilos se iniciou no futebol na Northbridge High School, onde também jogou basquete e beisebol. O final dos anos 1940 foi uma época sombria em Blackstone Valley. As poderosas usinas ao longo do rio Blackstone, que haviam dado sangue vital para a Revolução Industrial no século xix, estavam morrendo. Quando Fitzgerald terminou o Ensino Médio, não tinha dinheiro para a faculdade nem perspectivas de futuro em Whitinsville, por isso ele e um amigo foram de carona até a estação de trem local, seguiram até Boston e ingressaram na Guarda Costeira. Parte do dever de Fitzgerald, pelas manhãs, em Chatham era conduzir para fora da estação três embarcações: o barco patrulha de 38 pés e as duas lanchas salva-vidas de 36 pés, a cg36383 e a cg36500, as “velhas 36”, como as chamavam. Fitz devia se certificar de que cada barco estava abastecido de combustível e também ligar os motores e dar uma boa corrida antes de retornar à costa. Nessa manhã, o novo comandante da Estação de Chatham, Daniel W. Cluff, ordenara a Fitzgerald que não saísse. A tempestade estava forte demais para arriscar-se enviando ao mar o jovem engenheiro em um minúsculo barco a remo. O final da tarde foi dando lugar à escuridão da noite, enquanto Bernie Webber e sua equipe, exaustos, dirigiam o caminhão Dodge do sul de Nauset Beach para a Estação de Chatham. Webber precisava informar ao contramestre Cluff que a popa do Pendleton estava se deslocando depressa. Ele encontrou seu chefe andando de um lado para o outro, tentando decidir o melhor modo de agir. Essa era a primeira grande emergência de Cluff como subtenente na estação de Chatham, e alguns guardas costeiros se perguntavam se ele estaria à altura do desafio. Daniel Cluff era natural de Chincoteague, uma pequena vila de pescadores na costa oriental da Virgínia e lar do famoso evento Chincoteague Pony Swim. O comandante não participava muito do trabalho com os barcos na estação; achava que primeiro precisava conhecer os líderes empresariais da cidade. Cluff chamou Webber com seu sotaque sulista e disse: “Webber, escolha uma tripulação. Você tem de pegar a 36500, atravessar aquela barra arenosa e ajudar aquele navio, estáme ouvindo?”. Webber sentiu um nó no estômago. Ele podia se imaginar atravessando com o pequeno barco de resgate de madeira o perigoso Chatham Bar e avançando em alto-mar; era o pior pesadelo de um marinheiro. O Chatham Bar é uma ilha-barreira, uma coleção de barras de areia em constante mudança, com correntes transbordantes que transportam ondas que podem destroçar pequenas embarcações em segundos. Formadas nas profundezas do oceano, as ondas acabam correndo em direção à barra, ganhando força, velocidade e tamanho em águas mais rasas, onde se enrolam formando vagas assustadoras. Isso quando o tempo está bom. Naquela situação, o perigo era dez vezes maior. Webber já havia visto barcos de pesca com para-brisas estilhaçados e cabines rasgadas como resultado de um encontro violento com o Chatham Bar. E também coisa pior. Da primeira vez que Webber vira a morte no Chatham Bar fora em um acidente com o Cachalot, um barco de pesca para dois homens, de quarenta pés, que tentara atravessar a ilha-barreira em uma tarde ensolarada de outono, em 1950. Escondida nesses belos cenários havia uma onda irada que continuava batendo na costa. Quando o barco de pesca bateu na barra de areia, foi pego por uma onda de quebra que o fez dobrar ao meio. Quando, por fim, o barco deu em uma praia nas proximidades, de cabeça para baixo, não havia sobreviventes. Webber conseguiu recuperar o corpo de um pescador, Elroy Larkin; o corpo de seu parceiro, Archie Nickerson, nunca foi encontrado. Richard Livesey também participou da busca. Ele não sabia disso na época, mas estava à procura do pai de sua futura esposa. Quatro anos mais tarde, Livesey se casaria com a filha de Archie Nickerson, Beverly. As imagens daquele dia fatídico queimavam na memória de Bernie quando ele recebeu as ordens de Cluff; imediatamente ele pensou no lema oficial da Guarda Costeira: Semper Paratus, sempre pronto, em latim. Contudo, era o lema não oficial da Guarda Costeira que pesava em sua mente: Você tem de ir, mas não tem de voltar. “Certo, Mr. Cluff”, respondeu Webber. “Vou me preparar.” Em particular, ele se perguntava por que fora escolhido para essa missão perigosa se havia oficiais igualmente experientes de plantão. No entanto, aceitou o desafio sem hesitação. Ele precisava de alguns homens de pensamento similar para seguir sua liderança. “Quem vai comigo?”, perguntou, em voz alta. O convite era apenas uma cortesia. “Na Guarda Costeira, você pode perguntar primeiro, mas se a resposta não for imediata, diga: ‘Você, você e você!’”, recordaria Webber, mais tarde. Richard Livesey estava mais que um pouco preocupado. Ele vira as poderosas ondas que quebravam sobre North Beach e sabia que seria uma missão horrenda. Ainda assim, lutou contra o medo, a fadiga e o frio que atravessava seu corpo e levantou a mão. “Bernie, eu vou com você”, disse. Em seguida, Webber voltou-se para seu velho amigo, Mel Gouthro, um dos engenheiros da estação, que estava deitado em uma cama dobrável, queimando de febre, em decorrência da mesma cepa de gripe que mantinha a esposa de Webber na cama. Andy Fitzgerald também estava na sala e disse: “Mel está doente, eu vou”. Fitz andara lutando contra o tédio durante o dia todo e estava ansioso para ser voluntário. A tripulação ainda precisava de um quarto homem. Ervin Maske estava à toa no refeitório quando ouviu o chamado de Webber. Ele era convidado na estação e poderia facilmente ter dito não. Maske, de 23 anos, nativo de Marinette, Wisconsin, uma cidade madeireira às margens de Green Bay, era membro do navio-farol Stonehorse e havia acabado de voltar de licença. Estava esperando o transporte para voltar a seu navio, atracado a cerca de uma hora da ponta sudeste de Monomoy Point. Ervin era o mais novo de treze filhos nascidos de Albert e Bertha Maske, que administravam uma grande fazenda de cavalos e gado, em Marinette. Seus irmãos mais velhos foram para o serviço militar em um momento ou outro, mas Ervin decidira seguir seu irmão Clarence — chamado de “Honey Boy” pela família — para a Guarda Costeira. Como Webber, Maske também tinha uma esposa que esperava por ele em casa. Ele era recém-casado com Florence Silverman, que conhecera em um salão de dança, no Brooklyn. Ervin Maske tinha muito a perder e pouco a ganhar nessa operação, com uma tripulação que ele nunca havia visto antes, mas se ofereceu para a missão de resgate sem hesitar um segundo sequer. Webber apertou a mão de Maske e mandou-o se preparar. A tripulação de quatro pessoas estava pronta e disposta, porém ela seria capaz? Webber, com apenas 24 anos, era o mais velho do grupo e o mais experiente. Os outros tinham 20 e poucos anos, e Andy, aos 20 anos, estava na Guarda Costeira havia dois anos e acabara de se formar técnico de motores. Ele nunca participara de um resgate, mas ouvira falar das dificuldades de atravessar o Chatham Bar em alto-mar. O maior susto na carreira de Fitzgerald havia acontecido logo após o campo de treinamento de recrutas, quando ele fora designado a um navio-farol ancorado na ilha de Cuttyhunk. Andy acordou com o barulho assustador das correntes da âncora estalando e se partindo. Enquanto a tripulação corria, o navio-farol começou a derivar perigosamente próximo às rochas. Depois de alguns minutos frenéticos, a tripulação conseguiu ligar os motores antes que batessem na costa rochosa. O técnico esperava que sua falta de experiência não fosse prejudicial para a tripulação. Embora não conhecesse Bernie muito bem pessoalmente — Bernie era mais velho e casado —, Andy havia saído na 36500 com ele durante o trabalho de rotina e notado como o capitão levara o barco habilmente sobre o Chatham Bar. Se Andy precisasse escolher qualquer homem da estação para atravessar com o barco de salvamento a barra de areia e as águas circundantes durante uma tempestade, teria escolhido Bernie. Contudo, aquela não era uma tempestade comum. Andy ouvira os diversos relatórios da rádio marinha que falavam de ondas inimagináveis de mais de dezoito metros. Maske, Webber, Fitzgerald e Livesey nunca haviam treinado juntos e, de fato, os três homens de Chatham sequer conheciam Maske até aquele dia. No entanto, o quarteto tinha tantas semelhanças quanto diferenças. Todos estavam em ótima forma física e haviam entrado na Guarda Costeira para salvar vidas, e agora tinham uma chance. Webber era o mais alto dos homens, com 1,89 metro, compleição esguia e uma atitude reservada. Livesey, com cerca de dez centímetros a menos de altura, era animado e tinha senso de humor. Sua calma, porém, só ia até aí. Livesey havia ganhado o apelido de “Touro da Manada”, por sua capacidade de assumir a liderança e distribuir ordens aos outros homens. Andy, com 1,83 metro, tinha um sorriso pronto e fazia amigos por onde passava. Maske, o menor do grupo, era um jovem modesto, relativamente calmo, mas com energia — poucos homens colocam sua vida em risco se oferecendo para entrar em um turbilhão com três estranhos. Os quatro se sentiam dominados pelo medo ao pensar no mar tempestuoso, embora carregassem a determinação de manter a ansiedade sob controle e fazer o que tinha de ser feito. capítulo 6 Chatham Bar Com grande trepidação, Webber, Livesey, Fitzgerald e Maske partiram da Estação de Resgate de Chatham e se dirigiram ao Fish Pier. Webber estacionou o caminhão Dodge e desceu na neve. Através dos flocos de neve espessa a equipe mal podia ver o pequeno bote salva-vidas de madeira que ia pegar para a jornada, balançando violentamente para a frente e para trás, a distância. Os guardas costeiros foram até a lateral do cais e desceram uma escada para um pequeno douro. Estavam preparando-o para sair quando Webber ouviu uma voz chamar no cais acima. “É melhor vocês se perderem antes de chegarem muito longe”, gritou um pescador local, John Stello. Era sua maneira de dizer: “Desistam enquanto ainda é tempo”. Stello era capitão do Jeanie S. — homenagem a sua esposa — e conhecido
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