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Horas decisivas - Tougias, J Michael

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Diretora
Rosely Boschini
Gerente Editorial
Marília Chaves
Editora
Carla Fortino
Estagiária
Natália Domene Alcaide
Editora de Produção Editorial
Rosângela de Araujo Pinheiro Barbosa
Controle de Produção
Karina Groschitz
Tradução
Sandra Martha Dolinsky
Preparação
Geisa Mathias de Oliveira
Projeto Grá�co e Diagramação
Osmane Garcia Filho
Revisão
Vero Verbo Serviços Editoriais
Capa
�iago de Barros
Imagem de Capa
U.S. Coast Guard
Produção do e-book
Schäffer Editorial
Única é um selo da Editora Gente.
Título original: THE FINEST HOURS. �e true story of the U.
S. Coast Guard’s most daring sea rescue, by Michael J. Tougias
and Casey Sherman.
Copyright © 2009 by Casey Sherman and Michael Tougias
Este livro foi negociado através de Ute Körner Literary
Agent, Barcelona – www.uklitag.com e Books Crossing
Borders, Inc.
Todos os direitos desta edição são reservados à Editora
Gente.
Rua Pedro Soares de Almeida, 114,
São Paulo, SP – CEP 05029-030
Telefone: (11) 3670-2500
Site: http://www.editoragente.com.br
E-mail: gente@editoragente.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Tougias, Michael J.
    Horas decisivas : A história real do mais ousado resgate marítimo / Michael J. Tougias
e Casey Sherman ; tradução de Sandra Martha Dolinsky. – São Paulo : Única, 2016.
 
 
 Bibliogra�a
    ISBN 978-85-67028-82-8
 Título original: �e �nest hours
 
    1. Naufrágios 2. Pendleton - Navios-tanques 3. Barcos salva-vidas I. Título II.
Sherman, Casey III. Dolinsky, Sandra Martha
 
15-1071
http://www.studioschaffer.com/
http://www.editoragente.com.br/
mailto:gente@editoragente.com.br
Índice para catálogo sistemático:
1. Naufrágios 910.452
À equipe de resgate, aos 
sobreviventes e àqueles que não 
conseguiram voltar a terra.
sumário
prólogo
partes dos petroleiros e seus barcos de resgate
parte i
capítulo 1      Estação de Resgate de Chatham
capítulo 2      O Pendleton
capítulo 3      O Fort Mercer
capítulo 4      “Não pode ser verdade”
capítulo 5      “Você tem de pegar a 36500”
capítulo 6      Chatham Bar
capítulo 7      Mobilização em Chatham
capítulo 8      “Ele veio à tona, boiando”
capítulo 9      Perdendo as esperanças: na popa do Pendleton
capítulo 10    Todos menos um: o resgate à popa do Pendleton
capítulo 11    Trinta e seis homens em um barco de 36 pés
capítulo 12    Pandemônio em Chatham
parte ii
capítulo 13    Emborca a proa do Mercer
capítulo 14    Uma manobra memorável
capítulo 15    Terça-feira na Estação de Chatham
capítulo 16    Treze homens ainda a bordo
capítulo 17    Buscas na proa do Pendleton
parte iii
capítulo 18    A investigação
capítulo 19    Ser rotulado de herói pode ser um fardo
capítulo 20    Problemas no petroleiro
capítulo 21    Além do resgate
capítulo 22    A restauração
epílogo    Eles já foram jovens
apêndice
agradecimentos
bibliogra�a
prólogo
Orleans, Massachusetts
Ela está situada no final de um longo píer de madeira, no porto de
Harbor. Guerreiros de fim de semana conduzem reluzentes barcos de
recreio com as geladeiras abastecidas, a caminho da baía de Cape Cod,
sem lhe dirigir mais que um breve olhar. Quando você se aproxima do
estacionamento, nota a grande placa do Registro Nacional de Lugares
Históricos aparafusada a um poste de madeira, acima da doca. A placa
oferece um indício sobre o passado dela e, em seguida, gentilmente,
pede-lhe um pequeno tributo monetário. Você coloca um dólar ou dois
em uma caixa de doação, segue até o fim do cais e desce uma prancha de
metal. Enquanto desce, você pensa no que o levou até ali: uma história
que parece maior que a vida. A expectativa aumenta à medida que você
navega cuidadosamente a encosta íngreme, rumo à plataforma flutuante
abaixo. De repente, você capta sua visão com o olho esquerdo. Para os
desinformados, é uma visão impressionante. Ela tem apenas 36 pés de
comprimento e parece quase um brinquedo em comparação com os
barcos maiores no porto.
A lancha é branca, reluzente, depois de ter sido cuidadosamente
restaurada por uma competente equipe de voluntários. Perto da proa se
lê seu nome em grandes letras pretas. Ela não carrega um apelido
memorável, como o Can Do ou o Andrea Gail; de fato, ela nem tem
nome. É chamada por sua classificação: cg36500. O cg significa que é
um barco da Guarda Costeira; o 36 se refere a seu comprimento em pés,
e 500 é o número de identificação atribuído a essa particular lancha de
salvamento de 36 pés.
Você pisa a bordo e, de repente, o barco parece ainda menor;
atravessa a porta estreita, colocando um pé na frente do outro, com a
mão firme no corrimão de madeira, para se equilibrar. Segue em direção
ao abrigo do timoneiro e põe as mãos no leme, olhando fixamente
através do para-brisa, e imagina como deve ter sido naquela noite
fatídica. Contudo, por mais que tente, você não pode reproduzir as
condições horríveis que fizeram dessa embarcação uma lenda. A brisa
que você sente é leve; não é um vento feroz que bate em seu rosto e
morde sua carne. O mar está calmo agora, não como naquela noite,
tantos anos atrás, quando a água subiu, formando um muro de mar e sal
de sete andares de altura.
Seu devaneio é interrompido pela dura voz do novo capitão do
barco. O timoneiro Peter Kennedy o chama para a cabine do
sobrevivente, perto da proa da embarcação. Ele abre uma pequena
escotilha e acena para que entre. Você desce uma escada curta e adentra
suas catacumbas escuras. Tenta se ajustar ao pequeno espaço. Kennedy,
um homem alto e em forma, de 1,90 metro, segue-o escada abaixo,
rumo ao porão. A cabine foi construída para acomodar doze homens,
mas com apenas duas pessoas já parece apertada e claustrofóbica. Você
se senta e olha para todos os coletes salva-vidas preservados ali,
pregados ao longo das paredes, e é quando se dá conta. Você se
pergunta: Como este pequeno barco foi capaz de salvar tantas vidas? A
resposta repousa não só no design da embarcação, mas também nos
quatro corajosos jovens que o guiaram.
partes dos petroleiros 
e seus barcos de resgate
Popa do Pendleton
Lancha de salvamento 36500 de 36 pés 
comandada por Bernie Webber
Proa do Pendleton
Guarda-costas McCulloch
Lancha de salvamento 36383 de 36 pés 
comandada por Donald Bangs
Proa do Fort Mercer
Guarda-costas Yakutat
Guarda-costas Unimak
Lancha de salvamento de 36 pés (de Nantucket) 
comandada por Ralph Ormsby
Popa do Fort Mercer
Guarda-costas Acushnet
Guarda-costas Eastwind
Navio mercante Short Splice
Caminho do resgate da cg36500.
Os caminhos do Fort Mercer e do Pendleton, dos pontos onde os
navios se partiram até os locais de resgate.
p a r t e   i
capítulo 1
Estação de Resgate de Chatham
O mar é mestre aqui — um tirano, até —, e nenhum povo além do nosso, que
desceu para o mar em navios tantas vezes em tantas gerações, entende melhor o
sutil ditado: “Nós conquistamos a natureza somente quando lhe obedecemos”.
e. g. perry, 1898
Chatham, Massachusetts
18 de fevereiro de 1952
Bernie Webber, contramestre, segurava uma caneca de café quente em
suas mãos grandes, enquanto olhava pela janela enevoada do refeitório.
Aquele café não era tão ruim. Saíra de uma panela de três galões e fora
feito da mistura de café com duas cascas de ovos, para ajudar a borra a se
depositar no fundo. O filho do pastor protestante de Milton,
Massachusetts, observava com crescente curiosidade e preocupação a
tempestade que continuava a se fortalecer, do lado de fora. A
tempestade Nor’easter do solstício de inverno havia parado a Nova
Inglaterra nos últimos dois dias e Webber se perguntava se o pior ainda
estaria por vir. Ele observava a neve varrida pelo vento dançando sobre
as areias movediças e os grandes montes que se formavam ao lado da
torre do farol, no jardim da frente da Estação de Resgate de Chatham.
Ao mesmo tempo, dois faróis haviam sido erguidos ali; juntos, eram
conhecidos como os Twin Lights de Chatham. Tudo que restava do
segundo farol era a velhafundação, e, nessa manhã, estava
completamente coberta de neve.
Tomando um gole de café, Webber pensou em sua jovem esposa,
Miriam, acamada com uma forte gripe, em sua casa de campo, em Sea
View Street. E se houvesse uma emergência? E se ela precisasse de
ajuda? O médico conseguiria chegar até ela nesse clima? As perguntas
foram desgastando seus nervos e Webber lutava para tirá-las da cabeça.
Tentou pensar nos pescadores locais, todos reunidos em volta do velho
fogão a lenha, no píer de pesca de Chatham. Logo estariam pedindo sua
ajuda, quando seus navios começassem a subir e descer sobre as ondas
em Old Harbor, retesando suas linhas. Se a tempestade está tão ruim agora,
como vai ser daqui a algumas horas, quando realmente começar?, pensou.
Webber, contudo, não reclamaria do dia difícil que estava
enfrentando. O contramestre tinha apenas 24 anos, mas já trabalhava no
mar havia quase uma década, depois de ter servido no U.S. Maritime
Service [Serviço Marítimo dos Estados Unidos] durante a Segunda
Guerra Mundial. Três irmãos mais velhos de Webber também haviam
servido na guerra. Paul, o mais velho, servira na 26ª Divisão do
Exército, na Alemanha. A chamada Divisão Yankee lutara na Batalha do
Bulge, junto com o Terceiro Exército do general George S. Patton, na
captura da cidade fortificada de Metz. Bob, o segundo mais velho,
ajudara a proteger a pátria na Guarda Costeira dos Estados Unidos. O
terceiro, Bill, ajudara a construir a Alaska Highway como membro do
Corpo de Transporte do Exército.
Bernie havia seguido seu irmão Bob na Guarda Costeira, mas esse
não era o tipo de vida que seus pais haviam planejado para ele. Desde a
infância, o pai de Webber, pastor associado da Tremont Temple Church,
em Boston, dirigira-o para uma vida no ministério. O diácono da igreja,
inclusive, pagara para que Bernie cursasse a escola para meninos Mount
Hermon, localizada a 170 quilômetros de distância, em Gill, Massa- 
chusetts — uma cidade pequena, que abraça o rio Connecticut. Fundada
em 1879, a escola se vangloriava de ter tido alunos de prestígio, como
DeWitt Wallace, fundador da Reader’s Digest, e James W. McLamore,
criador do Burger King. Desnecessário dizer que Bernie era como um
pária econômico entre a população da escola preparatória. Ele chegara a
Mount Hermon carregando sérias dúvidas e usando roupas de segunda
mão de seu irmão. Não era um bom aluno e questionava, em particular,
por que estava ali. No fundo do coração, Webber sabia que não queria
seguir os passos do pai. Pensava em fugir da escola quando o destino
interveio: um amigo de infância que havia batido o carro do pai
apareceu, à procura de um lugar para se esconder. Webber atendeu ao
pedido de seu amigo, acolhendo-o em um dos dormitórios de estudantes
e roubando comida do refeitório da escola para ele comer. Os dois
foram pegos depois de alguns dias, mas não ficaram por ali tempo
suficiente para enfrentar as consequências. Fugiram para as colinas e os
campos de milho ao redor da escola e acabaram conseguindo voltar para
Milton.
O reverendo Bernard A. Webber se esforçou para compreender a
atitude de seu tão jovem filho rebelde, Bernie, de sair da escola e
continuar à deriva. Um ano depois, aos 16 anos, Bernie teve uma ideia
que mudaria o curso de sua vida sem rumo. Ouvira dizer que o U.S.
Maritime Service estava à procura de jovens como ele para treinamento,
em Nova York. Se Bernie conseguisse completar o árduo treinamento
de campo, poderia servir ao esforço de guerra em um navio mercante.
Logo que seu pai, com relutância, assinou a papelada para o alistamento,
Bernie rapidamente ingressou e foi educado nos fundamentos da
marinharia na U.S. Maritime Service Training Station [Estação de
Treinamento do Serviço Marítimo dos Estados Unidos], em Sheepshead
Bay, Nova York, onde também recebeu treinamento do ex-campeão
mundial de peso-pesado, Jack Dempsey, que então servia como
comandante da Guarda Costeira e também como instrutor atlético na
estação de treinamento. Quando concluiu o treinamento, Webber partiu
no ss Sinclair Rubiline, um petroleiro t-2 que transportava gasolina dos
portos em Aruba e Curaçao para os navios de guerra norte-americanos
da Terceira Frota dos Estados Unidos, no Pacífico Sul. Durante esse
tempo, o rapaz percebera que não passaria a vida no ministério ou em
nenhum outro trabalho em terra. Bernie Webber havia nascido para o
mar. Alistou-se na Guarda Costeira dos Estados Unidos em 26 de
fevereiro de 1946 e foi enviado para sua estação de treinamento em
Curtis Bay, Maryland. Em cartas aos recrutas da época, o comandante
da estação de treinamento da Guarda Costeira resumiria a vida e o dever
de um guarda costeiro da seguinte forma:
Trabalhos difíceis são rotina neste serviço. De certa forma, a Guarda Costeira está
sempre em guerra. Em tempos de guerra, contra os inimigos armados da nação; e em
tempo de paz, contra todos os inimigos da humanidade no mar: fogo, abalroamento,
ilegalidade, vendaval, gelo, naufrágio e muitos mais. A Guarda Costeira, portanto, não
é lugar para desistentes, para um bebê chorão, para um trapaceiro ou para qualquer
pessoa que não possa se concentrar no que está fazendo. O período de treinamento dos
recrutas é um momento de teste, hora após hora e dia após dia, para determinar se são
ou não feitos do material certo. Cabe a vocês, como indivíduos, provar seu valor.
Webber servia então em Chatham, um pequeno posto avançado no
cotovelo de Cape Cod. Seu valor e sua coragem já haviam sido testados
várias vezes nas implacáveis águas dali. Era um dos lugares mais
movimentados e mais perigosos para os que ganhavam a vida no mar. O
diretor da U.S. Coast and Geodetic Survey [Centro de Pesquisas
Geodésicas dos Estados Unidos] escreveu sobre esse lugar, em 1869:
“Talvez não haja outro lugar no mundo onde marés de tão pequena
elevação e queda sejam acompanhadas por correntes tão fortes”. De
fato, marinheiros se referiam à área como “Cemitério do Atlântico”, e
por um bom motivo. Os esqueletos submersos de mais de três mil
embarcações estavam espalhados pelo fundo do oceano, de Chatham a
Provincetown. O primeiro naufrágio conhecido foi o do Sparrowhawk,
que encalhou em 17 de dezembro de 1626, em Orleans. A tripulação,
junto com colonos com destino a Virgínia, conseguiu chegar à praia em
segurança e o navio foi reparado. Contudo, antes que pudesse içar velas
de novo, outra devastadora tempestade oceânica afundou o
Sparrowhawk, definitivamente. O episódio foi detalhado pelo
governador William Bradford, em seu diário de Plymouth Colony.
Duzentos anos depois, a erosão trouxe os destroços à vista, em um
banco de lama na costa de Orleans. O famoso hms Somerset também
encontrou seu destino nas águas traiçoeiras de Cape Cod. O navio,
imortalizado no poema de Longfellow, A cavalgada à meia-noite de Paul
Revere, naufragou nos baixios de Truro durante um violento vendaval,
em 3 de novembro de 1778. Vinte e um oficiais britânicos e marinheiros
se afogaram quando o bote salva-vidas virou a caminho da costa. O
capitão do navio, George Ourry, rendeu-se ao membro do conselho
municipal de Truro, Isaiah Atkins, em nome de seus 480 tripulantes. Os
sobreviventes foram levados como prisioneiros de guerra e, em seguida,
marcharam até Boston, escoltados por milícias da cidade. (Paul Revere,
que certa vez remara furtivamente à frente do Somerset para alertar
Lexington e Concord da invasão britânica, mais tarde recebeu as 64
armas do navio para ajudar a fortificar Castle Island, no porto de
Boston.) Como o escritor Henry C. Kittredge observou em Cape Cod: Its
People & Their History (1930): “Se todos os destroços empilhados no
fundo de Cape Cod fossem alinhados de proa a popa, formariam uma
parede contínua de Chatham até Provincetown”.
O batismo de fogo de Bernie Webber chegou durante uma noite de
1949, quando ele atendeu a seu primeiro chamado de socorro na
Estação de Resgate de Chatham. O contratorpedeiro da Classe Gleavesuss Livermore havia encalhado no banco de areia de Bearse, além da
ilha de Monomoy. A sorte navegara com o Livermore até esse ponto.
Sua tripulação conseguira evitar as alcateias de submarinos nazistas,
enquanto escoltava comboios para a Islândia com destino à Inglaterra,
nos meses antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra
Mundial. Em 9 de novembro de 1942, o contratorpedeiro participara da
invasão aliada ao norte da África, fornecendo apoio antissubmarino,
antiaéreo e poder de fogo fora de Mehdia, no Marrocos francês. O
Livermore havia sobrevivido à guerra relativamente incólume, coisa que
alguns membros de sua tripulação atribuíam ao fato de ter sido o
primeiro navio de guerra norte-americano a receber o nome de um
capelão da Marinha, Samuel Livermore.
O contramestre Leo Gracie levara Webber e a tripulação em um
barco patrulha de 36 pés sobre o traiçoeiro Chatham Bar, onde esperava
encalhado o Livermore, com a tripulação da Reserva Naval a bordo. O
navio descansava no alto do banco de areia e se in clinava perigosamente
para o lado. Webber e os homens ficaram com o contratorpedeiro a
noite toda, enquanto rebocadores de resgate eram chamados. Na manhã
seguinte, os homens da Guarda Costeira ajudaram nas várias tentativas
frustradas para libertar o navio de guerra, até que finalmente obtiveram
sucesso e o Livermore seguiu caminho com segurança. Webber sorria
enquanto a tripulação do Livermore aplaudia a ele e a sua equipe. Os
marinheiros haviam lhes dado uma recepção bastante diferente horas
antes, quando lhes atiraram maçãs, laranjas e até pesadas correntes de
aço, porque, a seus olhos, a missão de resgate estava demorando demais.
Isso tudo era parte de uma rivalidade amigável entre a Marinha e a
Guarda Costeira. A tripulação da Reserva Naval ficara, sem dúvida,
meio envergonhada quando o resgate chegou pelas mãos da Guarda
Costeira — ou Hooligan’s Navy, como a chamavam.
Sim, a vida de um membro da Guarda Costeira muitas vezes era
ingrata, mas Webber não a trocaria por nenhum outro trabalho no
mundo. E, nesse momento, logo após o amanhecer, ele olhava pela
janela do refeitório, ouvia o uivo do vento e se perguntava o que o dia
lhe reservava.
capítulo 2
O Pendleton
O Atlântico Norte era uma convulsão de fúria dos elementos açoitada pelo vento e
pelo granizo; as grandes ondas batiam todas juntas e se combinavam em uma
fervilhante e imensa confusão. O som dessa arrebentação de quilômetros era um
rugido em expansão infinita, um fragor raivoso e terrível, tudo interligado com o
alto grito do vento.
henry beston
O capitão John J. Fitzgerald Jr. era novo no ss Pendleton, mas conhecia
a imprevisibilidade do tempo da Nova Inglaterra. Fitzgerald havia
assumido o comando do petroleiro t-2 de 503 pés e 10 448 toneladas só
um mês antes. Contudo, o homem de queixo protuberante, residente de
Roslindale, Massachusetts, estava familiarizado com essas águas e tinha
um respeito salutar pelos perigos do Atlântico Norte. Fitzgerald nascera
no Brooklyn, Nova York, e era filho de um capitão do mar de Nova
Escócia. O capitão do Pendleton havia seguido seu pai na Marinha
Mercante e servira como capitão de petroleiro durante a Segunda
Guerra Mundial. Depois da guerra, pai e filho foram trabalhar na
National Bulk, uma empresa de transporte marítimo fora de Nova York.
O Pendleton havia partido de Baton Rouge, Louisiana, em 12 de
fevereiro de 1952, com destino a Boston. O petroleiro transportava, do
Texas, 122 mil barris de querosene e óleo para aquecimento doméstico;
seus nove tanques de carga estavam totalmente cheios. Como a maioria
das tripulações de petroleiros, os homens a bordo do Pendleton eram
uma mistura de velhos amigos e totais estranhos. Era também um
clássico caldeirão de raças, credos e cores. Alguns homens aproveitavam
o tempo de inatividade para conhecer uns aos outros jogando baralho,
enquanto outros não se interessavam em estabelecer laços estreitos com
seus colegas de tripulação e se ofereciam para o máximo de turnos extras
que pudessem, na esperança de ter a carteira cheia quando deixassem o
navio.
Havia sido uma viagem difícil para Fitzgerald e sua tripulação de
quarenta homens, desde o início. O Pendleton havia atravessado forte
tempestade em Cape Hatteras, Carolina do Norte, e o mau tempo o
acompanhava como um presságio obscuro na viagem, subindo a costa.
Nesse momento, cinco dias após a partida, a tripulação enfrentava seu
maior desafio: uma nevasca que não dava nenhum sinal de
enfraquecimento. Mais de vinte metros de neve já haviam caído na área
de Boston, onde um exército de quinhentos trabalhadores da cidade
utilizava duzentos caminhões e 35 carregadores de neve para limpar o
centro da cidade e as estreitas ruas de Beacon Hill. South Shoré também
estava levando uma surra de ondas enormes, que rasgavam um quebra-
mar de quase nove metros de altura na cidade costeira de Scituate. Mais
ao sul, em Cape Cod, mais de quatro mil telefones haviam sido
nocauteados pelo gelo espesso e pela neve, que derrubara uma linha
após a outra. Em Maine, fora ainda pior. Grande parte do norte da
Nova Inglaterra estava enterrada debaixo de sessenta centímetros de
neve molhada e pesada. Era a mais perigosa tempestade de inverno dos
últimos anos. Mais de mil motoristas do Maine viram-se ilhados em
estradas cobertas de neve, sob montes de mais de três metros de altura.
Muitos ficaram presos dentro de seus veículos cerca de 36 horas, até que
a ajuda chegasse. Uma corrida de raquete de neve tivera de ser
cancelada em Lewiston, Maine, por causa de tanta precipitação!
O Pendleton chegou aos arredores do porto de Boston no final da
noite de domingo, 17 de fevereiro, e seu capitão, de 41 anos, estava
ansioso para reencontrar a esposa, Margaret, e os quatro filhos; vários
membros da tripulação também viviam na Nova Inglaterra e desejavam
rever suas famílias. Contudo, os reencontros teriam de esperar, porque a
visibilidade era fraca e o capitão Fitzgerald não podia ver a luz do farol
de Boston através da neve ofuscante. Sem o farol para guiá-los, ele
jamais arriscaria a vida de seus tripulantes entrando com o enorme
petroleiro no porto de Boston e contornando as 34 ilhas que
pontilhavam a área. De modo que Fitzgerald, sensatamente, ordenou
que o Pendleton voltasse ao mar, onde o navio poderia enfrentar a
tempestade esperando melhor visibilidade, antes de aportar.
Perto da meia-noite, o Pendleton viu-se preso no meio de um
verdadeiro vendaval, com ventos árticos que sopravam em todas as
direções. Oliver Gendron havia acabado de jogar baralho com os
rapazes da tripulação do motor. O intendente de navio, de 47 anos, de
Chester, Pensilvânia, havia recolhido seus ganhos e estava prestes a
voltar para seus aposentos, na proa do navio, quando seus amigos lhe
imploraram que ficasse. As águas já atingiam a altura de pequenos
edifícios, e aventurar-se lá fora podia significar ser varrido do navio para
o mar gelado. Para retornar aos aposentos, Gendron teria de sair da
popa e atravessar a passarela, que, nessa noite, seria especialmente
traiçoeira. Ele concordou com os companheiros; era perigoso demais
deixar a popa. De modo que subiu em um beliche e tentou dormir um
pouco.
Às quatro da manhã, o Pendleton, apesar de tentar manter sua
posição na baía de Cape Cod, foi empurrado pelos ventos para a ponta
de Provincetown, oceano adentro a leste de Cape Cod. Ondas
monstruosas caíam sobre a popa, mas o navio estava navegando bem, e o
capitão Fitzgerald não demonstrava medo nenhum pela segurança de
seus homens. Nas duas horas seguintes isso mudaria. Por volta das 5h30,
o engenheiro-chefe Raymond L. Sybert, de Norfolk, Virgínia, ordenou
ao oficial que não permitisse que nenhum membro da tripulação
atravessasse a passarela da proa à popa. Também diminuiu a velocidade
do navio para apenas sete nós.
Minutos depois, por volta das 5h50, um rugido estrepitoso ecoou
pelas entranhas do navio. A tripulação sentiuo gigantesco petroleiro se
erguer sobre o oceano turbulento. Seguiu-se um tremor e um estrondo
ensurdecedor quando o Pendleton mergulhou de bico, segundos depois.
Charles Bridges, um marinheiro de 18 anos, de Palm Beach, Flórida,
estava dormindo em sua cama antes de o navio balançar e rachar, mas o
som terrível o fez se levantar de um pulo. “Peguei minha calça, meus
sapatos e um colete salva-vidas e corri para cima”, recorda Bridges.
“Cheguei ao refeitório, onde alguns outros homens estavam reunidos.
Não havia eletricidade e ainda estava escuro lá fora, de modo que era
difícil saber o que estava acontecendo. Antes que alguém pudesse me
deter, peguei uma lanterna e corri até a passarela para ver o que o
pessoal estava fazendo na proa do navio. Apontei a lanterna para o piso
de aço da passarela e rapidamente segui a luz até a meia-nau. As ondas
eram enormes e seus respingos chicoteavam o convés, misturando-se
com o frio granizo que caía. Subitamente, parei, porque o piso da
passarela havia desaparecido, e percebi que, com mais dois passos, eu
cairia direto no oceano.”
Bridges deu meia-volta e correu para o refeitório, gritando:
“Estamos em apuros! O navio se partiu ao meio!”. Alguns homens
sugeriram imediatamente baixar os botes salva-vidas, mas Bridges disse
que estavam loucos, que os botes não teriam a menor chance naquelas
ondas enormes.
Embaixo, no convés mais baixo do navio, onde ficava a sala das
caldeiras, ninguém sabia o que havia acontecido, mas o bombeiro Frank
Fauteux, de Attleboro, Massachusetts, temia o pior. Fauteux, um
veterano com nove anos de mar, era um homem grande com grossas
costeletas que desciam até seu queixo quadrado, dando-lhe a aparência
de um capitão Ahab moderno. Ele sobrevivera ao torpedeamento de seu
contratorpedeiro no Mediterrâneo, durante a Segunda Guerra Mundial,
bem como à explosão do ss Grandcamp, em 1947, que desencadearia
uma maré de mais de quatro metros de altura, matando centenas de
pessoas em Texas City, no Texas.
Fauteux sentiu o Pendleton dar uma guinada e ouviu a forte
explosão que se seguiu. Lutou para se segurar quando um solavanco
mais violento sacudiu o navio ferido. Imediatamente, pensou nos
desastres de que havia escapado no passado e achou que sua sorte
finalmente acabara. Momentos depois, Sybert, o engenheiro-chefe,
chegou correndo à sala das caldeiras. “O navio se partiu ao meio!”,
gritou.
Assim que o navio foi dividido em dois, o primeiro assistente
engenheiro, David Brown, que estava de plantão na sala de sentinelas,
na popa do Pendleton, diminuiu a marcha dos motores ao mínimo.
Logo depois, o engenheiro-chefe Sybert ordenou a Brown que os
desligasse. A essa altura, toda a tripulação acordara com o estrondo e
lutava para sair de seus aposentos para descobrir o que acontecera.
Todos haviam sentido o navio chacoalhar, e muitos observaram uma
enorme bola de fogo. Henry Anderson, que trabalhava na manutenção
(conhecido como “limpador”), de New Orleans, estava deitado em seu
saco de dormir quando sentiu o que descreveu mais tarde como um
“grande impacto”. Anderson pegou seu colete salva-vidas e correu para
o refeitório, onde pôde ver o dano em primeira mão. “Um colega e eu
pegamos um martelo, fechamos a porta e a pregamos, porque a água
estava entrando”, lembrou.
Outro limpador, Fred Brown (nenhuma relação com David Brown),
de 35 anos, acordara com o chacoalhão em sua cama. Ele havia
arrumado um emprego a bordo do Pendleton depois de trabalhar
muitos anos como pescador comercial na acidentada Casco Bay, no
Maine. Mais de quarenta navios encontraram seu destino ao longo da
costa do Maine, uma estatística de que o antigo pescador não se
esquecia. Fred Brown tinha uma esposa e quatro filhos para sustentar
em Portland, e acreditava que trabalhar em um petroleiro seria mais
seguro que em uma traineira. Quando ouviu um barulho de abalar a
terra, Brown pensou que o Pendleton havia batido em uma rocha. “Eu
ouvi um barulho alto de algo rachando”, disse ele, mais tarde. “Foi
como se um grande pedaço de estanho tivesse sido rasgado.” Ele vestiu
suas roupas e correu até a plataforma, onde se reuniu com vários colegas
marinheiros, formando um escudo humano contra a arrebentação que
tomara conta da popa. Brown era atormentado por explosões de
respingos de mar congelante, enquanto estava ali com os outros
homens, atordoado pela visão da proa do navio que flutuava para longe
e desaparecia na neve. No momento da quebra, o capitão Fitzgerald e
vários oficiais estavam na casa do leme na proa. Agora, haviam
desaparecido.
Joseph Zeptarski, de 46 anos, trabalhava no mar desde 1926 e nunca
caíra do beliche antes. Nativo de Central Falls, Rhode Island, havia
acabado de terminar seu turno no refeitório dos oficiais e estava
dormindo quando o petroleiro se partiu. Zeptarski foi arremessado de
seu beliche para a plataforma das cabines, onde acordou, atordoado.
Lutou para ficar em pé, pegou seu colete salva-vidas e subiu, sendo
recebido pelas maiores ondas a que já assistira.
Wallace Quirey, de 49 anos, terceiro assistente engenheiro do navio,
presenciara muita coisa em seus 25 anos de mar, mas nunca vira ou
sentira nada assim. Após a explosão, Quirey pegou o colete salva-vidas e
a Bíblia que sua mãe lhe dera, oito anos antes. Ele a levava em todas as
viagens, desde então, o que lhe servia como colete salva-vidas espiritual.
Enquanto ele e os outros corriam de seus aposentos e subiam a escada,
com o pânico a Bíblia foi arrancada de suas mãos. Quirey a viu cair
escada abaixo, enquanto era empurrado para a frente por uma maré de
colegas da tripulação que tentavam chegar à parte de cima. Não houve
tempo para voltar e recuperá-la. “Cheguei à popa, e as ondas deviam ter
mais de quinze metros de altura”, lembrou. “Elas varriam o convés dos
botes salva-vidas, o mais alto, e se estendiam por um metro e meio,
depois de quebrar bem no topo do mastro.” Alguns a bordo do navio
calcularam a altura das ondas em mais de vinte metros.
Quirey localizou o mais novo membro da tripulação do navio,
Carroll Kilgore, de 16 anos, e se abraçou firme a ele, enquanto
continuavam sendo surrados pelo vento e pelas ondas. Quirey e os
demais tinham ficado de olho no adolescente de Portland, Maine,
durante toda a viagem. Kilgore havia assinado os papéis do alistamento
quatro semanas antes. Como Bernie Webber fizera havia quase uma
década, o banguela de cabelos rebeldes ingressara na Marinha Mercante
em busca de uma vida de emoção e aventura. Um mês depois, estava
agachado na popa, surrado por ondas, assustado como uma criança
naquela que era sua primeira — e possivelmente última — viagem.
Os marinheiros, trêmulos, viram com um brilho de esperança a proa
do Pendleton ressurgir, rapidamente, à vista. A proa roçou a popa e,
depois, ambas se afastaram como uma aparição, a primeira mantendo o
capitão Fitzgerald e sete membros de sua equipe —  o chefe dos
suboficiais Martin Moe, o segundo suboficial Joseph W. Colgan, o
terceiro suboficial Harold Bancus, o operador de rádio James G. Greer,
os marinheiros de primeira classe Joseph L. Landry e Herman G.
Gatlin, e o também marinheiro Billy Roy Morgan — presos a bordo.
Quase todos os membros da equipe de comando do navio estavam
separados do resto da tripulação. Os sobreviventes, açoitados na popa,
sussurraram uma oração pela segurança de seus companheiros e, em
seguida, voltaram-se para o oficial de grau superior, em busca de
orientação e esperança.
Com apenas 33 anos, o engenheiro-chefe Raymond Sybert viu-se no
comando da popa do Pendleton. Ele reuniu a tripulação, que agora
consistia de 32 homens, e ordenou que todas as portas estanques fossem
fechadas, exceto as que ligavam a sala das caldeiras à sala de máquinas.
Sybert também definiu detalhes de turnos, incluindo plantões de
sentinela nas duas extremidades do convés dos botes salva-vidas. E,
então, foi avaliar os danos e viu que o Pendleton estava derramando sua
carga de querosenee óleo para aquecimento doméstico no mar; o grosso
líquido preto cobria as cristas espumantes das ondas iradas que subiam e
desciam em volta do navio. O petroleiro havia se partido ao meio no
tabique entre os tanques de carga de números 7 e 8.
O Pendleton era um t-2-se-a1, comumente conhecido como
petroleiro t-2. No entanto, esses navios tinham ganhado um apelido
mais duvidoso, e alguns críticos se referiam a eles como “afundadores
em série” e “caixões do Kaiser”. O problema com os petroleiros t-2
remontava a quase uma década antes, começando em 17 de janeiro de
1943, quando o Schenectady se quebrara ao meio ainda na doca! O
navio acabara de completar seus testes no mar e voltara ao porto em
Swan Island, Oregon, quando, subitamente, rachou logo atrás da
superestrutura da ponte. A parte central do navio se dobrou e se ergueu
acima d’água, deixando a proa e a popa pousarem no fundo do rio.
Como o Schenectady, o Pendleton fora construído às pressas para o
esforço de guerra. Estruturado em Oregon pela Kaiser Company em
1944, o lar do Pendleton passara a ser Wilmington, em Delaware. Ao
que tudo indicava, ele parecia suficientemente resistente. Tinha 503 pés
de comprimento, com uma boca máxima de 68 pés de largura e um
calado de 39 pés e três polegadas. Era alimentado por um motor
turboelétrico de 6 600 cavalos de potência, com uma única hélice de
onze pés de diâmetro. Contudo, a forte aparência externa do navio
escondia os métodos inferiores de soldagem utilizados em sua
construção. Como acontecia com muitos petroleiros t-2 construídos
nessa época, o casco do Pendleton deve ter sido montado com “aço
sujo” ou “ferro cansado”; em outras palavras, aço enfraquecido pelo
excessivo teor de enxofre. Isso colocava o navio em grande risco diante
de ondas altas no frígido oceano. O construtor tentara compensar a
falha dotando o Pendleton com um sistema obstrutor de trinca. Eram
cintas de aço de melhor qualidade colocadas em volta do casco do navio.
Esse obstrutor de trinca fora concebido para evitar que qualquer fratura
em uma parte soldada do casco se espalhasse para o resto do navio. Não
era a primeira vez que o sistema não conseguia fazer seu trabalho. O
navio havia sofrido uma fratura tripla no tabique entre os tanques
número 4 a estibordo e o central, apenas um ano antes, em janeiro de
1951. A fratura tripla nunca tinha sido reparada. Surpreendentemente, o
Pendleton passara com facilidade em sua última inspeção da Guarda
Costeira, em 9 de janeiro de 1952, em Jacksonville, Flórida.
Com o Pendleton rasgado ao meio, as fortes ondas começaram a
levar a popa do navio de Provincetown para o Sul, descendo o braço
recortado de Cape Cod. A proa estava à deriva em um caminho quase
idêntico, mas a uma velocidade maior e mais distante da costa. A sala de
rádio ficava na proa, mas o capitão Fitzgerald não tinha como enviar um
sinal de sos. Quando o navio se dividiu ao meio, os disjuntores de todos
os circuitos caíram, deixando a proa sem energia, calor ou luz. O
engenheiro-chefe Sybert e seus homens conseguiram manter a
eletricidade na popa, mas não dispunham de um equipamento de rádio
para enviar uma mensagem de socorro. A popa, porém, trazia um
receptor de rádio portátil, pequeno, e, à medida que a manhã turbulenta
avançava, os marinheiros se reuniram ao redor do aparelho e ouviram
relatos de que o Fort Mercer, um petroleiro t-2 quase idêntico, também
estava em grave perigo em algum lugar além de Cape Cod. Equipes da
Guarda Costeira já haviam sido despachadas para ajudar o Mercer, e
nada era dito sobre o Pendleton. Possivelmente, os membros da
tripulação trocaram olhares com a mesma pergunta na cabeça: Quem
virá nos salvar?
capítulo 3
O Fort Mercer
As ondas eram selvagens, arfantes, íngremes. Rolavam em nossa direção de forma
imprevisível e sem trégua. E, conforme se aproximavam, pareciam mais cadeias de
montanhas que ondas do mar. Arremessavam nosso navio como se fosse irrelevante,
e nós lutávamos para manter o equilíbrio, enquanto as verdes encostas íngremes do
tamanho de um cânion nos açoitavam por todos os lados.
spike walker
Mais ou menos ao mesmo tempo em que o Pendleton se partia ao meio,
o ss Fort Mercer ficava preso em sua batalha com os mares, ao largo do
Cape Cod. O capitão Frederick Paetzel não queria se arriscar na
tempestade que havia atingido seu petroleiro de 503 pés. Paetzel
permanecia com a proa do Mercer apontando para os mares que
subiam, mantendo a posição, preparado para enfrentar a tempestade. O
capitão havia guiado o navio em segurança desde que deixara Norco,
Louisiana e, nesse momento, apenas 48 quilômetros a sudeste de
Chatham, não estava muito longe de seu destino final, Portland, no
Maine. Ele poderia se atrasar pela tempestade, porém mares agitados no
Atlântico Norte durante o mês de fevereiro não eram surpresa, e
esperaria até o momento certo, quando a tempestade se consumisse.
No entanto, a tempestade Nor’easter não mostrava sinais de
enfraquecimento. Ao contrário, intensificava-se a cada hora que passava.
Uma insinuação pálida da luz indicava a chegada do amanhecer e, a essa
altura, ondas gigantescas haviam crescido até chegar aos dezoito metros
de altura e a força do vento se aproximava à de um furacão, lançando
contra o navio uma mistura congelante de granizo e neve. O Mercer
levou uma pancada terrível, mas cavalgou os mares tão bem quanto era
de esperar, sem muita inclinação ou rolagem.
E então, às oito da manhã, o capitão Paetzel ouviu um estalo que
ecoou das entranhas de seu navio. Ele não teve certeza imediata do que
havia acontecido. Logo, o capitão, assim como vários membros da
tripulação, viram óleo sendo vomitado a estibordo do Mercer sobre o
oceano, e souberam que o casco do navio havia rachado.
O homem, de 48 anos, imediatamente abrandou a velocidade do
navio para um terço e posicionou-o de modo que as ondas dessem a
bombordo da proa, para evitar que a fratura aumentasse. A seguir,
Paetzel alertou o resto de sua equipe sobre a situação de emergência e
passou uma mensagem de rádio à Guarda Costeira, para pedir ajuda e
relatando que as costuras de seu navio se haviam aberto nas imediações
do tanque número 5 e que sua carga de combustível estava sangrando no
mar.
Depois de notificar a Guarda Costeira, Paetzel e sua tripulação de
42 homens só podiam rezar para que o navio não se partisse até que os
barcos guarda-costas chegassem. O capitão, nascido na Alemanha,
trabalhava no mar desde os 14 anos e nunca vira uma tempestade como
aquela no meio da qual se encontrava, nem jamais ouvira o estalo forte
de metal abrindo caminho para o mar.
A aproximadamente 150 milhas de distância, a bordo da embarcação
guarda-costas Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore fazia seu
melhor para ignorar o movimento de rolagem da embarcação e se
concentrar no rádio. Um navio de pesca, o Paolina, de New Bedford,
Massachusetts, estava atrasado, e o Eastwind participava da busca. Ele
estava nos arredores da última localização conhecida do navio de pesca e
transmitia repetidamente pelo rádio, na esperança de fazer contato. A
comunicação de voz, na época, era rudimentar, e só conseguia alcançar
cerca de quarenta, cinquenta milhas. Além desse intervalo, o único
método de comunicação era o código Morse, também conhecido como
cw, de Continuous Wave. Len estava usando sua voz no rádio, na
expectativa de que o Paolina ainda estivesse flutuando nas proximidades,
mas seu instinto lhe dizia que as chances de encontrar a embarcação
diminuíam à medida que a tempestade se fortalecia.
Len havia aprendido Morse quando frequentava a escola de
radiocomunicação da Guarda Costeira em Groton, Connecticut. Seu
ingresso na Guarda Costeira fora tortuoso, quando ele tinha apenas 17
anos. Em um impulso, Len, seu irmão Bob e um amigo, Frank
Gendreau Jr., decidiram que era hora de ver o mundo além de sua
cidade natal, Lynn, em Massachusetts. Os três jovens inicialmente
fixaram os olhos na Marinhae foram até o gabinete de recrutamento
local para se alistar. Len passara no exame físico, mas os outros dois
rapazes, não, e os três deixaram o gabinete ainda na condição de civis.
Eles discutiram a próxima opção; o amigo e o irmão de Len decidiram
que se a Marinha não os queria, talvez a Guarda Costeira quisesse, e os
três jovens tentaram se alistar. Mais uma vez, no entanto, Bob e Frank
não passaram no exame físico, ao passo que Len, sim. Pensando que a
terceira vez seria a da sorte, Bob e Frank foram ao gabinete de
recrutamento da Força Aérea, sendo aceitos. Len, no entanto, tinha seus
olhos no mar, não nos céus, e decidiu que iria sozinho, ingressando na
Guarda Costeira.
Depois do campo de treinamento de recrutas, em Cape May, Nova
Jersey, o jovem marinheiro fora mandado para a Estação de Resgate de
Chatham, onde desempenhara tarefas na radiocomunicação, bem como
diversas outras, que incluía a pintura da lancha de salvamento da
estação, de 36 pés —  a 36500  —, sob o olhar atento do timoneiro
Bernie Webber. “Mas não era só trabalho”, lembra Len. “Foi em
Chatham que aprendi a me divertir depois do expediente. Tínhamos
alguns grandes sujeitos lá, e eu sabia que havia encontrado um lar na
Guarda Costeira.”
Com seis meses em Chatham, Len frequentara a escola de
radiocomunicação e, logo após sua graduação, sua primeira missão de
longo prazo fora no Eastwind, um navio quebra-gelo de 280 pés.
Naquela ocasião, o Eastwind participou da missão secreta de construir a
Base Aérea de Thule, na Groenlândia, atuando na escolta e na quebra de
gelo para navios de abastecimento. O trabalho foi feito durante a
primavera e o verão de 1951 e, no final de setembro, o Eastwind
retornou a seu porto de origem, Boston, e era enviado a missões mais
curtas, de trinta dias.
No final de janeiro e no início de fevereiro de 1952, Len, já com 20
anos, e outros membros da tripulação a bordo do navio quebra-gelo
foram despachados para o rio Hudson, em Nova York. “Quebramos
gelo de West Point a Albany”, diz Len. “Quando o trabalho terminasse,
o Eastwind estava programado para voltar a Boston, e alguns membros
da tripulação foram autorizados a desembarcar em Nova York por
algum tempo e, a seguir, dirigir-se a Boston e nos encontrar.”
Consequentemente, a tripulação do Eastwind estava desfalcada quando
foi açoitada pela tempestade ao sul de Nantucket e saiu para procurar o
navio de pesca Paolina e seus sete tripulantes.
Len jamais esquecerá a manhã de 18 de fevereiro. “Eu havia acabado
de chegar para meu turno na sala de rádio, às oito da manhã, e estava
chamando o Paolina quando, de repente, ouvi um forte sos em cw
[código Morse] em meu fone de ouvido. Era o Fort Mercer.” Len se
endireitou na cadeira, surpreso com o pedido de socorro que saíra do
nada. Rapidamente, confirmou a mensagem do Mercer, enquanto
acenava para outro colega na sala de rádio para que corresse e chamasse
o chefe dos operadores de rádio, John Hartnett. A seguir, alertou a
estação regional de comunicações da Guarda Costeira, que na época se
localizava em Marshfield, Massachusetts.
“Eu transmiti uma mensagem para todos os navios e todas as
estações para que parassem de enviar sinais na frequência 500 kc,
porque tínhamos um pedido de socorro. Normalmente, essa frequência
é uma cacofonia de sinais, pois é a frequência internacional de chamados
e socorro, monitorada constantemente por todos os navios em estações
de mar e terra. Contudo, quando informamos que tínhamos um sos, a
frequência ficou sinistramente silenciosa.”
Len continuou falando com o Fort Mercer em cw, tentando obter a
posição do navio e determinar a natureza da emergência. O operador de
rádio do petroleiro, John O’Reilly, informou que havia uma rachadura
no casco. Deu sua posição aproximada, e o Eastwind também usou a
triangulação de antenas (rdf, de Radio Directional Finder) para tentar
identificar a localização do Mercer. A essa altura, Len já notificara
outras embarcações da Guarda Costeira na vizinhança acerca da
emergência, e elas também usaram rdf para estabelecer a posição do
petroleiro.
“Chefe Hartnett”, diz Len, “estava em posição com rdf na ponte e
eu com o Fort Mercer, que começou a enviar uma série de ‘Vs’ como
sinal. [O envio de uma série de ‘Vs’ era a maneira comum de o navio em
perigo continuar transmitindo um padrão estável e uniforme para os
barcos de busca, para ajudar em seus esforços de estabelecer a
localização da embarcação em apuros.] Rapidamente, conseguimos um
rumo, como as outras embarcações, e coordenamos os rumos e
estabelecemos uma posição em poucos minutos.”
Infelizmente, Len descobriu que o Eastwind estava bastante longe
do petroleiro, e sabia que levaria várias horas para chegar a eles.
“Soprava um verdadeiro vendaval, e as ondas eram enormes [...] Muitos
de nossos homens estavam mareados, mas ainda trabalhando. Com o
mar daquele jeito, achei que poderíamos levar um dia inteiro para
chegar ao Mercer e, então, poderia ser tarde demais.”
Apesar das 150 milhas (241 quilômetros) de distância entre o
guarda-costas e o Mercer, o Eastwind partiu imediatamente em direção
ao petroleiro danificado, abandonando a busca do Paolina. (Somente
destroços do Paolina foram encontrados.) Oliver Peterson, de
Winchester, Massachusetts, capitão do Eastwind, foi encarregado da
operação de resgate. Outro navio da Guarda Costeira, o Unimak, que
também estava ao sul de Nantucket, procurando o Paolina, foi desviado
da busca e começou a atravessar a tempestade em direção ao Mercer.
Em Provincetown, Massachusetts, o guarda-costas Yakutat foi
despachado para o local, como também o McCulloch, de Boston.
Outros guarda-costas — incluindo o Acushnet, em Portland, Maine
—  foram colocados em alerta. Um navio militar do serviço de
transporte, o Short Splice, também correu em auxílio do petroleiro. O
mar, no entanto, não ajudava os barcos de resgate, e a velocidade deles
era de lentos três nós. As ondas de cerca de quinze metros de altura e os
ventos de 130 quilômetros por hora provinham diretamente do norte, e
o ar estava cheio de uma mistura de neve, água do mar e espuma.
A bordo do Fort Mercer, o capitão Paetzel se retesava cada vez que
uma onda particularmente grande, chicoteada pelo vento, atingia a
embarcação. O óleo continuava a manchar o oceano, e o intendente do
navio se esforçava como podia para manter a proa naquelas águas que se
aproximavam. Paetzel fez seus tripulantes vestirem os coletes salva-
vidas, mas além dessa medida de segurança pouco podiam fazer senão
esperar que a Guarda Costeira chegasse.
De modo notável, às dez da manhã o Boston Globe conseguiu uma
conexão telefônica da costa com o capitão do navio. Paetzel disse que as
condições eram muito difíceis e que as ondas haviam alcançado vinte
metros, elevando-se até o cordame, mas que acreditava que seu navio
“não corria nenhum perigo imediato”. Ainda assim, reconheceu que não
podia ter certeza, porque avaliar o dano mais de perto no convés seria
suicídio. “Estamos apenas parados”, acrescentou. Para concluir, pensou
nos entes queridos na costa e expressou a esperança de que “a esposa de
nenhum de nós ouça falar sobre isso”. O Mercer não estava inclinado, e
visto que o anterior som do metal rachando não causara mais graves
eventos, Paetzel mantinha a esperança de que o pior já havia passado.
Embora Paetzel sentisse que o Mercer não estava em perigo
imediato, ele também conhecia a história dos petroleiros t-2
parcialmente pré-fabricados e soldados, o que não era reconfortante.
Até aquele momento, oito desses petroleiros haviam sido perdidos em
decorrência de fraturas no casco, e eles eram particularmente suscetíveis
a rachaduras quando grandes ondas eram acompanhadas por
temperaturas frias —  a exata situação que o Mercer enfrentava. O
capitão respiraria mais aliviado quando avistasse os barcos da Guarda
Costeira.
Subitamente, às 10h30, ouviu-se o som de outra rachadura
aterrorizante, e o navio deu uma guinada.Paetzel instantaneamente
enviou outra mensagem à Guarda Costeira, que explicava que a situação
estava piorando. Uma fria sensação de medo atravessou o capitão; ele
sabia que seu navio poderia se tornar o nono petroleiro t-2 a ser levado
pelo mar.
O estresse no navio crescia, em especial quando uma onda levantou
a proa e outra, a popa, deixando o meio sem nenhum apoio. A
tempestade havia quebrado o casco soldado do tanque, e o mar parecia
ter a intenção de estender a rachadura. O capitão Paetzel e sua equipe
não podiam fazer nada além de esperar os socorristas.
Outra longa hora se passou, sem incidentes. E então, às 11h40,
houve um terceiro anúncio, alto, quando mais metal rachou. Paetzel já
podia ver a fratura, que se estendia do tanque de carga 5, a estibordo, até
vários metros acima da linha d’água, e o óleo jorrava no mar furioso. Às
11h58, Paetzel enviou outro sos, dessa vez acompanhado da mensagem:
“Nosso casco está se partindo”.
Dois minutos depois, uma onda açoitou o petroleiro com tanta força
que os tripulantes foram atirados ao chão. Quando conseguiram se
levantar, não podiam acreditar no que viam: o navio estava dividido em
dois!
O tripulante Alanson Winn disse que quando a fratura final e a
separação ocorreram, o barulho foi tão alto e violento que ele pensou
que o navio havia sido abalroado. “Então, ele se ergueu para fora da
água como um elevador. Deu dois saltos. E, quando parou, rasgou-se ao
meio.”
Paetzel estava preso na proa com mais oito homens, enquanto na
popa ficaram 34 tripulantes, e cada ponta navegava à deriva para longe
uma da outra. O mar jogava a proa descontroladamente sobre suas águas
como se fosse um brinquedo quebrado, primeiro balançando de forma
brusca para estibordo. A extremidade da frente da proa empinou alto,
mas a de trás se inclinou para baixo, submergindo uma parte do convés e
levando os barcos salva-vidas. Igualmente devastador, o acidente
inutilizou o rádio, e Paetzel não podia mais falar com a Guarda Costeira
e pedir resgate; nem dar instruções aos tripulantes na popa. Paetzel e
seus homens estavam impotentes, presos na ponte; sair podia significar
morte instantânea. A proa chafurdava no mar monstruoso, e, sem a
força do motor, ficou de costado para as ondas, sofrendo impactos
diretos.
A popa, onde ficava o motor, estava em melhores condições,
totalmente acima da água. Logo após a divisão, os engenheiros
imediatamente desligaram o motor, mas sua tripulação já podia ver as
ondas empurrando a proa na direção deles como um aríete. Mila- 
grosamente, os engenheiros conseguiram religar o motor. Colocaram a
hélice no sentido inverso e conseguiram virar a popa para longe, antes
que a proa os acertasse, mas seus problemas estavam só começando.
capítulo 4
“Não pode ser verdade”
Navegue adiante, orientado apenas para águas profundas.
walt whitman
A bordo do Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore mantinha
comunicação regular com o operador John O’Reilly, do Mercer. Len
tentava conservar a tripulação do Mercer animada dizendo-lhe que o
Eastwind, o Unimak, o McCulloch e a Yakutat estavam a caminho e que
barcos de resgate a motor, aviões e um guarda-costas adicional haviam
acabado de ser despachados. O avanço do Eastwind nas garras da
ventania uivante, no entanto, era extremamente lento, e Len se sentia
frustrado, porque horas se passariam antes que eles pudessem chegar ao
petroleiro.
Com 43 tripulantes do Mercer em risco de perder a vida a qualquer
minuto, os comandantes da Guarda Costeira sabiam que precisavam de
barcos no local o mais depressa possível e reagiram, enviando lanchas
salva-vidas de Chatham e Nantucket. Enviar lanchas salva-vidas de 36
pés ao mar contra ondas duas vezes seu tamanho era uma decisão difícil;
os oficiais sabiam que os botes e sua tripulação poderiam ser as próximas
vítimas do oceano.
A primeira embarcação de resgate a motor enviada para o turbilhão
partiu da Estação Brant Point, Nantucket. Em seu comando estava o
chefe dos contramestres Ralph Ormsby, com três tripulantes: Alfred
Roy, Donald Pitts e John Dunn. Os quatro homens percorreram
cinquenta perigosas milhas (cerca de oitenta quilômetros) para chegar às
metades do Mercer, e seu barco navegava a somente duas milhas por
hora em ondas tão grandes que muitas vezes ensoparam a tripulação.
Depois de deixar Nantucket, o barco teve a difícil tarefa de navegar
através do perigoso canal Pollock Rip, cujas boias orientadoras haviam
sido arrancadas pelo mar. Quase imediatamente, a embarcação se viu em
apuros. “Roy, que estava ao leme”, disse Ormsby, “foi jogado dali. Eu o
segurei. O barco estava quase condenado pelas ondas que quebravam
sobre sua proa. Observávamos as ondas antes de bater para guiar seu
curso.”
Uma segunda lancha de salvamento, de 36 pés, foi mandada de
Chatham. O comandante da estação, suboficial contramestre Daniel
Cluff, recebeu ordens para enviar o barco, e ele, por sua vez, disse ao
imediato Donald Bangs, de Scituate, que selecionasse uma equipe e
rumasse para o Mercer. Bangs rapidamente escolheu uma tripulação,
composta pelo engenheiro de primeira classe Emory Haynes, pelo
contramestre de terceira classe Antonio Ballerini e pelo marinheiro
Richard Ciccone. Quando Bernie Webber ouviu as ordens, pensou
consigo: Meu Deus, eles acham mesmo que uma lancha de salvamento e sua
tripulação podem adentrar o mar nesta tempestade e encontrar o navio
quebrado em meio a neve ofuscante e ondas furiosas, só com uma bússola para
orientá-los?. Webber percebeu que, ainda que a tripulação não
congelasse até a morte, ela nunca conseguiria tirar os homens das partes
do Mercer arrasadas pela tempestade. Bernie era amigo daqueles
homens e se perguntava se os veria vivos novamente.
A preocupação de Webber de que os homens morressem congelados
era muito realista, assim como o potencial efeito do frio sobre a
capacidade deles de manobrar o barco e reagir aos problemas. Uma das
primeiras respostas do corpo ao lutar contra a hipotermia é diminuir o
fluxo de sangue para os membros, reduzindo a perda de calor pelas
extremidades do corpo, principalmente os pés e as mãos, que têm uma
elevada concentração de vasos sanguíneos. A tripulação das embarcações
de resgate teria o fluxo sanguíneo periférico para os membros reduzido
nas primeiras horas no mar, por causa do esforço do corpo para manter
o calor interno, essencial para os órgãos principais, em especial o
coração. Contudo, a diminuição do fluxo sanguíneo para mãos, braços e
pés tem um custo: compromete a capacidade de realizar tarefas. Se o
motor da lancha de salvamento pifasse, os homens a bordo não teriam a
destreza dos dedos para resolver o problema. Mãos e pés também
sofreriam queimaduras quando a temperatura da pele despencasse, e o
próprio sangue engrossaria como óleo de motor em uma manhã fria,
tornando as pernas e os braços dos homens rígidos e lentos. E, em 1952,
antes da época das luvas de neoprene e das roupas de baixo de
polipropileno, os tripulantes não tinham nada para proteger a pele, além
de roupas emborrachadas.
As equipes de Bang e de Ormsby seriam testadas pelo mar e pelo ar
gelados muito além dos limites de sua resistência — se seus barcos não
virassem primeiro, matando-os antes.
A primeira embarcação a chegar ao local do acidente do Mercer foi
o cargueiro Short Splice. A essa altura, a proa e a popa do Mercer já
haviam se afastado. O Short Splice manobrou o mais perto que se
atreveu da popa do Mercer, na esperança de conseguir jogar um cabo.
As ondas, porém, eram grandes demais, e o capitão do Short Splice teve
de abandonar a ideia e esperar, pronto para tentar tirar os homens da
água, se fosse preciso.
Os aviões partiram para o céu tempestuoso da Estação Aérea da
Guarda Costeira, em Salem, Massachusetts, e da base aérea naval de
Quonset Point, Rhode Island. Um dos aviões chegou antes dos guarda-
costas, aproximadamente às catorze horas. O piloto George Wagner
comunicou pelo rádio: “O navioestá definitivamente nas últimas. Sua
popa está contra o vento e quase inundada”. Também informou que os
botes salva-vidas do Mercer não estavam ali e que o mecanismo para
descê-los estava abaixado, o que o fez pensar que alguns tripulantes
haviam abandonado o navio. O piloto guiou seu avião seguindo a
direção do vento, procurando os botes salva-vidas, mas não encontrou
nenhum.
Mais ou menos ao mesmo tempo em que os aviões chegavam ao
local, o comandante da estação, Cluff, e o contramestre de primeira
classe, “Chick” Chase, estavam na torre de vigia de Chatham, onde
ficava a tela do radar. De manhã cedo, o equipamento apresentara
problemas, mas já havia sido consertado, e a primeira coisa que eles
viram na tela foram dois objetos estranhos. “Os objetos”, recordou
Chase, “estavam a apenas cinco milhas (oito quilômetros) da costa,
longe de onde o Mercer deveria estar. Eu me perguntava como o
Mercer poderia ter ido para tão longe, e percebemos que alguma coisa
estava errada.” Cluff e Chase sabiam que o vento soprava em direção
sul, e que se os objetos fossem o Mercer, ele havia ido em direção
noroeste. Nada disso fazia sentido, e Cluff imediatamente chamou a
sede. Eles, por sua vez, alertaram Wagner, que já estava sobrevoando a
popa do Mercer.
Wagner, lutando para controlar seu avião na tempestade, ficou
imaginando que diabos significava aquela mensagem desconcertante.
Ele estava olhando para a popa do Mercer e pensava que era impossível
que a proa houvesse derivado mais de 25 milhas (quarenta quilômetros)
em direção a Chatham. E o que significava o fato de Chatham ter
captado dois alvos no radar? Tudo o que Wagner podia fazer era virar
seu avião e seguir para oeste para dar uma olhada. Felizmente, a neve
havia se transformado em chuva e granizo, e a visibilidade melhorara um
pouco.
Ele voou a baixa altitude, fustigado pelo vento, mas logo chegou ao
conhecido farol flutuante Pollock Rip. Incrivelmente, não muito longe
dali estava a metade partida da proa de um petroleiro. Wagner notou
que a superestrutura abaixo da proa era marrom, diferente da branca da
popa que ele havia visto. Balançou a cabeça, incrédulo, e sobrevoou para
olhar de novo. E, então, ficou de queixo caído. Na proa, em grandes
letras brancas, estava o nome pendleton! Quando comunicou pelo
rádio o que havia visto, todos na Guarda Costeira ficaram atordoados.
Era demais acreditar que um segundo navio, a apenas trinta milhas (48
quilômetros) do Mercer, também havia se partido ao meio.
O operador de rádio do Eastwind, Len Whitmore, ficou atônito,
perguntando-se se havia ouvido corretamente as palavras do piloto.
Outro petroleiro? Até aquele momento, ninguém sequer mencionara o
Pendleton. Len pensou: Isso não pode ser verdade. Deve have algum engano.
capítulo 5
“Você tem de pegar a 36500”
Ah, Senhor, tem misericórdia, Teu mar é tão grande, e meu barco é tão pequeno.
oração de breton �sherman
Antes de o Pendleton ser avistado, Bernie Webber já estava tendo uma
manhã agitada. Vários barcos de pesca tiveram a amarração quebrada e
se espalharam pela costa de Old Harbor, e Webber e sua equipe usaram
a lancha de salvamento 36500 para ajudar os pescadores a puxar os
barcos para a praia e prendê-los, antes que a arrebentação os danificasse.
Era a versão marinheira de arrebanhar gado, mas, em vez de trabalhar
sob o sol quente do Texas, os homens tinham de exercer sua função na
neve ofuscante e a temperaturas congelantes. Webber, porém, sabia da
importância do trabalho, pois sem seus navios de pesca os pescadores
não podiam sustentar suas famílias durante o rigoroso inverno de Cape
Cod.
Ele foi auxiliado na tarefa pelo marinheiro Richard Livesey e pelo
amigo de longa data, o técnico de máquinas de primeira classe Mel
Gouthro, que, além de lutar contra o clima, estava lutando contra a
gripe. A tempestade Nor’easter fez Livesey se lembrar dos catorze
meses que passara em um quebra-gelo, no Atlântico Norte. Aos 22 anos,
era dois anos mais novo que Webber, e, assim como acontecia com seu
chefe, o que faltava a Livesey em idade ele compensava com experiência.
Richard Livesey nascera em South Boston, em 1930, e fora criado a
noventa quilômetros ao sul, em Fairhaven, uma vila de pescadores na
costa de Buzzards Bay, em frente ao porto de New Bedford. Livesey foi
direcionado a uma vida no mar desde cedo, graças às inúmeras histórias
contadas por seu pai, Oswald, durante 22 anos suboficial de caldeira na
Marinha dos Estados Unidos. As ruas de paralelepípedos de sua cidade
natal sem dúvida inspiraram Richard Livesey a uma carreira marítima.
Fairhaven tinha uma história rica. A cidade havia sido o local da
primeira batalha naval da Revolução Americana, em maio de 1775,
quando Nathaniel Pope e Daniel Egery lideraram milicianos locais na
captura de duas corvetas britânicas, em Buzzards Bay. Nos dois anos
seguintes, os fundadores da cidade erigiram uma fortaleza em Nobscot
Point, equipada com onze canhões, alguns dos quais capturados nas
Bahamas pelo herói naval norte-americano John Paul Jones. O forte foi
destruído em 1778, quando os britânicos invadiram o porto e levaram
quatro mil tropas a New Bedford. Contudo, foi reconstruído, e recebeu
o nome de Fort Phoenix, por causa do pássaro mítico que renasce das
próprias cinzas. A cidade se expandiu, ao longo do tempo, colaborando
com a prosperidade baleeira de New Bedford.
Richard Livesey era um daqueles jovens que pareciam ter água
salgada nas veias. Desde que podia se lembrar, queria ingressar na
Marinha norte-americana, e quando teve idade suficiente, pediu ao pai
que o acompanhasse ao gabinete de recrutamento naval. “Claro”,
dissera o velho Livesey, radiante porque o filho estava seguindo a
tradição marinheira. No entanto, seu entusiasmo se apagou
momentaneamente quando o recrutador informara que havia uma
espera de dez meses para o alistamento. Era 1947, e Richard Livesey
tinha 17 anos. Dez meses parecia uma vida para o adolescente ansioso.
Ele queria ação e aventura. Enquanto saíam do gabinete de
recrutamento, Richard disse a seu pai que, então, entraria na Força
Aérea dos Estados Unidos. Naquele momento, pai e filho notaram uma
placa que indicava o gabinete de recrutamento da Guarda Costeira,
poucas portas abaixo. As esperanças do adolescente de viver aventuras
no mar não foram frustradas, afinal. Livesey fez apenas uma pergunta ao
recrutador: “Quando serei enviado em missão?” “Amanhã!”, vociferou o
homem. Livesey se alistou no local, mas não foi enviado em missão no
dia seguinte como prometido. Precisou esperar uma semana até ir para
o campo de treinamento de recrutas em Mayport, Flórida, que era o lar
de uma das maiores concentrações da frota naval dos Estados Unidos.
Livesey seguira a rotina no campo de treinamento de recrutas contando
os dias, até que saíra ao mar. Passara os quatro anos seguintes servindo
em guarda-costas e quebra-gelos da Guarda Costeira ao redor dos
Estados Unidos e em Newfoundland, antes de encontrar seu caminho
em um barco de patrulha na estação de New Bedford, em frente ao
porto de sua cidade natal. Ele deixaria a Guarda Costeira brevemente,
em 1951, depois que seu período de alistamento acabou, e tentaria
primeiro trabalhar na construção de estradas e também em algumas
indústrias de peixe. O salário era melhor, mas o trabalho não tinha a
emoção que ele havia experimentado na Guarda Costeira, de modo que
se alistou novamente. Assim, lá estava ele, mais uma vez, puxando barcos
de pesca para suas amarras naquela manhã brutal de segunda-feira, em
meados de fevereiro.
Quando concluíram o trabalho, Webber, Livesey e Gouthro
amarraram a lancha de salvamento e, em seguida, pularam na canoa e
voltaram para a costa. Os homens estavam exaustos, com fome e frio, e
mal podiam esperar para voltar à Estação de Resgate de Chatham, fazer
uma refeição quente e trocar de roupa. A água gelada do mar havia
passado através das roupas de chuva diretamente para seus ossosdoloridos. Livesey e Gouthro usavam finos macacões de lona
emborrachada e jaquetas até a cintura do mesmo material. Webber
vestia uma calça de algodão até os joelhos e uma parca com capuz de
pele. Eram todas remanescentes da Segunda Guerra Mundial e não
ofereciam mais proteção contra o clima implacável do inverno. Gouthro
tremia por causa do frio e da gripe. Ele e Livesey tentavam manter as
mãos quentes em luvas de lã que haviam mergulhado em água salgada e
torcido antes de colocá-las, na tentativa de ajudar na circulação e evitar a
fadiga. Era uma prática comum entre os marinheiros: o calor do corpo
propiciava mais calor. Webber simplesmente enfiava as mãos nuas e
geladas nos bolsos de seu casaco. Ele não podia usar luvas em um dia
como esse, porque precisava sentir o leme, a alavanca da embreagem e o
acelerador dos barcos que ajudara a guiar de volta às amarras. Quando
os homens cansados pararam no píer de pesca de Chatham para analisar
seu trabalho, um caminhão da Guarda Costeira estacionou ao lado.
“Voltem para Orleans e Nauset Beach”, gritou o motorista. “Houve
um naufrágio no mar e eles precisam de ajuda.” A confirmação em terra
da situação do Pendleton havia sido dada por uma mulher que vivia na
entrada de Nauset. Ela ouvira a buzina do navio tocar sete vezes mar
adentro e imediatamente ligara para o chefe de polícia de Orleans, John
Higgins, que, em seguida, informara a Estação de Resgate de Nauset
sobre o problema.
Webber e equipe foram instruídos a se juntar ao grupo da Estação
Nauset em seu veículo anfíbio (dukw) para tentar localizar o petroleiro
e prestar socorro, se possível. O Duck, como era chamado, era um
caminhão anfíbio com tração nas seis rodas, desenvolvido durante a
Segunda Guerra Mundial, especialmente usado durante a invasão aliada
da Normandia, no Dia D. dukw é o código do equipamento militar que
representa as características do veículo: D significa 1942, ano em que o
veículo foi fabricado, U reflete suas qualidades anfíbias, K se refere à
capacidade de tração dianteira, e W à tração traseira dupla. E agora,
usado pela Guarda Costeira em Nauset Beach, o Duck era o veículo
perfeito para transportar os guardas costeiros sobre a areia e a água,
enquanto caçavam o Pendleton à deriva. Contudo, primeiro, Webber e
sua equipe tinham de chegar a Orleans.
Por estradas acidentadas cobertas de neve grossa, o caminho pelo
braço de Cape Cod na Route 28 rumo a Orleans foi tensa para os três
guardas costeiros. Sob a neve descansava uma camada de gelo; o
caminhão Dodge era forçado a avançar devagar pela estrada sinuosa.
Felizmente, o aquecimento interno funcionava; mas o conforto só fez
Webber pensar em seu amigo, Donald Bangs, que estava ali fora, no
oceano gelado, esperançosamente ainda vivo.
Webber, Livesey e Gouthro, por fim, chegaram a Orleans e foram
recebidos por Roy Piggott e o resto da equipe da Estação de Resgate de
Nauset. Os homens se amontoaram em um dukw e seguiram para
Nauset Beach, onde estacionaram em uma colina, perto de Mayo’s Duck
Farm, na época a principal fornecedora de aves para os seis estados da
Nova Inglaterra. As aves se esconderam em segurança em suas casinhas,
enquanto os guardas costeiros ocuparam a colina em busca de algum
sinal de um navio na tempestade ofuscante. Em qualquer outro
momento, a colina teria servido como o local perfeito para escrutar os
quilômetros de costa. Contudo, o alto poleiro não oferecia nenhuma
ajuda nesse dia, porque a linha litorânea havia praticamente
desaparecido. O mar corria para a praia, em frente ao estacionamento e
até o meio da colina. No entanto, depois de alguns instantes a neve
diminuiu brevemente e os homens conseguiram detectar um volume
cinzento, um objeto mais escuro que o oceano, rolando pelas ondas
gigantescas. Era metade de um navio, derivando rapidamente em
direção ao sul, para Chatham. Eles sabiam que não havia nenhuma
maneira de o dukw conseguir pegá-lo naquele momento.
A Guarda Costeira emitiu uma diretriz para todos os navios que
participavam da operação de resgate do Fort Mercer. O alerta foi
classificado como imediatamente operacional e impresso em negrito.
Indicação de�nitiva de que petroleiro pendleton partiu-se ao meio — popa nas
ondas para chatham; proa derivando perto farol pollock rip — nenhuma
indicação prévia relativa a acidente para pendleton — pendleton devia estar em
boston ontem e não chegou — isso somado ao fort mercer.
Na Estação de Resgate de Chatham, o clima desagradável havia
mantido o engenheiro Andy “Fitz” Fitzgerald dentro do calor relativo
do “barracão do motor Mack”. O engenheiro, de 20 anos, era o mais
jovem membro da Guarda Costeira na estação. Fitz não nascera para o
mar, e, na verdade, não sabia nadar muito bem até entrar na
Corporação. Havia nascido em 1931, na então chamada capital mundial
de calçados, Brockton, Massachusetts. A cidade ganhara esse apelido
durante a Guerra Civil, quando as encomendas, feitas pelo governo, de
calçados para o exército transformaram Brockton na maior produtora
do artigo do país. Em 1929, Brockton abrigava sessenta fábricas de
calçados, que empregavam mais de trinta mil trabalhadores. Um desses
empregados era o pai de Fitzgerald, que trabalhara em duas fábricas de
calçados antes de desarraigar sua família e se mudar para Blackstone
Valley e arranjar um trabalho melhor em uma fábrica têxtil, em
Whitinsville. Ao contrário de seu colega, Richard Livesey, Fitz não
vivera cercado pelos fantasmas da Revolução Americana durante a
infância. A cidade de Whitinsville havia sido estabelecida por quacres,
cujas influências pacifistas os impediam de participar ativamente na luta
pela independência. Contudo, houve muita luta para o jovem Andy
Fitzgerald. Como defensor abaixo do tamanho ideal, o adolescente de
63 quilos se iniciou no futebol na Northbridge High School, onde
também jogou basquete e beisebol. O final dos anos 1940 foi uma época
sombria em Blackstone Valley. As poderosas usinas ao longo do rio
Blackstone, que haviam dado sangue vital para a Revolução Industrial
no século xix, estavam morrendo. Quando Fitzgerald terminou o
Ensino Médio, não tinha dinheiro para a faculdade nem perspectivas de
futuro em Whitinsville, por isso ele e um amigo foram de carona até a
estação de trem local, seguiram até Boston e ingressaram na Guarda
Costeira.
Parte do dever de Fitzgerald, pelas manhãs, em Chatham era
conduzir para fora da estação três embarcações: o barco patrulha de 38
pés e as duas lanchas salva-vidas de 36 pés, a cg36383 e a cg36500, as
“velhas 36”, como as chamavam. Fitz devia se certificar de que cada
barco estava abastecido de combustível e também ligar os motores e dar
uma boa corrida antes de retornar à costa. Nessa manhã, o novo
comandante da Estação de Chatham, Daniel W. Cluff, ordenara a
Fitzgerald que não saísse. A tempestade estava forte demais para
arriscar-se enviando ao mar o jovem engenheiro em um minúsculo
barco a remo.
O final da tarde foi dando lugar à escuridão da noite, enquanto
Bernie Webber e sua equipe, exaustos, dirigiam o caminhão Dodge do
sul de Nauset Beach para a Estação de Chatham. Webber precisava
informar ao contramestre Cluff que a popa do Pendleton estava se
deslocando depressa. Ele encontrou seu chefe andando de um lado para
o outro, tentando decidir o melhor modo de agir. Essa era a primeira
grande emergência de Cluff como subtenente na estação de Chatham, e
alguns guardas costeiros se perguntavam se ele estaria à altura do
desafio. Daniel Cluff era natural de Chincoteague, uma pequena vila de
pescadores na costa oriental da Virgínia e lar do famoso evento
Chincoteague Pony Swim. O comandante não participava muito do
trabalho com os barcos na estação; achava que primeiro precisava
conhecer os líderes empresariais da cidade.
Cluff chamou Webber com seu sotaque sulista e disse: “Webber,
escolha uma tripulação. Você tem de pegar a 36500, atravessar aquela
barra arenosa e ajudar aquele navio, estáme ouvindo?”.
Webber sentiu um nó no estômago. Ele podia se imaginar
atravessando com o pequeno barco de resgate de madeira o perigoso
Chatham Bar e avançando em alto-mar; era o pior pesadelo de um
marinheiro. O Chatham Bar é uma ilha-barreira, uma coleção de barras
de areia em constante mudança, com correntes transbordantes que
transportam ondas que podem destroçar pequenas embarcações em
segundos. Formadas nas profundezas do oceano, as ondas acabam
correndo em direção à barra, ganhando força, velocidade e tamanho em
águas mais rasas, onde se enrolam formando vagas assustadoras. Isso
quando o tempo está bom. Naquela situação, o perigo era dez vezes
maior. Webber já havia visto barcos de pesca com para-brisas
estilhaçados e cabines rasgadas como resultado de um encontro violento
com o Chatham Bar. E também coisa pior. Da primeira vez que Webber
vira a morte no Chatham Bar fora em um acidente com o Cachalot, um
barco de pesca para dois homens, de quarenta pés, que tentara atravessar
a ilha-barreira em uma tarde ensolarada de outono, em 1950. Escondida
nesses belos cenários havia uma onda irada que continuava batendo na
costa. Quando o barco de pesca bateu na barra de areia, foi pego por
uma onda de quebra que o fez dobrar ao meio. Quando, por fim, o
barco deu em uma praia nas proximidades, de cabeça para baixo, não
havia sobreviventes. Webber conseguiu recuperar o corpo de um
pescador, Elroy Larkin; o corpo de seu parceiro, Archie Nickerson,
nunca foi encontrado. Richard Livesey também participou da busca. Ele
não sabia disso na época, mas estava à procura do pai de sua futura
esposa. Quatro anos mais tarde, Livesey se casaria com a filha de Archie
Nickerson, Beverly.
As imagens daquele dia fatídico queimavam na memória de Bernie
quando ele recebeu as ordens de Cluff; imediatamente ele pensou no
lema oficial da Guarda Costeira: Semper Paratus, sempre pronto, em
latim. Contudo, era o lema não oficial da Guarda Costeira que pesava
em sua mente: Você tem de ir, mas não tem de voltar. “Certo, Mr. Cluff”,
respondeu Webber. “Vou me preparar.” Em particular, ele se perguntava
por que fora escolhido para essa missão perigosa se havia oficiais
igualmente experientes de plantão. No entanto, aceitou o desafio sem
hesitação. Ele precisava de alguns homens de pensamento similar para
seguir sua liderança. “Quem vai comigo?”, perguntou, em voz alta. O
convite era apenas uma cortesia. “Na Guarda Costeira, você pode
perguntar primeiro, mas se a resposta não for imediata, diga: ‘Você,
você e você!’”, recordaria Webber, mais tarde.
Richard Livesey estava mais que um pouco preocupado. Ele vira as
poderosas ondas que quebravam sobre North Beach e sabia que seria
uma missão horrenda. Ainda assim, lutou contra o medo, a fadiga e o
frio que atravessava seu corpo e levantou a mão. “Bernie, eu vou com
você”, disse. Em seguida, Webber voltou-se para seu velho amigo, Mel
Gouthro, um dos engenheiros da estação, que estava deitado em uma
cama dobrável, queimando de febre, em decorrência da mesma cepa de
gripe que mantinha a esposa de Webber na cama. Andy Fitzgerald
também estava na sala e disse: “Mel está doente, eu vou”. Fitz andara
lutando contra o tédio durante o dia todo e estava ansioso para ser
voluntário. A tripulação ainda precisava de um quarto homem. Ervin
Maske estava à toa no refeitório quando ouviu o chamado de Webber.
Ele era convidado na estação e poderia facilmente ter dito não. Maske,
de 23 anos, nativo de Marinette, Wisconsin, uma cidade madeireira às
margens de Green Bay, era membro do navio-farol Stonehorse e havia
acabado de voltar de licença. Estava esperando o transporte para voltar a
seu navio, atracado a cerca de uma hora da ponta sudeste de Monomoy
Point. Ervin era o mais novo de treze filhos nascidos de Albert e Bertha
Maske, que administravam uma grande fazenda de cavalos e gado, em
Marinette. Seus irmãos mais velhos foram para o serviço militar em um
momento ou outro, mas Ervin decidira seguir seu irmão Clarence
—  chamado de “Honey Boy” pela família —  para a Guarda Costeira.
Como Webber, Maske também tinha uma esposa que esperava por ele
em casa. Ele era recém-casado com Florence Silverman, que conhecera
em um salão de dança, no Brooklyn. Ervin Maske tinha muito a perder
e pouco a ganhar nessa operação, com uma tripulação que ele nunca
havia visto antes, mas se ofereceu para a missão de resgate sem hesitar
um segundo sequer. Webber apertou a mão de Maske e mandou-o se
preparar.
A tripulação de quatro pessoas estava pronta e disposta, porém ela
seria capaz? Webber, com apenas 24 anos, era o mais velho do grupo e o
mais experiente. Os outros tinham 20 e poucos anos, e Andy, aos 20
anos, estava na Guarda Costeira havia dois anos e acabara de se formar
técnico de motores. Ele nunca participara de um resgate, mas ouvira
falar das dificuldades de atravessar o Chatham Bar em alto-mar. O
maior susto na carreira de Fitzgerald havia acontecido logo após o
campo de treinamento de recrutas, quando ele fora designado a um
navio-farol ancorado na ilha de Cuttyhunk. Andy acordou com o
barulho assustador das correntes da âncora estalando e se partindo.
Enquanto a tripulação corria, o navio-farol começou a derivar
perigosamente próximo às rochas. Depois de alguns minutos frenéticos,
a tripulação conseguiu ligar os motores antes que batessem na costa
rochosa. O técnico esperava que sua falta de experiência não fosse
prejudicial para a tripulação. Embora não conhecesse Bernie muito bem
pessoalmente — Bernie era mais velho e casado —, Andy havia saído na
36500 com ele durante o trabalho de rotina e notado como o capitão
levara o barco habilmente sobre o Chatham Bar. Se Andy precisasse
escolher qualquer homem da estação para atravessar com o barco de
salvamento a barra de areia e as águas circundantes durante uma
tempestade, teria escolhido Bernie. Contudo, aquela não era uma
tempestade comum. Andy ouvira os diversos relatórios da rádio marinha
que falavam de ondas inimagináveis de mais de dezoito metros.
Maske, Webber, Fitzgerald e Livesey nunca haviam treinado juntos
e, de fato, os três homens de Chatham sequer conheciam Maske até
aquele dia. No entanto, o quarteto tinha tantas semelhanças quanto
diferenças. Todos estavam em ótima forma física e haviam entrado na
Guarda Costeira para salvar vidas, e agora tinham uma chance. Webber
era o mais alto dos homens, com 1,89 metro, compleição esguia e uma
atitude reservada. Livesey, com cerca de dez centímetros a menos de
altura, era animado e tinha senso de humor. Sua calma, porém, só ia até
aí. Livesey havia ganhado o apelido de “Touro da Manada”, por sua
capacidade de assumir a liderança e distribuir ordens aos outros homens.
Andy, com 1,83 metro, tinha um sorriso pronto e fazia amigos por onde
passava. Maske, o menor do grupo, era um jovem modesto,
relativamente calmo, mas com energia — poucos homens colocam sua
vida em risco se oferecendo para entrar em um turbilhão com três
estranhos. Os quatro se sentiam dominados pelo medo ao pensar no mar
tempestuoso, embora carregassem a determinação de manter a
ansiedade sob controle e fazer o que tinha de ser feito.
capítulo 6
Chatham Bar
Com grande trepidação, Webber, Livesey, Fitzgerald e Maske partiram
da Estação de Resgate de Chatham e se dirigiram ao Fish Pier. Webber
estacionou o caminhão Dodge e desceu na neve. Através dos flocos de
neve espessa a equipe mal podia ver o pequeno bote salva-vidas de
madeira que ia pegar para a jornada, balançando violentamente para a
frente e para trás, a distância. Os guardas costeiros foram até a lateral do
cais e desceram uma escada para um pequeno douro. Estavam
preparando-o para sair quando Webber ouviu uma voz chamar no cais
acima. “É melhor vocês se perderem antes de chegarem muito longe”,
gritou um pescador local, John Stello. Era sua maneira de dizer:
“Desistam enquanto ainda é tempo”. Stello era capitão do Jeanie S.
— homenagem a sua esposa — e conhecido

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