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0 1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 A ORIGEM DA CIÊNCIA COGNITIVA ........................................................ 3 2.1 Desenvolvimento cognitivo ................................................................... 5 2.2 Conceitos centrais à construção do conhecimento segundo Piaget .. 16 3 A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM EM VYGOTSKY .................................................................................................... 28 3.1 Quais as implicações do conceito de zona de desenvolvimento próximo (ZDP) para a prática pedagógica? .................................................................. 33 3.2 A construção da linguagem e do pensamento ................................... 37 3.3 Sobre os instrumentos, os signos e a palavra .................................... 40 3.4 Teoria da mediação ............................................................................ 51 3.5 Mediação e competência em informação ........................................... 53 3.6 Quais as implicações do conceito de mediação para a prática pedagógica? ................................................................................................... 55 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 57 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 A ORIGEM DA CIÊNCIA COGNITIVA De acordo com Saracevic (1996), a ciência cognitiva teve origem na convergência das disciplinas da psicologia, neurologia, filosofia, linguística, antropologia e ciência da computação. Seu propósito fundamental consiste em elucidar o funcionamento da mente, utilizando sistemas computacionais como ferramentas para aprofundar a compreensão dos processos cognitivos e sua manifestação no cérebro. Na visão de Alves e Galvão (2006), o surgimento da ciência cognitiva pode ser traçado em seu histórico. No início do século XX, prevalecia a perspectiva behaviorista, que se concentrava na análise do comportamento humano, negligenciando a mente como objeto de estudo científico. Posteriormente, entre 1940 e 1950, ocorreu a era da cibernética, marcada por investigações fundamentadas em princípios lógicos e matemáticos. Foi somente em 1956 que as ciências cognitivas foram oficialmente estabelecidas, durante um congresso realizado nos Estados Unidos, que se estendeu por seis semanas. O objetivo principal desse evento era a criação de um modelo computacional destinado a compreender os processos mentais. Conforme Motta (2007), como resultado desse congresso, muitos investigadores começaram a publicar obras e artigos que abordavam tópicos relacionados à linguagem, formação de conceitos e memória. A partir dessa nova perspectiva, emergiu um modelo conceitual que se esforçava para explicar os processos cognitivos, conhecido como o paradigma simbólico. Esse paradigma argumentava que a compreensão dos processos mentais, era mais eficaz quando comparados ao funcionamento de computadores, nos quais informações são representadas por símbolos que são processados de forma serial. Para Nobre (2012), uma segunda fase dos estudos cognitivos se concentra na análise dos processos cognitivos, sociais e culturais. A autora ressalta que a descrição detalhada desses processos resulta da compreensão de como a utilização da linguagem pode contribuir para a ampliação do conhecimento sobre o mundo. Segundo as análises de Amorim (2005), o avanço da ciência cognitiva teve origem em três fatores fundamentais: Usuario Highlight Usuario Realce 4 ➢ O amadurecimento da psicologia do processamento da informação, que se dedicou a especificar o processamento envolvido em diversas atividades cognitivas, incluindo percepção, linguagem, aprendizado e pensamento produtivo. ➢ O progresso da tecnologia com o propósito de simular as tarefas mentais humanas, um campo conhecido como computação cognitiva. ➢ O desenvolvimento de abordagens derivadas da linguística que contribuíram para a compreensão dos processos cognitivos. De acordo com as contribuições de Costa e Duque (2009), em consonância com as abordagens anteriores, é enfatizada a perspectiva sociocultural. Os autores sublinham a importância do desenvolvimento de uma teoria etnográfica, pois reconhecem que a teoria cognitiva, está intrinsecamente ligada a um contexto sociocultural específico. Nessa abordagem, são empregados elementos oriundos da cultura em que o indivíduo está inserido, tais como: palavras, crenças e conceitos. Essas práticas culturais desempenham um papel fundamental na configuração do modelo cognitivo vigente. Assim, a origem da ciência cognitiva representou uma mudança fundamental na compreensão da mente humana e de como as pessoas aprendem e concentra na compreensão dos processos mentais e cognitivos, incluindo a percepção, memória, pensamento e aprendizado. Essa abordagem interdisciplinar ajudou a criar um terreno fértil para o desenvolvimento de teorias e práticas de aprendizagem mais eficazes, influenciando a educação e a forma como o conhecimento é transmitido e adquirido. A ciência cognitiva continuará a desempenhar um papel importante na melhoria da qualidade da aprendizagem à medida que novas pesquisas e descobertas forem feitas nesse campo. Enfim, a mesma desempenhou um papel vital no desenvolvimento da aprendizagem na área da educação, fornecendo uma base teórica sólida para a criação de estratégias de ensino mais eficazes e abordagens de aprendizagem mais informadas. Ela contribuiu para uma compreensão mais profunda de como os alunos processam, retêm e aplicam conhecimentos, influenciando positivamente a prática educacional e melhorando a qualidade da aprendizagem em diversos contextos educacionais. 5 A cognição desempenha um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, pois, abrange os processos mentais, como percepção, memória, pensamento e aprendizado, que permitem aos indivíduos interagir com o mundo ao seu redor, sendo este, uma parte essencial do crescimento humano, à medida que as pessoas adquirem habilidades cognitivas, resolvem problemas, adquirem conhecimento e constroem sua compreensão do mundo. Além disso, a cognição está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento emocional e social, influenciando como as pessoas interpretam e respondem às experiências da vida e às interações com os outros. Contudo, a cognição desempenha um papel integral no processo de desenvolvimento humano, moldando a maneira como os indivíduos pensam, aprendem e se adaptam ao longo de suas vidas. Dessa forma, no próximo tópico vamos tratar sobre o desenvolvimento cognitivo. 2.1 Desenvolvimento cognitivo Para obter uma compreensão mais abrangentesobre o processo de aprendizagem das crianças, foi crucial voltar a atenção para as ideias de Piaget (1974) em que o mesmo concebe a cognição como uma adaptação biológica peculiar de um organismo complexo a um ambiente igualmente complexo. Ao formular sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo, Piaget (1974) baseou-se na observação direta das crianças, considerando-as como a fonte primordial e mais próxima da realidade em estudo. Ele explorou diversas disciplinas científicas, notando que o sistema cognitivo das crianças ativamente seleciona e interpreta as informações do ambiente à medida que constroem o seu próprio conhecimento. Nessa perspectiva, o pensador percebe que a mente constantemente remodela e reinterpreta o ambiente ao seu redor para que se ajuste aos seus próprios padrões mentais preexistentes. Através de uma pesquisa meticulosa, Jean Piaget (1974), inicialmente utilizando seus próprios filhos como sujeitos de estudo, formulou o conceito de que "a inteligência é, por definição, a capacidade de se adaptar a situações novas e é, portanto, um processo contínuo de construção de estruturas", enfatizou que essa é apenas uma das várias formas de interação do organismo com o ambiente, e que a Usuario Highlight 6 inteligência, nesses processos interativos, gradualmente atinge um estado de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação das informações (SEBER, 1997, p.79). Dentro desse contexto, o desenvolvimento cognitivo é percebido como uma progressão ininterrupta de criação e recriação, evoluindo de forma sequencial nos processos mentais. Consequentemente, ao longo de todo o percurso de desenvolvimento, é viável incorporar novas informações aos padrões mentais previamente estabelecidos. Conforme as observações de Piaget (1974), a acomodação está intrinsecamente relacionada ao objeto, enquanto a assimilação está ligada ao indivíduo. Portanto, da mesma forma como a acomodação sempre envolve a assimilação de algo, também não pode ocorrer assimilação sem acomodação. Isso ocorre porque na adaptação, sempre existem dois elementos: o polo do indivíduo e o polo do objeto a acomodação. Nessa perspectiva, por meio desse processo cíclico de desenvolvimento cognitivo, que envolve a acomodação, assimilação e busca constante por equilíbrio, Piaget (1996) procura estabelecer uma conexão entre a biologia e a evolução do conhecimento, considerando os processos funcionais. Ele percebe que a assimilação ocorre tanto de forma fisiológica, centrada no organismo, quanto de maneira racional, manifestando-se no julgamento. Assim, de acordo com Seber (1997, p. 54), é possível compreender que "a adaptação cognitiva refere-se igualmente ao equilíbrio nas interações entre a criança e o mundo exterior, equilibrando a assimilação e a acomodação". Esse processo de desenvolvimento, envolvendo a acomodação, assimilação e equilíbrio ou equilibração, segundo a perspectiva de Piaget (1996), se desenrola por meio de estágios que apresentam distinções nas várias fases etárias e qualitativas das crianças. O desenvolvimento cognitivo é, portanto, um processo contínuo, sem saltos ou passagens abruptas de estágios, e embora todas as crianças percorram todos esses estágios, o percurso de desenvolvimento não é uniforme para todas elas, visto que cada criança se desenvolve em seu próprio ritmo e de maneira única. Conforme Moro (1987, p. 20), Piaget (1996) argumenta que as "estruturas construtivas da inteligência humana são consistentes" e sempre seguem a mesma sequência de desenvolvimento conforme se manifestam. No entanto, as idades cronológicas nas quais as crianças exibem essas construções variam de indivíduo Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Realce 7 para indivíduo e de grupo para grupo. De acordo com Piaget (1978), os estágios do desenvolvimento cognitivo são categorizados em quatro: sensório-motor, pré- operatório, operações concretas e operações formais. Desse modo, cada um associado a faixas etárias específicas: o estágio da inteligência Sensório-motora (0 – 2 anos), o estágio Pré-operatório (2 – 6 anos), o estágio operatório concreto (6 – 12 anos) e o estágio operatório formal (a partir de 12 anos). É importante observar que os valores de idade podem variar individualmente, mas a ordem sequencial desses estágios é constante. Antes de explorar as características e o funcionamento de cada fase, é fundamental destacar os critérios estabelecidos por Balestra (2007) para descrever e classificar esses estágios. Esses critérios incluem a invariabilidade na sequência das estruturas mentais, que evoluem sempre na mesma ordem, embora a idade cronológica possa variar. Cada nova fase integra os novos conhecimentos ao conhecimento pré- existente, demonstrando um caráter integrativo em cada estágio. Cada estágio é concebido como uma estrutura global, pois, as aquisições se combinam para formar uma totalidade. Além disso, os estágios estão interconectados, já que cada estágio envolve a preparação para uma nova etapa e o fechamento de outra anterior. A seguir, faremos uma breve análise de cada um deles: ➢ Estágio de desenvolvimento cognitivo sensório-motor: No estágio inicial do desenvolvimento, conhecido como sensório-motor, conforme descrito por Rodrigues et al., (2005), a inteligência da criança é predominantemente formada por uma série de práticas e ações reflexivas. Nesse período, as funções mentais estão principalmente envolvidas na execução de reflexos inatos, nos quais o universo é percebido principalmente como a observação de movimentos que evoluem e se aprimoram com o tempo. As conquistas do bebê consistem, em grande parte, na coordenação das suas percepções sensoriais e em comportamentos motores simples. Nesse estágio, de acordo com Balestra (2007), o bebê não manifesta uma consciência clara da distinção entre seu mundo interno e o mundo externo. Psicologicamente, ele não diferencia entre si mesmo e o ambiente ao seu redor. Sua 8 única referência para compreender o mundo exterior é o seu próprio corpo, o que o leva a acreditar que ele é o ponto central do universo. Esse período é caracterizado por uma completa falta de diferenciação entre os aspectos subjetivos e objetivos, um fenômeno conhecido como egocentrismo, que persiste até o início do estágio das operações concretas na criança. Nesse contexto, o egocentrismo se caracteriza por várias manifestações específicas, incluindo o artificialismo, em que a criança acredita que tudo ao seu redor é resultado de ações intencionais voltadas para ela, o finalismo, onde tudo é visto como tendo um propósito preestabelecido, o animismo, que envolve a crença de que tudo ao seu redor possui uma vida própria, semelhante à que ela mesma possui, e o realismo infantil, que se traduz por uma visão particular e subjetiva do ambiente no qual está imersa. Neste estágio, as atividades são predominantemente de natureza prática, e ocorrem manifestações distintas desse período de desenvolvimento, que podem ser classificadas em reações circulares, incluindo as primárias, secundárias e terciárias. As reações circulares primárias, referem-se aos reflexos e hábitos observados nos primeiros dias de vida do bebê, os quais, ao longo do tempo (entre 3 e 6 meses), evoluem para ações mais inteligentes e funcionais. No estágio subsequente, observam-se as reações circulares secundárias, nas quais as ações do bebê ainda refletem hábitos básicos, mas já é evidente o surgimento de intencionalidade em relação a um objetivo específico. Nesse estágio, o bebê demonstra a intenção de manter um determinado resultado, uma vez que começa a assimilar objetos e, consequentemente, a desenvolver esquemas de ação. Entre os 10 e os 24 meses de vida, podem-se observar as reações circulares terciárias, nas quais a criança realiza ações de forma intencional.Ela observa um determinado movimento ou comportamento e repete essa ação de maneira variada sempre que deseja alcançar um novo objetivo. Isso indica que a criança já utiliza esquemas mais complexos e familiares diante de novas situações, com a intenção de obter resultados diferentes. Esse estágio marca o início da construção de novas estruturas que influenciam o desenvolvimento do pensamento experimental. 9 Dentro do estágio de desenvolvimento sensório-motor, identificam-se subestágios que desempenham um papel fundamental na compreensão de como o bebê se ajusta ao mundo e progride em seu desenvolvimento. De acordo com Piaget (1971), esses subestágios incluem o seguinte: ➢ No primeiro subestágio (0 a 1 1½ mês): o recém-nascido apresenta esquemas reflexos, como o movimento involuntário da cabeça, sucção, agarrar e olhar. ➢ No segundo subestágio (1½ a 4 meses): ocorrem as reações circulares primárias, caracterizadas pela repetição de ações agradáveis. ➢ No terceiro subestágio (4 a 8 meses): introduzem-se as reações circulares secundárias, acompanhadas por uma crescente consciência dos efeitos das próprias ações sobre o ambiente. ➢ No quarto subestágio (8 a 12 meses): a coordenação das reações circulares secundárias permite ao bebê combinar esquemas para alcançar resultados desejados. ➢ No quinto subestágio (12 a 18 meses): ocorre o início das reações circulares terciárias, permitindo à criança variar deliberadamente suas abordagens para resolver problemas e experimentar as consequências. ➢ No sexto subestágio (18 a 24 meses): surge a representação simbólica, onde imagens e palavras começam a representar objetos familiares, e a criança é capaz de inventar novos métodos de resolução de problemas por meio de combinações simbólicas. Conforme a explicação de Balestra (2007), a criança gradualmente se distingue do mundo ao seu redor, o que lhe permite compreender a ideia de permanência do objeto. Ela passa a entender que um objeto continua a existir mesmo quando não está mais visível, o que representa a aquisição da noção de que o mundo não está centrado exclusivamente em si mesma. Esse processo é conhecido como descentralização, uma habilidade que capacita a criança a pensar de forma mais flexível, transitando livremente entre o passado, o presente e o futuro. No estágio sensório-motor, como mencionado acima, alcança-se um estado de equilíbrio quando a criança demonstra a habilidade de alcançar objetos que estão distantes ou escondidos por outras pessoas ao seu redor. Isso indica que a ação da criança se tornou estruturada em termos de espaço, tempo e causa, evidenciando 10 também a compreensão da permanência dos objetos e a superação do egocentrismo. Como resultado, emerge a capacidade de funcionamento simbólico nesse estágio. ➢ Estágio cognitivo pré-operatório: Com o surgimento da capacidade simbólica por volta dos dois anos, como destacado por Terra (2011), a linguagem emerge, trazendo importantes transformações nos aspectos cognitivos, emocionais e sociais da criança. Isso ocorre porque a linguagem possibilita interações interpessoais, permitindo à criança trabalhar com representações para atribuir significados à realidade. Nessa fase, o desenvolvimento do pensamento é mais acelerado devido aos contatos sociais facilitados pela linguagem. Neste estágio, ocorre uma mudança significativa, uma vez que a criança, através da linguagem e da habilidade de representação, por meio do jogo simbólico e das imagens mentais, é capaz de internalizar ações, conferindo-lhes significado. O estágio pré-operacional, marca um importante avanço no desenvolvimento, com a emergência da capacidade simbólica. O desenvolvimento da linguagem traz consigo três consequências significativas para o aspecto cognitivo da criança: a socialização da ação, que envolve interações entre indivíduos; o desenvolvimento da intuição e do pensamento, que se baseia no pensamento verbal e dá origem a conceitos como finalismo questionamentos sobre o ‘porquê’ das coisas, animismo e artificialismo. Conforme Papallia (2000), nesta fase, além da função simbólica capacidade de pensar em algo sem necessidade de visualizá-lo, as crianças podem desenvolver a compreensão de conceitos como identidade a ideia de que pessoas e muitas coisas permanecem as mesmas, mesmo que sua aparência mude, causa e efeito o reconhecimento de que o mundo é organizado e que elas têm a capacidade de causar eventos, habilidade de classificação capacidade de organizar objetos, pessoas e eventos em categorias com significados específicos e compreensão numérica como por exemplo, a habilidade de contar e lidar com quantidades. Segundo Biaggio (1995), esse avanço ocorre porque, nesse período, a criança não está mais limitada apenas a sensações e movimentos, ela consegue discernir um elemento simbólico (como uma imagem, palavra ou símbolo) de um significado 11 concreto (um objeto ausente). Isso resulta em uma expansão significativa de seu vocabulário e na formação de sentenças mais complexas. Apesar de Papallia (2000) destacar as notáveis realizações da segunda infância, Biaggio (2000) complementa que o estágio pré-operacional, também é caracterizado por limitações, as quais são definidas em termos de tarefas que as crianças dessa faixa etária não conseguem realizar. Estas tarefas, conforme mencionadas por Papallia (1995), incluem: ➢ Tendência à centração, na qual as crianças se concentram em apenas um aspecto em vez de considerar vários simultaneamente. ➢ Confusão entre aparência e realidade, isso se refere à dificuldade das crianças em distinguir entre a aparência superficial de algo e sua real natureza. Por exemplo, quando uma criança observa um recipiente com leite e depois é apresentada a um óculos que altera a cor do leite, tornando-o verde, ao ser questionada sobre a cor do leite, a criança responderá que é verde, baseando- se na aparência modificada, em vez de reconhecer a cor real do leite. ➢ Irreversibilidade: nesse estágio, as crianças têm dificuldade em entender que uma mesma ação ou processo pode ter múltiplos significados ou ser reversível. Por exemplo, elas podem não compreender que a água pode mudar de estado, transformando-se em gelo e, posteriormente, voltar a ser água. Isso reflete a limitação em perceber as diversas maneiras pelas quais eventos e operações podem ocorrer. ➢ Foco mais nos estados do que nas transformações: nessa fase, as crianças tendem a perceber o mundo como uma série de imagens estáticas, e têm dificuldade em compreender o processo de mudança que leva de um estado a outro. Isso significa que elas têm uma visão limitada das transformações e transições entre diferentes estados ou eventos. ➢ Raciocínio transdutivo: nesse estágio, as crianças tendem a relacionar situações de forma causal, muitas vezes estabelecendo conexões simplistas entre eventos. Por exemplo, uma criança pode erroneamente acreditar que seus pais se divorciaram devido a um mau comportamento dela. Isso demonstra uma compreensão limitada das relações de causa e efeito, frequentemente baseada em interpretações egocêntricas. 12 ➢ Egocentrismo: esse estágio se caracteriza pela falta de habilidade da criança em considerar o ponto de vista ou perspectiva de outras pessoas. Sua compreensão do mundo é predominantemente centrada em si mesma, o que significa que ela tem dificuldade em compreender as experiências e pontos de vista dos outros. Isso reflete uma limitação na capacidade de adotar uma perspectiva externa e empatizar com as visões alheias. Apesar da rápida evolução do pensamento na criança durante este estágio, ainda persiste o egocentrismo. Nessa fase, o sujeito não consegue conceber uma realidade da qual não faça parte, devido à falta de esquemas conceituais e de lógica. A compreensão da realidade é incompletae parcial, priorizando aspectos percebidos como mais relevantes. Além disso, a reversibilidade do pensamento não é alcançada, tornando difícil a organização de objetos e eventos em categorias lógicas gerais. (Rodrigues et al, 2005). O elemento central deste estágio é, sem dúvida, o desenvolvimento da linguagem, conforme indicado por Balestra (2007). Esse desenvolvimento linguístico gera novos padrões mentais e, ao mesmo tempo, facilita a reconstrução daqueles já estabelecidos anteriormente. Isso abre caminho para a construção do pensamento simbólico, à medida que a criança substitui a ação direta sobre objetos pela capacidade de evocá-los e representá-los mentalmente. O pensamento simbólico abre caminho para superar as restrições relacionadas à noção de tempo e espaço da fase anterior. Essa capacidade recém-adquirida de realizar operações com base em representações mentais, leva a uma progressiva superação do subjetivismo infantil, permitindo uma aquisição de conhecimento mais objetiva. ➢ Estágio de desenvolvimento cognitivo operatório-concreto: Na segunda infância, por volta dos 6 a 12 anos, as crianças adquirem a capacidade de realizar operações mentais, que são ações internalizadas que se conformam a um sistema lógico. Esse pensamento operatório possibilita que as crianças mentalmente combinem, separem, ordenem e transformem objetos e ações. Essas operações são consideradas concretas, pois, são executadas na presença dos objetos e eventos sobre os quais estão pensando. 13 No estágio mencionado, o pensamento adquire características distintas, como a capacidade de descentralização, que possibilita à criança perceber e considerar simultaneamente múltiplos atributos de um mesmo objeto, e a compreensão da conservação, que implica na compreensão de que certas propriedades de um objeto permanecerão inalteradas, mesmo quando outras forem modificadas. Após o estágio de desenvolvimento cognitivo denominado Operatório Concreto, a criança passa a ter a convicção de que é logicamente necessário manter certas características inalteradas, mesmo diante de mudanças na aparência (conservação). Além disso, ela desenvolve a habilidade de comparar mentalmente as alterações em dois aspectos de um problema e compreender como um compensa o outro (compensação). A criança também passa a entender que algumas ações podem anular ou reverter os efeitos de outras (reversibilidade). Neste estágio, observa-se uma redução significativa do egocentrismo, uma vez que as crianças adquirem maior capacidade de comunicação sobre objetos não visíveis para os outros e passam a considerar como os outros as percebem. Elas também compreendem que uma pessoa pode ter sentimentos diferentes de suas ações, o que melhora a regulação das interações sociais e promove o envolvimento em jogos com regras. Além disso, começam a levar em conta as intenções ao julgar o comportamento e acreditam que as punições devem ser proporcionais às transgressões. Nesse estágio, de acordo com a explicação de Terra (2011), a criança desenvolve a capacidade de considerar e coordenar diferentes perspectivas, integrando-as de maneira lógica e coerente. Além disso, ela adquire a habilidade de internalizar ações, permitindo a construção de raciocínios com fundamentação lógica, como mencionado por Balestra (2007). ➢ Estágio de desenvolvimento cognitivo operatório formal: No período do estágio operatório formal, que tem início por volta dos 12 anos e persiste ao longo da vida, as estruturas cognitivas da criança amadurecem significativamente, e seu pensamento não está mais restrito a experiências diretas. O pensamento atinge seu nível mais avançado quando as operações formais estão plenamente desenvolvidas, tornando-se mais formalizado. Nessa fase, a capacidade 14 de pensamento lógico pode ser aplicada a uma ampla gama de problemas, permitindo que o indivíduo elabore operações de lógica proposicional, indo além das operações relacionadas a classe, ordem e número. O raciocínio passa a ser fundamentado em hipóteses verbais, não se limitando apenas a objetos. Conforme apontado por Balestra (2007), as estruturas mentais desenvolvidas nos estágios anteriores constituem a base que possibilita o pensamento característico desse estágio. As aquisições estruturais que se formaram ao longo desses períodos anteriores ocorrem de maneira integrada, e as operações formais tornam-se viáveis devido à ordem sequencial das aquisições que ocorreram nos estágios anteriores. Nessa fase, o indivíduo demonstra habilidade na elaboração de teorias abstratas. A transição para o pensamento formal permite o uso do raciocínio hipotético-dedutivo, ou seja, a capacidade de deduzir conclusões a partir de hipóteses puramente conceituais, sem depender apenas da observação concreta. Assim, as operações lógicas começam a ser aplicadas ao plano das ideias e da linguagem, independentemente do suporte da percepção, experiência ou crença. No estágio das operações concretas, ocorria uma representação de ações possíveis. No entanto, no estágio das operações formais, essa representação passa a ser uma ‘representação de uma representação’ de ações possíveis. Isso significa que as mesmas operações do nível anterior, são aplicadas a hipóteses ou proposições. No estágio das operações concretas, as operações lógicas se limitavam a operações de classe, relações e números. Já no estágio operatório formal, novas operações são construídas, envolvendo a lógica proposicional, que abrange todas as combinações possíveis de pensamento. A universalidade do pensamento operacional formal, mesmo entre os adultos, é um tema que gera debates significativos. Isso ocorre porque os três primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo são amplamente determinados pelas realidades físicas, ou seja, características como a permanência dos objetos e a conservação das quantidades de substâncias são inerentes à maioria das pessoas, uma vez que estão fundamentadas em observações diretas do mundo físico. Por outro lado, as operações formais não estão intrinsecamente ligadas ao mundo físico; elas podem ser desenvolvidas por meio da experiência, da prática na resolução de problemas hipotéticos e do uso do pensamento científico formal. Essas 15 habilidades tendem a ser valorizadas e cultivadas em culturas intelectualizadas, especialmente em contextos acadêmicos e universitários. De acordo com Piaget (1971), ele próprio sugeriu que a maioria dos adultos pode ser competente no uso do pensamento operacional formal apenas em áreas nas quais tenham maior experiência ou interesse pessoal. Portanto, não se espera que todos os estudantes do ensino médio tenham a capacidade de raciocinar hipoteticamente sobre todos os problemas que lhes forem apresentados. Alunos que não conseguem ir além das informações fornecidas provavelmente enfrentarão desafios em seu desenvolvimento cognitivo. Alguns estudantes descobrem estratégias para lidar com problemas que ultrapassam sua compreensão e podem optar por memorizar fórmulas ou sequências de passos. Embora isso possa ser útil para realizar exames, a verdadeira compreensão só é alcançada quando eles conseguem ir além do uso superficial da memorização, aplicando efetivamente o pensamento operacional formal. Portanto, como você pôde compreender, o desenvolvimento cognitivo está intrinsecamente relacionado à aprendizagem, pois, o desenvolvimento cognitivo, fornece uma estrutura fundamental para entender como as crianças aprendem e constroem seu entendimento do mundo. De acordo com Piaget (1971), as crianças não apenas absorvem passivamente informações do ambiente, mas também são ativas na construção de seu próprio conhecimento. Elas exploram, experimentam, questionam e, através dessas interações, desenvolvem esquemas mentais que servem como estruturas para entender o mundo.À medida que progridem pelos estágios do desenvolvimento cognitivo, esses esquemas mentais se tornam mais complexos e sofisticados. A relação entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem está relacionada ao conceito de equilibração, que Piaget (1971) descreve como o processo pelo qual as crianças buscam um equilíbrio entre suas estruturas cognitivas existentes e as novas informações que encontram. Quando uma criança encontra informações que não se encaixam em seus esquemas atuais (desequilíbrio), isso desencadeia um processo de adaptação e reestruturação cognitiva, chamado de acomodação. A acomodação é fundamental para a aprendizagem, pois permite que as crianças ajustem seus esquemas mentais para incorporar novos conhecimentos. 16 Portanto, a teoria de Piaget (1971) enfatiza que a aprendizagem é um processo ativo e construtivo, impulsionado pela interação entre o sujeito e o ambiente. À medida que as crianças progridem em seu desenvolvimento cognitivo, elas se tornam mais capazes de lidar com informações complexas, raciocinar de maneira mais abstrata e resolver problemas de forma mais eficaz. Compreender o estágio de desenvolvimento de uma criança é fundamental para a educação, pois, isso pode ajudar os educadores a adaptar seus métodos de ensino de acordo com as capacidades cognitivas da criança, tornando o processo de aprendizagem mais eficaz e significativo. 2.2 Conceitos centrais à construção do conhecimento segundo Piaget É importante destacar mais uma vez que, de acordo com a epistemologia genética, "o conhecimento não é derivado apenas da experiência direta com os objetos, nem é resultado de uma programação inata predefinida no sujeito. Em vez disso, ele se origina a partir de sucessivas construções com a constante elaboração de novas estruturas" (PIAGET, 1976, p. 28 citado em GIUSTA, 2013). Isso reflete o desejo do pensador de Genebra de superar as abordagens inatistas e empiristas da educação, enfatizando o papel ativo do aprendiz no processo de aquisição de conhecimento. Na visão de diversos autores, incluindo Wadsworth (1996), Macedo (1994), Guedes (2011), Giusta (2013), Papalia e Feldman (2013), e Padua (2009), Piaget estabelece certas premissas fundamentais para o desenvolvimento das faculdades intelectuais. De acordo com essa perspectiva, essas estruturas operacionais formam a base do conhecimento do indivíduo, representando uma espécie de realidade psicológica "inata" que gradualmente dá origem ao desenvolvimento do acervo de conhecimento do sujeito (PIAGET, citado em LAVATELLY, STENDLER, 1972, p. 1). De acordo com Piaget, conforme citado por Lavatelly e Stendler (1972, p. 1), o sujeito do conhecimento é capaz de modificar representações sucessivas de um objeto por meio de um conjunto de ações. Essas ações permitem ao sujeito incorporar novas variáveis ao objeto, em um esforço contínuo de interação com o objetivo de restaurar o equilíbrio cognitivo. Usuario Highlight Usuario Underline Usuario Strikeout Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight 17 Nesse contexto, o equilíbrio cognitivo, resultante da interação entre estruturas biológicas e de inteligência na construção do conhecimento, marca um novo ponto de partida na criação de esquemas de conhecimento mais adequados ao objeto em questão, levando à formação de novas estruturas cognitivas. Para ilustrar os mecanismos do desenvolvimento humano, a imagem a seguir representa a progressão dos estágios, desde os mais simples até os mais sofisticados. Figura 1. Estágios do desenvolvimento cognitivo intelectual Fonte: https://shre.ink/nhcZ A figura ilustra a progressão em espiral dos estágios de desenvolvimento cognitivo-intelectual, de acordo com os princípios da epistemologia genética. Começa com um estágio menos complexo, caracterizado por movimentos, reflexos e percepções imediatas (sensório-motor), e se desenvolve para o estágio mais avançado que permite ao indivíduo alcançar total abstração, por meio de representações mentais mais sofisticadas (operatório-concreto). Esses estágios se desenvolvem gradual e sucessivamente, com base nas aquisições de conhecimento do sujeito. Eles se expandem de forma contínua e constante, permitindo que o alcance cognitivo do sujeito cresça à medida que ele interage continuamente com o objeto. É importante destacar que a sequência apresentada na imagem acima, serve apenas como uma representação visual da progressão dos estágios, que se tornam cada vez mais abrangentes e complexos à medida que o sujeito se esforça para https://shre.ink/nhcZ Usuario Highlight 18 compreender as especificidades do objeto de aprendizagem. Essa interação contínua modifica o objeto à medida que as representações do sujeito se transformam e se tornam mais complexas. Assim, toda a epistemologia genética de Piaget gira em torno de uma questão central: a construção do conhecimento. Pode-se definir o conhecimento como um conjunto de ações que envolve a modificação do objeto e permite que o sujeito do conhecimento alcance estruturas de transformação é fundamental. Essas ações interiorizadas são operações, e caracterizam-se por serem reversíveis, ou seja, podem ocorrer em dois sentidos, como adição ou subtração, juntar ou separar. Portanto, as operações são ações específicas que contribuem para a construção de estruturas lógicas. É importante ressaltar que as operações nunca existem de forma isolada, sempre estão interligadas a outras operações e fazem parte de uma estrutura global. Essas estruturas operacionais são consideradas a base do conhecimento e representam a realidade psicológica natural no contexto do desenvolvimento do conhecimento. O cerne do processo de desenvolvimento, reside na compreensão da formação, elaboração, organização e funcionamento dessas estruturas (PIAGET apud LAVATELLY, STENDLER, 1972). As operações cognitivas descritas por Piaget (1971) representam um conjunto único de aquisições progressivas que contribuem para a construção do conhecimento do indivíduo. Essas operações têm sua base em estruturas com diferentes durações, algumas das quais podem tornar-se estruturas permanentes, enquanto outras podem ser temporárias e aplicadas a contextos específicos e demandas momentâneas. A teoria de Piaget (1995) se baseia em dois princípios essenciais e complementares. O primeiro princípio afirma que o conhecimento é estruturado a partir de estruturas cognitivas, tornando sua teoria estruturalista. No entanto, seu estruturalismo difere de outras correntes estruturalistas, pois, o segundo princípio destaca que essas estruturas não são inatas ou preexistentes desde o nascimento, mas podem ser transformadas e construídas ao longo do desenvolvimento. Esse aspecto reflete uma perspectiva interacionista, pois, enfatiza que as estruturas cognitivas são formadas, por meio das ações do sujeito sobre os objetos. Durante esse processo, o sujeito não apenas apreende as propriedades dos objetos, mas também as modifica, introduzindo propriedades que os objetos não possuíam originalmente. Essa visão implica que o desenvolvimento cognitivo segue um padrão Usuario Highlight 19 universal e único para todos os seres humanos, independentemente de cultura ou contexto histórico. A universalidade da epistemologia genética de Piaget (1995) é evidenciada pelos seus princípios fundamentais. Ao descrever os processos sucessivos que moldam a inteligência humana, fica claro que, em qualquer cultura, o sujeito do conhecimento interage com objetos e ferramentas disponíveis, utilizando suas percepções, interpretações e representações em um processo contínuo de formulação de hipóteses. Essas hipóteses são submetidas a confirmação ou refutação por meio de experiências, independentemente do contexto cultural. Essas interações, de acordo com a teoria de Piaget (1995), sãoresultado da coordenação simultânea de estruturas biológicas e cognitivas na apreensão de objetos. A organização estável das habilidades específicas resultantes dessas interações permite que o sujeito atue no mundo, passando de um nível experiencial para um nível de abstração na representação de objetos mais complexos. Os princípios fundamentais da epistemologia genética, como assimilação, acomodação, equilibração e equilibração majorante, serão detalhados a seguir: ➢ Assimilação: Esse aspecto da inteligência humana desempenha o papel de internalizar no indivíduo as percepções originadas de sua interação com o ambiente. A assimilação, como seu nome sugere, envolve a incorporação gradual, às referências cognitivas do sujeito, de elementos do mundo ao seu redor. A assimilação representa o ponto inicial de um processo de apropriação do objeto de conhecimento. Ela é considerada um dos estágios essenciais de uma série complexa de etapas cuja finalidade é extrair elementos de significado do objeto em questão. Assim que essas informações são absorvidas, passam a fazer parte da construção de uma nova estrutura cognitiva (PADUA, 2009). A assimilação pode se integrar às estruturas previamente estabelecidas ou contribuir para a formação de uma nova estrutura, de tal maneira que associar um objeto a um esquema implica em atribuir uma ou mais interpretações a esse objeto, o que envolve um sistema de inferências mais ou menos complexo, mesmo quando essa associação ocorre por meio de observação direta. Desse modo, pode-se afirmar 20 que a assimilação é uma forma de associação que inclui processos de inferência (PIAGET, 1975). A organização e a agrupamento de elementos estruturais, ou seja, a ação de incorporar informações externas a estruturas já existentes, que podem ou não ser modificadas por essa nova incorporação, não necessariamente resultam na alteração ou revisão dos esquemas e estruturas pré-existentes. Dessa forma, a assimilação pode temporariamente ou permanentemente afetar as estruturas previamente estabelecidas. Existem várias formas de assimilação, cada uma correspondendo a diferentes tipos de comportamento. Isso implica que, da mesma forma que existe a assimilação sensório-motora, também existe a assimilação conceitual, na qual, por exemplo, incorporamos um triângulo específico ao conceito geral de ‘triângulo’. A principal relevância da assimilação está relacionada à atribuição de significado, abrangendo desde pistas ou sinais perceptuais até a função simbólica. Além disso, a assimilação envolve ação, pois implica agir sobre objetos ou eventos. Assim, todo conhecimento implica significação e ação, ou seja, assimilação (Piaget, 1975). Quando se atribui significado a algo ou alguma coisa, os esquemas mentais - que são estruturas cognitivas preexistentes - são acionados, permitindo que os indivíduos avaliem, validem ou contestem as novas informações trazidas pelo objeto do conhecimento. De acordo com Wadsworth (1996), os esquemas são definidos como as estruturas cognitivas que os indivíduos usam para se adaptar intelectualmente e organizar o ambiente ao seu redor. Portanto, os esquemas não são considerados objetos tangíveis, mas sim um processo da mente do sujeito, que é caracterizado como algo não observável e, portanto, é inferido. Em resumo, os esquemas são um conceito hipotético que desempenha um papel fundamental no processo cognitivo. Os esquemas são estruturas cognitivas que resultam da integração de unidades mais elementares em uma totalidade mais ampla, mais organizada e mais complexa. Conforme Piaget, esses esquemas não são estáticos, mas passam por mudanças contínuas à medida que se desenvolvem. À medida que se expandem e evoluem, esses esquemas tornam-se mais abrangentes, diferenciados e numerosos. Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight 21 Os esquemas são mecanismos da inteligência que desempenham diversas funções cruciais na apreensão do objeto do conhecimento. Eles servem como recursos para processar estímulos, identificar características distintas e generalizar atributos de um objeto. Essas estruturas intelectuais organizam as experiências percebidas e permitem ao sujeito da aprendizagem classificar, diferenciar e agrupar estímulos com base em suas características comuns. Em essência, os esquemas, de acordo com Piaget (1975), capacitam o sujeito a assimilar e compreender o objeto do conhecimento. ➢ Acomodação: Como mencionado anteriormente, o processo pelo qual o sujeito da aprendizagem apreende um objeto de conhecimento é uma sequência complexa de eventos cognitivos, envolvendo a assimilação, a acomodação e a equilibração. A acomodação, que será abordada nesta seção, está intrinsecamente ligada aos esquemas e estruturas previamente desenvolvidos por meio da assimilação. Segundo Piaget, "a assimilação e a acomodação”, representa os dois extremos fundamentais que sustentam todo o funcionamento biológico e intelectual" (1995, p. 309). Nesse processo de interação com o ambiente, as estruturas mentais, que são os meios de organização que uma pessoa possui para compreender o mundo, têm a capacidade de se adaptar e modificar para atender às necessidades e particularidades do objeto de conhecimento. Piaget (1995) nomeou esse processo de adaptação como acomodação. As estruturas de conhecimento são maleáveis e têm a capacidade de se adequar diante de diversas situações apresentadas pelo ambiente. Quando o sujeito interage com um objeto e sua estrutura mental existente, também conhecida como esquema, é modificada durante o processo de assimilação, ocorre a acomodação. Essa acomodação envolve a adaptação do esquema para se adequar às novas informações assimiladas, como parte da interação entre o sujeito e o objeto. A acomodação não se limita a simples reações a estímulos, demonstrando a flexibilidade das estruturas cognitivas. Ela vai além de processos mecânicos e desempenha um papel fundamental na origem do processo de aprendizagem, conforme os princípios da epistemologia genética (PADUA, 2009). Conforme Piaget Usuario Highlight Usuario Realce 22 (1995), todo ato de inteligência envolve uma interação complexa entre a adaptação do pensamento às coisas e a organização do pensamento em si. Esses dois aspectos são interdependentes, já que o pensamento se organiza ao se adaptar às coisas, e ao se organizar, estrutura as percepções das coisas. De acordo com Piaget (1995), a inteligência é um processo adaptativo que se baseia no equilíbrio relativo entre a assimilação e a acomodação. Esses dois processos, embora distintos, são interdependentes e contribuem para a construção do conhecimento do indivíduo. Lampreia (1992) enfatiza que tanto a assimilação quanto a acomodação operam dentro das diretrizes do equilíbrio, pois o equilíbrio é fundamental para todo o desenvolvimento da inteligência humana. Giusta (2013) salienta que a adaptação e a organização estão intrinsecamente ligadas, pois à medida que o indivíduo assimila ou acomoda informações, ocorre também uma integração dessas novas estruturas com as estruturas pré-existentes. Contudo, a dinâmica entre assimilação e acomodação é fundamental para o desenvolvimento cognitivo de um indivíduo, desde o nascimento até a fase adulta, e ocorre em conjunto com o objetivo de alcançar o equilíbrio necessário para aplicar seu conhecimento sociocultural e intelectual. ➢ Equilibração: Na continuação da análise sobre o processo que leva à formação do conhecimento cognitivo de um indivíduo, esta seção se concentrará no equilíbrio que emerge da interação entre assimilação e acomodação. Segundo as informações fornecidas por Padua (2009), a inteligência é concebida como um equilíbrio entre assimilação e acomodação. Ele descreve essas duas funções como opostas entre si,onde a assimilação é controlada pelo sujeito que conhece, enquanto a acomodação é direcionada às demandas do ambiente. A equilibração desempenha um papel crucial na reconciliação entre os elementos da maturação, da experiência com objetos e da interação social. O processo de equilibração, envolve uma sequência de equilíbrios que são perturbados pela interação com objetos de conhecimento. Nessa dinâmica de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio, destaca-se a necessidade fundamental de buscar o reestabelecimento do equilíbrio, que pode ser considerado uma 23 característica inerente à natureza humana. É essencial ressaltar, portanto, que a equilibração é um processo contínuo, enquanto o estado de equilíbrio, dentro desse contexto, é transitório. Este mecanismo da inteligência, como sugere o próprio termo, não é estático nem imutável, mas sim um processo de ajuste orientado pelas necessidades individuais do sujeito. Ao se esforçar para compreender o ambiente ou um objeto específico, o sujeito procura referências que possam ajudá-lo a dar sentido a essa situação de desestabilização. Ele busca uma possível reconciliação com suas experiências anteriores, seja em relação aos objetos ou em relação à sua interação social. Desse processo constante de busca pelo equilíbrio, tanto na formação quanto na transformação de suas referências, resulta uma expansão gradual das capacidades cognitivas do sujeito. Essas capacidades fundamentais incluem a assimilação e a acomodação, que, por sua vez, conduzem à autorregulação do sujeito, conhecida como equilibração. Portanto, a extensão das assimilações e acomodações é delimitada pela estrutura que define os limites dessas transformações. A inteligência é conceituada como uma forma específica de interação entre o sujeito e o objeto, sendo essa interação moldada pelo conjunto das estruturas do sujeito. Segundo Piaget, o conhecimento não reside nem no sujeito nem no objeto, mas surge das interações entre ambos. Essas interações, desde o início da vida do sujeito, envolvem dois aspectos essenciais e interdependentes: o afetivo e o cognitivo (MARCEDO, 1994). Dessa forma de acordo com Piaget (1995), o processo de equilibração é resultado de vários fatores intrinsecamente interconectados pela interação entre o sujeito e o objeto, com cada um influenciando o outro. Essa ação e reação do sujeito em relação ao objeto conduz à construção contínua do conhecimento, conforme os princípios da epistemologia genética de Piaget. O conhecimento, sob essa perspectiva, é concebido como um processo em constante evolução, não sendo algo estático ou acabado, mas sim um patrimônio de conhecimento que é flexível e dinâmico. A adaptação intelectual, assim como qualquer outra forma de adaptação, envolve o estabelecimento gradual de equilíbrio entre os mecanismos de assimilação e acomodação. Em todos os casos, sem exceção, considera-se que a adaptação está 24 completa quando alcança um estado estável, ou seja, quando há equilíbrio entre a acomodação e a assimilação. Assim, compreende-se que tanto a assimilação quanto a acomodação sejam componentes essenciais da inteligência humana, desempenhando um papel contínuo na restauração do equilíbrio, ou seja, na adaptação. Isso permite que o sujeito do conhecimento esteja apto a mobilizar seus recursos cognitivos em busca de novas experiências de aprendizado (PIAGET, 1977). ➢ Equilibração majorante: Conforme mencionado anteriormente, a equilibração surge como resultado da interação inseparável entre a assimilação e a acomodação. Esses processos, ao operarem em conjunto, promovem a autorregulação, permitindo ao sujeito alcançar um equilíbrio nas funções de sua inteligência cognitiva por meio das variáveis geradas na relação com o objeto de conhecimento. Piaget (1995) enfatiza o processo autorregulador de nível cognitivo que ele denomina de ‘equilibração’. Ele utiliza o termo ‘equilibração’ em vez de ‘equilíbrio’ para destacar que se trata de um processo dinâmico, não de um estado ao qual se busca retornar. Especificamente, ele fala de uma ‘equilibração majorante’, sugerindo a ideia de superação e compensação das perturbações provenientes do ambiente. Isso implica a ocorrência de reequilíbrios, com ênfase na busca por um equilíbrio aprimorado. Diferentemente da noção de equilíbrio, que sugere um estado de repouso, a equilibração remete à atividade, enfatizando que o sujeito precisa ser ativo para compensar as perturbações do meio. A equilibração majorante é um processo complexo de seleção de referências que compõem o repertório estável de um sujeito. No contexto da epistemologia genética de Piaget, esse repertório refere-se ao conjunto de conhecimentos cognitivos e intelectuais que são essenciais para a interação do sujeito com o conhecimento acadêmico. Esse patrimônio é construído com base em habilidades específicas que são fundamentais para a relação do sujeito com o objeto, abrangendo desde a percepção até a capacidade de abstração lógica formal. O processo de transição contínua de um nível de inteligência para o próximo é conduzido pelo que Piaget (1995) denomina como equilibração majorante. Nesse contexto, ‘equilibração’ refere-se à autorregulação das estruturas que compõem a 25 inteligência, caracterizando-se por um processo homeorrético. Isso significa que o equilíbrio não envolve um retorno a um ponto de partida ou referência, como nos processos homeostáticos, mas é um estado de equilíbrio em constante movimento e dinamismo, com correções automáticas por meio de feedbacks, e direciona-se para uma reversibilidade operatória. A equilibração, portanto, representa uma das principais conquistas do sujeito à medida que ele avança em sua jornada de interação com o ambiente que o cerca, exigindo uma ampla gama de habilidades para se relacionar tanto com outras pessoas quanto com os objetos que o desafiam. Nesse contexto, à medida que o sujeito expande seu conjunto de conhecimentos por meio de repetidas assimilações e acomodações, um processo de equilibração gradualmente se desenvolve. O processo combinado de assimilação e acomodação pode ser observado na transformação do reflexo de sucção em um esquema mais abrangente de sugar. Quando um bebê nasce, ele possui o reflexo de sucção, que utiliza durante a amamentação. Com o tempo e o uso repetido desse reflexo, ele evolui para um esquema de sugar mais amplo e eficaz do que o reflexo inicial. À medida que o bebê começa a sugar outros objetos, como mamadeiras, chupetas, dedos e lençóis, o esquema de sugar se diferencia e se amplia progressivamente, tornando-se mais completo. Isso significa que sempre que o bebê encontra um objeto que pode ser sugado, ele o assimila ao esquema de sugar que já possui e, ao mesmo tempo, acomoda esse esquema para se adequar ao objeto específico, uma vez que sugar uma mamadeira e sugar o dedo são experiências diferentes (PIAGET,1977). Dessa forma, o esquema de sugar existente se transforma em um novo esquema de sugar, mais abrangente e diferenciado, capaz de ser aplicado a uma variedade de objetos. Esse mesmo processo ocorre quando o bebê desenvolve esquemas de visão e apreensão, inicialmente de forma isolada e posteriormente coordenada, culminando na formação de um único esquema de visão-preensão que permite que ele pegue objetos com base no que vê. O autor descreve uma equilibração inicial na criança, que começa com sua ação sobre o objeto - o seio da mãe. Através dessa ação de sugar, a criança percebe que pode se alimentar e saciar sua fome. A assimilação desse mecanismo de sugar é acomodada às suas estruturas de interação com o mundo, resultando em uma equilibração que envolve a compreensão de uma forma eficaz de se alimentar. À 26 medida que a criança repete e amplia a experiência de sugar ao manipular outros objetos aoseu redor, ela desenvolve a percepção de que o ato de sugar pode ser uma maneira prazerosa de interagir com o mundo. Essas sucessivas experiências de sucção ao interagir com o ambiente ao seu redor levam à formação de uma série de possibilidades em relação aos objetos que podem ser sugados. Em outras palavras, a sequência de sucções resulta na criação de esquemas e estruturas cognitivas suficientemente estáveis, a partir das quais ocorre uma equilibração majorante. Esse processo permite que a criança compreenda o que a satisfará em termos de saciar a fome ou explorar os objetos de forma lúdica em seu entorno (PIAGET,1977). Por meio do processo inicial de sucção, ocorre a formação de novas estruturas e esquemas à medida que o bebê reconhece diferentes maneiras de interagir com os objetos. Cada nova estrutura implica na transformação e expansão da estrutura anterior que a originou, resultando em uma forma mais estável e equilibrada de adaptação à realidade. Essas mudanças são principalmente atribuídas a um fator interno, a equilibração majorante, que, como o próprio nome sugere, impulsiona o caráter progressivo dessas alterações, afastando a ideia de que as mudanças de comportamento são simples produtos da aprendizagem. Assim, é evidente que a equilibração majorante desempenha um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, servindo como um ponto de partida flexível, embora não seja uma referência estática e imutável, para as novas conquistas cognitivas do sujeito. Pode ser considerada, em essência, como uma referência à qual se pode recorrer para a formulação de novas suposições, a análise de possibilidades, e a confirmação ou refutação da relevância daquela referência, que, por não ser absoluta, pode ser reinterpretada. A equilibração cognitiva nunca atinge um ponto de parada definitivo, a menos que seja temporário. Qualquer conhecimento traz consigo a geração de novos problemas à medida que os anteriores são resolvidos. O equilíbrio não representa um ponto final, pois uma estrutura concluída pode dar origem a demandas por diferenciações em novas subestruturas ou por integrações em estruturas mais abrangentes. Essa necessidade contínua de aprimoramento de qualquer equilíbrio cognitivo é intrínseca ao processo de equilibração, que, por sua natureza, gera a necessidade de construção e superação, uma vez que apenas proporciona uma conservação 27 estabilizadora dentro das transformações das quais essa conservação é apenas o resultado. Em resumo, compensação e construção são sempre inseparáveis neste processo (LAMPREIA, 1992). Para concluir, é fundamental destacar que a equilibração desempenha um papel dual, atuando tanto na compensação das perturbações que causam desequilíbrio quanto na construção de novas aquisições, que caracterizam a majoração do conhecimento. Originária da capacidade inata de autorregulação presente em todos os organismos vivos, a equilibração é a força motriz por trás do desenvolvimento cognitivo. Além disso, é importante ressaltar que a coerência desse processo é mantida pela sua característica de abertura para interações com o ambiente, ao mesmo tempo em que tende ao fechamento para estabelecer uma ordem cíclica e não linear nas transformações das estruturas. Em resumo, a equilibração desempenha um papel crucial no processo de construção do conhecimento (PIAGET, 1977). Em conclusão desta seção, é possível afirmar que, de acordo com Piaget (1977), o conhecimento é uma construção resultante da interação entre o sujeito e seu objeto de estudo. Essa interação surge a partir de um desequilíbrio inicial experimentado pelo sujeito diante de um objeto previamente desconhecido. Piaget (1977) também destaca que o conhecimento do sujeito se desenvolve por meio de dois processos cognitivos simultâneos e interdependentes: a assimilação e a acomodação. A interação sincrônica desses dois processos, de forma inseparável, conduz ao que Piaget denomina de equilibração. A equilibração representa, portanto, o estágio em que o sujeito alcançou a compreensão de um novo conteúdo que inicialmente o havia desequilibrado cognitivamente. Em outras palavras, a equilibração é o processo pelo qual o sujeito, utilizando seus recursos cognitivos intelectuais, transformou o desconhecido em conhecido. A partir das referências suficientemente estáveis, até que um evento novo as desestabilize, emerge o conceito de equilibração majorante na epistemologia genética. Até aqui você, compreendeu sobre a cognição, conhecimento e aprendizagem de Jean Piaget. Nos próximos tópicos vamos tratar sobre os mesmos aspectos, porém em Lev Vygotsky. Assim, enquanto Piaget enfatizava a construção ativa do conhecimento pelo indivíduo e a progressão por estágios de desenvolvimento, 28 Vygotsky enfatizava a influência do ambiente social e cultural, especialmente a Zona de Desenvolvimento Proximal e a mediação social, na aprendizagem e na cognição. Ambas as perspectivas oferecem insights valiosos sobre como a aprendizagem e a cognição estão interligadas, com ênfases diferentes em processos individuais e sociais. 3 A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM EM VYGOTSKY A abordagem da Psicologia Histórico-Cultural, cujo pioneiro e um dos principais representantes é Vygotsky (2013), examina o desenvolvimento psicológico infantil como um fenômeno histórico que está intrinsecamente relacionado com as circunstâncias objetivas da organização social. É essencial considerar o papel da criança nas interações sociais e as situações históricas específicas nas quais seu desenvolvimento ocorre (PASQUALINI, 2009). Vygotsky (1995) argumenta que o desenvolvimento humano, não é regido por leis naturais universais. Ele destaca a subordinação dos processos biológicos ao desenvolvimento cultural. Essa relação entre o aspecto biológico e o aspecto cultural é explicada em termos da diferenciação das funções psicológicas. As funções psicológicas elementares, que são compartilhadas com outros animais, como a atenção e a memória involuntárias, são distintas das funções psicológicas superiores, que são exclusivamente humanas e têm uma origem fundamentalmente cultural, como a atenção voluntária e o pensamento abstrato. O conceito de mediação é fundamental para entender o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Ele se baseia na ideia de que a relação entre o indivíduo e o mundo ao seu redor, tanto físico quanto social, é sempre intermediada, tornando-a mais complexa. Esses elementos intermediários podem assumir diferentes formas e incluir o uso de ferramentas e símbolos (Vygotsky, 1995). O desenvolvimento das funções psicológicas superiores se manifesta por meio do uso de signos, que são ferramentas exclusivamente humanas. Esses signos desempenham o papel de mediadores de natureza psicológica, tornando as ações humanas mais complexas e sofisticadas, o que resulta em novas formas de interação com o ambiente e uma reorganização do comportamento. Um exemplo disso é a Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Realce 29 utilização de objetos para a contagem. Vygotsky (1995) enfatiza que todo desenvolvimento cultural da criança segue um padrão de aparecer duas vezes, primeiro no contexto social (categoria interpsíquica) e, em seguida, no âmbito psicológico (categoria intrapsíquica). A análise de Vygotsky (2013) tem implicações diretas no campo da educação, destacando a importância dos processos educativos no desenvolvimento psicológico das crianças. Ao enfatizar que as funções psicológicas superiores são essencialmente produtos da cultura e não da biologia, fica evidente que o ensino não deve depender da espera pelo desenvolvimento natural dessas funções, nem considerar a maturação como um pré-requisito para a aprendizagem. Antes de tudo, é encarregado de impulsionaro desenvolvimento da criança. Além disso, ao elaborar seu planejamento pedagógico, o professor deve ter em mente que desempenha o papel de um mediador entre o aluno e o conhecimento escolar valorizado pela sociedade, orientando o aluno a se apropriar desse conhecimento. Conforme Vygotsky (1996), o desenvolvimento psicológico se caracteriza pela alternância entre períodos de estabilidade relativamente longos e períodos curtos de crise. Durante os períodos de estabilidade, o desenvolvimento ocorre principalmente por meio de mudanças sutis na personalidade da criança, acumuladas até atingir um certo limite, resultando posteriormente em uma formação qualitativamente nova de maneira súbita. Já nos períodos de crise, ocorrem mudanças abruptas e fundamentais na personalidade da criança em um curto espaço de tempo, levando a uma reestruturação de suas necessidades, motivos e relação com o ambiente. Conforme a perspectiva de Vygotsky (2013), em cada fase do desenvolvimento psicológico da criança, observa-se uma nova configuração da idade. A ideia de ‘estrutura da idade’ diz respeito a um conjunto de relações abrangentes entre as funções psicológicas, enfatizando suas interconexões em vez de considerá-las de forma isolada. Essa concepção sugere que, em cada estágio, a variedade das funções psicológicas envolvidas no processo de desenvolvimento forma uma totalidade única e possui uma estrutura específica. ‘A estrutura da idade anterior evolui e se transforma em uma nova à medida que o desenvolvimento da criança ocorre’. Além disso, de acordo com Vygotsky (2013), em cada estágio do desenvolvimento psicológico infantil, encontra-se também uma nova formação central que atua como um guia para todo o processo de reorganização da personalidade da Usuario Highlight Usuario Highlight Usuario Highlight 30 criança em uma base renovada. Essa nova formação é moldada na situação social de desenvolvimento, surgindo de uma contradição fundamental entre as habilidades presentes na criança, suas necessidades e desejos, e as demandas e oportunidades oferecidas pelo ambiente circundante. Ao buscar resolver essa contradição, a criança se envolve em várias tarefas específicas e interações concretas que podem resultar no desenvolvimento de novas funções ou no aprimoramento das funções existentes. A nova formação central "que emerge em uma determinada fase etária é o resultado das interações da criança no contexto social de desenvolvimento e envolve funções psicológicas relevantes que ainda não estão totalmente maduras" (CHAIKLIN, 2011, p. 665). Isso destaca a importância do conceito vygotskyano da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) no contexto do desenvolvimento psicológico. Segundo Chaiklin (2011), o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) tem dois propósitos distintos na análise vygotskyana do desenvolvimento psicológico. Um deles consiste em identificar as funções psicológicas que estão em processo de maturação e as interações sociais associadas a elas, que são necessárias para a transição de uma fase de desenvolvimento para a próxima. O outro propósito é avaliar o nível atual de desenvolvimento da criança em relação a essas funções necessárias para essa transição. De acordo com Chaiklin (2011), o primeiro propósito refere-se à Zona Objetiva de Desenvolvimento Proximal, a qual é denominada ‘objetiva’ porque abrange as funções psicológicas que devem ser adquiridas durante um período específico para permitir a transição para o próximo estágio de desenvolvimento. O autor argumenta que a Zona Objetiva de Desenvolvimento Proximal para cada fase é normativa, no sentido de que reflete as expectativas e exigências socialmente estabelecidas ao longo da história em uma determinada sociedade ou tradição cultural. Por exemplo, espera-se que crianças em idade escolar desenvolvam habilidades de raciocínio com base em conceitos científicos. Segundo Chaiklin (2011), na abordagem de Vygotsky (1996) é possível avaliar o estado atual de desenvolvimento de uma criança em relação à Zona Objetiva de Desenvolvimento Próximo para uma determinada fase. Vygotsky (1996) enfatiza que as funções psicológicas em maturação são a fonte das mudanças na estrutura interna em um período de desenvolvimento específico. Portanto, os procedimentos de 31 avaliação devem estar voltados para identificar o estado atual dessas funções em maturação, dessa forma, a medida em que as funções psicológicas em maturação se aproximam da estrutura do próximo estágio de desenvolvimento é o que podemos chamar de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) subjetiva. A Zona subjetiva refere-se à avaliação do estado atual de uma criança em relação às funções psicológicas necessárias para a transição de um nível de desenvolvimento para outro. A identificação ou avaliação da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) de uma criança específica ocorre por meio da imitação facilitada pela interação entre a criança e um adulto ou uma criança mais experiente, em situações de assistência para resolver tarefas cognitivas que a criança não consegue abordar de forma independente (CHAIKLIN, 2011). No contexto vygotskyano, a imitação não se refere a simplesmente copiar ações sem reflexão. Pelo contrário, a imitação, como entendida pelo autor, presume uma compreensão das relações estruturais envolvidas no problema que está sendo resolvido. O pressuposto fundamental é que a imitação se torna viável porque as funções psicológicas em desenvolvimento ainda não são suficientes para suportar uma realização independente, mas estão suficientemente desenvolvidas para que alguém possa compreender como aproveitar as ações colaborativas de outra pessoa (CHAIKLIN, 2011). Dessa forma, se uma criança não demonstra qualquer capacidade de imitar, isso deve ser interpretado como um sinal de que as funções psicológicas relevantes não estão desenvolvidas; isso ocorre porque a criança só consegue se beneficiar da assistência quando é capaz de compreender o significado dessa assistência. A presença das funções psicológicas em desenvolvimento é o que embasa essa compreensão (CHAIKLIN, 2011). Com o conceito de ZDP, Vygotsky (2013) argumenta que um ensino eficaz é aquele que vai além do nível atual de desenvolvimento do aluno e o orienta, promovendo o avanço do desenvolvimento. A disposição e a capacidade do professor em atuar como mediador, oferecendo demonstrações, fazendo perguntas orientadoras e assim por diante, durante interações, são elementos cruciais para que o aluno assimile o conteúdo de forma adequada. 32 De acordo com Pasqualini (2009), a psicologia tem a capacidade de informar a organização do ensino, ajudando a identificar o que Vygotsky (2013) chama de ‘prazos ótimos da aprendizagem’ o momento mais adequado e produtivo para diferentes tipos de aprendizagem. Isso destaca a importância da intervenção intencional do educador no processo de desenvolvimento da criança, de acordo com essa abordagem teórica. Segundo Vygotsky (2013), quando se trata de prever o desenvolvimento intelectual futuro, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) oferece uma indicação mais precisa do que a avaliação do desempenho independente, pois, está diretamente relacionada às funções psicológicas em desenvolvimento. Conforme explicado por Chaiklin (2011), quanto maior o número de funções psicológicas em maturação que uma criança possui, maiores são suas oportunidades de se beneficiar do ensino escolar. Conforme Facci (2004), o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) direciona a atenção para a ideia de que o ensino deve concentrar-se não nas funções psicológicas já estabelecidas, mas nas funções em processo de desenvolvimento que são relevantes para a transição para o próximo estágio de desenvolvimento. Isso impulsiona o desenvolvimento e considera o desenvolvimento de formaprospectiva, orientando o ensino nessa direção. No entanto, é crucial destacar que nem todo tipo de educação visa o desenvolvimento abrangente da criança. Vygotsky (2013) esclarece que o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) não se relaciona ao ensino de habilidades técnicas e especializadas, como andar de bicicleta. A importância do conceito de ZDP é enfatizada no contexto educacional, realçando o papel fundamental da educação e, por conseguinte, do ensino, dentro da teoria de Vygotsky (2013). No contexto educacional, o ensino é concebido como um agente que efetivamente impulsiona o desenvolvimento. Nesse cenário, o professor desempenha um papel central como mediador entre o aluno e o conhecimento, sendo sua responsabilidade intervir na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) dos alunos e orientar a prática pedagógica. Além disso, é fundamental que os educadores estejam atentos às particularidades do desenvolvimento psicológico em diferentes fases evolutivas, a fim de desenvolver estratégias que facilitem a apropriação do conhecimento científico acumulado ao longo da história (Facci, 2004). 33 3.1 Quais as implicações do conceito de zona de desenvolvimento próximo (ZDP) para a prática pedagógica? Considerando que o desenvolvimento é influenciado pela interação social e, portanto, a intervenção pedagógica pode influenciar os processos de desenvolvimento, a perspectiva de Vygotsky (1991) tem implicações diretas para a prática educacional. Essa afirmação está relacionada à conexão entre desenvolvimento e aprendizado, que não são eventos coincidentes, mas sim interligados, pois é na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) que a influência do outro pode ter um impacto transformador mais significativo. De acordo com Vygotsky (1991), o aprendizado impulsiona o desenvolvimento. Nesse contexto, a instituição escolar desempenha um papel crucial na formação do indivíduo, sendo sua prática pedagógica direcionada para influenciar nos processos de desenvolvimento que ainda não estão plenamente consolidados, facilitando assim novas conquistas psicológicas. Como afirmado por Vygotsky, "Uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento" (VYGOTSKY, LURIA e LEONTIEV; 1988, p. 115). Portanto, as abordagens pedagógicas devem ser planejadas com base no nível de desenvolvimento real do aluno e também fazer referência ao nível de desenvolvimento potencial, visando alcançar as conquistas ainda não realizadas. Vygotsky (1991, p. 100) salienta que "o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento já alcançados é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo". Isso implica que o processo de ensino deve estar diretamente ligado a ambos os níveis de desenvolvimento da criança, uma vez que, como destacam Vygotsky, Luria e Leontiev (1988, p. 111), "existe uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem". Se um professor basear sua prática exclusivamente nas habilidades já adquiridas pelo aluno, ele corre o risco de ter uma visão distorcida e limitada das capacidades do aluno, privando-o da oportunidade de expandir suas formas de pensar, sentir e agir. Usuario Highlight Usuario Highlight 34 Nesse contexto, quando o professor não auxilia o aluno a superar uma dificuldade específica e apenas oferece tarefas que o aluno já domina e pode realizar de forma independente, está, na verdade, limitando seu progresso ao privá-lo da mediação necessária para construir um pensamento mais sofisticado. Portanto, é responsabilidade do professor incentivar o aluno a explorar áreas do conhecimento que ele ainda não domina, mas que pode alcançar com o devido apoio. Essa assistência é fundamental para impulsionar o desenvolvimento do aluno. Dessa maneira, o que o aluno já domina representa apenas o ponto de partida para alcançar a zona de desenvolvimento próximo, a qual pode ser atingida por meio de situações adequadas de aprendizagem. Conforme as ideias de Vygotsky (1991), é fundamental destacar que o aprendizado desempenha um papel crucial ao criar a zona de desenvolvimento próximo. Isso significa que o processo de aprendizagem estimula diversos processos internos de desenvolvimento, os quais só podem ser ativados quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e trabalha colaborativamente com seus pares. Uma vez internalizados, esses processos passam a fazer parte das aquisições de desenvolvimento que a criança realiza de maneira independente. Sob essa perspectiva, as atividades conduzidas pelo educador podem ser realizadas em configurações de grupo ou em aulas que enfatizem a colaboração, desde que tenham como princípio norteador a atuação na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). As interações sociais no ambiente escolar, tanto entre alunos e professores quanto entre os próprios alunos, desempenham um papel crucial, uma vez que as trocas interpessoais são essenciais para impulsionar o desenvolvimento. Isso porque, como evidenciado pela ênfase dada à mediação, o processo de desenvolvimento ocorre primariamente do social para o individual. Portanto, é importante evitar qualquer abordagem doutrinária no ensino, uma vez que, com base nas ideias de Vygotsky (1991), não seria apropriado adotar uma pedagogia diretiva que transforme o aluno em um mero receptor passivo. Tanto adultos quanto crianças mais experientes podem desempenhar o papel de mediadores entre outros indivíduos e o objeto de conhecimento, promovendo assim um ambiente de aprendizagem mais eficaz e colaborativo. 35 A disposição e disponibilidade do educador para desempenhar o papel de mediador, criando situações interativas que permitam a negociação de significados e conceitos valorizados pelo contexto sociocultural, desempenham um papel fundamental na aquisição do conteúdo. Aderindo a esses princípios, o professor fornece exemplos, utiliza ilustrações, oferece explicações alternativas, formula questionamentos e sugere abordagens diversas, com o objetivo de estimular a aprendizagem e promover o desenvolvimento de processos psicológicos superiores. O professor está ciente de seu papel influente no progresso dos alunos e não adota uma postura de neutralidade em momento algum. Em contrapartida, o professor reconhece a sua responsabilidade em desencadear ações que têm um impacto significativo no processo de desenvolvimento do aluno, e não adota uma postura passiva ou neutra. De acordo com Vygotsky (1989, p. 56), "nós nos tornamos nós mesmos através dos outros". Para Sirgado (2000, p. 65), "particularmente no caso da criança, o desenvolvimento estaria irremediavelmente comprometido sem a presença atenciosa e a ajuda constante do outro". Para Vygotsky (1989), o papel do outro neste processo é de importância fundamental: sua mediação é um requisito essencial para o desenvolvimento, pois, por meio dela, o indivíduo apropria-se das significações do mundo, tornando-se um ser social e cultural que utiliza funções psicológicas superiores. O desenvolvimento dessas funções é uma construção coletiva que se transforma em funções internas da mente. Nessa perspectiva, as atividades lúdicas desempenham um papel significativo, pois propiciam interações sociais que promovem a aprendizagem e o desenvolvimento. As brincadeiras oferecem oportunidades para explorar a relação entre objetos e seus significados, contribuindo para a construção de representações da realidade que transcendem o âmbito de situações ou objetos concretos. Essa abordagem semântica permite que o pensamento infantil se desvincule de contextos ou objetos específicos, permitindo-lhes operar com os significadosassociados a objetos, tempo, espaço e regras. No contexto dos jogos de faz-de-conta, as regras da realidade desempenham um papel proeminente. 36 De acordo com Góes (2000, p. 122), isso pode ser exemplificado ao considerar uma brincadeira de "escolinha", na qual uma criança assume o papel de professora e suas bonecas ou outras crianças desempenham o papel de alunos, participando de atividades que imitam uma escola real. Nesse contexto, a brincadeira se baseia nas experiências vivenciadas e conhecidas pela criança. Além de estimular a imaginação e a criatividade, essa atividade possibilita a reinterpretação das experiências cotidianas. Dessa forma "no contexto das brincadeiras, a criança recria suas vivências do dia a dia, reproduz modos culturais de interação com objetos e formas de relacionamento interpessoal". Nesse contexto, a criança está imersa em um mundo imaginário, onde interage com significados abstratos em vez de lidar com significados reais. As bonecas e a organização do ambiente representam uma realidade ausente, o que ajuda a estabelecer uma distinção entre os objetos e seus significados. Simultaneamente, as regras do jogo estimulam o desenvolvimento de comportamentos mais avançados, incentivando a adoção de atitudes novas que estejam de acordo com o cenário imaginário. Além disso, a criança adquire consciência das regras que regem a realidade. No exemplo mencionado, a criança esforça-se para demonstrar comportamentos típicos de um professor ou aluno, mesmo que essas habilidades estejam além de suas capacidades reais. Diante das oportunidades proporcionadas pelo ato de brincar, pode-se afirmar, com base na perspectiva de Vygotsky (1989), que os brinquedos, ao atenderem às necessidades das crianças em determinados estágios de seu desenvolvimento, criam uma zona de desenvolvimento próximo. A partir dessa zona, novas funções psicológicas superiores podem surgir e ser elaboradas. Portanto, as atividades lúdicas possuem um valor pedagógico significativo. Nesse sentido, promover atividades que estimulem a participação das crianças em brincadeiras, especialmente aquelas que envolvem a criação de cenários imaginários, desempenha um papel pedagógico importante. A escola, e particularmente a pré-escola, poderiam deliberadamente utilizar essas situações para contribuir no processo de desenvolvimento das crianças. Atualmente, é comum que os professores tenham uma percepção equivocada de que as atividades lúdicas realizadas pelas crianças representam uma perda de tempo. No entanto, essas atividades desempenham um papel fundamental no 37 desenvolvimento cognitivo das crianças, pois ensinam como direcionar o pensamento para além da simples percepção imediata de objetos ou situações. Portanto, não é por acaso que Vygotsky (1991, p. 114) afirmou que "as maiores conquistas de uma criança são alcançadas através do brincar, conquistas que, no futuro, se tornarão a base de sua ação real e moral". Isso implica que as transformações ocorridas na criança devido às atividades lúdicas tornam o brincar um elemento crucial na infância, ressaltando a importância de incorporar esse recurso nos planos de ensino dos professores. Nesse contexto, para que as abordagens pedagógicas se traduzam em desenvolvimento, é essencial que os professores compreendam tanto o nível de desenvolvimento atual quanto o potencial de seus alunos. Essa compreensão pode ser obtida por meio de avaliações diagnósticas e contínuas que se concentram mais no processo de aprendizado do que no resultado final. Isso significa que essa abordagem de avaliação se opõe à mera verificação do desempenho, como defendido pela tradição positivista e reducionista. O objetivo dessa abordagem é obter uma compreensão profunda de como o aluno percebe e interage com o mundo, incluindo suas experiências passadas e suas necessidades individuais. Essa compreensão orienta a criação de um plano de ação educacional que visa promover novas aprendizagens e desenvolvimentos. De acordo com Lunt (1995), é viável desenvolver uma teoria e aplicar uma metodologia de avaliação que se baseiem nos princípios de Vygotsky (1991) sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Isso resulta em uma avaliação qualitativa dos processos psicológicos superiores, que, por sua vez, informa o planejamento instrucional. Essa breve explanação sobre o conceito de zona de desenvolvimento proximal aponta para o segundo aspecto fundamental da relação entre a teoria de Vygotsky (1991) e a aplicação na prática educacional: a mediação, que será discutida com mais detalhes posteriormente. 3.2 A construção da linguagem e do pensamento Nos estudos de Vygotsky (2003) sobre a aquisição do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento, há uma dinâmica fundamental entre dois conceitos Usuario Highlight 38 essenciais em sua teoria: a Linguagem e o Pensamento. Embora esses conceitos apresentem diferenças distintas e características próprias, ao longo desse processo previamente mencionado, eles gradualmente se entrelaçam e se fundem em uma entidade indivisível. A linguagem e o pensamento são dois processos distintos que interagem entre si. A obtenção da linguagem modifica as funções mentais da criança, resultando na formação do pensamento. Isso, por sua vez, permite o desenvolvimento da memória, da imaginação e a capacidade de planejar ações diante das situações da vida. Nas interações sociais, Oliveira (1992) destaca a relevância da linguagem, que desempenha um papel complexo como um conjunto de símbolos, facilitando a comunicação entre os seres humanos e entre eles e o mundo ao seu redor. Isso capacita a criança a adquirir funções de pensamento com caráter generalizador e a se envolver em interações sociais. À medida que a criança estrutura suas experiências, ela cria significados que podem ser compartilhados, servindo como intermediários nas relações sociais. Segundo Vygotsky (1989), o sistema de signos reconfigura completamente o processo psicológico, capacitando a criança a controlar seu próprio movimento. Isso resulta em uma reconstrução do processo de tomada de decisão com base em novas fundações. O movimento deixa de depender exclusivamente da percepção direta e passa a ser influenciado pelo controle das funções simbólicas incorporadas na resposta de escolha. Esse desenvolvimento representa uma mudança significativa na história do comportamento, marcando o início da transição do comportamento primitivo dos animais para as atividades intelectuais superiores dos seres humanos. De acordo com Ilari (2011), a linguagem é considerada um instrumento do pensamento, e, portanto, tudo o que é criado culturalmente e está ligado à linguagem influencia a forma como o pensamento é moldado pelos indivíduos. A teoria cultural e histórica sustenta que o ser humano é moldado e construído por meio da linguagem, uma vez que a relação entre o ser humano e o mundo é um processo construtivo no qual o conhecimento desempenha um papel fundamental na atividade humana. Esses elementos mencionados consistem em instrumentos sociais e símbolos. Os instrumentos são objetos que socialmente facilitam a modificação do ambiente. Por outro lado, os símbolos têm a função de auxiliar em ações práticas e em processos psicológicos mais complexos, organizando-os dessa maneira. Usuario Highlight Usuario Realce Usuario Realce 39 De acordo com Vygotsky (1989), os símbolos se originam de maneira concomitante a partir da interação entre o pensamento e a linguagem, integrando o pensamento retórico e verbal. No entanto, eles mantêm certas características estruturais. A estrutura da linguagem não representa simplesmente um reflexo espelhado da estrutura do pensamento. Portanto, o pensamento não pode ser considerado como algo que simplesmente se adapta à linguagem. A linguagem não é meramenteuma expressão do pensamento puro, mas, em vez disso, é o meio pelo qual o pensamento se concretiza, sendo fundamental destacar, com base na aplicação prática dessa concepção, a representação do pensamento na linguagem que induz a uma reestruturação do mesmo. Os significados das palavras continuam a evoluir constantemente ao longo do tempo. Enfim, quando uma criança nasce, sua dependência inicial em relação ao adulto é crucial para sua sobrevivência e para facilitar sua interação com o ambiente circundante. Seguindo essa linha de pensamento, Vygotsky (2004) enfatiza que a fala e a linguagem desempenham um papel fundamental como mediadores no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Isso ocorre porque a linguagem possui duas características essenciais: a comunicação e a construção do pensamento. Para Rego (2002), a linguagem tem como sua principal função a facilitação do contato social, sendo seu desenvolvimento uma resposta à necessidade de comunicação individual. Dessa forma, à medida que a criança aprende a usar a linguagem como meio de expressar pensamentos e se comunicar, ocorre a convergência entre linguagem e pensamento. O pensamento torna-se verbal e a linguagem adquire um caráter mais racional. Segundo Vigotski (2004), o pensamento verbal desempenha um papel predominante nas atividades psicológicas, e a aquisição do domínio da linguagem é crucial para promover mudanças significativas na maneira como a criança se relaciona com o ambiente ao seu redor. Isso possibilita o desenvolvimento de novas formas de comunicação e uma reorganização do processo de pensar e agir. Em relação à linguagem, Oliveira (1997) destaca a diferenciação feita por Vigotski (1989) entre significado e sentido. O significado se refere ao sistema de relações objetivas que se estabelecem no processo de desenvolvimento da palavra, Usuario Realce Usuario Realce 40 enquanto o sentido diz respeito ao valor afetivo da palavra para cada indivíduo. Neste último aspecto, entram em consideração as experiências pessoais e as vivências emocionais, demonstrando a perspectiva de que cognição e afeto são elementos inseparáveis na formação do ser humano. 3.3 Sobre os instrumentos, os signos e a palavra Na análise das relações entre o sujeito e o ambiente, tal como Piaget (1988) e outros estudiosos, Vygotsky (1998) enfatiza a importância dos diversos instrumentos, desde os mais simples até os mais complexos. O autor argumenta, alinhando-se com as ideias marxistas sobre os meios de produção e as concepções darwinianas sobre a evolução humana, que ao longo do desenvolvimento humano, os indivíduos empregam instrumentos que lhes permitem interagir com a realidade natural e social, explorando-a em benefício próprio e coletivo, ao mesmo tempo em que também se transformam. Nesse contexto, a evolução da inteligência prática ao longo da filogênese está intimamente entrelaçada não apenas com o domínio sobre a natureza, mas também com o controle sobre o próprio indivíduo. As narrativas da evolução do trabalho e da linguagem estão intrinsecamente ligadas e são interdependentes. O ser humano não apenas inventou ferramentas de trabalho para subjugar as forças naturais, mas também desenvolveu estímulos que direcionaram e regularam seu próprio comportamento na interação com essas forças, desempenhando assim um papel crucial na sua evolução (VYGOTSKY, 1998). Nesse contexto mais amplo, um instrumento pode ser definido como um meio, que pode ser físico ou mental, utilizado para alcançar um objetivo, que também pode ser de natureza material ou mental. Por exemplo, o uso de uma tesoura para cortar um fio ou a leitura de um material para se preparar para um seminário. Esses instrumentos atuam como intermediários que conectam o indivíduo que busca atingir um determinado objetivo (cortar ou preparar-se) com o ambiente que contém a condição desejada (a presença do fio ou do seminário). De acordo com as obras de Vygotsky (1998), é possível categorizar os instrumentos em três categorias distintas: 41 ➢ Instrumentos formados por ferramentas: tais instrumentos podem ser exemplificados como elementos naturais inalterados, aqueles que foram adaptados (como um galho modificado), ou ainda, como objetos fabricados (como uma pá) para realizar tarefas como a escavação de terra, por exemplo. ➢ Instrumentos de imitação: esses instrumentos incluem a observação das ações realizadas por outras pessoas ou animais, bem como fenômenos naturais e interações em grupos, que nos possibilitam replicá-las. Isso pode envolver a imitação de um personagem famoso, a imitação do som de um cachorro, a reprodução do rugido do vento, ou mesmo a replicação da sintonização de um rádio, por exemplo. ➢ Instrumentos constituídos por signos: nesse grupo, encontramos os sinais que indicam a presença de coisas, mas não as coisas em si. Esses sinais podem ser divididos em dois tipos: os ‘signos linguísticos’, que estão relacionados à linguagem, e os ‘signos não linguísticos’, que se baseiam nas características físicas das coisas. Por exemplo, um termo como ‘perigo’ em linguagem pode alertar para uma situação potencialmente prejudicial, enquanto um estrondo alto e repentino, sem a necessidade de palavras, pode indicar um possível acidente. É importante ressaltar que as duas primeiras formas instrumentais, são empregadas tanto por seres humanos quanto por algumas espécies animais. Por exemplo, um macaco pode aprender por conta própria a usar um pedaço de vara para alcançar um fruto distante, como foi demonstrado nas experiências de insight realizadas por Kohler com chimpanzés. Além disso, existe a imitação instintiva em animais, que os permite copiar ações de seus semelhantes para sobrevivência e adaptação, como o comportamento de caça em predadores. No entanto, é fundamental salientar que a semelhança na utilização de ferramentas por imitação entre animais e seres humanos é superada qualitativamente pelo ser humano. Um exemplo que ilustra essa diferença é o caso do macaco mencionado anteriormente. Após utilizar o pedaço de pau como ferramenta para pegar o fruto, o macaco tende a esquecer a ferramenta e a abandoná-la ou brincar com ela até 42 quebrá-la. Isso ocorre porque o macaco não possui a capacidade mental de antecipar que a mesma situação possa se repetir no futuro. Em outras palavras, ele não tem a consciência de planejar para o futuro, o que significa que não ocorre uma aprendizagem verdadeira no sentido humano. A menos que o macaco seja treinado e aprenda a conservar a ferramenta, sua habilidade de conservação será rudimentar e sujeita a desaparecer na ausência de treinamento. No caso do ser humano, essa mesma situação, que visa o mesmo objetivo de pegar o fruto, resulta em comportamentos diferentes. O ser humano tende a guardar e proteger a ferramenta utilizada, investindo tempo e esforço para aprimorá-la e melhorar sua funcionalidade. Além disso, ele também está disposto a emprestar a ferramenta a outras pessoas para que possam obter os mesmos benefícios. No que se refere à imitação humana, mesmo que possa haver alguma base instintiva, o ato de imitar não se resume a uma simples reprodução das ações dos modelos observados. Conforme destacado por Vygotsky (1998), até mesmo a imitação realizada por crianças em tenra idade é caracterizada por um grau de criatividade, à medida que incorporam elementos ‘criados’ por elas mesmas à ação imitada, e esse aspecto criativo tende a aumentar progressivamente. Com respeito ao ato imitativo da criança, Steiner (1998) descreve o processo de ultrapassagem do instintivo no ser humano, destacando suas primeiras manifestações no contexto familiar e sua transição para o âmbito psíquico. Ele compara essa dinâmica ao funcionamento do olho, que recebe as impressões do mundo e, devido à sua organização,reproduz o que acontece ao seu redor. Da mesma forma, nos primeiros anos de vida, todo ser humano reproduz em seu interior as experiências que ocorrem ao seu redor. No entanto, a criança percebe essas experiências ao seu redor como uma forma única de vivência interior. Steiner (1998) exemplifica que quando uma criança observa um dos pais realizando um determinado movimento com a mão ou o braço, ela imediatamente sente o impulso interno de realizar o mesmo movimento. Ao imitar o movimento observado em seu entorno, a criança evolui dos movimentos infantis aleatórios e agitados para movimentos mais definidos e orientados por um propósito. 43 Pierre Janet (1970), ao estudar a imitação como uma forma de interação social, enfatiza que a imitação não consiste apenas na simples reprodução desprovida de originalidade por parte da criança. Essa capacidade criativa na imitação pode ser ilustrada por meio das brincadeiras infantis, nas quais as crianças imitam comportamentos, principalmente de adultos (membros da família, profissionais, personagens fictícios, etc.), incorporando ações inventadas que não estão presentes no modelo imitado. Essas ‘incorporações pessoais’ também se manifestam no uso de brinquedos durante os jogos infantis, nos quais a criança pode modificar os brinquedos que possui ou inventar alternativas para substituir brinquedos reais quando não os têm à disposição. No entanto, para aprofundar essas questões relacionadas à imitação e às brincadeiras, é recomendável consultar as obras de Vygotsky (1998) e de outros autores que abordam esses temas, conforme indicado na bibliografia correspondente. Quanto aos instrumentos ‘sinalizadores’, os não linguísticos podem estar envolvidos nas atividades dos animais. Por exemplo, após um cão ser atropelado por um carro e sobreviver, é provável que ele manifeste medo ao perceber, seja visualmente ou auditivamente, a proximidade de outro carro. É importante destacar que, no que diz respeito aos instrumentos que envolvem signos linguísticos, Vygotsky (1998) os considera exclusivos do ser humano devido a certas características neuropsicossociais que somente os seres humanos podem desenvolver como capacidades. Podemos resumir esse conceito geral sobre os instrumentos da ação humana com uma citação de Rego (2002) que Vygotsky (1998) em sua análise destaca a função mediadora desempenhada pelos instrumentos elaborados na execução das atividades humanas. Esses instrumentos têm o poder de desencadear mudanças no ambiente externo, pois ampliam a capacidade de intervenção do ser humano na natureza. Ao contrário de outras espécies animais, os seres humanos não apenas criam instrumentos para realizar tarefas específicas, mas também têm a habilidade de preservá-los para uso futuro, de transmitir seu conhecimento sobre esses instrumentos aos membros de seu grupo, de aprimorar os instrumentos existentes e de inventar novos quando necessário. 44 Com base na perspectiva geral de Vygotsky (1998) sobre os instrumentos como mediadores da atividade humana, aprendizado e desenvolvimento psicossocial, o autor desenvolve o conceito psicológico de ‘signo’. Esse conceito desempenha um papel fundamental em todas as construções realizadas pelo sujeito que aprende, especialmente em sua interação com o meio e, sobretudo, com outras pessoas. Portanto, o ‘signo’ representa um elemento de conexão essencial entre o sujeito e seu ambiente, sendo visto como um instrumento psicossocial construído pela própria pessoa. Ele funciona como uma representação dos diversos elementos do ambiente, tanto externos quanto internos, e desempenha um papel crucial na capacidade do sujeito de estimular, regular e controlar sua própria atividade. Portanto, o ‘signo’ assume a função de um indicador, um sinal ou um anúncio que aponta para a existência de ‘algo’ concreto, seja fora de nós ou dentro de nós mesmos. Ele representa a imagem consciente dessa coisa em nossa mente, não sendo a própria coisa, mas uma representação simbólica. Esse caráter simbólico está em conformidade com a observação de Piaget (1988), uma vez que a simbolização das coisas se refere ao que está representado na mente das pessoas. Isso pode variar dependendo das capacidades individuais e das condições sociais, levando a diferentes graus de aproximação com a realidade. No plano inconsciente, essas representações também se formam, mas com distorções devido à ausência de consciência, que é a capacidade humana de esclarecer as verdadeiras relações entre o real e o psicológico. Portanto, o ‘signo’ mental está presente em todos os construtos humanos. Vygotsky (1998) enfatiza que nossa vida está repleta de ‘signos’, desde simples formas de sinalizar coisas que não queremos esquecer, como amarrar um nó em um lenço, mudar um anel de dedo, atar barbantes nos dedos ou colocar um pedaço de papel na pulseira do relógio, até sistemas mais complexos de sinalização, como álgebra, diagramas, mapas e figuras. Isso inclui especialmente os ‘signos linguísticos’ presentes na linguagem, incluindo a linguagem oral, escrita e gestual, e decorre da própria capacidade intrínseca da linguagem. No contexto da aprendizagem, a capacidade de utilizar esses ‘signos’ permite o processamento de informações tanto do ambiente externo quanto interno, transformando-as em conhecimento que pode ser aplicado para resolver situações práticas. Isso garante a aquisição não apenas das relações concretas, diretas e Usuario Highlight 45 imediatas da interação com o ambiente, mas também das relações abstratas e indiretas, bem como a capacidade de projetar-se para o futuro. Conforme se sabe, os ‘signos’ não linguísticos são compartilhados entre humanos e animais para representar eventos reais e antecipar eventos futuros por exemplo, um uivo que anuncia a proximidade de um lobo é compreendido tanto pelo gado quanto pelo homem. No entanto, os ‘signos’ linguísticos ou semânticos são uma capacidade exclusiva dos seres humanos a palavra ‘lobo’ não tem significado para o gado, mas serve como um alerta para o homem. Vygotsky (1998) enfatiza o papel único do ‘signo’ linguístico na aprendizagem mediada pelo ser humano, uma vez que permite a aquisição de informações e o aprendizado por meio da linguagem. Ele se refere a isso como mediação social, distinguindo-a de outras formas de mediação, como a mediação instrumental, por meio de ferramentas, imitação e signos não linguísticos. Vygotsky (1998) destaca o ‘signo’ linguístico como uma característica distintiva da aprendizagem mediada exclusivamente pelo ser humano. Esse tipo de ‘signo’ permite que os indivíduos adquiram informações e aprendam por meio da linguagem, o que ele especificamente denomina de mediação social. Ele diferencia essa forma de mediação das outras, como a mediação instrumental (por meio de ferramentas), a mediação por imitação e a mediação por ‘signos’ não linguísticos. Os seres humanos utilizam a mediação social, especialmente por meio do ‘signo’ linguístico, como um meio mais eficiente em comparação com outras formas de mediação, como a mímica. Na mímica, que envolve ‘signos’ gestuais e corporais, a representação de conceitos específicos, como a fome, pode ser interpretada de maneiras diferentes pelo interlocutor, levando a possíveis mal-entendidos. No entanto, quando alguém diz simplesmente ‘tenho fome’, a interpretação é clara e unívoca, facilitando a comunicação. Do ponto de vista funcional, Vygotsky (1998) identifica três funções que são desempenhadas e facilitadas pelos ‘signos’ linguísticos: ➢ A capacidade da linguagem de representar objetos, indivíduos e eventos, mesmo quando não estão fisicamente presentes, permite o planejamento antecipado das ações e a projeção para o futuro, desempenhando um papel crucial na regulação e estímulo das atividades pessoais, além de influenciaras ações de outras pessoas. Usuario Highlight Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 46 ➢ A linguagem nos capacita a analisar, abstrair e generalizar objetos, indivíduos e eventos, permitindo-nos inicialmente distinguir suas características distintas. Em seguida, podemos selecionar as características essenciais e definidoras, e por fim, agrupar objetos, pessoas e eventos similares sob um padrão comum, com base em suas características compartilhadas. ➢ Através da mediação da linguagem, as pessoas têm a capacidade de compartilhar suas experiências, que incluem conhecimento, vivências e valores, por meio de um contínuo diálogo. Além de transmitir essas experiências acumuladas ao longo da história humana para as novas gerações, esse processo também contribui para o aprimoramento da cultura da humanidade. Vygotsky (1998) utiliza o conceito de ‘signo’ linguístico para distinguir os processos psicológicos básicos que estão presentes em animais e seres humanos dos processos psicológicos superiores que são exclusivos dos humanos. No primeiro grupo, ele inclui a memória natural, a atenção involuntária, o pensamento intuitivo, as reações emocionais, a percepção instintiva, entre outros. No segundo grupo, ele coloca a memória racional, a atenção intencional, o pensamento abstrato, os sentimentos, a percepção investigativa, entre outros. Na aprendizagem, os seres humanos utilizam esses processos psicológicos de acordo com sua capacidade biopsicossocial, que combina maturidade biológica e experiência psicossocial. No início da aprendizagem infantil, os processos básicos predominam, juntamente com seus correspondentes ‘signos’. Conforme as crianças se desenvolvem e amadurecem, eles gradualmente reduzem o uso desses processos em favor dos processos superiores que já possuem, acompanhados pelos ‘signos’ correspondentes. Os ‘signos’, especialmente o ‘signo’ linguístico, embora sejam construções individuais de cada sujeito, têm origens na evolução humana e foram transmitidos através das diversas culturas ao longo do tempo. Cada grupo humano, com suas características étnicas e geográficas específicas, assimilou gradualmente esses signos, transformando o externo (meio) em interno (individual), o geral (humano) em particular (grupo) e o particular em singular (cada membro). Usuario Realce 47 Essa perspectiva linguística contrapõe-se à antiga crença inatista da linguagem, que argumentava que nascemos com essa habilidade. Na década de 1950, essa visão inatista ganhou destaque na teoria ‘gerativista’ de Chomsky, levando à famosa ‘revolução chomskiana’. No entanto, essa abordagem inatista foi posteriormente questionada, primeiro por Skinner, que adotou uma perspectiva ambientalista e comportamentalista, e depois por Bruner, que defendeu uma visão interacionista. No debate sobre a controvérsia entre a natureza inata e a aquisição da linguagem, sem subestimar a influência de um sobre o outro, conforme Coll (2000), destacando que um dos fatores geneticamente regulados e, portanto, uma característica inata, é a maturidade cerebral presente no momento do nascimento. A assertiva de que o desenvolvimento de processos psicológicos complexos, como os linguísticos, seja primariamente dependente da maturação é questionada. O desenvolvimento desses processos é influenciado por uma ampla gama de variáveis, incluindo fatores ambientais, em seu percurso de crescimento. No que diz respeito a essa apropriação sociocultural, um exemplo ilustrativo pode ser encontrado na diversidade de idiomas em que o significado linguístico de ‘casa’ é universalmente entendido como um local protegido onde pessoas com laços afetivos e econômicos habitam. No entanto, os ‘signos’ linguísticos variam: em inglês, é ‘house’; em russo, é ‘doma’; em português, é ‘casa’, entre outros. Além disso, para cada indivíduo, o significado de ‘casa’, expresso em qualquer idioma, pode ter conotações distintas, dependendo de suas experiências individuais, o que Vygotsky (1998) chamou de ‘o sentido do signo’. Assim, o sentido refere-se às valorações associadas ao significado de ‘casa’, que podem ser positivas para alguns (um lugar feliz e agradável) e negativas para outros (um lugar ruim e traumático), por exemplo. Para uma exploração mais aprofundada dessa dicotomia ‘significado- sentido’, o interessado pode consultar Baquero (2001) na obra de Vygotsky (1998). Bakhtin (2013) aprofunda a compreensão do ‘signo’ linguístico e estabelece uma distinção entre o ‘signo’ em si e o sinal que carrega o signo. De acordo com Bakhtin (2013), o ‘signo’ é a significação que precisa ser decodificada pelo sujeito individualmente, o que o torna variável, dependendo de cada sujeito, de seu sentido individual e do contexto situacional. Por outro lado, o sinal é a forma linguística que identifica objetos no mundo e é invariável, pois sempre se refere ao mesmo objeto. Usuario Highlight 48 Bakhtin (2013), afirma que ‘a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial’, o que significa que o ‘signo’ linguístico tem tanto significado quanto sentido, coincidindo assim com a visão de Vygotsky (1998) neste aspecto. Além disso, do ponto de vista estrutural, no ‘signo’ linguístico, há um terceiro componente sempre presente, que é o significante. Esse termo se refere às diferentes formas pelas quais o significado específico é adquirido e atribuído a um determinado sentido, bem como à sua comunicação aos outros. Essas formas podem estar no nível sensório-perceptivo ou mesmo no nível mental. Por exemplo, um ouvinte pode perceber um ‘signo’ através da audição, enquanto um surdo pode captar o mesmo ‘signo’ usando sua visão, como na linguagem de sinais. Da mesma forma, o ouvinte comunica seus ‘signos’ através da fala, enquanto o surdo utiliza suas mãos e expressões faciais na linguagem de sinais. Ambos podem expressar os mesmos ‘signos’ por escrito, usando a escrita que aprenderam. Em um nível mental, tanto crianças ouvintes quanto surdas são capazes de realizar processos complexos de pensamento, linguagem e afetividade, como análise, síntese, abstração, generalização, emoções, sentimentos, valores e motivação. Essas operações cognitivas e afetivas permitem que eles alcancem o significado do ‘signo’ e atribuam sentido a ele internamente, sem depender do nível anterior que envolve múltiplas experiências sensoriais. Do ponto de vista da comunicação nesse nível, as ideias que envolvem esse ‘signo’ podem ser transmitidas aos outros por meio da linguagem oral ou de sinais, através de diálogos. Além disso, essas ideias podem ser utilizadas para reflexões pessoais, seja em forma de solilóquio ou reservadas para futuras reflexões. Toda a lógica apresentada sobre o ‘signo linguístico’ (juntamente com os ‘signos’ não linguísticos) pode ser aplicada da mesma forma à aprendizagem de qualquer conteúdo educacional ou função biopsicossocial em geral, como uma característica da construção individual do aprendizado. Nesses processos de aprendizagem, o aprendiz é exposto aos dados na forma de ‘signos’ linguísticos, que podem incluir a exposição do professor, intervenções de colegas, materiais de leitura, artigos na internet, entre outros. O aprendiz internaliza esses dados, incorporando-os a suas próprias experiências e estratégias de 49 aprendizagem individuais. Isso resulta na construção de novos ‘signos’ linguísticos que correspondem ao aprendizado adquirido e que serão aplicados na resolução de desafios teóricos e práticos enfrentados pelo próprio aprendiz. Como demonstrado neste exemplo, nos processos de aprendizagem, encontramos um sistema de ‘signos’ (tanto linguísticos quanto não linguísticos) que seguem a perspectiva de Vygotsky (1998), percorrendo o trajeto "do mundo exterior para o interior e novamente para o mundoexterior". Nesse contexto, Coll (2000, p. 259) observam que o ambiente social e cultural fornece os ‘signos ‘e sistemas de ‘signos’ necessários para a formação dos processos psicológicos superiores. O desenvolvimento individual, em grande parte, envolve o acesso progressivo a esses "signos" e sistemas de "signos" e, em outras palavras, o processo contínuo de aprendizagem desses "signos" e sua utilização. Vygotsky (1998) enfatiza que o ‘signo’ sofre uma transformação significativa quando faz a transição do ambiente externo e social, onde é criado, para o ambiente interno e individual, onde é internalizado. Isso ocorre sem que o ‘signo’ perca sua capacidade de representar o objeto que ele define, ou seja, sem que seu significado seja alterado. Por exemplo, o ‘signo’ linguístico ‘casa’, que é construído externamente pelas pessoas em suas culturas específicas em um determinado período histórico, é então recriado internamente por cada indivíduo, levando em consideração sua própria cultura e história pessoal. Para concluir sobre a relevância da função simbólica do ‘signo’ linguístico, é importante destacar que o pensamento de Vygotsky continua sendo significativo no contexto das teorias linguísticas, psicolinguísticas e cognitivas contemporâneas. Essas abordagens enfatizam o papel central do "signo" na linguagem. A autora Morato (2000, p. 157) ressalta que as observações corroboram a visão de Vygotsky (1998), identificando a estreita relação entre indivíduo e sociedade na linguagem. A linguagem representa a capacidade humana de simbolizar e de compreender o "signo" como representação do real, possibilitando a organização da realidade em conceitos. Essa função organizadora está tão intrinsicamente ligada à linguagem que é possível considerar a identificação do pensamento e da linguagem nesse aspecto. 50 Dessa forma, você pôde compreender que os ‘signos’ de Vygotsky (1998) desempenham um papel fundamental em sua teoria do desenvolvimento e da aprendizagem. Para Vygotsky (1998), os signos são unidades de significado que permitem aos seres humanos representar e compreender o mundo ao seu redor. Eles podem ser divididos em dois tipos principais: signos não linguísticos (como gestos, símbolos e ferramentas) e signos linguísticos (palavras e linguagem escrita). Assim, a relação entre os signos e a aprendizagem está no cerne da teoria de Vygotsky (1998). Ele argumenta que a aprendizagem é mediada pelos signos, ou seja, os signos desempenham um papel crucial na mediação entre o aprendiz e o conhecimento. Quando uma criança aprende algo novo, ela o faz através da mediação de signos, que podem incluir a linguagem falada, escrita ou outros signos não linguísticos. Esses signos ajudam a criança a internalizar o conhecimento, transformando-o em uma parte integrante de seu pensamento e compreensão. Além disso, Vygotsky (1998) enfatiza a importância da zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que é a diferença entre o que uma criança pode fazer sozinha e o que ela pode fazer com ajuda ou orientação de um adulto mais experiente. Os signos desempenham um papel crucial na ZDP, pois são usados pelo adulto para fornecer suporte e orientação à criança durante o processo de aprendizagem. Contudo, os signos de Vygotsky (1998) são ferramentas cognitivas e culturais que desempenham um papel central na forma como os seres humanos aprendem e desenvolvem seu pensamento. Eles são usados para mediar a relação entre o aprendiz e o conhecimento, facilitando o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Os ‘signos’ de Vygotsky (1998) desempenham um papel essencial na sua teoria da mediação. Vygotsky (1998) argumenta que a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo ocorrem através da mediação de signos, sejam eles signos linguísticos, como palavras e linguagem escrita, ou signos não linguísticos, como gestos e ferramentas. A mediação, neste contexto, refere-se ao processo pelo qual os signos atuam como ferramentas intermediárias que ajudam os indivíduos a compreender, internalizar e aplicar o conhecimento. Assim, no próximo tópico vamos tratar sobre a teoria da mediação. Usuario Realce 51 3.4 Teoria da mediação Vygotsky (2007) enfatiza que o processo de aprendizado de um indivíduo não pode ser separado do contexto histórico, social e cultural no qual ele se encontra imerso. Ele argumenta que, para adquirir conhecimento, desenvolver competências e construir a sua própria compreensão, o ser humano precisa interagir com outros membros da sua espécie, com o ambiente que o cerca e com a cultura predominante. De acordo com o autor, essas interações sociais desempenham o papel de mediação, atuando como uma ligação entre o sujeito e o objeto de aprendizagem. Para que ocorra interação entre os indivíduos, torna-se essencial a utilização de instrumentos desenvolvidos ao longo da evolução da sociedade, que têm o poder de transformar a forma como as pessoas se relacionam e o nível de progresso cultural alcançado. Vygotsky (2007), influenciado pelas ideias de Marx (1818 -1883) e Engels (1820-1895), sustenta a importância do uso de instrumentos como um elemento distintivo do ser humano em relação aos outros animais. Sua teoria visa analisar os processos mentais envolvidos na compreensão do mundo. No que se refere à mediação, Gomes (2010) enfatiza sua conexão com a vida, o dinamismo e o processo de criação de significados, alinhando-se com as ideias de Vygotsky, que sustenta que o desenvolvimento humano ocorre por meio da interação social. A construção do conhecimento depende de ações compartilhadas, levando em consideração não apenas as relações entre indivíduos, mas também sua interação com o ambiente circundante. As ideias de Lev Vygotsky (2007) se baseiam em quatro conceitos fundamentais: interação, mediação, internalização e Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Vygotsky (2007) argumentava que, para aprimorar a aprendizagem, era essencial não apenas que o indivíduo atuasse sobre o ambiente, mas, principalmente, que interagisse com ele. Ele sustentava que todo conhecimento humano é adquirido por meio de relações interpessoais e interações com o ambiente, o que justifica o termo ‘interativo’. Vygotsky (2007) enfatizava que o que aparentemente é uma faceta individual de uma pessoa é, na verdade, o resultado da construção de sua relação com os outros, que formam um coletivo cultural. A interação, mediada pela linguagem, pela comunicação e pelos símbolos escolhidos como metáforas, é o meio pelo qual o indivíduo se conecta e se apropria da cultura. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 52 Vygotsky (2007) sustenta que as funções mentais superiores são moldadas socialmente e transmitidas culturalmente por meio da linguagem. Ele argumenta que, mesmo que um indivíduo tenha potencial de desenvolvimento biológico, esse desenvolvimento não se concretizará plenamente sem interações com os outros. A cultura utiliza representações simbólicas para negociar o significado das coisas, atuando como um elo de mediação entre um objeto ou realidade e a compreensão, agindo essencialmente como um processo de tradução. Vygotsky (2007) também aborda o conceito de internalização, que representa o estágio em que o processo de aprendizado se consolida. Nesse estágio, ao refletir sobre o nome e o significado de um objeto, ao internalizá-los, o indivíduo consegue abstrair o conceito e torná-lo universal. Esse processo ocorre por meio da mediação da linguagem, através das interações com os outros. É dessa maneira que se adquirem conhecimentos, papéis sociais e valores. Vygotsky (2007) introduz o conceito de zonas de desenvolvimento, que se dividem em três categorias distintas. A primeira delas é o nível de desenvolvimento real, que representa as etapas já alcançadas pelo indivíduo, permitindo que ele resolva problemas deforma autônoma. Em seguida, temos o nível de desenvolvimento potencial, que se refere à capacidade do indivíduo de executar tarefas com auxílio ou mediação. Por fim, a zona de desenvolvimento proximal representa a distância entre os níveis de desenvolvimento real e potencial, indicando o percurso necessário para atingir a maturidade e a consolidação das funções superiores. A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) representa o espaço situado entre o conhecimento atual do indivíduo e o seu potencial de aprendizado, desde que haja orientação por parte de um mediador. O termo ‘proximal’ sugere uma proximidade ou intimidade, destacando a presença do educador ou de alguém mais experiente que identifica o potencial do aluno e o encoraja a superar seus limites e adquirir o conhecimento que é capaz de alcançar. De acordo com Vygotsky (2007), o educador desempenha o papel de mediador entre o indivíduo e o mundo, sendo responsável por descobrir a ZDP do aluno, auxiliando-o na interação com os outros e consigo mesmo para que alcance todo o seu potencial. 53 A distância entre o nível de desenvolvimento real, geralmente avaliado com base na capacidade de resolver problemas de forma independente, e o nível de desenvolvimento potencial, que é determinado pela capacidade de resolver problemas com orientação de um adulto ou em colaboração com colegas mais competentes, conforme afirmado por Vygotsky (2007). Com o objetivo de facilitar a compreensão das zonas de desenvolvimento e a localização da mediação dentro da ZDP, foi criado uma figura que resume os conceitos propostos por Vygotsky (2007). Figura 2. Zona de Desenvolvimento Proximal. Fonte: https://shre.ink/np88 A mediação na Zona de Desenvolvimento Proximal representa um recurso essencial que capacita o indivíduo a otimizar sua aprendizagem e a expandir suas percepções. Essa fase desempenha um papel fundamental no progresso e no aprofundamento dos conhecimentos, o que também se aplica ao desenvolvimento da competência em informação. 3.5 Mediação e competência em informação Segundo Farias (2014), no contexto atual, marcado pela crescente explosão de informações e pela onipresença das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) nas interações sociais, surge a abordagem conhecida como CoInfo. Essa abordagem tem como objetivo central promover o desenvolvimento do pensamento crítico das pessoas em relação às informações. Um indivíduo competente em informação é capaz de discernir a natureza das informações necessárias, acessá-las de maneira eficiente, avaliá-las de forma crítica e integrá-las ao seu repertório de conhecimento e sistema de valores. 54 Facilitar e cultivar competências e aptidões ligadas à pesquisa, obtenção, aplicação e assimilação de informações são procedimentos que ampliam a formação do conhecimento. Além disso, permitem que a pessoa avalie de maneira crítica e reflexiva suas demandas por informações, levando em consideração seu contexto específico. Para que se desenvolva a competência em informação, é fundamental ter familiaridade com as teorias de aprendizagem que são abordadas no campo educacional. Isso ocorre porque a competência em informação utiliza métodos de ensino em suas atividades. Portanto, aqueles que são encarregados de implementar programas de competência em informação, como bibliotecários, precisam compreender como os alunos aprendem, a fim de direcionar estrategicamente esses programas. Idealmente, isso deve ser feito em colaboração com os professores (SANTOS, 2013). Nesse contexto, a teoria de Vygotsky (2007) apresenta a figura do educador como um facilitador que, por meio do uso de instrumentos e signos, pode promover a emergência de funções mentais superiores e facilitar o processo de aprendizado. Vygotsky (2007) destaca que a introdução de meios artificiais, que representa a transição para a atividade mediada, tem um impacto significativo na transformação de todas as operações psicológicas. Além disso, o uso de instrumentos amplia consideravelmente a variedade de atividades nas quais essas novas funções psicológicas podem ser aplicadas. Nesse contexto, podemos empregar o termo ‘função psicológica superior’ ou ‘comportamento superior’ para descrever a interação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica. Com base nessa afirmação, esta teoria fornece a base para o desenvolvimento de um recurso educacional que oferece suporte ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos, auxiliando-os a alcançar sua zona de desenvolvimento potencial. Isso é feito por meio da mediação da zona de desenvolvimento proximal, onde os processos estão em curso, mas estão em fase de amadurecimento e desenvolvimento, como destacado por Vygotsky (2007). 55 3.6 Quais as implicações do conceito de mediação para a prática pedagógica? No planejamento de sua prática educacional, o professor deve estar ciente de que desempenha um papel fundamental como mediador da cultura socialmente valorizada. Ele atua como intermediário entre seus alunos e o conhecimento escolar, com a responsabilidade de guiar os alunos na aquisição desse conhecimento. Portanto, a função do professor é essencial na facilitação da apropriação de conteúdos culturalmente desenvolvidos e compartilhados pelos alunos. A mediação apresenta duas características essenciais: não consiste na simples transmissão passiva de conteúdos e está intrinsecamente ligada ao nível de desenvolvimento do aluno. Portanto, para que a mediação seja eficaz, é necessário considerar o nível de desenvolvimento real do aluno, enfatizando a importância de avaliar suas aquisições prévias. Isso implica que o professor deve ter um entendimento profundo do aluno, reconhecendo suas tentativas de dar significado à realidade. Esse processo não segue uma trajetória linear, mas envolve desafios, questionamentos e conflitos que contribuem para a aprendizagem. Nesse contexto, Oliveira (1992, p. 68) observa que "cada vez que um indivíduo interage com o mundo social, ele se encontra em uma fase específica de sua jornada pessoal, trazendo consigo certas capacidades de interpretação e reinterpretação do conteúdo que adquire dessa fonte externa." As ideias de Vygotsky (1991) sobre mediação esclarecem aos professores que a realização de tarefas que demandam atenção e memória pode ser aprimorada por meio do uso de elementos mediadores, que auxiliam na recuperação de conteúdos específicos. Esses elementos consistem em signos e estímulos intencionais auxiliares, por meio dos quais as operações psicológicas se tornam qualitativamente superiores, até que o sujeito adquira autonomia, controlando seu próprio comportamento. Portanto, pode-se concluir que a memória mediada facilita a retenção de conteúdo a ser recuperado, fazendo referência a objetos e eventos ausentes e, assim, promovendo de maneira substancial o processo de aprendizado. No contexto de ensino-aprendizagem, os conteúdos escolares devem ser contextualizados, ou seja, enriquecidos com referências que representem a realidade. Considerando que a 56 atenção voluntária, que é uma função psicológica superior, também opera de maneira mediada e requer a assistência do professor, como ele deve agir? O professor está ciente de que nem tudo o que é abordado na prática pedagógica é captado pela atenção do aluno, que direciona seu foco de acordo com seus critérios de relevância e, portanto, nem sempre se concentra no que é fundamental. Sendo assim, gritos ou ameaças não são métodos adequados para capturar a atenção. O professor deve ter um entendimento da realidade social, cognitiva e afetiva dos alunos, apresentando propostas motivadoras e desafiadoras. Quando o professor não consegue isso, o uso de diversos recursos e explicações sobre a funcionalidade do conteúdo, mesmo que indiretamente relacionadoà vida dos alunos, geralmente produzem resultados. Gradualmente, por meio de sua mediação, o professor ajuda os alunos a desenvolverem critérios eficazes para regular sua atenção. Dessa maneira, a prática pedagógica, através da interação, necessariamente implica na negociação e estabelecimento de significados compartilhados, que são conhecimentos socialmente elaborados sobre o mundo real. Nesse contexto, a abordagem dos sistemas simbólicos, especialmente a linguagem, é altamente relevante devido à sua importância no desenvolvimento do pensamento, como mencionado anteriormente (VYGOTSKY, 1991). 57 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, J. A.; GALVÃO, A. Introdução Histórica às Ciências Cognitivas. Jornal de Ciências Cognitivas: Sociedade Portuguesa de Ciências Cognitivas, 2006. AMORIM, R. C. R; JANNUZI, A. H. L; NEVES, A. M. C; SOUZA, C. G. Recuperação da informação tecnológica: a questão do indexador na classificação internacional de patentes. XXV Encontro Nac. de Eng. de Produção – Porto Alegre, RS, Brasil, 29 out a 01 de nov de 2005. 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